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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS EDUARDO AUGUSTO MARTINS DE MELO TESSITURAS DE UM DOCENTE-ARTISTA CAMARENSE: A BIOGRAFIZAÇÃO COMO CONHECIMENTO DO PROJETO DE SI NATAL/RN, 2022 2 EDUARDO AUGUSTO MARTINS DE MELO TESSITURAS DE UM DOCENTE-ARTISTA CAMARENSE: A BIOGRAFIZAÇÃO COMO CONHECIMENTO DO PROJETO DE SI Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial à obtenção do título de mestre em Artes Cênicas. Área de Concentração: Práticas Investigativas da Cena: Poéticas, Estéticas e Pedagogias. Orientador: Prof. Dr. Adriano Moraes de Oliveira NATAL/RN, 2022 3 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Departamento de Artes - DEART Melo, Eduardo Augusto Martins de. Tessituras de um Docente-Artista Camarense: a biografização como conhecimento do projeto de si / Eduardo Augusto Martins de Melo. - Natal, 2022. 171 f.: il. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - UFRN, Programa de Pós- graduação em Artes Cênicas - DEART UFRN. Orientador: Adriano Moraes de Oliveira. 1. Tessituras - Teatro - Dissertação. 2. Atravessamentos - Teatro - Dissertação. 3. (auto) biografização - Teatro - Dissertação. 4. Teatro - Ensino - Dissertação. I. Oliveira, Adriano Moraes de. II. Título. RN/UF/Biblioteca Setorial do Departamento de Artes. CDU 792 Elaborado por JOSIANE MELLO - CRB-15/570 4 FOLHA DE APROVAÇÃO Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas como parte das exigências para obtenção do título de Mestre em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Por: Eduardo Augusto Martins de Melo BANCA EXAMINADORA _____________________________________________________________ Orientador Prof. Dr. Adriano de Moraes Oliveira - Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) _____________________________________________________________ Membro externo Profa. Dra. Lucia Maria Vaz Perez – Universidade Federal de Pelotas (UFPel) _____________________________________________________________ Membro interno Profa. Dra. Karenine de Oliveira Porpino - Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) 5 RESUMO A presente pesquisa tem por objetivo realizar a biografização de meu trajeto enquanto docente- artista, na perspectiva de compreender acerca das incursões do(s) meu(s) vivido(s) como me tornei artista-docente com as singularidades e pluralidades que me compõem. Adotei o procedimento metodológico “biografização”, oriundo do campo (auto)biografias e histórias de vida, como forma de compreender biografização do meu trajeto formativo enquanto professor da área de Artes, do Município de João Câmara. Os estudos das autoras Christine Delory-Momberger e Marie-Christine Josso conformam os principais referenciais da presente investigação. Enquanto fundamento epistemológico, a partir de suas abordagens em pesquisa (auto)biográfica e de histórias de vida como espaço de formação humana e profissional, traço um trajeto que tem como foco principal o eu-professor-artista atual, olhando para um percurso formativo que é singular, pois me pertence, mas que também tem pluralidades, pois pertence ao universo amplo de um docente-artista que se forma e atua no interior do Brasil. É por meio da compreensão dos sentidos da minha existência singular-plural, como sujeito nas esferas artística e pedagógica, que apresento minha biografização como uma das muitas possibilidades de formação para a formatividade e por conta disso, busco contribuir com pesquisas no âmbito da pedagogia do teatro e do ensino de arte na educação básica, particularmente, a do interior brasileiro. Palavras-chave: Tessituras. Atravessamentos. (auto)biografização. Teatro. Educação. 6 RESUMEN La presente investigación tiene como objetivo realizar la biografiación de mi trayectoria como docente-artista, en la perspectiva de comprender acerca de las incursiones de mi(s) experiencia(s) al devenir artista-docente con las singularidades y pluralidades que me componen. Adopté el procedimiento metodológico “biografiar”, proveniente del campo de las (auto)biografías y relatos de vida, como forma de comprender la biografiación de mi camino formativo como docente en el área de Artes, en el Municipio de João Câmara. Los estudios de las autoras Christine Delory- Momberger y Marie-Christine Josso constituyen las principales referencias de la presente investigación. Como fundamento epistemológico, a partir de sus planteamientos en la investigación (auto)biográfica y las historias de vida como espacio de formación humana y profesional, trazo un camino que tiene como foco principal el yo-profesor-artista actual, mirando un camino formativo que es singular, porque me pertenece, pero también tiene pluralidades, porque pertenece al amplio universo de un maestro- artista que se forma y trabaja en el campo de Brasil. Es a través de la comprensión de los significados de mi existencia singular-plural, como sujeto en los ámbitos artístico y pedagógico, que presento mi biografía como una de las tantas posibilidades de formación para la formatividad y, por eso, busco contribuir investigar en el ámbito de la pedagogía del teatro y la enseñanza del arte en la educación básica, particularmente en el interior brasileño. Palabras clave: Tesituras. cruces. autobiografía. Teatro. Educación. 7 AGRADECIMENTOS Primeiramente, agradeço imensamente aos meus avós, Maria de Lourdes e Ao meu orientador Adriano Moraes de Oliveira, pelo profissionalismo, presteza e sensibilidade durante todas as imersões e incursões no trajeto da minha pesquisa. Aos meus pais, Cristina e Zacarias, pela dádiva do dom da vida, por torcerem pelo meu sucesso e do jeitinho deles, me encorajarem a jamais desistir de sonhar. À minha companheira, Jucilene Pereira, mãe das minhas filhas Maria Eduarda e Laura Letícia por juntas, fortalecerem a minha base, por me protegerem e contribuírem para meu sucesso humano e profissional. Às minhas irmãs Elaine e Emiliane, aos meus irmãos João e Davi e a todos os meus familiares. Às professoras Dra. Karenine de Oliveira Porpino e Dra. Lúcia Maria Vaz Peres, pela generosidade em participar do Exame de Qualificação. Aos professores Robson Haderchpek, Naira Ciotti, Patrícia Leal, Jefferson Fernandes, Karine Coutinho, Leônidas Neto, Larissa Marques e André Carrico pelas valiosas contribuições, trocas e partilhas durante o cumprimento das disciplinas do curso. Às professoras Dra. Ana Caldas Lewinshon e Dra. Melissa dos Santos Lopes, pela supervisão no Estágio Docente. Aos alunos e alunas das turmas do curso de Dança e Teatro nas quais estagiei no Deart\UFRN. Ao amigo e parceiro Rennê Paulino, colaborador da minha pesquisa, que acompanhou todo o meu trajeto frente aos processos criativos. Ao amigo, compadre e irmão Isaque Sami de Andrade, pela amizade verdadeira, sincera e por sempre ter as palavras certeiras para cada momento. Às amigas professoras Izabelly Silva e Suetânia Fernandes, pela inspiração, incentivo e presentificação em tudo o que faço e almejo no âmbito da arte, da educação e da vida. Às primas professoras Ilana Suely e Cebelly Farias, por todo incentivo, pelairmandade e por tanto carinho. Ao departamento de Artes e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, instituição onde tive o privilégio de me profissionalizar no curso de Licenciatura em Teatro e agora, cursar Mestrado em Artes Cênicas. 8 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Meus amigos de infância e eu na cacimba de seu Nascimento. Figura 2: Eu, nas margens da antiga cacimba de seu Cimento. Figura 3: Entrevista com a vovó Maria, a contadora de histórias. Figura 4: Registro da biografização em execução na casa dos meus avós. Figura 5: A minha questão de pesquisa nas mãos da minha avó Maria. Figura 6: Minha prima Vanessa e eu no quintal da casa da vovó Maria. Figura 7: Árvore Genealógica de Eduardo Martins. Figura 8: Hospital Regional do Município de João Câmara. Figura 9: Localização do Município de João Câmara. Figura 10: Minha irmã Elaine Cristina e eu, brincando - Fotografia 1989. Figura 11: Eu em cima do muro, na casa da vovó Maria. Figura 12: Vovó Maria e Vovô Paulo. Figura 13: Serra do Torreão e as margens do açude grande. Figura 14: Feira livre da cidade de João Câmara. Figura 15: Família reunida na lateral da igreja Matriz de João Câmara em noite de Natal em dezembro de 1995. Figura 16: As filhas de vovó Maria. Figura 17: Família reunida no quintal da casa da vovó Maria. Figura 18: A prancha fotográfica: Momentos marcantes da minha infância. Figura 19: Registro da minha primeira eucaristia na igreja Matriz de João Câmara. Figura 20: Aniversário do meu pai. Figura 21: Meu aniversário de 8 anos. Figura 22: Registros da minha avó Maria de Lourdes, minha irmã Elaine e eu. Figura 23: Registro da vovó Maria e eu em uma das tardes de quintal. Figura 24: Minha primeira apresentação teatral na escola – Interpretando o Cantor Reginaldo Rossi. Figura 25: Eu, ao lado da professora Diuca em uma das festividades juninas na Educação Infantil. Figura 26: Oliveira (Coroné Sabuguinho) no estúdio da rádio. Facebook de Oliveira. Figura 27: Zé de Pedro e eu, conversando na rua Ariamiro de Almeida. Figura 28: Eu, imitando Zé de Pedro, na área da casa da vovó Maria. Figura 29: Na imagem que segue, registrada em frente da minha casa um pouco antes de iniciar o arraiá, estou dançando, empolgado, e logo atrás está Zuleide, esposa do meu primo Bira, observando o momento que minha mãe faz o registro Figura 30: Dançando na sala da vovó. Figura 31: Dança em família na cozinha da vovó Maria. 9 Figura 32: Minha irmã Elaine e eu preparados para dançar a quadrilha junina no Colégio Cenecista João XXIII. Acervo pessoal. Figura 33: Quadrilha junina no salão do bar do meu pai. Acervo pessoal. Figura 34: Registros pós dança e competição das quadrilhas juninas intermunicipais em João Câmara/RN. Figura 35: Meu primo Bruno e eu almoçando no bar do meu pai. Figura 36: Meu aniversário surpresa de 15 anos. Figura 37: Minha turma de amigos e eu na cidade de Pureza/RN. Figura 38: Minha namorada sentada no cajueiro do sítio em que meu pai morava. Figura 39: Eu, com a minha filha Maria Eduarda, em nossa casa na cidade de João Câmara. Figura 40: Registro do dia que pisei pela primeira vez no solo do DEART\UFRN. Figura 41: A professora Suetânea e eu. Figura 42: Ensaio do cortejo da peça teatral o sangue que usamos tem pouca tinta, na Serra do torreão. Figura 43: Alunos do curso de Teatro do Projeto Chico Vila prestigiando a Professora Telma Rodrigues ao final do espetáculo Arlequim e seus amores. Figura 44: Mosaico de fotografias – alunos do IFRN\Campus João Câmara em atividades teatrais. Figura 45: Compilado de fotografas de atividades realizadas no Projeto Vida Saudável na Melhor Idade e do PETI - Programa de erradicação do Trabalho Infantil. Figura 46: Primeira turma de alunos do PETEC. Figura 47: Peça Teatral do PETEC – O auto da barca ambiental. Figura 48: Elenco da peça teatral – Túnel do Tempo. Figura 49: PETEC com a então Governadora do RN. Figura 50: Registros da calourada – acolhimento da turma do curso de teatro. Figura 51: Curso de Pedagogia, Aula de Estágio. Figura 52: Aula ao ar livre com a minha primeira turma no exercício da docência. Figura 53: Encerramento do ano letivo – Turma do 1° ano do Ensino Fundamental. Figura 54: Registro da performance Cegos no Midway Mall– dirigida por Marcos Bulhões. Figura 55: Personagem Stanley. Figura 56: Personagens Paulo (Eu) e Moema (Mariclécia Bezerra). Figura 57: Mostra performática: Figurino e Maquiagem. Figura 58: Aula de teatro – Conscientização corporal – arremesso de bastões. Figura 59: Eu com a minha filha Laura erguida para o alto, caminhando em direção a casa do meu pai. Figura 60: Primeira turma no exercício da docência na Escola Municipal Irene Soares da Silva, em Parnamirim/RN. 10 Figura 61: Primeira turma no exercício da docência na Escola Estadual Capitão José da Penha em João Câmara/RN. Figura 62: Projeto o Corpo e a Alma desenvolvido com as turmas dos anos iniciais do Ensino Fundamental. A proposta investigava as ações\reações do corpo, os sentimentos e sensações através do toque, do olhar, do enxergar o outro respeitando e valorizando as subjetividades. Figura 63: Projeto – O valor de uma amizade - dialogando com os alunos sobre a importância da amizade, das boas relações interpessoais, da valorização do próximo. Figura 64: Projeto – Jogos teatrais – Diferenças e semelhanças físicas e comportamentais – Respeito e valorização. Figura 65: Aula de teatro – Palco e Plateia. Figura 66: Elenco do espetáculo teatral – Os Mistérios do velho Torreão Cachimbando. Figura 67: Montagem da capela – Cenário do espetáculo teatral - Os Mistérios do velho Torreão Cachimbando. Figura 68: Jogo teatral na rua. Teatro inclusivo – Jogo teatral com máscaras. Ditirambo. Figura 69: Desfile cívico – Apresentação do projeto Artlixo – de natureza sustentável, unificando as áreas de conhecimentos das linguagens e das ciências naturais e humanas. Figura 70: Mosaico fotográfico – Registros do Museu. Figura 71: O camaleão em processo de mutação – Animal que simboliza a minha passagem neste mundo. 11 Sumário Introdução 14 Capítulo 01 27 Fundamentos e Procedimentos Metodológicos: a biografização e as histórias de vida 27 Por que fazer uma pesquisa (auto)biográfica? Breve justificativa 27 A biografização como ação formativa 31 Movimentos de minha biografização como tessituras de um docente-artista 32 Capítulo 02 41 Biografizando meu percurso formativo: das aprendizagens do quintal à universidade 41 Travessia I – infância: imagens/narrativas familiares e de amizades 41 Imagem 1: Álbum de Família – O nascimento 42 Imagem 2: O menino arteiro 47 Imagem 3: Os contadores de história 49 Imagem 4: Memórias em família 53 Imagem 5: Vovó Neuzinha, símbolo da gentileza 63 Imagem 6: A contadora de histórias 70 Travessia II – escola: imagens/narrativas da cidade, do contato com estranhos e aprendizagens do mundo 77 Imagem 7: O porão escuro, o recreio, o arraiá 77 Imagem 8: Memórias do rádio 80 Imagem 9: Zé de Pedro 82 Imagem 10: Os arraiais juninos e a dança 84 Imagem 11: ciclos de amadurecimento, ensino médio, paternidade, responsabilidades 91 Travessia III – experiências artísticas fundadoras 101 Imagem 12: Projeto Chico Vila 101 Imagem 13: Técnico em Cooperativismo e Teatro no IFRN e a criação do PETEC 109 Travessia IV – a universidade 121 12 Imagem 14: Formação em Pedagogia 122 Imagem 15: A UFRN e as experiências com a linguagem do teatro 126 Travessia V – o docente-artista, imagem derradeira 137 Imagem 16: tornar-se docente-artista 137 Capítulo 03 150 Análise dos atravessamentos e movimentos de constituição de meu ser artista-docente 150 Considerações finais 164 Referências170 13 Sou [feito] de retalhos. Pedacinhos coloridos de cada vida que passa pela minha e que vou costurando na alma. Nem sempre bonitos, nem sempre felizes, mas me acrescentam e me fazem ser quem eu sou. Em cada encontro, em cada contato, vou ficando maior... Em cada retalho, uma vida, uma lição, um carinho, uma saudade... Que me tornam mais pessoa, mais humana, mais completa. E penso que é assim mesmo que a vida se faz: de pedaços de outras gentes que vão se tornando parte da gente também. E a melhor parte é que nunca estaremos prontos, finalizados... Haverá sempre um retalho novo para adicionar a alma. Portanto, obrigada a cada um de vocês, que fazem parte da minha vida e que me permitem engrandecer minha história com os retalhos deixados em mim. Que eu também possa deixar pedacinhos de mim pelos caminhos e que eles possam ser parte das suas histórias. E que assim, de retalho em retalho, possamos nos tornar, um dia, um imenso bordado de "nós". Cris Pizzimenti https://www.pensador.com/autor/cris_pizzimenti/ 14 INTRODUÇÃO Peço licença para apresentar nesta escrita as minhas tessituras de vida, os pedaços que me compõem acerca dos atravessamentos que me fizeram ser quem sou. Nada mais sou do que um andarilho da arte, dentre tantos que perambulam pelo solo do município de João Câmara, localizado a cerca de 74 km de Natal, capital no Rio Grande do Norte. A minha terrinha é nutrida por artistas de vários gêneros culturais, sujeitos que carregam consigo as marcas da vida, os reflexos da arte e suas categorias. Nas artes cênicas: o Coroné Sabuguinho - Oliveira Filho, que também é radialista; O poeta Zé do Sertão - José Maria; A atriz e professora - Mayrla Kardinally. Na Música: O médico Dr: Assis Ataliba - autor do Hino Municipal Camarense, o professor violonista - Fernando Batista; e os sanfoneiros Tiago Santos, meu ex aluno do Ensino Médio e João Victor Severo - atual aluno do Ensino Fundamental. Nas artes plásticas: O artesão e professor - Tardele Alves e a artesã Telminha Pegado. Como também, os artistas populares, contadores de histórias, na pessoa do professor historiador Gino Miranda. João Câmara é considerada a capital regional do Mato Grande e conta com aproximadamente 35.360 mil habitantes, de acordo com o levantamento do IBGE de 2021. A economia deste município é impulsionada pela agropecuária, agricultura familiar, através da feira local realizada aos sábados, que recebe nossa gente e também, os munícipes das cidades circunvizinhas como 15 Parazinho, Jandaíra, Bento Fernandes, dentre outras. A indústria, o comércio, as microempresas e grupos empresariais fortalecem a economia, gerando emprego e renda. O serviço público, através dos órgãos do poder executivo, como educação e saúde fazem parte do conjunto econômico do município, além das atividades artesanais e culturais que apresentam os reflexos das minhas raízes e pertencimentos. Escolhi me manifestar através de recortes e retalhos de experiências que tive ao longo de minha jornada de vida, porque o que sou hoje se deve aos meus esforços pessoais e, principalmente, pelas influências que tive e tenho de meus familiares e das pessoas de meu interior, a cidade de João Câmara. Por isso, a presente jornada está tecida pelas mãos, olhares, sensações e emoções de tantas outras vidas - alunos, professores, amigos, colegas, familiares e parentes, além das pessoas que meus olhos e ouvidos puderam alcançar, que me fizeram e fazem ser quem sou. Para isso, assumo o compromisso de traçar o meu trajeto como ser singular-plural1 pela ótica dos atravessamentos da educação, da arte e da cultura em diferentes fases da minha vida e, com isso, tornar evidente o papel formativo que possui o processo de biografização, ancorado no campo da (auto)biografia e histórias de vida. Biografizar, de acordo com Delory- Momberger, “é o processo segundo o qual os indivíduos 1O binômio singular-plural faz referência a um sujeito que carrega os traços, as marcas, as influências de vários outros sujeitos. É um conceito usado por Marie-Christine Josso e que tem a ver com sermos únicos sem deixarmos de ser plurais. 16 constroem a figura narrativa de sua existência” (2014, p. 81) de forma a socializar um percurso individual e, com isso, inserir-se em termos formativos em um contexto coletivo. Portanto, nas palavras de Josso, de um indivíduo que sabe que “a invenção de si [pela narrativa] requer não só um discurso sobre si, mas projetos de si” (2008, p.43). A biografização ganhou corpo por meio dos gatilhos iniciais que ecoam em minha memória, principalmente alguns momentos marcantes que vivi na infância e na juventude ao contato com a arte e que reverberam no que faço hoje como docente-artista. Os escritos foram tecidos conforme as imagens daquilo que vivi e senti, que, portanto, me marcaram, que eram evocadas através das leituras de fotografias, entrevistas, conversas informais, depoimentos de parentes e amigos, visitas a espaços e localidades, onde determinadas imagens foram vividas e registradas. Problematizando a ótica dos estudos (auto)biográficos2 através das contribuições das pesquisadoras Marie-christine Josso (2004)3 no que tange à histórias de vida e formação; e Christine Delory- Momberger (2008)4, nos estudos de projeto de si por 2O objeto da pesquisa biográfica é explorar os processos de gênese e de devir dos indivíduos no seio do espaço social, a fim de mostrar como eles dão forma a suas experiências, como fazem significar as situações e os acontecimentos de sua existência. CHRISTINE DELORY-MOMBERGER Universidade de Paris 13. Revista Brasileira de Educação v. 17 n. 51 set.-dez. 2012. 3Marie-Christine Josso é socióloga e antropóloga, doutora em Ciências da Educação, professora na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Genebra, especializada nas problemáticas da educação de adulto e na formação profissional continuada para acompanhamento, ensino e assistência social e à saúde. 4Christine Delory-Momberger é Professora de Ciências da Educação da Universidade de Paris-13 Nord. Presidente da Associação Internacional das Histórias de Vida em Formação e da Pesquisa Biográfica em Educação (ASIHVIF). Possui experiências no campo da educação e tem dedicado pesquisas acerca dos 17 meio da biografização. Assumi, por intermédio das contribuições das autoras, conceber, sentir e viver a presente pesquisa como uma ação imbricada, entrelaçada e unida nas relações da minha vida para com todas as pessoas e experiências que teceram o bordado do que chamo hoje de minha vida. Nessa perspectiva, minha pesquisa é também um convite para a reflexão dos tempos e das experiências que nos tecem dia após dia. É uma pesquisa em que pude evidenciar as marcas e também as cicatrizes que me fazem ser o que sou e, principalmente, me fazem sonhar e me projetar para o futuro num processo de sobrevivência e na minha relação comigo mesmo e com os outros. No desenrolar da pesquisa, deixei-me atravessar por imagens que julgo terem colorido e acentuado meus percursos formativos, aquelas que atuaram como espécies de chaves para que as portas, janelas, frestas fossem abertas, permitindo que eu pudesse realizar escolhas ou de ter sido escolhido pelas interfaces da arte e da educação. Tais vivências desnudadas pelas imagens biografadas, elucidaram meu olhar para as bases formativas que resultaram na escolha da minha profissão, sobretudo, como influenciaram de forma contundente na minha formação como sujeito singular, constituído pelas influências plurais que estiveram presentes ao longo do meu trajeto de vida. estudos epistemológicos da pesquisa biográfica, na perspectivade tecer olhares para o campo de conhecimento inerentes a biografização, da análise dos processos de constituição individual - de individuação do sujeito, dos arcabouços que norteiam a ótica da identificação, do pertencimento e da construção de si, da subjetivação, com os elementos formativos que compõem o conjunto das interações do sujeito com a cultura. 18 Tendo como arcabouço investigativo esses atravessamentos imagéticos, teci meu trajeto com bordados feitos com fios de memórias, recheados e fortalecidos com lembranças de um cotidiano sentido e vivido, com reverência às aprendizagens de meus avós e com os contatos que tive com pessoas que estiveram/estão presentificadas em minhas ações e que constituem o meu imaginário. E foi por entender o papel da memória no bordar do meu trajeto que a pesquisa (auto)biográfica se impôs em percursos formativos como travessias que representam que a vida é um processo dinâmico e que a biografização é nada mais que uma fotografia precária de um ser que é um hoje, mas que pode ser outro amanhã. É neste emaranhado de possibilidades e aspirações que me permiti, através da pesquisa (auto)biográfica, tecer travessias demorando mais em registros fotográficos, incursões à lugares em que habitei na infância e na adolescência, em conversas e prosas com meus familiares e sujeitos que permeiam sobre meus caminhos de vida. É esse permitir-se, reencontrar a si mesmo enquanto indivíduo único e plural, que resulta na biografização, objeto principal de minha pesquisa. Depois de ter desembaraçado e arquivado às imagens e incursões dos meus vividos, adotei procedimentos metodológicos como entrevistas, relatos de vivências e a conversação livre com pessoas que compuseram e influenciaram o meu trajeto como 19 sujeito singular-plural, como uma forma de compreender melhor cada uma das minhas travessias. Sair de casa numa manhã de sábado, caminhar pelo chão de areia e mato verdinho até o sítio da vovó Maria, observar as tonalidades de verde do mato, ainda coberto da brisa caída da noite e o cheiro da terra molhada, resultaram na ativação de memórias que permitiram a composição dos meus primeiros rascunhos. Apostei na escolha da biografização para tecer os fios da minha trajetória enquanto sujeito que vive, respira e se ressignifica nos campos da vida. Os procedimentos metodológicos traçados nesta pesquisa evidenciam a apreciação das fotografias, dos acervos da família, as entrevistas com a vovó Maria, com o vovô Paulo, com Mainha - dona Cris -, as conversas livres nos inícios das manhãs e finais de tarde, com parentes e vizinhos, como também, a necessidade de visitar os sítios onde cresci, corri, brinquei no antigo Matão dos Nunes, a Serra do Torreão, cartão postal da cidade, fértil em cultura e imaginação. Além disso, tais procedimentos, impulsionaram o meu olhar pela ótica do pesquisador, que, por sua vez, estabelece relação direta, porém distanciada em muitos momentos, nesta constante relação entre mente, corpo, memórias e sensações. As fotografias espalhadas pela sala da minha casa, sobrepostas em meu sofá amarelo, foram delineando as imagens embaralhadas em minha mente, trazendo à tona momentos marcantes, os atravessamentos que me influenciaram, aqueles que 20 tiveram forte representações nas bases do meu contato com a arte e com o mundo. As engrenagens desta pesquisa, para além do emaranhado de observações das imagens refletidas no imaginário e nas fotografias, nas conversações, principalmente com a minha avó Maria, permitiu que, aos poucos, eu fosse reconstruindo o meu trajeto de vida em linhas imaginárias e reflexivas, atreladas ao que estou vivendo hoje, das incursões que me tornaram docente-artista. A partir desses procedimentos metodológicos, escrevi imagens de momentos da minha vida, uma busca pela reconstituição do meu trajeto formativo, permitindo a conexão, a liga necessária para que eu reunisse os subsídios que me permitiram redesenhar as imagens da minha infância, juventude e da minha formação como docente-artista. Pesquisei com afinco os atravessamentos que tive da arte e da educação, a presença da arte em meu trajeto de vida, que julgo terem sido vitais para a minha formação, para o delineamento de quem sou, do homem, artista e profissional que me tornei. Com a presente estrutura metodológica, alinhavei a minha pesquisa começando pela reconstituição do meu trajeto como criança que viveu em um quintal repleto de histórias, como um aluno interessado, peralta e curioso, e como um artista e professor de teatro em processo constante de formação. Reconstituir o meu trajeto formativo e, sobretudo, evidenciar as âncoras das singularidades e 21 pluralidades percebidas e sentidas ao longo do meu caminhar, me faz refletir sobre o que fiz, o que faço e o que pretendo fazer como docente-artista de uma pequena cidade do interior brasileiro. É importante dizer que assumo o papel de biógrafo-investigador do meu eu íntimo para com aquilo que acredito ser o caminho que nutre a formação e valorização da cidadania. Nesta perspectiva, reuni memórias e momentos dos meus contatos e atravessamentos com a arte, que como um quebra- cabeça, foram unificando imagens, dando sentido a essa veia artística que pulsou desde antes do meu nascimento, pelas tessituras dos meus antepassados, pelas contribuições das vozes e cores que ouvi, senti e assimilei ao longo do meu trajeto. As imagens que revelaram as experiências vividas em meu trajeto, alimentadas pelas vidas que ajudaram a fazer de mim, cria do mundo, registram o que pulsa em mim para tecer os primeiros fios e bordados desta biografização. Portanto, esse estudo nasce das minhas inquietações na tentativa de entender como fui/sou atravessado pelas artes e pela educação. Para fortalecer o bordado dessa pesquisa, trago os fios enriquecidos das autoras Delory-Momberger, (2007, 2008, 2010) e Josso (2004, 2007, 2010, 2012), como referências inspiradoras que estão internalizadas na educação. As autoras citadas serviram como lamparinas que elucidaram meus caminhos, pois ambas trazem em seus arcabouços teóricos, escritos que me inspiram e, 22 portanto, fazem parte da teia da presente biografização. A dissertação está organizada em três partes: Capítulo 01, onde apresento o referencial teórico e escolhas metodológicas que ratificam as bases da pesquisa; Capítulo 02, onde dou conta de apresentar a biografização, subdividida em cinco Travessias; e, o Capítulo 03, onde apresento algumas reflexões sobre os sentidos de ter feito a minha biografização. Como opção de escrita, organizei meu trajeto biográfico, a biografização propriamente dita – e que conforma o Capítulo 2, em duas colunas de texto para lembrar um formato de revista, alinhavando escritos e imagens que foram delineadas nas cinco calorosas travessias, onde apresento as subjetividades das minhas vivências e envolvimento no mundo, e acima de tudo, como fui tocado e influenciado pelos sujeitos. Entendo que sou um homem que atravessa e se deixa atravessar pelos acontecimentos da vida, por isso que optei pelas travessias como estrutura de minha narrativa, das quais fazem parte, além de minhas memórias pessoais, a presença de sujeitos que estiveram presentes na minha jornada de vida enquanto artista e docente. Como o foco de minha pesquisa é mesmo a biografização, apresento a seguir, como forma de orientar a leitura, o conjunto das travessias que compõe minha narrativa biográfica. A Travessia I é composta por imagens da minha infância. Lanço mão das minhas memórias em família, 23 para tecer essa primeira travessia: histórias de familiares, relações afetivas, laços de amizade e tudo o que isso representana minha aprendizagem do mundo. Apresento a árvore genealógica da minha família de forma a entender e compreender de onde venho, quais os meus princípios e para onde posso, sempre que preciso, estar em chão que acolhe. Na Travessia II, partilho as minhas primeiras experiências com o mundo fora de casa e, isso ocorreu na escola. Faço uma trama com imagens e narrativas da cidade, do contato com estranhos e aprendizagens do mundo, sob vivências e memórias que evidenciam os processos de construção individual e das minhas relações interpessoais. É importante ressaltar que João Câmara é uma cidade em que a narrativa oral é extremamente rica e a população cresce mergulhada em histórias fantásticas, a maior parte delas de cunho popular e que busca explicar os constantes abalos sísmicos da região. A Travessia III, por sua vez, é tecida com o conjunto das experiências artísticas que me fizeram me apaixonar pelo teatro. Reúno neste tópico, as imagens inaugurais de meu trajeto no teatro. É nessa travessia que dou os primeiros passos numa carreira artística e docente, que ainda está em processo. Aqui, se revela também o processo de desnudamento que fiz no enfrentamento das barreiras que me atravessavam, oportunizando o mergulho no universo artístico. Na Travessia IV, sigo ainda mais meu caminho para o mundo: apresento a minha chegada à https://docs.google.com/document/d/11T5_2GZM-zO3ccmN_jVdyo3vp7KZOoo2/edit#heading=h.37m2jsg https://docs.google.com/document/d/11T5_2GZM-zO3ccmN_jVdyo3vp7KZOoo2/edit#heading=h.37m2jsg https://docs.google.com/document/d/11T5_2GZM-zO3ccmN_jVdyo3vp7KZOoo2/edit#heading=h.37m2jsg https://docs.google.com/document/d/11T5_2GZM-zO3ccmN_jVdyo3vp7KZOoo2/edit#heading=h.1mrcu09 https://docs.google.com/document/d/11T5_2GZM-zO3ccmN_jVdyo3vp7KZOoo2/edit#heading=h.1mrcu09 24 universidade e, com ela, apresento imagens de meu contato com o campo de conhecimento que é o teatro. As imagens que são expostas aqui são aquelas das aprendizagens inaugurais, da formação inicial e que resultaram no capital simbólico que é composto pelos títulos de Licenciado em Teatro e, também, de Pedagogo, uma vez que me graduei em Pedagogia, concomitantemente à Licenciatura em Teatro. São as imagens dessa travessia que ainda norteiam o meu fazer diário de docente-artista de um interior brasileiro. Na derradeira trama, a Travessia V, apresento imagens do exercício da docência em teatro e na pedagogia, das contribuições educacionais, sociais e políticas que tenho realizado como sujeito professor de teatro. Mais do que isso, busco evidenciar o orgulho que tenho em ser um docente-artista do interior brasileiro, mais especificamente do interior do RN, região do Mato Grande, da cidade de João Câmara. Nesta travessia, também dou conta de citar as principais referências e influências do teatro e da arte educação, que integraram meu cotidiano de vida, as minhas escolhas acerca do fazer artístico e os repertórios metodológicos que transpuseram e ainda transpõem didaticamente o meu fazer docente. Após apresentar as travessias, finalizo essa jornada de pesquisa no mestrado como mais um dos fios de meu trajeto. Por conta disso, apresento reflexões ainda provisórias e permeadas pelas memórias refletidas nas imagens que consegui revolver em cada travessia. 25 Para terminar essa introdução cito as palavras de Delory-Momberger (2014) que nos alerta que: a construção biográfica é, pois, a tentativa – necessariamente inacabada e indefinidamente reiterada – de reduzir a distância que separa o eu de seu projeto primordial (2014, p. 64). E é por entender que um processo de ser quem se é, está sempre e pronto para ser reescrito, que em cada travessia que teci - da infância até a fase adulta – restaurei memórias que elucidam a porosidade daquilo que culminou nas minhas escolhas e que resultam em se saber o meu eu, singular-plural, nesse universo das artes e da docência em teatro no qual me constituo. É importante deixar claro para você, leitor(a), que os escritos tecidos nesta dissertação de Mestrado em Artes Cênicas, corroboram um processo de intimidade, resgate e elucidação de memórias formativas de um sujeito singular-plural, influenciado pelas marcas da vida, sobretudo pelo toque, atravessamentos e - viradas de chaves - oportunizadas pelo contato com a arte dentro da escola, que por sua vez, teve os muros rompidos, e como consequência disso, o semear de uma vida que trilhou os caminhos nos trilhos e ares da educação e da arte. O trajeto de um andarilho da vida que se tornou um docente-artista, que continua acreditando na arte e na educação como molas propulsoras da formação para a formatividade. Desta forma, não dou conta de detalhar todos os meus atravessamentos, todas as peças teatrais, manifestos culturais, processos criativos vividos e 26 aprendidos no campo da arte educação e do teatro que venho por caminhar a cada dia. Mas sim, apresento as imagens emergidas e investigadas, conforme influenciaram as minhas incursões de memórias, aquelas em que chaves foram escavadas e portas foram abertas e, portanto, contribuíram fervorosamente para o meu crescimento e fortalecimento humano, político e profissional no âmbito da docência em teatro. 27 CAPÍTULO 01 FUNDAMENTOS E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS: A BIOGRAFIZAÇÃO E AS HISTÓRIAS DE VIDA No presente capítulo, discorro de forma breve sobre alguns dos principais fundamentos do campo (auto)biografias e histórias de vida. Apresento o procedimento da biografização, o qual adotei como elemento metodológico principal de minha pesquisa e, ainda, relato de forma mais detalhada os movimentos que realizei para construir a minha biografização. Por que fazer uma pesquisa (auto)biográfica? Uma pesquisa que privilegia o biográfico e que se ampara em autoras como Chistine Delory-Momberger e Marie-christine Josso, trazem como objeto principal, os acontecimentos expressivos das vidas de sujeitos pesquisados que, por sua vez, contribuem para a sua formação profissional e, fundamentalmente, para uma existência plena desses mesmos sujeitos pesquisados. Quando se trata de um processo em que o sujeito pesquisador é também o pesquisado, a complexidade da ação de pesquisar é ampliada, pois realizar uma pesquisa (auto)biográfica – como é o caso desta pesquisa – amplifica o elemento de reflexibilidade do processo de pesquisa e, exige do pesquisador que investiga a sua própria história de vida, uma atenção maior às falas de pessoas que o acompanharam no percurso – a família, o círculos de amigos. Além disso, enaltece a riqueza de registros do trajeto, pois a compreensão de si mesmo em todas as dimensões que nos fazem seres singulares-plurais, envolvem um dinâmico movimento de aproximar-se e distanciar-se de si mesmo, como um jogo de pesquisa, cujo resultado pode e deve apresentar o sujeito – no caso desta pesquisa - o eu- mesmo, com a precariedade que é própria de um ser social-singular. A ideia de ser precário é interessante na medida que nos coloca finitos, envolvidos com a vida, como ela se impõe, evidenciando a constante necessidade de se reaprender. 28 A pesquisa (auto)biográfica fundamenta-se de acordo com as concepções de Delory-Moberger, como um [...] explorar o processo de gênese e do movimento de se tornar indivíduo no seio do espaço social, mostrar como esses indivíduos dão forma a suas experiências, como dão sentido às situações e aos acontecimentos de sua existência. E ainda, de forma conjunta, a pesquisa mostra como, por meio das linguagens culturais e sociais que eles mesmos atualizam – linguagens tomadas aqui em um sentido amplo: códigos, repertórios, figuras do discurso;esquemas, scripts de ação, etc. - os indivíduos contribuem para fazer existir, para produzir e reproduzir a realidade social (DELORY- MOMBERGER, 2012, p. 524). Essas palavras de Delory- Momberger me fazem pensar que meus movimentos de pesquisa são de duas ordens principais: a primeira, um trabalho sobre mim mesmo, minhas singularidades e, a segunda ordem, a do social, aquela dos papéis que ocupo e de como as pessoas me veem. Para tanto, no que tange a essa dimensão social do processo de histórias de vida, ancoro-me nas contribuições de Marie-Christine Josso, que apresenta a dimensão deste processo da seguinte forma: O trabalho de pesquisa a partir da narração das histórias de vida ou, melhor dizendo, de histórias centradas na formação, efetuado na perspectiva de evidenciar e questionar as heranças, a continuidade e a ruptura, os projetos de vida, os múltiplos recursos ligados às aquisições de experiência, etc., esse trabalho de reflexão a partir da narrativa da formação de si (pensando, sensibilizando-se, imaginando, emocionando-se, apreciando, amando) permite estabelecer a medida das mutações sociais e culturais nas vidas singulares e relacioná-las com a evolução dos contextos de vida profissional e social. As subjetividades exprimidas são confrontadas à sua frequente inadequação a uma compreensão liberadora de criatividade em nossos contextos em mutação. O trabalho sobre essa subjetividade singular e plural torna-se uma 29 das prioridades da formação em geral e do trabalho de narração das histórias de vida em particular (JOSSO, 2007, p. 414). A aproximação da perspectiva da pesquisa biográfica de Delory- Momberger com a de Josso, me permite cunhar o processo de me narrar como uma forma de compreensão de minha (auto)biografia como um processo de formação pessoal (singular) e profissional (social) em que dimensões subjetivas são tão importantes quanto as dimensões objetivas. O fato de ter me tornado um docente-artista não diz tudo e não diz sobre outros docentes-artistas, e é por isso, que uma biografização apresenta o olhar para o interior do sujeito biografado, para a valorização dos sentimentos, das emoções e, também, para a valorização dos atravessamentos e da construção de si, num universo objetivo de um sujeito social que se faz no encontro com o outro. Como já dito anteriormente, darei conta de evocar nos presentes escritos - as viradas de chaves - que me compuseram, ou ajudaram a compor partes significativas deste eu que me enxergo, que respiro e que apresento para a sociedade. Nesse sentido, é importante compreender que a pesquisa (auto)biográfica tem como marco a relação com a temporalidade, permitindo ao pesquisador o contato com as dimensões do tempo, primando pelo autorreconhecimento de si, nos diversos lugares em que a formação do si mesmo ocorreu: vivências familiares, escolares, religiosas, etc, em relação à construção individual do si. O que uma pesquisa (auto)biográfica faz é organizar – mesmo que temporariamente – a narrativa das vivências e, ao fazer a narração delas, reaviva e promove um encontro do sujeito-pesquisador com seu trajeto pessoal, singular e, evidentemente, plural-social. Assim, a experiência do sujeito é feita e analisada por ele mesmo acerca da temporalidade e, neste sentido, relaciona o vivido inferindo as influências na sua própria existência. A relação entre o tempo e as dimensões que envolvem a construção individual do sujeito tem como pilar a experiência humana, ou seja, o sujeito 30 é capaz de caracterizar, colorir, materializar, dar forma às relações e atravessamentos que constroem e partilham com os demais sujeitos durante a vida. A pesquisa (auto)biográfica oportuniza a reflexão do sujeito acerca do seu agir, do pensar e do sentir frente às ações naturais do tempo que, por sua vez, opera como o senhor construtor das experiências. O pesquisador, nesta perspectiva, assume o papel de diretor, ou melhor dizendo, protagonista da sua história, que vive cada momento, que no presente pode olhar para o passado e planejar o seu futuro; que vive intensamente, ou não, que faz e refaz os significados da própria vida, que percebe as falhas, as superações, as perdas, os achados, que se provoca e que também é provocado pela vida e pelas diversas manifestações interpessoais. No campo das histórias de vida, Marie-Christine Josso enfatiza que o processo de investigação da história de vida e transformação do sujeito ocorre através de estratégias que operam entre dimensões singulares, introspectivas, mas sempre em direção ao social, à formação para a vida: Abordar o conhecimento de si mesmo pelo viés das transformações do ser – sujeito vivente e conhecente no tempo de uma vida, através das atividades, dos contextos de vida, dos encontros, acontecimentos de sua vida pessoal e social e das situações que ele considera formadoras e muitas vezes fundadoras, é conceber a construção da identidade, ponta do iceberg da existencialidade, como um conjunto complexo de componentes. De um lado, como uma trajetória que é feita da colocação em tensão entre heranças sucessivas e novas construções e, de outro lado, feita igualmente do posicionamento em relação dialética da aquisição de conhecimentos, de saber-fazer, de saber- pensar, de saber-ser em relação com o outro, de estratégias, de valores e de comportamentos, com os novos conhecimentos, novas competências, novo saber-fazer, novos comportamentos, novos valores que são visados através do percurso educativo 31 escolhido. (JOSSO, 2007, p. 420). As concepções envolvendo a narrativa de vida acerca da sua própria existência, permite ao sujeito delinear registros que fazem parte da formação singular-plural de si e também da história. Apresenta reverberações recorrentes das narrativas de vida, centradas nas tessituras do sujeito ao longo do seu processo existencial. Somos constituídos por acontecimentos, nutridos pela cultura e pela sociedade. De acordo com Marie- Christine Josso "as narrações centradas na formação ao longo da vida revelam formas de sentidos múltiplos de existencialidade singular-plural criativa e inventiva do pensar, do agir e do viver junto" (2007, p. 413). Através das concepções da autora, podemos concluir que somos frutos daquilo que os nossos olhos da alma são capazes de alcançar, dos repertórios de vozes que ouvimos e falamos, de tudo aquilo que podemos tocar através da inferência, dos sentidos e da porosidade natural da vida. Sinto percorrer em meu corpo e nas memórias emergentes, a presença das imagens elucidadas dos causos, das histórias, dos acontecimentos vividos e narrados pelos meus avós Paulo Martins e Maria de Lourdes, das minhas vivências do quintal de casa, das escolas por onde passei, dos sujeitos que conheci e de todas as vidas que continuam colorindo em minha alma. Cada incursão que se materializa nos escritos de minha existência, sobrepostos nesta pesquisa, acabo por dar conta de ativar novas incursões imagéticas, trilhos para a compreensão do meu caminhar, do meu trajeto enquanto sujeito andarilho nos solos da vida. A biografização como ação formativa Para entender o sentido do procedimento biografização, é importante antes de mais nada, compreender que há uma diferença entre um trabalho de biografar e um trabalho de biografizar. Christine Delory-Momberger (2011), nos informa que, etimologicamente, a biografia é a “escrita da vida”. Para esta autora, (...) as culturas e sociedades transmitem e impõem, até certo ponto, escritas da 32 vida, e os indivíduos escrevem – biografam – seus próprios percursosde vida no contexto dessas trajetórias modelizantes e programáticas (DELORY-MOMBERGER, 2011, 335). Por sua vez, o biografizar para a autora citada é um trabalho que o sujeito faz para compreender a sua trajetória formativa. Embora com semelhanças óbvias, a biografização entrelaça suas experiências para ampliar a compreensão de si por meio da interpretação do vivido. Christine Delory-Momberger, (2011) explica que: [...] a atividade de biografização apresenta-se como uma hermenêutica prática, um marco de estruturação e de significação da experiência que permite ao indivíduo criar uma história e uma forma própria – uma identidade ou individualidade – para si mesmo (Delory- Momberger, 2011, 342). A autora nos permite enxergar e compreender a biografização como ação formativa ao proporcionar a elucidação dos vividos do sujeito acerca dos elementos existentes no trajeto da sua história. E com isso, portanto, me permite enxergar também que não basta o encadeamento do vivido para a uma biografização, mas o encadeamento de experiências que servem de referência para o meu projeto de vida, que pelas vertentes destes escritos poderei enxergar a constituição das minhas narrativas, podendo realinhar ou até mesmo reescrever o meu trajeto. Nesta perspectiva, o ato de biografizar e a própria biografização, reforça o entendimento de que a formação do sujeito se dá pela sua capacidade de aprender a viver, a perpassar pelos ciclos das suas aprendizagens, dos enfrentamentos, das resoluções (ou não) dos conflitos e adversidades da vida em sociedade. Portanto, a biografização para mim, atua não somente como uma lamparina que lança fleches de luz que me guiam na elucidação dos meus atravessamentos, mas também, colabora para que o ato de escrita da vida e as múltiplas possibilidades de recontar os vividos, sejam processos que façam jus àquilo que foi percebido pela escolha que fiz dos traçados do meu 33 trajeto, e que julgo colaborar para a minha formação. É importante considerarmos ainda os processos de vida e as experiências que o sujeito atravessa durante as incursões que faz em seu caminhar – as representações daquilo que vive a cada passo dado. Não existe um “curso natural” da existência, nossas representações da vida são uma “construção” com origem na história e na cultura, (Delory-Momberger, 2011). As relações que o sujeito estabelece acerca dos aspectos culturais, sociais, históricos, as concepções políticas, a linguagem estabelecida – que marcam a sua personalidade e a costura das relações interpessoais – dão conta de estruturar as escolhas e maneiras em que as narrativas da vida são biografadas por ele. Não são escolhas totalmente individuais, mas sim, formas que carregam a bagagem das influências plurais. Tais escolhas que fiz carregam em minhas tessituras os elementos da minha formação, os desenhos da minha existência, os traços identitários socioculturais que são pigmentados pelas múltiplas relações que dou conta de firmar através da narração (auto)biográfica. Desta forma, podemos compreender a importância latente do olhar para as raízes históricas, antropológicas e culturais como fatores essenciais para o sujeito reconhecer-se em sua narrativa formativa de vida. Movimentos de minha biografização como tessituras de um docente- artista Em dezembro de 2019, a pandemia da Covid-19 começou a assolar o mundo, afetando drasticamente a vida, os planos e os sonhos de muitas pessoas. Ainda não sabia direito o que estava ocorrendo quando, em março de 2020, comecei a dar os primeiros passos na realização de um sonho ao ter ingressado no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da UFRN. No entanto, ainda em março, com o anúncio da suspensão das aulas, me vi impotente, perdido, sem saber o que fazer, quais seriam os rumos da minha pesquisa e da minha vida. O meu projeto de pesquisa tinha sido idealizado para ser desenvolvido no campo escolar, um 34 estudo de caso através das intervenções da arte na escola, nas comunidades que formam o território indígena Mendonça5, tendo como título - O jogo teatral como articulador na investigação e mediação de culturas: um estudo de caso nas comunidades do “Amarelão, Assentamento Marajó, Açucena, Santa Terezinha e Serrote de São Bento”. Devido a impossibilidade do contato presencial com as pessoas devido a proliferação em massa do coronavírus sars-cov-2 (covid-19), tive a desafiante missão de reavaliar o futuro da minha pesquisa na academia. Então, na primeira reunião que tive com o meu orientador Adriano Moraes, realizada de forma remota, conversamos sobre o meu trajeto de vida, a minha identificação com o teatro e a educação. Ele me fez perguntas, tais como: de onde eu vim, o que eu pretendia para 5O grupo familiar Mendonça se constituiu a partir de antecessores indígenas pertencentes às etnias Potiguara e Tapuia. Algumas famílias indígenas, de etnia potiguara, migraram do Brejo de Bananeiras – PB, a partir do século XVI, para o Rio Grande do Norte. O maior registro de migrações se deu a mais de dois séculos ocasionadas por situações de crise (epidemias de cólera, as secas, expansão colonial, etc.) (GUERRA, 2011). Esses indígenas que vieram da Paraíba foram recebidos na comunidade, uma o futuro, observou minha maneira de falar, meus gestos, minhas expressões, me deixando literalmente à vontade para expor as minhas ideias, como também as inquietações que assolavam a minha mente. A partir desta primeira conversa, o professor Adriano filtrou partes da minha fala, partilhou comigo os registros daquilo que fervilhava nos meus olhos e nas palavras. Foi então que surgiu a possibilidade de uma investigação desta minha relação identitária com o meu chão, com a minha cidade, com a minha família, meus amigos, com a arte e com a escola, trazendo à tona o meu trajeto formativo como problematização para um estudo potente, acerca de como me tornei vez que já havia o contato entre os mesmos, e se uniram aos indígenas que já habitavam o Amarelão através de laços familiares/casamentos. O Território Mendonça tem 6 aldeias localizadas em dois municípios da região do Mato Grande no Rio Grande do Norte, João Câmara e Jardim de Angicos: Amarelão, Serrote de São Bento, Assentamento Marajó, Assentamento Santa Terezinha, Açucena e Cachoeira/Nova Descoberta. https://cchla.ufrn.br/povosindigenasdorn/p_m .html 35 docente-artista com as singularidades e pluralidades que me compõem. A minha biografização foi alinhavada e ganhou corpo através do delineamento das escolhas que fiz para me apropriar das informações que pareciam flutuar, saltar dos meus olhos e das minhas palavras. Com isso, tendi a elucidar as vivências e as imagens que estavam latentes em minhas memórias. Optei por iniciar as tessituras em escritos, fazendo incursões nas fotografias dispostas em meus álbuns, os raros registros que consegui guardar. Ao pegar o álbum da adolescência, retirei a primeira fotografia que vi; e ela foi o meu gatilho inicial, meu ponto de partida para começar a desenhar o caminho que resultou na materialização da pesquisa. Figura 1: Meus amigos de infância e eu, na cacimba de seu Nascimento. Acervo pessoal. A fotografia acima traz o registro do meu grupo de amigos da infância na Cacimba de seu Cimento - apelido de seu Nascimento, esposo de dona Lindalva, moradores do Matão dos Nunes. Da esquerda para a direita, está Renildo, filho do meio da minha prima Neuzinha; Joelson, neto do meu tio Tié; Isaque - meu compadre, padrinho da minha segunda filha Laura - filho da minha grande amiga Salete Andrade (in memorian); eu, meus primos Bruno e Fabinho - meu compadre,padrinho da minha primeira filha Maria Eduarda; e Lauro, filho da minha amiga dona Netinha. A foto foi registrada por Raone, 36 filho mais velho da minha prima Neuzinha. Figura 2: Eu, nas margens da antiga cacimba de seu Cimento. Acervo pessoal. Como procedimento inicial de pesquisa, passei a reunir fotografias, imagens diversas, escritos em apostilas e em redes sociais; com isso, fui me reconhecendo, reconstruindo o meu trajeto. Exercitei bastante a mente e a memória, buscando momentos que me influenciaram a ser quem sou. Tudo parecia ainda muito genérico, com poucas cores, um trajeto ofuscado, que necessitava bastante alinhamento. Inicialmente, não me dava conta do que viria logo mais adiante, nos próximos passos. Passei a me enxergar como um andarilho da mente, caminhando em minhas memórias, sonhando e refletindo com as imagens que eram evocadas, reverberadas. Em vários momentos, as imagens que surgiam em minha mente não apresentavam com exatidão aquilo que eu procurava, não me dava conta de sentir por mais de um ângulo os momentos vividos. Necessitei procurar virtualmente e alguns poucos, presencialmente, os sujeitos que fizeram parte das vivências, ir in loco aos espaços que resistiram ao tempo, tentando me reconectar fisicamente com as memórias que estavam vivas e latentes em mim. As conversas com a minha avó Maria de Lourdes, a minha contadora de histórias, a primeira referência da minha pedagogia teatral - com a compreensão que hoje tenho - foram sendo recontadas, reconstituídas, tornando o meu objeto de pesquisa forte a cada encontro. E assim, as minhas digitais foram sendo evidenciadas, elucidando os caminhos e acontecimentos que me influenciaram e 37 me transformaram no ser singular-plural que sou. Figura 3: Entrevista com a vovó Maria, a contadora de histórias. Acervo pessoal. As conversas com a minha avó Maria, com meu avô Paulo Martins, com a minha mãe Maria Cristina, foram me alimentando, injetando na minha pesquisa uma sensação de fortalecimento, de orgulho e de valorização da arte e da educação, e principalmente, a valorização da vida. Mesmo que fosse decisão nossa, um desejo latente, um propósito pessoal, jamais conseguiríamos dar conta de tudo que nos acontece, pois são diversas as constantes ações acontecendo a cada segundo em nosso mundo subjetivo e plural, são diversos acontecimentos que perpassam por nós e por nossos olhos, mas nem tudo é capaz de ser notado. A apreciação das fotografias somadas às memórias da infância, da juventude e da vida no interior do RN, foram demarcando o desenrolar da pesquisa. As fotografias possuem evidências do vivido do sujeito, materializam momentos, experiências do tempo. No entanto, conforme o tempo passa, as fotografias tendem a ganhar novos sentidos, novos anseios que se diferem no ato de registrar no presente. Delory-Momberger, em seus estudos e leituras no campo da biografização, apresenta a importância da fotografia, dos trabalhos fotográficos na composição dos traçados das histórias 38 individuais e coletivas do sujeito para com o mundo vivido e sentido. O estudo das memórias fotográficas como estratégia para alcançar as tessituras autobiográficas, ultrapassa a captura da imagem no papel fotográfico, Apresenta os sentidos que estão cravados nas entrelinhas, naquilo que os olhos são incapazes de alcançar ao olhar para a imagem física. As sensações que emergem ao olhar para uma fotografia de um momento vivido, só são capazes de ser literalmente sentidas com o gosto do momento, por quem de fato esteve presente, não necessariamente na fotografia, mas no momento em que ela foi registrada. Assim, ao pegar o álbum, apreciar a primeira fotografia, parti para uma nova incursão, a necessidade\vontade de ir ao lugar onde a fotografia foi registrada, dando início a um novo gatilho, a reconexão com o espaço físico, com as localidades por onde perambulei, a busca pelo entendimento daquilo que estava verde e que precisava amadurecer, dos elementos da pesquisa que necessitavam de licença poética para ganhar corpo. Figura 4: registro da biografização em execução na casa dos meus avós. Acervo pessoal. No registro fotográfico anterior, estou diante de muitas fotografias, tendo a presença física do meu avô ao fundo e, todo o horizonte com o qual eu me deparo e que possibilita compreender os momentos, as experiências e todos os encontros que foram formadores e, que compõem a minha (auto)biografia. Unindo a análise dos registros fotográficos às incursões dos espaços por onde vivi, iniciei um processo de construção de novas imagens, mesclando as sensações do presente aos 39 sentidos no passado e perspectivas de futuro. Uma importante e recorrente via investigativa do meu processo de construção individual foram as entrevistas com os meus familiares, conversas livres que ocorreram no quintal da minha avó, enquanto ela o varria, na mesa da cozinha e nos inícios das manhãs e finais de tarde, saboreando um delicioso café fresquinho. Como também, registros de áudios e imagens, dos depoimentos, das narrativas dos vividos, daquilo que ao olho nu para as fotografias não era possível de enxergar. Dentre várias entrevistas, escolhi a figura 3, onde estou ouvindo atentamente as histórias da vovó Maria6 e, a figura 4, que materializa um dos momentos em que estou tecendo a minha biografização como síntese de meu percurso de investigação: uma se ancora no presente, no sabor das palavras de meus avós, parentes, amigos; a outra, no reencontro com flagrantes de experiências registradas ao longo de minha vida. 6https://drive.google.com/file/d/1bM0KKbsyS5 u_ILa2WrTQpRExdPJ4Zf2N/view?usp=sharing O conjunto de elementos que compuseram a estrutura da investigação da minha pesquisa, resultaram no fortalecimento da biografização, oportunizando a liga necessária para a conversação entre a biografização e as histórias de vida como arcabouços metodológicos, embasados na epistemologia dos estudos autobiográficos e narrativas de vida das autoras Christine Delory-Momberger e Marie-Christine Josso. Figura 5: A minha questão de pesquisa nas mãos da minha avó Maria. Acervo pessoal. 40 41 CAPÍTULO 02 BIOGRAFIZANDO MEU PERCURSO FORMATIVO: DAS APRENDIZAGENS DO QUINTAL À UNIVERSIDADE A escolha por utilizar o termo travessias para apresentar a migração entre as fases da minha vida, ancora-se na minha relação com a natureza, com as memórias de menino arteiro, das grandes navegações imagéticas, na poesia da minha imaginação que evoca a criança que ainda habita dentro do meu corpo vivo e emancipado pela arte. Travessia I - infância: imagens/narrativas familiares e de amizades Nesta travessia, convido você leitor(a) a acompanhar algumas imagens da minha infância e, com isso, conhecer os cenários e as pessoas que fizeram parte do meu processo de chegada ao mundo, como também, as relações afetivas envolvendo minha família e meus amigos. A árvore genealógica que aparecerá adiante evidencia as bases de meu trajeto. E a partir das raízes, caule, folhas e frutos desta árvore vital, permito-me olhar para a criança que fui, que nasceu e cresceu em um contexto interiorano, mergulhado em vivências e traços da minha família e dos saberes e atravessamentos populares. Figura 6: Minha prima Vanessa e eu no quintal da casa da vovó Maria. Acervo pessoal. 42 Imagem 01: Álbum de Família Figura 7: Árvore Genealógica de Eduardo Martins. Acervo pessoal. 43O nascimento Oh, meu Deus! o menino nasceu! – Já contava minha avó Maria. Aos 03 de dezembro de 1988, numa manhã de sábado, dia de feira livre na cidade, às 10:45h, nascia no Hospital Regional de João Câmara, município do interior do Rio Grande do Norte, um menino prematuro: oito meses de gestação e pesando menos de 2 quilos. Figura 8: Hospital Regional do Município de João Câmara Figura 9: Localização do Município de João Câmara no mapa do Estado do Rio Grande do Norte. Fonte: Wikimedia Commons (2018). Era o terceiro filho de Cristina, agricultora, e Zacarias do bar, pedreiro, - como meu pai era conhecido, seu nome de registro é João Maria. Nasceu o neto de Paulo dos bodes, avô materno, agricultor e marchante; e Maria de Lourdes, avó materna, agricultora; Maria da Paz, avó paterna, agricultora; e Cabo Zacarias, policial reformado. A expectativa para meu nascimento era gigantesca, segundo me contam. A aflição de toda a família era enorme, tendo em vista as condições prematuras envolvendo a minha vinda ao mundo. Mainha sentiu muito medo. Ela estava insegura, pois havia perdido seu primeiro filho, justamente aos 8 meses de gestação, e temia pela possibilidade de perder seu próximo filho homem, 44 devido ao cenário que se encontrava, enfrentando complicações na gestação e no meu nascimento. Minha avó Maria de Lourdes, durante várias reflexões sobre este momento tão especial, porém cheio de aflições, garante que nas contas dela eu nasci aos sete meses de gestação e que ela nunca errou nas previsões. Ela fez várias simpatias para descobrir o meu sexo, colocando uma tesoura aberta, representando o sexo feminino, e outra fechada, representando o sexo masculino, embaixo de almofadas, para que mainha escolhesse um assento e assim, confirmar suas previsões. Durante a minha gestação na barriguinha branca de mainha, vovó ao iniciar os preparativos da galinha caipira para o almoço, separava o coração do animal, fazia um corte na ponta do órgão, sem apartar, e colocava na panela para cozinhar. Ao abrir a panela, o coração sempre esteve fechado, portanto, ali se anunciava que teria mais um netinho do sexo masculino na família. Se por ventura o coração da galinha cozinhasse e permanecesse aberto, conta vovó que uma menina estaria por vir. Disse-me vovó que fazia essas simpatias, mas nem disso precisava para acertar nas previsões, bastava bater o olho no formato da barriga, e não tinha exame mais certeiro que seu olho. Vovó conta, aos risos, porém trazendo pausas reflexivas, as aflições e mistos de sentimentos desde a saída da minha mãe, ali das varedas - que nós reconhecemos como caminhos estreitos, trilhas curtas - caminhos em meio ao mato até o hospital. Mainha, conta que o meu choro era alarmante e inconsolável; que vim ao mundo faminto e não tinha condições de pegar o peito dela, pelo fato de minha boca ser muito pequena, impedindo de sugar o leite. Os pacientes, acompanhantes e visitantes iam curiosos ao leito para me ver. Não acreditavam que aquele serzinho minúsculo e frágil sobreviveria. Mesmo assim, mainha não perdeu as esperanças e, bravamente, protegeu e cuidou de mim com muito carinho, amor e muita reza. Assim foi o início de tudo: sobrevivi, me fortaleci e aos poucos fui sendo moldado pelo entorno familiar, recebendo carinhosamente do meu avô paterno, Paulo Martins, o apelido de 45 “Duquinha”, o menino arteiro, porém querido por toda a família. Meus avós paternos contam que meus primeiros meses de vida foram os mais tranquilos. Apesar de eu ter nascido prematuro, fui respondendo bem aos estímulos dos familiares. Me alimentava bem, era muito atento aos ruídos, barulhos e as vozes deles - eu era muito observador. Minha avó conta que ao cantar, eu observava com atenção, procurando a direção da voz dela, e quando me segurava no colo, após ter sido amamentado pela minha mãe, cantava a musiquinha do papai Noel "Lá vem papai Noel comandando o batalhão, Duquinha vem sentando na corcunda do leão". Ela cantava e repetia o final da música, "na corcunda do leão" até eu adormecer em seu colo. Mainha conta que os moradores da vizinhança ficavam admirados com a energia e esperteza que eu tinha. Minha irmã mais velha, Elaine e eu temos menos de dois anos de diferença nas idades. Ela sempre foi uma menina centrada, obediente e bastante organizada. Tinha o maior cuidado e ciúmes dos seus brinquedos, em especial, de uma boneca de cabelos cacheados, vestido e sapatos vermelhos com bolinhas brancas. Tínhamos a diferença de menos de dois anos em nossas idades. Em relatos da minha mãe, em um certo dia, nós brincávamos pertinho da porta da cozinha, que por sua vez, dava acesso para o quintal quando algo inusitado aconteceu. Eu segurava a boneca predileta da minha irmã, enquanto estava nos braços do meu avô Paulo, no quintal de nossa casa. Mainha conta que eu atirei a boneca preferida da minha irmã em cima do telhado de casa e, que meu avô não deve ter percebido este ocorrido, pois por vários dias todos ficaram à procura da bonequinha pela casa toda. Minha mãe procurava a boneca feito agulha no palheiro, e nada dela aparecer. Figura 10: Minha irmã Elaine Cristina e eu, brincando - Fotografia 1989. Fonte: Acervo Pessoal 46 A boneca de cachinhos é um dos principais símbolos presentes em minha memória, quanto trata-se dos brinquedos da minha irmã. Não sei ao certo se fui eu mesmo que atirei a boneca no telhado da casa, ou se foi meu avô que cometeu essa artimanha, pelo menos ele conta que não teve nada com isso. Algo me diz que a bonequinha foi parar no telhado pelas mãos do vovô, pois por muitas vezes ouvi ele reclamar por minha mãe me deixar brincar com bonecas. Pois, para ele - bonecas não são brinquedos de meninos. Anos depois a bonequinha apareceu, desgastada do sol, porém mantendo a mesma essência em minhas memórias. Passei a ser visto e conhecido como uma criança extremamente agitada, não tinha um cristão de Deus que tivesse paciência, dizia minha mãe. Ela não sabia mais o que fazer, pois eu não parava quieto, as pessoas diziam que tinha um frivião - um menino muito agitado, inquieto, que não conseguia ficar parado num canto. Ninguém entendia como uma criança que nasceu aos 8 meses, com 7O uso de “famoso” aqui é uma expressão local e serve para indicar alguma excentricidade da pessoa. pouco menos de 2 kg, que quase não vingou, era tão energético e azogado - um menino virado na peste, agoniado, como diziam alguns dos anciãos do bairro. Os anos foram passando e o menino foi crescendo e, com as energias a todo vapor. Em relatos, mainha apresentou o momento em que eu estava aprendendo a andar, já tinha dado as primeiras passadinhas, segurando o portão da casa de vovó. Ela me deixou com sua prima, Lúcia Pedro, filha da tia Ciça e seu Chico Pedro, aquele famoso7 agricultor. Lúcia, cansada de me segurar no braço, enquanto caminhava comigo na estradinha do Matão dos Nunes, parou para conversar com uma senhora que passava no local. Neste momento, me colocou no chão, segurando em suas pernas. Em questão de segundos, quando ela se deu conta, eu já ia descendo a passos largos, em direção ao caminho de casa. Este ocorrido repercutiu durante muitos anos, alimentando ainda mais a narrativa, na família, de eu ser um menino diferente dos outros. 47 Na época, pouco se falava em psicanálise, profissionais da psicopedagogia, arteterapeutas, nem tampouco em educadores que conheciam e praticavam métodos de trabalho voltados para as competências, habilidades e subjetividades das crianças. O diagnóstico era dado de forma direta e crua:esse menino é doido; leva para Dona Francisca curar - curandeira histórica do município - “procure um padre, mulher, para fazer uma reza boa nesse menino!”. Para alguns, o meu comportamento era falta de educação. Os conselhos dados eram: - um cipozinho de goiabeira resolve na hora! Ou, - dá- lhe um chá de burro - surra - resolve ligeirinho! e ainda, - um sarrabulho bom botava esse menino nos trilhos! e por aí seguiam os diversos conselhos para minha mãe, sempre na conjuntura da força física na tentativa de inibir o meu jeito de ser e de me expressar. Penso que de fato, eu queria mesmo era apenas me comunicar. Imagem 2: O menino arteiro As festividades em família oportunizavam uma série de acontecimentos, como contação de histórias, contos, causos e fofocas aos finais de tardes, no quintal da minha avó. Vovô Paulo e vovó Maria revolviam memórias de suas infâncias, de quando casaram e dos acontecimentos do cotidiano, na época em que não existia energia elétrica disponível nas casas. Nas famosas tardes, principalmente as de sábados e de domingos, eu não parava quieto, ficava tão ansioso que corria sem parar, saltando nos galhos das árvores, imitando as personagens das histórias contadas pelos meus avós e fazendo diversas perguntas. A curiosidade era uma marca que eu tinha e que me diferenciava dos meus primos. Não deixava passar absolutamente nada, a mente era extremamente fértil, gastava as energias brincando e aproveitando a liberdade que meus avós me davam naquele grande e bonito quintal. 48 Figura 11: Eu em cima do muro, na casa da vovó Maria. Acervo Pessoal. Duquinhaaaaaaa, se aquiete menino! Desça desse muro. Você vai cair menino! vovó aos gritos, preocupada comigo. Também era comum ouvir a minha avó dizendo: “menino, deixe seu avô em paz!” nos momentos que eu brincava de imitar o meu bisavô “Pai Zeca”, um dos homens mais humildes e queridos lá do Matão dos Nunes, povoado onde nasci e cresci na minha linda e estimada cidade João Câmara - a terra do algodão e do sisal, como dizia meu velho bisavô pai Zeca. Imitar o vovô era muito engraçado, eu saia me arrastando com sua bengala, cuspindo no chão, algo bem comum que vovô pai Zeca fazia. Eu partia em disparada para baixo da cama esperando que ele entrasse no banheiro, ele demorava muito tempo no 49 banho, tadinho, era velhinho demais. Quando ouvia o barulho da água sendo despejada da cabeça dele para o chão, imediatamente pegava a sua camisa, calça, os óculos, a bengala e o chapéu, me vestia de vovô e começava a imitá-lo pela casa. Todos começavam a rir, menos o vovô, que ficava furioso quando se dava conta de que eu estava atolado em suas roupas. Vovô pai Zeca tinha o costume de apertar a minha mão muito forte, sempre que ia lhe pedir a benção. Um costume que também se estendia aos meus primos e as crianças do bairro que chegavam perto dele. Muitas vezes ele apertava tanto a minha mão que as lágrimas desciam em meus olhos, mas eu me fazia de forte, embora sentisse bastante dor. Imagem 3: Os contadores de história Meus avós maternos nutriram e ainda nutrem meu imaginário a cada história contada. Figura 12: Vovó Maria e Vovô Paulo. Acervo pessoal. Me recordo do conto do vampiro, ficava com a pele toda arrepiada, entusiasmado para saber como era estar diante de um bicho tão horripilante. O Vovô Paulo conta que em uma das madrugadas que ele se preparava para ir ao mercado público - seu local de trabalho durante décadas da sua vida - deu de cara com um vampiro. As características dele eram de um homem alto, com uma capa preta sobre a cabeça e muito ágil. Sacou seu punhal da bainha pendurada em sua calça e ficou de prontidão, vendo o vampiro correr rapidamente pelos quatro cantos do quintal. Quando ele menos espera, o vampiro o ataca com os braços abertos. De imediato, ele consegue apunhalá-lo, 50 ferindo-o no braço, arrancando parte da sua camisa, e rapidamente fez uma oração para Nossa Senhora Mãe dos Homens, a quem ele é devoto. Com isso, o vampiro foi embora e nunca mais apareceu. A vovó Maria endossa as falas do meu avô, às vezes a favor, outras vezes contrariando-o. Assim as narrativas acontecem. Muitas vezes, ela rebate a história, contando que não era um vampiro, mas sim um lobisomem. Como o quintal era extenso e o curral das cabras, bodes e ovelhas era um pouco distante da casa, nem sempre conseguiam reparar, proteger os animais e espiar a presença dos invasores, sejam vampiros, lobisomens ou ladrões de cabras, que segundo vovó, "de vez em quando, apareciam nos cercados do povo - dizem as bocas pequenas8 por aí, segundo vovó.. Muitas vezes quando o vovô chegava lá perto da porteira do cercado, já dava falta de um animal. Vovó conta que o lobisomem carniceiro atacava em noites de lua cheia e, nessa noite que vovô Paulo teria lutado com o vampiro, 8Pessoas que comentavam os incorridos na rua, o famoso boca a boca, as acontecimentos. na verdade foi com o lobisomem que ele se deparou. Não se sabe ao certo com quem meu avô lutou, o que marcava mesmo as nossas tardes eram esses valiosos momentos de contação de histórias. Outro conto bem conhecido em nossa família, e na cidade, era o das três irmãs, Mariinha, Belíndia e Florzinha, que eram pedintes na cidade. Elas buscavam esmolas de casa em casa, e moravam às margens da Serra do Torreão, dentro de um buraco. A Vovó Maria conta que Belíndia, a irmã mais velha, quase não saia do buraco, no entanto, ordenava que as irmãs fossem até as casas pedir alimentos, peças de roupas, utensílios e tudo o que pudesse ser doado pelo povo camarense. Mais tarde, descobriu-se que elas eram filhas do lobisomem e que também se transformavam, em noite de lua cheia. O povo tinha muito medo da Belíndia, pois ela custava a aparecer, mas curiosamente, no dia que resolvia pedir esmolas, na casa onde ela visitava, uma pessoa da família falecia. Com isso, todo cuidado era pouco, qualquer sinal da 51 presença da filha mais velha do lobisomem nas redondezas, as portas eram imediatamente fechadas. Meus avós narram esses contos com muita propriedade e convicção. Era incrível ver meu vô Paulo pulando, tirando a faca da bainha, apresentando aquele momento de aflição e muita ação. Por outro lado, vovó Maria falando com voz grave, imitando as filhas do lobisomem, caminhando pela casa, mostrando como era que ela fazia para proteger seus filhos, das irmãs que se transformavam em lobas. Sentada em uma cadeira de balanço, vovó Maria com seu cachimbo fumaçando pedia para a meninada se aquietar, pois chegava o momento da contação de histórias. O conto do torreão encantado era uns dos mais apreciados em nossas tardes na casa da vovó. Ela começava dizendo que esse conto sempre lembrava as histórias contadas pelo seu pai, meu bisavô pai Zeca. A primeira vez que tenho lembranças de tê-la ouvido, foi quando eu tinha 6 anos de idade, enquanto me preparava para participar de uma excursão cultural do colégio. Figura 13: Serra do Torreão e as margens do açude grande. Fonte: Site da Prefeitura Municipal de João Câmara. Certo dia, ao saber que eu iria pela primeira vez visitar a serra do torreão, vovó me levou para perto do pé de goiabeira do quintal e, embaixo daquela árvore, que fazia uma sombrinha aconchegante, perguntou se eu já tinha ouvido falar da serra do torreão encantado. Respondi que não, e já ansioso, pedi-lhe para contar tudo. Ela primeiramente respondeu que eu encontraria muitos desafios na subida à serra, e que estivesse preparado, usando tênis, agasalho e também a garrafinha de água, pois no trajeto até o topo da serra,