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M ETO D O LO G IA D O EN SIN O D A A RTE | A nos fi nais d o ensino fund am ental e ensino m éd io Luciana Lourenço Paes Código Logístico 59801 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-65-5821-039-9 9 7 8 6 5 5 8 2 1 0 3 9 9 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio Luciana Lourenço Paes IESDE BRASIL 2021 Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br © 2021 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Olga_C/marukopum/P-fotography/YAKOBCHUK VIACHESLAV/Sensay/Pressmaster/ Oksana Klymenko/David Tadevosian/Shutterstock CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ P144m Paes, Luciana Lourenço Metodologia do ensino da arte : anos finais do ensino fundamental e ensino médio / Luciana Lourenço Paes. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE, 2021. 124 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-65-5821-039-9 1. Arte - Estudo e ensino. 2. Ensino - Metodologia. I. Título. CDD: 707 21-71363 CDD: 707 CDU: 7 Luciana Lourenço Paes Doutora em História da Arte pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com parte da pesquisa realizada em Paris, na França, na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS). Mestra em História da Arte também pela Unicamp. Graduada em Educação Artística, habilitação em Artes Plásticas pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Bacharel em Gravura pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná (Embap). Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! SUMÁRIO 1 Metodologia do ensino da Arte na escola 9 1.1 Método e metodologia 10 1.2 Cultura, arte e educação 12 1.3 Arte no contexto escolar no Brasil 16 2 Diretrizes curriculares nacionais 31 2.1 Parâmetros Curriculares Nacionais 32 2.2 Base Nacional Comum Curricular 38 2.3 O problema da polivalência 43 3 Academismo e Modernismo 48 3.1 Academismo: metodologias do objeto 48 3.2 A utilidade dos manuais de técnicas artísticas 51 3.3 Modernismo: metodologias do sujeito 53 3.4 O desenvolvimento do grafismo infantil 55 3.5 O lúdico nas aulas de Arte 60 4 Contemporaneidade 66 4.1 Metodologias da superação da dicotomia sujeito-objeto 66 4.2 Abordagem Triangular 67 4.3 Cultura visual 72 4.4 Teoria crítica 74 4.5 Metodologias ativas 77 4.6 Pós-estruturalismo 80 5 Avaliação, ensino e pesquisa 87 5.1 Planejamento 87 5.2 Avaliação 91 5.3 O professor reflexivo 99 5.4 Vidas de professores 107 Apêndice 1 113 Resolução das Atividades 118 Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! As metodologias de ensino fazem parte do corpo do conhecimento pedagógico que estrutura a formação docente. Metodologia é o estudo do método. Só é possível refletir sobre o método, contudo, depois de colocá-lo em prática. Do mesmo modo, nenhum método pode ser separado do contexto de sua aplicação, ou seja, não existem métodos válidos para todas as pessoas, em todos os tempos e lugares. Ainda assim, conhecer diferentes métodos e metodologias oferece uma base para a ação pedagógica, um fundamento, um ponto de partida. Diminui, ainda que não elimine, a margem de erro durante o exercício profissional. Este livro propõe uma abordagem das diferentes metodologias de ensino da arte na escola sob uma perspectiva histórica, com ênfase nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio. Cada metodologia possui uma ligação fundamental com o contexto de sua gênese, a qual continua agindo sobre ela com o passar do tempo, depois de ter se tornado pública e objeto de críticas e revisões. Nesse sentido, a perspectiva histórica cria condições de situar essas metodologias e de avaliar sua pertinência à prática atual, preservando, ao mesmo tempo, a sua diversidade. Para os propósitos deste livro, é importante lembrar, ainda, que na escola a questão não é tanto ensinar arte, quanto formar pessoas por meio da arte. No primeiro capítulo, distinguiremos em detalhes método e metodologia. Também refletiremos sobre o conceito de arte e o processo de transformação dela em objeto de ensino na escola. Faremos ainda uma breve revisão da história do ensino da arte na educação básica no Brasil. No segundo capítulo, trataremos das relações entre metodologias e currículo. Analisaremos as diretrizes do Estado para a disciplina de Arte, como formuladas nos Parâmetros Curriculares Nacionais e na Base Nacional Comum Curricular, documentos que orientam a elaboração do currículo de cada instituição de ensino brasileira. APRESENTAÇÃOVídeo 8 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio O objeto do terceiro e quarto capítulos são os métodos e as metodologias adotados no Brasil entre os séculos XIX e XXI, em correspondência com os respectivos movimentos artísticos vigentes. O terceiro capítulo trata do Academismo e do Modernismo, e o quarto, da Contemporaneidade. Finalmente, no quinto capítulo, discutiremos a organização do trabalho educativo escolar em Arte, ou seja, a realização do planejamento e da avaliação, bem como o vínculo fundamental entre ensino e pesquisa – aspectos imbricados dentro da rotina de trabalho docente e do ofício do magistério. Escolher qual é o melhor modo de ensinar ou de aprender exige sensibilidade para perceber quais são as habilidades e dificuldades de cada estudante em particular e, por isso, consiste não só em um método, como também em uma arte. Na verdade, não existem fórmulas, mas sim experiências. Esperamos que a ampliação de repertório promovida pelo contato com diferentes métodos e metodologias abordados neste livro, bem como sua análise crítica e contextualizada, leve você a ir além. Nossa esperança, enfim, é que essa consciência se configure em um instrumento que, durante a prática profissional, auxilie você a inventar o seu próprio método. Bons estudos! Metodologia do ensino da Arte na escola 9 1 Metodologia do ensino da Arte na escola Ao longo do processo de formação docente, é importante conhecer a história da disciplina de Arte no contexto escolar brasileiro. A vantagem da perspectiva histórica é que ela re- lativiza o valor dos diferentes métodos de ensino e aprendi- zagem adotados, no passado e no presente, deixando claro que não há o método, mas sim os métodos, os quais mudam ao longo do tempo. Neste capítulo diferenciaremos, inicialmente, método e metodologia e buscaremos compreender a dinâmica por trás dessas mudanças durante o processo histórico. Na sequência, abordaremos alguns conceitos-chave na investigação metodoló- gica nesse campo. Finalmente, faremos uma breve revisão histó- rica do ensino da arte na educação básica brasileira, do período colonial até os anos 1970, procurando delinear os eventos mais significativos e as diferentes tendências pedagógicas vigentes em cada momento. Durante o capítulo, portanto, procuraremos responder às perguntas: qual é a diferença entre método e metodologia? O que determina o uso de determinados métodosem detrimento de outros? Qual é o significado das palavras cultura, arte e edu- cação? Por que, apesar de esses significados serem múltiplos e variados, é importante estabelecer um ponto de vista? Como a arte se transforma em um objeto de ensino na escola? Qual é a história da disciplina de Arte no contexto escolar do Brasil? De que modo conhecer essa história pode auxiliar o professor em sua prática cotidiana? 10 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio 1.1 Método e metodologia Vídeo A palavra método deriva do grego metá, “atrás, em seguida, atra- vés”, e hodós, “caminho, via, meio”. Literalmente, significa um caminho a seguir. A palavra metodologia, por sua vez, incorpora o sufixo lo- gos, “palavra, discurso, razão”, e diz respeito ao estudo dos métodos. Tecnicamente, portanto, possuem sentidos diferentes. Um método é determinado pela natureza das diferentes áreas do conhecimento em que é aplicado, seja em ciências exatas, biológicas, humanas ou sociais. Já a metodologia possui um caráter metalinguístico, pois cria uma estrutura analítica que pode ser aplicada a diferentes disciplinas com o objetivo de refletir sobre o modo como seus agentes operam ao produzir (ou reproduzir) teorias e práticas. Assim, neste livro de metodologia estudaremos diferentes méto- dos de ensino e aprendizagem da arte no contexto escolar, especifi- camente nos anos finais do ensino fundamental (6° ao 9° ano) e no ensino médio. É importante termos em mente, no percurso deste livro, que: 1) o modo como uma disciplina é ensinada e aprendida na educação básica reflete o modo como ela é ensinada e aprendida no ensino su- perior; 2) o modo como ela é ensinada e aprendida no ensino superior obedece a modelos ou paradigmas dominantes que mudam ao longo do tempo. Tais alterações de modelo ou paradigma estão relaciona- das a mudanças mais amplas, que ocorrem nos âmbitos econômico, social e cultural. Dito de modo mais específico, as pesquisas em arte e em educação no âmbito universitário têm um papel determinante no ensino da arte na escola, pois trata-se do local onde os professores são formados, e estão inscritas em uma dinâmica contínua de ascen- são, estabilização, crise e queda de paradigmas. Essa dinâmica pode ser associada a fatores externos às disciplinas, de ordem contextual. O que é um paradigma? O físico norte-americano Thomas Kuhn (1922-1996), no livro A estrutura das revoluções científicas, publicado em 1962, define-o como “uma realização científica universalmente reconhecida que, durante algum tempo, fornece problemas e solu- ções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência” (KUHN, 1998, p. 13). Ele também usa a palavra mapa – um documento de orientação espacial que nos mostra onde estamos e aonde gosta- Disciplinas são ramos do conhecimento humano como ensinados nas universidades. A palavra é empregada também para se referir às diferentes ma- térias escolares. No livro Vigiar e Punir (1975), o filósofo francês Michel Foucault faz uma crítica aos mecanismos de controle so- cial implícitos no que ele chama de instituições disciplinares, entre elas a universidade e a escola. Saiba mais Ensinar é diferente de aprender. Ensinar é a ação de comunicar e compartilhar um saber ou fazer; aprender é a ação de organizar e assimilar o conteúdo dessa comunicação. Apesar dessa diferença conceitual, são ações indissociáveis na prática. Assim, métodos de ensino precisam levar em conta não só modos de ensinar, como também de aprender. Para refletir Metodologia do ensino da Arte na escola 11 ríamos de ir – como sinônimo de paradigma: "Como a natureza é mui- to complexa e variada para ser explorada de modo aleatório, tal mapa é tão essencial para o desenvolvimento contínuo da ciência quanto a observação e o experimento" (KUHN, 1998, p. 143). Para Kuhn, a ciência – isso vale, na verdade, para todas as discipli- nas acadêmicas – desenvolve-se conforme a seguinte estrutura: fase pré-paradigmática > ciência normal > crise > ciência extraordinária A fase pré-paradigmática corresponde a um período de grande di- vergência entre pesquisadores; a ciência normal ocorre quando um paradigma é estabelecido e teorias, conceitos e práticas são “tomados como dados”, dirigindo a pesquisa dentro do campo; a crise é a ano- malia que coloca em dúvida a validade de um paradigma e o trans- forma em objeto de crítica; por fim, a ciência extraordinária remete à revolução científica ou mudança de paradigma. Segundo o físico norte-americano, depois que uma disciplina pas- sa à fase da ciência normal, ela nunca retorna à fase pré-paradigmáti- ca e estabelece-se, com efeito, como científica. O que se repete depois é a passagem da ciência normal ao estado de crise, que pode ser se- guido ou pelo retorno à ciência normal, em que as anomalias são re- solvidas dentro do paradigma corrente, ou pela revolução científica, na qual um novo paradigma se estabelece. Na fase normal, aqueles que pensam fora do paradigma tendem a ser marginalizados dentro da comunidade científica, pois é ele que dita os critérios da boa e da má ciência. Kuhn introduziu posteriormente o conceito de incomensurabilida- de dos paradigmas para evitar a ideia de progresso como melhora sucessiva – como se o que está sendo feito hoje, dentro de uma dis- ciplina, fosse necessariamente melhor do que foi feito no passado. O autor defende que paradigmas não podem ser comparados segundo critérios neutros, ou seja, não existem meios objetivos de afirmar que um paradigma é melhor ou pior do que outro. Essa ideia tornou-se controversa no meio científico e se encontra, ainda hoje, aberta ao debate. Aprendemos diferentes métodos em nossa formação como pro- fessores e podemos optar por um ou outro de acordo com o contexto Apesar de a primeira edição ter saído há quase 60 anos, o livro A estrutura das revoluções científicas não perdeu a atualidade e continua sendo lido em diferentes áreas, das ciências exatas às humanas. KUHN, T. 13. ed. São Paulo: Perspectiva, 2017. Livro 12 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio de nossa atuação, mas, na prática, em cada época alguns têm prece- dência sobre outros. Cada nova proposta supera problemas ou limi- tações de uma anterior e apresenta, ao mesmo tempo, seus próprios problemas e limitações. Você deve decidir qual é o melhor método ao longo de sua própria experiência docente, de acordo com sua intera- ção com os alunos e com a equipe da escola, ajustando, dessa forma, o que você aprendeu à realidade do trabalho em sala de aula. 1.2 Cultura, arte e educação Vídeo É importante, em um primeiro momento, pensarmos sobre o que significam estas palavras: cultura, arte e educação. A sua atuação como professor de Arte estará estreitamente relacionada, de maneira cons- ciente ou não, à ideia que você tem do que seja cada um desses termos. É esperado que essa compreensão oscile ao longo da vida, mas tentar torná-la clara o ajudará a entender melhor a sua prática, o modo como organiza e encaminha as suas aulas. Eventualmente, você vai perceber também que os métodos que considera mais eficientes são aqueles pelos quais você mesmo aprendeu. Lembre-se, contudo, de que nem todos aprendem da mesma maneira. Quando buscamos o sentido da palavra cultura nos voltamos, geral- mente, ao campo da antropologia. O antropólogo norte-americano Clif- ford Geertz (1926-2006), no livro A interpretação das culturas, de 1973, afirmou que cultura não é tanto aquilo que os seres humanos fazem, mas o sentido que dão àquilo que fazem. Para o autor, os seres humanos encontram-se presos a “teias de significados” tecidas por eles mesmos. Ele chama essas teias de cultura: “um sistema entrelaçado de signos interpretáveis (ou símbolos) ao qual podem ser atribuídos os aconteci- mentos sociais, os comportamentos, as instituições ou os processos”, ou seja, “um contexto dentro do qualeles podem ser descritos de for- ma inteligível ou densa” (GEERTZ, 1978, p. 24). Um exemplo pode ajudar a compreender melhor as ideias de Geertz. Considere alguém a certa distância que ergue o braço e balança a mão de um lado para o outro em sua direção. A pessoa está acenando. Uma descrição que optasse pelo braço erguido com as mãos em movimento seria chamada por Geertz de superficial; já a descrição que usa o verbo acenar seria chamada por ele de densa, pois leva em conta a cultura ou Metodologia do ensino da Arte na escola 13 o contexto no qual esse movimento mecânico adquire um significado para a pessoa que o faz, tornando-se um gesto. Se você não vivesse no local e esse gesto significasse uma forma de insulto, isso poderia gerar um mal-entendido. O fato é que só seríamos capazes de conversar com a pessoa que acenou para nós se entendêssemos minimamente as es- truturas conceituais que dirigem os seus atos – a sua cultura. Sem isso, o diálogo ficaria muito difícil. Figura 1 Um simples olá em diferentes culturas pode ser comunicado por meio de diferentes gestos. Ic on ic B es tia ry /S hu tte rs to ck A arte, enquanto elemento da cultura, pode ser considerada uma entre outras dimensões simbólicas da ação social, ao lado da religião, da ciência, da lei etc. Qual seria, então, a sua particularidade como ati- vidade simbólica? Muitos autores refletiram a respeito e, de fato, não existe apenas uma resposta possível. O professor e crítico literário paulista Alfredo Bosi (1936-2021), por exemplo, definiu arte como “um fazer, um conhecer e um exprimir” (BOSI, 2002, p. 8), ou seja, uma realização técnica, situada dentro de uma tradição de realizações técnicas, que é, ao mesmo tempo, uma forma de comunicação intersubjetiva. Bosi emprestou essa definição do filósofo italiano Luigi Pareyson (1918-1991). Pareyson afirma que a produção, no caso da obra de arte, Diferentes linguagens artísticas compõem o campo da arte – além das artes visuais, nas quais os métodos estudados neste livro se concentram, também a música, a dança e o teatro. Embora apresentem aspectos comuns por se situarem em um mesmo campo do saber, cada uma possui as suas particularidades e age de um modo diferente sobre os nossos sentidos. Lembrete https://www.shutterstock.com/pt/g/IconicBestiary 14 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio é de um tipo particular, pois ao aspecto realizativo une-se um inventivo: trata-se de "um fazer que, enquanto faz, inventa o por fazer e o modo de fazer" (PAREYSON, 1997, p. 26). O resultado produz, então, um incre- mento de realidade devido ao seu valor original. O fazer, nesse caso, é intensificado pela atividade criativa. Obras de arte são criações humanas que não apresentam uma utili- dade imediata. Embora uma roupa, uma panela, uma bicicleta ou uma cadeira sejam objetos cujas formas apreciamos em termos estéticos, isto é, pelo prazer que podem proporcionar aos nossos sentidos, na medida em que servem a uma função prática – proteger do frio, cozi- nhar, nos levar a algum lugar, descansar o corpo –, afastam-se do cam- po da arte. Por isso, o poeta Paulo Leminski chamou a obra de arte, em um artigo de jornal publicado em 1986, de inutensílio. Roupas, panelas, bicicletas ou cadeiras ficam velhas, ocasionalmente estragam, sendo descartadas e substituídas por outras; uma obra de arte pode sofrer danos materiais pela ação do tempo, ser destruída ou perdida, mas ela não pode ser substituída por outra e é possível extrair dela os mesmos benefícios, tenha sido feita hoje ou há milhões de anos. Dizer que a arte não é útil não significa dizer que não sirva para nada. O contato com ela nos ajuda a organizar nossa vida interior, que não é transparente para nós e que não se autointerpreta. Um dado estatístico corrobora essa ideia. Em meio às medidas de confinamento adotadas durante o combate à pandemia ocasionada pelo novo coro- navírus em 2020, o consumo de música, filmes e livros aumentou no Brasil, segundo pesquisa realizada em setembro do mesmo ano pelo Itaú Cultural em parceria com o Datafolha. A arte nos ajuda a ficar so- zinhos com nós mesmos ou conviver com as pessoas do nosso círculo íntimo, pois ela dialoga com aspectos da nossa vida que não costuma- mos tornar públicos: desejos, expectativas e sentimentos (alegria, te- mor, insegurança, ódio, tristeza etc.), os quais podem se chocar com a moralidade, com os quais precisamos lidar mesmo assim e diante dos quais a atividade científica pouco tem, nesse sentido, a oferecer. Ela ex- plica os fenômenos de modo racional e objetivo, mas temos que apren- der por nossa própria conta a lidar com eles no cotidiano, de modo intuitivo e subjetivo. Assim, a arte desenvolve a inteligência emocional e relacional, bem como promove o autoconhecimento. A arte também nos ajuda a pensar sobre o mundo e aquilo que acon- tece ao nosso redor. Ao nos relacionarmos com ela, saímos do nosso Qual é a diferença entre emoções e sentimentos? O neurocientista portu- guês António Damásio explica em entrevista que as emoções são reações motoras que o cérebro produz no corpo como resposta a determinados eventos; já os sentimentos são a elaboração mental dessas reações. Enquanto as emoções são públicas, os sentimentos são privados. Essa questão é desenvolvida em detalhes no Capítulo 7 de seu livro O erro de Descartes (1994). Assista ao trecho da en- trevista no vídeo António Damásio: a diferença entre emoção e sentimento. Disponível em: https://youtu. be/2COAN5Y6S9U. Acesso em: 7 jun. 2021. Vídeo https://youtu.be/2COAN5Y6S9U https://youtu.be/2COAN5Y6S9U Metodologia do ensino da Arte na escola 15 cotidiano, que tende a ser repetitivo e alienante, e entramos em um espaço de maior liberdade. É certo que levamos nossos pré-conceitos – absorvidos pelo nosso ponto de vista – para esse encontro com a obra de arte, em seus diferentes espaços e linguagens. A fronteira entre o que sabemos e o que não sabemos torna-se mais nítida nesse momen- to, e permanecer onde estamos ou cruzar a fronteira em busca de ex- periências e de conhecimentos novos é uma escolha nossa. No limite, envolve uma decisão pessoal. Aqui entra o papel da educação, mais especificamente a formal, que ocorre dentro das instituições de ensino. Pode ser que não tenhamos instrumentos que nos permitam dar esse passo e a arte nos pareça, dessa forma, desinteressante ou difí- cil. A educação é um meio de aquisição de tais instrumentos. Naquela mesma pesquisa do Itaú Cultural em parceria com o Datafolha (2020) sobre os hábitos culturais dos brasileiros durante a pandemia, por exemplo, foi constatado que quanto maior a escolaridade, maior o con- sumo de arte. Assim, é ingênuo pensar que a frequentação e o hábito da arte nasçam espontaneamente nas pessoas e que apenas o contato direto com a obra, sem nenhum tipo de mediação ou trabalho prévio, seja suficiente para que a arte se torne, de fato, um fator de aumento da qualidade de vida. Embora a experiência da obra de arte tenha um potencial educa- tivo, o tipo de educação que promove não é intencional, pois seu fim não é pedagógico – ela não quer, não é pensada para ensinar, embora de algum modo ensine. Processos educativos intencionais, dirigidos e sistemáticos – em uma palavra, pedagógicos – podem ocorrer dentro de espaços culturais, como museus, galerias, teatros e salas de espetáculo, com o objetivo de aproximar as obras do público, mas seu locus privile- giado são, sobretudo, as instituições de ensino (a escola e a academia). A palavra educação vem do latim educere, “conduzir de fora”, e edu- care, “alimentar, criar”. Nesse processo de orientar e sustentar, a edu- cação pode ser reprodutora ou crítica. No âmbito institucional, ela não pode prescindir do primeiro aspecto, o conservador, pois se trata de um espaço e um tempo organizados e controlados com o objetivo de preparar as pessoas para que elas atuem produtivamentena socieda- de. A educação, nesse sentido, adapta e molda a um sistema existente. Porém, se a educação abre mão do segundo aspecto, o progressista, a possibilidade de mudar o que não é bom – de melhorar a sociedade por meio dessa atuação – deixa de existir. 16 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio 1.3 Arte no contexto escolar no Brasil Vídeo Qual é a relação entre a arte como ocorre em espaços sociais e sua abordagem em espaços educativos? Como transformar a arte em ob- jeto de ensino na escola? O que acontece com ela quando se torna um saber disciplinar? Dois pesquisadores franceses, trabalhando respectivamente no campo da educação matemática e linguística – Yves Chevallard (1946-) e André Chervel (1931-) –, apresentam dois pontos de vista opostos so- bre o assunto e que podem nos ajudar a pensar sobre essas questões. Em seu livro A transposição didática, publicado em 1985, Chevallard explica que essa transposição consiste no processo de transformação do savoir savant (“saber sábio”) de uma determinada disciplina, produ- zido por meio da pesquisa acadêmica, em savoir à enseigner (“saber a ensinar”) e, depois, com a aprendizagem efetuada, em savoir enseigné (“saber ensinado”). Para o autor, não existe uma identidade entre saber ensinado e saber sábio, mas uma relação de dependência, de modo que o saber produzido pela ciência de referência precisa ser transfor- mado para se adaptar a um outro contexto. Assim, para Chevallard, o saber científico legitima as disciplinas escolares. No artigo História das disciplinas escolares, escrito em 1988, Chervel defende que a escola não é apenas um espaço de adaptação e repro- dução de um saber preexistente, mas também de produção de conhe- cimento com caráter autônomo. Existe, em sua opinião, uma “cultura escolar”; a escola constitui um espaço de produção simbólica indepen- dente da academia. Ele não elimina, mas diminui o papel das ciências de referência no processo de transposição didática, e projeta ênfase nos objetivos da disciplina e no seu funcionamento dentro da escola. Desse modo, para Chervel, é a própria cultura escolar que legitima as disciplinas escolares. Mesmo discordando quanto ao peso de cada campo no proces- so, tanto Chevallard quanto Chervel concordam que deve existir um diálogo entre os saberes preexistentes e os ensinados na escola. Se Chevallard hierarquiza o saber produzido pelo rigor do método cien- tífico e aquele produzido em situação escolar, considerando que na Metodologia do ensino da Arte na escola 17 transposição didática há um processo de simplificação redutor, Chervel horizontaliza a relação, defendendo que as disciplinas escolares devem ser estudadas em suas especificidades e não como uma forma de co- nhecimento “menor”. Convém lembrar que, no caso da arte, há um fator que complica essas considerações: os saberes preexistentes não incluem apenas a produção acadêmica, mas também a produção artística em geral. Em primeiro lugar, ensina-se arte na escola porque se faz arte na socie- dade – aliás, é também por isso que se estuda arte na universidade. Na formação dos professores nos cursos de licenciatura, a arte, como atividade social, passa pelo filtro da cultura acadêmica/científica e pro- duz um saber específico. Na atuação desse professor, por sua vez, esse saber será filtrado novamente pela cultura escolar. É fundamental, por isso, que o professor de Arte não perca o contato com a produção artís- tica do seu tempo, em especial aquela feita no local onde vive e traba- lha, pois é dela que emana a razão de ser da sua disciplina. Essa disciplina tem uma história na educação básica. Para entender aonde chegamos hoje na disciplina de Arte, precisamos entender de onde partimos ontem. O ensino da arte existe no Brasil desde o período colonial, quando o país era colônia do reino de Portugal e a educação estava nas mãos das ordens religiosas. Nas reduções jesuíticas, complexos urbanísticos construídos em diferentes regiões para catequizar os indígenas, fun- cionavam espécies de "escolas-oficinas" que formavam artesãos em diferentes áreas: pintura, carpintaria, tecelagem, fabricação de instru- mentos musicais, entre outras. Além disso, em cada redução existia uma escola de canto coral, música e dança. Fora das reduções, os colé- gios educavam os filhos da elite. As mulheres estavam excluídas desse ensino, aprendendo em casa as “prendas domésticas”. O método seguido pelos jesuítas foi descrito no seu Ratio Studiorum (ordem dos estudos), publicado em 1599 e que permane- ceu em vigor durante 150 anos no país. No texto estão discrimina- dos a duração dos cursos, os horários, os manuais e autores a serem estudados e a pedagogia a ser adotada, baseada em memorização e repetição de conteúdos. Quando nos referimos à arte como uma área do conhecimen- to ou um aspecto da cultura, usamos a palavra com letra minúscula; já Arte, com letra maiúscula, refere-se à disciplina escolar. Atenção 18 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio Figura 2 Ratio Studiorum Em 1759, os jesuítas, que possuíam então mais de 350 colégios ins- talados em todo o Brasil, foram expulsos do território pelo Marquês de Pombal, ministro do rei D. José I. Com as reformas pombalinas, in- fluenciadas por ideias do Iluminismo português, é decretado no país o ensino laico, ou seja, desvinculado da Igreja e de responsabilidade do Estado. O intervalo de 1759 até 1808, ano da mudança da família real e da corte portuguesa para o Brasil, foi marcado por uma grande desorganização do sistema educacional, cuja estrutura havia sido con- solidada durante anos de atuação dos jesuítas. As reformas ocorreram mais no papel do que na prática e deram grande ênfase ao ensino das disciplinas do campo linguístico, como Latim e Língua Portuguesa. Em 1816, uma colônia de artistas e artífices franceses instalou-se no Rio de Janeiro às custas da coroa com o objetivo de fundar na cidade uma escola de artes e ofícios. Essa colônia ficou conhecida na histo- riografia como Missão Francesa. No mesmo ano foi criada por decreto a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, pela qual o ensino artístico começou a ser implantado oficialmente no Brasil, em nível superior. Ela foi inaugurada efetivamente em 1826, mas sem o ensino dos ofícios, sob o nome de Academia Imperial de Belas Artes (AIBA). A atividade dos primeiros professores da Academia, formados den- tro dos ideais do neoclassicismo, disseminou esse programa estético no país, com base no idealismo ao imitar a natureza, no equilíbrio formal, no acabamento liso de superfície e, do ponto de vista temático, na re- Metodologia do ensino da Arte na escola 19 presentação de exemplos de virtude. Valorizava-se o domínio técnico, o conhecimento dos materiais e a cópia fiel de modelos, compostos por esculturas greco-romanas ou pinturas do Renascimento italiano. O en- sino do desenho era o eixo central do currículo acadêmico, pois consis- tia no momento da invenção propriamente dito, que precede e, assim, subjaz às demais linguagens artísticas – pintura, escultura e gravura. Charles-Nicolas Cochin. Vista de uma escola de desenho; gravura ilustrando o verbete desenho da Enciplopédia ou Dicionário de ciências, artes e ofícios, de Diderot e d’Alembert, volume XX, Paris, 1773. Durante o período imperial (1822-1889), o sistema educacional pas- sou a ser estruturado em três níveis: primário, secundário e superior. O nível primário era composto pelas escolas de ler e escrever. O se- cundário, pelas aulas régias, instauradas já na reforma pombalina e que substituíram os cursos de humanidades dos jesuítas. Eram aulas avulsas de latim, grego, filosofia, retórica, desenho e, mais tardiamente, música. Os próprios professores organizavam o trabalho e requeriam o pagamento do governo. O nível superior era composto por escolas profissionais isoladas, fora do contexto de universidades, nas áreasde belas artes, medicina, direito e engenharia. Os professores do primário e secundário eram, nessa época, autodidatas ou formados nas institui- ções de ensino da ex-metrópole. Além da denominação de ensino primário, secundário e superior, de origem europeia, foi introduzida também a de ensino profissionalizan- te. Não se tratava de um nível de ensino devidamente regulado pelo Estado, mas de iniciativas partindo de associações privadas ligadas ao setor industrial ainda incipiente. São fundados, entre 1858 e 1886, os Liceus de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, Salvador, Recife, São Paulo, Maceió e Ouro Preto, que tinham como objetivo formar mão de obra especializada para o projeto de urbanização e para a indústria nacional. 20 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio No primário e secundário o ensino do desenho seguia a linha do ensino profissionalizante: o foco era o chamado desenho linear ou geométrico. Ele possuía, sobretudo, uma função utilitária, de preparo para o traba- lho e desenvolvimento de habilidades técnicas e motoras. O intelectual e político Ruy Barbosa (1849-1923) realizou análises importantes sobre o estado da educação no Brasil nos textos A refor- ma do ensino secundário e superior, de 1882, e A reforma do ensino pri- mário e várias instituições complementares da instrução pública, de 1883, apresentados à Câmara dos Deputados e mais conhecidos hoje como pareceres. Barbosa criticou o ensino baseado na retórica e na memo- rização e dominado pela Igreja Católica – em 1842, os jesuítas foram readmitidos no território, fora as outras ordens que possuíam colégios no Brasil. Destacou em sua proposta de currículo o ensino das ciências, com base na observação e na experimentação e também o da ginásti- ca, da música, do desenho e do canto, de modo a promover o cultivo do entendimento e dos sentidos. O objetivo último era desenvolver a indústria nacional para libertar o país da dependência estrangeira: Carecemos de auxiliar pela indústria a feracidade do solo, cul- tivando-o científica e artisticamente; carecemos, em segundo lugar, ainda por meio da indústria, sob outras formas, receber do solo os seus frutos, e, sem feudo a estranhos, entregá-lo ao con- sumo sob as inumeráveis metamorfoses que a fabricação opera. Mas o meio, o meio dessa transformação? O meio é introduzir fundo a ciência, praticamente aprendida, e a arte, aplicada pelo desenho, no ensino popular: o desenho na escola a par da leitu- ra e da escrita, antes, até, da escrita e da leitura; o desenho nos liceus, formando agrimensores, maquinistas, mestres de oficina. (BARBOSA, 1942, v. IX, tomo I, p. 174) Influenciado por ideias norte-americanas e europeias, Ruy Barbosa defendia que o ensino do desenho na educação popular apresentava, por um lado, um aspecto propedêutico ou introdutório, cujo fim era educar o caráter e a inteligência, e, por outro, desenvolvia o gosto e a habilidade artística, tornando as massas capazes de admirar o belo – ambas as funções voltadas ao preparo para o ingresso nas carreiras industriais. Nos seus pareceres, ele cita pedagogos como o britânico radicado nos Estados Unidos Walter Smith (1836-1886), o suíço Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827) e o alemão Friedrich Fröebel (1782-1852). Ruy Barbosa posicionava-se contra o que chamou de tirania do en- sino livresco, meramente verbalista, que reinava então sobre a rotina Em seus pareceres, Ruy Barbosa traduziu um longo trecho do livro Arte educação: escolar e industrial (1872), de Smith, para justificar a importância do desenho no programa curricular. Citou também trechos do livro de Pestalozzi, Como Gertrudes ensina suas crianças (1801), e do livro A educação do homem (1826), do discípulo de Pestalozzi, Fröebel. Os dois últimos defenderam um ensino na infância fundamentado no desen- volvimento dos sentidos e na ação mais do que na comunicação verbal, conferindo grande impor- tância, nessa formação inicial, ao desenho. Saiba mais Metodologia do ensino da Arte na escola 21 escolar. Para ele, existia, para além do mundo das palavras, o mundo da natureza, que deveria ser acessado pelo desenvolvimento dos sen- tidos; do contrário, o livro pareceria mais real do que a própria vida. Assim, em seu programa de ensino, o desenho precede – facilitando e preparando – o ensino da escrita. As ideias da sua proposta de reforma não seriam implementadas imediatamente, mas apenas alguns anos após a Proclamação da República, na reforma de 1901, pela aprovação do Código Epitácio Pessoa. No romance de Raul Pompeia (1863-1895), O ateneu (1888), que se passa em uma escola primária e secundária particular (um internato) no Rio de Janeiro do fim do século XIX, encontramos menções ao ensi- no da arte dentro de uma escola burguesa. No Capítulo 7, o narrador, um estudante chamado Sergio, descreve a exposição bienal dos traba- lhos artísticos dos alunos nas salas da própria escola, incluindo dese- nhos e pinturas que variavam dos gêneros do retrato e da paisagem a representações de arquitetura e máquinas. Ele se lembra com certo humor das etapas de seu aprendizado artístico e da postura do pro- fessor, que dava um reforço positivo quando os alunos progrediam do traço simples para a modelagem das formas com claro-escuro. Nessa progressão fica evidente o caráter reprodutivo da prática e estereoti- pado dos motivos, que eram inicialmente ajustados a figuras geométri- cas, passando da paisagem à figura humana e de animais. O professor também “retocava” os trabalhos dos alunos e selecionava os melhores para exposição, colocando neles uma moldura: Para a exposição dos desenhos foram retiradas as carteiras da sala de estudo, forradas de cetim escuro as paredes e os grandes armários. Sobre este fundo, alfinetaram-se as folhas de Carson, manchadas a lápis pelo sombreado das figuras, das paisagens, pregaram-se, nas molduras de friso de ouro, os trabalhos repu- tados dignos desta nobilitação. Eu fizera o meu sucessozinho no desenho, e a garatuja evoluíra no meu traço, de modo a merecer encômios. A princípio, o bos- quejo simples, linear, experiência da mão; depois, os esbatimen- tos de tons que consegui logo como um matiz de nuvem: depois, as vistas de campo, folhagem rendilhada em bicos, pardieiros em demolição pitoresca da escola francesa, como ruínas de pau podre, armadas para os artistas. Depois de muito moinho velho, muita vivenda de palha, muito casarão deslombado, mostrando as misérias como um mendigo, muita pirâmide de torre aldeã es- boçada nos últimos planos, muita figurinha vaga de camponesa, 22 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio lenço em triângulo pelas costas, rotundas ancas, saias grossas em pregas, sapatões em curva, passei ao desenho das grandes cópias, pedaços de rosto humano, cabeças completas, cabeças de corcel; cheguei à ousadia de copiar com toda a magnificên- cia das sedas, toda a graça forte do movimento, uma cabra de Tibete! Depois da distinção do curso primário, foi esta cabra o meu maior orgulho. Retocada pelo professor, que tinha o bom gosto de fazer no desenho tudo quanto não faziam os discípulos, a cabra tibetana, meio metro de altura, era aproximadamente obra-prima. Ufanava-me do trabalho. Não quis a sorte que me alegrasse por muito. Negaram-me à bela cabra a moldura dos bons trabalhos; ainda em cima – considerem o desespero! exa- tamente no dia da exposição, de manhã, fui encontrá-la borrada por uma cruz de tinta, larga, de alto a baixo, que a mão benigna de um desconhecido traçara. Sem pensar mais nada, arranquei à parede o desgraçado papel e desfiz em pedaços o esforço de tantos dias de perseverança e carinho. Quando os visitantes invadiram a sala, notaram na linha dos tra- balhos suspensas duas enigmáticas pontas de papel rasgado. Estranhavam, ignorando que ali estava, interessante, em último capítulo, a história de uma cabra, de uma cruz, dramade deses- pero e espólio miserando de uma obra-prima que fora. As exposições artísticas eram de dois em dois anos [...]. Conse- guia-se assim uma quantidade fabulosa de papel riscado para maior riqueza das galerias. Cobria-se o metim desde o soalho até ao teto. Havia de tudo, não só desenhos. Alguns quadros a óleo, do Altino, risonhas aquarelas acidentando a monotonia cinzenta do Fáber, do Conté, do fusain [carvão]. Os futuros engenheiros aplicavam-se às aguadas de arquitetura, aos desenhos coloridos de máquinas. (POMPEIA, 2003 [1888], p. 110-111) Apesar de as mulheres estarem excluídas do ensino formal até 1827, quando a Lei Geral instituiu a abertura de escolas primárias para meninas, com matérias específicas e professoras também do sexo fe- minino, a instrução que recebiam até então em casa ou em conventos incluía o ensino artístico, especialmente pelas “prendas úteis à econo- mia doméstica”, como costura e bordado. Em 1881 são admitidas no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro. Convém lembrar que elas interessavam à indústria, na qualidade de mão de obra barata. O século XIX foi marcado pela passagem da tutela da educação, antes responsabilidade das famílias e da Igreja, para o Estado e pela preocupação com a instrução pública, gratuita e laica, a qual vai se Metodologia do ensino da Arte na escola 23 acentuar na passagem para o século XX. Nesse sentido, o ensino do desenho, que já existia nos estabelecimentos que atendiam às famílias mais abastadas, passa a compor também os currículos escolares da educação popular. Na primeira metade do século XX, sucessivas reformas – reforma Carlos Maximiliano, aprovada pelo Decreto n. 11.530, de 1915; reforma Francisco de Campos, aprovada pelo Decreto n. 19.890, de 1931; e a Lei Orgânica do Ensino Secundário, aprovada pelo Decreto n. 4.244, de 1942 – reforçaram a presença do desenho nos quadros do ensino de 1° e 2° graus 1 , juntamente com a música (canto orfeônico) e, mais tarde, os trabalhos manuais. Na escola elementar, o programa de ensino incluía três tipos de de- senho: o de observação, o decorativo e o geométrico. O desenho de observação iniciava-se pela cópia de imagens, passando-se à de obje- tos e, por fim, da natureza; o desenho decorativo consistia na cópia de desenhos de ornatos, ou seja, elementos arquitetônicos e decorativos que representavam formas da natureza, como plantas e conchas, de maneira estilizada; e, finalmente, o desenho geométrico pressupu- nha o traço de formas e construções geométricas à mão livre ou com instrumentos. Desde a segunda metade do século XIX até a primeira do XX, esta- belece-se, então, uma tendência pedagógica centrada no resultado ou produto do trabalho escolar, conhecida na historiografia da educação como Pedagogia Tradicional. Nessa linha, os conteúdos eram fixados por meio de exercícios de repetição, com a finalidade de desenvolver o sentido da visão, a memória e as habilidades motoras e morais, bem como o gosto artístico. Verifica-se, como se depreende do texto citado de Raul Pompeia, uma preocupação com a exposição dos trabalhos dos alunos no desfecho dos períodos escolares, sendo que eles mesmos to- mam parte em sua organização. Tais mostras constituíam, além disso, um importante canal de comunicação entre a escola e a comunidade. A relação entre professor e aluno apresenta, nessa tendência, um caráter autoritário. A postura do professor é intervencionista, na me- dida em que o objetivo da aprendizagem é reproduzir o mais perfeita- mente possível um modelo externo. Nesse sentido, os conteúdos são trabalhados como fins em si mesmos, desvinculados da realidade so- cial e das diferenças individuais. Assim chamados desde a reforma Benjamin Constant, de 1891, até a Lei n. 9.394, de 1996, quando passam a ser referidos como ensino fundamental e médio. 1 Canto orfeônico significa canto coral sem acompanhamento musical, não exigindo treina- mento vocal prévio e voltado ao ensino de grandes massas populares. Foi instituído a partir de 1930 na escola brasileira pelo compositor Heitor Villa-Lobos (1887-1959), que o entendia como um meio de desenvolver a sensibilidade musical, o sentimento cívico (pelo estudo das melodias folclóricas) e a sociabilidade. Saiba mais 24 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio O Movimento da Escola Nova, de abrangência internacional, surge no Brasil nos anos 1930, paralelamente ao advento do modernismo na cena artística, e é difundido nos anos 1940 e 1960. O Manifesto dos pioneiros da educação nova (1932), redigido por Fernando de Azevedo (1894-1974), defendia que a educação deveria servir aos interesses do indivíduo e não de classe, devendo estar acessível a todo cidadão. Tam- bém reivindicava a coeducação dos sexos, até então mantidos em clas- ses separadas. Apesar de defender uma escola única – pública, laica e gratuita – para todas as camadas sociais, na prática, a rede de ensino particular foi oficializada e estimulada pela legislação. A tendência pedagógica consubstanciada por esse movimento ficou conhecida como Pedagogia Nova. Seu caráter experimental fundamen- tava-se em estudos do campo da psicanálise, da psicologia cognitiva e da percepção (em especial a Gestalt, “configuração” em alemão). As pes- quisas do pedagogo belga Jean-Ovide Decroly (1871-1932), do pedago- go francês Célestin Freinet (1896-1966) e do filósofo norte-americano John Dewey (1859-1952) influenciaram a atuação dos professores no Brasil. Suas obras, pela ênfase dada ao interesse como mola propul- sora do pensamento e da expressão, bem como ao aprendizado pela experiência (individual e em grupo), ajudaram a promover a transfe- rência, que caracteriza a Pedagogia Nova, do centro de gravidade da escola do professor para o aluno. Em 1948, teve início o projeto das Escolinhas de Arte do Brasil, idea- lizado pelo artista e educador Augusto Rodrigues (1913-1993), com a primeira unidade sendo instalada nas dependências da Biblioteca Cas- tro Alves, no Rio de Janeiro, depois levada a outros estados. A proposta foi estruturada sobre a tese defendida pelo historiador e crítico inglês Herbert Read (1893-1968) em seu livro A educação pela arte, publicado em 1943, de que “a arte deve ser a base da educação” e de que “o ob- jetivo da educação é a criação de artistas – de pessoas eficientes nos vários modos de expressão” (READ, 2001, p. 12). Além disso, Read de- monstrava especial interesse pelas manifestações artísticas da criança. Nas Escolinhas de Arte o papel do professor era o de transmitir às crianças técnicas e conhecimentos sobre os materiais, bem como propiciar o melhor ambiente possível para a criação. Suas orientações reconheciam e valorizavam o desenho espontâneo, ou a livre expres- Metodologia do ensino da Arte na escola 25 são. Sobre a postura não intervencionista dos professores, Rodrigues declara: Deveríamos ter um comportamento aberto, livre com a crian- ça; uma relação em que a comunicação existisse através do fazer e do reconhecimento da importância do que era feito pela criança e da observação do que ela produzia. De estimulá-la a trabalhar sobre ela mesma, […] desviando-a da competição. (INEP, 1980, p. 34) Na esteira do movimento, que em muitos casos degenerou em um “deixar-fazer”, a arte passou a ser vista na escola elementar mais como atividade do que propriamente disciplina, com conhecimentos especí- ficos e sistematizados. Assim, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) n. 4.024, de 1961, organizou o currículo escolar em dis- ciplinas, práticas educativas e atividades complementares. No ensino gi- nasial (hoje anos finais do fundamental), a arte foi inserida entre as práticas educativas, entendidas como atividades que estimulavam o desenvolvimento da personalidade dos jovens em suas dimensões físi- ca, artística, cívica, moral e religiosa. No colegial (hoje ensino médio), a arte era uma atividade complementar, ou seja, ofertadafora do horário regular de aula. As linguagens ensinadas restringiam-se ao campo da música e das artes plásticas. Dez anos depois, a LDB n. 5.692, de 1971, instituiu a obrigatorieda- de do ensino da arte no 1° e no 2° grau sob o nome de Educação Artís- tica. Embora a terminologia tenha mudado, a conotação de atividade permaneceu. Deixam de existir matérias separadas para cada lingua- gem – Desenho, Trabalhos Manuais, Artes Aplicadas, Educação Musical –, e os professores precisam complementar sua formação: nasce aqui a polivalência. A Lei 5.692, de 1971, é considerada um marco da tendência peda- gógica dita tecnicista. Na Pedagogia Tecnicista há uma ênfase no siste- ma técnico de organização das aulas, definido pelo planejamento e do qual cada professor é o responsável. Por meio dele, o profissional deve definir os objetivos, os conteúdos, as estratégias e a avaliação das suas aulas. Com isso, a dinâmica de ensino e aprendizagem fi- cou em segundo plano. Na prática, verifica-se a ausência de bases teóricas mais fundamentadas e grande recorrência a apostilas e ma- nuais curriculares. O Decreto federal n. 51.215, de 1961, havia tornado obrigatório o ensino da Educação Musical nas escolas primária e secundá- ria. Essa nova orientação acabou substituindo a do canto orfeôni- co. Seu objetivo era desenvolver a percepção auditiva, o ritmo e a expressão corporal, estimulando a experimentação com sons e instrumentos. Foi influenciada pelos trabalhos do alemão Carl Orff (1895-1982), do suíço Emile Jaques Dalcroze (1895-1950) e do húngaro Zoltan Kodály (1882-1967). Saiba mais 26 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio Nos anos 1960, o método de alfabetização de adultos proposto pelo pernambucano Paulo Freire (1921-1997) repercutiu em todo o país. In- fluenciado pelo educador e intelectual escolanovista Anísio Teixeira (1900-1971), cujas ideias pedagógicas eram uma interpretação original das de Dewey, o método de Freire coloca a comunidade como ponto de partida e de chegada do ensino. O principal instrumento da educação é o diálogo que problematiza situações vividas pelos alunos e leva à crítica da realidade ou processo de conscientização. O objetivo da educação, para Freire, é a transformação social, não a obtenção de um diploma. Ao longo de sua atuação, ele reviu sua terminologia e o seu método foi chamado sucessivamente de pedagogia do oprimido, pedagogia da esperança e, fi- nalmente, pedagogia da autonomia. Ele é abrangente o suficiente para ser adaptado a qualquer disciplina do currículo escolar. A obra de Freire é a principal referência dentro da tendência pedagógica chamada Pedagogia Realista-Progressista ou simplesmente Pedagogia Crítica. Em resumo, podemos pontuar alguns eventos e ideias importantes na história da disciplina de Arte na educação básica brasileira até os anos 1970: • A concentração do ensino das artes visuais, desde o século XIX até as primeiras décadas do XX, no ensino do desenho (de obser- vação, decorativo, geométrico) como preparação para o trabalho na indústria. • A influência das Pedagogias Tradicional e Nova sobre o ensino ar- tístico ao longo do século XX – por um lado, a ênfase nas aptidões individuais, na reprodução de modelos, no preparo para a vida prática e no desenvolvimento da inteligência; por outro, a ênfase no cooperativismo, na espontaneidade, na experimentação psi- cológica e no desenvolvimento integral da pessoa. • A promulgação da LDB n. 4024, de 1961, que transformou a dis- ciplina de Arte em "prática educativa" (no ensino ginasial, hoje fundamental) e "atividade complementar de iniciação artística" (no ensino colegial, hoje médio). • A introdução da disciplina de Educação Artística pela LDB n. 5692, de 1971 e, com ela, do professor polivalente. • O tecnicismo, no qual desembocou o foco excessivo sobre a elaboração de planejamentos, incorporados à rotina buro- crática escolar, o que deixou à sombra a própria dinâmica de ensino-aprendizagem. No documentário Paulo Freire Contemporâneo, dirigido por Toni Venturi, você pode conhecer me- lhor a trajetória e a obra de Paulo Freire, desde o projeto de alfabetização de adultos em Angicos (RN), passando pelo exílio durante a ditadura militar e a escrita de Pedagogia do Oprimido, até o estudo e a aplicação das suas ideias no Brasil e no mundo atualmente. Disponível em: https://youtu. be/5y9KMq6G8l8. Acesso em: 7 jun. 2021. Em comemoração ao cen- tenário do nascimento de Freire, em 2021, a TV Cultura promoveu um de- bate entre Mário Sergio Cortella e Sérgio Haddad em torno do pensamento do educador. Você pode conferi-lo no canal da emissora no YouTube. Disponível em: https://youtu.be/ cKH8_4dXhUM. Acesso em: 7 jun. 2021. Vídeo https://youtu.be/5y9KMq6G8l8 https://youtu.be/5y9KMq6G8l8 https://youtu.be/cKH8_4dXhUM https://youtu.be/cKH8_4dXhUM Metodologia do ensino da Arte na escola 27 • A atuação de Paulo Freire como professor e teórico, que forne- ceu um novo quadro didático-metodológico para o trabalho nas disciplinas escolares em geral e cujo fim é a transformação da realidade social. Desses eventos e ideias podemos extrair o seguinte quadro de ten- dências pedagógicas: Quadro 1 Tendências pedagógicas e suas características metodológicas Tendência pedagógica Características metodológicas Pedagogia Tradicional - Ênfase no resultado do trabalho escolar. - Baseada na reprodução de modelos. - Relação autoritária professor-aluno. - O professor interfere no trabalho do aluno. - Educação como preparação para o trabalho. Pedagogia Nova - Ênfase no processo do trabalho escolar. - Baseada na criatividade e na espontaneidade. - Relação autoritária aluno-professor. - O professor propicia um ambiente para a criação. - Educação como preparação para a vida. Pedagogia Tecnicista - Ênfase nos aspectos burocráticos da prática pedagógica. - Baseada na capacidade técnica do professor de definir as concepções e as ações antes e depois da atuação em sala. - Foco sobre mecanismos de controle e verificação. - Educação como procedimento técnico, cujo objetivo é garantir a eficácia do processo de ensino-aprendizagem. Pedagogia Realista-Progressista ou Crítica - Ênfase no contexto social do trabalho escolar. - Baseada no diálogo. - Relação horizontal professor-aluno. - O professor é um agente problematizador; ele questiona. - Educação como caminho para a ação política e transformação do contexto social. Fonte: Elaborado pela autora com base nos textos de Ferraz e Fusari, 2018, e Ghiraldelli Jr., 2015. A aplicação mecânica e irrefletida dos encaminhamentos meto- dológicos das diferentes tendências pedagógicas levou, no ensino da arte, a algumas distorções de sentido. No caso da Pedagogia Tra- dicional, conduziu ao exercício de reprodução pura e simples de um modelo, desvinculado do contexto e das diferenças individuais e, no caso da Pedagogia Nova, à liberdade total de ação, sem nenhum tipo de orientação ou parâmetro. 28 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio A tendência Tecnicista, por sua vez, quando levada ao extremo, transformou o planejamento, que deveria ser um momento de re- flexão sobre a prática e de diálogo com os pares, em um pesadelo burocrático-pedagógico de preenchimento de formulários e tabe- las. Finalmente, se mal conduzida, a pedagogia libertadora de Paulo Freire pode apenas reforçar problemas estruturais, culminando na sensação de impotência e de que não se está avançando. Cada tendência pedagógica possui características historicamente definidas, mas isso não significa que, por se situarem no passado, devam ser descartadas em sua totalidade. Uma divergência nem sempre é uma refutação, assim como uma inovação não represen- ta necessariamente um avanço. Cabe ao professor avaliar em quais momentos e situações as características metodológicas de cada ten- dência podem se tornar promissoras, tendo em vistaos objetivos a serem alcançados. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os diferentes métodos (caminhos) e metodologias (estudo dos ca- minhos) adotados no ensino da arte na educação básica ligam-se à atividade de ensino e pesquisa no ensino superior (onde os professo- res são formados), à própria arte como atividade social (à sua esfera de produção e circulação independente das instituições de ensino) e à cultura escolar propriamente dita (com saberes e práticas simbólicas específicas). Essas três esferas estão conectadas durante a atuação do professor de Arte. Podemos observar, ao longo do tempo, o uso de determinados mé- todos de ensino e aprendizagem em detrimento de outros, de acordo com o contexto histórico e social. Mudanças nesse contexto levam a mudanças de paradigma, que, por sua vez, levam a mudanças de con- texto. Novas propostas surgem, enquanto outras são deixadas de lado. Assim, a arte fundamentada na estética clássica e moderna representa, no ensino, a substituição de uma prática centrada na cópia por outra centrada na criatividade e na inventividade. Metodologia do ensino da Arte na escola 29 É necessário refletir, considerando cada realidade escolar, sobre os aspectos que ainda podem ser válidos em encaminhamentos metodo- lógicos do passado e aqueles que deixaram de ter sentido. Por isso, independentemente do método ou da metodologia escolhida, deve- mos manter nosso senso crítico alerta, usando a intuição para relativi- zar conhecimentos adquiridos. Além disso, é importante manter-se em contato com a academia de algum modo, em uma perspectiva de for- mação continuada, e também com a arte que ocorre ao nosso redor. ATIVIDADES 1. Faça uma pesquisa nas bibliotecas digitais que disponibilizam dissertações e teses de diferentes universidades (dê preferência àquelas da sua cidade ou próximas) e liste os títulos dos trabalhos defendidos no último ano no campo do ensino da arte na escola que mais chamaram a sua atenção. Você pode usar os termos de busca arte+educação, arte+ensino, arte+aprendizagem ou arte+metodologia. Com base nessa lista, tente definir quais são os aspectos comuns entre as diferentes pesquisas. Você estará, nesse processo, delimitando o paradigma ao qual elas estão respondendo. 2. Procure se lembrar da sua experiência como aluno na escola e descreva alguma situação em sala, durante as aulas de Arte, que marcou você, na qual considera que aprendeu algo. Tente definir o que você aprendeu e como ou por que aprendeu. 3. Quais foram as consequências da aplicação irrefletida das Pedagogias Tradicional e Nova no campo do ensino da arte na escola brasileira? REFERÊNCIAS BARBOSA, R. Reforma do Ensino Secundário e Superior (1882). In: BARBOSA, R. Obras completas. v. IX, tomo I. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1942. BARBOSA, R. Reforma do ensino primário e várias instituições complementares da instrução pública (1883). In: BARBOSA, R. Obras completas. v. X, tomo I ao IV. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1947. BARBOSA, A. M. Redesenhando o desenho: educadores, política, história. São Paulo: Cortez, 2015. BARBOSA, A. M. O ensino da arte e do design no Brasil: unidos antes do modernismo. Revista Digital do LAV, Santa Maria, v. 8, n. 2, p. 143 -159, maio/ago. 2015. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5902/1983734819869. Acesso em: 7 jun. 2021. Vídeo http://dx.doi.org/10.5902/1983734819869 30 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio BOSI, A. Reflexões sobre a arte. 7. ed. São Paulo: Ática, 2002. CHEVALLARD, Y. La transposition didactique: du savoir savant au savoir enseigné. Paris: La Pensée Sauvage, 1998. CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação, n. 2, p. 177-229, 1990. FERRAZ, M. H. C. de T.; FUSARI, M. F. de R. e. Metodologia do ensino da arte: fundamentos e proposições. 3. ed. rev. ampl. São Paulo: Cortez, 2018. GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1978. GHIRALDELLI Jr., P. História da educação brasileira. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2015. HOUAISS, A. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. ITAÚ CULTURAL; DATAFOLHA. Hábitos culturais: expectativa de reabertura e comportamento digital. 2020. Disponível em: https://portal-assets.icnetworks.org/ uploads/attachment/file/100597/habitos_culturais.pdf. Acesso em: 7 jun. 2021. INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. 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O Brasil passa a ter orientações curriculares elaboradas pelo Estado a partir da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) em 1996, cujo artigo 26 previa, junto a uma parte diversificada, um núcleo comum para os currículos nacionais. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) foram elaborados, então, para guiar a construção do currículo por cada escola brasileira. Métodos e metodologias são estabelecidos de acordo com o currículo escolar, por isso é importante você refletir sobre essas diretrizes, especialmente para a disciplina de Arte, o que fare- mos neste capítulo. Tenha em mente, também, que a LDB de 1996 é marcada pela racionalidade neoliberal, uma lógica normativa na qual as relações sociais são regidas pela acumulação de capital, pelo individualismo e pela concorrência. Assim, em um país marca- do por grandes diferenças entre ricos e pobres, a rede privada de ensino conquistou espaço ao lado da pública. Mais ainda, a lógica empresarial penetrou no ensino público. Duas conse- quências disso são: currículos centrados em competências, que objetivam formar indivíduos flexíveis e adaptáveis; e professores – não políticas e sistemas educacionais – responsabilizados pelo fracasso escolar. 32 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio 2.1 Parâmetros Curriculares Nacionais Vídeo Vamos começar com um pouco de história, com vistas a entender as bases teóricas utilizadas pelo Estado na elaboração dos PCN-Arte para o ensino fundamental (1997) e o ensino médio (1999 e 2002). Nos anos 1970, no Brasil, foram constituídos os primeiros cursos de licenciatura em Educação Artística e também a pós-graduação em Ensino da Arte. Nos anos 1980 que se seguiram, o movimento Arte- -Educação abriu mais espaço para discussões sobre a valorização e o aprimoramento do professor de Arte. Iniciativas de organização de educadores culminaram na criação da Federação de Arte Educadores do Brasil (FAEB). Seu primeiro congresso, realizado em 1988, versou so- bre a formação do professor – uma grande preocupação dessa década – em consequência da inserção da disciplina de Educação Artística no currículo escolar pela Lei n. 5.692, de 1971, e a consequente introdução da polivalência. Após a Constituição de 1988, durante as discussões sobre a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), houve uma grande mobilização pela inclusão da obrigatoriedadedo ensino da arte na es- cola. Com a promulgação da LDB n. 9.394, em 1996, a obrigatoriedade foi sancionada nos diferentes níveis da educação básica. Na esteira da reflexão difundida pelo movimento Arte-Educação e do estímulo ou- torgado pela aprovação da referida lei, os anos 1990 trouxeram à luz novas tendências curriculares, reivindicando a identificação e o reco- nhecimento da área de arte, não mais de educação artística, com as im- plicações conceituais que essa mudança de entendimento trazia, pois a arte na escola deixava então de apresentar o status de atividade ou recreação para ganhar, efetivamente, aquele de disciplina, com um con- junto de conhecimentos sistematizados e de práticas estruturadas. As pesquisas e experiências orientadas por Ana Mae Tavares Bastos Barbosa (1936-) nos anos 1990, quando foi diretora do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, levaram-na ao desenvolvimento de um encaminhamento metodológico conheci- do como Abordagem Triangular 1 . Ele foi a teoria basilar dos Parâme- tros Curriculares Nacionais definidos para a área de arte no ensino fundamental em 1997, depois de três anos de debate entre especia- listas. Antes de analisarmos o documento, então, convém entender A FAEB organiza anual- mente congressos que reúnem professores de Arte e especialistas de todo o Brasil e do exterior para comparti- lhar experiências e refletir sobre os problemas e as tendências quanto ao ensino da arte na escola. Na aba publicações do site da Federação, você pode acessar os anais desses eventos. Disponível em: https://faeb.com. br/. Acesso em: 7 jun. 2021. Site A autora o defendeu inicialmen- te como metodologia triangular, depois alterou o nome para pro- posta triangular e, finalmente, para abordagem triangular. 1 https://faeb.com.br/ https://faeb.com.br/ Diretrizes curriculares nacionais 33 melhor as origens da abordagem de Ana Mae Barbosa. Basicamente, ela estrutura a prática docente sobre três eixos fundamentais: o fazer artístico (produção), a apreciação da obra de arte (fruição) e sua con- textualização histórica (reflexão). Ana Mae Barbosa (1991; 1998; 2010) afirma que a Abordagem Triangular foi resultado da “deglutição” de três outras abordagens epistemológicas: Discipline Based Art Education (DBAE, Arte-Educação como disciplina, EUA); Critical studies (Inglaterra); e Escuelas al Aire Libre (México). O DBAE é uma abordagem (não um currículo estático) que se desen- volveu nos Estados Unidos a partir dos anos 1960, quando uma nova ênfase na arte como atividade intelectual/cognitiva, além de emocional/ afetiva, ganhou corpo, especialmente após as teorias do currículo de- fendidas por Manuel Barkan (1913-1970) . Seguiu-se, assim, uma série de iniciativas em todo o país que articulavam a apreciação estética, o conhecimento do patrimônio cultural e a expressão criativa. O termo Arte-Educação como disciplina foi cunhado nos anos 1970 para referir-se a esse movimento que deu origem a várias reformas curriculares nos Estados Unidos. Ana Mae aproximou-se do contexto do ensino da arte norte-ame- ricano exatamente nessa época, quando realizou seus estudos de mestrado e doutorado no Southern State College, em Connecticut, e na Universidade de Boston, respectivamente, interessada na influência que as obras de Walter Smith e John Dewey exerceram sobre o ensino da arte no Brasil. Ela teve contato com as ideias do DBAE por meio dos trabalhos de Elliot Eisner, Ralph Smith, Brent Wilson e Marjorie Wilson. Nos anos 1980, esses autores trabalharam sobre essa abordagem, cuja base eram as disciplinas de Produção Artística, Crítica de Arte, História da Arte e Estética. Entendiam por disciplinas um conjunto de conhecimentos e procedimentos que facilitam a investigação dentro de um campo de estudos. Assim, segundo os princípios do DBAE incorporados por esses autores, a experiência dos estudantes diante de obras de arte pode- ria ser ampliada por meio: 1) do fazer artístico; 2) da apreciação das propriedades e qualidades das formas visuais; 3) do conhecimento das contribuições que a arte e os artistas fizeram à sociedade e à cultura ao longo do tempo; e 4) do entendimento de como as pessoas tecem juízos sobre objetos artísticos. Depois de se formar em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, Ana Mae fez um curso com Paulo Freire para in- gressar como professora na Escolinha de Arte do Recife. No primeiro dia de aula, Freire pediu que os alunos escrevessem por que queriam ser profes- sores. Ela escreveu que não queria, mas estava sendo obrigada, e Freire a chamou para uma conversa, convencen- do-a de que a educação poderia ser libertadora: “foi então que me en- cantei com a educação”, afirma. Foi também nesse curso que ela teve o seu primeiro contato com a Arte-Educação. Leia a matéria completa sobre a trajetória de Ana Mae no Jornal da USP. Disponível em: http://www. jornaldocampus.usp.br/index. php/2013/04/a-trajetoria-de-ana- mae-e-o-entusiasmo-pela-arte- educacao/. Acesso em: 7 jun. 2021. Leitura http://www.jornaldocampus.usp.br/index.php/2013/04/a-trajetoria-de-ana-mae-e-o-entusiasmo-pela-arte-educacao/ http://www.jornaldocampus.usp.br/index.php/2013/04/a-trajetoria-de-ana-mae-e-o-entusiasmo-pela-arte-educacao/ http://www.jornaldocampus.usp.br/index.php/2013/04/a-trajetoria-de-ana-mae-e-o-entusiasmo-pela-arte-educacao/ http://www.jornaldocampus.usp.br/index.php/2013/04/a-trajetoria-de-ana-mae-e-o-entusiasmo-pela-arte-educacao/ http://www.jornaldocampus.usp.br/index.php/2013/04/a-trajetoria-de-ana-mae-e-o-entusiasmo-pela-arte-educacao/ 34 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio É importante observar que, na Abordagem Triangular de Ana Mae, produção artística, crítica de arte, história da arte e estética aparecem como ações integradas na prática docente – fazer, apreciar, contextuali- zar –, não como disciplinas separadas que informam essa mesma prá- tica. Além disso, o DBAE estava centrado na ideia de arte como um conjunto de objetos específicos e não como um entre outros compo- nentes da cultura visual. Em 1982, quando passou um ano como professora visitante na University of Central England, em Birmingham, Inglaterra, Ana Mae teve contato com os Critical Studies, um movimento intelectual que pensava a arte, no âmbito do ensino, como expressão e cultura e cujo fundamento na teoria crítica de base marxista apresentava conexões com o pensamento do seu mestre Paulo Freire. Dessa maneira, a ideia de que a alfabetização visual, em uma perspectiva crítica e transforma- dora, pode contribuir tanto para a realização de leituras de obras de arte quanto do mundo acrescentou uma dimensão à abordagem de Ana Mae que foge ao foco do DBAE. Finalmente, ainda nos anos 1980, pesquisando sobre o ensino da arte na América Latina, Ana Mae descobriu as Escuelas al Aire Libre no México, uma experiência do ensino da arte incentivada pelo político, educador e filósofo, então à frente da Secretaria Pública de Educação, José Vasconcelos (1882-1959), e que teve lugar nos anos 1920 e 1930 em diferentes cidades do país, em paralelo ao movimento muralista mexicano. Seu objetivo foi proporcionar aos membros das classes mar- ginalizadas (indígenas-camponesas) o acesso a um ensino centrado em sua própria cultura e criatividade, no contexto mais amplo do desenvol- vimento de uma arte com raízes nacionais. Adolfo Best Maugard (1891-1964), chefe do Departamento de Edu- cação Artística sob a gestão de Vasconcelos, publicou, em 1923, pela Secretaria de Estado, seu Método de Dibujo: tradición, resurgimiento y evolución del arte mexicano, baseado na arte popular do seu país (e não nos cânones artísticos europeus). Segundo Ana Mae, o método Maugard pretendia recuperar os padrões artísticos e artesanais mexi- canos, constituir uma gramática visual mexicana e incentivar a aprecia- ção da arte local por meio da expressão individual. Foi justamente essaatenção à arte local, associada à preocupação com a matriz indígena da cultura mexicana e a educação de seus descendentes, que atraiu Barbosa nas propostas das Escuelas e de Maugard. No livro organizado por Ana Mae Barbosa, Arte-educação: leitura no subsolo, publicado em 1997, você vai encontrar textos de Elliot Eisner, Ralph Smith, Brent e Marjorie Wilson traduzi- dos para o português. BARBOSA, A. M. (Org.). 9. ed. São Paulo: Cortez, 2005. Livro Diretrizes curriculares nacionais 35 Tendo mais claras as origens da Abordagem Triangular, a qual se encontra na base dos PCN-Arte, convém agora nos voltarmos aos do- cumentos elaborados com o objetivo de oferecer subsídios à definição das propostas curriculares das diferentes escolas públicas e privadas do país. Os PCN-Arte do ensino fundamental (1997, p. 48) sugerem, de um modo bastante amplo, que ao concluir a 8ª série, hoje 9° ano, os estudantes devem ser capazes de: • expressar e saber comunicar-se em artes, preservando uma ati- tude de busca pessoal e coletiva; • interagir com materiais, instrumentos e procedimentos variados em artes visuais, dança, música e teatro; • erigir uma relação de autoconfiança com a produção artística pessoal; • identificar e compreender a arte como fato histórico contextuali- zado nas diversas culturas; • exercer seu senso crítico, amparado em uma apreciação artística sensível. Além dessas competências, a seleção dos blocos de conteúdos re- ferentes às quatro linguagens artísticas – artes visuais, música, teatro e dança – envolve critérios que têm como base a produção (a expres- são e comunicação na prática dos alunos em cada linguagem), a fruição (cada linguagem como objeto de apreciação significativa) e a reflexão (cada linguagem como produto cultural e histórico). No caso específico das artes visuais (1997, p. 66-69), por exemplo, os blocos de conteúdo dos anos finais do ensino fundamental levam em conta: 1. a expressão e comunicação na prática dos alunos em artes visuais: experimentação com diversos materiais e suportes, análise dos resultados com base no conhecimento dos elementos básicos da linguagem visual; 2. as artes visuais como objeto de apreciação significativa: contato sensível, reconhecimento e criticidade quanto à presença das formas visuais nas múltiplas épocas e sociedades; 3. as artes visuais como produto cultural e histórico: valorização das artes visuais para a coletividade e o indivíduo e frequentação dos espaços onde acontecem. No artigo “Escuelas de Pintura al Aire Libre do México: liberdade, forma e cultura”, Ana Mae dis- corre sobre essa iniciativa de ensino da arte dirigida às populações indígenas e camponesas do México nos anos 1920. BARBOSA, A. M. In: PILLAR, A. Dutra (Org.). A educação do olhar no ensino das artes. 6. ed. Porto Alegre: Mediação, 2011. p. 85-99. Leitura 36 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio Os temas transversais definidos nos PCN atravessam o ensino de to- das as disciplinas escolares e possuem, portanto, um caráter trans e in- terdisciplinar. Eles se referem à pluralidade cultural, à orientação sexual e ao meio ambiente. Os PCN do ensino médio (PCNEM, homologados em 1999) seguem a mesma orientação geral do ensino fundamental, embora destaquem, além das linguagens tradicionais, as artes audiovisuais (como o vídeo e o cinema) e informáticas (arte feita no computador). Além disso, a arte encontra-se inserida na grande área Linguagens, códigos e suas tec- nologias, junto com Português, Língua Estrangeira Moderna, Educação Física e Informática. Os PCNEM foram organizados, sobretudo, de acordo com compe- tências e habilidades a serem desenvolvidas. Dessa maneira, são lista- das ações que os alunos devem ser capazes de realizar ao concluir essa etapa, ligadas 1) à representação e comunicação (realizar produções artísticas e apreciar produtos artísticos); 2) à investigação e compreen- são (analisar, refletir e compreender diferentes processos artísticos); e 3) à contextualização sociocultural (analisar, refletir, respeitar e preser- var as diferentes manifestações artísticas, sejam nacionais ou estran- geiras, em sua dimensão sócio-histórica). Foi publicado, em 2002, um segundo documento para o ensino mé- dio, chamado de PCN+, que detalhava e complementava alguns con- ceitos expostos no anterior. No caso da Arte, destaca-se a ênfase dada às competências, que devem estar na base, ao lado do projeto políti- co-pedagógico de cada escola, do recorte de conteúdos presente no currículo. Segundo o documento, ao enfatizar competências, ou seja, “um saber mobilizar recursos para enfrentar um conjunto de situações complexas” (BRASIL, 2002, p. 182), o objetivo é facilitar a criação de pro- jetos interdisciplinares, que têm como base a articulação de competên- cias comuns à disciplina de Arte e à grande área de Linguagens, códigos e suas tecnologias, bem como a outras áreas do currículo. O que os pesquisadores da educação vêm discutindo, no entanto, é que a ênfase nas competências, no saber fazer, entra em contradição com a ideia de formação integral própria da educação básica, na qual a articulação de conhecimentos visa ao desenvolvimento do ser humano em suas diferentes dimensões, para além daquela profissional, ligada ao trabalho. A tendência de substituir uma pedagogia dos conhecimentos por outra das competências é mais ampla no campo da educação e tem raízes na racionalidade neoliberal. Você vai encontrar uma crítica fundamentada a essa tendência global no livro A escola não é uma empresa: o neo-liberalis- mo em ataque ao ensino público. LAVAL, C. Londrina: Planta, 2004. Livro Diretrizes curriculares nacionais 37 Há no PCN+, ainda, um alargamento maior do campo das lingua- gens: além do audiovisual e das tecnologias digitais mencionadas no documento anterior, são incluídas a publicidade, a arquitetura, o de- sign, entre outras, no campo de interesse da disciplina de Arte. Assim, não somente linguagens propriamente artísticas, mas também visuais, sonoras, gestuais, em geral, são passíveis de serem tomadas como ob- jeto de trabalho. Mesmo que apresentem um caráter não autoritário, evidente no próprio título por meio da palavra parâmetros, essas orientações pre- determinam, em alguma medida, a ação docente, uma vez que, ao apontar critérios para recortes de conteúdos, indicam indiretamen- te objetivos e métodos. O professor começa a trabalhar munido de um discurso pedagógico legitimado politicamente. Por um lado, esse discurso proporciona-lhe certa segurança; por outro, antecede a sua própria experiência, o que lhe deixa, paradoxalmente, sem muitos pa- râmetros para avaliar os parâmetros. É importante, desse modo, inserir esse discurso “oficial” dentro do contexto das condições de trabalho do professor da educação básica, que incluem: proporção entre o tempo em sala de aula, o tempo de pre- paração das aulas, de avaliação e de pesquisa/atualização; quantidade de alunos por sala e infraestrutura disponível (incluindo sala adequada para as aulas de Arte e possibilidade de trabalhar com reproduções de imagem, materiais plásticos, instrumentos musicais, jogos teatrais, téc- nicas corporais etc.); autonomia real para criar e conduzir as próprias aulas (em relação ao projeto curricular e à interferência dos diretores, coordenadores pedagógicos e também dos pais dos alunos); valor do salário em relação ao custo de vida; modos de avaliação institucional sobre a sua “produtividade” como funcionário; competição dentro da escola institucionalmente promovida versus a criação de um senso de coletividade e uma consciência de classe. Outra variável a ser confrontada com esse discurso é a experiência do professor dentro de cada escola em particular, tendo em vista um público com demandas específicas. Depois de realizar esse balanço en- tre o discurso oficial e a realidade das suas condições de trabalho e da sua experiência docentedentro de uma dada comunidade, o professor pode realmente ser crítico e se posicionar a respeito desse mesmo dis- curso, bem como agir de acordo com suas conclusões. 38 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio 2.2 Base Nacional Comum Curricular Vídeo Os PCN não possuem um caráter de obrigatoriedade, funcionando como uma orientação. Já a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), conforme previsto no artigo 26 da LDB de 1996, deve ser necessaria- mente contemplada nos projetos curriculares definidos por cada esta- belecimento de ensino 2 . Suas considerações pretendem ser amplas o suficiente para que cada escola as adapte à sua própria realidade, limitando-se a tratar do o quê e não do como ensinar. A BNCC foi homologada em 2017 (ensino fundamental) e 2018 (en- sino médio) depois de algumas consultas públicas e pareceres de es- pecialistas, mas a participação efetiva da população e da comunidade acadêmica e escolar em sua elaboração tem sido questionada. De acor- do com essas críticas, as unidades escolares e os professores ainda são tidos como meros executores, não partícipes ativos na construção e na implementação de políticas públicas na área da educação. A equipe do Ministério da Educação defende que o objetivo da BNCC é “promover uma educação de qualidade com equidade” na medida em que “estipula um patamar de qualidade para a Educação” (BRASIL, 2021). O Brasil nunca teve em sua história um documento tão prescritivo em termos de políticas de currículo. Cabe perguntar: faz sentido, em um país de dimensões continentais e grandes dispa- ridades regionais, uma proposta de homogeneização curricular dessa magnitude? Isso seria capaz, de fato, de melhorar a qualidade do en- sino em nosso país? Além da questão da “força de lei”, enquanto os PCN estão organiza- dos em ciclos (1° a 4° do ensino fundamental e ensino médio), a BNCC está organizada em anos (1° ao 9° do ensino fundamental e 1° ao 3° do ensino médio). Finalmente, a BNCC foi construída em torno de áreas do conhecimento (não disciplinas), bem como de competências e habilidades a serem desenvolvidas. Os PCN já sinalizavam para essa última tendência, sobretudo, como vimos, no caso do ensino médio. Contudo, o documento voltado ao ensino fundamental, embora men- cionasse as habilidades e competências, ainda estava mais voltado aos blocos de conteúdos. Alguns autores afirmam que o caráter de obrigatoriedade vale apenas para o ensino médio, uma vez que, depois de alterações pela Lei n. 4.315, de 2017, é em relação a ele que a LDB de 1996 remete claramente à BNCC. No entanto, o artigo 26, cuja redação foi dada pela Lei n. 12.796, de 2013, afirma que os currículos de todos os ní- veis da educação básica “devem ter base nacional comum” a ser complementada por uma parte diversificada. 2 Na live intitulada A BNCC e a reforma do ensino médio, de março de 2021, disponibilizada pelo canal GEPPFOR, a professora do Departamento de Educação da UFPR, Mônica Ribeiro, faz uma leitura crítica da BNCC, especialmente no âmbito do ensino médio. Disponível em: https://youtu.be/ gE54jI8Yk_8. Acesso em: 7 jun. 2021. Vídeo https://youtu.be/gE54jI8Yk_8 https://youtu.be/gE54jI8Yk_8 Diretrizes curriculares nacionais 39 No caso da Arte nos anos finais do ensino fundamental, a BNCC define primeiro as competências ligadas à área de linguagens e depois aquelas ligadas especificamente à disciplina, quais sejam: • Explorar, conhecer, fruir e analisar criticamente práticas e pro- duções artísticas e culturais do seu entorno social, dos povos in- dígenas, das comunidades tradicionais brasileiras e de diversas sociedades. • Pesquisar e conhecer distintas matrizes estéticas e culturais – es- pecialmente aquelas manifestas na arte e nas culturas que cons- tituem a identidade brasileira –, reelaborando-as nas criações em Arte. • Compreender as relações entre as linguagens da arte e suas prá- ticas integradas, possibilitadas pelo uso das novas tecnologias de informação e comunicação, pelo cinema e pelo audiovisual. • Mobilizar recursos tecnológicos como formas de registro, pesqui- sa e criação artística. • Estabelecer relações entre arte, mídia, mercado e consumo, com- preendendo, de maneira crítica, modos de produção e de circula- ção da arte na sociedade. • Problematizar questões políticas, sociais, econômicas, científicas, tecnológicas e culturais por meio de exercícios, produções, inter- venções e apresentações artísticas. • Desenvolver a autonomia, a crítica, a autoria e o trabalho coletivo e colaborativo nas artes. • Analisar e valorizar o patrimônio artístico nacional e internacio- nal, material e imaterial. Na sequência, o documento define, de acordo com cada uma das lin- guagens artísticas – artes visuais, dança, música, teatro e artes integradas –, objetos de conhecimento (agrupados em contextos e práticas, ele- mentos de linguagem, sistemas de linguagem, materialidade, processos de criação, notação e registro musical, matrizes estéticas e culturais, pa- trimônio cultural, arte e tecnologia) e habilidades (pesquisar, investigar, apreciar, analisar, experimentar, dialogar, diferenciar, explorar, discutir, reconhecer, identificar, criar, relacionar). Existe uma diferença entre competências – usadas em uma perspectiva mais geral – e habilidades – usadas em uma perspectiva mais específica –, embora ambas compar- tilhem dos mesmos verbos. 40 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio Quanto aos PCN-Arte formulados anteriormente para a mesma eta- pa escolar, observa-se que os três eixos estruturantes – fazer, apreciar, contextualizar – permanecem sob a forma de dimensões do conheci- mento: criação, crítica, estesia, fruição, reflexão. Um destaque maior, contudo, é dado à cultura e à arte brasileiras e às novas tecnologias. Ve- rifica-se, ainda, uma integração e articulação mais pronunciada entre a arte e outras esferas da vida social. A Lei n. 11.645, de 2008, que tornou obrigatório o estudo da história e da cultura indígena e afro-brasileira nos currículos do ensino fundamental e médio – em especial por meio das áreas de educação artística, literatura e história –, encontra-se re- fletida, desse modo, na BNCC. No caso do ensino médio, a BNCC não menciona diretamente a dis- ciplina de Arte, apenas a área de Linguagens e suas tecnologias. Ela lista uma série de competências gerais e também de habilidades específicas para essa grande área. No caso das competências, consta: • Compreender o funcionamento das diferentes linguagens e prá- ticas culturais (artísticas, corporais e verbais) e mobilizar esses conhecimentos na recepção e produção de discursos nos dife- rentes campos de atuação social e nas diversas mídias. • Compreender os processos identitários, os conflitos e as relações de poder que permeiam as práticas sociais de linguagem, res- peitando as diversidades e a pluralidade de ideias e posições, e atuar socialmente com base em princípios e valores assentados na democracia, na igualdade e nos direitos humanos, combaten- do preconceitos de qualquer natureza. • Utilizar diferentes linguagens (artísticas, corporais e verbais) para exercer, com autonomia e colaboração, protagonismo e autoria na vida pessoal. • Apreciar esteticamente as mais diversas produções artísticas e culturais, considerando suas características locais, regionais e globais. • Mobilizar práticas de linguagem no universo digital para expan- dir as formas de aprender a aprender nos campos da ciência, da cultura, do trabalho, da informação e da vida pessoal e coletiva. Aparecem conceitos densos nessa lista, como processos identitários, discursos, relações de poder, igualdade, autonomia, democracia, Direitos Humanos, aprender a aprender, autoria na vida pessoal. Verifica-se, de modo geral, um posicionamento com relação a valores humanos como Diretrizes curriculares nacionais 41 igualdade, às diferenças sociaise étnicas, às formas de governo, às dis- putas de poder e aos usos das tecnologias: a princípio, as competências e habilidades, por meio de diferentes linguagens, pretendem engajar cri- ticamente os estudantes no mundo em que vivem. Além disso, a ideia de arte é ampliada para além daquelas cinco linguagens estabelecidas, diluindo-se na direção de práticas sociais de linguagem, ou linguagens e práticas culturais, ou produções culturais. Outro aspecto em que a BNCC difere dos PCN é que, a cada habili- dade, o documento alinha uma sequência de caracteres alfanuméricos, por exemplo, EM13LGG604, que lemos do seguinte modo: ensino mé- dio, 1° a 3° ano, linguagens, competência 6, habilidade 4. Esse código serve para conectar os conteúdos ligados àquelas competências e ha- bilidades aos sistemas de avaliação nacionais, indicando que serão re- feridos na Prova Brasil/Saeb (avaliação que define o ranking do ensino médio) e no Enem (exame para ingresso no ensino superior público). Assim, a BNCC apresenta uma perspectiva mais política e humanista na definição de habilidades e competências, mas, ao mesmo tempo, burocratiza (e assim desumaniza e despolitiza) o processo de ensino e aprendizagem, especialmente quando vincula os conteúdos direta- mente às avaliações, como se o objetivo de aprender na escola fosse passar em uma prova. No Plano Nacional de Educação (PNE) aprovado em 2014 estava prevista a reforma do ensino médio, a ser implementada até 2024, con- forme lemos nos seus objetivos: “institucionalizar programa nacional de renovação do ensino médio, a fim de incentivar práticas pedagógi- cas com abordagens interdisciplinares [...], por meio de currículos es- colares que organizem, de maneira flexível e diversificada, conteúdos obrigatórios e eletivos [...]” (BRASIL, 2014, p. 22). A Lei n. 4.315, de 2017, finalmente alterou os dispositivos da LDB de 1996 e regulamentou essa transição. Antes, o ensino médio era uma etapa (a última) da educação básica, o que significa dizer que uma formação comum era dada a to- dos que o cursavam. Depois da reforma, que aumentou a carga horária dos alunos de 2.400 para 3.000 horas no total dos três anos, 60% das disciplinas cursadas fazem parte da formação comum e são regidas pela BNCC; as demais 40% compõem o chamado itinerário formativo, por meio do qual o aluno escolhe se aprofundar em uma área do seu interesse, conforme a disponibilidade da oferta e a orientação dada pela escola. O site a seguir foi desen- volvido pelo Ministério da Educação para explicar em que consiste o “novo ensino médio”, que segue o modelo norte-america- no do high school, bem como esclarecer dúvidas a respeito do processo de implementação ainda em curso. Disponível em: http:// novoensinomedio.mec.gov.br/#!/ pagina-inicial. Acesso em: 6 abr. 2021. Site http://novoensinomedio.mec.gov.br/#!/pagina-inicial http://novoensinomedio.mec.gov.br/#!/pagina-inicial http://novoensinomedio.mec.gov.br/#!/pagina-inicial 42 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio Os estados brasileiros estão ainda em processo de revisão dos seus respectivos currículos para deixá-los de acordo com as novas norma- tivas. O que está ocorrendo com a disciplina de Arte nesse período de implementação? Apesar de cada escola ter certa autonomia para orga- nizar a grade de matérias, na prática a Arte tem perdido espaço no cur- rículo do ensino médio, do mesmo modo que a Filosofia e a Sociologia. No Paraná e em São Paulo, por exemplo, os alunos têm tido apenas uma aula de Arte de cerca de 1 hora por semana – antes tinham duas, o que significa uma redução de 50% em relação à carga horária anterior. Os PCN-Arte, PCN do ensino médio e PCN+ não se tornaram ultra- passados com a homologação da BNCC, ou seja, não se trata de um documento que veio para substituí-los. Na verdade, a BNCC segue a estrutura elementar daqueles documentos, em sintonia com a Aborda- gem Triangular de Ana Mae, com reformulações ou atualizações super- ficiais. Como afirmamos com relação aos PCN, é necessário confrontar essas propostas curriculares de caráter centralizador com as condições efetivas de trabalho do professor de Arte em diferentes contextos. No que diz respeito aos salários, que integram esse quadro das con- dições efetivas de trabalho, a Lei n. 11.738, de 2008 estabeleceu o piso salarial nacional para os profissionais do magistério público da educa- ção básica, determinando que devem ser ajustados anualmente no mês de janeiro. O valor reajustado para o ano de 2020, por exemplo, foi de R$ 2.886,24 para a jornada de 40 horas 3 de docentes de nível médio na modalidade normal. Esse seria o valor inicial mínimo. Porém, cada es- tado e município brasileiro possui o seu próprio plano de carreira, que você pode consultar nos sites das respectivas secretarias de educação. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) realiza levantamentos estatísticos anuais no campo da educa- ção entre seus países membros (dos quais o Brasil faz parte) e publica os resultados em relatórios chamados Education at a glance (Educação atualmente). No relatório do ano de 2016, por exemplo, um professor brasileiro nos anos finais do ensino fundamental recebia cerca de US$ 12.200,00 por ano (de acordo com o piso de 2014), enquanto a mé- dia salarial da OCDE para o profissional de mesmo nível era de US$ 31.000,00 por ano, ou seja, quase o triplo do valor. Em 2019, o Brasil era o país que pior remunerava o professor em início de carreira no ensino primário e secundário. Das 40 horas semanais de tra- balho do professor da educação básica, 2/3 constituem o período de atuação em sala e 1/3, o de preparação das aulas e avaliação, chamado de hora-atividade. Não existe um tempo separado da hora-atividade para a formação continuada, nem para atividades de pesquisa. 3 Acessando o site a seguir, você pode visualizar o gráfico com as diferen- ças salariais entre os professores da educação básica nos diferentes países da OCDE. Na aba Perspectives, selecione “Primary, starting”, “Upper secondary, starting” e “Lower secondary, starting” (não existem dados do Brasil para os salários após 15 anos de experiência, nem para o fim da carreira, apenas para o início); na aba Countries, selecione “Brazil”, e na Time, “latest data available”. Disponível em: https://data.oecd. org/eduresource/teachers-salaries. htm#indicator-chart. Acesso em: 6 abr. 2021. Site https://data.oecd.org/eduresource/teachers-salaries.htm#indicator-chart https://data.oecd.org/eduresource/teachers-salaries.htm#indicator-chart https://data.oecd.org/eduresource/teachers-salaries.htm#indicator-chart Diretrizes curriculares nacionais 43 Além do valor dos salários, que integram o quadro mais amplo das condições de trabalho do professor, a sua formação é outro ponto importante na discussão sobre a viabilidade de reformas curriculares como a implicada na BNCC. No caso do professor de Arte, a grande dificuldade, no campo da formação, é a polivalência. 2.3 O problema da polivalência Vídeo Até os anos 1960, eram raros os cursos de formação de professores de Arte. Somente em 1971 a arte é incluída no currículo escolar com o título de Educação Artística. O resultado dessa inserção foi contraditório e paradoxal, porque os professores, em sua maioria, não estavam habi- litados e preparados para o trabalho sistemático com várias linguagens (na época, artes plásticas, educação musical e artes cênicas). Inauguradas especialmente para cobrir o mercado aberto pela lei, as faculdades de Educação Artística não detinham instrumental con- sistente para formação mais sólida dos profissionais. Assim, entre as décadas de 1970 e 1980, configura-se a formação do professor poli- valente em Arte, responsável pela educação dos alunos em todas as linguagens artísticas, o que reduziu qualitativamente a articulação dos saberes referentes às especificidades de cada uma delas. Aos cursos superioresgeneralistas, com formação nas quatro lin- guagens, foram acrescentados aqueles das habilitações, depois li- cenciaturas específicas, especialmente a partir da LDB de 1996 e da publicação dos PCN. Dessa maneira, desde os anos 1990, essas duas modalidades de formação – sem ênfase e com ênfase em uma das qua- tro linguagens – convivem no cenário do ensino superior brasileiro. Contudo, entre 2000 e 2015, segundo pesquisas conduzidas por Valéria Alvarenga e Maria Cristina da Silva, professoras da UDESC, a oferta nas modalidades presencial e a distância de cursos de licencia- tura em artes visuais, música, teatro e dança aumentou em cerca de 15 vezes, enquanto a de cursos de licenciatura em artes, englobando as quatro linguagens, caiu quase pela metade. Enquanto em 2000 ha- via 81 cursos de artes para 22 no total das diferentes licenciaturas, em 2015 a diferença era de, respectivamente, 45 para 350 (ALVARENGA; SILVA, 2018). 44 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio A polivalência, dessa forma, manteve-se após a aprovação da LDB de 1996, conforme explicitado nos PCN. A Lei n. 13.278, de 2016, ao complementar o 2° parágrafo do artigo 26 da LDB, esclareceu que “as artes visuais, a dança, a música e o teatro são as linguagens que cons- tituirão o componente curricular obrigatório do ensino da arte” e que “o prazo para que os sistemas de ensino implantem as mudanças […], incluída a necessária e adequada formação dos respectivos professo- res em número suficiente para atuar na educação básica, é de 5 anos” (BRASIL, 2016). A lei garante, assim, o direito do aluno ao aprendizado dentro das quatro linguagens, mas não afirma que um único professor deve dar conta do trabalho com todas elas. Por outro lado, apesar de prever um período de adaptação dos sistemas de ensino até 2021, não está ex- plícito que é necessário que a escola contrate um professor para cada linguagem, tampouco como o trabalho com as quatro linguagens deve se efetivar dentro da rotina escolar, levando em consideração que são dedicadas, no máximo, duas horas-aula semanais para a disciplina. A polivalência é, desse modo, uma questão ainda mal resolvida na formação do professor de Arte. Cada linguagem apresenta especifi- cidades de conhecimento, não obstante estejam conjugadas em um mesmo campo e, sobretudo a partir do século XX, misturem-se em de- terminadas proposições artísticas. Em geral, as universidades possuem cursos voltados à formação do professor de Arte com foco apenas em uma dessas áreas, cada qual extremamente abrangente, sendo a in- vestigação das outras feita de modo restrito ou panorâmico. Os cursos de caráter polivalente, com duração de quatro anos, atualmente em menor número e tendendo à extinção, também não conseguem dar conta de uma formação de qualidade nas quatro áreas. Os PCN-Arte sugerem o trabalho de uma modalidade artística por ano (BRASIL, 1997). Então, seria necessário um professor de Arte di- ferente a cada etapa escolar? Os concursos públicos para a carreira do magistério na disciplina de Arte, por exemplo, são realizados, em sua grande maioria, de modo genérico, e não de acordo com cada especialidade (ALVARENGA; SILVA, 2018). Na prática, na escola pú- blica brasileira, observa-se que a formação dos professores de Arte contratados é desproporcional – seguindo a própria desproporção na oferta dos cursos de licenciatura 4 –, havendo um predomínio dos Atualmente, a maior oferta é no campo das artes visuais, seguida pela música. As licenciaturas em teatro e, sobretudo, dança apresentam números bastante reduzidos comparativamente. (ALVAREGA; SILVA, 2018). 4 Diretrizes curriculares nacionais 45 especialistas em artes visuais, depois música, teatro e, por último, dança. Além disso, muitas vezes, mesmo sendo formados em músi- ca, teatro ou dança, dadas as condições de trabalho, os professores optam por uma abordagem pelas artes visuais, por exemplo. Nas escolas particulares, que dispõem de mais recursos, a realidade é outra, e, eventualmente, as aulas de Arte são alternadas entre dois ou mais professores especialistas em diferentes linguagens, em par- ticular artes visuais e música. Uma solução possível, de caráter imediato e provisório, seria abordar, no trabalho em sala de aula, as outras linguagens pela via daquela na qual o professor é especialista, pensando na visualidade da música, do teatro e da dança; ou nos aspectos sonoros das artes visuais, do teatro e da dança; ou nos narrativos/dramatúrgicos das artes visuais, da música e da dança; ou, ainda, no movimento corpo- ral nas artes visuais, na música e no teatro. O importante é que você tenha claro que não existe nenhum dis- positivo legal que obrigue um professor formado em Artes Visuais a trabalhar com as outras linguagens artísticas em sala de aula. Existe uma recomendação que, no entanto, não encontra respaldo na reali- dade mais geral das dinâmicas institucionais. O professor não pode arcar com o ônus dessa disjunção funcional entre políticas públicas e práticas institucionais. A origem do problema é sistêmica, não pon- tual, de modo que ele só pode ser resolvido por meio de mobiliza- ções mais amplas dos diversos setores da sociedade, em geral, e da comunidade escolar, em particular. Além disso, convém lembrar que as ideologias neoliberais orien- tadas pela privatização, competição e terceirização criaram as con- dições necessárias para a produção de fracassos sistêmicos ao mesmo tempo que transferiram a responsabilidade por eles ao in- divíduo. Essas ideologias, centradas na concorrência e no modelo empresarial, instituíram o mecanismo perverso pelo qual o profes- sor é frequentemente apontado como a causa do fracasso escolar. A racionalidade neoliberal trabalha para o grande capital, não para as pessoas. Diante disso, questione-se: a educação pode, de fato, me- lhorar se o seu foco for o acúmulo de capital em vez de as pessoas? Se sim, melhorar para quem? 46 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio CONSIDERAÇÕES FINAIS Os PCN e a BNCC situaram a arte como objeto de conhecimento. O estabelecimento de conteúdos na disciplina de Arte foi fundamental para que seu pilar se firmasse na arquitetura do currículo escolar. Ambos os documentos estão estruturados sobre a Abordagem Triangular que Ana Mae Barbosa vem desenvolvendo desde os anos 1980, de modo que os objetivos de aprendizagem listados para a disciplina podem, todos, ser reduzidos aos eixos do fazer, apreciar e contextualizar. O foco progressivo nas competências significa que a seleção dos con- teúdos curriculares será determinada pelo potencial de aplicabilidade dos conhecimentos e não pelo seu valor em si. Nesse sentido, o pensamento educacional não deixa de ser filtrado pela lógica econômica. Outra crítica feita a essas políticas curriculares afirma que o diálogo efetivo estabeleci- do com as escolas em sua formulação foi insuficiente. As mudanças promovidas nas últimas duas décadas nesse conjunto de diretrizes demonstram que o Brasil tem adotado como modelo o sis- tema de ensino estadunidense. Além disso, a burocratização do trabalho escolar que essas diretrizes promovem tem ido de encontro à promoção de valores democráticos e humanistas que essas mesmas diretrizes pre- tendem estimular. Em que medida os controles estatal e institucional realmente promo- vem a melhoria da qualidade do ensino em cada estabelecimento esco- lar? Qual é, ainda, o grau de autonomia do professor de Arte? Por que é importante preservá-lo? Diante da análise dos PCN e da BNCC em relação à realidade das condições de trabalho e da prática docente, essas são perguntas que devemos continuar a nos fazer. ATIVIDADES 1. Por que estabelecer diretrizes curriculares nacionais? 2. Quais são as semelhanças e as diferenças entre os PCN e a BNCC na área de arte no ensino fundamental e médio? 3. Explique por que a questão da polivalência na formação atualdo professor de Arte se configurou em um problema. Vídeo Diretrizes curriculares nacionais 47 REFERÊNCIAS ALVARENGA, V. M.; SILVA, M. C. da R. F. da. Formação docente em arte: percurso e expectativas a partir da lei 13.278/16, Educação & Realidade, Porto Alegre, vol. 43, n. 3, jul. / set. 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1590/2175-623674153. Acesso em: 7 jun. 2021. BARBOSA, A. M. A imagem no ensino da arte: anos oitenta e novos tempos. São Paulo: Perspectiva, 1991. BARBOSA, A. M. Tópicos utópicos. Belo Horizonte: C/Arte, 1998. BARBOSA, A. M.; CUNHA, F. da (Org.). A Abordagem Triangular no ensino das artes e culturas visuais. São Paulo: Cortez, 2010. BARKAN, M. Curriculum problems in art education. In: BEITTEL, K. R.; MATTIL, E. L. (Eds.). A seminar in art education for research and curriculum development. University Park: The Pennsylvania State University, 1965. p. 240-258. BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/abase/. Acesso em: 7 jun. 2021. BRASIL. Base Nacional Comum Curricular, 2021. FAC - Perguntas Frequentes. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/faq/. Acesso em: 7 jun. 2021. BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394. htm. Acesso em: 7 jun. 2021. BRASIL. Lei n. 11.738, de 16 de julho de 2008. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 17 jul. 2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007- 2010/2008/Lei/L11738.htm. Acesso em: 7 jun. 2021. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: arte. Brasília, DF: Ministério da Educação, 1997. 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Disponível em: http://pne.mec.gov.br/images/pdf/pne_conhecendo_20_ metas.pdf Acesso em: 22 jun. 2021. BRASIL. Lei Federal n. 13.278, de 2 de maio de 2016. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 2 maio 2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015- 2018/2016/lei/l13278.htm Acesso em: 22 jun. 2021. DOBBS, S. M. The DBAE handbook: an overview of Discipline-Based Art Education. Los Angeles: The Getty Center for Education in the Arts, 1992. LAVAL, C.; DARDOT, P. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016. SUNDAY, K.; KAPLAN, H. Alan Kaprow and Manuel Barkan: 21st Century incarnations for the neoliberal era of art education. Transdisciplinary Inquiry, Practice, and Possibilities in Art Education, University Park, The Pennsylvania State University Libraries Open Publishing, 2019. Disponível em: https://openpublishing.psu.edu/arteducation50/content/alan- kaprow-and-manuel-barkan-21st-century-incarnations-neoliberal-era-art-education. 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Procuraremos identificar, em cada uma delas, os aspectos ainda úteis e aqueles que foram superados. Com esse objetivo em vista, avaliaremos a relevância dos ma- nuais de ensino de técnicas – especialmente o desenho – e conhe- ceremos encaminhamentos no campo do ensino e aprendizagem de práticas artísticas. Além disso, vamos revisar a literatura sobre o desenvolvimento do grafismo infantil, da infância à adolescência, bem como sobre a ludicidade, aspectos importantes no trabalho educativo com jovens. 3.1 Academismo: metodologias do objeto Vídeo Na filosofia, até o século XX, duas correntes principais no campo da metodologia conviveram: a dos positivistas, que acreditavam nos fatos e na realidade empírica, ou seja, aquela que pode ser experimentada pelos sentidos; e a dos neokantianos, que acreditavam em conceitos es- tabelecidos de antemão para entender essa realidade. Os primeiros de- fendiam a realização de experimentos para comprovar a legitimidade do conhecimento; os últimos, que princípios explicativos eram capazes por si mesmos de produzir o conhecimento. Em ambos os casos a pro- dução de conhecimento depende da relação sujeito-objeto. Todavia, enquanto os positivistas projetavam ênfase no objeto, os neokantianos projetavam ênfase no sujeito. Essa dicotomia entre metodologias do objeto e do sujeito pode ser observada também no campo do ensino da arte. Elas acompa- nham dois modos de entender e fazer arte durante os séculos XIX e Academismo e Modernismo 49 XX, respectivamente o Academismo e o Modernismo, e chegam ao Brasil como consequência do colonialismo, pois o nosso sistema edu- cacional e de arte é, em sua origem, europeu (mais tarde se volta aos Estados Unidos). Metodologias do objeto estão centradas na representação imitativa e na atividade de cópia de modelos – culturais ou naturais –, remetendo à Pedagogia Tradicional. A cópia pressupõe alto grau de semelhança en- tre a representação e o seu objeto e se constrói sobre procedimentos e regras artísticas fundamentadas na proporção, perspectiva, claro-escuro etc. O objetivo da ação pedagógica é desenvolver habilidades técnicas ou manuais e a sequência de estudos se encaminha do simples ao comple- xo, do particular ao universal e das partes ao todo. No Brasil, esse projeto de ensino da arte foi idealizado em 1816 e implantado em 1826 por uma colônia de artistas franceses, com a inau- guração da Academia Imperial de Belas Artes (AIBA) no Rio de Janeiro. Ela oferecia aos jovens aspirantes a artistas uma formação profissional com base no modelo acadêmico que conjugava formação técnica e inte- lectual, e não no modelo das corporações de ofício, eminentemente prá- tico. Ambos, contudo, tinham como base as artes miméticas e a cópia. O filósofo e pedagogo checo Jan Amos Comenius (1592-1670) é considerado o pai da educação moderna. Em seu livro Didática Magna, publicado em 1657, ele defende um método para o ensino das artes fundamentado na “prática das coi- sas”. Segundo Comenius (1997), os três requisitos para esse ensino são: o modelo (forma externa que se procura reproduzir); a matéria (aquilo a que é dado forma); e os instrumentos (aquilo que se usa para dar forma). Uma vez de posse do modelo, da matéria e do instrumento,o ensino das artes requer o uso correto, a orientação prudente e o exercício frequente. Partindo desses requisitos e princípios, Comenius (1997, p. 241-252, grifos nossos) elenca alguns cânones metodológicos: 1. Aprender a fazer fazendo. 2. Estabelecer a forma e norma dos trabalhos a serem feitos, que o aluno deverá imitar. 3. Mostrar o uso de instrumentos por meio de exemplos mais do que palavras. 4. Começar os exercícios pelos primeiros rudimentos e avançar gradualmente. 5. Usar matéria conhecida nos primeiros exercícios, extraindo elementos do contexto do aluno para compor as lições. 6. Relacionar a imitação estritamente à forma prescrita; só depois de reproduzir exatamente igual é que a imitação poderá ser mais livre e prescindir de modelos. O termo Academismo se refere à produção feita de acordo com os cânones prezados pelo sistema de ensino acadêmico. As aca- demias de arte surgiram na Europa no século XVI. Inicialmente, funcionavam como locais de debate teórico, convertendo-se, depois, em espaços de ensino do desenho ligado à perspectiva e à anato- mia. O historiador alemão Nikolaus Pevsner, no livro Academias de arte: passado e presente, publicado em 1940, estudou a história dessas instituições do século XVI ao XX, hoje uma referência. PEVSNER, N. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. Leitura 50 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio 7. Escolher os modelos com critério. Eles devem ser os mais perfeitos possí- veis, ou seja, “genuínos, certos, simples e fáceis de se imitar”. 8. Corrigir imediatamente os erros dos alunos, fazendo, se necessário, uso de preceitos ou regras gerais para que compreendam o seu erro e não o repitam. Figura 1 Gravura do frontispício de Didáti- ca Magna, de Comenius, 1657. O currículo da AIBA girava em torno do desenho, entendido como disciplina propedêutica. Os ingressantes passavam os primeiros dois anos aprendendo apenas desenho para depois escolhe- rem em qual linguagem se especializar (pintura, escultura ou gravura). Nas aulas de desenho, começavam copiando es- tampas com reproduções de obras consagradas, passa- vam depois ao desenho de observação de esculturas em gesso, geralmente réplicas da estatuária clássica, até chegarem ao ponto alto do programa, o desenho do modelo vivo. No século XIX, saber desenhar o corpo humano era fundamental para se tornar artista e o desenho da figura humana também era ensinado em escolas. O estudante Seu prêmio de desenho! Uma página de narizes que você desenhou para mim! Sabe, não entendo como te premiaram, não acho isso limpo. Figura 2 Caricatura de Cham, publicada no jornal francês Charivari, em 1867. Academismo e Modernismo 51 começava pela cópia de fragmentos do corpo em separado e, depois, da figura humana completa. Por exemplo, primeiro desenhava apenas narizes, olhos, bocas, orelhas, isoladamente, depois passava ao rosto e assim sucessivamente até chegar à figura humana integral. No caso da preparação para o trabalho na indústria, a formação era realizada, sobretudo, nas Escolas de Artes e Ofícios, depois absorvidas pelo ensino técnico integrado ao secundário ou em nível superior (as faculdades de Desenho Industrial ou Design). Nesses cursos, a orienta- ção no campo do ensino do desenho voltava-se à geometria, pressu- pondo o uso de instrumentos como réguas, compasso e, mais tarde, softwares de computador. A universalização do ensino do desenho, isto é, a ideia de que todas as pessoas são capazes de desenhar e de que o desenho é uma lin- guagem tão importante quanto a verbal e a escrita na formação do ser humano, surgiu em paralelo à Revolução Industrial e ganhou força no século XIX. É nesse período que aparecem os manuais de desenho e de outras técnicas artísticas, com títulos como Desenhar sem professor, Pin- tar sem professor etc., que divulgam diferentes métodos, tornando-os acessíveis àqueles que não poderiam frequentar uma instituição de en- sino e com a pretensão de dar-lhes uma formação profissional. Geralmente, além de uma sequência de instruções, esses manuais continham pranchas de gravuras com desenhos a serem copiados. Eram usados também dentro das academias de arte. Os arquivos do Museu D. João VI da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, antiga AIBA, hoje par- te da Universidade Federal do Rio de Janeiro, por exemplo, conservam algumas pranchas desses métodos, especialmente de origem francesa. Pesquisas em âmbito de mestrado e doutorado têm se voltado à história dos métodos de ensino do desenho no Brasil. Você pode acessá-las nas bibliotecas digitais de dissertações e teses das respectivas universidades. DÓRIA, R. P. Entre o belo e o útil: manuais e práticas de ensino do desenho no Brasil do século XIX. 2005. Tese (Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo. CORTELAZZO, P. O ensino do desenho na Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro e o acervo do museu D. João VI (1826-1851). 2004. (Dissertação). Universidade Estadual de Campinas, Campinas. OUCHI, C. R. de C. O papel da estampa didática na formação artística na AIBA: o acervo do museu D. João VI/ EBA/ UFRJ. 2010. (Dissertação). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Leitura 3.2 A utilidade dos manuais de técnicas artísticas Vídeo No segundo terço do século XIX, a França assistia a uma onda de publi- cações de textos que “vulgarizavam” saberes acadêmicos. No livro Bouvard e Pécuchet, de 1881, o escritor Gustave Flaubert ridicularizou essa mania na figura dos personagens-título, que tinham a pretensão de aprender tudo pela leitura dos famosos Manuais Roret, publicados em 300 volumes entre os anos 1825 e 1873. Flaubert acreditava que, para aproximar a multidão da ciência e do belo, era necessário destruir ambos, detectando, assim, o paradoxo dos processos de simplificação para transmissão ao maior núme- ro. Para ele, o “sábio” poderia se servir dos manuais para esclarecer alguma 52 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio dúvida pontual, mas não as pessoas comuns, que não dispõem de recur- sos para se defender de uma pseudorretórica feita apenas para convencê- -las. Flaubert pensou os manuais como “meras ferramentas de persuasão”. Apesar da visão elitista que exprime, sua reserva não é infundada. Manuais não são, de fato, literatura crítica, mas sim operacional. Em uma disciplina como a de Arte, que apresenta um aspecto prático, manuais podem ser úteis aos professores para ampliarem seu repertório técnico. Só somos capazes de ensinar técnicas que nós mesmos domina- mos e manuais são alternativas acessíveis para aprender técnicas novas. Hoje, especialmente com a popularização da internet, existem outras pla- taformas, que vão além da página impressa, para esse aprendizado. O método de ensino do desenho criado pela professora da Universida- de da Califórnia, Betty Edwards (1926-), cujo livro Drawing on the right side of the brain foi publicado em 1979, dirige-se àqueles que se dizem incapa- zes de desenhar. A autora desenvolveu o método tendo como base pes- quisas científicas no campo da neurociência, segundo as quais coexistem no cérebro humano dois comandos gerais responsáveis por diferentes operações cognitivas: o hemisfério esquerdo (modalidade E), que rege o processamento de informações linear, verbal, analítico e lógico, e o hemis- fério direito (modalidade D), responsável pela compreensão simultânea, integral, espacial e relacional do mundo. Os exercícios propostos no livro visam ajudar o leitor a desenvolver suas habilidades gráficas aprendendo a reconhecer e controlar o momento de transição da modalidade E para a D, considerada pela autora a modalidade de ver do artista. Orientado para o estilo realista, o método de Edwards aborda esse estilo como um meio para um fim: o de modificar nosso modo de ver as coisas. Pode ser particularmente interessante no trabalho com adoles- centes. Segundo Edwards(1984), grande parte das crianças entre nove e onze anos demonstra paixão pelo desenho realista e torna-se extre- mamente autocrítica quanto aos desenhos que fazia em estágios ante- riores. Assim, a maioria de nós passa por um bloqueio, no que tange ao desenho, na fase inicial da adolescência. O conflito se dá porque certos conhecimentos previamente adquiridos, relacionados à forte presença do estereótipo, ou seja, de uma imagem universalmente acordada para significar algo, impedem-nos de ver o que temos diante de nós. O mé- todo de Edwards pretende desvencilhar-nos desse sistema de símbolos estereotipados que nos acompanha desde a primeira infância e que se coloca entre nossa percepção e o mundo físico. O ilustrador Christoph Niemann, em um episódio da série Abstract: the art of design (2017), explica o forte apelo do estereóti- po por meio de um “abs- tratômetro”. Equivalente ao ícone (imagem que alude facilmente a um referente), o estereótipo fica a meio caminho entre uma forma realista demais para ser apreciada e outra abstrata demais para ser entendida. Estados Unidos: Netflix, 2017-2019. Documentário O livro de Betty Edwards foi traduzido para o português com o título Desenhando com o lado direito do cérebro e explica em detalhes o seu método de ensino do desenho. EDWARDS, B. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003. Leitura Academismo e Modernismo 53 Para Edwards (1984), desenhar envolve o desenvolvimento de cinco habilidades perceptivas: • percepção das bordas (contornos); • percepção do espaço negativo (o vazio entre as coisas); • percepção das relações (proporção e perspectiva); • percepção do volume (luz e sombra); • percepção do todo (Gestalt). Com o objetivo de fazer a transição cognitiva da modalidade E para a D, a modalidade de ver do artista, Edwards propõe atividades que apresentam ao cérebro uma incumbência que o hemisfério esquerdo não é capaz de assumir. Assim, no exercício do “desenho de meros contornos”, desenhamos nossa própria mão olhando somente para ela – suas bordas e sulcos –, e não para o papel. A lentidão e paciência exigidas no processo fazem com que a modalidade E se desinteresse da tarefa, transferindo-a para sua companheira. O livro de Edwards (1984) ensina mais do que simples técnicas de desenho (a grafite, a carvão etc.), ele ensina, principalmente, um modo de ver, que está na base de qualquer habilidade gráfica. Existem muitos outros manuais de técnicas artísticas e você pode, sempre depois de testá-los, avaliar a viabilidade de inclui-los em diferentes atividades e procedimentos nas aulas de Arte, de acordo com o currículo, a faixa etária dos alunos e a infraestrutura da escola. Esses manuais estabe- lecem objetivos precisos e padronizam meios para atingi-los, indepen- dentemente das diferenças individuais, as quais, no entanto, estarão sempre presentes. Se um aluno quer desenhar como Leonardo da Vin- ci, podemos preveni-lo de que o máximo que vai ocorrer é ele desenhar do seu próprio modo tentando parecer-se com Da Vinci. Isso porque ninguém é capaz de fugir totalmente de si mesmo. A artista e professora dinamarquesa Anna Marie Holm ministrou oficinas de arte para o público infanto-juvenil no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 2007. Ricamente ilustrado, seu livro Fazer e Pensar Arte (2005) foi traduzido para o português e consiste na descrição de proposições artísticas realizadas com crianças entre 9 e 12 anos, sempre referidas à obra de artistas, sobretu- do contemporâneos. HOLM, A. M. São Paulo: MAM, 2005. Leitura 3.3 Modernismo: metodologias do sujeito Vídeo Metodologias do objeto estão, como vimos, ligadas à Pedagogia Tra- dicional e ao Academismo, com foco na transmissão de conteúdos esta- belecidos a priori. Já as metodologias do sujeito, centradas no indivíduo e na criatividade, estão ligadas à Pedagogia Nova e ao Modernismo. Os modernistas valorizavam trabalhos artísticos mais espontâneos, que não apresentavam as marcas constritivas da civilização, como o 54 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio dos povos chamados então de “primitivos”, dos doentes mentais e das crianças. A afirmação do pintor espanhol Pablo Picasso (1881-1973) de que demorou muitos anos para aprender a desenhar como uma criança, bem como sua obra tardia, é bastante emblemática dessa valorização. Na Europa, os artistas buscavam no desenho infantil uma linguagem distante das imposições acadêmicas e muitos passaram a recuperar os desenhos produzidos durante a própria infância, de seus filhos, de filhos de amigos e de alunos aos quais davam aula. Conhecemos, inclusive, um desenho do escultor Alberto Giacometti (1901-1966), feito em 1932, que é uma cópia de desenhos de crianças feitos sobre uma calçada do Boulevard Villemain, em Paris. Esses desenhos passaram a constituir, de fato, um modelo aos artistas alternativo à tradição clássica. No Brasil, o escritor Mário de Andrade (1893-1945) colecionou e es- tudou desenhos infantis. Para ele, não é possível comparar o desenho infantil ao dos “primitivos”, como ocorria em seu tempo, pois a criança passa, desde que nasce, por um processo de aculturação. Também não considera a criança uma artista, pois seu trabalho não tem a intenciona- lidade e o domínio técnico inerentes à arte. O poeta Apollinaire (1880- 1918) lembra que o pintor francês Henri Matisse (1869-1954), quando mostrava aos outros os desenhos de seus filhos, advertia que seria pru- dente não os superestimar: “não creio que devêssemos fazer grande caso dos desenhos de crianças, dizia, porque elas não sabem o que fa- zem” (APOLLINAIRE, 1914, tradução nossa). Mário de Andrade os enten- de, antes, como uma linguagem que passa pela representação figurativa. Para observá-los, o escritor criou uma forma não sistematizada de estudo que foi chamada pela pesquisadora e professora da USP, Marcia Gobbi, de etnografia dos desenhos. Segundo Gobbi (2013), em seus textos, Mário de Andrade procurava conhecer e revelar traçados, assuntos, cores, formas de ocupar o espaço do papel, e anotava idade, sexo e nacionalidade dos seus autores, introduzindo aspectos contex- tuais e culturais na análise. Ele levou em conta os contágios, ou seja, a influência do meio social e cultural no processo de aprendizagem do desenho pela criança, opondo-se à perspectiva romântica de sua origi- nalidade ou inocência. Desde ao menos os anos 1920, mostras de trabalhos de arte infantil tiveram lugar no Brasil. Em São Paulo, a exposição Mês das crianças e dos loucos, organizada em agosto de 1933, no Clube dos Artistas Mo- A coleção de desenhos infantis de Mário de Andrade está conservada nos arquivos do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP). Foi reunida entre 1935 e 1938, quando dirigiu o Departamento de Cultura de São Paulo, a partir dos concursos de desenho entre as crianças, a maio- ria oriunda de famílias de operários, que frequenta- vam os Parques Infantis. Em 1988, o MAC-USP realizou uma exposição com esses desenhos, com texto de apresentação do catálogo escrito por Ana Mae Barbosa. Saiba mais Academismo e Modernismo 55 dernos (CAM), pelo artista Flávio de Carvalho e pelo psiquiatra Osório Cesar, apresentou trabalhos de arte infantil advindos de escolas públi- cas da cidade e sediou uma série de conferências de especialistas so- bre o assunto. Outras exposições se seguiram, entre elas a de escolares britânicos, organizada pelo historiador inglês Herbert Read, que circu- lou entre 1941-1942, primeiro no Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, passando depois por São Paulo, Belo Horizonte e Curitiba. O advento do Modernismo no campo da arte, que lançou um olhar renovado aos trabalhos artísticos da criança, foi acompanhado, no campo científico, pelo desenvolvimento de pesquisas em torno do pro- cesso de maturação biológico e psíquico do ser humano. Nesse senti- do, foi dada atenção, como nunca,ao estudo do desenho infantil, do brinquedo, das brincadeiras e dos jogos. 3.4 O desenvolvimento do grafismo infantil Vídeo Muitos psicólogos e pedagogos voltaram-se ao estudo do grafismo in- fantil no século XX, entre eles Viktor Lowenfeld, Herbert Read, Jean Piaget, Franz Cizek, Georges-Henri Luquet, Henri Wallon, Liliane Lurçat, Nereo Sampaio, Florence Mèredieu, Célestin Freinet, Rhoda Kellogg, Donald Win- nicott, Lev Vygotsky e Rudolf Arnheim. No Brasil, um trabalho recente, re- ferenciado em alguns desses pesquisadores, foi desenvolvido pela artista e professora Edith Derdyk (2020), em seu livro Formas de pensar o desenho: desenvolvimento do grafismo infantil, publicado pela primeira vez em 1988. Ela defende que, para se relacionar com o universo gráfico da criança, é importante que o adulto tenha ele mesmo a experiência do desenho e re- conheça em si a capacidade de exercer o ato criativo. Para Derdyk (2020), sem a vivência da linguagem, a teoria se torna palavra vazia. O desenvolvimento do grafismo na criança não é linear, por isso a divisão por faixa etária constitui apenas um referencial e não deve ser aplicada rigidamente. Crianças diferentes encontram-se em estágios diferentes em idades igualmente diferentes. Segundo Derdyk (2020), dois pressupostos fundamentais orientam a análise desse desenvolvi- mento: 1) a criança está continuamente em movimento; e 2) a criança está inserida na paisagem cultural do adulto. Entre 1 e 2 anos, ela rabisca pelo prazer motor de rabiscar, de ma- neira desordenada, casual, longitudinalmente e em todas as direções. 56 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio Não sabe exatamente de onde nasce a linha: se do instrumento, da mão ou do suporte. Seu corpo inteiro está presente na ação: o gesto se expande e sai do papel, pois ela ainda não tem consciência das suas bordas. As garatujas (primeiros rabiscos) são o resultado de um traba- lho essencialmente energético, ligado ao simples prazer sensorial, sem compromisso com a figuração. A criança se deleita em fazer surgir algo que não existia antes. Figura 3 Garatujas de crianças em torno de 1 ano Kr ak en im ag es .c om /S hu tte rs to ck Entre 3 e 4 anos, surge a consciência das bordas do papel, e a crian- ça reconhece o desenho como algo que fez. Aparece também o senti- do de projeto, acompanhado de expectativas de resultado que podem levar à frustração. Há ganho em termos de domínio corporal e da ca- pacidade de encontrar apoios. A criança se torna capaz de formular conceitos, ou seja, sabe que um objeto ainda existe mesmo que não o veja. Daí surgem operações mentais, como associar, relacionar, com- binar, identificar, sintetizar e nomear. Ao prazer motor proporcionado pelo desenho é acrescentado o prazer visual. Como escreve Derdyk (2020), o olho passa a ser o comandante do barco em vez da mão, que se torna a sua passageira. Nasce, então, o mundo das formas. Concomitantemente à conquis- ta da consciência, da ideia de um eu, a criança desenha o círculo. Fechar o círculo significa distinguir o eu do mundo,o dentro do fora, o interior do exterior, a figura do fundo. Aparecem elementos gráficos repetidos, Academismo e Modernismo 57 traços que se alongam na vertical e horizontal paralelamente, cruzes e combinações entre elas e o círculo, o quadrado e o retângulo. A repre- sentação esquemática da figura humana, nessa idade, é indício de uma concepção mais estruturada de si e dos outros. s _o le g s_ ol eg /B as ile us /S hu tte rs to ck Figura 4 Desenhos de crianças em torno dos 5 anos A aquisição da fala redimensiona a relação da criança com o dese- nho. A interpretação verbal do desenho que executa é bastante variá- vel – não permanece sempre igual – e a sua fala é, muitas vezes, mais rica e criativa do que o próprio desenho. De qualquer modo, desenhar e falar interagem. Nesse ponto, Derdyk (2020, p. 101) adverte que “a necessidade de ‘nomear’ está muito presente na atitude do adulto; que olha para um desenho e logo pergunta: ‘o que é isso? O que represen- ta?’ […] essa atitude, se exagerada, pode inibir o processo de desenvol- vimento gráfico da criança”. O processo de alfabetização, em torno dos 5 anos, também pode inibir o desenvolvimento gráfico. Verifica-se, assim, um condiciona- mento da mão pelo hábito de segurar o lápis ou a caneta ao escrever. A ocupação espacial da escrita – de cima para baixo, da esquerda para a direita, em fileiras – passa a influir sobre a ocupação espacial no de- senho. Aparecem linhas angulares, formas de dentes de serra, tentati- vas de reproduzir um gesto sociocultural, imitando o ato de escrever. Aparecem também os estereótipos – a casa (geralmente com chaminé), o coração, a árvore, o pássaro tipo “m”, o sol-boneco etc. A criança pe- O psicólogo Rudolf Arnheim chama de círculo primordial esse momento no qual a criança usa formas circulares para representar praticamente todos os objetos, até que possa opor-lhes outras configurações. Do mesmo modo, primeiro, a criança domina as direções vertical e horizontal, bem como sua intersecção em ângulo reto (+), para de- pois chegar à diagonal e às relações de obliquida- de (x). Do desenho como uma soma de elementos autônomos, a criança passa, ainda, a fundir várias unidades por meio de um contorno diferen- ciado, gerando formas nitidamente separadas. ARNHEIM, R. São Paulo: Cengage Learning, 2011. Saiba mais 58 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio quena desenha sempre o que sabe, com base em um repertório viven- cial, não o que vê. Se pedimos que desenhe determinado objeto sobre a mesa, ela não irá olhar para ele enquanto desenha. Figura 5 Desenho de criança em torno de 7 anos s_ ol eg /S hu tte rs to ck Até os 8 ou 9 anos, o único espaço acessível à criança é o topoló- gico, ou seja, fundamentado na distinção de mudanças de estado e qualidade. Piaget e Inhelder (1948) explicam que as primeiras con- figurações são topológicas porque se voltam a propriedades gerais, como a rotundidade e a retitude, e não métricas, como o círculo ou a linha reta, de modo mais específico e exato. A partir dos 8 ou 9 anos e durante a adolescência, verifica-se a aquisição dos dispositivos eu- clidianos e das relações projetistas que consideram a constância de tamanho e forma. Os desenhos tendem, então, a formas naturalis- tas e há um sentido mais agudo de composição. Derdyk (2020) lembra que nas escolas ainda são propostas, em diferentes idades, atividades de pintura sobre um desenho já pron- to, de cópia de desenho da lousa ou de indicação de determinadas sequências para desenhar – todas criam expectativas, por parte da criança e do adulto, de resultado, o qual deve corresponder ao modelo. Contudo, copiar “igualzinho”, afirma a autora, distancia a criança de si mesma, cria uma situação de “não autoria”, esvazia de sentido a pesquisa espontânea e reforça a estereotipia. Portanto a cópia como um fim em si mesmo não é, de um ponto de vista pedagó- gico, inteligente. Academismo e Modernismo 59 Já na ideia de imitação, a representação guarda relação com um re- ferente externo que não é, como na de cópia, de identidade absoluta. Adolescentes, por exemplo, demonstram interesse em imagens mais realistas, de modo que o desenho de observação pode ser trabalhado nessa faixa etária, mas sem preocupação excessiva com a fidelidade ao modelo. Cada pessoa, mesmo quando busca copiar, o faz traindo ca- racterísticas particulares e o melhor é valorizar e estimular os aspectos pessoais do que os impessoais durante o desenvolvimento da expres- são gráfica. Figura 6 Desenho de criança em torno de 10 anos ra wi wa no /s hu tte rs to ck Derdyk (2020) sugere que o professor repense e explore tanto a postura do aluno ao desenhar (em pé, sentado, deitado), quanto o es- paço do desenho em relação ao corpo (papel maior ou menor que o corpo). Essas relações corporaise de escala são determinantes na qua- lidade e expressividade da linha. A autora propõe, ainda, uma série de exercícios aos professores, de ordem gestual, que não englobam o es- tilo figurativo, para que experimentem e investiguem o desenho dentro de seu próprio processo criativo antes de trabalhá-lo com os alunos. Desenhar envolve habilidades gráficas, ou seja, de ordem motora, perceptiva e representacional. No ato de desenhar sobrepõem-se as visões pessoal, cultural e histórica; o real, o percebido e o imaginário; a observação, a memória e a imaginação. Todos esses elementos tam- bém estão presentes na brincadeira e no jogo. 60 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio 3.5 O lúdico nas aulas de Arte Vídeo As aulas de Arte na escola combinam experimentação e ativi- dade imaginativa, por isso podemos afirmar que apresentam, por natureza, um caráter lúdico. Quando a criança pequena desenha, por exemplo, ela está brincando. Na primeira infância, verifica-se a passagem do desenho como exercício sensório-motor para o jogo simbólico ou faz de conta, que pressupõe a representação de um objeto ausente e exprime um pensamento individual. A partir dos 9 ou 10 anos, aproximadamente, a criança demonstra, ao brincar, preocupação maior com a verossimilhança na imitação do real e concentra a sua atenção nos aspectos construtivos da tarefa, como na brincadeira de cabana ou de “princesa”, nas quais o arranjo dos elementos no espaço e a composição do figurino envolvem-na du- rante a maior parte do tempo. Depois de passar, no jogo simbólico, da brincadeira individual à coletiva, passa-se, na adolescência, ao jogo de regras. Já aos 10 anos, a criança compreende que as regras, cuja aceitação coletiva é condição para o funcionamento do jogo, não são imutáveis, mas podem ser transformadas mediante negociação. Assim, se com crianças pequenas o brinquedo e a brincadeira participam de pro- cedimentos educativos, com as maiores é sobretudo o jogo com regras que constitui uma ferramenta pedagógica de interesse. Johan Huizinga (1872-1945), historiador holandês, em seu livro Homo ludens, publicado pela primeira vez em 1938, defendeu que o jogo é uma das principais bases da civilização: “é no jogo e pelo jogo que a civilização humana surge e se desenvolve” (HUIZINGA, 2004, prefácio, s.p.). Seu ponto de vista é diferente do de psicólo- gos ou de biólogos, cujas teorias definem o jogo como descarga de energia vital, satisfação de um “instinto de imitação”, preparação do jovem para as tarefas da vida adulta, exercício de autocontrole, desejo de dominar e competir ou cano de escape para impulsos destrutivos. Huizinga aborda o jogo como função social, como for- ma significante. Tão importante na vida humana como o raciocínio e a fabricação de objetos, o jogo permite a Huizinga cunhar a expressão - ao lado de Homo sapiens e Homo faber – Homo ludens. Em latim, o termo ludus, do verbo ludere, refere-se ao jogo em geral. Tem o sentido de “não seriedade”, “ilusão”, “simulação”. Nas línguas de origem latina, como o português, ludus foi su- plantado por um derivado de jocus, “gracejar”, “zom- bar”. Já o grego estabelece uma diferença entre jogo como brincadeira, παιδιά (paideia), e como competição, άγών (ágon). Nas línguas saxônicas e asiáticas, a raiz da palavra tem, ainda, o sentido de “movimento rápido”. Curiosidade Academismo e Modernismo 61 Segundo o historiador, a essência do jogo reside no divertimen- to, em uma espécie de prazer primitivo que proporciona. Assim, há nele um aspecto irracional que escapa à análise e à interpretação lógicas. Além disso, é uma atividade à qual se adere livremente, que proporciona evasão da vida “real”, ocorre dentro de um tempo e espaço próprios, tem um fim em si mesma, não envolve interesse material ou obtenção de lucro, pode ser repetida e cria, pela pre- sença das regras, um sentido de ordem. No jogo, o divertimento é acompanhado por certa tensão. Ela tem origem na relação entre a vontade de vencer 1 e a incerteza do resultado. Por isso Huizinga (2004, p. 59) afirma que “a essência do espírito lúdico é ousar, correr riscos, suportar a incerteza e a tensão”. Essa tensão, quando intensificada, faz com que o jogador se esqueça por um momento que está apenas jogando. A atividade o absorve totalmente. Em razão do seu potencial cooperativo, do índice de atenção e envolvimento e da dinâmica ao mesmo tempo ordenada e aber- ta, jogos podem ser tanto exercícios que desenvolvem habilidades artísticas em si mesmos – haja vista o seu uso dentro do campo do teatro e da dança – quanto estratégias de apresentação de conteúdo. Os jogos podem ser classificados segundo a quantidade de joga- dores (um, dois ou mais), a natureza (raciocínio, destreza, sorte) e a duração (curta, média, longa). O Tangram, por exemplo, é um jogo para uma pessoa (abrangendo diferentes faixas etárias), de racio- cínio e média duração. De caráter eminentemente visual, consiste em uma espécie de quebra-cabeças livre, sem soluções preestabe- lecidas. Com sete formas geométricas obtidas pela seção de um quadrado, é possível formar diferentes figuras, construir narrativas ou resolver problemas matemáticos. Pode ser confeccionado com uma simples folha de papel e, se o professor estabelecer de início um problema formal a ser resolvido, e não um modelo a ser copia- do, o Tangram se torna um gatilho para a atividade imaginativa. Soluções prontas são úteis como formação de repertório, mas não como norma. A vontade de vencer difere da vontade de domínio ou da prospecção de lucro. Para Huizinga, o jogo apresenta um fim em si mesmo, de modo que, se o fim é externo, não se trata mais, para ele, de jogo. 1 No livro Jogos teatrais na sala de aula, a diretora de teatro norte-ame- ricana Viola Spolin estabelece uma relação entre os jogos de regras tradicionais e os jogos teatrais e reflete sobre a sua inserção no sistema educacional. Mais do que um compêndio de atividades, sua leitura permite extrair alguns princípios norteadores da prática pedagógica em artes cênicas. SPOLIN, V. 3 ed. São Paulo: Perspectiva, 2017. Livro 62 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio Figura 7 Diagrama do Tangram clássico Softwares de computador, videogames e sistemas de inteligência artificial (IA) também constituem ferramentas pedagógicas e com gran- de potencial interdisciplinar. Escolas de educação básica e universida- des na Europa e nos Estados Unidos têm realizado experimentos com robôs como assistentes dos professores. A empresa francesa de tecno- logia SoftBank Robotics, por exemplo, criou Pepper e NAO, dois robôs com formas e comportamento humanoides, com o objetivo de otimizar o trabalho do professor em sala de aula, permitindo o desenvolvimen- to, segundo o site, de “novos sujeitos pedagógicos e métodos de apren- dizagem inovadores” (ROBOTS, 2021, tradução nossa). Seus criadores afirmam que a empatia estabelecida entre os estu- dantes e os robôs favorece e melhora a sua capacidade de análise e de resolução de problemas. Os programas de ensino elaborados por Pepper e NAO são flexíveis e adaptados a cada contexto, de modo a estimular o aprendizado nas disciplinas de Ciências, Tecnologias, En- genharia, Matemática e Artes. Grande valor é atribuído ao desenvolvi- mento do pensamento divergente ou criativo. A ideia é que os robôs auxiliem e não substituam os professores, mas o risco não pode ser totalmente descartado a partir do momento em que são efetivamente incluídos no sistema educacional. Robôs execu- tam tarefas repetitivas, protocolos mecânicos e, embora estejam ainda distantes de simular a complexidade psicofisiológica do cérebro huma- no, ao consentirmos com seu uso, reconhecemos que há, na educação, aspectos repetitivos e mecânicos, cuja tendência é serem delegados à A classificação apresen- tada na página anterior pode variar. Roger Caillois,no livro Os jogos e os ho- mens (1958), por exemplo, divide os jogos em quatro grupos: • ágon (competição): futebol, bola de gude, xadrez etc.; • alea (sorte): roleta, lote- ria, bingo etc.; • mimicry (simulacro): jogos infantis, nos quais as crianças imitam profissões ou persona- gens; no mundo adulto, jogos de mímica, como “qual é o filme?”; • inlix (vertigem): girar em torno do próprio eixo para experimentar um estado alterado de percepção etc. Curiosidade Embora pouco conhecido no Ocidente, o Wei-ki ou Go é um jogo milenar de estratégia, muito apreciado na China, no Japão e na Coreia. O documentário AlphaGo (2017) trata da disputa, em cinco partidas, entre o então campeão mundial de Go e o compu- tador AlphaGo. É uma boa introdução aos sistemas de inteligência artificial aplicados aos jogos. Disponível em: https://youtu. be/WXuK6gekU1Y. Acesso em: 7 jun. 2021. Documentário https://youtu.be/WXuK6gekU1Y https://youtu.be/WXuK6gekU1Y Academismo e Modernismo 63 máquina. Essa tendência vem, de fato, ao encontro do processo cres- cente de massificação do ensino que tem início na era industrial. Con- vém lembrar que as novas tecnologias são positivas apenas quando, além dos benefícios pedagógicos, melhoram também as condições de trabalho do professor e sua implementação deve, portanto, ser objeto de uma avaliação contextual e crítica. Um projeto digno de nota, construído na intersecção entre as artes visuais, a mecatrônica, a matemática e mesmo a ecologia e as ciências sociais, é o African Robots, do artista contemporâneo sul-africano Ralph Borland (1974-). Em atividade desde 2013, seus objetivos são colabo- rar, contribuir e aprimorar o trabalho de artistas de rua, sobretudo da África do Sul, cuja venda de peças tridimensionais em arame constitui um meio de subsistência, introduzindo em sua prática artesanal conhe- cimentos do campo da eletrônica. Acoplados às estruturas de arame – que representam, entre outras figuras, animais, carros, aeroplanos e plantas –, motores e circuitos eletrônicos fabricados com a reciclagem de celulares antigos geram um incremento tecnológico, estético e lú- dico, permitindo que as peças se movam, iluminem ou emitam sons. Borland e sua equipe ministram workshops pelo mundo (em 2018 ele esteve, inclusive, no Brasil), em que capacitam esses artistas, comissio- nam, expõem e vendem seus trabalhos. Assim, o lúdico refere-se a todas as atividades cujo engajamento li- vre e a participação, por meio do consenso com relação às regras, ge- ram um tipo muito elementar de prazer. Jogamos pelo prazer de jogar, porque somos seres irracionais. Ludicidade não é necessariamente o contrário de seriedade, pois somos capazes de encarar o jogo de um modo bastante sério. Seu instinto opõe-se, antes, ao princípio da utili- dade: a vontade de ser o melhor e vencer ao jogar é mais determinante do que qualquer prêmio. Jogos têm começo, meio e fim; transportam-nos para fora do coti- diano e nos conduzem à autossuperação. Eles nos ensinam a sustentar a tensão psíquica decorrente da incerteza e indeterminação até o final. Aprendemos também a lidar com a vitória e o fracasso com certo dis- tanciamento, pois nada garante que irão, em outra partida, se repetir. Todas essas características transformam os jogos – tradicionais, digitais ou mediados por inteligência artificial – em uma ferramenta pedagógi- ca particularmente eficaz com crianças e adolescentes. Mais informações sobre o projeto African Robots podem ser acessadas em seu site oficial. Disponível em: https://africanrobots. net/info/. Acesso em: 7 jun. 2021. O primeiro robô cons- truído pelo projeto foi o pássaro Starling 1.0, que você pode ver no vídeo de mesmo nome, publicado no canal African Robots. Disponível em: https://youtu.be/ vjYFqCEyjHI. Acesso em: 7 jun. 2021. Dica https://africanrobots.net/info/ https://africanrobots.net/info/ https://youtu.be/vjYFqCEyjHI https://youtu.be/vjYFqCEyjHI 64 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio A ludicidade e o conhecimento sobre os estágios de desenvolvi- mento do grafismo infantil relacionam-se às metodologias do sujeito, pois têm como foco os indivíduos que aprendem. Em casos extremos, contudo, tais metodologias conduzem à falsa ideia de que a habilidade artística é algo inato e, assim, instauram em sala de aula uma espécie de “ditadura do talento”. Do mesmo modo, as metodologias do obje- to, em casos extremos, nivelam o processo de ensino e aprendizagem, tornando-o uma corrida para ver quem reproduz com mais fidelidade determinado modelo. Por isso, os seus respectivos usos precisam ser ponderados de forma crítica e sensível, sempre em diálogo com o con- texto de aplicação. CONSIDERAÇÕES FINAIS Tendo como pano de fundo o desenvolvimento industrial, o Academis- mo do século XIX serve de moldura histórica para pensar as metodologias do objeto. Nesse período, é editada uma série de manuais de técnicas artísticas. Embora padronizem procedimentos para transpor didatica- mente um saber fazer, esses manuais, que são produzidos até hoje com orientações diversas, podem funcionar como fontes para o aprendizado de novas técnicas pelo professor. O Modernismo do século XX enquadra a reflexão sobre as metodolo- gias do sujeito. Nesse período, verificou-se um grande interesse por parte de intelectuais e artistas pela produção artística da criança, cujo processo de maturação biológico torna-se objeto de pesquisas científicas. O estudo dos estágios de desenvolvimento do grafismo infantil fun- ciona como baliza para as ações pedagógicas. A concepção visual dos estudantes se desenvolve de acordo com princípios próprios, o que con- diciona as intervenções do professor. Uma intervenção incompatível com o estágio de maturação pode gerar regressão. Se, ao contrário, o aluno mostra algum tipo de avanço, é sinal de que estava maduro para assi- milar a intervenção em nova conquista. Crianças maiores e adolescente demonstram, muitas vezes, o desejo de igualar as realizações de artistas consagrados. Esse desejo deve ser sempre contraposto ao estágio de de- senvolvimento em que se encontra, de modo a discernir seu fundamento social de seu fundamento cognitivo e realizar uma intervenção de modo procedente. Academismo e Modernismo 65 Já os jogos, que estão na base da cultura humana, constituem estraté- gias metodológicas que apresentam grande potencial interativo e interdis- ciplinar. Pela sua própria natureza prática e imaginativa, as aulas de Arte apresentam um aspecto lúdico. Em tese, contudo, qualquer conteúdo curricular pode ser transformado em jogo de regras, tanto pelos profes- sores quanto pelos alunos, o que promove o engajamento espontâneo e o direcionamento da energia e atenção aos objetivos a serem alcançados durante as aulas. ATIVIDADES 1. Explique a diferença entre metodologias do objeto e do sujeito e sua relação com o Academismo e o Modernismo. 2. Crie uma atividade envolvendo desenho para uma turma dos anos finais do ensino fundamental ou do ensino médio. 3. Crie um jogo para ser aplicado em uma aula de Arte. Defina o conteúdo, a faixa etária, os objetivos e a dinâmica do jogo. REFERÊNCIAS APOLLINAIRE, G. 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Acesso em: 7 jun. 2021. Vídeo https://obvil.sorbonne-universite.fr/corpus/apollinaire/apollinaire_paris-journal https://obvil.sorbonne-universite.fr/corpus/apollinaire/apollinaire_paris-journal http://d3nv1jy4u7zmsc.cloudfront.net/wp-content/uploads/2016/03/mariodeandrade_op2_envio2-1.pdf http://d3nv1jy4u7zmsc.cloudfront.net/wp-content/uploads/2016/03/mariodeandrade_op2_envio2-1.pdf https://doi.org/10.1590/2236-3459/88954 https://www.softbankrobotics.com/emea/en/pepper-and-nao-robots-education https://www.softbankrobotics.com/emea/en/pepper-and-nao-robots-education 66 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio 4 Contemporaneidade Neste capítulo, analisaremos diferentes metodologias do en- sino da arte adotadas na contemporaneidade no Brasil, desde a Abordagem Triangular e a educação para a compreensão da cul- tura visual até as metodologias ligadas à teoria crítica, em especial a obra de Paulo Freire, à filosofia pós-estruturalista e ao ensino hí- brido, o qual aproxima ideias pedagógicas de origem escolanovista do mundo das novas tecnologias. Ponderaremos sobre a aplica- bilidade dessas metodologias dentro do sistema de ensino e das instituições educacionais brasileiras. 4.1 Metodologias da superação da dicotomia sujeito-objeto Vídeo A contemporaneidade coincide com o período chamado de pós- -moderno. Embora alguns pesquisadores, como o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017), discordem do uso do prefixo pós, uma vez que não teríamos saído da modernidade, mas estaríamos viven- do, ainda, a continuidade ou os efeitos de processos que tiveram início com ela, ligados sobretudo à industrialização e à globalização, o termo pós-moderno e suas derivações tiveram grande circulação no ambiente acadêmico, principalmente nos anos 1990 e 2000. O professor Andy Hargreaves (1998), da Escola de Educação do Boston College, afirma que, na época pós-moderna, que tem como marco inicial o fim da Segunda Guerra Mundial, assistimos à expansão global da informação e de fontes do conhecimento e a mudanças rápi- das e contínuas nas formas de entender o mundo, devido à presença das tecnologias digitais e ao contato crescente entre indivíduos e cul- turas. Esse cenário, contudo, não se configura do mesmo modo em países ricos e pobres. Contemporaneidade 67 O desenvolvimento tecnológico e dos meios de transporte foi acom- panhado pelo deslocamento de pessoas não apenas por razões práti- cas ou turísticas, mas também, especialmente no caso de habitantes de antigas colônias, motivado por guerras, pobreza e fome. Nesse caso, o deslocamento é mais obstaculizado do que promovido. Che- gamos a essa situação paradoxal na qual o capital – diferentemente dos imigrantes e refugiados – circula livremente pelo mundo inteiro, ignorando as fronteiras entre os Estados-nação, mas se acumula nas mãos de poucas pessoas. Transpomos cada vez mais rápido grandes distâncias, mas não descemos em lugares melhores. Temos acesso a cada vez mais informação, mas pensamos cada vez menos. Além disso, toda essa informação não está sendo posta a serviço da transforma- ção social, rumo à criação de um modelo econômico e de produção realmente alternativo ao capitalismo, baseado no compartilhamento, não no acúmulo de riquezas, e numa relação mais equilibrada com a natureza. Esse é o tabuleiro no qual a educação em geral, e a arte na educação em específico, está movendo as suas peças. Ao longo deste capítulo, trataremos de métodos e metodologias de- senvolvidos nesse período, no qual a dicotomia sujeito-objeto é ques- tionada em favor da ideia de contexto ou de rede. A palavra contexto se liga, etimologicamente, à arte têxtil, à tecelagem. Deriva do verbo latino contexere (“entrelaçar”, “reunir tecendo”), junção de com (“junto”) e texe- re (“tecer”, “urdir”). Do mesmo modo, rede possui o sentido de “malha”, “entrelaçamento de fios”, “sistema reticulado”. Curiosamente, pode ser lida, ainda, como “armadilha”, “cilada”, segundo a expressão caiu na rede. Todos os métodos e metodologias a seguir guardam em comum essa atenção ao que está ao redor, no sentido de totalidades relativas e comunidades, por um lado, ou às conexões, ao “entre” as coisas e ao cimento desses conjuntos, por outro. 4.2 Abordagem Triangular Vídeo A teoria que serviu de base para a elaboração da Abordagem Trian- gular vem sendo desenvolvida por Ana Mae Barbosa desde a década de 1970. Embora oficialmente lançada como uma metodologia apenas em 1991, na primeira edição de A imagem no ensino da arte, o livro Teoria e prática da educação artística, de 1975, especialmente em seu capítu- lo final, intitulado “Arte-Educação: uma experiência para o futuro”, já anunciava questões que seriam amplamente exploradas por Barbosa 68 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio ao longo dos anos 1980, 1990 e 2000, como a importância da aprecia- ção artística e do trabalho com imagens nas aulas de Arte, bem como sua contextualização histórica, indo além do mero aprendizado de téc- nicas ou habilidades manuais. Para Barbosa, não é só a atividade de produção que é capaz de mobilizar o potencial criativo do indivíduo, mas também a de leitura e interpretação. A ideia de que a experiência da obra de arte é potencia- lizada quando o espectador, na recepção, passa por processos seme- lhantes ao do artista, na produção – incluindo o desenvolvimento do olhar –, tem origem no pensamento do filósofo norte-americano John Dewey (1859-1952). Ana Mae estudou a influência de Dewey no ensino da arte no Brasil em sua pes- quisa de doutorado, depois publicada em livro. Ela toma como marco inicial dessa influência a tese de Nereo Sampaio, defendida em 1929 na Universidade Columbia, em Nova York, bastante influenciada pelo Educação e Sociedade (1898) de Dewey, no qual ele explica o método de observação no ensino do desenho às crianças. Refere-se à diferença entre a representação espontânea pelo desenho figurativo e aquela realizada após a experiência do objeto no mundo. Em sua pesquisa, Sampaio trabalhou com a representação da figura humana com crianças entre 6 e 10 anos, que desenhavam depois de observar os corpos uns dos outros, passando a mão em seus contornos. Outra experiência no Brasil que Barbosa considera baseada em Dewey, embora de modo não tão explícito, é a da artista e professora suíça Louise Artus-Perrelet, chamada pelo governo de Minas Gerais a contribuir para o projeto de reforma edu- cacional de 1927. Seu livro Le dessin au service de l’éducation (1917) foi traduzido para o português em 1930 com o título O desenho a serviço da educação. Baseia- se na relação entre o alfabeto visual (ponto, linha, plano, volume, cor) e a expe- riência das formas no mundo.Por exemplo, ao tratar da linha curva, Perrelet pedia aos estudantes que observassem a sua expressividade em diferentes posições corporais, como no ato de cumprimentar ou de regar uma planta, ou em diferentes objetos cotidianos, como ninhos de pássaro, vasilhas, a mão em concha que arma- zena água. Somente depois dessa apreciação do corpo e dos objetos curvos, pela qual se chegava ao caráter expressivo da linha curva enquanto elemento flexível e continente, é que as crianças eram convidadas a realizar um desenho com curvas. Adotando, em 1975, a distinção de Elliot Eisner (1933-2004) entre uma perspectiva essencialista e uma contextualista no ensino da arte, relacionadas, respectivamente, à ênfase no fazer e a leituras visuais, Barbosa observa, ainda, a importância da historicidade para o ato de leitura. Para ela, a alfabetização visual e a contextualização histórica Em Arte como experiência, Dewey define experiência como a interação contí- nua da criatura viva com o ambiente. Ele diferencia uma experiência incom- pleta de outra completa, e esta apresenta, neces- sariamente, um aspecto estético ou unificador. Como exemplo, o autor cita uma pedra que rola montanha abaixo. Seu fim é o repouso. Os obs- táculos que retardam ou aceleram o seu avanço – musgo, outras pedras, grama – participam da sua chegada enquan- to culminação de um movimento contínuo, tor- nando a pedra que chega diferente daquela que partiu. Nesse caso, a pe- dra teria uma experiência, afirma Dewey, com qua- lidade estética; teria uma experiência significativa. A arte, enquanto setor da experiência estética no qual a produção e a apreciação formam um todo orgânico, potenciali- za a operacionalidade das experiências significati- vas. Daí o seu aspecto pedagógico. DEWEY, J. São Paulo: Martins Fontes, 2010. Livro Contemporaneidade 69 respondem a uma demanda da própria estrutura da obra, que é feita segundo um código específico – o visual – e incorpora em si valores espaço-temporais. Do mesmo modo que não reduz a alfabetização à aprendizagem mecânica de um léxico e uma gramática, ela também não reduz a história da arte à perspectiva linear e cronológica tradicio- nal. Isso porque, sendo aluna de Paulo Freire, sua abordagem é flexível o suficiente para se adaptar às necessidades e demandas de diferentes contextos educacionais, inclusive trazendo-os ao primeiro plano. Ana Mae teve um papel fundamental na escrita de uma história do ensino da arte no Brasil. Desde a criação da linha de pesquisa em Ensi- no da Arte dentro do programa de pós-graduação da Escola de Comu- nicação e Artes da Universidade de São Paulo, onde ingressou como professora em 1974, passando pela publicação dos livros Arte-educação no Brasil (1978) e Recorte e colagem: influência de John Dewey no ensino da Arte no Brasil (1982), sua atuação primou pela ideia de que devemos conhecer o passado da disciplina de Arte na escola em nosso próprio contexto (de colônia e ex-colônia) para refletirmos criticamente sobre as práticas atuais. A Abordagem Triangular foi sistematizada durante as experiências com formação de professores e de público que Ana Mae promoveu no Festival de Inverno de Campos do Jordão (SP), em 1983, e, sobretudo, no Museu de Arte Contemporânea da USP, do qual foi diretora entre 1987 e 1993. Ao divulgar essas experiências de Arte-Educação, que en- volviam o fazer, o ver e o contextualizar, em palestras pelo Brasil, du- rante os anos 1990, ela buscou desconstruir a ideia modernista de que os estudantes não deveriam ser “contaminados” com imagens de obras de artistas, sob pena de terem sua criatividade e expressividade tolhi- das. Ana Mae lembrou que os próprios artistas, na pós-modernidade, trabalhavam com imagens de outros artistas, seja de modo indireto (como influência), seja de modo direto (como pastiche e citação). Outra importante perspectiva que foi absorvida pela Aborda- gem Triangular é o multiculturalismo de vertente inglesa, com o qual Barbosa teve contato durante um estágio de pós-doutoramento em Birmingham, entre 1981 e 1982. Exatamente nesse período, Rachel Mason (1941-), atualmente professora da Universidade de Surrey Roehampton, em Londres, iniciou suas pesquisas sobre o multicultu- ralismo como forma de diminuir a evasão escolar entre os imigrantes asiático-indianos. Ele é definido pela britânica como uma visão da ne- pastiche: obra artística ou literária que imita abertamente outros esti- los, sem, contudo, a inten- ção de satirizar ou criticar a obra de referência. Glossário Em sua tese de doutora- do, intitulada Interculturali- dade e estética do cotidiano no ensino das artes visuais (2002), coorientada por Rachel Mason, Ivone Richter questiona: que tipo de ensino artísti- co deveríamos buscar para tratar da questão multicultural de maneira positiva? No Capítulo 1, ela revisa o conceito de multiculturalidade. Disponível em: http://www. repositorio.unicamp.br/handle/ REPOSIP/252932. Acesso em: 7 jun. 2021. Leitura http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/252932 http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/252932 http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/252932 70 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio cessidade de representação e transmissão, nos sistemas escolares, da diversidade cultural, em parte como resposta à luta das minorias por reconhecimento político (MASON, 1999). O objetivo do multiculturalismo, em termos pedagógicos, é promo- ver uma visão crítica e antirracista entre os estudantes, bem como le- vá-los a compreender a pluralidade de culturas, religiões e etnias e as relações de gênero. Espera-se que o professor deixe os pré-conceitos de lado, trabalhando conceitos. Além disso, precisa estar preparado para gerenciar conflitos. A escola, por sua vez, é vista como um espaço de comunicação democrático. No Brasil, essa perspectiva se manifesta no trabalho de Ana Mae e, posteriormente, na inclusão das artes indígena, africana e popular nos currículos escolares, a partir da homologação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Barbosa soma a sua voz à de sociólogos e antropólogos que criticam a “multiculturalidade aditiva”, a qual consiste em uma atitude de apenas acrescentar à cultura dominante, tal qual um apêndice, tópicos relativos a outras culturas, mantendo a diferença numa posição subalterna: multiculturalidade não é apenas fazer cocar no dia dos Índios, nem tampouco fazer ovos de Páscoa ucranianos, ou dobraduras japonesas, ou qualquer outra atividade cliché de outra cultura. O que precisamos é manter uma atmosfera investigadora, na sala de aula, acerca das culturas compartilhadas pelos alunos, tendo em vista que cada um de nós participa no exercício da vida cotidiana de mais de um grupo cultural. (BARBOSA, 1998, p. 93) Na sequência, a autora dá um exemplo dessa participação simul- tânea em distintos grupos culturais, cujo exercício todos deveríamos fazer, com vistas a reconhecer nossas próprias tendências e inclinações (muitas vezes inconscientes) em termos de pensamento e práticas po- líticas, sociais e culturais: eu me defino ao mesmo tempo como mulher do ponto de vista de gênero, nordestina do ponto de vista da locação cultural, arte- -educadora do ponto de vista da ocupação, branca do ponto de vista da etnia, heterossexual do ponto de vista da opção sexual, classe média do ponto de vista da renda. Portanto, pertenço a al- guns grupos de cultura dominante [branca, heterossexual, classe média], mas também pertenço a grupos culturais discriminados, como o de mulheres e de nordestinos em São Paulo. Além disso, como arte-educadora, sou discriminada por artistas, historiado- res e críticos, os grupos dominantes na área de arte. (BARBOSA, 1998, p. 93) A coleção Feminismos Plurais, coordenada pela filósofa Djamila Ribeiro, reúne livros escritos por pessoas negras, sobretu- do mulheres, em lingua- gem didática. O objetivo desses livros éconstruir instrumentais para a análise e compreensão crítica da realidade brasileira. Entre outros títulos, foram publicados Lugar de fala, Racismo es- trutural, Empoderamento, Encarceramento em massa e Apropriação cultural. Eles podem ser encontrados no link a seguir. Disponível em: https:// feminismosplurais.com.br/livros/. Acesso em: 7 jun. 2021. Livro Contemporaneidade 71 O trabalho de analisar os próprios preconceitos, por meio do re- conhecimento de nossa posição no mundo, não é tão simples como pode parecer. Há o risco de se ligar excessivamente a categorias e classificações prévias ou de adotar, de modo paradoxal, uma atitude mental rígida. No entanto, sem realizá-lo numa perspectiva individual, autocrítica e continuada, será muito difícil fazer o mesmo numa di- mensão coletiva. Na sala de aula, conforme Ana Mae, esse trabalho de desmistificação dos preconceitos demanda discutir, em diferentes culturas, a função da arte, o papel do artista e também o papel de quem decide o que é (“boa” ou “má”) arte. Essas discussões contribuem, em sua opinião, para o res- peito às diferenças e o reconhecimento de manifestações culturais que não se encaixam no sistema de valores hegemônico, centrado no norte global. Por isso, a Abordagem Triangular tem sido estudada também como uma proposição no campo dos estudos decoloniais. Saiba mais Nos estudos decoloniais, geralmente se empregam os termos norte global e sul global para se referir aos países desenvolvidos, de um lado, e subdesenvolvidos ou em desen- volvimento, entre eles o Brasil, de outro. No mapa a seguir você pode visualizar essa divisão de natureza geopolítica. A professora da Universidade Estadual Paulista, Rejane Coutinho (2018), que vivenciou o processo de recepção e apropriação da Aborda- gem Triangular, lembra que ele não ocorreu sem desvios de sentido. A ideia de “releitura” proposta por Ana Mae, por exemplo, na qual obras de arte são interpretadas por meio da elaboração de outras imagens ou objetos, foi distorcida e transformada em cópia. Provavelmente, as razões para isso não foram desinformação ou equívocos de interpreta- ção por parte dos professores, mas um processo de transformação e acomodação pelo qual qualquer prática metodológica passa ao ser (re) transmitida e incorporada na rotina escolar de forma acrítica. O prefixo des exprime a ideia de remoção ou se- paração, difícil de aplicar no caso dos processos de colonização, pois estes geram consequências que não desaparecem de uma hora para outra. O vídeo a seguir explica de maneira clara e fundamentada a diferença entre descolo- nial e decolonial. Disponível em: https://youtu.be/ G2HcBCN7yGI. Acesso em: 7 jun. 2021. Curiosidade 72 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio 4.3 Cultura visual Vídeo A Abordagem Triangular se desenvolveu no sentido de enten- der a arte como uma, entre outras, das manifestações da cultura visual, que estabelece um diálogo contínuo com ela. O professor da Universidade de Barcelona Fernando Hernández (1952-) tem tra- balhado, desde os anos 1990, sob essa perspectiva, com intenso intercâmbio com os países da América Latina. Em 1997, publicou Educación y cultura visual, cujo texto foi revisto e adaptado por ele ao ser traduzido para o português, no ano 2000, como Cultura vi- sual, mudança educativa e projeto de trabalho. No livro, Hernández afirma que a cultura visual é importante porque realiza a mediação entre o processo de como olhamos e de como nos olhamos, enten- dendo cultura como a construção e a participação dos indivíduos num sistema geral de formas simbólicas que existem em regime de fluxo. É necessário, segundo o autor, refletir sobre a distância entre o que se ensina na escola e os referenciais cotidianos dos alunos. Para Hernández, a cultura visual é um campo de estudo inter- disciplinar complexo e em constante transformação, composto de práticas de visualidade (formas culturais que se vinculam ao olhar) e artefatos visuais que vão além dos apresentados em instituições de arte (HERNÁNDEZ, 2005). Nesse sentido, inclui as imagens pu- blicitárias e outras produzidas pelas novas tecnologias, com ampla circulação por meio de diferentes mídias (como outdoor, cinema, TV, computador, smartphone) e da internet, e que estão na base de uma nova experiência de visualidade, inseparável do capitalis- mo. Não deixa de operar, nessa circulação transnacional de ima- gens, uma tensão entre global e local ou entre homogeneização e heterogeneização. O que é uma imagem? Esta é a primeira pergunta que W. J. T. Mitchell (1942-) faz no livro Iconology: ima- ge, text, ideology (1986). As definições reunidas por ele levam em conta as ideias de representação, aparência, semelhança/similitude. Além de ser, geralmente, bidimensional (possui apenas altura e largura), na imagem todas as partes são lidas simultaneamente, ao contrário da escrita, na qual uma coisa vem depois da outra. Imagens são agentes intermediários entre nós e o mundo. Podem ser analó- O grupo de pesquisa interdisciplinar Esbrina – Subjetividades, visualidades y entornos educativos contemporáneos existe desde 1995 na Univer- sidade de Barcelona, sendo coordenado por Fernando Hernández. Na aba Portfolios você pode conhecer alguns dos projetos, livros, artigos e vídeos realizados por professores e estudantes ligados ao grupo. Disponível em: https://esbrina.eu/ es/inicio/. Acesso em: 7 jun. 2021. Site https://esbrina.eu/es/inicio/ https://esbrina.eu/es/inicio/ Contemporaneidade 73 gicas/digitais (físicas ou feitas de pixels), óticas (espelhos, projeções), perceptivas (informações sensoriais, “impressas” nos sentidos), mentais (sonhos, memórias, ideias) e verbais (metáforas, descrições). Figura 1 Imagem física e imagem mental Fonte: Mitchell, 1986, p. 16. Hernández se fundamenta em teóricos franceses como Guy De- bord (1931-1994), segundo o qual, na sociedade do espetáculo, vende- -se mais imagens do que objetos, e Jean Baudrillard (1929-2007), para quem, na era do simulacro, as imagens mediam nossa experiência da realidade, tornando-a cada vez mais rasa ou plana. As câmeras acopla- das a aparelhos celulares banalizaram o ato de fotografar; estar em um lugar significa se fotografar diante dele e compartilhar a imagem numa rede social. Cartões de crédito, escâneres de compra, aplicativos de di- ferentes naturezas rastreiam padrões de consumo e de visualização, e o movimento urbano é conspicuamente registrado por câmeras de segurança públicas ou privadas. Quantas imagens você já viu (ou talvez tenha produzido) hoje, antes de ler este texto? Estamos cercados de imagens, mas não paramos para refletir sobre elas. A interpretação da cultura visual, pode ser considerada […] como uma forma de análise da vida diária, a partir da relação dos in- divíduos com as imagens/representações mediante as quais os meios de comunicação e de consumo mostram parcelas (simu- lacros, recriações,…) da realidade e de si mesmos. (HERNÁNDEZ, 2005, p. 23, tradução nossa) Hernández elenca, ainda, alguns critérios para se estabelecer um recorte de conteúdos que convém retomar, tendo em vista uma edu- cação para a compreensão da cultura visual. As representações sele- cionadas pelo professor podem: ser inquietantes, estar relacionadas a valores compartilhados em diferentes culturas, refletir as vozes da As big techs e seus apli- cativos de computador armazenam informações sobre os usuários que têm sido usadas por em- presas e grupos políticos para manipular pleitos eleitorais. Ao permitir que se crie uma conta, essas plataformas, aparente- mente gratuitas, estão, na verdade, comprando, no ato de aceitação dos termos de uso, os dados do usuário. “Se o produto é de graça, então você é o produto”, dizem os profissionais das mídias sociais. Esse é o tema do documentário O dilema das redes. Direção: Jeff Orlowski. Estados Unidos: Netflix, 2020. Filme 74 Metodologiado ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio comunidade, estar abertas a múltiplas interpretações, referir-se às vi- das das pessoas, expressar valores estéticos, fazer com que pensemos, não ser herméticas, olhar para o futuro, não estar obcecadas pela ideia de novidade (HERNÁNDEZ, 2000). Conforme o espanhol, em diálogo com psicólogos construtivistas, o nível de compreensão das artes por parte de um indivíduo é o lento resultado de sua interação com o campo visual e o desenvolvimento cognitivo e social. Esse processo pressupõe uma atribuição constan- te de sentido, e o professor auxilia o aluno na construção de uma in- fraestrutura epistemológica para interpretar os fenômenos com os quais se relaciona. Assim, Hernández articula a leitura de imagem, que não se restringe à obra de arte, mas inclui a decodificação e interpretação de outras manifestações da cultura visual, a um processo de reflexão que leva em conta, na medida do possível, os referenciais dos alunos, a teoria da arte e a contextualização (histórica, antropológica, sociológi- ca etc.), bem como a prática artística e os problemas contemporâneos. 4.4 Teoria crítica Vídeo Na Filosofia, teoria crítica se refere, especificamente, à tendência filosófica da Escola de Frankfurt, que descende de Friedrich Hegel e Karl Marx e cujos nomes mais destacados são os de Theodor Adorno, Max Horkheimer, Walter Benjamin, Herbert Marcuse e Erich Fromm. Segundo o Dicionário Oxford de filosofia, a teoria crítica procede diale- ticamente, ou seja, “por meio da procura de contradições em organi- zações sociais onde certos grupos são sistematicamente excluídos da área de poder ou do livre acesso à informação que estrutura o debate racional” (BLACKBURN, 1997, p. 380). De maneira genérica, contudo, o dicionário informa que a expressão descreve “qualquer tentativa de compreensão das práticas da crítica, da interpretação e da elucidação histórica da intervenção social” (BLACKBURN, 1997, p. 380). Você já deve ter observado que a palavra crítica é muito usada no campo da educação, especialmente no que tange ao estudo dos mé- todos e das metodologias. Ela tem origem no verbo grego krínō (“se- parar”, “decidir”, “distinguir”, “discernir”), adaptado para o latim como criticus-a-um (“decisivo” – adjetivo médico, ponto de uma doença a par- tir do qual a evolução leva à cura ou à morte –, “apreciação”, “julga- mento”). Assim, a crítica pressupõe análise – distinguir as partes de um Os livros da coleção Cultura Visual e Educação, publicados pela editora da UFSM (RS), trazem artigos recentes de Hernández e de outros pesquisadores ligados a essa linha de investigação, inclusive brasileiros. Livro Contemporaneidade 75 todo – e síntese – reunir novamente as partes, depois de estudadas em separado – com o objetivo de tomar uma decisão sobre o que fazer, de se mover numa direção. A metodologia freireana associa essa ideia de crítica ao contexto dos discentes e se baseia em muitos autores ligados à teoria crítica, com frequência citados por seu autor. 4.4.1 Paulo Freire Em 1963, Paulo Freire aplicava seu método de alfabetização de adul- tos a um grupo teste de cortadores de cana-de-açúcar na cidade de Angi- cos, Rio Grande do Norte. O sucesso da experiência fez com que o então presidente João Goulart o chamasse para elaborar o Plano Nacional de Alfabetização, cujo início foi, todavia, abortado, devido ao regime mili- tar instaurado com o golpe de 1964. A dimensão política da atividade de Freire como educador, que ensinava adultos a ler e a escrever num período em que analfabetos não tinham direito ao voto, é evidente. A ideia de que um professor ensina e um aluno aprende, contudo, não lhe parecia justa – seu método se voltou à superação da dualidade educa- dor e educando, transformando-os, pelo diálogo e ação críticos sobre a realidade, em educador-educando e educando-educador. Segundo Freire, “a educação autêntica não se faz de A para B ou de A sobre B, mas de A com B, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 2014, p. 116, grifo nosso). Paulo Freire parte, inicialmente, da realidade dos alunos. Depois de um período de vivência ou inserção do educador na comunidade do educando, de participação nas percepções locais para se tornar educa- dor-educando, é possível formular os temas geradores: palavras-chave que fazem parte das atividades vitais dos educando-educadores. Na se- quência, os temas geradores são problematizados por meio do diálogo horizontal, o que significa vê-los em suas relações com o poder, com as instituições sociais, com a ideologia (ideias da classe dominante que são naturalizadas pela população) etc. Por exemplo, se um aluno con- sidera importante discutir a questão do nacionalismo, um princípio de problematização seria perguntar: o que significa o nacionalismo? Por que pode nos interessar a discussão sobre o nacionalismo? (FREIRE, 2014). Nesse momento, o da problematização, são identificadas as si- tuações-limite que inibem a ação transformadora ou que se colocam entre o ser e o ser mais, entre o estado de coisas presente e a possibi- lidade de mudança. A dialética é um modo de pensar que surgiu na Grécia Antiga, inicial- mente como a arte do diálogo. Desenvolveu-se no sentido de colocar em evidência as contradições da realidade e seu movi- mento de transformação constante. No século XIX, Marx e Engels retomaram o conceito, tornando-se um dos pilares da teoria marxista. No pensamento dialético, uma afirmação (tese) engendra a sua ne- gação (antítese) e ambas são superadas por uma síntese. No livro O que é dialética?, Leandro Konder aborda o tema em caráter introdutório, numa lingua- gem acessível. KONDER, L. São Paulo: Brasiliense, 2000. (Coleção Primeiros Passos) Livro No trecho entre 1h17min e 1h23min do filme Edukators, encontra-se um exemplo de um diálogo problematizador cujo fim é a conscien- tização e a ação sobre a realidade. Ele mostra uma conversa entre três jovens revolucionários e um capitalista. Direção: Hans Weingartner. Alemanha; Áustria: Y3 Film, 2004. Filme 76 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio Após a problematização, chega-se à conscientização. Freire enten- de, com Álvaro Vieira Pinto, que o próprio da consciência humana é estar no mundo, que ela é um caminho para algo que não é ela, que a circunda, e que ela apreende por sua capacidade ideativa (FREIRE, 2014). A etapa da conscientização é, num certo sentido, de reconheci- mento, sem o qual o fim último da educação, a ação política que ten- ta solucionar o problema apontado por meio do tema gerador e, com isso, promove a superação da situação-limite, não é possível. Esquema- ticamente, então, o método poderia ser assim transcrito: Vivência > Temas geradores > Problematização > Conscientização > Ação política Freire chamou esse método, inicialmente, de pedagogia do oprimido. Para ele, escrevendo no exílio nos anos 1960, o trabalho educativo ocorre no contexto de relações sociais de dominação entre opressor-oprimido e seu objetivo deve ser o de libertar ambos dessa cadeia reprodutiva. O opressor molda a identidade do oprimido. O oprimido tende a inter- nalizar a figura do opressor como um ideal, sente-se atraído por ele, pelo seu padrão de vida. Assim, segundo o exemplo de Freire, luta pela reforma agrária não para se libertar, mas para ter terras e se tornar, ele também, proprietário e patrão de novos empregados. O oprimido internaliza também a visão que o opressor tem dele e se autodeprecia. “De tanto ouvirem de si mesmos que são incapazes […] terminam por se convencer de sua incapacidade. Falam de si como os que não sabem e do ‘doutor’ como o que sabe e a quem devem escutar” (FREIRE, 2014, p. 69). A educação como prática da liberdade liberta não apenas o oprimi- do, mas também o opressor – pois não se trata de ocupar o lugar do opressor e reproduzir o modelo de dominação, mas de levar o opri- mido a selibertar do opressor interno, por meio de um processo de conscientização e intervenção na realidade fundamentado no diálogo horizontal e da reflexão crítica. “Pretender a libertação deles sem a sua reflexão no ato desta libertação é fazê-los cair no engodo populista e transformá-los em massa de manobra” (FREIRE, 2014, p. 72). Assim, Freire se posicionou contra o que chamou de educação ban- cária e seu “antidialogismo”, na qual os educandos são vistos pelo educador como recipientes a serem enchidos, como lugares de depó- Contemporaneidade 77 sito de conteúdo, que recebem e arquivam narrações, dissertações, “blá-blá-blá”. A isso, Freire opôs uma educação problematizadora, que visa desenvolver a compreensão do mundo, pelo diálogo, como uma realidade em processo e da qual se é partícipe ativo. A prática proble- matizadora propõe aos educandos sua situação como problema, e não como, segundo a percepção fatalista da prática bancária, uma realida- de imutável sobre a qual eles nada podem fazer. Afinal, como afirma o autor (FREIRE, 2014, p. 106), “nenhuma ‘ordem’ opressora suportaria que os oprimidos passassem a dizer: Por quê?”. 4.5 Metodologias ativas Vídeo Desde ao menos a década de 1990, metodologias, de origem escolanovista, centradas na aprendizagem (não no ensino) e nos dis- centes (não em conteúdos) têm sido retomadas com ênfase no contex- to das novas tecnologias, nas quais crianças e jovens nascem já imersos e que fazem, portanto, parte de seu cotidiano. Elas têm sido reunidas sob o termo metodologias ativas, incluindo diferentes orientações, tais como a Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) e o ensino híbrido. Nas metodologias ativas, em geral, os discentes são estimulados a aprender por si mesmos, pela prática experimental, de maneira indivi- dual e coletiva, ao passo que o professor assume a função tanto de cura- dor, que seleciona a informação relevante e cria percursos de sentido, quanto de orientador, capaz de gerir aprendizagens múltiplas e comple- xas. Trata-se de um modelo que tende a preterir a organização do cur- rículo por disciplinas, optando pelas áreas de conhecimento, e no qual o ensino presencial aparece, com frequência, integrado ao on-line. O professor da Universidade de São Paulo José Morán, especialista em inovações no campo da educação, enumera, em artigo de 2015, três tendências na educação formal: 1) O modelo blended, semipresencial, misturado, em que nos reunimos de várias formas – física e virtual – em grupos e mo- mentos diferentes, de acordo com a necessidade, com muita fle- xibilidade, sem os horários rígidos e planejamento engessado; 2) Metodologias ativas: aprendemos melhor através de práticas, atividades, jogos, projetos relevantes do que da forma conven- cional, combinando colaboração (aprender juntos) e persona- lização (incentivar e gerenciar os percursos individuais) e 3) O 78 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio modelo online com uma mistura de colaboração e personaliza- ção (MORÁN, 2015, p. 27, grifos do original). A Aprendizagem Baseada em Problemas, considerada uma meto- dologia ativa, tem raízes na teoria pedagógico-didática de John Dewey, para quem o conhecimento demanda a pesquisa, cujo ponto de par- tida, por sua vez, é um problema. A palavra problema tem origem no termo grego πρóβλεμα e significa, literalmente, “aquilo que é colocado perante alguém”. Seria uma espécie de desafio, de enigma, uma per- gunta para a qual não se tem, de imediato, uma resposta. Dewey consi- dera que se o problema não for dirigido pelo interesse dos estudantes, não há ação de fato, apenas reação. Em sua concepção do processo de ensino-aprendizagem é possível distinguir algumas etapas. Após a elei- ção de problemas e a coleta de dados para a formulação de hipóteses ou caminhos heurísticos, nos quais professores e alunos interpretam aqueles dados, opta-se por um ou mais entre eles, com vistas a serem testados por processos experimentais, chegando-se a uma solução. O professor da Universidade de Maastricht, na Holanda, Henk Schmidt (1983) sistematizou, para auxiliar os discentes na resolução de um problema, sete passos, que têm sido retomados em diferentes ar- tigos que tratam da ABP: 1. Esclarecer termos confusos, determinar pontos principais na formulação do problema. 2. Definir o problema: quais fenômenos devem ser explicados e entendidos. 3. Analisar o problema, por meio de conhecimentos prévios ou do senso comum (por brainstorming – “tempestade de ideias” –, por exemplo). 4. Estruturar as proposições do passo 3, tentando construir uma “teoria pessoal” coerente e detalhada. 5. Formular objetivos para a aprendizagem autodirigida. 6. Buscar e estudar informação relevante, que preencha lacunas do próprio conhecimento. 7. Compartilhar com o grupo, sintetizar e avaliar o novo conhecimento. A ABP se configura como uma abordagem com menos aulas exposi- tivas e mais atividades de pesquisa individual, assistidas pelo professor e discutidas com o grupo (a totalidade da classe ou grupos menores). O termo heurística deriva do grego εὑρίσκω (“acho”, “encontro”) e se refere a métodos práticos em- pregados para solucionar problemas que, embora não garantam resultados exatos ou racionais, são suficientes para alcançar um objetivo imediato. Mé- todos heurísticos auxiliam a encontrar uma solução adequada, ainda que pro- visória, para problemas difíceis, por exemplo: descobrir como funciona um eletrodoméstico apertando intuitivamente os botões, por tentativa e erro ou usar o passo como unidade de medida em vez de uma trena ao calcular o comprimento de uma superfície. Curiosidade Contemporaneidade 79 Com a internet, a informação, antes de difícil acesso, tornou-se muito mais próxima – é possível aprender em qualquer hora, lugar e com diferentes pessoas; podemos acessar o acervo de bibliotecas ou de museus de diferentes países sem sair de nossa cidade. Nesse contex- to, métodos em que o professor é visto como um simples transmissor de conteúdos perdem o sentido. O aprendizado é mais uma questão de autoconhecimento, habilidades seletiva e organizacional, criticismo e criatividade. No ensino híbrido, então, diferentes tecnologias da informação e da comunicação (TIC) – das mais simples, como celulares e smartphones, às mais complexas, como softwares de computador, internet, videogames e robótica – são integradas à educação formal, em projetos ligados à comunidade local. A mescla entre sala de aula e ambientes virtuais se dá, em especial, pela chamada aula invertida. As informações mais básicas sobre um determinado assunto são disponibilizadas em pla- taformas na internet (como Moodle, Google Classroom, Desire2Learn, Edmodo etc.). Depois da leitura e análise individual e do feedback dos estudantes, por meio de enquetes ou pequenas avaliações rápidas, o professor define projetos a serem trabalhados em grupo ou por cada um. Desse modo, a dinâmica tradicional de aula é invertida: os alunos estudam e pesquisam sozinhos, no local onde preferirem, levando em conta problemas reais vivenciados por eles e pela comunidade, e à sala de aula são reservados os debates e as atividades de direcionamento e aprofundamento, durante a elaboração e realização de projetos pes- soais e/ou coletivos. Mesmo que escolas brasileiras estejam adotando o ensino híbrido, a exemplo do projeto público-privado Nave (Núcleo Avançado em Edu- cação) 1 , é preciso levar em conta a realidade do acesso à internet entre nossa população, que é bastante desigual, tanto em termos regionais quanto entre as diferentes classes sociais. De acordo com a pesquisa TIC Domicílios 2019, realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, ligado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil, 80% dos domicílios da classe C (renda mensal entre 4 e 10 salários mí- nimos) têm acesso à internet, enquanto apenas 50% daqueles das classes D e E (renda entre0 e 4 salários mínimos) possuem algum tipo de conexão, a maior parte pelo celular (chip 3G ou 4G). Segun- do a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2019, 4,8 milhões de crianças O projeto é aplicado atualmente no Colégio Estadual José Leite Lopes (Rio de Janeiro) e na Escola Técnica Estadual Cícero Dias (Recife) e tem como objetivo formar jovens para trabalhar com inovação e tecnologias digitais. Veja mais em: https://oifuturo.org.br/ programas/nave/. Acesso em: 7 jun. 2021. 1 Na palestra De la tecnología para aplicar a la tecnología para pensar: Implicacio- nes para la docencia y la investigación, publicada no canal UPV/EHU, a professora da Universi- dade de Barcelona Juana Gil fala da importância de refletir criticamente sobre as tecnologias em vez de simplesmente aplicá-las. Ela começa perguntando o que seriam tecnologias: técnicas diversas que pres- supõem saberes (“a arte de fazer algo”)? Objetos utilitários que portam lo- gomarcas? Novos gadgets lançados no mercado por uma multinacional? Ela entende a escola como uma tecnologia de educa- ção, do mesmo modo que carros são tecnologias de transporte. Finalmente, identifica a própria ideia de civilização com a de tec- nologia – um fazer aliado a um saber que transforma o modo como as pessoas se relacionam com elas mesmas, umas com as outras e com o mundo. Disponível em: https://youtu.be/ w44r3ACMDtw. Acesso em: 7 jun. 2021. Vídeo https://oifuturo.org.br/programas/nave/ https://oifuturo.org.br/programas/nave/ https://youtu.be/w44r3ACMDtw https://youtu.be/w44r3ACMDtw 80 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio e adolescentes entre 9 e 17 anos (18% dessa população) vivem em domicílios sem acesso à internet no país, e 58% está conectada exclusivamente pelo celular. A mesma agência, em pesquisa no âm- bito da educação, constatou que apenas 14% das escolas públicas urbanas possuíam um ambiente ou plataforma virtual de aprendi- zado em 2019; no caso das particulares urbanas, o número sobe para 64%. Contudo, 73% entre as primeiras e 94% entre as últimas possuíam perfil ou página em redes sociais como modalidade de interação a distância com pais e alunos (CETIC.BR, 2020). Esses dados nos informam que as novas tecnologias têm sido, ainda, pouco integradas à educação formal no Brasil, em razão, pri- meiramente, da desigualdade do acesso. Eles tratam, ainda assim, apenas da quantidade, e não da qualidade dessa integração. Qual a diferença entre acessar a internet para pesquisa e estudo num computador de mesa e num celular? Essas tecnologias estão sen- do usadas criticamente? Os meios e os instrumentos estão sendo pensados tanto quanto os fins? Como a interação por redes sociais pode se tornar, com efeito, uma prática educativa? As especificida- des do contexto social estão sendo avaliadas antes da implementa- ção de modalidades de ensino híbridas? Afinal, é a escola que deve encampar as novas tecnologias, e não as novas tecnologias que devem encampar a escola. Lembre- mos que, além da arte, um dos espaços mais propícios em nos- sa sociedade para se questionar aquilo que é tomado como dado, aquilo que é “naturalizado”, é a educação. 4.6 Pós-estruturalismo Vídeo O pós-estruturalismo é um movimento intelectual francês das dé- cadas de 1960 e 1970 que revisa algumas ideias do estruturalismo, sem, contudo, negá-las totalmente. Embora se estenda a diferen- tes disciplinas, o estruturalismo nasce com os estudos linguísticos do suíço Ferdinand Saussure (1857-1913), no início do século XX. Com base em sua definição de fonemas como unidades sonoras que adquirem significado apenas em relação ao conjunto de todos os fonemas de uma língua, o estruturalismo gravita em torno do Contemporaneidade 81 conceito de identidade. Para os estruturalistas, a identidade não corresponde às propriedades intrínsecas de uma coisa, que ela – e só ela – possui, mas é determinada, isso sim, pela estrutura mais ampla da qual essa coisa faz parte. Algo é o que é devido ao lugar que ocupa em uma estrutura maior. Saussure, ao tomar a linguagem como modelo de suas análises, introduziu também a ideia de signo como uma instância mediado- ra entre um significado e um interpretante. Em uma pintura, uma forma rugosa irregular pode ser o signo do conceito de pedra, que, por sua vez, para ser interpretado como pedra, requer um especta- dor. Unindo os conceitos de estrutura e signo, teríamos, por exem- plo, que o significado, no singular, de uma pintura, estaria não nela mesma, mas nas relações que guarda com outros elementos da cultura dentro da qual foi gerada (similares ou não a ela) e que o espectador mobiliza, ao apreciá-la, por meio de sua perspectiva. Os pós-estruturalistas, entre eles Jacques Derrida, Roland Bar- thes e Gilles Deleuze, alegaram que a estrutura que determina as identidades nunca pode ser totalmente apreendida, ou seja, não é autossuficiente, tampouco pode ser reduzida a oposições binárias ou ternárias. As relações entre signos, significados e interpretantes não são predeterminadas por estruturas socialmente construídas, uma vez que tais estruturas são inapreensíveis em seu conjunto. Para interpretar o significado de uma pintura, como queriam os es- truturalistas, seria necessário ter em mente todos aqueles outros elementos da cultura que a envolvem no momento da apreciação – e isso escapa até mesmo ao artista que a realizou, o qual, nem ele, possui a chave para o significado. Portanto, o significado é – só pode ser – múltiplo, variado, provisório, parcial, instável, dinâmico. Assim, os pós-estruturalistas se opuseram à rigidez classificatória e à pre- tensão de universalidade da corrente de pensamento estruturalista. 4.6.1 Gilles Deleuze e Félix Guattari A obra filosófica do francês Gilles Deleuze (1925-1995) se liga ao paradigma da diferença (e não da identidade). Ele não indaga, em seus textos e aulas, sobre o que uma coisa é, mas com o que ela se 82 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio relaciona e como ela se relaciona. Quando afirma que “as relações são exteriores a seus termos”, ele chama a atenção para aquilo que liga os termos – não para o atributivo x é y, mas para o conjuntivo x e y e z e... (DELEUZE apud AQUINO; REGO, 2014). Posteriormente, Deleuze insistirá, de maneira radical, na ideia de uma diferença em si, independentemente de qualquer relação. Deleuze conheceu o ativista político Félix Guattari (1930-1992) em 1969. Eles escreveram juntos Mil platôs (1980), segundo e úl- timo volume do projeto Capitalismo e esquizofrenia, que conden- sa uma série de conceitos importantes, apropriados depois pelo campo da educação, entre eles os de multiplicidade, devir, rizoma, plano de imanência e cartografia. Para começar, não existiria, para Deleuze e Guattari, um mode- lo ou conceito universalmente válido de professor, aluno, currícu- lo, método ou metodologia, conceitos esses que nos forneceriam um modelo por meio do qual seria possível distinguir os bons (dos maus), os melhores (dos piores). Isso equivaleria a afirmar que existe uma “essência” apreensível de todas essas coisas, as quais, uma vez conhecidas, poderiam ser representadas e reproduzidas. Deleuze e Guattari teriam preferido pensar esses conceitos (pro- fessor, aluno, currículo, método, metodologia) não dentro do plano transcendente do mundo abstrato das ideias, mas no plano ima- nente do real, no qual eles se constituem somente à medida que, por processos experimentais, também o criam. Nesse sentido, o ser-professor, -aluno, -currículo, -método, -metodologia é sempre o do vir a ser ou devir e abriga uma zona considerável de incerteza, de indeterminação. Em Mil platôs, Deleuze e Guattari apresentam “uma teoria das multiplicidades por elas mesmas”, multiplicidades essas que cons- tituem a própria realidade. Eles usam uma metáfora botânica, o rizoma, por oposição à imagem da árvore, para pensar a forma derealização das multiplicidades. Rizomas são caules subterrâneos, ricos em nutrientes, que unem sucessivos brotos em alguns tipos de plantas, como as gramíneas. Eles sustentam esses brotos até que possam criar raízes, permitindo que a planta se multiplique e ocupe um território mais amplo e heterogêneo. Em 2005, a revista Educa- ção & Sociedade organizou o dossiê Entre Deleuze e a educação. Na apresen- tação dos artigos, Tomaz Tadeu e Walter Kohan afirmam que, apesar de a educação parecer “a coisa mais antideleuziana do mundo”, pois, em suas formas dominantes, fala em formar, capturar, avaliar e moralizar, o seu ponto de partida foi certa percepção de que coisas interessantes podem ocorrer se esses “polos opostos” se olharem com atenção. TADEU, T.; KOHAN, W. (Org.). Educação & Sociedade, v. 26, n. 93, 2005. Disponível em: http://www. scielo.br/scielo.php?script=sci_ issuetoc&pid=0101- 733020050004&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 7 jun. 2021. Leitura http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=0101-733020050004&lng=pt&nrm=iso http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=0101-733020050004&lng=pt&nrm=iso http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=0101-733020050004&lng=pt&nrm=iso http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=0101-733020050004&lng=pt&nrm=iso Contemporaneidade 83 Figura 2 Esquema de um rizoma Ve ct rM in e/ Sh ut te rs to ck novas plantas raízes rizoma A árvore, em sua verticalidade, possui raízes que sustentam o tron- co, tronco que sustenta os ramos, ramos que sustentam flores e fru- tos. “A árvore é filiação, mas o rizoma”, escrevem Deleuze e Guattari (1995, p. 37), “é aliança, unicamente aliança”. A metáfora do rizoma como realização da multiplicidade remete à ausência de hierarquia, de sujeito e objeto, de começo e fim, de centro e periferia. Permite pensar, antes, em termos de dimensões, composições, proximidades, distâncias, conectividades (sem cruzamento e sem pontos de origem ou destino). Como pode ser quebrado em um lugar e nascer em outro, sua continuidade admite, ainda, as rupturas. Assim, a complexidade 84 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio do rizoma não se deixa apreender ou reproduzir em seu conjunto, mas apenas cartografar, traçar linhas ou percursos provisórios, de acordo com o momento ou o desejo, experimentando abertamente um campo de conectividade. Lendo Deleuze e Guattari, aprendemos a pensar fora das bolhas, dos automatismos, da rotina. Importam à educação como interlocuto- res, mais do que como teóricos. Não servem para construir sistemas, pois seu pensamento é fundamentalmente antissistema, mas ajudam a cultivar a atitude de se fazer perguntas. O que percebo primeiro nas relações que estabeleço com os discentes? Hierarquias ou multiplici- dades? Como me relaciono com modelos que me foram apresentados por meus próprios professores, ou por livros didáticos, ou por institui- ções de ensino? Em minhas aulas, estou criando ou apenas reproduzin- do? Estou cultivando relações que afirmam ou negam reciprocamente as potências dos envolvidos? Estou pensando com o que fortalece o pensamento ou com o que o debilita? CONSIDERAÇÕES FINAIS A atividade de Ana Mae Barbosa como professora e pesquisadora pro- moveu a atualização do pensamento educacional brasileiro no campo da arte em relação aos centros hegemônicos. Além disso, Barbosa encontrou na escrita de uma história do ensino da arte no Brasil subsídios para a elaboração de uma crítica a esse mesmo ensino. Epistemologicamente, ainda, a Abordagem Triangular que desenvolveu mostrou-se flexível o su- ficiente para abranger, para além da arte, a cultura visual. As diferentes manifestações da cultura visual incluem não apenas os objetos considerados canônicos, que estão nos museus e nos livros de história da arte. Segundo Fernando Hernández, uma educação para a compreensão da cultura visual perguntaria: por que sempre aparecem as mesmas obras nos livros didáticos? Quem decide que sejam essas e não outras? Por que há poucas obras de mulheres? Por que quando apare- cem nessas obras pessoas negras geralmente não se sabe o seu nome? Essas seriam perguntas às quais o método proposto por Paulo Frei- re poderia ter chegado, enquanto formas de problematização de um tema gerador. Vimos que a palavra problema foi usada também por De- wey, em sua concepção do processo de ensino-aprendizagem, na qual Contemporaneidade 85 têm origem as metodologias ativas. Analistas dessa última orientação metodológica ligados à teoria crítica afirmaram que a consciência da criança não é algo individualizado, mas o reflexo das relações sociais nas quais ela toma parte. Tal perspectiva coloca em questão, indire- tamente, a ideia de centros de interesse escolanovista. Até que ponto o interesse do aluno deve ser tomado como o móvel de seu aprendiza- do? E o contexto social? O referencial dos alunos constitui um ponto de partida, mas não de chegada. De modo semelhante, também o ensino híbrido, se não transforma a própria tecnologia em objeto de crítica, perde-se de sua potência propriamente educativa. Com Deleuze e Guattari, finalmente, aprendemos a pensar em outros termos, a ir além dos conteúdos preestabelecidos e das padronizações tão caras à atividade industrial e burocrática. O ser-devir não imita nem se identifica, ele se cria no processo e na qualidade de suas relações. Ele é uma multiplicidade em meio a tantas outras. Ele coexiste dentro do campo de conectividade, aberto a diferentes percursos cartográficos, cuja imagem é o rizoma. Para a dupla francesa, docente e discente fariam um com o outro, e não um como o outro. ATIVIDADES 1. Qual característica é comum às metodologias de ensino-aprendizagem desenvolvidas na pós-modernidade? 2. Existem relações entre a Abordagem Triangular e a educação para a compreensão da cultura visual? Por quê? 3. Quais são as semelhanças e diferenças entre a metodologia freireana e a Aprendizagem Baseada em Problemas, inserida no guarda-chuva das metodologias ativas? 4. O que a obra dos filósofos franceses Gilles Deleuze e Félix Guattari coloca para a educação? REFERÊNCIAS ALMEIDA, M.; VENEROSO, M. C.; CAMPOS, R. H. Circulação, recepção e apropriação do método de ensino do desenho de Louise Artus-Perrelet. PÓS: Revista do Programa de Pós- graduação em Artes da EBA/UFMG, v. 10, n. 20, p. 181–215, 2020. Disponível em: https://doi. org/10.35699/2237-5864.2020.20508. Acesso em: 7 jun. 2021. AQUINO, J. G.; REGO, T. C. (Org.). Deleuze pensa a educação: a docência e a filosofia da diferença. São Paulo: Segmento, 2014. (Coleção Biblioteca do Professor). BARBOSA, A. M. 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Conheceremos a estrutura conven- cional dos planos de ensino, que são roteiros da atuação docente, e também diferenciaremos e analisaremos três momentos avaliati- vos: diagnóstico, formativo e somativo. Refletiremos sobre as parti- cularidades da avaliação em Arte e sobre a viabilidade da avaliação por portfólio. No caso da profissão docente, o ensino demanda pesquisa e a pesquisa, ensino. De que modo se inter-relacionam e retroali- mentam? Veremos como a pesquisa ocorre já na própria prática profissional cotidiana, e não apenas em um movimento a posteriori, reflexivo, que toma essa prática como objeto. Finalmente, ao propor estratégias para pensar a própria práti- ca, abordaremos o processo de formação profissional dos profes- sores da educação básica, com especial interesse no modo como aprendem, que influi no modo como ensinam. Nesse contexto, o método cartográfico, uma modalidade da pesquisa qualitativa em ciências humanas que se realiza no encontro, mobiliza afetos e, ao mesmo tempo, promove o autoconhecimento, tem se mostrado uma estratégia de aprimoramento da prática profissional em uma perspectiva de formação continuada. 5.1 Planejamento Vídeo Em razão da necessidade de organizar a prática educativa e da pró- pria demanda do sistema burocrático das escolas, o professor elabora planejamentos antes e após sua atuação efetiva, os quais projetam e representam sua ação a longo e a curto prazo. Os planos de ensino são 88 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio discutidos, geralmente, com os colegas de trabalho e com os coordena- dores pedagógicos. Dependem, num primeiro momento, de se saber o tempo e o espaço em que as aulas de Arte irão ocorrer, por exemplo, se as duas horas-aula semanais serão ou não geminadas e se existe uma sala ou mesmo um ambiente (interno ou externo) separado da sala de aula regular onde as aulas de Arte têm ou podem ter lugar. O planejamento do curso (anual/semestral/trimestral/bimestral) e de cada aula abrange essencialmente os conteúdos (assuntos), os ob- jetivos (finalidades), os métodos (caminhos), os recursos disponíveis (materiais didáticos e mídias) e a avaliação (modos de verificação). Pla- nejamentos são elaborados no contexto da prática educativa e, desse modo, entram num processo circular, que Maria Heloísa Ferraz e Maria Rezende Fusari (2018) descrevem dividindo-o em três fases: Reflexão Constatação Encaminhamento 1. Constatação dos saberes e das práticas de arte que os alunos já dominam. Coleta de subsídios para planejar o desenvolvimento das aulas. 2. Encaminhamento com base nessas constatações, pensando em como novos conceitos serão introduzidos. Pressupõe uma tomada de decisão em relação aos conteúdos, objetivos e métodos. O que os alunos desconhecem, mas poderiam conhecer, tendo em vista o que já conhecem? Quais práticas parecem mais promissoras diante do contexto? O que a escola e a cidade podem proporcionar em termos de produção artística e cultural? 3. Reflexão sobre a intervenção educativa, que revela os aspectos de adequação e de inadequação do plano de trabalho. Revisão do planejamento. Avaliação, ensino e pesquisa 89 Nem sempre é possível conhecer a turma antes de elaborar o planejamento, embora seja possível conversar com a equipe da escola para obter informações sobre o seu perfil, em termos cole- tivos e individuais. Os colegas mais velhos e experientes são inter- locutores fundamentais no início da carreira docente. Obviamente, depois do contato com a turma, o planejamento pode ser revisto e alterado – ele não é, de modo algum, um documento rígido, mas apenas um roteiro provisório, que a prática cotidiana e a formação continuada do professor aperfeiçoam. O recorte de conteúdos, a definição dos objetivos e a escolha dos métodos e das formas de avaliação são orientados, em parte, pelos documentos oficiais (os Parâmetros Curriculares Nacionais, a Base Nacional Comum Curricular, as diretrizes das secretarias de educação estadual e municipal) e pelo projeto político-pedagógico da escola. No planejamento, geralmente, conteúdos, métodos, recursos e a avaliação são registrados por meio de substantivos ou formas substantivadas 1 . Já os objetivos são compostos de verbos, em especial no infinitivo. Nos anos 1950, o psicólogo norte-americano Benjamin Bloom (1913- 1999) estabeleceu, em sua taxionomia dos objetivos educacionais, uma classificação dos verbos pertinentes a cada domínio da ação pedagógica, conforme o Quadro 1. Alguns verbos se repetem em di- ferentes categorias; outros são sinônimos dentro de uma mesma ca- tegoria. Isso significa que os processos que eles descrevem não são isolados ou mutuamente excludentes no conjunto da ação pedagó- gica. Em certos momentos, avaliação e análise se sobrepõem, assim como aplicação e síntese, conhecimento e compreensão, e assim por diante. Você pode ver um exem- plo de plano bimestral e outro de plano de aula no Apêndice 1. 1 Quadro 1 Taxionomia dos objetivos educacionais (domínio cognitivo) (Continua) CONHECIMENTO Apontar Distinguir Expressar Reconhecer Calcular Enumerar Inscrever Relatar Citar Enunciar Marcar Registrar Classificar Especificar Nomear Repetir Definir Estabelecer Medir Sublinhar Descrever Exemplificar Ordenar Evocar (Continua) 90 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio COMPREENSÃO Concluir Discutir Interpretar Reorganizar Reduzir Exprimir Localizar Representar Demonstrar Extrapolar Modificar Revisar Derivar Ilustrar Narrar Traduzir Determinar Induzir Prever Transcrever Descrever Inferir Reafirmar Transmitir Diferenciar Interpolar Relatar Preparar APLICAÇÃO Aplicar Generalizar Relacionar Usar Demonstrar Ilustrar Esboçar Estruturar Desenvolver Inventariar Praticar Interpretar Dramatizar Operar Traçar Empregar Organizar Selecionar ANÁLISE Analisar Contrastar DiscriminarInvestigar Calcular Correlacionar Discutir Provar Categorizar Criticar Experimentar Deduzir Combinar Debater Distinguir Examinar Comparar Diferenciar Identificar SÍNTESE Comunicar Desenvolver Dirigir Propor Compor Documentar Formular Organizar Conjugar Escrever Modificar Prestar Construir Especificar Originar Reunir Coordenar Erigir Planejar Sintetizar Criar Esquematizar Produzir AVALIAÇÃO Argumentar Decidir Medir Validar Avaliar Estimar Precisar Valorizar Comparar Escolher Taxar Contrastar Julgar Selecionar Fonte: Adaptado de Bloom et al., 1956. Avaliação, ensino e pesquisa 91 Normalmente, no planejamento, os objetivos são divididos em ge- rais e específicos. Dos gerais, são extraídos os específicos, assim como os específicos se orientam para os gerais. Quadro 2 Exemplos de verbos para elaboração de objetivos gerais e específicos Objetivos gerais Objetivos específicos definir, compreender, desenvolver, co- nhecer, julgar, saber, entender, apren- der, melhorar, aperfeiçoar, adquirir, re- fletir, familiarizar(-se). aplicar, apontar, classificar, comparar, contrastar, distinguir, diferenciar, enu- merar, resolver, escrever, justificar, es- colher, verbalizar, construir, localizar, selecionar, exemplificar, desenhar, mo- delar, pintar, recortar e colar, aproximar, compor, listar, marcar, numerar, relacio- nar, traduzir, executar, dizer, identificar, esclarecer, auxiliar, comunicar, calcular, nomear. Fonte: Elaborado pela autora com base na categorização proposta no quadro anterior. Essas são informações técnicas que podem auxiliar o professor a planejar seus cursos e aulas de Arte na escola. Obviamente, não esgo- tam as possibilidades de organização, registro e comunicação do tra- balho pedagógico, sendo possível chegar a outras alternativas, desde que empreguem uma linguagem convergente (como é a escrita), ou seja, acessível a outras pessoas além do seu autor, pois a atuação do professor se dá dentro de uma instituição inserida em uma comuni- dade e em uma sociedade. Apesar dessa abertura em termos formais, a estrutura apresentada nesta seção é a mais convencional. Devido, ainda, à complexidade própria da avaliação em Arte, iremos dedicar uma seção inteira ao assunto. 5.2 Avaliação Vídeo Emitir juízos sobre obras executadas em diferentes linguagens artísticas ou sobre manifestações culturais em geral é uma tarefa complexa, que participa, contudo, dos processos de avaliação em Arte, os quais envolvem a apreciação individual e coletiva não ape- nas de trabalhos já existentes, mas também daqueles executados pelos próprios alunos. 92 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio Michael Parsons, professor emérito da Universidade Estadual de Ohio, propôs, em seu livro Compreender a arte, publicado em 1987, uma abordagem da experiência estética à luz do desenvolvimento cognitivo e moral. Ele investigou a maneira como as pessoas entendem as obras de arte, principalmente no âmbito da pintura, e estabe- leceu cinco estágios, tendo em vista diferentes aspectos da experiência visual. Em cada etapa, um aspecto (tema, expressão, meio/forma/estilo, juízo) adquire mais importância na relação que o espectador estabelece com a obra. Para Parsons (1992), o desenvolvimento se orienta sempre da dependência para a autonomia: os estágios do desenvolvimento estético são níveis de capacidade crescente para interpretar obras de arte. 1º estágio (preferência) • Gosto intuitivo pelos quadros. • Forte atração sensual pela cor. Gosto por quadros que contêm a cor predileta. • Reação aos quadros consistindo numa série de associações livres. 2º estágio (beleza e realismo) • Domina a ideia do tema. • Organiza-se em torno da representação. O objetivo fundamental da pintura é representar alguma coisa. • Um quadro será tanto melhor quanto mais cativante for o tema e mais realista for a representação. • Admiram-se a habilidade técnica, a paciência e o trabalho meticuloso. • Não se distingue o belo moral do belo artístico. O bom é belo e o belo é bom. • Leva-se em conta a abstração, mas se acredita que teve origem em algum erro ou falha no processo criativo. 3º estágio (expressividade) • Observam-se quadros em função da experiência que podem proporcionar. • O objetivo da arte é exprimir a experiência de um indivíduo. • A beleza do tema se torna secundária em relação àquilo que se exprime. • A criatividade, a originalidade e a força dos sentimentos são particularmente valorizadas. • Presença de certo ceticismo quanto à possibilidade de formular juízos estéticos objetivos sobre arte. 4º estágio (estilo e forma) • A significação de um quadro se torna mais social que individual. Integra-se numa tradição cultural. • Existem relações entre as diferentes obras – os estilos – e há consciência de uma história da sua interpretação. • Importa o modo como o meio de expressão é explorado, em termos de textura, cor, forma e espaço, bem como relações estilísticas. • Tudo o que a arte exprime é reinterpretado em termos de forma e estilo e passa a representar uma ideia pública mais do que um estado de espírito particular. 5º estágio (autonomia) • O indivíduo julga os conceitos e valores por meio dos quais a tradição constrói a significação das obras de arte. Esses conceitos se modificam durante o decurso do processo histórico e devem ser constantemente reajusta- dos à situação atual. • A experiência pessoal é o único meio no qual os juízos podem ser postos à prova, e só se pode confirmar ou questionar as opiniões consagradas à luz da compreensão das próprias reações. • É importante discutir com os outros as obras de arte. Concomitantemente ao fato de o juízo ser considerado uma responsabilidade individual, há uma percepção clara da necessidade de diálogo e compreensão intersubjetiva. • A arte é cultivada enquanto forma de discutir questões, e não propriamente de transmitir verdades. É possível debater racionalmente os juízos estéticos, embora eles se baseiem numa afirmação de caráter pessoal. Avaliação, ensino e pesquisa 93 A avaliação é um momento do trabalho educativo em que o profes- sor reflete sobre o seu programa de ensino e mostra ao aluno como ele está aprendendo, auxiliando-o, com efeito, a aprender. Ela pode ser quantitativa ou qualitativa. A primeira é presidida pela ideia de rendi- mento e apresenta um caráter classificatório, burocrático, competitivo e fechado. A segunda é presidida pela ideia de indicadores de mudanças e possui um caráter processual, democrático, cooperativo e aberto. Apesar de, na teoria, nos orientarmos cada vez mais para a avalia- ção qualitativa, na prática a quantitativa ainda impera na maioria das escolas brasileiras. Como a avaliação em Arte apresenta por si só um caráter mais qualitativo do que quantitativo, no ambiente escolar pro- penso à avaliação quantitativa ela se torna mais controversa. De um ponto de vista histórico, como lembra Fernando Hernández (2000), a distinção entre aprendizagem artística e criatividade foi fun- damental para superar a posição da corrente escolanovista do deixar fazer, para a qual avaliar a livre criatividade seria limitá-la, consideran- do positivo tudo o que o aluno faz. A aquisição de conhecimentos e habilidades artísticas demanda um processo de ensino, ou seja, não é espontânea, natural. Assim, a tendência tecnicista e, depois, o movi- mento Arte-Educação buscaram definir critérios objetivos de avaliação em Arte. A tendência tecnicista criou instrumentos para “medir” aspec- tos da aprendizagem artística relacionados a condutas ou comporta- mentos, conforme detalhado no quadro a seguir. Quadro 3 Critérios de avaliação em Arte relacionados a condutas/comportamentos Comportamentos BAIXO MÉDIO ALTO Conhecer Qualifica-identifica Estabelece fatos Organiza conhecimentos Perceber Discrimina Estabelece diferenças Analisa visualmente Organizar Conceitualiza Generaliza Valoriza Procurar Elabora Experimenta Inova Valorizar Prefere Escolhe Mantém uma atitude constanteManipular Parte das habilidades Conhece as rotinas Demonstra habilidades complexas Interatuar/cooperar Cumpre É responsável Mostra habilidades inter-pessoais Fonte: Hernández, 2000, p. 157 (adaptado de Armstrong, 1994). 94 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio O movimento Arte-Educação, por sua vez, trouxe à avaliação um apor- te de conteúdos e habilidades ligados às disciplinas de História da Arte, Crítica, Estética e Produção Artística. Por meio de sua articulação, a pro- fessora de Arte Carol Stavropoulos (1956-), por exemplo, definiu, em sua tese de doutorado defendida na Universidade Estadual de Ohio, em 1992, quatro dimensões do conhecimento artístico como base para a avalia- ção: formal, descritiva, interpretativa e histórica. Sem negar a validade das condutas artísticas, sua proposta reorganiza a avaliação em torno dos conteúdos e habilidades compartilhados pelas quatro disciplinas. Dentro de cada dimensão do conhecimento artístico, uma escala de -3 a 12 re- presenta o grau de complexidade da sua compreensão por parte dos alu- nos, na qual -3 a -1 indicam compreensão inadequada, 0 a 5 indicam baixo nível de compreensão e 6 a 12 indicam alto nível de compreensão. Quadro 4 Conhecimento básico e estratégias de busca na avaliação em Arte AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS DA APRENDIZAGEM Conhecimento básico O que já dominava? Conhecimento de estratégias de busca Quais estratégias utilizou em seu processo de busca? Formal: elementos/princípios, meio, técnica. Descritivo: objetos, figuras, representações, tema, símbolos, imagens. Interpretativo: emoção, sentimento, expres- são, significado. Histórico: nomes, dados, títulos, localizações, período/movimento, significação. Marco de conteúdos: nomear, escutar, recompilar fatos, identificar, definir, ampliar o vocabulário. Marco de resolução de problemas: descrever, discutir, busca ativamente, fazer conexões, explicar, analisar, ques- tionar. Marco epistemológico: citar razões, desenvolver crité- rios, fazer determinações, apoiar as valorizações. Marco de pesquisa: aventurar-se, ir além das versões ofi- ciais, formular problemas. Fonte: Hernández, 2000, p. 160 (adaptado de Stavropoulos, 1993). Quadro 5 Exemplo de folha de registro de avaliação, segundo a proposta de Stavropoulos Dimensões do conheci- mento artístico Compreensão inade- quada (-3 a -1) Baixo nível (0 a 5) Alto nível (6 a 12) Formal Descritiva Interpretativa Histórica Fonte: Adaptado de Stavropoulos, 1992, p. 234. Avaliação, ensino e pesquisa 95 Os quadros apresentados, apesar de anteciparem algumas respos- tas à questão da avaliação, tornam-se muito abstratos no cotidiano de trabalho do professor, especialmente no caso da disciplina de Arte, em que é necessário assumir muitas turmas de, em média, 20 a 40 alunos. No contexto brasileiro, na prática, portanto, não há tempo para ponde- rações muito longas e análises de nuances nos percursos individuais; por isso, a avaliação quantitativa, com notas e boletins, ainda tem gran- de força nas escolas. Outro complicador, como afirmamos, é a dificulda- de em associar um conhecimento de natureza artística, que não é exato no sentido de uma operação matemática, a uma tabela de pontuação, precisando sua aquisição ou seu domínio em termos numéricos. Cada atividade, em cada contexto, vai determinar os seus próprios critérios de avaliação. Decidir em que medida o estudante atingiu ou não o mínimo necessário durante a sua realização, contudo, não é tão simples e demanda conhecimento e reflexão na prática, conceitos aos quais retornaremos adiante. À medida que os resultados, do ponto de vista da turma, são comparados uns com os outros, temos mais subsídios para avaliar cada um em particular. Nessa visão do conjun- to, é possível perceber quais são os limites comuns do grupo e situar melhor os próprios critérios adotados inicialmente, bem como aqueles que se aplicarão às atividades seguintes. De qualquer modo, é importante ao docente ter claros para si mes- mo os critérios de avaliação e, em especial no caso de adolescentes, compartilhá-los previamente com a turma. Hernández (2000) elenca, resumidamente, o que considera ser possível avaliar em Arte: • o conhecimento e a compreensão sobre os fenômenos e proble- mas relacionados com a cultural visual, em geral, ou com a arte, as obras e os artistas, em específico; • a capacidade de dar forma visual às ideias; • a argumentação sobre temas e questões relativas à arte e à cul- tura visual; • a descrição, análise e interpretação das manifestações da cultura visual ou das obras de arte e de seus significados; • a curiosidade, inventividade, inovação, reflexão e abertura a no- vas ideias; • a participação ativa em todas as atividades; • a competência na utilização de ferramentas, equipamentos, pro- cessos e técnicas. 96 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio O autor considera que a avaliação está presente durante toda a ação pedagógica. Para ele, ela pode ser dividida em três momentos: diagnóstica, formativa e somativa. 5.2.1 Avaliação diagnóstica, formativa e somativa Na avaliação diagnóstica, detectam-se os conhecimentos que o es- tudante já possui e coletam-se evidências sobre as formas como ele aprende, com vistas a fundamentar o trabalho posterior. Pode ser feita por meio da resolução de um problema sob a forma de uma atividade dirigida ou de perguntas. Por exemplo: pedir aos alunos que tragam de casa uma imagem de algo que consideram ser arte, para verificar qual a noção que têm de seu significado. A avaliação formativa ocorre durante a situação de aprendiza- gem e corresponde à análise de cada etapa do processo ou de cada trabalho proposto pelo professor, levando em conta as exigências dos enunciados, os possíveis erros conceituais e as relações impre- visíveis. Por exemplo: numa atividade prática de desenho, o aluno se manteve ligado ao tema e à proposta? Se não, em que medida se afastou deles e o que representou esse afastamento? Sua solução foi além de lugares comuns? O quanto dominou a técnica? Como se articulam forma e conteúdo em relação à sua ideia para a solução formal do problema? Finalmente, a avaliação somativa é o momento de síntese de um conteúdo, uma série ou um nível educativo, permitindo reconhecer se os estudantes alcançaram o resultado esperado ou adquiriram as habi- lidades previstas em função do programa trabalhado. No caso das artes visuais, é possível solicitar pastas para os alu- nos guardarem trabalhos bidimensionais executados ao longo do período de ensino, com o objetivo de, em seu encerramento, ter uma visão de conjunto do próprio percurso. Um caderno de de- senho constitui outra solução, pois as atividades, mesmo não se restringindo ao seu espaço, podem ser comentadas, registradas e analisadas nele, tendo a vantagem de reunir num só objeto uma trajetória de aprendizagem. Semelhante, apenas nesse sentido es- trito de elemento aglutinante, à pasta ou ao caderno de desenho, o portfólio, entre as modalidades de avaliação qualitativas, tem sido bastante difundido na literatura pedagógica. Avaliação, ensino e pesquisa 97 5.2.2 Avaliação por portfólio O portfólio foi proposto como método avaliativo inicialmente por Howard Gardner (1943-), autor da teoria das inteligências múltiplas, e estudado por, entre outros, Fernando Hernández. No campo da arte, um artista submete o seu portfólio à apreciação de uma galeria ou um museu ao propor uma exposição ou a venda de suas obras. É uma pas- ta (física ou digital) contendo imagens dessas obras e outras evidên- cias de sua trajetória, como participação em exposições e residências artísticas. Como instrumento avaliativo em educação, o portfólio visa “facilitar a reconstrução e reelaboração, por parte do estudante, de seu próprio processo de aprendizagem” (HERNÁNDEZ, 2000, p. 165). Con- siste, por um lado, no registro das experiências e realizaçõesúnicas de cada estudante e, por outro, no reconhecimento e na promoção, por parte do professor, da diversidade. Em 1983, o psicólogo e professor norte-americano Howard Gardner publicou o livro Estruturas da mente: teoria das inteligências múltiplas. Inteligência é, para ele, um conjunto de ferramentas. Não existe apenas um tipo de inteligência, mas vários, que atuam em conjunto em um mesmo indivíduo de maneira complexa. Essas inteligências são desenvolvidas por meio da interação entre fatores genéti- cos e ambientais durante o crescimento, configurando um perfil intelectual único. • Inteligência espacial: habilidade de manipular e conceitualizar matrizes espaciais em grande ou pequena escala. Sensibilidade para cor, linha, formas e suas relações. Exemplo: marinheiros, pilotos de avião, arquitetos, enxadristas, artistas visuais, designers, fotógrafos. • Inteligência corporal-sinestésica: habilidade de usar o próprio corpo (inteiro ou partes dele) para resolver problemas ou criar produtos. Coordenação, balanço, des- treza, flexibilidade, velocidade e percepção tátil. Exemplo: dançarinos, coreógrafos, nadadores, corredores, massagistas, ciclistas. • Inteligência musical: habilidade de perceber, discriminar, transformar e expressar formas musicais. Sensibilidade para os sons. Exemplo: músicos, cantores. • Inteligência linguística: habilidade de manipular a estrutura, os sons, o significado e os usos práticos da língua. Exemplo: escritores, poetas, dramaturgos, roteiristas, jornalistas. • Inteligência lógico-matemática: habilidade de conceitualizar relações lógicas entre ações e símbolos, categorizar, classificar, inferir, deduzir, generalizar, calcular e tes- tar hipóteses. Exemplo: cientistas, matemáticos. • Inteligência interpessoal (social): habilidade de interagir com outras pessoas, de perceber nelas contrastes em estados de ânimo, temperamento, motivações e in- tenções. Exemplo: psicólogos, negociantes, médicos, professores, atores. 98 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio • Inteligência intrapessoal: percepção de si próprio, de sentimentos, de desejos, de ansiedades. Autodisciplina, autoconhecimento e autoestima. Presente em todas as profissões. • Inteligência naturalista (da natureza): habilidade de fazer distinções no mundo natural entre diferentes tipos de plantas, animais, solos, nuvens etc. Exemplo: taxo- nomista, zoólogo, meteorologista, agrônomo. A pesquisa de Gardner teve como consequência, no plano educacional, o reconhe- cimento das diferenças pessoais no ato da aprendizagem. Consequentemente, ideias, conceitos, teorias e habilidades precisam ser ensinados de diferentes ma- neiras, de modo a contemplar as diferentes inteligências. Ao mesmo tempo, não existe uma fórmula para atingir cada pessoa. Como podemos pensar a ação de mediação docente passando de uma inteligência para a outra? A realização de um portfólio tem início com o posicionamento do professor a respeito do propósito do portfólio enquanto instrumento avaliativo, de modo a torná-lo explícito para a turma. Na sequência, cada aluno define o que pretende aprender dentro da disciplina, le- vando em conta as finalidades dela como estabelecidas pelo professor. O estudante reúne, então, evidências e experiências (dentro e fora do ambiente de aula) que vão respondendo, ao longo do tempo, às suas necessidades formativas. A seleção dessas evidências é feita mediante um critério ou fio condutor, estabelecido pelo próprio estudante, por exemplo: o que e como aprendi em cada aula? Como interagi com o professor e os colegas em cada aula? Quais os critérios de seleção dos conteúdos trabalhados? O que me lembro e o que esqueço depois de cada aula e por quê? O fio condutor é definido mediante a resposta à seguinte pergunta: o que me interessa nessa disciplina em geral e nes- se programa em particular? Por meio dessa reordenação contínua das evidências em torno do fio condutor, o estudante reflete sobre o que aprendeu durante todo o percurso educativo e realiza, ao final, uma síntese em relação às metas de aprendizado explicitadas no início. Finalmente, o aluno escolhe uma forma (o “continente”) para apre- sentar o portfólio, que não precisa ser a de uma pasta e deve ter alguma coerência em relação ao fio condutor. No portfólio, podem ser reuni- dos anotações de aula, resultados ou registros de atividades práticas (imagens, áudio, vídeo, objetos), relatos de outras pessoas envolvidas no processo formativo, autoavaliação e todas as coisas que o estudante considerar que tenham sido pertinentes ao seu aprendizado durante o período de ensino. Trata-se, portanto, de um instrumento que deman- Avaliação, ensino e pesquisa 99 da certa maturidade para a realização de autorreflexão e autocrítica, sendo mais adequado, a princípio, ao trabalho com estudantes do en- sino médio e, devido à demanda de atenção individualizada, preferen- cialmente com grupos pequenos. A avaliação do portfólio pelo professor ocorre a cada etapa e tam- bém ao final, quando ele é apresentado. Nesse desfecho, o professor compara as metas estabelecidas pelo estudante ao seu desenvolvimen- to, buscando pensar sobre a medida do seu êxito e, assim, qualificando o valor educativo e formativo do processo reconstruído. 5.3 O professor reflexivo Vídeo A ideia do profissional reflexivo foi desenvolvida por, entre outros autores, Donald Schön (1930-1997), professor do Instituto de Tecnolo- gia de Massachusetts (MIT), no fim dos anos 1970 e início dos 1980. Em 1983, Schön publicou The reflective practitioner: how professionals think in action (O praticante reflexivo: como profissionais pensam em ação), um livro que investiga a epistemologia da prática, ou seja, a natureza dos conhecimentos implicados numa sequência de ações, influenciado pelo pensamento de John Dewey. Schön observou que profissionais competentes geralmente sabem mais do que são capazes de dizer, exi- bindo uma espécie de conhecer-na-prática, em grande parte tácito, que a separação entre pesquisa e ação na academia acaba por desvalorizar. Assim, analisou a estrutura da reflexão-na-ação, demonstrando que ela apresenta um rigor próprio, com semelhanças e diferenças em relação à pesquisa científica. Quando decidiu cursar a licenciatura em Artes Visuais, você iniciou um processo de profissionalização. O mundo das profissões, que foi ab- sorvido, no campo da educação, pelas instituições de ensino superior ou escolas profissionalizantes, é, contudo, um fenômeno recente, que teve início com a Revolução Industrial e se expandiu consideravelmen- te no período do pós-guerra. Profissão (que divide o radical com a palavra professor) vem do latim professio-onis e significa “declarar algo publicamente”. O contrário de profissional é amador. O primeiro realiza uma atividade cotidiana da qual retira o seu sustento; já o último se engaja numa atividade de ma- neira gratuita, por prazer ou vontade. Quando você faz uma refeição 100 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio ou lê alguma notícia, provavelmente usa equipamentos cujo funciona- mento lhe é obscuro e entra em contato com assuntos cuja competên- cia para julgar você reconhece que não possui. Isso não lhe impede de usar tais equipamentos ou ler tais notícias, pois, se for o caso, sempre existirá alguém que poderá consertá-los ou informar você melhor so- bre aquele assunto. Afinal, você está vivendo no mundo setorizado, de especialistas, que é o mundo das profissões. Quando Schön escreveu seu livro, em 1983, havia, segundo ele, uma crise de confiança das pessoas no conhecimento profissional: ele é mesmo adequado aos propósitos definidos pelas profissões? Tal conhecimento estava se mostrando, segundo suas pesquisas, incompatível com o cará- ter dinâmico das situações vivenciadas na prática – sua complexidade, sua incerteza, sua instabilidade, sua singularidade e seus conflitos de valor, ele- mentos essesque o autor considera centrais na prática profissional. O mundo está mudando tão rápido que profissionais recém-formados se deparam com situações, no exercício de sua profissão, para as quais não haviam sido preparados durante sua formação. Tanto o corpo de co- nhecimento que mobilizam no trabalho quanto as expectativas da socie- dade à qual seu trabalho se dirige estão se reconfigurando em períodos muito curtos de tempo, abrindo um abismo entre o conhecimento profis- sional e o mundo real. Além disso, dentro de cada campo de formação, em particular, convivem, não sem certa tensão, diferentes pontos de vista sobre o papel do profissional, os valores centrais da profissão, as habilida- des e os conhecimentos relevantes. Em qual, digamos, acreditar? Schön observou que os profissionais não são capazes de se dar conta das competências que demonstram em ação, tendo em vista o modelo de conhecimento profissional ao qual eles mesmos aderiram: a aplicação de técnicas e conhecimentos estabelecidos a tarefas ou situações bem definidas. Schön (1983, p. 31, tradução nossa) chamou esse modelo dominante nas instituições de ensino superior e profissio- nalizante de modelo da racionalidade técnica, para o qual “a atividade profissional consiste na resolução instrumental de problemas, tornada rigorosa pela aplicação da teoria e da técnica científicas” . A racionalida- de técnica apresenta, ainda, um aspecto hierárquico, no qual a pesquisa se encontra institucionalmente separada da prática. O pesquisador pos- sui, nesse quadro, um papel de maior prestígio do que o profissional ou o praticante da profissão, apesar de um alimentar o trabalho do outro. Avaliação, ensino e pesquisa 101 O modelo da racionalidade técnica presente nos cursos de gradua- ção em geral é, conforme Schön, uma herança do positivismo, mais es- pecificamente da epistemologia da prática positivista. As proposições que expressam conhecimento do mundo natural, ou proposições em- píricas, eram entendidas pelos positivistas como hipóteses que pode- riam ser testadas indiretamente por meio de deduções, as quais, por sua vez, poderiam ser confirmadas ou negadas mediante a realização de experimentos. Toda investigação empírica, sob a perspectiva do positivismo, reduz-se a esse modelo hipotético-dedutivo, no qual se constrói hipó- teses previamente, que são colocadas à prova em experimentos nos quais todas as variáveis são controladas, de modo a poderem ser repe- tidos e levar aos mesmos resultados. O pesquisador, nesse caso, busca tomar distância de seu objeto de estudo para vê-lo “objetivamente”. Elementos como complexidade, incerteza, instabilidade, singularidade e conflitos de valor, centrais à prática em si, não têm lugar aqui. Schön considera que o modelo da racionalidade técnica dá excessi- va ênfase à resolução de problemas – escolher racionalmente os meios mais adequados para os fins em vista –, sendo que, na prática, o crucial é, em primeiro lugar, definir o que é o problema, ou seja, torná-lo explícito e “enquadrá-lo” (frame it). Isso não é algo tecnicamente ensinável; é, antes, “um processo no qual, interativamente, nomeamos as coisas de que ire- mos tratar e enquadramos o contexto no qual iremos tratá-las” (SCHÖN, 1983, p. 52, tradução nossa). O profissional deve buscar sentido para si- tuações que inicialmente não apresentam sentido nenhum. Essas situa- ções, dada a sua particularidade, costumam ultrapassar aquilo que está escrito nos livros ou o que se aprendeu na faculdade. Elas demandam mais do que categorias gerais de análise ou um conhecimento pronto e embalado para consumo. Demandam, segundo Schön, caminhos artísti- cos – experimentação, tentativa e erro, intuição e certo “sair dos trilhos”. Isso significa dialogar com a situação, refleti-la enquanto ela ocorre e enquanto se age sobre ela. Não existe uma hipótese, regra ou solução prévia, dentro da cabeça do profissional, que antecede a sua ação. Por exemplo, um ceramista experiente é capaz de olhar a forma de sua peça e identificar e corrigir seus problemas enquanto está modelando, embora nem sempre consiga verbalizar o que o faz estabelecer esse julgamento. Ele tem a sensação de que a forma está boa ou má antes da consciência do porquê. Segundo Schön (1983, p. 84, tradução nossa), O positivismo é uma dou- trina filosófica segundo a qual o conhecimento é construído por meio da verificação, pela razão e pela lógica, dos dados recebidos pelos sentidos ou evidência empírica. Seu principal representante, o francês Auguste Comte (1798-1857), acredi- tava que a metafísica, o pensamento puramente abstrato, deveria ser substituída pelo método científico, no qual teoria e observação são mutua- mente dependentes. Curiosidade 102 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio “quando alguém reflete-na-ação, torna-se um pesquisador no contexto da prática. Não é dependente de categorias teóricas ou técnicas esta- belecidas, mas constrói uma nova teoria do caso único”. O escritor russo Leiv Tolstoi (1828-1910), no artigo Sobre métodos de ensinar os rudimentos (1862), uma das fontes de Schön, afirma que ser um bom professor exige “não um método, mas uma arte”. O melhor professor será aquele que tem na ponta da língua a explicação sobre o que está incomodando o seu aluno. Essas ex- plicações dão ao professor o conhecimento do maior número possível de métodos, a habilidade de inventar novos métodos e, sobretudo, não uma aderência cega a um método, mas a con- vicção de que todos os métodos são parciais e de que o melhor método será aquele que responde melhor a todas as possíveis dificuldades pelas quais um aluno passa, isto é, não um método, mas uma arte e um talento. Todo professor […] deve, ao observar as imperfeições na com- preensão do aluno, não como um defeito do aluno, mas como um defeito da sua própria instrução, trabalhar para desenvolver em si mesmo a habilidade de descobrir novos métodos. Todo professor deve saber que cada método inventado é apenas um degrau, no qual ele deve se apoiar para ir além. (TOLSTOI, 1904, p. 58, tradução nossa) Schön argumenta, contudo, que é importante não apenas refletir-na-ação, mas também refletir-sobre-a-ação, tanto no caso de o profissional incorporar, pela rotina, um conhecimento prático que se torna tácito quanto no caso de ele “superaprender” o que sabe e ignorar seletivamente aquilo que escapa ao seu conhecimento-na-ação, o que caracteriza uma atitude rígida e defensiva. A reflexão-sobre-a-ação é importante, também, para desmistificar a prática, no sentido de algo misterioso e inacessível, bem como para estender, aprofundar e apri- morar a reflexão-na-ação. Um dos casos estudados por Schön no livro citado é o do diálogo entre um professor e uma estudante de arquitetura. Quist, o profes- sor, lança um problema à turma: projetar uma escola num terreno em declive. Petra, uma de suas alunas, chega a um impasse: ela considera não ter sido capaz de adaptar a forma do edifício ao caráter acidentado Avaliação, ensino e pesquisa 103 do terreno. Quist coloca um papel transparente sobre o desenho de Petra e, ao mesmo tempo em que traça linhas sobre ele, fala sobre o que está fazendo. Ele reenquadra, então, o problema para Petra: como o terreno é muito irregular, o melhor é, de início, impor-lhe uma disciplina geomé- trica e, mais tarde, se for o caso, quebrá-la. Ele diz, enquanto desenha, frases como “se... então...” ou “e se...?” e aprecia as soluções que vai encontrando, de modo a segui-las ou rejeitá-las, fazendo referência a precedentes formais na história da arquitetura. Ele vai se movendo dentro de uma rede virtual de possibilidades construída sobre seu re- pertório de exemplos, imagens, ideias, ações – sua experiência prévia de um modo geral. Assim, situações que lhe são familiares (que com- põem o seu repertório) servem como entrada naquela que lhe é estra- nha: é isso que dá a Quist uma sensação do caminho a seguirdiante do problema que tem diante de si, o qual não se encaixa exatamente nas regras, convenções ou categorias gerais que aprendeu na faculdade. Em sua resposta à Petra, suas decisões produzem implicações que ele constantemente reavalia perante o problema que foi por ele redefini- do, numa “espiral de apreciação, ação, reapreciação” (SCHÖN, 1983, p. 156, tradução nossa). Quist não sabe, quando começa seu “experimento exploratório”, qual será a solução do problema ou mesmo se ele vai chegar a uma solução. Mas o modo como reconfigura o problema para Petra o colo- ca numa linha de investigação na qual demonstra confiança, e é essa confiança que lhe permite avançar. Assim, a relação de Quist (o profissional) com a situação do projeto de Petra (o caso singular e único que se apresenta na prática) é transa- cional – expressão que Schön empresta de Dewey –, pois o professor está dentro da situação que busca compreender e a muda, em seu diá- logo com ela, durante esse processo de compreensão. “Ele entende a situação tentando mudá-la, e considera as mudanças resultantes não defeitos do método experimental [no qual, tradicionalmente, o pesqui- sador mantém distância do objeto], mas a essência mesma de seu su- cesso” (SCHÖN, 1983, p. 177, tradução nossa). A reflexão-na-ação não significa parar de fazer para pensar ou parar de pensar para fazer; significa fazer e pensar simultaneamente – um ali- mentando o outro. Além desse mito da separação entre pensamento e 104 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio ação, outros limites impostos à reflexão-na-ação dizem respeito aos con- textos institucionais e interpessoais nos quais os profissionais atuam. Num contrato tradicional de trabalho, a relação entre o profissio- nal e o cliente se realiza, com frequência, em espécies de “jogos de controle”, nos quais a questão é sobretudo a de ganhar ou perder, o que os coloca paradoxalmente na posição de adversários, inibindo também a capacidade de se refletir-na-ação. Schön equipara a rela- ção profissional-cliente, no campo da educação, à de professor-aluno, embora reconheça que outras instâncias (como os pais) estejam indi- retamente implicadas. Ele observou, durante sua participação em um projeto do MIT com professores de escolas públicas urbanas, que as experiências mais satisfatórias entre os docentes foram, segundo o seu próprio relato, aquelas nas quais se colocaram no papel do estudante e se permitiram experimentar as dúvidas e confusões que assumiram que era esperado que dirimissem. Segundo Schön, o professor reflexivo vê a sua própria prática como uma atividade experimental de pesquisa e, assim, engaja-se num pro- cesso contínuo de autoeducação. Ele se pergunta: como me situo em relação ao meu próprio conhecimento? Apenas assumo a posição da- quele que “sabe” ou estou interessado em modos alternativos de ver os fenômenos que não se adaptam aos meus modelos? Vejo os discen- tes como partícipes desse processo de pesquisa? Permito-me aprender com eles para além de “performar”, diante deles, meu conhecimento? Quadro 6 Relação professor-aluno no modelo tradicional e no reflexivo Professor segundo o modelo da racionalidade técnica Professor reflexivo Presume-se que sei e que devo afirmar que sei, inde- pendentemente de minha própria incerteza. Presume-se que sei, mas não sou o único na situação a ter conhecimento relevante e importante. Minhas incertezas podem ser uma fonte de aprendizado para mim e para os alunos. Mantenho distância dos alunos e me apoio no papel do especialista (expert). Dou ao aluno provas de minha expertise, mas crio uma atmosfera de simpatia como uma espécie de atenuante. Busco conexões com o pensamento e os sentimentos dos alunos. Permito que o seu respeito pelo meu conhecimen- to emerja de sua descoberta dele nas situações em sala de aula. Busco deferência e status na resposta dos alunos à mi- nha persona profissional. Busco um sentido de liberdade e a conexão real com o aluno, como consequência de não precisar manter uma “fachada” profissional. Fonte: Adaptado de Schön, 1983, p. 344. Avaliação, ensino e pesquisa 105 O modo de funcionamento atual das instituições, em geral, é um fator que restringe o modelo da racionalidade prática, ligado à ideia do profissional reflexivo. Conforme Schön, as instituições são sistemas – nos quais os profissionais são incorporados – de caráter burocrático, cuja estrutura é altamente especializada e hierárquica. Ele dá o exem- plo de uma típica escola pública urbana norte-americana (que não di- fere muito, nesse aspecto, das escolas públicas urbanas brasileiras). A descrição é longa, mas vale a pena retomá-la. Tal escola é construída […] em torno de uma teoria do conheci- mento. Existe um conceito de conhecimento privilegiado que é a obrigação dos professores ensinar e dos estudantes, aprender. Este conceito de conhecimento é encarnado em textos, currícu- los, planejamentos, provas; de fato, encontra-se institucionaliza- do em todos os aspectos da escola. Professores são vistos como experts técnicos que transmitem o conhecimento privilegiado aos estudantes num sistema construído […] em cima da metá- fora da “nutrição”. As crianças são alimentadas com porções de conhecimento, em doses calculadas. Espera-se que o digiram e que evidenciem, em aulas e provas, que o digeriram. O currículo é concebido como um menu de informação e habilidades, cada planejamento é uma refeição e todo o processo é tratado como um desenvolvimento progressivo, cumulativo. Dentro da escola, a ordem do espaço e a ordem do tempo se conformam a essa imagem básica. O edifício da escola é dividido em salas de aula, cada qual contém um professor e um grupo de vinte a trinta alunos reunidos segundo o seu nível de ensino. Cada sala de aula é independente e o professor está, a maior parte do tempo, isolado dentro dela. Temporalmente, o dia na escola é dividido em períodos de cerca de uma hora de duração, cada um dos quais é supostamente dedicado a cobrir o conteúdo de conhecimento discriminado em um planejamento. Dias da semana, meses e o ano letivo são divi- didos similarmente, de acordo com o mapa curricular do conhe- cimento privilegiado. A transmissão eficiente de conhecimento requer um sistema de controles. O professor deve transmitir unidades padronizadas de conhecimento a um grande número de estudantes e deve realizar avaliações, em forma de questionários e provas, com o objetivo de determinar o que os estudantes aprenderam ou fa- lharam em aprender. Pelo uso de indicadores [numéricos ou alfabéticos], progres- sões seriais e meios mais informais, estudantes são recom- pensados pela sua capacidade de demonstrar que digeriram o 106 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio conhecimento e habilidade devidos, e são punidos pelo fracasso nessa tarefa. […] Os professores são submetidos a um sistema de controles simi- lar. Eles são monitorados e recompensados ou punidos na me- dida do progresso de seus estudantes. E do mesmo modo que os professores funcionam como centros de instrução e controle em relação aos estudantes que lhes são periféricos, também eles ocupam posições periféricas em relação aos seus supervisores. Currículo e planejamentos, assim como medidores de desem- penho e recompensas e punições, emanam de um centro e são impostos aos professores na periferia. […] Grande prioridade é dada à objetividade no controle tanto de es- tudantes quanto de professores. É considerado importante che- gar a avaliações de proficiência e progresso quantitativas, que são independentes de julgamentos individuais. Elas são preferi- das a relatos qualitativos, narrativos de experiência de aprender e ensinar. Avaliações quantitativas permitem que o sistema de controle, e os outros sistemas que dependem dele, aparentem consistência, uniformidade, precisão e imparcialidade. […] A escola mostra-se governada por um sistema de regras for-mais determinadas objetivamente e por procedimentos que são gerenciados através de uma hierarquia. Ela contém uma estrutura de conhecimento que inclui não apenas o conteúdo do currículo, mas tecnologias de avaliação, comunicação, con- trole e manutenção que são necessárias igualmente ao ensino e à administração. […] Obviamente, a escola como uma instituição de racionalidade técnica e eficiência burocrática tem um aspecto desfavorável […]. Estudantes respondem à escola “se desligando”, desviando suas energias reais e sua criatividade para o mundo fora dela. Ou aprendem a vencer o sistema fazendo um uso eficiente das avaliações de desempenho, descobrindo como passar nas pro- vas, obter notas e mover-se através dos níveis de ensino, sem pensar muito sobre o conhecimento que estão supostamente adquirindo. De modo similar, professores frequentemente aprendem a fazer um uso eficiente das medidas de controle de seu desempenho, esforçando-se para cumprir a lista de padrões que lhes são im- postos sem se preocupar muito se, ou como, seus estudantes estão aprendendo; ou até pensam sobre isso, mas reservam esses pensamentos para o mundo fora da escola. […] Tais jogos de controle e evasão estão frequentemente enraizados em redes políticas, na medida em que indivíduos formam alianças com o propósito de ganhar ou proteger território, segurança e status. Avaliação, ensino e pesquisa 107 O que acontece numa tal burocracia educacional quando um professor começa a pensar e agir não como um expert técnico, mas como um profissional reflexivo? (SCHÖN, 1983, p. 377-381, tradução nossa, grifos do original) Instituições de ensino, com sua ênfase burocrática em procedi- mentos uniformes, sistemas de controle do tipo centro-periferia e avaliações objetivas de desempenho são dinamicamente conservado- ras, e a prática reflexiva, como Schön a entende, representa para elas uma ameaça. No sistema de aprendizagem organizacional de uma instituição reflexiva, com procedimentos flexíveis, respostas diferenciadas e responsabilidade descentralizada, o grupo docente poderia ser estimulado a trabalhar com turmas pequenas – em am- bientes amplos e abertos, nos quais outros professores com outras turmas pudessem estar presentes e interagir –, com tempos adapta- dos a cada projeto e com avaliações qualitativas, pensadas para dar conta de processos complexos. 5.4 Vidas de professores Vídeo Um dos difusores em língua portuguesa do pensamento de Schön e de autores com pesquisas próximas, como Kenneth Zeichner e Phili- pe Perrenoud, foi o antigo reitor e atual professor da Universidade de Lisboa, António Nóvoa (1954-). Sua tese de doutorado foi publicada em 1987 sob o de título O tempo dos professores. Em 1992, coordenou a publicação da trilogia Os professores e sua formação, Profissão professor e Vidas de professores. Durante esses anos e os que se seguiram, Nóvoa se dedicou à inves- tigação do modo como professores se tornam professores. Ele defen- de a criação de uma nova institucionalidade nesse contexto, localizada em uma zona de contato entre a formação e a profissão. Chama-a de terceiro lugar institucional, para não a reduzir ao pensamento dicotômi- co. Trata-se de um projeto no qual as instituições de ensino superior (universidades e faculdades) e a escola existiriam de maneira articula- da e coordenada, oferecendo sustentação ao professor no período de indução profissional, ou seja, nos primeiros anos de exercício de sua profissão. Sua proposta abrange, por exemplo, um programa de resi- dência de professores, tal como existe a residência médica. 108 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio Ao lado da construção desse terceiro lugar institucional, é preciso também, na perspectiva de Nóvoa, reconhecer a importância do ter- ceiro gênero de conhecimento, ligado à prática docente, para além dos conhecimentos pedagógicos (em psicologia, sociologia, história, polí- tica da educação e metodologias) que tradicionalmente permeiam a formação profissional. O primeiro gênero de conhecimento é marcado pelo contato inicial do professor com a turma, que o coloca diante de uma série de relações externas, como o comportamento dos alunos e as reações involuntárias de si mesmo. O segundo gênero de conhe- cimento é alcançado quando ele domina o ritmo da sala de aula e as relações que a compõem. Finalmente, a capacidade de compreender o que faz quando ensina ou aprende e de falar sobre isso representa, para Nóvoa, o terceiro gênero de conhecimento. Ele se realiza, ainda, dentro de uma dada comunidade docente. Segundo o autor português, o papel fundamental que os profes- sores atuantes desempenham junto aos iniciantes deve ser assumido institucionalmente, de modo a incluí-los nos processos de formação, constituindo uma terceira presença coletiva. O investimento de auto- ridade nos professores para formar futuros colegas e integrá-los nas escolas afirmaria, ao mesmo tempo, a própria profissão docente, num cenário de “desprofissionalização” crescente ou de “proletarização” do professorado, que se manifesta nos baixos níveis salariais, na grande quantidade de horas em sala, em turmas superlotadas e na intensifica- ção do trabalho, que não raro invade as horas de descanso, por conta de lógicas burocráticas e de controle. Os professores precisam encontrar a sua posição e se reposicionar continuamente dentro da profissão. Nóvoa (2017) afirma que posição é uma postura, uma condição, um estilo, um arranjo e uma opinião. Trata-se de um conceito espacial e relacional. O método da cartografia, com o sentido que os filósofos Gilles Deleuze e Félix Guattari conferem ao termo, como um percurso em um campo de conectividade capaz de gerar conhecimento, também se apoia nessa ideia de posição e tem sido aplicado na investigação a respeito do modo como os professores aprendem. Tal método aparece frequentemente ligado à autoetnografia (observação de si em uma dada situação dentro de um dado contexto) e a uma pedagogia dos afetos (voltada a forças invisíveis, acionadas em encontros, que colocam as pessoas em movimento e têm o poder de O vídeo a seguir, publica- do no canal TV UFSC, é o registro da aula magna que António Nóvoa ministrou na Universi- dade Federal de Santa Catarina, abrindo o ano letivo de 2018. Intitulado O professor e os desafios da docência na atualidade, apresenta um resumo de suas investigações mais recentes no campo da formação dos professores da educação básica. Disponível em: https://youtu. be/3FijYmDV-ng. Acesso em: 7 jun. 2021. Vídeo https://youtu.be/3FijYmDV-ng https://youtu.be/3FijYmDV-ng Avaliação, ensino e pesquisa 109 aumentar ou diminuir a sua potência). O método cartográfico busca, em última análise, encontrar uma alternativa à objetividade, à lógica representacional e à normatividade teórica da pesquisa científica do- minante na academia. Basicamente, cartografar é acompanhar processos, e não represen- tar objetos; é reconhecer e valorizar a subjetividade em um percurso investigativo. A ciência cartográfica, em seu campo de origem, a geo- grafia, consiste na arte de desenhar em um plano a superfície terrestre. Em sua realização, o mapa fixa, imobiliza, delimita os espaços, mas em seu uso ele é um campo aberto, no qual se busca, se marca e se mo- difica, conforme a necessidade ou o desejo, a orientação. Além disso, o mapa é uma tecnologia de captura, permanecendo sempre conecta- do com o mundo físico, real. O grupo de estudos em visualidades contemporâneas Esbrina, por exemplo, realizou, entre 2016 e 2018, pesquisas usando o método car- tográfico com docentes do ensino médio de Barcelona (HERNÁNDEZ, 2018; HERNÁNDEZ; GIL; COSCOLLOLA, 2018), com o objetivo de pensar como aprendem. Ao criar suas cartografias, os pesquisadores solici- taram aos docentes que pensassem nos lugares onde aprenderam, nos movimentos dessa aprendizagem dentro e fora das instituições e no sentido que davam ao ato de aprender.Estabeleceu-se a seguin- te dinâmica: foram promovidos encontros nos quais, inicialmente,se explicitaram as características do método; realizaram-se e apresenta- ram-se as cartografias (com objetos, documentos, memórias visuais e textuais etc.), sendo tudo registrado em vídeo e fotografia; o grupo refletiu coletivamente sobre os processos de cada um e sobre o pró- prio método cartográfico, propondo, ao final, perguntas para manter a indagação em movimento, como esta: de que forma o processo carto- gráfico afeta as visões sobre a aprendizagem, as relações e os posicio- namentos dos professores? Depois dos encontros, os pesquisadores do grupo ponderaram que o modo como as pessoas aprendem é algo que não se pode, de fato, saber. O que é possível é localizar espaços, momentos e experiências de aprendizagem, e esse processo se realiza por uma mobilização de afetos. Eles perceberam também que a autoinvestigação possibilita- da pela experiência da cartografia permitiu que os docentes tivessem insights sobre o modo como seus próprios alunos aprendem. Na apresentação do livro Pistas do método da cartografia: pesquisa-in- tervenção e produção de subjetividade, é feito um panorama dos estudos e das aplicações do método cartográfico em ciências humanas no Brasil. Os organizadores enumeram oito “pistas” para a sua prática, cada uma corres- pondendo a um capítulo: “A cartografia como méto- do de pesquisa-interven- ção”; “O funcionamento da atenção no trabalho do cartógrafo”; “Cartografar é acompanhar processos”; “Movimentos-funções do dispositivo no método da cartografia”; “O coletivo de forças como plano da experiência cartográfica”; “Cartografia como dissolu- ção do ponto de vista do observador”; “Cartografar é habitar um território existencial”; e “Por uma política de narratividade”. PASSOS, E.; KASTRUP, V.; ESCÓSSIA, L. (Org.). Porto Alegre: Sulina, 2009. Livro 110 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio Tanto as propostas de António Nóvoa de mudanças disruptivas na formação profissional docente quanto o método cartográfico aplicado à investigação dessa formação promovem uma valorização das biogra- fias. Tais propostas enfatizam as dimensões contextuais e experien- ciais da aprendizagem e pressupõem que o conhecimento profissional e pessoal não pode ser separado das experiências culturais, sociais, emocionas e afetivas dos professores (HERNÁNDEZ; GIL; COSCOLLOLA, 2018). Aprender envolve pessoas reais, com gostos, vontades e dese- jos, em contextos sociais reais, dos quais elas não podem ser abstraí- das e que participam ativamente do processo de se tornar professor. CONSIDERAÇÕES FINAIS Planejar e avaliar fazem parte da rotina do professor de Arte na escola. Essas ações estão inter-relacionadas e se retroalimentam: tomar uma de- cisão sobre o que fazer exige análise e reflexão sobre o que já foi feito, em um movimento circular entre constatação, encaminhamento e reflexão ou, ainda, em uma espiral entre apreciação, ação e reapreciação. O planejamento de períodos de ensino ou de aulas é flexível e vai mudando à medida que o professor conhece melhor a turma, adquire mais experiência e dá continuidade à sua formação. Ele pode ser altera- do, inclusive, durante a aula, quando o professor, diante de uma situação inesperada, adapta a sua resposta e, assim, reestrutura o planejamento enquanto age. Como o planejamento, a avaliação também perpassa o conjunto da ação pedagógica. Em termos espaço-temporais, ela pode ser inicial (diag- nóstica), processual (formativa) e final (somativa). Em termos conceituais, pode ser quantitativa ou qualitativa. A quantitativa busca medir com exa- tidão o quanto um aluno aprendeu em relação ao conteúdo selecionado, indicando também o que falhou em aprender. A qualitativa incorpora juí- zos e narrativas pessoais ao processo avaliativo e, assim, assume que é algo muito mais complexo do que formulários e tabelas fazem parecer. O professor precisa lembrar, em ambos os casos, que o amadurecimento de cada um dos seus alunos não é progressivo e linear, mas apresenta idas e vindas, e que aqueles que se destacam não são necessariamente os mais “inteligentes” ou “problemáticos”, mas, isso sim, os melhores ou piores adaptados ao sistema avaliativo. Avaliação, ensino e pesquisa 111 A pesquisa ocorre tanto na reflexão-na-ação quanto na reflexão-sobre- -a-ação, conforme as ideias de, entre outros autores, Donald Schön. No caso da reflexão-sobre-a-ação, é fundamental o diálogo com os pares e com a equipe da escola ou, mesmo, o retorno à universidade, quando a pesquisa é institucionalizada. Como o professor reflexivo vê a sua própria prática como pesquisa, como formulação e resolução de um problema que exige uma atitude de busca, ele se engaja em um processo contínuo de autoeducação. A prática reflexiva desmistifica a ideia de expertise téc- nica e leva ao reconhecimento dos seus limites, ou seja, ao modo como falha em responder a situações de incerteza, instabilidade, singularidade e conflito presentes no cotidiano da atividade docente. A aplicação descontextualizada do pensamento de Schön condu- ziu, em muitos casos, a uma hipervalorizarão da prática em detrimento da teoria, a uma ideia redutora de formação como “treinamento” e, ainda, à dissimulação da precarização do trabalho docente pelo enco- rajamento ao individualismo, deixando questões políticas a ele ligadas, que exigem mobilização coletiva, em segundo plano. De fato, sem que os professores se organizem para lutar por melhores condições de trabalho, muitas das propostas inovadores que vêm sendo debatidas em âmbito nacional e internacional dificilmente terão condições de ser implementadas com êxito. Uma dessas propostas foi sugerida por António Nóvoa, a saber: por meio do terceiro lugar institucional (uma zona de contato entre univer- sidade e escola), do terceiro gênero de conhecimento (a legitimação do conhecimento-na-ação e da reflexão-na-ação por meio de sua inclusão no currículo) e da terceira presença coletiva (professores experientes for- mando novos professores), transformar o processo de se tornar profes- sor. Transformar o professor significa transformar tanto a escola quanto a comunidade e a sociedade nas quais está inserida. Metamorfoses dos docentes, metamorfoses da escola, metamorfoses da comunidade. É o que tempos cada vez mais incertos demandam. ATIVIDADES 1. Elabore um plano de aula, conforme as orientações dadas neste capítulo, para uma turma do ensino fundamental (anos finais) ou médio. Defina também um “plano B”, caso aquilo que você planejou, em razão de algum imprevisto, não possa se concretizar. Vídeo 112 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio 2. Escolha uma obra de arte de sua preferência e realize uma apreciação, descrevendo, contextualizando, interpretando e emitindo um juízo. 3. Com base no que conhecemos a respeito do método cartográfico, reflita sobre a seguinte questão: por que ser professor? O que me motiva a buscar essa formação? REFERÊNCIAS BLOOM, B. S. et al. Taxionomia dos objetivos educacionais: domínio afetivo. Porto Alegre: Globo, 1972. v. 2. BLOOM, B. S. et al. Taxonomy of educational objectives – Handbook 1: Cognitive domain. Londres: Longmans, Green & Co. Ltd., 1956. FERRAZ, M. H. C. T.; FUSARI, M. F. R. Metodologia do ensino de arte: fundamentos e proposições. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Cortez, 2018. GARDNER, H. Estruturas da mente: teoria das inteligências múltiplas.Porto Alegre: Artmed, 2002. HERNÁNDEZ, F. Cultura visual, mudança educativa e projeto de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 2000. HERNÁNDEZ, F. 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O BJ ET IV O S G ER AI S: - D es en vo lv er a pe rc ep çã o vi su al e co rp or al . - D es en vo lv er ha bi lid ad es m a- nu ai s e de le itu ra de im ag em . - C on he ce r e v a- lo riz ar a p ró pr ia cu ltu ra . - C om pr ee nd er o pa pe l d o se n- tim en to n a ar te en qu an to o rig em de u m a m an ife s- ta çã o ex pr es si va . - R efl et ir so br e o “fe io ” c om o um va lo r e st ét ic o. 1º a 0 5/ 03 – (A ul a 1) D in âm ic a pa ra a pr es en ta çã o do g ru po . C ad a al un o co nt rib ui , q ua nd o se a pr es en ta , p ar a a co ns tr u- çã o de u m a im ag em n o qu ad ro n eg ro p or m ei o de u m a lin ha fe ita c om g iz d e qu ad ro . A o fim , é fe ita a a ná lis e da c om po si çã o. (A ul a 2) A pl ic aç ão d e um q ue st io ná rio p ar a so nd ar a s ex pe ct at iv as d o gr up o em re la çã o à di sc ip lin a e o go st o de c ad a um n o ca m po d a ar te . E xp os iç ão d o m ét od o av al ia tiv o ao s al un os . 08 a 1 2/ 03 – (A ul a 1) R ea liz ar ju nt o ao g ru po u m jo go r ef er en ci ad o em tr ês p in tu ra s: O E ns ai o de b al é (1 87 4) , d e Ed ga r D eg as (1 83 4- 19 17 ); O g rit o (1 89 3) , d e Ed va rd M un ch (1 86 3- 19 44 ); e Le s de m oi se lle s d’ Av ig no n (1 90 7) , d e Pa bl o Pi ca ss o (1 88 1- 19 73 ). Le r as o br as , c on te xt ua li- za nd o- as n o es pa ço e n o te m po , d ep oi s de r ea liz ar a di nâ m ic a. D et er -s e m ai s no p re cu rs or d o Ex pr es si o- ni sm o (M un ch ). Em r od a, o g ru po c om o um to do c ria um a na rr at iv a en vo lv en do o a nt es e o d ep oi s da o br a O g rit o. (A ul a 2) L ei tu ra d o te xt o “O fe io n a pa re de ” ( SP IN N EL ; FA BR IS . F ol ha d e S. P au lo , 2 00 5) . A pl ic aç ão d e qu es tio - ná rio s ob re o te xt o. T ra ba lh o in di vi du al . Pa pe l s ul fit e 75 g/ m 2 A 3. Lá pi s gr afi te (2 B) e bo rr ac ha . Pa pe l k ra ft. G iz d e qu ad ro . Lá pi s de c or . G iz d e ce ra . Re pr od uç õe s de ob ra s de a rt e. Re pr od uç õe s de te xt o em x er ox . Re tr op ro je to r/ D VD . Q ua l é o s eu g ri to ? (2 0) • A de qu aç ão à p ro po st a e ao te m a. • D om ín io té cn ic o. • C ria tiv id ad e. • A pr es en ta çã o. Le it ur a e in te rp re ta - çã o de t ex to s ob re o fe io n a ar te (1 0) • D em on st ra c om - pr ee ns ão d aq ui lo q ue le u ao re sp on de r à s qu es tõ es . Cr ia çã o de c or eo gr a- fi a: u m o bj et o + um m ov im en to d ir ig id o (f or m a e ha bi lid ad e m ot or a) + u m s en ti - m en to (2 0) • A de qu aç ão à p ro po st a e ao te m a. • R ep re se nt a su as id ei as ut ili za nd o as ra íz es d e ha bi lid ad es m ot or as e os e le m en to s es tr ut u- ra is d a da nç a (d om ín io té cn ic o) . (C on tin ua ) Exemplo de plano bimestral e de plano de aula, elaborados pela autora durante o período de atuação como professora de Arte nas redes pública e particular de ensino. 114 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio CO NT EÚ DO OB JE TI VO S ES TR AT ÉG IA S/ M ET OD OL OG IA RE CU RS OS AV AL IA Çà O El em en to s fo rm ai s da d an ça (fa to re s de m ov i- m en to ): Fl uê nc ia . Es pa ço . Te m po . Pe so . Ra íz es d e ha bi li- da de s m ot or as : Ar tic ul ar es . G iro s. Sa lto s. Ro la m en to s. Q ue da s. O BJ ET IV O S ES PE - CÍ FI CO S: - A pr ec ia r t ra ba - lh os d e Ed va rd M un ch , K at te Kö llw itz , R ud ol f La ba n, M ar y W ig - m an , K ur t J oo s, Pi na B au sc h, Ca et an o Ve lo so , O s M ut an te s e H él io O iti ci ca . - E xp er im en ta r di fe re nt es té cn i- ca s ar tís tic as . - R el ac io na r os e le m en to s fo rm ai s da d an ça à es tr ut ur a da s cr ia çõ es c or eo - gr áfi ca s. - D ife re n- ci ar e m oç ão , se nt im en to e ex pr es sã o. - L oc al iz ar o na ci on al e o in te rn ac io na l no m ov im en to tr op ic al is ta . - D is tin gu ir re al i- da de e id ea lis m o em o br as d e te m át ic a so ci al . 15 a 1 9/ 03 – (A ul as 1 e 2 ) A tiv id ad e pr át ic a: q ua l é o s eu g rit o? R e- pr es en ta r u m ro st o gr ita nd o co nt ra o u a fa vo r d e al go . Ex pl ic ita r o g rit o na c om po si çã o ta m bé m e m p al av ra s. D es en ho a g ra fit e so br e su lfi te A 3 75 g /m 2 . Pi nt ur a co m lá pi s de c or e /o u gi z de c er a (P od em s er fe ito s ra sc u- nh os n o ca de rn o de a rt e) . T ra ba lh o in di vi du al . 22 a 2 6/ 03 – (A ul a 1)E le m en to s fo rm ai s da d an ça : fl uê nc ia , e sp aç o, te m po e p es o. A ul a te ór ic a. E xe cu çã o de m ov im en to s co m c un ho d id át ic o, o u se ja , a fi m d e co m pr ee nd er o s el em en to s fo rm ai s es tu da do s. (A ul a2 ) M os tr a de fi lm e em D VD o u da ta sh ow : D an ça M od er na : E xp re ss io ni sm o al em ão (L ab an e s eu s al un os : W ig m an , J os s, P in a Ba us ch ). 29 /0 3 a 1º /0 4 – (A ul as 1 e 2 ) C ria r u m a pe qu en a co m po si çã o co re o- gr áfi ca te nd o co m o re fe rê nc ia u m o bj et o en tr eg ue p el a pr of es so ra , b em c om o um a ha bi lid ad e m ot or a, u m el em en to fo rm al d a da nç a e um s en tim en to e sp ec ífi co s qu e os a lu no s, d iv id id os e m g ru po s, s or te ar ão . P or ex em pl o: u m g ru po re ce be u m a al m of ad a e so rt ei a a ha bi lid ad e m ot or a sa lto s ba ix os , o e le m en to fo rm al p es o le ve e o s en tim en to a le gr ia . D ev em c ria r u m a co re o- gr afi a qu e as so ci e os q ua tr o el em en to s. A c or eo gr afi a de ve te r, no m áx im o, 5 m in ut os . 05 a 0 9/ 04 – (A ul a 1) R et or no a o Ex pr es si on is m o na s ar te s vi su ai s co m fo co n a gr av ur a. M os tr a de im ag en s de g ra vu ra s da a le m ã Kä th e Ko llw itz , c uj a te m át ic a é de c un ho s o- ci al . T éc ni ca s de g ra vu ra : d em on st ra çã o do s pr oc es so s de im pr es sã o em re le vo e e nt al he . Pa pe l s ul fit e 75 g/ m 2 A 3. Lá pi s gr afi te (2 B) e bo rr ac ha . Pa pe l k ra ft. G iz d e qu ad ro . Lá pi s de c or . G iz d e ce ra . Re pr od uç õe s de ob ra s de a rt e. Re pr od uç õe s de te xt o em x er ox . Re tr op ro je to r/ D VD . • C ria tiv id ad e. • P ar tic ip aç ão . Ilu st ra çã o de n ot íc ia (1 5) • A de qu aç ão à p ro po st a e ao te m a. • D om ín io té cn ic o. • C ria tiv id ad e. • A pr es en ta çã o. Q ue st õe s so br e as ca nç õe s do T ro pi ca lis - m o (5 ) In st al aç ão c om o bj e- to s e m óv ei s da s al a (2 0) • D ef en de o tr ab al ho co m a rg um en to s só li- do s. • C ria tiv id ad e. • P ar tic ip aç ão . Pa rt ic ip aç ão e c ol ab o- ra çã o (1 0) RE CU PE RA Çà O Pe sq ui sa s ob re u m d os ar tis ta s vi st os n o bi m es - tr e, s eg un do u m ro te iro pr év io . (C on tin ua ) Apêndice 1 115 CO NT EÚ DO OB JE TI VO S ES TR AT ÉG IA S/ M ET OD OL OG IA RE CU RS OS AV AL IA Çà O (A ul a 2) D es en ho s ob re k ra ft co m g iz d e qu ad ro b ra n- co u m ed ec id o. A pl ic aç ão d e lu z (a s om br a se rá o p ap el cr u) . T em a: il us tr aç ão d e um a no tíc ia d e jo rn al q ue se rá e nt re gu e a ca da q ua tr o al un os . A nt es d e co m e- ça r, tr an sc re ve r a m an ch et e da n ot íc ia a tr ás d a fo lh a. Tr ab al ho e m g ru po . 12 a 1 6/ 04 – (A ul a 1) T ro pi ca lis m o: H él io O iti ci ca . M os tr a de d oc u- m en tá rio c ur to e m D VD – B ól id es , P ar an go lé s, Pe ne tr á- ve is, T ro pi cá lia . (A ul a2 ) E sc ut a da m ús ic a Tr op ic ál ia , n a vo z de C ae ta no . Ve r ta m bé m B at m ac um ba , de O s m ut an te s. D is tr ib ui - çã o de u m x er ox c om a s le tr as . P ro po si çã o de a lg um as qu es tõ es s ob re a s ca nç õe s. 19 a 2 3/ 04 – (A ul as 1 e 2 ) C ria r um a in st al aç ão c om e le m en to s qu e tr ou xe ra m d e ca sa n a m oc hi la e c om o s m óv ei s da s al a de a ul a. T om ar o c ui da do d e nã o da ni fic ar o u in te rf er ir di re ta m en te e m n ad a – ap en as re ar ra nj ar o s el em en to s no e sp aç o da s al a de a ul a. T ra ba lh o em g ru po . A va lia - çã o. C on ve rs a so br e os re su lta do s. 26 a 3 0/ 04 – E nc er ra m en to . E nt re ga d e tr ab al ho s. F e- ch am en to d as n ot as . 116 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio PLANO DE AULA 24/11/2020 Professora: Luciana Lourenço Paes. Adequação da faixa etária: estudantes do 2º ano do ensino médio. Tema: Processos de criação e o desenho. Conteúdo • A linguagem do desenho. • História dos processos de criação. • O desenho em processos de criação de artistas contemporâneos. Objetivos gerais • Exercitar o olhar para a apreciação de desenhos. • Refletir sobre a prática do desenho dentro de processos de criação. Objetivos específicos • Contextualizar historicamente a linguagem do desenho dentro dos processos de criação em artes visuais. • Analisar desenhos de diferentes artistas contemporâneos. • Discriminar as qualidades da linha e do pensamento gráfico em cada caso e situar o desenho dentro dos seus respectivos proces- sos de criação. • Estabelecer comparações entre eles, por semelhança ou diferença. Metodologia/estratégias • Leituras visuais. • Ação dialógica. • Trabalho prático. Desenvolvimento Iniciaremos a aula problematizando uma definição tradicional de desenho. Na sequência, pensaremos o desenho dentro dos proces- sos de criação no campo das artes visuais de um ponto de vista his- tórico. Depois dessa introdução, analisaremos o desenho dentro das Apêndice 1 117 pesquisas de alguns artistas contemporâneos que trabalham com essa linguagem com foco nos processos mais do que (ou tanto quanto) no produto. Proporemos, ao final, uma atividade prática ligada ao conteú- do trabalhado. Recursos didáticos • Conexão à internet. • Aplicativo/software de videoconferência. Avaliação • Participação nas discussões em sala. • Trabalho prático: criar um desenho em que o processo seja um fator mais importante que (ou tão importante quanto) o produto. Critérios de avaliação do trabalho prático: 1 Adequação à proposta. 2 Domínio técnico. 3 Apresentação. 4 Criatividade. 5 Busca de outras fontes. 118 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio Resolução das Atividades 1 Metodologia do ensino da Arte na escola 1. Faça uma pesquisa nas bibliotecas digitais que disponibilizam dissertações e teses de diferentes universidades (dê preferência àquelas da sua cidade ou próximas) e liste os títulos dos trabalhos defendidos no último ano no campo do ensino da Arte na escola que mais chamaram a sua atenção. Você pode usar os termos de busca arte+educação, arte+ensino, arte+aprendizagem ou arte+metodologia. Com base nessa lista, tente definir quais são os aspectos comuns entre as diferentes pesquisas. Você estará, nesse processo, delimitando o paradigma ao qual elas estão respondendo. Resposta pessoal, com base nas instruções do enunciado. Você pode observar se as pesquisas se concentram no ensino ou na aprendizagem, em eventos históricos ou personalidades, quais autores são mais recorrentes etc. 2. Procure se lembrar da sua experiência como aluno na escola e descreva alguma situação em sala, durante as aulas de Arte, que marcou você, na qual considera que aprendeu algo. Tente definir o que você aprendeu e como ou por que aprendeu. Resposta pessoal. Como aluna, lembro-me,por exemplo, de um exercício de colagem com recortes de papéis coloridos que fizemos depois de a professora ter falado sobre a produção pictórica dos cubistas franceses. Aprendi a realizar tecnicamente um trabalho de recorte e colagem e sobre as características formais da pintura cubista francesa. Esse aprendizado foi possível por meio da experiência da técnica e vendo imagens que a professora trouxe de livros. 3. Quais foram as consequências da aplicação irrefletida das Pedagogias Tradicional e Nova no campo do ensino da Arte na escola brasileira? A prática da reprodução pura e simples de um modelo ou cópia, desvinculado do contexto e das diferenças individuais, e a liberdade total de ação, sem nenhum tipo de orientação ou parâmetro, referida como “deixar-fazer”. Resolução das Atividades 119 2 Diretrizes Curriculares Nacionais 1. Por que estabelecer diretrizes curriculares nacionais? Os PCN do ensino fundamental e médio (1997-1999) e depois a BNCC (2017-2018) constituem dois importantes marcos das políticas curriculares estabelecidas pelo poder público no Brasil a partir da LDB de 1996. O Estado argumenta que é importante estabelecer um currículo central para estipular um patamar de qualidade e garantir a equidade no ensino, considerando as disparidades regionais. Essas disparidades, contudo, são mais determinantes na definição da qualidade do ensino do que propriamente um processo de homogeneização curricular. É legítimo perguntar – em um país em que mais da metade da população vive na pobreza – se são realmente medidas como essas que terão impacto sobre a qualidade do ensino. 2. Quais são as semelhanças e as diferenças entre os PCN e a BNCC na área de Arte no ensino fundamental e médio? No caso das semelhanças, podemos afirmar que ambos os documentos estão sintonizados, em todos os níveis de ensino, com a Abordagem Triangular de Ana Mae Barbosa, que articula o fazer (produção), o fruir (apreciação) e o contextualizar (reflexão). As diferenças entre eles, pelo menos no campo da arte, são mais de ênfase do que propriamente de estrutura. A BNCC, por exemplo, ampliou o conceito de arte ao incluí-la na cultura visual, projetou mais ênfase sobre a arte e cultura brasileiras, especialmente as de matriz indígena e africana, bem como sobre as novas tecnologias da informação e da comunicação. Porém, isso estava presente, ainda que de modo não tão destacado, já nos PCN, sobretudo do ensino médio. Outras diferenças podem ser visualizadas no quadro a seguir: PCN BNCC Ciclos (1° ao 4° EF + EM) Anos (1° ao 9° EF + 1° ao 3° EM) Ênfase em disciplinas. Ênfase em áreas do conhecimento. No EM, a Arte dilui-se totalmente na grande área de Linguagens e tecnologias. Ênfase em blocos de conteúdos. Ênfase em competências e habilidades. EF > arte = artes visuais, dança, teatro, música (cf. a LDB, 1996). EM > arte = artes visuais, dança, teatro, música + artes audiovisuais e informá- ticas. Artes visuais, dança, teatro, música e artes integradas (a última não está incluída na LDB, 1996). 120 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio 3. Explique por que a questão da polivalência na formação atual do professor de Arte se configurou em um problema. Em sua formação profissional, geralmente o professor de Arte se especializa em apenas uma das quatro linguagens artísticas. Mesmo nos cursos, cada vez mais raros, que propõem uma formação generalista, sem ênfase, o domínio de cada linguagem deixa a desejar. No entanto, a LDB de 1996 afirma que o aluno tem direito a ter aulas de artes visuais, música, teatro e dança. A lei não esclarece se um único professor deve dar conta de todas, tampouco como a escola deve gerenciar a oferta, visto que seria necessário contratar um professor especialista de cada área para atuar nas diferentes etapas escolares. 3 Academismo e Modernismo 1. Explique a diferença entre metodologias do objeto e do sujeito e sua relação com o Academismo e o Modernismo. Na filosofia, até o século XX, é possível distinguir duas correntes metodológicas principais: a dos positivistas e a dos neokantianos. A primeira corrente defendia a realização de experimentos empíricos para legitimar o conhecimento; a segunda, que conceitos abstratos eram capazes por si só de produzir conhecimento. No campo da educação, essa dicotomia pode ser expressa nas metodologias do objeto e do sujeito. O Academismo e o Modernismo, dois períodos da história da arte situados respectivamente nos séculos XIX e XX, servem como moldura histórica à reflexão sobre ambas no contexto do ensino da arte. Metodologias do objeto estão centradas na representação imitativa e na atividade de cópia de modelos, remetendo à Pedagogia Tradicional. Já as do sujeito, centradas no indivíduo e na criatividade, estão ligadas à Pedagogia Nova. 2. Crie uma atividade envolvendo desenho para uma turma dos anos finais do ensino fundamental ou do ensino médio. Resposta pessoal. Pense, por exemplo, em um conteúdo – como arte africana, indígena, abstrata etc. – e elabore uma atividade que permita aos alunos experimentarem, na prática, conceitos ou ideias relacionados a esse conteúdo. Tenha em mente que nem todas as escolas dispõem de sala separada de Arte, tampouco recursos para aquisição de certos materiais. Resolução das Atividades 121 3. Crie um jogo para ser aplicado em uma aula de Arte. Defina o conteúdo, a faixa etária, os objetivos e a dinâmica do jogo. Resposta pessoal. Lembre-se de que você pode propor o jogo à turma ou ele pode ser criado pelos próprios alunos, em grupo, segundo suas orientações, e aplicado depois ao restante da turma. Use, se preferir, o quadro a seguir: Conteúdo Faixa etária (ano) Objetivos do jogo Desenvolvimento 4 Contemporaneidade 1. Qual característica é comum às metodologias de ensino- -aprendizagem desenvolvidas na pós-modernidade? A superação da dicotomia sujeito-objeto em favor das ideias de contexto ou de rede. 2. Existem relações entre a Abordagem Triangular e a educação para a compreensão da cultura visual? Por quê? A Abordagem Triangular se desenvolve no sentido de incorporar a cultura visual como objeto das aulas de Arte. A triangulação apreciação, produção e contextualização é flexível e aberta o suficiente para transitar entre diferentes objetos. 3. Quais são as semelhanças e diferenças entre a metodologia freireana e a Aprendizagem Baseada em Problemas, inserida no guarda-chuva das metodologias ativas? Ambas se baseiam na formulação de problemas ou em processos de problematização por meio de temas colhidos no contexto de vida dos alunos e ambas têm como objetivo encontrar uma solução para eles. A Aprendizagem Baseada em Problemas, contudo, não possui o caráter crítico-social ou a densidade política da metodologia freireana. Além disso, a solução do problema em Freire é alcançada por meio do diálogo horizontal e culmina numa ação transformadora sobre a realidade. Na ABP, a ênfase recai sobre a autoaprendizagem, o aprender sozinho, e a solução não implica, necessariamente, em ação, apenas no compartilhamento dos resultados e na discussão com o grupo. 122 Metodologia do ensino da Arte - Anos finais do ensino fundamental e ensino médio 4. O que a obra dos filósofos franceses Gilles Deleuze e Félix Guattari coloca para a educação? Com Deleuze e Guattari aprendemos a pensar em outros termos, diferentes daqueles com os quais estamos acostumados no Ocidente. Categorias como sujeito, objeto ou mesmo contexto não existem no campo de conectividade aberto que é o rizoma. O ser-devir professor e aluno, que se cria no processo e na qualidade de suas relações, que é multiplicidade entre multiplicidades, coexiste no rizoma. Docente e discente, nesse universo conceitual, fazem um com o outro, e não um como o outro. Tratam-se de reflexões difíceis de serem aplicadas, contudo, no cotidiano engessado e burocrático das instituições de ensino, em geral. Mas valem como motor para formulaçãode perguntas e como desejo de mudanças ou inovações mais profundas e disruptivas. 5 Avaliação, ensino e pesquisa 1. Elabore um plano de aula, conforme as orientações dadas neste capítulo, para uma turma do ensino fundamental (anos finais) ou médio. Defina também um “plano B”, caso aquilo que você planejou, em razão de algum imprevisto, não possa se concretizar. Resposta pessoal. Ao elaborar o plano, defina inicialmente: faixa etária/ ano, conteúdo, objetivos gerais e específicos, estratégias (métodos), recursos didáticos, avaliação e, eventualmente, bibliografia. Adicione uma seção chamada plano B, buscando definir uma alternativa caso algum imprevisto, como uma falha técnica em um aparelho, impeça, durante a aula, a realização do que foi planejado. 2. Escolha uma obra de arte de sua preferência e realize uma apreciação, descrevendo, contextualizando, interpretando e emitindo um juízo. Resposta pessoal. Primeiro, defina a obra, escrevendo o nome do artista, o título e o nome do local onde ela se encontra. Depois, descreva essa obra em detalhes: como foram agenciadas formas, linhas, cores, luzes, sombras, volumes. Tendo mais clara a sua estrutura, contextualize a obra (explicite o local e o período em que foi feita e estabeleça relações com obras que vieram antes, de outros ou do mesmo artista). Finalmente, explique por que você gosta dessa obra. Resolução das Atividades 123 3. Com base no que conhecemos a respeito do método cartográfico, reflita sobre a seguinte questão: por que ser professor? O que me motiva a buscar essa formação? Resposta pessoal. Experimente, diante da pergunta, selecionar um ou mais objetos/imagens em associação livre, num primeiro momento. Fotografe ou desenhe esse arranjo. Não escreva ainda. Reflita sobre essas escolhas “impulsivas”, em algumas linhas, descrevendo, de maneira sintética, como foi o processo de busca da resposta. Não se atenha tanto ao resultado; preste atenção ao caminho. Este é um exemplo de uma cartografia feita por uma professora de línguas chamada Adriana durante o experimento do grupo Esbrina citado na seção 5.4. Nesse caso, os pesquisadores estavam investigando, como vimos, o modo como os professores aprendem. Você pode usar uma tabela semelhante para refletir sobre a sua cartografia, conforme a proposta desta questão. A cartografia A professora pensando a sua cartografia O que essa reflexão permite que pensemos (os pesquisadores) Sempre fui autodidata e... sou uma estudante incansável. Gosto de tantas coisas que, na verdade, fiz muitos cursos.... Meus amigos me dizem: você não pode viver sem cursos. Sempre fiz muitas coisas. Porque sempre digo que vou parar de fazer cursos, mas fico sempre ligada, e estou sempre fazendo cursos. Como disse, comecei a es- cola em casa, quando passei a cursar o ensino médio foi muito fácil para mim. Porque realmente gostava de línguas. Sempre fui a competições e isso me empolgava. Adriana concentra a sua cartografia nas suas conquistas institucionais. Ela foca o seu modo de aprender no desenvolvimento de sua carreira acadêmica e docente. O que guia este processo, suas coordenadas, são a sua ânsia em melhorar (os anéis olímpicos), competir e melho- rar. Sua trajetória de aprendizado em dois países tem como marcos, enquanto lugares significativos, as instituições pelas quais passou e que lhe permitiram dedicar-se ao que ela queria desde pequena: ser professora. Ambientes de aprendizado e insti- tuições se relacionam e se ligam à família e à biblioteca. Curiosidade, competitividade e adaptabilidade parecem ser os pon- tos cardeais de sua aprendizagem. Fonte : HERNÁNDEZ, GIL, COSCOLLOLA, 2018, p. 114, tradução nossa. M ETO D O LO G IA D O EN SIN O D A A RTE | A nos fi nais d o ensino fund am ental e ensino m éd io Luciana Lourenço Paes Código Logístico 59801 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-65-5821-039-9 9 7 8 6 5 5 8 2 1 0 3 9 9 Página em branco Página em branco