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BIOGEOGRAFIA AULA 2 Profª Carolina Machado da Rosa 2 CONVERSA INICIAL Se observarmos os seres vivos, percebemos que cada um está em um lugar específico. Existem espécies que vivem em ambientes extremos, como lugares excessivamente quentes ou excessivamente frios. No entanto, se trocarmos essas espécies de lugar, nenhuma das duas sobreviverá. Assim, percebemos que mesmo as espécies que vivem em condições inóspitas não conseguem viver em qualquer ambiente. Por exemplo, se colocarmos um urso polar em uma floresta tropical, ele não sobreviveria. Bem como se colocássemos um mico-leão-dourado no Ártico, ele morreria. Com base nisso, podemos perceber que as espécies e os indivíduos de cada espécie se distribuem de acordo com fatores abióticos e bióticos. Fatores atmosféricos e edáficos são exemplos de abióticos. Eles representam a influência do ambiente na distribuição dos organismos. Fatores bióticos envolvem interações entre as espécies, o que também interfere em sua distribuição e na ocupação de nicho. Nesta aula, estudaremos como os fatores físicos e biológicos afetam a distribuição dos indivíduos e das espécies no nosso planeta, tanto em ecossistemas terrestres como em ecossistemas aquáticos. Desse modo, você será capaz de compreender a razão de uma espécie estar em determinado local e outra, não e como ela interage com as condições ambientais e com os outros seres vivos. TEMA 1 – FATORES ATMOSFÉRICOS Fatores atmosféricos incluem o clima, a disponibilidade de luz, a temperatura, a umidade e os ventos, os quais podem ser considerados fatores limitantes para a ocorrência das espécies. Fator limitante é tudo que dificulta a vida e a reprodução de cada espécie. As espécies podem ser ecologicamente tolerantes a fatores ambientais, denominadas de euritópicas, ou ser intolerantes, chamadas de estenotópicas. Dentro desses limites, a espécie consegue sobreviver adequadamente, mas excedendo tais limites, elas sofrem estresses fisiológicos. Ana Luisa . Ana Luisa . 3 1.1 Temperatura A Lei de Van’tHoff determina que a velocidade da reação que transforma substâncias inorgânicas em orgânicas dobra quando a temperatura aumenta. Os organismos vivos seguem essa lei nos seus processos fisiológicos. Desse modo, as espécies que vivem em regiões tropicais, com temperaturas mais altas, tendem a apresentar crescimento e metabolismo mais rápidos. Os seres vivem adequadamente em uma faixa entre temperatura mínima e temperatura máxima. Quando esses parâmetros são ultrapassados, eles morrem. Dentro dessa faixa, existe a temperatura ótima, na qual os organismos apresentam o máximo de sua capacidade de crescimento e/ou reprodutiva. Você foi apresentado anteriormente aos conceitos de euritópicos e estenotópicos. Essas definições podem ser aplicadas para a temperatura. Os organismos euritérmicos suportam grandes amplitudes térmicas, enquanto os organismos estenotérmicos suportam amplitudes pequenas. Os vegetais ainda podem ser classificados de acordo com sua preferência térmica. As plantas microtérmicas, como as herbáceas da tundra, têm preferência por temperaturas inferiores a 15°C e, portanto, habitam regiões frias. As plantas mesotérmicas, como a araucária (Figura 1), habitam ambientes temperados, por preferirem temperaturas entre 15°C e 19°C. Já os vegetais megatérmicos, como as árvores da Amazônia, preferem temperaturas acima de 20°C e habitam áreas tropicais. Os animais também são classificados de acordo com critérios térmicos. Animais ectotérmicos, como os lagartos (Figura 2), ajustam sua temperatura corporal de acordo com a temperatura externa e, por isso, são extremamente influenciados pela temperatura. Já os animais endotérmicos, como os lobos, criam condições constantes de temperatura dentro de suas células e não modificam sua temperatura interna. Quando isso ocorre, poderão manifestar danos metabólicos e/ou possível óbito. 4 Figura 1 – Araucaria angustifolia, planta mesotérmica Crédito: Paulo de Abreu/Shutterstock. Figura 2 – Lagarto, animal ectotérmico Crédito: Conrad Martin/Shutterstock. 1.2 Luz A luz, bem como a temperatura, não é recebida nem distribuída igualitariamente em todos os ambientes da Terra. Isso ocorre porque nosso planeta possui uma inclinação de 23,5°. Essa disponibilidade divergente de radiação solar e luminosidade afeta as atividades dos seres vivos. As plantas https://www.shutterstock.com/pt/g/Paulo+de+Abreu https://www.shutterstock.com/pt/g/Paulo+de+Abreu https://www.shutterstock.com/pt/g/cmartin 5 são organismos autótrofos que precisam da luz solar para realizar o processo fotossintético. Assim, percebemos que a luz permite todas as interações da teia alimentar. Exemplos de influência luminosa na vida são o fototactismo, fototropismo e fotoperiodismo. Fototactismo é quando os animais têm a luz como fator diretivo, sendo atrativo, como no caso das mariposas, ou repulsivo, como é o caso das baratas. Fototropismo é quando as plantas orientam seu crescimento pela luminosidade, como a samambaia que cresce em direção à luz (Figura 3). Já fotoperiodismo é a resposta dos organismos ao período de luminosidade ao qual são submetidos. Um exemplo de fotoperiodismo são as chamadas plantas de dia longo, plantas de dia curto e plantas de dia neutro. As primeiras normalmente florescem na primavera e no início do verão, pois precisam de um período de luminosidade maior que o comprimento crítico, é o caso da batata e do trigo. As segundas costumam florescer no final do verão e do outono, já que necessitam de um período de luz menor que o comprimento crítico, é o caso do morango e da prímula. As plantas de dia neutro florescem independentemente do tempo de luz recebido, como é o caso do arroz e do feijão. Além disso, as plantas podem ser classificadas em heliófilas, que precisam de muita luz, como a grama, e umbrófilas, que vivem em ambientes mais sombreados, como no subosque. Apesar de menos evidente, alguns animais também dependem da luz. Existem pássaros que amadurecem sexualmente apenas quando o dia tiver determinada duração. O canto matinal de algumas aves também possui relação com a intensidade luminosa. Além disso, existem animais com hábitos diurnos e noturnos, de acordo com a sua necessidade de luz para realização de atividades. 6 Figura 3 – Samambaia cresce em direção à luz Crédito: Max Lindenthaler/Shutterstock. 1.3 Ventos Os ventos influenciam diretamente na distribuição das plantas. O vento pode atuar dispersando as sementes de espécies anemocóricas. Já a anemofilia retrata a ação dos ventos na polinização. Além disso, de forma indireta, os ventos afetam a temperatura e a umidade, outros dois fatores de distribuição de organismos. 1.4 Umidade Todos os seres vivos precisam de água para sobreviver. As células realizam as suas atividades em meio aquoso. As plantas absorvem água do solo e os animais bebem água para obter o suprimento necessário. Além disso, alguns organismos vivem em ambientes aquáticos. Além disso, como anteriormente discutido, existe a regra de Gloger, a qual explica que organismos da mesma espécie, que vivem em locais com maior umidade, tendem a ter uma coloração mais escura quando comparados a organismos de ambientes mais secos. Os organismos são classificados de acordo com a sua necessidade de água. Como muitas palavras dessas classificações possuem origem grega ou latina, foi colocado seu significado entre parênteses para facilitar a https://www.shutterstock.com/pt/g/rjdad 7 compreensão. Plantas e animais que vivem na água são chamados, respectivamente, de hidrófitos, como aguapés, e hidrófilos, como peixes (hidro: água, fito: planta, filo: que tem afinidade). Vegetais e animais que necessitam de ambientes úmidossão chamados de higrófitos, como avencas (Figura 4) e higrófilos, como minhocas (higro: umidade). Esses organismos são desprotegidos contra a perda de água e sofrem consequências graves em situações de seca. As plantas xerófitas, cactos, e os animais xerófilos, girafas (Figura 5), (xero: seco) são aqueles que precisam de pouca água para sobreviver e conseguem suportar períodos de seca, uma vez que possuem mecanismos para acumular água ou minimizar suas perdas. Organismos mesófitos, como açaí, e mesófilos, como leões, (meso: meio) se encontram em posição intermediária. Eles não precisam viver em ambientes úmidos, mas também não são capazes de suportar secas intensas. Figura 4 – Avenca, exemplo de higrófita Crédito: RJ22/Shutterstock. https://www.shutterstock.com/pt/g/malisolittle 8 Figura 5 – Girafa, exemplo de xerófilo Crédito: Nilesh Rathod/Shutterstock. TEMA 2 – FATORES EDÁFICOS OU PEDOLÓGICOS Na própria definição de solos, já notamos a sua influência para os seres vivos. Solo é definido como um conjunto de indivíduos naturais, composto de matéria orgânica e que sustenta plantas. Ele é formado por minerais provenientes do desgaste de rochas e por matéria orgânica da decomposição de seres vivos. 2.1Tipos de solo e vegetação associada Os solos zonais possuem sua gênese vinculada ao clima. Existem quatro processos pedogênicos principais associados à vegetação. São eles: podzolização, laterização, calcificação e gleização. A podzolização (Figura 6) ocorre em locais onde a temperatura é baixa e a precipitação é alta, ou seja, regiões de altas latitudes. Florestas de coníferas são as vegetações típicas desse solo, por se desenvolverem nesse solo ácido, e há pouca atividade microbial. As florestas tropicais são adaptadas a solos lateríticos (Figura 7). Esses locais possuem temperaturas e precipitações elevadas, cujos solos são firmes e porosos, mas com pouca fertilidade. Solos calcários ocorrem em ambientes áridos e semiaridos, sendo comuns em desertos. Contudo, em áreas em que ocorrem mais chuvas, a água https://www.shutterstock.com/pt/g/NileshRathod 9 e as sementes penetram em camadas mais profundas, tornando o solo fértil. Assim, esse solo calcário mais úmido é comum apresentar a vegetação de pradarias. Gleização é o processo que forma o solo de regiões mais frias e úmidas, polares. A matéria orgânica não consegue ser decomposta porque o solo se encontra constantemente gelado e encharcado. A vegetação típica desses ambientes é a tundra. O solo negro é intrazonal, pois independe de fatores climáticos, uma vez que depende mais da composição minerológica e da quantidade de água no perfil. Esses solos se contraem em época seca e se expandem em época chuvosa. Eles são comuns em savanas e em áreas subtropicais, nas quais ocupam regiões planas ou depressões. Solos azonais são compostos de alguma substância química incomum e que dificulta o crescimento de plantas. As plantas que toleram esses solos possuem mecanismos fisiológicos especiais, por exemplo, solos halomórficos são aqueles que possuem grandes quantidades de sais (do Grego: halo significa sal e morfo, forma). Apenas plantas adaptadas, denominadas dehalófitas, conseguem viver nesses locais. Figura 6 – Solo podzol Crédito: Michal812/Shutterstock. https://www.shutterstock.com/pt/g/michal812 10 Figura 7 – Solo laterítico Crédito: Sunhaji/Shutterstock. 2.2Outras características do solo As propriedades físicas do solo, como tamanho e porosidade de partículas, afetam escoamento, infiltração e penetração de água, interferindo na distribuição da vegetação. Desse modo, a textura do solo pode causar variações nas plantas, mesmo que o clima seja uniforme. A temperatura do solo é outro fator físico vinculado à de sementes e à decomposição da matéria orgânica, ou seja, ação de bactérias e fungos saprófitos (decompositores). As propriedades químicas do solo são, principalmente em termos biológicos, pH e disponibilidade de água. Em termos de pH, a maioria das espécies vegetais preferem solos com pH neutro (6,5 – 7,5). Contudo, existem as acidófitas (Figura 8), plantas que preferem solos ácidos (pH menor que 6), como erva-mate e basófitas, como o algodão, plantas que preferem solos básicos (pH maior que 7). A quantidade de água disponível no solo também afeta a vegetação que nele vai se estabelecer. Além disso, as substâncias encontradas no solo, como fósforo, potássio e nitrogênio, são necessárias para o crescimento dos vegetais. Apesar de a influência do solo ser mais perceptível para os microrganismos e vegetais, ele também afeta a presença de animais. De forma indireta, pela determinação das plantas presentes. De forma mais direta, as propriedades edáficas físicas e químicas afetam os ciclos de vida dos animais. Algumas espécies de invertebrados, répteis e mamíferos possuem sua distribuição restrita a um tipo de solo necessário para ser escavado ou para que eles se locomovam. Por exemplo, as minhocas só conseguem viver em solos https://www.shutterstock.com/pt/g/Sunhaji 11 úmidos, uma vez que apresentam respiração cutânea e precisam que sua pele esteja umidificada para que as trocas gasosas ocorram de forma adequada. Figura 8 – Exemplo de planta acidófita, a mandioca Crédito: Srimapan/Shutterstock. TEMA 3 – ECOSSISTEMAS AQUÁTICOS A distribuição dos organismos aquáticos também é influenciada pela temperatura e pela luz. Bem como pelo pH, nutrientes inorgânicos, salinidade e pressão. 3.1 Estratificação térmica: temperatura, luz e nutrientes Quando a luz incide em ambientes aquáticos, ela é rapidamente absorvida. Notamos, primeiramente, que a zona fótica, local onde ocorre a fotossíntese, encontra-se na superfície da água. Ali existe uma grande concentração de organismos. O fitoplâncton, algas unicelulares fotossintéticas, habita esse local. O zooplâncton (Figura 9), por sua vez, realiza migração diária. Eles vão se alimentar durante o dia na superfície e se dirigem às profundezas durante a noite para fugir de predadores. Outro ponto importante é que a superfície é mais quente, enquanto as profundezas são frias, fator importante na distribuição dos organismos. Além disso, a disponibilidade de oxigênio e nutrientes ocorre na zona fótica, em lagos tropicais e oceanos, uma vez que eles não possuem circulação vertical, devido à estratificação permanente. Esses locais tendem a ter zonas https://www.shutterstock.com/pt/g/srimapan 12 profundas improdutivas, já que as substâncias acima mencionadas dependem do processo fotossintético. Já em lagos temperados, essa situação é diferente. Na primavera e no outono, não há estratificação, assim os nutrientes e o oxigênio conseguem atingir as profundidades, permitindo uma maior produtividade. Figura 9 – Zooplâncton que realiza migração diária Crédito: Choksawatdikorn/Shutterstock. 3.2 Pressão A variação de pressão afeta a distribuição de espécies porque são necessárias adaptações fisiológicas para que os organismos suportem determinadas condições. A pressão da água fica mais alta com a profundidade, sendo um problema para grande parte dos organismos. Assim, as espécies adaptadas a viver sob essas condições extremas de pressão, nas profundezas, não conseguiriam viver na superfície. O peixe Anoplogaster cornuta (Figura 10) vive a 5.000 metros de profundidade. 13 Figura 10 – Anoplogaster cornuta, peixe que suporta uma pressão 500 vezes maior que o ar faz sobre nós Crédito: 3DMI/shutterstock. 3.3 Salinidade Da mesma forma que a pressão, a salinidade também exige adaptações fisiológicas, como vimos nas plantas halófitas de ambientes terrestres, como a Salicornia (Figura 11), que possui caules e raízes expostos ao sal. Como as águas salgadas estão nos oceanos e esses ocupam uma grande parte da superfícieterrestre, muitos organismos estão adaptados a essas condições especiais. Essas espécies, por sua vez, possuem mecanismos para eliminar o excesso de sal. Os organismos eurialinos, como o peixe robalo-peva, são adaptados fisiologicamente a viver em ambientes com salinidade flutuante e, portanto, habitam ambientes salobros, como estuários e alguns pântanos. https://www.shutterstock.com/pt/g/3DMI 14 Figura 11 – Salicornia em praia com água salgada Crédito: Barmalini/Shutterstock. 3.4 Condições especiais A zona entre marés é uma região que recebe um padrão regular de inundação causada pelas marés. Essa área é ocupada por espécies bem peculiares. Os padrões de vida desses organismos acontecem de acordo com as condições de inundação e dessecamento causadas por esse fenômeno. Outro caso especial são os organismos que estão adaptados ao movimento das correntes oceânicas, pois eles são capazes de suportar ambientes com massas de água distintas. TEMA 4 – FATORES BIÓTICOS Os fatores bióticos são aqueles que envolvem a relação entre os organismos vivos e que causam, limitam ou ampliam a distribuição das espécies. 4.1 Competição A competição interespecífica é uma competição entre diferentes espécies por algum recurso, que pode ser luz e nutrientes, no caso das plantas, ou alimento e habitat, no caso de animais. Assim, como essa interação diminui a disponibilidade de recurso para a outra espécie, ela gera uma redução na fecundidade, no crescimento e/ou sobrevivência de indivíduos de uma espécie, https://www.shutterstock.com/pt/g/barmalini 15 devido à exploração comum de recursos por indivíduos de outra espécie. Em casos mais drásticos, pode haver exclusão competitiva, ou seja, uma espécie pode ser extinta daquele local, por não ser uma boa competidora. Espécies de diatomáceas, por exemplo, competem por silicato, um elemento necessário para a constituição de suas paredes celulares. Existem diferentes tipos de competição: de exploração, em que os indivíduos competem indiretamente entre si e respondem à diminuição dos recursos; por interferência, na qual percebe-se uma competição mais direta, como por habitat, ou seja, se um indivíduo está em determinado local, outro não pode ocupá-lo. Já a alelopatia é um tipo especial de competição por interferência, experimentado por algumas plantas. Uma planta produz substâncias tóxicas para outra espécie, tornando o ambiente hostil para sua competidora. Por exemplo, o capim-santo/limão (Cymbopogon citratus) inibe o crescimento da alface e do picão-preto. Portanto, a competição afeta a dinâmica das populações competidoras, o que influencia na distribuição e na evolução de cada espécie. Algumas espécies não ocorrem em determinado local favorável a ela, provavelmente porque há uma competidora que impede seu estabelecimento. Desse modo, existe uma limitação da distribuição geográfica de uma espécie por meio da competição. Isso acontece com mamíferos, aves, plantas, dentre outros seres vivos. 4.2 Predação e herbivoria Predação é o consumo de um organismo, a presa, por outro, o predador, por exemplo, quando um guepardo se alimenta de uma gazela (Figura 12). A herbivoria, por sua vez, é o consumo de plantas praticado por animais, como o bicho da seda que se alimenta de folhas de amoeira. Para alguns autores, a herbivoria é considerada um tipo de predação e em termos de influência na distribuição das espécies, ela pode ser assim considerada. Predadores e herbívoros são chamados de consumidores, os quais influenciam na distribuição e na abundância dos indivíduos que consomem e o contrário também é verdadeiro. Se, por exemplo, um predador pode se alimentar de duas presas diferentes, mas tem preferência por uma delas, ele limita a distribuição das populações de ambas as presas. Por outro lado, como o predador se alimenta dessas presas, a sua distribuição também é condicionada pelo local de 16 ocorrência delas. Um exemplo mais claro disso é se os predadores afetarem a distribuição de espécies, quando essas duas espécies são competidoras. Observe: existem duas populações de espécies competidoras, a A e a B. Em uma situação sem predador, a espécie A elimina a espécie B por exclusão competitiva. Contudo, em uma situação com um predador que tem preferência alimentar pela espécie A, esse predador controla a população de A, permitindo que a espécie B permaneça nesse local e, portanto, interferindo na distribuição de ambas as populações. Em casos de herbivoria, o mesmo exemplo pode ser aplicado. Os predadores e herbívoros altamente específicos possuem sua amplitude geográfica coincidente com a distribuição geográfica de suas presas. Além disso, os predadores podem eliminar a população de presas de determinado local ou impedir a colonização de presas em algum ambiente. Nesses dois casos, os predadores interferem na distribuição das populações de presas. O primeiro exemplo, no entanto, é difícil de ocorrer na natureza, porque se a população de predadores elimina definitivamente a população de presas, ele acaba sendo eventualmente eliminado ou, pelo menos, tem sua população reduzida. Se pensarmos em níveis de teia alimentar, percebemos que essa influência pode atingir outras dimensões, como: um predador carnívoro se alimenta de uma presa herbívora. Quando o predador limita a população de presas, ele permite que as plantas que sofriam herbivoria dessa presa ampliem a sua distribuição. No entanto, essas constatações são difíceis de ser observadas em condições naturais. Essas conclusões foram possíveis por meio de experimentos de introdução e remoção de predadores em ambientes naturais. 17 Figura 12 – Guepardo caçando uma gazela Crédito: Elana Erasmus/Shutterstock. 4.3 Parasitismo Parasitismo é quando um organismo, o parasito, obtém seus nutrientes de outro organismo, o hospedeiro, causando prejuízo, mas não a morte imediata. A maioria dos parasitos possui hospedeiros específicos, o que limita sua distribuição. Por isso, a distribuição das espécies de parasitos depende essencialmente da distribuição das espécies dos hospedeiros. O berne, por exemplo, é a larva de mosca que parasita várias espécies de mamíferos (Figura 13). Além disso, os parasitos causam prejuízos aos hospedeiros, que podem ser refletidos no crescimento e na reprodução. Assim sendo, os hospedeiros tendem a ser mais fracos e menos fecundos, o que pode levá-los a ter uma desvantagem competitiva. Essa interação de fatores limita a distribuição das espécies hospedeiras. https://www.shutterstock.com/pt/g/elana7012 18 Figura 13 – Berne na pata de um pastor-alemão Crédito: AlessandraRC/Shutterstock. 4.4 Mutualismo O mutualismo é quando diferentes espécies interagem entre si e ambas são beneficiadas com essa interação. As relações mutualísticas podem ser obrigatórias ou não, dependendo da evolução de cada relação. De qualquer maneira, essa interação afeta a distribuição das espécies. Exemplos de relações mutualísticas são a polinização e a dispersão e, em ambos os casos, os animais se alimentam de algo produzido pela planta e levam o pólen para fecundar outra planta ou distribuem suas sementes. O beija-flor, por exemplo, retira o néctar e poliniza muitas famílias de plantas, como as bromélias (Figura 14). Nesse sentido, a reprodução e a distribuição da planta estão condicionadas à amplitude da movimentação animal. Outro caso é o de fungos ou bactérias e plantas. As plantas não conseguem assimilar o nitrogênio atmosférico e precisam que outros organismos convertam esse nitrogênio para que elas possam assimilá-lo. Desse modo, essas plantas só vão se estabelecer em locais onde haja esses organismos, limitando a sua distribuição. Outro caso comum de mutualismo são as bactérias que habitam intestinos animais, como acontece na nossa própriaespécie. Essas bactérias são benéficas para as espécies animais. Contudo, o intestino animal é o habitat delas. Assim, a distribuição dessas espécies de bactérias é dependente da distribuição da espécie animal na qual elas vivem. https://www.shutterstock.com/pt/g/AlessandraRC 19 Figura 14 – Beija-flor polinizando flor Crédito: petrdd/shutterstock. 4.5 Epifitismo O epifitismo ocorre quando uma planta utiliza outra como suporte, mas sem prejudicá-la. Bromélias e orquídeas são plantas epífitas e precisam se apoiar em outros vegetais para conseguir a luz necessária para realizar a fotossíntese. Desse modo, a existência e distribuição das espécies epífitas dependem das outras espécies de plantas suporte. TEMA 5 – NICHOS ECOLÓGICOS Para compreendermos o conceito de nicho ecológico, precisamos, primeiramente, diferenciá-lo de habitat. Este é o local no qual os organismos vivem, enquanto aquele inclui as condições para a sobrevivência da espécie, suas tolerâncias e necessidades. Por conseguinte, um habitat pode conter muitos nichos distintos. Em resumo, habitat é onde o organismo vive e o nicho é como ele vive. Hutchinson, em 1957, propôs o conceito de nicho como hipervolume n- dimensional. Quando pensamos no nicho que uma espécie ocupa, consideramos várias dimensões. Estudamos nesta aula diferentes condições que interferem na distribuição dos seres vivos, por exemplo, observamos que as plantas dependem de fatores atmosféricos, como temperatura, luz e umidade, https://www.shutterstock.com/pt/g/PetrDolejsek 20 bem como de fatores edáficos, como disponibilidade de nutrientes e pHe, ainda, de fatores bióticos, como herbivoria, parasitismo, competição e mutualismo. Cada um desses fatores compõe uma dimensão do nicho definido por Hutchinson. Assim, a combinação desses fatores formaria um hipervolume multidimensional, o qual seria o nicho de cada espécie. Na ausência de competidores e predadores, as espécies possuem um nicho ecológico amplo, o qual seria fundamental, uma vez que reflete todas as possibilidades de uma espécie. Já o nicho efetivo ou realizado considera as condições da espécie, mesmo que ela esteja limitada por inimigos naturais, assim o espectro da espécie é mais reduzido. Agora que compreendemos o conceito e as dimensões de nicho, bem como as diferenças entre nicho fundamental e realizado, somos capazes de entender como ele influencia na distribuição das espécies em diferentes situações. Diante do exposto, entendemos que a distribuição geográfica de uma espécie é um reflexo do seu nicho. A espécie ocorre onde estão presentes todas as dimensões necessárias para a sua sobrevivência. Vamos, então, observar o seguinte exemplo de nicho, o qual inclui fatores abióticos, bióticos e nos mostra claramente a diferença entre nicho fundamental e nicho efetivo: Em 1961, Connel estudou as cracas Chthamalus stellatus (Figura 15) para compreender os limites de sua distribuição geográfica. Esse animal ocupa a parte superior da zona entre marés. Um fator abiótico que afeta essa distribuição é a dessecação causada por marés baixas. Como as cracas possuem mecanismos fisiológicos que toleram essa situação, elas podem ocupar esse local. Na porção inferior da zona entre marés, essa craca competiria com a craca Balanus balanoides e poderia ser predada pelo caracol Thais lapillus. O experimento de Connel consistiu na retirada da B. balanoides. Depois que a espécie competidora não estava mais presente, a C. stellatus ampliou sua distribuição até a zona inferior. 21 Figura 15 – Craca Chthamalus stellatus Crédito: Daguimagery/Shutterstock. 5.1 Exclusão competitiva versus coexistência Conhecemos o princípio da exclusão competitiva, pelo qual a espécie que melhor compete elimina a outra. Vimos anteriormente que uma espécie sem competidores possui um nicho fundamental, mas na presença de competidoras ocupa o nicho efetivo. Podemos exemplificar com espécies de peixes salmonídeos (Figura 16). Ambas as espécies (Salvelinus malma e Salvelinus leucomaenis) podem viver em uma ampla altitude e suportam grande variação de temperatura, se estiverem sozinhas, sendo esses seus nichos fundamentais. Contudo, ao estarem as duas espécies presentes no mesmo local, ocorre uma diferenciação de nicho e cada uma ocupa seu nicho efetivo. S. malma ocupa altitudes maiores e S. leucomaenis habita altitudes menores. Esse deslocamento de nicho permite a coexistência das espécies, mas afeta as suas distribuições geográficas. https://www.shutterstock.com/pt/g/dagimagery 22 Figura 16 – Peixe salmonídeo Salvelinus malma Crédito: Vamaoyaji/Shutterstock. 5.2 Modelagem de nicho Nós aprendemos que as distribuições das espécies dependem de fatores abióticos e bióticos que permitem ou dificultam a sua sobrevivência e permanência. Se as condições estão adequadas, espera-se que a população seja maior e mais produtiva. Esses fatores permitem que os ecólogos prevejam as distribuições reais e potenciais da espécie em estudo. Uma ferramenta que tem sido empregada para prever essas distribuições é a modelagem de nicho. Por meio das ocorrências já conhecidas das espécies, é possível listar a combinação das condições dos locais onde elas habitam. Assim, cria-se o envelope ecológico que abriga as condições que permitiriam a sobrevivência de determinada espécie. Conhecidas essas condições, o modelista pode mapear as áreas que tenham as mesmas características das quais as espécies precisam e pode prever as possíveis amplitudes geográficas que as espécies podem ocupar. https://www.shutterstock.com/pt/g/yamaoyaji 23 NA PRÁTICA Imagine essa situação hipotética: Um grande agricultor que vende soja entrou em contato com você porque este ano seu produto apresentou uma queda na produção e ele procurou você como profissional para compreender seu problema econômico. No atual contexto de mudanças climáticas, o outono teve dias cumpridos, com grande quantidade de sol. Reflita e indique como você justificaria isso. Primeiramente, precisamos da seguinte informação: a soja é uma planta de dia curto (Figura 17). Isso significa que ela precisa de muitas horas de escuro para florescer e, portanto, floresce no outono. Como no apresentado ano, o outono não foi uma estação bem definida e os dias não foram curtos o suficiente, muitas plantas não floresceram adequadamente, prejudicando a produção daquele agricultor. Figura 17 – Plantação de soja Crédito: Soru Epotok/Shutterstock. FINALIZANDO Nesta aula, foi abordado o tema de distribuição dos organismos e estudado como fatores abióticos interferem na amplitude geográfica ocupada pelas espécies. Os fatores abióticos abrangem os fatores ambientais. Tratamos aqui de elementos atmosféricos e edáficos, sendo que estes incluem temperatura, luz, umidade e a ação dos ventos. Os fatores do solo constituem a disponibilidade https://www.shutterstock.com/pt/g/UrosPoteko 24 de nutrientes e água e o pH. Também observamos que cada tipo de vegetação está associado a solos específicos. Compreendeu-se também que os ecossistemas aquáticos possuem condições específicas. A penetração de luz afeta a temperatura da água, a fotossíntese e a disponibilidade de nutrientes e, assim, pode-se observar uma estratificação nesses ambientes. Além disso, observou-se como a pressão e a salinidade afetam a presença de organismos e limitam a ocorrência de espécies adaptadas.Foi citado, ainda, o exemplo específico da zona entremarés que só permite a presença de organismos extremamente adaptados àquelas condições. Constatou-se que os fatores bióticos são aqueles que incluem a interação entre os organismos. Competição, predação, herbivoria, parasitismo, epifitismo e mutualismo são exemplos dessa interação e, assim, consegue-se perceber como essas relaçõesafetam a distribuição dos organismos. Por fim, foi desenvolvido o conceito de nicho ecológico. Pela definição de nicho fundamental e nicho efetivo, estabelecemos como determinados organismos em situações ideais possuem um amplo nicho, mas, se em contato com inimigos naturais, podem ocupar o nicho realizado, mais restrito, mas que pode garantir a sua sobrevivência. Para finalizar, é importante ressaltar que os fatores interagem entre si. Em um ambiente, nenhuma condição estabelecerá sozinha a distribuição geográfica de uma espécie. No entanto, esse conjunto de fatores estudado permite a ocorrência de espécies nos locais observados. 25 REFERÊNCIAS BEGON, M.; TOWSEND. C. R.; HARPER, J. L. Ecologia: de indivíduos a ecossistemas. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007. BROWN, J. H.; LOMOLINO, M. V. Biogeografia. 2. ed. Ribeirão Preto: FUNPEC, 2006. CAVARARO, R.; MONTEIRO-FILHO, C. J. (orgs). Manual técnico de Pedologia. 2. ed. Rio de Janeiro: IBGE, 2007. CONNEL. J. H. The influence of interspecific competition and other factors on the distribution of the barnacle. Chthamalus stellatus. 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