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PROFILAXIA DE RAIVA HUMANA Dr. Carlos Roberto de Macedo Saúde Coletiva e Clínica Médica A raiva é uma doença infecciosa aguda, causada por vírus, que compromete o sistema nervoso central e se caracteriza por um quadro de encefalite grave. ● Agente etiológico: vírus rábico ● Transmissão: acidente com mamífero infectado SITUAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA ● É uma doença antiga: já era conhecida no século XXIV aC ● No decorrer dos séculos já houveram inúmeras epidemias ● O Brasil é o país que mais tem casos de raiva na América PREVENÇÃO Imunização Ativa: ● Vacina antirrábica: boa imunogenicidade e praticamente isenta de reações adversas. Atualmente são utilizadas 04 doses, nos dias 0 - 3 - 7 e 14, sendo o dia 0 o dia que o paciente chega ao atendimento. Imunização Passiva: já fornece os anticorpos prontos ● Soro antirrábico (SAR): solução purificada de imunoglobulina preparada a partir de soro de equídeos hiperimunizados contra raiva. ○ É heterólogo, ou seja, são anticorpos de uma espécie não humana (cavalos) ○ Por ser de outra espécie, pode causar uma reação anafilática ● Imunoglobulina humana antirrábica (IGHAR): solução purificada de imunoglobulina obtida do plasma de doadores com níveis elevados de anticorpos específicos. ○ É autóloga, ou seja, são anticorpos de doadores humanos TRANSMISSIBILIDADE Agentes de transmissão: ● Cães ● Gatos ● Morcegos ● Outros mamíferos Modo de transmissibilidade: mordedura, arranhadura, lambedura de pele com solução de continuidade ou lambedura em mucosa íntegra, via inalatória, transplantes, contato com morcego. ● Contato com morcego é sempre indicação de profilaxia. ○ Ex: um morcego é encontrado na cortina quando eu acordo → eu não sei se esse morcego encostou em mim durante a noite, eu preciso solicitar à vigilância que recolha o animal e preciso procurar atendimento porque tem indicação de profilaxia. ○ Ex2: estou andando e um morcego passa voando por mim → desde que ele não encoste, não tem problema. Caso ele encoste em qualquer parte do meu corpo, mesmo que a pele esteja íntegra, existe indicação de buscar atendimento para profilaxia. Período de transmissibilidade: ● Cães e gatos: são os únicos animais estudados, os quais são conhecidos os períodos de transmissibilidade → 10 dias ○ Começam a transmitir a doença 2-3 dias antes do início dos sintomas e geralmente evoluem para óbito com 5-7 dias. Pedimos para observar por 10 dias considerando uma margem de segurança desde o contato. ● Os outros animais transmissores não têm indicação de observação porque não se sabe o período de transmissibilidade. CONCEITOS Animal vacinado X imunizado: ● Um animal que recebeu a vacina anti-rábica não obrigatoriamente está imunizado, ou seja, o fato de o cachorro estar vacinado não muda a nossa conduta. Animal passível de observação: !!! ● São passíveis de observação apenas cães e gatos, isso pela questão do período de transmissibilidade. Espécies de morcegos: ● Existem morcegos frutíferos, insetívoros e hematófagos, são espécies diferentes, mas isso não é importante para fins de conduta, porque independente da espécie há risco de transmissão devido a possibilidade de contaminação entre as espécies. Teste de imunofluorescência: ● Avaliação por imunofluorescência de lâminas cerebrais de cachorros ou gatos mortos para determinação da existência ou não de contaminação. Teste positivo = contaminação. ● Lembrando que isso serve apenas para os cães e gatos. Prova biológica: ● Se a imunofluorescência é positiva, retira-se uma amostra do cérebro avaliado, faz-se uma inoculação em cobaia do provável agente e avalia em 30-40 dias. Se houver manifestação da doença, confirma a infecção. Sorologia para raiva: ● A sorologia para raiva não tem o mesmo raciocínio do IgM e IgG de outras doenças, cujo IgG positivo é indicativo de imunidade. ● Se o paciente recebeu a vacina contra raiva e a sorologia está positiva, significa que o paciente respondeu a vacina, porém não significa que dá proteção para o resto da vida. ● A disseminação rápida do vírus no organismo não se dá por via hematogênica, e sim por via neurológica. Portanto, não adianta colher sangue do paciente para saber se foi contaminado → se o vírus precisa encontrar uma terminação nervosa para se disseminar, é evidente que áreas do corpo que são mais inervadas são de maior risco. ● A realização de sorologia é indicada apenas para profissionais que possuam grandes chances de adquirir raiva (médicos veterinários). ○ Mesmo nestes casos a nossa conduta não é determinada por resultado de sorologia. Sutura da lesão: ● Não há indicação de sutura da lesão, pois a passagem da agulha pode facilitar o alcance do vírus a uma terminação nervosa, o que predispõe a disseminação do vírus. ● Evidentemente, em algumas situações a sutura é inevitável, por exemplo em grandes lesões, perda de massa encefálica, etc. ○ Se houver indicação de sutura e houver indicação de SAR, este deve ser feito pelo menos 30 minutos antes da sutura. !!! Gestação: ● Não é contraindicação para vacina e/ou soro antirrábico, independente do tempo de gestação → a raiva é uma doença mortal e o risco da doença supera o risco da vacina. CRITÉRIOS DE RISCO NA TRANSMISSÃO DO VÍRUS RÁBICO Alto risco: ● Morcegos ● Demais animais silvestres Médio risco: ● Cães ● Gatos ● Equídeos ● Caprinos ● Suínos ● Ovinos Baixo risco: (roedores) ● Ratos ● Cobaias ● Hamster ● Coelhos ● Demais roedores urbanos (SE FOR SILVESTRE, É ALTO RISCO) CRITÉRIO DE GRAVIDADE DAS LESÕES !!! Basta 1 critério de gravidade para ser considerado grave. Localização: ● Cabeça = grave ● Pescoço = grave ● Mãos = grave ● Pés = grave ● Outros locais = leve Número: ● Lesão única = leve ● Múltiplas lesões = grave (isso a gente conta por lesão e não por número de mordidas, se mordeu 1 vez mas pegou 2 dentes ou 2 lugares diferentes, já é critério de gravidade) Profundidade: ● Superficial = leve ● Profundo = grave Lambedura em mucosa: ● É sempre critério de gravidade, independente da integridade da mucosa ESQUEMA DE VACINAÇÃO !!! Pré-exposição: ● É indicada para profissionais de alto risco: veterinários, pesquisadores, carteiros… ● São 02 doses da vacina: dia 0 e dia 7 ● Com 14 dias após a última dose da vacina (ou seja, no dia 21) fazemos a sorologia para avaliação da resposta vacinal: é considerada sorologia adequada um resultado > 0,5 UI; ● É indicado repetir a sorologia semestral ou anualmente, se houver queda da resposta a vacina deve ser repetida e a sorologia também. Pós-exposição: ● Ferimentos causados por cão ou gato observável, tanto faz se grave ou leve, não tem indicação de vacina, somente observação por 10 dias. ○ O animal permanece saudável após esses 10 dias = alta, sem mais indicações. ● Se houver necessidade de vacinação, são necessárias 04 doses (dias 0, 3, 7 e 14) aplicadas no deltóide. Além da vacina, há indicação de 01 dose de soro aplicada no local do ferimento (na forma de botão anestésico) na dose 40 UI/kg = 0,2 mL/kg. ○ Quando é um paciente muito pesado, que exige um volume muito grande de soro, a gente pode distribuir em outras regiões, mas deve-se aplicar inicialmente no local da ferida o quanto for possível ● Passados 07 dias da primeira dose da vacina, não há mais indicação de soro. segue-se somente com o esquema vacinal. Isso porque o indivíduo já vai estar produzindo uma quantidade suficiente de anticorpos. Reexposição: todo caso de reexposição tem indicação de sorologia após 14d da última dose. ESQUEMA ANTERIOR ESQUEMA DE REEXPOSIÇÃO Completo (04 doses) - Até 90 dias: não realizar esquema profilático - Após 90 dias: 02 doses (d0 e d3) Incompleto - Até 90 dias: completar nº de doses - Após 90 dias: esquema de pós-exposição conforme o caso *Obs: d0 é o dia da primeira dose da vacina, independente da distância da mordida. **Obs2: a vacina pode ser feita em qualquer unidade de saúde, o soro é obrigatoriamente em pronto atendimento/ambiente hospitalar devido ao risco de reação anafilática. Então se recebermos um paciente com indicação de sorovacinaçãovamos fazer o soro na unidade de atendimento inicial e encaminhar para um PA para realização do soro (até o 7º dia), sempre deixar registrado esse encaminhamento. **Obs3: no esquema de reexposição, quem já tomou 02 doses de vacina não tem indicação de receber soro. POSSÍVEIS SITUAÇÕES Acidente com cão ou gato observável sem sinais sugestivo de raiva: independente da lesão ser leve ou grave⇒ observar o animal. ● Animal saudável ao final dos 10 dias = encerrar o caso ● Animal morre, foge ou começa a apresentar sintomas = iniciar esquema pós-exposição Acidente com cão ou gato observável com sinais sugestivos de raiva: ● Acidente leve⇒ vacina ● Acidente grave⇒ sorovacinação Acidente com cão ou gato que toca em morcego que ocorre até 48h após contato com o morcego: o cachorro mordeu o morcego e após 48h mordeu alguém, é indicada sorovacinação, porque vamos interpretar como se o contato tivesse sido diretamente com o morcego *Obs: se durante o período de observação o animal morre por qualquer motivo, é sempre indicado o esquema pós-exposição. Por exemplo, se um cachorro morre no 5º dia e o veterinário responsável afirma por meio de atestado que a causa da morte foi cinomose, isso não muda em nada a nossa conduta, porque após a morte única forma de confirmar que esse animal não estava contaminado pelo vírus da raiva é pela imunofluorescência. Então morreu = profilaxia pós-exposição conforme a indicação, independente de qual for a causa da morte.. RESUMO: ESQUEMA DA PÓS-EXPOSIÇÃO Morcego e animais silvestres: ● É sempre grave ● Soro-vacinação ou esquema de reexposição Cão não-observável, gato não-observável e animais domésticos: ● Acidente leve: vacinação (04 doses) ● Acidente grave: soro-vacinação Roedor: ● Não há necessidade de profilaxia SORO ANTI-RÁBICO ● Não há dose máxima ● Não deve ser feito teste de sensibilidade antes da aplicação ● Deve ser aplicado no local do ferimento ○ Caso seja grande o volume, o restante deve ser aplicado em região glútea. OBSERVAÇÕES ● O SAR deve ser aplicado o mais rápido possível. Após o 7º dia da primeira dose de vacina não há necessidade de aplicar o soro. ● Se o paciente já recebeu o esquema de PrEP completo, indica-se a profilaxia com vacina nos dias 0 e 3. ● Após 90 dias, independentemente do intervalo de tempo, se o paciente recebeu pelo menos 2 doses do esquema PrEP, indicar as vacinas nos dias 0 e 3. ● Se o paciente for faltoso completar o esquema com o intervalo normal entre as doses. Nunca reiniciar. ● Mordida de mamífero é de notificação compulsória. Suspeita de raiva é de notificação compulsória e imediata. PACIENTES FALTOSOS Crianças: ● Busca ativa ● Acionar o conselho tutelar, promotoria, juizado de menores, o que for necessário, essa criança obrigatoriamente vai fazer o esquema Adultos: ● Busca ativa ● Caso o paciente se recuse a fazer o tratamento, é obrigatória a assinatura em termo de consentimento com duas testemunhas, declarando que sabe dos riscos e ainda assim não vai fazer o esquema. *Obs: paciente com indicação de 04 doses de vacina que toma apenas 1 (d0), reaparece no 10º dia dizendo que quer retomar o esquema de pós-exposição, o que fazer? → aplicar a 2ª dose no mesmo dia (d10) e as demais doses respeitando o intervalo original, ou seja, em d14 e d21 [0 - 3 - 7 - 14⇒ 0 - 10 - 14 - 21]. *Obs2: mordedura de mamífero e encefalite com suspeita de raiva são situações de notificação compulsória.
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