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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE - CCS DEPARTAMETO DE EDUCAÇÃO FÍSICA - DEF PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA - PPGEF CARLOS ALEXANDRE ANDRADE DOS SANTOS AS POSSIBILIDADES DE EXPRESSÕES DA APRENDIZAGEM DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: SILÊNCIO, TATUAGEM E COMUNICAÇÃO NATAL 2020 CARLOS ALEXANDRE ANDRADE DOS SANTOS AS POSSIBILIDADES DE EXPRESSÕES DA APRENDIZAGEM DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: SILÊNCIO, TATUAGEM E COMUNICAÇÃO Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação Física. ORIENTADOR: Prof. Dr. Allyson Carvalho de Araújo. COORIENTADOR: Prof. Dr. Marcio Romeu Ribas de Oliveira. NATAL 2020 Santos, Carlos Alexandre Andrade dos. As possibilidades de expressões da aprendizagem da pessoa com deficiência intelectual: silêncio, tatuagem e comunicação / Carlos Alexandre Andrade dos Santos. - 2020. 154f.: il. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências da Saúde, Programa de Pós-Graduação em Educação Física. Natal, RN, 2021. Orientador: Allyson Carvalho de Araújo. Coorientador: Marcio Romeu Ribas de Oliveira. 1. Deficiência Intelectual - Aprendizagem - Dissertação. 2. Práticas esportivas - Dissertação. 3. Mídia-Educação - Dissertação. 4. Comunicação - Dissertação. I. Araújo, Allyson Carvalho de. II. Oliveira, Marcio Romeu Ribas de. III. Título. RN/UF/BS-CCS CDU 376 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências da Saúde - CCS Elaborado por ANA CRISTINA DA SILVA LOPES - CRB-15/263 CARLOS ALEXANDRE ANDRADE DOS SANTOS AS POSSIBILIDADES DE EXPRESSÕES DA APRENDIZAGEM DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: SILÊNCIO, TATUAGEM E COMUNICAÇÃO. Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação Física. Aprovada em: 21/08/2020 BANCA EXAMINADORA ______________________________________ Prof. Dr. Allyson Carvalho de Araújo Orientador UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE ______________________________________ Prof. Dr. Marcio Romeu Ribas de Oliveira Coorientador UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE ______________________________________ Profª. Dra. Maria Aparecida Dias Membro interno UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE ______________________________________ Prof. Dr. Silvan Menezes dos Santos Membro externo UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS Dedico esta dissertação a minha família, em especial a minha mãe (in memoriam) pelo incentivo, investimento nos meus estudos e apoio as minhas escolhas. AGRADECIMENTOS Entendo que agradecer é ter gratidão por aqueles que de alguma forma contribuíram para que algo fosse realizado. Assim, atesto a minha necessidade e importância do outro, pois individualmente não conseguiria muita coisa, mas com a contribuição de todas essas pessoas e instituições abaixo descritas, aquilo que há muito tempo nem sabia o que era, tampouco havia sonhado agora se torna uma realidade. Em primeiro lugar a Deus por sua infinita misericórdia que me sustenta, pois verdadeiramente não há nenhum mérito em mim, mas sim graça, que me é o bastante. À minha família Valfrido (pai), Vanilza (irmã), Luana (sobrinha) e Nilzete (tia) que embarcaram nessa viagem que não era deles e me deram a garantia para estudar e lutar pelos meus objetivos, além de ser o porto seguro para onde sempre volto. A Secretaria de Estado da Educação, do Esporte e da Cultura de Sergipe - por oportunizar meu afastamento do exercício do magistério público, sem prejuízo dos meus vencimentos. Aos meus então diretores a época que tanto se empenharam para que minha licença acontecesse Prof. Joelson Marques (Colégio Estadual Prof. Rogaciano Magno Leão Brasil) e a Profª. Maria Luizelia (Escola Estadual Esperidião Monteiro). Aos parceiros do Grupo de Pesquisa Observatório da Mídia Esportiva da UFS – Mateus Henrique, Thiago Machado, Rodrigo Santos, Nathalia Doria, Yuri Raniery, Ellber Albuquerque, Nildenis Carvalho, Mirela Sales, Fernanda Carvalho, Danilo Teixeira e Yuliane Carvalhal, por serem minha base e referência. Aos parceiros do Laboratório de Estudos em Educação Física, Esporte e Mídia – Ângelo Rocha, Dianne Sena, Edvando Junior, Fábio Batista, Laura Viana, Lucas Melo, Thiago Rocha, Danrley Alves, Sheilla Mires, Alison Batista, Sérgio Cunha, João Leandro, Viviane Limeira, Rayanne Medeiros, Rafael de Góis, Dandara Queiroga, Joyce Mariana, pelas trocas de conhecimentos, saberes e aprendizagens. Aos colegas do Mestrado – Andresa Araújo, Kaline Brito, Levi Holanda, Flávio Soares, Glauber Menezes, Carlos Guzzo, Arliene Stephanie, Mileyde Guedes, Rômulo Vasconcelos, Fernanda Costa, Bérgson Nogueira, Elmir Henrique, Lilian Pereira, Nathália Monastirski, Gerson Calado, Carlos Alves (Foucault), por construirmos uma história acadêmica no Nordeste de um país injusto, desigual e individualista chamado Brasil. Ao Departamento de Educação Física da UFRN e a todo seu corpo funcional; À chefia do Departamento na pessoa da Professora Cida Dias pela condução dialogal dos trabalhos administrativo e o aspecto humano no trato com as pessoas; Aos servidores e funcionários (Seu Chaguinhas, Dona Luzinete, Domingos, Dedé e Giselda) – que com sua dedicação mantém o DEF plenamente apto e propício a desenvolver ciência e saber. Ao Curso de Pós-Graduação - Mestrado - em Educação Física da UFRN e a todo seu corpo funcional; Aos professores do Curso na pessoa da Professora Isabel Brandão que muito contribuiu para minha formação e sempre demonstrou carinho e respeito para comigo, assim também com a minha turma; Ao Diego Ribeiro (representação da Secretaria, exemplo de servidor público) extremamente prestativo e solicito. Ao Grupo de Pesquisa Corpo e Cultura de Movimento (GEPEC), pela receptividade, pelos diálogos e debates formativos. Aos seus membros que tanto apoiaram e fortaleceram a ideia de aprender na coletividade. Ao Programa Segundo Tempo Paradesporto na pessoa da Professora Kadydja Chagas por permitir e apoiar que o lócus da investigação pudesse acontecer junto ao programa. João Danilo (UEFS); Romilson Santos e Cesar Leiro (UFBA)- incentivadores para uma vida acadêmica. Cristiano Mezzaroba, por me acolher em Florianópolis durante a seleção para o mestrado da UFSC e também pelo conselho de optar pela UFRN, se realmente quisesse pesquisar sobre mídia-educação. Antonio Fernandes, amigo que ganhei por afinidade de matriz epistemológica e também pela peregrinação acadêmica, que durante a convivência na sala do LEFEM e no RU, essa amizade foi sendo forjada e aprimorada. Aguinaldo Surdi, pelo compartilhamento de bons momentos aromatizados pelo café do pós almoço do R.U na Cooperativa Cultural, onde sempre haviam prosas sobre tênis, basquete e acontecimentos do cotidiano, embalado por doses generosa de bom humor. George Gadêlha, um colega da turma de mestrado que se tornou um amigo/irmão, serei sempre grato pelo que é e pelo que fez por mim, acolhendo-me em sua casa, proporcionando conforto e tranquilidade para desenvolver minha pesquisa. Edna Nascimento, gratidão por ser minha parceira nas orientações coletivas do mestrado. À família Patriarca Nunes que ao menos há vinte anos vem me apoiando, incentivando e acreditandoem mim. Pró (Ângela de Fátima) sou muito grato por fazer parte da minha vida, da minha história. Leila Silveira, agradecido por ser essa amiga para todas as horas que sempre confiou na minha capacidade em realizar um bom trabalho dissertativo. Aos participantes da pesquisa e respectivamente seus responsáveis, por me permitirem a realização desse estudo, pois do contrário nada disso seria possível. Meus sinceros agradecimentos. Sérgio Dorenski, um amigo, um professor, uma referência, um parceiro de todas as horas, resumindo um “fi do cabrunco”, com um coração gigante, que não mede esforço para ajudar. Sou muito agradecido por me ajudar, incentivar, apoiar e investir na continuidade de minha trajetória. Aos membros da banca, professores que de forma tão generosa contribuíram significativamente na construção: Silvan Menezes (grato por me mostrar o processo comunicativo como elemento chave da pesquisa); Cida Dias (grato pelas dicas acerca do planejamento das intervenções pedagógicas). Aos meus orientadores, Allyson Carvalho e Marcio Romeu, guias que me conduziram a realização desse trabalho e, mais do que isso, perceber o que há de melhor no outro, independente de suas fragilidades e/ou dificuldades, pois durante todo o tempo demonstraram acreditar no meu potencial, mesmo eu sendo inconstante frente as minhas demandas, sempre fazendo uso da paciência pedagógica para aguardar o meu tempo. Com eles pude aprender um pouco mais sobre as relações humanas. Quando é que o meu olhar adoece? Quando ele se torna incapaz de entender que o outro é maior que as minhas ideias, o outro é maior e tem mais valor do que as minhas ideologias, o outro tem mais valor em Deus do que minha própria fé, é maior que isso, o outro é maior que as minhas desculpas Eu te odeio porque você...o meu ódio é justificado Veja, eu odeio porque eu estou cheio de razão pra odiar, a ponto de produzir a sua extinção É o meu olhar que está doente. De Novo, 2019 RESUMO A problemática desta investigação se estabeleceu em refletir em que medida os sujeitos com deficiência intelectual expressam suas aprendizagens nas práticas esportivas através das diversas linguagens e com o uso da mídia e da tecnologia. A pesquisa teve como objetivo analisar as expressões de aprendizagem da pessoa com deficiência intelectual, no contexto das práticas esportivas, a partir da mídia-educação. Do ponto de vista metodológico o estudo se baseou em características das técnicas da etnopesquisa crítica, utilizando a observação participante, o diário de campo e a entrevista semiestruturada como recursos para o levantamento das informações, o campo empírico incluiu vinte e um (21) sujeitos, entre crianças, adolescentes, jovens e adultos com deficiência intelectual em sua maioria, que participaram de um projeto social esportivo desenvolvido pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte, em Natal (RN). O estudo se enquadrou numa abordagem qualitativa, de natureza exploratória e caráter descritivo. A pesquisa aconteceu num período de onze meses, sendo nove meses de imersão do pesquisador no campo e dois meses para levantamento das informações a partir das intervenções pedagógicas. O processo interventivo aconteceu entre os meses de maio e junho do ano de 2019, totalizando cerca de dez encontros; os dois primeiros tiveram o objetivo de apresentar o estudo, os subsequentes cinco encontros, para o desenvolvimento do estudo com cinco momentos pedagógicos e os três últimos encontros para as entrevistas. Nota-se que os sujeitos que participaram da pesquisa, de forma não tradicional expressam suas aprendizagens por meio de múltiplas linguagens (desenho, pintura, fotografia e vídeo), a materialização disso está na sequência de fotografias organizadas pelos participantes, demonstrando suas compreensões dos momentos que constitui a execução do salto em distância. Os fatos mostram que a ausência da linguagem falada e/ou escrita não é impeditiva, pois o corpo que exibe as vivências, as experiências e o vivido, se comunica através dos multiletramentos (representações sonoras, visuais, táteis, gestuais e espaciais), assim a pessoa com deficiência intelectual é inconteste para a ampliação da forma de ouvir o outro, demarcando o enfrentamento ao processo sistêmico de exclusão veladamente estabelecido. Palavras-chave: Pessoa com Deficiência Intelectual, Aprendizagem, Mídia-Educação, Comunicação. ABSTRACT The problematic this investigation established itself in reflecting to what extent people with intellectual disability express their learning in sports practices through the various languages and with use of media and technology. The research aimed to analyze learning expressions of people with intellectual disability, in the context of sports practice, from the media-education. From a methodological point of view the study was based on characteristics of the critical ethnoresearch techniques, using the participant observation, the field journal and the semi- structured interview as resources for information gathering, the empirical field included twenty-one (21) subjects, among them children, teenagers, young adults and adults mostly, with intellectual disability who participated of a project social sports, developed by Federal Institute of Education, Science and Technology of Rio Grande do Norte, Natal (RN). The study was framed in a qualitative approach of exploratory nature and descriptive character. The research took place in a period of eleven months, being nine months of immersion of the researcher in the field, and two months to collect of the information from the pedagogical interventions. The interventional process happened between the months of May and June 2019, totalizing around ten meetings; the two first had the aim of presenting the study, the subsequent five meetings, to the development of the study with five pedagogical moments and the last three meetings for the interviews. It is noted that the subjects who participated of the research, in a non-traditional way express their learning through the multiple languages (drawing, painting, photography, and video) the materialization of this is in the sequence of photographs organized by participants, demonstrating their understandings of the moments that constitutes the execution of the long jump. The facts show that the absence the spoken and/or written language is not impedinative, because the body that exhibits the perceptions, the experiences and the lived. Communicates through of the multiliteracies (sounds representations, visuals, tactile, gestures, and space), so the person with the intellectual disability is unchallenged for the expanding the way of listening to the other, delimiting the facing for the systemic exclusion process veiled established. Keywords: Person with intellectual disability, Learning, Media-education, Communication. LISTA DE IMAGENS Imagem 1. Conjunto de fotos da entrada em cena .................................................................... 61 Imagem 2. Encontro do Ator com a GoPro .............................................................................. 70 Imagem 3. Explorando as possibilidades de um olhar .............................................................. 71 Imagem 4. Narrativa da aprendizagem ..................................................................................... 75 Imagem 5. Feedback da vivência - Tangará ............................................................................. 77 Imagem 6. Feedback da vivência - Parelhas ............................................................................. 78 Imagem 7. Feedback da vivência - Jucurutu ............................................................................. 79 Imagem 8. Desenho da discórdia ..............................................................................................81 Imagem 9. Produção de Feedbacks ........................................................................................... 84 Imagem 10. Sequência do salto em distância de Nísia Floresta ............................................... 85 Imagem 11. Sequência do salto em distância de Jucurutu ........................................................ 85 Imagem 12. Sequência do salto em distância de Pau dos Ferros .............................................. 86 Imagem 13. Sequência do salto em distância de Parelhas ........................................................ 86 Imagem 14. Sequência do salto em distância de Baia Formosa ............................................... 87 Imagem 15. Sequência do salto em distância de São Paulo do Potengi ................................... 87 Imagem 16. Sequência do salto em distância de Parnamirim ................................................... 88 Imagem 17. Sequência do salto em distância de Macaíba ........................................................ 88 Imagem 18. Sequência do salto em distância de Goianinha ..................................................... 89 Imagem 19. Sequência dos deslocamentos na piscina .............................................................. 90 Imagem 20. Corpo em evidência .............................................................................................. 96 Imagem 21. Ponto de vista ...................................................................................................... 100 Imagem 22. Quebra de paradigma .......................................................................................... 104 Imagem 23. Resenha ............................................................................................................... 106 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1. Classificação Clínica ............................................................................................... 40 LISTA DE QUADROS Quadro 1. Relação dos Protagonistas ....................................................................................... 41 Quadro 2. Cronograma das Intervenções/Encontros ................................................................ 43 Quadro 3. Sistematização das Intervenções Mídia-Educativa ................................................. 66 LISTA DE ABREVIATURAS Prof. Professor Profª. Professora Ad Admilson LISTA DE SIGLAS AABANE. Associação de Atletas Baianos com Necessidades Especiais AADID. Associação Americana de Deficiência Intelectual e do Desenvolvimento AEE. Atendimento Educacional Especializado APABB. Associação de Pais, Amigos e Pessoas com Deficiência, de Funcionários do Banco do Brasil e da Comunidade CBCE. Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte CODAP. Colégio de Aplicação CONBRACE. Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte CONICE. Congresso Internacional de Ciências do Esporte DNA. Ácido Desoxirribonucléico FACED. Faculdade de Educação GTT2. Grupo de Trabalho Temático – Comunicação e Mídia GTT8. Grupo de Trabalho Temático – Inclusão e Diferença IFRN. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte LABOMÍDIA. Laboratório e Observatório da Mídia Esportiva LEFEM. Laboratório de Educação Física, Esporte e Mídia MEL. Mídia/Memória, Educação e Lazer NUARTE. Núcleo de Arte OME. Observatório da Mídia Esportiva PIBID. Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência PST. Programa Segundo Tempo PSTp. Programa Segundo Tempo Paradesporto PSTu. Programa Segundo Tempo Universitário QI. Quociente de Inteligência SD. Síndrome de Down TALE. Termo de Assentimento Livre Esclarecido TCLE. Termo de Consentimento Livre Esclarecido TEA. Transtorno do Espectro Autista TDIC. Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação UFRN. Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFS. Universidade Federal de Sergipe UFSC. Universidade Federal de Santa Catarina EF. Educação Física RN. Rio Grande do Norte SUMÁRIO PRÓLOGO ............................................................................................................................... 19 1 VISÃO PANORÂMICA ............................................................................................ 28 1.1 PRODUÇÃO DE ENSAIOS: ROTEIROS .................................................................. 37 1.1.1 Sinopse ......................................................................................................................... 37 1.1.2 Estúdio – cenário possível .......................................................................................... 38 1.1.3 Elenco – atores e atrizes em ação .............................................................................. 39 1.1.4 Ensaios ......................................................................................................................... 42 1.1.5 Estrutura do espetáculo ............................................................................................. 44 2 ENQUADRAMENTOS POSSÍVEIS DE UM CENÁRIO INCOMUM: APRENDIZAGEM, PESSOA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E MÍDIA E EDUCAÇÃO FÍSICA ............................................................................................. 48 2.1 APRENDIZAGEM ....................................................................................................... 48 2.2 PESSOA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL ....................................................... 51 2.3 MÍDIA E EDUCAÇÃO FÍSICA .................................................................................. 54 3 RETRATO DOS ATORES E ATRIZES / ENTRANDO NA SALA ESCURA .... 61 3.1 CONTEXTUALIZAÇÃO: DA OBSERVAÇÃO AOS RITOS IMAGÉTICOS DO SET ............................................................................................................................... 63 3.2 EXPERIMENTAÇÃO.................................................................................................. 67 3.3 PRODUÇÃO MIDIÁTICA .......................................................................................... 68 3.4 EXIBIÇÃO E EXPERIMENTAÇÃO .......................................................................... 72 3.5 EXPERIMENTAÇÃO.................................................................................................. 76 3.6 REFLEXÃO / AVALIAÇÃO / CONCLUSÃO ........................................................... 83 3.7 ENTREVISTA.............................................................................................................. 92 4 DECUPAGEM PORMENORIZADA: INTERPRETAÇÕES DAS CENAS DO ESPETÁCULO ........................................................................................................... 95 4.1 ATO 1 ........................................................................................................................... 96 4.2 ATO 2 ......................................................................................................................... 102 4.3 ATO 3 ......................................................................................................................... 109 CONTEMPLAÇÕES FINAIS DA MONTAGEM ............................................................. 117 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 123 APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA ................................................................ 130 APÊNDICE B – PLANEJAMENTO DAS INTERVENÇÕES ......................................... 131 ANEXO A – PARECER DO CEP ........................................................................................ 144 ANEXO B – BASTIDORES DAS INTERVENÇÕES........................................................ 152 19 PRÓLOGO Expressar minhas convicções,certezas e incertezas acerca de um tema que me é caro não é fácil, pois uma parte significativa de minha trajetória até então está atrelada aos posicionamentos inerentes à minha formação e a pessoa que eu sou. Quero aqui fazer o exercício de narrar um pouco sobre a minha existência (sonhos, anseios, rotas, saídas e mobilizações), desde a época da infância até onde me encontro atualmente. Para quem já passou por essa experiência de escrever uma dissertação e/ou tese, vai rapidamente se reconhecer nessas palavras iniciais. Pois quem já viveu esse momento consegue compreender meus sentimentos. Falo especificamente do fator mobilizador que impulsiona a pessoa passar horas, dias, semanas, meses, anos dedicando-se a estudar, pesquisar, escrever, escrever, e mais uma vez escrever, novamente. São detalhes, situações, fatos, casos, histórias, sentimentos, emoções que muitas das vezes não vêm à tona na escrita principal, talvez às vezes, nas entrelinhas. Mas neste prólogo, com a licença devida, teço algumas laudas em primeira pessoa, assim como no texto, para fazer jus as características do método etnográfico, para anunciar quem vos fala e quais são as motivações que me fizeram produzir essa pesquisa. Partindo da Península de Itapagipe1 (meu berço), preciso dizer que na minha infância e parte da adolescência não gostava de estudar, não percebia o sentido nem mesmo o significado dos estudos. Meu grande sonho e motivação era viajar o mundo inteiro sendo integrante da banda Olodum (instituição sem fins lucrativos e de utilidade pública da Bahia mundialmente conhecido pela sua sonoridade musical). Estudar não era tão importante, saber cantar e/ou bater tambor (tocar um instrumento de percussão) sim, pois iria me garantir a realização de um sonho e uma carreira profissional. Entretanto o que eu não sabia naquela época, era que a minha trajetória de vida reservaria alguns encontros que iriam me direcionar por outros caminhos, e que hoje consigo 1 A calmaria das praias, o pôr do sol atraente e a história peculiar são alguns dos fatores que contribuem para o charme da Península Itapagipana. Composta por 14 bairros (Calçada, Mares, Jardim Cruzeiro, Massaranduba, Uruguai, Roma, Dendezeiro, Bonfim, Monte Serrat, Boa Viagem, Luís Tarquínio, Caminho de Areia, Baixa do Fiscal, Ribeira) a península era uma ilha, cujo território avançou nas águas do mar e se uniu ao continente. Ribeira, Bonfim e Ponta de Humaitá são as principais áreas turísticas da região debruçadas sobre a Baía Todos os Santos e hoje um dos lugares mais belos e históricos da cidade. 20 interpretar como propósito de vida, que em cada período foi contribuindo para construção da minha história. O primeiro desses encontros, ao qual fiz referência anteriormente, surge a partir da necessidade de auxílio, frente às demandas escolares; minha mãe buscou nos classificados do jornal impresso de maior circulação de Salvador, um reforço escolar para ajudar na dificuldade que tinha com os estudos, pois ela sabia que sozinho eu não iria conseguir. Esse encontro eu considero como importante e fundamental, pois foi a partir da professora Ângela de Fátima (carinhosamente chamada até hoje de Pró) responsável pelo reforço escolar, que tive a oportunidade de conhecer o verdadeiro sentido do processo educacional - transformação, não somente um espaço destinado para realização de tarefas escolares e/ou memorização de conteúdos para realização de provas. Lá tive acesso ao esclarecimento sobre inúmeros saberes, mas, sobretudo acerca da vida, que me fez vislumbrar outras possibilidades que nunca antes havia tido, pois apesar dos incentivos e investimentos dos meus pais, ainda assim não conseguiam despertar em mim querer coisas grandes e diferentes do meu ciclo de convivência social e familiar. O tempo passou e, como fruto do primeiro encontro, o garoto que antes queria rodar o mundo com o Olodum, agora homem, ingressava no curso de licenciatura em Educação Física (EF) de uma instituição privada. É bem verdade que naquele momento, a visão sobre o curso era reducionista, ginástica calistênica e limitada ao quarteto fantástico (futsal, basquetebol, voleibol e handebol), pois a partir do meu referencial (colégio da polícia militar) é o que era possível, no entanto os horizontes foram ampliados, as possibilidades diversificadas, as perspectivas melhoradas e os estudos faziam todo o sentido, pois é por meio do esclarecimento que as realidades podem ser transformadas. O segundo encontro foi com o ensino superior, mais especificamente e novamente com alguns professores que se tornaram referências para mim e consequentemente tiveram influência e também investiram na minha formação profissional, sem esquecer a formação humana integral. Aqui não será possível falar de todos eles, os quais tive o prazer de conhecer, conviver, aprender e trocar experiências, mas, para representar o encontro com este nível de ensino, relato duas experiências com professores, que em fases distintas (graduação e mundo do trabalho) da minha formação, contribuíram de forma muito especial. A primeira experiência foi no período de graduação, o professor Admilson Santos ou simplesmente prof. Ad, com sua infinita generosidade e carinho com que trata o ser humano 21 foi e é uma referência e inspiração. Aonde chega é bem quisto, pois com seu carisma e amor conquista todos a sua volta. Além da sua vasta experiência e conhecimento acerca da pessoa com deficiência, que no início da graduação foi a primeira temática que me despertou interesse a partir da sensibilidade, ou seja, da forma como ele mediava o processo de ensino- aprendizagem. Esse encontro direcionou minha trajetória acadêmica e profissional, haja vista, minhas motivações terem atrelamento com as pessoas com deficiência, educação física adaptada, esportes paralímpicos, isso graças ao Prof. Ad. A segunda experiência que marcou meu trajeto, na verdade foi um reencontro com o professor Sérgio Dorenski. Já o conhecia da época em que ele fazia o doutorado no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Bahia (PPGE/UFBA) e eu era integrante do grupo de pesquisa Mídia, Memória, Educação e Lazer (MEL). O reencontro aconteceu nas dependências do campus São Cristóvão da Universidade Federal de Sergipe (UFS); Dorenski, professor do departamento de Educação Física (DEF) e líder do então grupo de pesquisa Laboratório e Observatório da Mídia Esportiva (LaboMídia/UFS), atualmente chamado Observatório da Mídia Esportiva (OME), e eu na condição de professor substituto do Colégio de Aplicação (CODAP/UFS). Na ocasião, Dorenski me convidou para participar da reunião do LaboMídia, a partir daí fui nutrindo a vontade de regressar à academia para dar continuidade aos estudos e a formação permanente. Doravante, me tornei membro desse coletivo que tem se dedicado a estudar, pesquisar e produzir conhecimentos na área da Educação, Educação Física a partir de uma perspectiva crítica, alicerçado no conceito de mídia-educação. Vivendo o LaboMídia e convivendo semanalmente com Dorenski, fui apresentado ao objeto de estudo do grupo que relaciona a Educação Física, Mídia e Tecnologias na sociedade contemporânea. Foi na apropriação dos conceitos que alicerça e referenda os estudos e pesquisas do grupo, e o incentivo/investimento de Dorenski que pude construir a cada encontro, as possibilidades/condições de fazer o mestrado. Ora, com minha entrada no mundo do trabalho e as quatro ocupações (professor substituto do Codap, supervisor do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência2 (PIBID), colaborador do PST e professor efetivo do Estado de Sergipe) que tive no mesmo período, não havia tempo, nem condições físicas e mentais para me preparar pela disputa de uma vaga. Depois de certo tempo de grupo e2 Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência, do Ministério da Educação (MEC) 22 a diminuição das quatro ocupações para apenas uma, fui vislumbrar a possibilidade de ingressar na pós-graduação. Ao regressar um pouco para o cenário do encontro com o ensino superior, em 2006, experienciei um primeiro contato com as pessoas com deficiência. No contexto da minha formação acadêmica (EF), ao ir com alguns colegas de formação realizar um trabalho de campo da disciplina Psicologia da Aprendizagem. Tal experiência, ou melhor dizendo, o referido trabalho, foi marcante, pois despertou em mim o interesse de estudar, discutir e pesquisar sobre a pessoa com deficiência. A experiência consistiu em uma entrevista com um grupo de pessoas com deficiência física, usuários de cadeira de rodas que jogavam basquetebol em uma praça próximo da faculdade3, onde me graduei. O fascinante foi a quebra de paradigma e preconceito pessoal, posto que os via como incapazes de realizar mínimas coisas e lá pude constatar a capacidade que eles tinham de desenvolver os fundamentos da modalidade esportiva, mediante suas condições e, especificamente, no jogo de basquetebol, o qual fui convidado a participar. Fui confrontado com minhas limitações e não consegui ter êxito naquela prática (em muitos momentos não saía do lugar e em outros momentos ao tentar me movimentar, caía da cadeira de rodas). Aquela experiência ainda no terceiro semestre de minha formação inicial, foi como um semear de um agricultor, tudo começou naquele momento. Depois, outras vivências e aprofundamentos de estudos funcionaram como o cuidado necessário para meu desenvolvimento no tema. Lembro-me que no mesmo semestre em que tive a experiência com os cadeirantes, também tive o grato prazer de cursar a disciplina Educação Física Adaptada com o professor Ad, que me fez olhar para a pessoa com deficiência de uma forma sensível e humana, despertando ainda mais meu interesse pela temática. O tempo foi passando e com ele novas experiências, saberes e conhecimentos foram sendo agregados a minha trajetória, como palestras, cursos, oficinas e durante um tempo fiz parte da comissão técnica da Associação de Atletas Baianos com Necessidades Especiais (AABANE). Neste espaço pude aliar o discurso acadêmico ao qual estava mais familiarizado, com a realidade da pessoa com deficiência, além da prática do basquetebol, pois naquele momento passei a sentir, em certa medida, o que as pessoas com deficiência viviam no seu 3 Faculdade Social da Bahia (FSBA) – é uma instituição de ensino superior privada criada em 2001 em Salvador-BA. 23 cotidiano. Outro aprendizado que me formou, foi a participação no Grupo de Trabalho Temático – Inclusão e Diferença do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (GTT – 08 CBCE), espaço democrático que fomenta e discute a formação e a ciência no campo de conhecimento das Ciências do Esporte e da Educação Física. No GTT – 08 debatia a teoria juntamente com as experiências que já havia acumulado com as pessoas com deficiência, o que foi muito significativo para minha formação, conhecer e trocar conhecimento com professores, pesquisadores e estudantes de todo o país e de outros países também. O Programa Segundo Tempo4 (PST) também foi um ambiente de bastante conhecimento. Enquanto membro da equipe colaboradora, uma das atribuições era realizar capacitações junto aos acadêmicos e professores do programa, no intuito de apresentar as diretrizes e metodologias do programa, o qual sempre ficava com a temática ligada a inclusão da pessoa com deficiência. Como continuidade desse desenvolvimento pessoal e acadêmico, acerca das minhas andanças pela temática de interesse, destaca-se a produção de duas pesquisas. A primeira para conclusão da graduação em 2009, quando investiguei sobre a percepção dos estudantes de Educação Física frente ao reforço de estereótipos de atletas paraolímpicos e, em 2012 como trabalho de conclusão de uma especialização, que investigamos (eu e mais dois colegas) as atitudes de concluintes dos cursos de Educação Física para atuar com pessoas com deficiência a partir dos conhecimentos obtidos em sua formação inicial no nível de graduação. Em 2013 fui convocado para assumir o cargo de professor da rede pública de Sergipe através de concurso público e imaginei que iria atuar com pessoas com deficiência, mas infelizmente não basta querer e ter experiência para essa atuação, é necessário ter indicação política. No entanto, a persistência no tema me fez aderir, em 2016, a um curso de extensão em atendimento educacional especializado promovido pela Secretaria de Estado da Educação de Sergipe voltado para a educação especial, com carga horária de 140 horas, composto por 14 módulos, o que me habilitou a exercer a docência na sala de Atendimento Educacional 4 Programa Segundo Tempo (PST) foi desenvolvido pela Secretaria Nacional de Esporte, Educação, Lazer e Inclusão Social do Ministério do Esporte, no qual visa democratizar o acesso à prática e à cultura do esporte educacional, promover o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes como fator de formação da cidadania e melhoria da qualidade de vida, prioritariamente daqueles que se encontram em área de vulnerabilidade social e, preferencialmente, regularmente matriculados na rede pública de ensino. 24 Especializado (AEE), mas que infelizmente não pude assumir no colégio que sou lotado. Na sequência da trajetória, em buscar qualificação e formação permanente, no ano de 2017 vivi pela primeira vez a experiência de estar no GTT 02 – Comunicação e Mídia durante o XX Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte (CONBRACE) e VII Congresso Internacional de Ciências do Esporte (CONICE), que aconteceu na cidade de Goiânia, vivendo o dia a dia do GTT no CONBRACE de comunicações orais, debates, discussões e mesa interna, pude perceber o grau de envolvimento dos membros bem como a seriedade e responsabilidade como produzem ciência, ou seja, vi a materialização dos conceitos e referências que discutíamos no LaboMídia/UFS. Ainda nesse mesmo ano, me submeti a três processos seletivos para ingressar em um programa de pós-graduação Stricto Sensu, findado todo o processo seletivo, obtive êxito em dois programas (Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal de Santa Catarina e Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte), esta última foi a qual escolhi para desenvolver meu projeto de pesquisa. Já em 2018, cursando as disciplinas do programa, tomei conhecimento de uma seleção para coordenação de um projeto social voltado para a pessoa com deficiência. Resolvi participar do processo e ao final fui um dos três coordenadores selecionados para gerir e mediar os processos de ensino-aprendizagem do núcleo do Programa Segundo Tempo- Paradesporto5 (PST-p) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN). O núcleo foi constituído, basicamente, por pessoas com deficiência intelectual (Síndrome de Down - SD e Transtorno do Espectro Autista - TEA), o que sinaliza um tempo e cuidado diferente para o fazer pedagógico das atividades esportivas do núcleo. A pesquisa surge a partir de uma necessidade pedagógica de encontrar sentido para a prática corporal (esportiva) dentro de um projeto social, de cunho educacional. Nesse momento, o pesquisador enquanto coordenador do projeto buscou responder uma inquietação particular do seu contexto: como os alunos com deficiência intelectual aprendem? Como viabilizar a aprendizagem? Concomitantemente, o pesquisador que também é coordenador 5 Programa Segundo Tempo-Paradesporto (PSTp) apresenta-se como um espaço universal no qualtodos os beneficiados participam das práticas corporais, em ambientes diversificados e com desenvolvimento de trabalhos pedagógicos direcionados. Salienta-se que as práticas corporais em níveis variados têm ajudado crianças, adolescentes, jovens e adultos com deficiência a adquirirem, além de autonomia e independência, o resgate da autoestima, autoconfiança, relações pessoais e equilíbrio emocional. 25 procurou estabelecer certo distanciamento do campo empírico, para que sua observação não estivesse sob influência da sua responsabilidade em desenvolver a mediação dos processos de ensino-aprendizagem, visto que, na posição de coordenador, acreditava que todos, independentemente da condição funcional e/ou estrutural iriam responder, ou melhor, dizendo, iriam apreender e demonstrar o conhecimento ensinado de forma convencional, comumente apresentado pela maioria das pessoas, sem deficiência. Portanto, é pertinente informar que durante toda a escrita do texto, o professor que realizou a pesquisa através de uma intervenção pedagógica receberá algumas adjetivações que melhor se adéqua ao contexto específico de cada seção da dissertação, como por exemplo: coordenador, coordenador pedagógico ou do projeto, pesquisador, mediador dos processos, além da dupla função de diretor de atores e espectador desempenhado nas seções 3 e 4. Vale salientar que o conceito de aprendizagem adotado na pesquisa e desenvolvido com maior profundidade no capítulo teórico, baseia-se na escola soviética (Vigotski, Luria, Leontiev, Rubinstein, entre outros da psicologia dialética e de uma concepção extrínseca de aprendizagem mediacionais. Corroborando com esse conceito de aprendizagem, Mantoan (2003, p. 31) vai afirmar: “Nossas ações educativas têm como eixos o convívio com as diferenças e a aprendizagem como experiência relacional, participativa, que produz sentido para o aluno, pois contempla sua subjetividade, embora construída no coletivo das salas de aula”. Entretanto, o cotidiano aliado ao processo de observação e dinâmica das ações do espaço educativo em que se davam as práticas esportivas, começaram a sinalizar para um importante fator na relação com a aprendizagem: o tempo. Tempo este que não é exclusividade do processo de aquisição ou assimilação dos conhecimentos, mas elemento fundante para diversos aspectos e áreas da vida humana. Isto posto, anuncio que esse prelúdio de forma bastante sucinta, consegue expor os acionamentos que me direcionam a construir essa dissertação que não é fruto de apenas duas mãos, que por inúmeras horas passaram a teclar, para comunicar as outras pessoas as narrativas de um grupo especifico que se expressa de várias formas e linguagens, a partir do meu olhar, mas sim de tantas outras mãos que me conduziram, direcionaram a chegar na pós- graduação. É, que viagem foi essa! Para quem somente gostaria de viajar o mundo inteiro tocando ou cantando, hoje se encontrar na condição de usufruir de um direito que aparentemente é de todos, ao menos no papel, porém na vida real (sem contos de fada), poucos 26 conseguem ter essa oportunidade que estou tendo. Desse modo, sou a consequência dos encontros com os professores que a vida me proporcionou, direcionando meu caminho, aliado as oportunidades de experiências com as instituições, que ao longo da trajetória foram agregando mais repertórios e aprendizagens. Com tudo isso, surgem os desdobramentos que culminam nas minhas mobilizações para estudar a pessoa com deficiência, a comunicação e a mídia. Que o medo de ser bom o suficiente não iniba a potencialidade que tenho, independentemente de minha condição humana. Que minha esperança por uma sociedade justa, seja a cada dia nutrida pelo sonho de que a educação e o esclarecimento ainda valem a pena. 27 28 1 VISÃO PANORÂMICA A história mostra que ao longo do tempo, os seres humanos vêm produzindo ciências. Essas ciências são constituídas de saberes e conhecimentos que têm perdurado e se multiplicado até os dias atuais. Entretanto, os saberes das ciências e, às vezes, os saberes populares, criam normatizações dos sujeitos (normal/patológico; feio/bonito), que podem ser traduzidos como: marcas, rótulos, estigmas e cicatrizes, as quais no contexto da pessoa com deficiência é algo muito ruim, pois promove a segregação, o preconceito e a discriminação, além da rejeição provocada pelo simples fato da diferença, pois o outro que não possui a mesma condição que os demais, não presta, não agrega nenhum valor ou status. Ainda hoje em pleno século XXI, mesmo com tantos avanços nas ciências, nas comunicações, nos negócios, nas tecnologias, entre outras áreas, não foi suficiente para o homem se reconhecer no outro como igual, mas diferente e em particular na diversidade de estilos de vida. A história tem nos contado o quanto foi e é difícil a relação com o próximo, aquele que pensa e age diferente, especificamente a pessoa com deficiência, porque a desconfiança, a exclusão e o olhar de menosprezo enriquecido pelo senso de incapacidade têm sido pautados no convívio social. Mesmo com toda evidência/efervescência dos discursos em prol da inclusão, mas que na prática, muitas vezes, não passa de uma pseudoação politicamente correta, traduzido como respeito e tolerância. Historicamente no Brasil, as discussões acerca da inclusão da pessoa com deficiência não vem de agora, segundo Mazzotta (2011, p. 27), a inclusão da ‘educação de deficientes’, da ‘educação dos excepcionais’ ou da ‘educação especial’ na política educacional brasileira vem a ocorrer somente no final dos anos 1950 e início da década de 1960 do século XX’, o que demonstra uma longa caminhada de pelo menos seis décadas, para fechar sete, na luta por uma melhor condição da pessoa com deficiência. Entretanto, parece que esses longos anos de debates, discussões, promulgações de leis, não foram suficientes para pautar a emergência e necessidade da quebra de paradigmas, pois de acordo com Lima (2017): Vale ressaltar que historicamente a educação das pessoas com deficiência, sobretudo nos casos mais severos, foi contraditoriamente pautada na crença em sua ineducabilidade. Em que pesem as iniciativas anteriores, no Brasil, os debates sobre a educação inclusiva e suas dimensões políticas intensificaram- se a partir dos anos 2000, especialmente a partir do Governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003/2010). (LIMA, 2017, p. 15). 29 Revelando, assim, a recente conquista ou talvez visibilidade das questões que cercam a pessoa com deficiência, no tocante ao seu reconhecimento enquanto cidadão pleno, detentor de direitos e deveres como qualquer outro, mediante a equidade necessária e compreensão devida de sua existência. Com tudo, é importante dizer que o conceito de inclusão escolar apresentando por Mantoan (2003), alicerça os fundamentos dessa pesquisa. O processo educacional inclusivo defendido pela autora, reflete uma demanda atual da escola e consequentemente da sociedade. Por tudo isso, a inclusão é produto de uma educação plural, democrática e transgressora. Ela provoca uma crise escolar, ou melhor, uma crise de identidade dos professores e faz com que seja ressignificada a identidade do aluno. O aluno da escola inclusiva é outro sujeito, que não tem uma identidade fixada em modelos ideais, permanentes, essenciais. O direito à diferença nas escolas descontrói, portanto. O sistema atual de significação escolar excludente, normativo, elitista, com suas medidas e seus mecanismos de produção da identidade e da diferença. (MANTOAN, 2003, p. 32). Assim, reforçando o caráter democrático, a valorização das diferenças e o direito de todos, Mantoan (2003, p. 49) evidencia o papel primordial da inclusão: “(...) especialmente quando se entende que incluir é não deixar ninguém de fora da escola comum, ou seja, ensinar a todas as crianças, indistintamente!” Apesarda referência específica do ambiente escolar, a perspectiva da inclusão do autor transcende os muros da escola, haja vista o papel significativo e fundamental desta como espaço de formação dos sujeitos. Desta maneira, este escrito tem a pretensão de debater e explorar as possibilidades de expressões de aprendizagem que a pessoa com deficiência intelectual revela sobre sua relação com as práticas esportivas, a partir da mídia-educação. Para tanto, é mister narrar alguns acontecimentos, no intuito de anunciar qual trajeto foi realizado para chegar a essa pesquisa. Se para muitos a pessoa com deficiência foi e ainda é denotada como o ser “aleijado”, “manco”, “retardado”, a partir de uma sociedade que culpabiliza o indivíduo com deficiência, alicerçada na visão do modelo médico (DINIZ, 2007), percebemos que na especificidade da pessoa com deficiência intelectual, esse movimento distintivo se ancora na falta de discernimento aos tempos individuais e forma de expressões diversas. Assim, a pessoa com 30 deficiência intelectual, historicamente, carece de compreensão sobre suas formas e tempos de aprender e expressar suas aprendizagens. Mantoan (2003, p. 17, grifo nosso) afirma que não se pode reduzir o potencial da inclusão, pois: Diante dessas novidades, a escola não pode continuar ignorando o que acontece ao seu redor, nem anulando e marginalizando as diferenças nos processos pelos quais forma e instrui os alunos. E muito menos desconhecer que aprender implica ser capaz de expressar, dos mais variados modos, o que sabemos, implica representar o mundo a partir de nossas origens, de nossos valores e sentimentos. Em contraponto ao reforço do estigma, há no modelo social, fruto da militância de ativistas, uma sinalização para compreender o ambiente social e as barreiras como sendo o fator preponderante para exclusão social. Que, no caso das pessoas com deficiência intelectual, podem ser entendidos como os padrões e expectativas de aprendizagem dos atores sociais. Esse construto busca se fundamentar basicamente na necessidade de estabelecer um olhar coerente- não ambivalente, a partir da demanda reprimida/velada no que diz respeito das aprendizagens que as pessoas com deficiência intelectual produzem no contexto social. Pois, como revela Le Breton (2007) o ser humano que tem deficiência é visto de forma dúbia. Ora, uma forte ambivalência caracteriza as relações entre as sociedades ocidentais e o homem que tem uma deficiência: ambivalência que vive no dia-a-dia, já que o discurso social afirma que ele é um homem normal, membro da comunidade, cuja dignidade e valor pessoal não são enfraquecidos por causa de sua forma física ou suas disposições sensoriais, mas ao mesmo tempo ele é objetivamente marginalizado, mantido mais ou menos fora do mundo do trabalho, assistido pela seguridade social, mantido afastado da vida coletiva por causa das dificuldades de locomoção e infra- estruturas urbanas freqüentemente mal-adaptadas. E quando ousa fazer qualquer passeio, é acompanhado por uma multidão de olhares, freqüentemente insistente; olhares de curiosidade, de incômodo, de angústia, de compaixão, de reprovação. Como se o homem que tem uma deficiência tivesse que suscitar de cada passante um comentário (LE BRETON, 2007, p. 73). No entanto, ao se pensar numa educação para a vida, baseada nos princípios em que todos os seres humanos têm os mesmos direitos a uma educação pública, gratuita e de qualidade, que proporcionem aos sujeitos conhecimentos e experiências exitosas, é necessário 31 uma disrupção com os moldes tradicionais. Daí a contribuição do processo de educação, baseado nos alicerces da mídia-educação, que preconiza uma formação cidadã, na perspectiva crítica e criativa de que se educar para, com/pelas e através das mídias (BELLONI, 2001; FANTIN, 2006, entre outros) fará total diferença na formação dos sujeitos. No entanto, o objetivo não é “normatizar” as pessoas, mas oferecer condições de tomadas de decisões mais acertadas/coerentes e com consciência de cada sujeito. É deixar a ingenuidade de lado e entender que numa sociedade baseada no capital, as intenções perpassam pela lógica do lucro a qualquer preço e em todos os segmentos da sociedade. As mídias, por sua vez, têm assumido um papel bastante significativo e influenciador na forma da sociedade ler sua realidade, sendo não é imparcial ou isenta, visto que ela tem uma intenção, propósito e constrói uma cultura, denominada como cultura da mídia (KELLNER, 2001). Nesse ponto de vista, entende-se que a mídia: [...] não é somente reprodutora de informações, mas produtora de sentidos, já que se caracteriza como lugar de construção simbólica dos acontecimentos. Nesta perspectiva, acrescenta-se que não há objetividade jornalística, como pregam muitos autores, pois a produção de uma notícia é uma atividade simbólica, realizada por um indivíduo social, que mobiliza estratégias próprias para estabelecer seu modo de dizer e produzir sentidos. (HILGEMBERG, 2014, p. 56 – 57). A partir desse entendimento e por conta da preocupação referente aos sentidos que as mídias propagam e disseminam para o grande público acerca das pessoas com deficiência, que muitas vezes as informações são rasas e distanciadas da realidade e culminam na estigmatização do outro. O advento das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) traz em evidência duas situações bastante presentes na sociedade contemporânea: primeiro a questão da autonomia e rapidez dos indivíduos na busca e acesso às informações sobre diversos assuntos em tempo real e, segundo, a má utilização dessas ferramentas no qual o sujeito não adquiriu a capacidade de compilar em conhecimento de forma que o deixe preparado para enfrentar os problemas do dia a dia, haja vista o exagerado volume de informações. Nas relações entre aprendizagem, pessoas com deficiência intelectual e mídia e educação física tem-se percebido poucos trabalhos que localizam essas problemáticas que ao longo da apresentação inicial dessa dissertação se revela: 1- grande influência das mídias 32 (profissional que não representa o olhar das pessoas com deficiência, pois as narrativas são externas) no cotidiano das pessoas, mas contra-argumentando esse fato, as contribuições que a mídia-educação pode trazer no tocante ao educar com e através das mídias a partir de estudos de Belloni (2001) e Fantin (2006), bem como a mídia-educação (física) através de Laboratórios de Estudo pioneiros, referimo-nos ao Laboratório e Observatório da Mídia Esportiva da Universidade Federal de Santa Catarina (LaboMídia/UFSC) com os estudos de Hack (2005), em que se buscou compreender as relações do discurso midiático com o lazer em culturas juvenis; Ribeiro (2005; 2013), nesse primeiro, analisou-se o fetiche produzido pelo esporte futebol (Indústria Cultural) a partir da mídia impressa e no segundo,a perspectiva da Formação como base para a autonomia e para o esclarecimento de acordo com as experiências e ações pedagógicas nas aulas Educação Física na escola; Antunes (2007), na qual objetivou conhecer e analisar a recepção de jovens escolares ao discurso midiático esportivo durante a Copa do Mundo de 2006; Munarim (2007; 2014), que nesse primeiro refletiu sobre o imaginário midiático na cultura de movimento das crianças em vivências lúdicas no ambiente escolar e no segundo tratou de pensar as tecnologias digitais nas escolas do campo; Lisbôa (2007; 2016), a primeira, quando analisou as representações do esporte-da-mídia na cultura lúdica de crianças, pela mediação da televisão, e segundo, em que procurou compreender o discurso publicitário relacionado a infância; Mezzaroba (2008), no qual averiguou como jovens escolares percebem, compreendem e analisam o agendamento midiático sobre os Jogos Pan-americanos Rio de 2007, entre outros. Livros: Pesquisa em educação física emídia: contribuições do LaboMídia/UFSC (2009), Os Jogos Pan-Americanos Rio 2007 e o Discurso Midiático: observação e análise da cobertura na mídia nacional (2009) e Novas contribuições do LaboMídia/UFSC à pesquisa em mídia-educação(física) (2012), e também, do recente Laboratório de Estudos em Educação Física, Esporte e Mídia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (LEFEM/UFRN) como os trabalhos de Araújo (2006), Sousa (2016), Maia (2016), Tinôco (2017), Souza Junior (2018), Lisboa (2018) e Santos (2019) – livros6: Vamos pensar as mídias na escola?: educação física, movimento e tecnologia (2016), Megaeventos esportivos e seus legados: reflexões sobre Copa do Mundo 2014 a partir da mídia-educação (2016) e Diálogo entre educação física e comunicação: compartilhando saberes e práticas 6 Aprovação dos primeiros projetos de pesquisa – Projeto “Mídia-Educação Física em tempos de Megaeventos Esportivos: impactos sociais e legados educacionais”, aprovado no Edital ME/CNPq 091/2013. 33 (2016). Além de Betti (1998), Costa (2006), Pires; Lazzarotti Filho; Lisbôa (2012), Araújo; Marques; Pires (2013), Souza Junior (2015); 2 - a descrença, preconceito, discriminação com o diferente, diferença, em especial a pessoa com deficiência intelectual, que quase sempre, para não dizer todas as vezes é vista como incapaz, entretanto, algumas ações pedagógicas mediadas têm mostrado o inverso, de acordo com Oliveira (2004), Bianchi (2009), Corrêa (2016), Lima (2017). Alguns trabalhos na Educação Física têm sinalizado para uma perspectiva diferenciada do tradicional, que coloquem o aprendiz como centro das atenções/protagonista no processo formativo educacional dentro e fora da escola, relacionando com a mídia (fotografia). Como é o caso de Oliveira (2004) em seu trabalho dissertativo intitulado - O PRIMEIRO OLHAR: Experiência com Imagens na Educação Física Escolar – que traz para área uma discussão no sentido de propor e refletir a produção de imagem nas aulas de Educação Física escolar através de meios técnicos, oportunizando a alguns atores da referida escola (onde aconteceu a pesquisa) o protagonismo de estarem com a câmera na mão. Se para os ditos “normais” esse exercício de promoção e visibilidade do protagonismo não é comum, imagina se colocarmos uma lente de aumento no contexto da pessoa com deficiência intelectual, que historicamente é rotulada e estigmatiza. Desse modo é oportuno problematizar: como é que a pessoa categorizada com deficiência intelectual expressa a partir das mídias (fotos) seu aprendizado? Como estabelecem diálogos? Como se comunicam? Logo, o desenho de intervenção rascunhado enquanto projeto investigativo, buscou trazer para o mundo vivido, real, visível e revelado, o que talvez já acontecesse, mas por falta de visibilidade seja desconhecido. Que são as possibilidades de trabalhar as práticas esportivas, nesse contexto particular, do atletismo e natação a partir das dimensões do educar, sistematizados pelo conceito de mídia-educação. Assim, intenciona-se promover formação crítica, criativa e autônoma dos sujeitos. Outro estudo que faz pensarmos em novas possibilidades educativas e avanços significativamente representativos para as pessoas com deficiência, em especial a deficiência intelectual é a tese de Pereira (2014) com o título Multiletramentos, tecnologias digitais e os lugares do corpo na educação. Esse referido estudo traz para o debate acadêmico uma discussão que é a dos multiletramentos, ou seja, que as variadas modalidades de linguagem, no caso da pessoa com deficiência intelectual, seja uma rica possibilidade de estabelecimento de uma comunicação mais próxima de seu modo de estar e ser na vida. Dessa forma, o 34 pensamento de Santin (1995) nos revela quatro desafios futuros para a Educação Física. iremos nos ater em apenas a dois deles, haja vista a pertinência e relevância com a discussão aqui estabelecida. A capacidade comunicativa e a alfabetização do homem corporal são os dois desafios que Santin aponta para a EF. Tais desafios, dialogam bastante com um elemento que talvez não tenha sido percebido de imediato na pesquisa, a saber:o processo comunicativo desse sujeito com deficiência, que, todavia sempre esteve presente na problemática de investigação. Assim, focando na construção da problemática central do estudo que emerge da preocupação de como a pessoa com deficiência intelectual expressa suas aprendizagens, esse elemento, o da comunicação, suscita e incorpora às discussões outro olhar importante e necessário para a investigação, formando um mosaico interessante com a capacidade comunicativa (como a pessoa com deficiência intelectual se faz ser entendida – expressão) e a alfabetização do homem corporal (quais recursos corporais são acionados para narrar sua comunicação – emoção, paixão, sentimento, entre outros). Mas também compondo esse painel resultado do mosaico, está a utilização compreendida dos multiletramentos e do corpo como elementos transitórios na sua recíproca interação, propondo aproximação da linguagem e o movimento humano, corpo e palavra (como possibilidade de linguagem/comunicação), arte e ciência, teoria e senso comum, refletindo as inter-relações com o corpo e suas trocas sinestésicas com o mundo. Acerca disso, afirma Nóbrega (2019, p. 74 e 75): O corpo expressa a unidade na diversidade, entrelaçando o mundo biológico e o mundo cultural, rompendo com o dualismo entre os níveis físicos e psíquicos. Com o meu corpo eu atuo no mundo. [...] O corpo realiza a existência, põe o sujeito em situação, diferenciando-se dos objetos exteriores. [...] Aprendo o mundo com o corpo, mas esta apreensão é sempre uma síntese inacabada, formada pelas perspectivas de situação vivida. Nessa mesma perspectiva, Dias (2008, p. 399-400) acrescenta: [...] Não é mais possível pensar um corpo fora do homem, fora da sua emoção, fora das suas experiências de vida. O vivido está no corpo como uma tatuagem, portanto as suas relações sociais, o ser no mundo e reconhecer-se nele perpassa no corpo que se é, amplia sua existência. Segundo Dias (2006), somente há sentido na existência se tão somente o sujeito, que é o mesmo corpo, for livre para vivenciar a plenitude do vivido, do ser, sem regras, sem 35 padrões estabelecidos, ou seja, sendo tão igual na coletividade de ter a mesma essência humana, mas ao mesmo tempo tão diferente na individualidade na sua riqueza inventiva. Assim, há possibilidades concretas de tecer conexões extremamente inovadoras e contemporâneas para o processo de ensino-aprendizagem. Pois a linguagem falada e escrita, não são unânimes nos requisitos comunicativos para as relações de trocas, mas sim, múltiplas linguagens “(escrita, falada, cantada, pintada, jogada, gestualizada, brincada, midiatizada, entre outras)” (PEREIRA, 2014, p. 80). Ainda de acordo com Pereira (2014, p. 91-92) que apresenta: Dentre a amplitude de possibilidades, a proposta dos multiletramentos sugere as seguintes modalidades, sempre tendo em vista o caráter social da linguagem: Linguagem escrita: escrever (representar sentidos para o outro) e ler (representar sentidos para si próprio) – escrita a mão, páginas impressas, na tela. Linguagem oral: falar ao vivo ou em gravações (representar sentidos para o outro); escutar (representar sentidos para si próprio). Representações visuais: imagens estáticas ou em movimento, esculturas, artesanato (representar sentido para o outro); ver assistir, considerar pontos de vista, perspectivas (representar sentidos para si próprio). Representações sonoras: músicas, som ambiente, ruídos, alertas sonoros (representar sentidos para o outro); audição, escuta (representar sentidos para si próprio). Representações táteis: tato, olfato e paladar: a representação das sensações corporais e sentimentos para si próprioou as representações que tocam os outros corporalmente. Formas de representação tátil incluem cinestesia (movimento), o contato físico, as sensações da pele (calor, frio, textura, pressão), pegar, manipular objetos, artefatos, cozinhar e comer, aromas. Representações gestuais: movimentos das mãos e braços, expressões faciais olhares, expressões do corpo, modos de andar, pisar e correr, vestimentas e moda, estilos de cabelo, dança, sequência de ação, cerimônias, ritos. Aqui os gestos são entendidos de maneira ampla e metafórica, o ato físico assume condição simbólica. As representações de si mesmo podem assumir a forma de emoções ou de sequências de ação ensaiadas mentalmente. Representações espaciais: proximidade, espacialidade, distância interpessoal, territorialidade, arquitetura e construções, paisagens. Logo, a partir dessas modalidades é possível perceber a potencialidade da proposta no tocante ao processo comunicativo, uma vez que a linguagem não ficará restrita apenas a uma forma de expressão ou manifestação, não obstante, será multifacetária e plural, viabilizando que todos, não somente os mais hábeis, compreendam e sejam compreendidos. Aqui, portanto, foi se constituindo uma trama que envolveu as dimensões da mídia e 36 das tecnologias no seu aspecto de uso em que para autores como (BELLONI, 2006; FANTIN e RIVOLTELLA, 2012) estaria no plano de uma educação COM a mídia, dentro da perspectiva da mídia-educação e também nas dimensões da pessoa com deficiência intelectual, no sentido de provocar as possibilidades de linguagens, códigos, manifestações e expressões. Com isso, questionamos: até que ponto a pessoa com deficiência intelectual expressa suas aprendizagens nas práticas esportivas através das diversas linguagens e com o uso da mídia e da tecnologia? Este foi o desafio que se configurou nesta pesquisa e que nos levou a imersão no campo de estudo vivo e vivido como também um campo multifacetado, mas, sobretudo, rico nas relações humanas de trocas mútuas, de respeito, de pertencimento, de afeto e de se reconhecer no outro, pois ninguém estava acima ou abaixo do outro, todos caminhávamos juntos, no intuito de construirmos algo palpável e verdadeiro. Nesta pesquisa, trouxemos à tona a quebra de tabus que muitas vezes são naturalizados na sociedade e no próprio campo acadêmico como a aprendizagem de Pessoas com Deficiência Intelectual. Numa sociedade em que o diferente é jogado à margem, excluído dos processos e do usufruto dos direitos cidadãos, somente reforça este estereótipo e, muitas vezes, pensar em um processo de aprendizagem de forma abrangente e equitativa soa como um mero delantetismo, por isso foi preciso: “Analisar as expressões de aprendizagem da pessoa com deficiência intelectual, no contexto das práticas esportivas, a partir da mídia- educação” (grifo nosso), como objetivo central do estudo. Conectado com o objetivo central da pesquisa, outras questões inerentes ao objeto de estudo apareceram, principalmente, por lidar com um campo de estudo multiface, com idiossincrasias próprias e que não encontraríamos em nenhum outro cenário, neste sentido, “as possibilidades” como condição necessária para se pensar o aprendizado constituiu-se um dos objetivos fundantes desta pesquisa interventiva, com isso, o propósito foi: “Identificar as possibilidades de expressão da aprendizagem da pessoa com deficiência intelectual, através das diversas linguagens, no contexto de práticas esportivas” (grifo nosso). Além deste objetivo específico, outra questão instigadora e motivadora foi “Interpretar e analisar as narrativas visuais confeccionadas pela pessoa com deficiência intelectual” (grifo nosso). Este objetivo nasce da fecundidade do próprio campo e da necessidade de ler e interpretar suas particularidades. 37 1.1 PRODUÇÃO DE ENSAIOS: ROTEIROS Nesta subseção pertencente à primeira seção do trabalho – Visão panorâmica - apresentamos o itinerário metodológico constituído inicialmente por uma síntese da teoria (sinopse) que alicerça e fundamenta a imersão no campo de pesquisa; em seguida vem o lócus da investigação de forma detalhada (estúdio-cenário possível); sucessor a este encontra-se a caracterização dos sujeitos da pesquisa (elenco - atores e atrizes em ação). A seguir, vem a organização do processo pedagógico interventivo, que visa o desenvolvimento da pesquisa e o levantamento das informações (ensaios) e para fechar essa subseção que diz sobre a arrumação das temáticas discutida na pesquisa (estrutura do espetáculo). 1.1.1 Sinopse Na busca por compreender como a problemática investigada se desenvolveu, a pesquisa se direcionou a partir de características da etnopesquisa crítica, uma vez que, “nesse sentido, preocupa-se primordialmente com os processos que constituem o ser humano em sociedade e em cultura e compreende esta como algo que transversaliza e indexaliza toda e qualquer ação humana e os etnométodos7 que aí se dinamizam” (MACEDO, 2006, p. 9). Por estar inserido no cenário da investigação (campo) diariamente desde o princípio do projeto, o pesquisador-professor desenvolveu confiança, intimidade, legitimidade e autorização por parte da comunidade em questão para buscar as informações. Isso graças à importância que o mesmo (pesquisador-professor) atribuiu aos atores, valorizando a contribuição que cada um trazia, dentro do processo de construção da relação recíproca de trocas, quer sistêmica, intencional e pedagógica mediada pelo autor desta pesquisa, ora pelos atores do projeto com seu jeito não ortodoxo, impulsivo e afetuoso de demonstrar carinho e apreço. De acordo com o exposto, a pesquisa se aproximou bastante do viés mais renovado da antropologia contemporânea, que não nega a importância do clássico, mas que reconhece as influências que vem agregando a esta, “da teoria da complexidade, da multirreferencialidade, da etnopesquisa, bem como da antropologia filosófica” (MACEDO e SÁ, 2018, p. 327). 7 Emergem das práticas cotidianas, dos processos interacionais que não se enquadram jamais na noção de constância do objeto e que são, em última instância, os organizadores das ordens socioculturais. 38 Nesse sentido, a abordagem qualitativa se configura como a mais adequada para esse tipo de pesquisa, já que ela responde às questões específicas, além de possibilitar o aprofundamento no mundo dos significados das ações e relações humanas, “bem como considera que o fenômeno ou processo social tem que ser entendido nas suas determinações e transformações dadas pelos sujeitos” (MINAYO, 1994, p.25). Por se basear em características da noção etnológica, a pesquisa é descritiva e utilizou as técnicas de observação participante, entrevista semiestruturada e diário de campo. 1.1.2 Estúdio – cenário possível Segundo Tempo, nos últimos dezessete anos como programa de governo, buscou estrategicamente democratizar o acesso de crianças, adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade social à prática e à cultura do esporte educacional. No contraturno da escola, milhares de beneficiados por todo o Brasil tiveram acesso à cultura do esporte. Além do PST Padrão, há também duas outras vertentes que são o Programa Segundo Tempo Paradesporto (PSTp) e o Programa Segundo Tempo Universitário (PSTu), ambos seguem os mesmos princípios do PST Padrão, apenas tendo uma modificação acerca do público-alvo atendido, pois cada vertente segue uma especificidade. O PSTp se constituiu como lócus de investigação da pesquisa na cidade do Natal no Rio Grande do Norte, com três núcleos em funcionamento, um localizado no bairro Passo da Pátria, o segundo no bairro Mãe Luiza e o terceiro no bairro Tirol. Esse último foi o escolhido para que a pesquisa fosse desenvolvida. O referido núcleo foi selecionado para ser o campo de investigação empírica, devido seu coordenadorser também o pesquisador responsável por desenvolver o estudo. O programa é fruto da parceria do extinto Ministério do Esporte, atualmente Secretaria Especial do Esporte do Ministério da Cidadania e o IFRN (campus Cidade Alta), que foi contemplado para receber o programa via edital. O projeto teve uma vigência de 24 meses, sendo que 18 meses foram de efetivo desenvolvimento com os beneficiados (de julho de 2018 a dezembro de 2019). No período da manhã, de segunda a sexta-feira, as atividades ocorrem no campus IFRN-Natal Central das 08:00h às 12:00h, tendo uma divisão do público atendido em três turmas com vinte pessoas. 39 1.1.3 Elenco – atores e atrizes em ação Por se tratar de uma pesquisa de abordagem qualitativa, o foco da investigação esteve no aprofundamento, na abrangência e pluralidade do processo de compreensão dos atores protagonistas do fenômeno investigado. Dito isto, a ideia foi trabalhar com uma única turma, dentre as três do núcleo PSTp (T¹, T² e T³) que é composta por 20 a 25 beneficiados (de ambos os gêneros - criança, adolescente, jovem e adulto). Conforme afirma Macedo (2006, p. 10): Os atores sociais não falam pela boca da teoria ou de uma estrutura fatalística; eles são percebidos como estruturantes, em meio às estruturas que, em muitos momentos, reflexivamente os configuram. Sua criticidade está na desconstrução filosófica das epistemologias normativas e na convicção de que não há ciência imparcial. Na construção de um saber indexalizado às pautas sociais concretas está sua potencialidade formativa. Com base nessa perspectiva, acerca da ciência e na sua potencialidade formativa, os critérios estabelecidos de participação no estudo foram elencados mediante imersão do pesquisador, coordenador-professor no cenário investigativo. Essa imersão durou cerca de 9 meses de convívio diário, estabelecendo vínculos e laços com os protagonistas do estudo, assim também com os pais e/ou responsáveis. A partir de então, pudemos perceber alguns indícios potentes para a efetivação do estudo. Em primeiro lugar a turma selecionada, dentre as três, foi a primeira a ser formada durante o período de matrícula para as atividades do projeto; segundo – se constitui a maior turma do núcleo e com boa assiduidade; terceiro – o bom relacionamento dos atores (beneficiados do projeto) e por último, o conteúdo esportivo (atletismo e natação) trabalhado nas atividades da turma, além de serem classificados como esportes de marca, partiu de uma demanda específica desse grupo, pois as referidas práticas esportivas já faziam parte do seu arcabouço cultural. É oportuno salientar que alguns integrantes da turma selecionada para participar da pesquisa, já haviam participado de um projeto esportivo, fruto da parceria do Departamento de Educação Física (DEF) da UFRN e a Associação de Pais, Amigos e Pessoas com Deficiência de funcionários do Banco do Brasil (APABB), que teve o atletismo e a natação como modalidades trabalhadas. Abaixo segue o gráfico 1 com o quantitativo de pessoas com deficiência intelectual a partir do diagnóstico médico, assim também o quadro 1 contendo a relação com os nomes 40 fictícios dos atores e atrizes da pesquisa. Este quadro apresenta algumas informações pertinentes do cenário, com relação aos protagonistas dos encontros, tais como: nome fantasia que homenageia algumas cidades do RN; data de nascimento e idade; sexo e a deficiência segundo o relatório médico. Gráfico 1. Classificação Clínica Fonte: elaborado pelo autor (2020) A partir desses critérios, a turma 2, que é composta basicamente por pessoas com deficiência intelectual (Síndrome de Down - SD e Transtorno do Espectro Autista - TEA) na sua maioria, foi a selecionada para participar do estudo, mediante a aceitação dos mesmos e autorização dos responsáveis. Os membros da turma 2 com Síndrome de Down fazem parte da Associação de Pais, Amigos e Pessoas com Deficiência, de Funcionários do Banco do Brasil e da Comunidade (APABB) e estão juntos há alguns anos, participando de alguns trabalhos como: música, dança, terapia ocupacional, leitura e letramento, jogos matemáticos; de tabuleiro; de mesa; recreativo e artes. Dessa forma, evidencia-se o bom relacionamento que eles já tinham: basta ver o longo convívio. Os beneficiados com TEA, diferentemente dos com SD, só se conheceram a partir do PSTp, ou seja, não tinham nenhuma relação anterior e o 41 convívio se deu pelo programa. No início foi um pouco complicado, devido as características do transtorno que em muitas vezes se apresenta com o comportamento intolerante ao toque, isolamento e baixo nível de concentração. Quadro 1. Relação dos Protagonistas Fonte: elaborado pelo autor (2020) 42 O quadro 1 permite interpretar que a turma é composta por 20 pessoas de ambos os sexos, sendo que um ator não faz parte originalmente dessa turma, mas por conta do seu interesse pela prática do atletismo, o referido começou a ir aos encontros no dia do atletismo e acabou participando, totalizando assim 21 pessoas na turma, em que 7 são do sexo feminino e 14 do sexo masculino. É possível também perceber que essa turma tem uma idade avançada (ao menos 50%) frente ao perfil do PST-p que prioriza uma faixa etária de 6 a 18 anos, mas se tratando de pessoas com deficiência intelectual, a questão da idade foi ampliada. 1.1.4 Ensaios O levantamento das informações mediante o processo interventivo aconteceu entre os meses de maio e junho do ano de 2019, totalizando cerca de dez encontros; os dois primeiros tiveram o objetivo de apresentar o estudo, os subsequentes cinco encontros, para o desenvolvimento propriamente dito do estudo e os três últimos encontros para o período das entrevistas, conforme apresentado no quadro 2 abaixo. O levantamento foi desenvolvido em um único momento que foi subdividido em três etapas. Na primeira etapa, uma reunião foi realizada com os pais ou responsáveis dos potenciais participantes, que compunham a turma previamente selecionada a participar da pesquisa. Nessa reunião os objetivos e procedimentos do projeto de pesquisa foram apresentados, bem como o parecer de autorização para realização da pesquisa sob número 3.301.062, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa – CEP da UFRN e o Termo de Autorização para Gravação de Voz, o Termo de Autorização para Uso de Imagens, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), bem como o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE) foram entregues aos participantes para leitura e posterior assinatura se concordariam que seus filhos ou dependentes participassem da pesquisa. Na segunda etapa, o pesquisador realizou junto com os atores investigados vivências que tematizavam e problematizavam o esporte sobre a mídia a partir do conceito de mídia- educação (BELLONI, 2001). Especificamente nessa etapa foi trabalhada a dimensão do educar para, com e através das mídias. Esse momento foi destinado a reflexão crítica, conscientização, utilização, captura, confecção e produção de imagens e vídeos que os atores fizeram durante o desenvolvimento das atividades do projeto. Quadro Fonte: elaborado pelo autor (2019) Em atividades específicas, os participantes estiveram com a câmera na mão e/ou em outra parte do corpo (GoPro momentos e situações da e imagética feita pelos participantes, foram confeccionadas imagens, vídeos e desenhos, a partir do entendimento dos atores e atrizes frente às experiências proporcionadas pelo esporte sobre a mídia a partir das condições deles de produzir narrativas midiáticas sobre suas vivências. A opção em estabelecer uma reflexão para o processo de investigação da pesquisa se justifica pela possibilidade de verificação do processo de ensino ferramenta metodológica proporciona aos sujeitos, bem como no protagonismo e aquisição do conhecimento por parte dos envolvidos. Haja vista as experiências
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