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Capa: MAYJO
Revisão: Sheila Mendonça
Diagramação digital: MAYJO
Título original: A ESPOSA ESQUECIDA DO CEO
1ª Edição 2022
 
Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes,
personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da
imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e
acontecimentos reais é mera coincidência.
 
Todos os direitos reservados
 
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.
Todos os direitos reservados. São proibidos o armazenamento e/ou a
reprodução de qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios —
tangível ou intangível — sem o consentimento escrito da autora.
Criado no Brasil.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°. 9.610/98 e
punido pelo artigo 184 do Código Penal.
 
COPYRIGHT © 2022 MAYJO
 
 
Queridas leitoras!
A Esposa Esquecida do CEO é um projeto que iniciei em 2019 e só
agora finalizei. A história de Enrico e Clara é única, com começo meio e
fim. Leitura rápida, que espero, toque o coração de vocês, assim como
tocou o meu ao escrevê-la. Escrever sobre perda foi bem difícil para mim e
deixo aqui meu aviso sobre gatilhos emocionais que a história contém.
 
Boa leitura!
Com carinho,
MAYJO
 
 
Atenção: Pode conter gatilhos
 
Clara ficou viúva pouco depois de se casar com o homem que ela
acreditava ser o amor de sua vida e isso quase a destruiu. A única força, que
fez ela se reerguer foi seu bebê que seu marido deixou ainda em seu ventre.
Os anos passam e ela ainda não superou sua perda. Até que no emprego
novo, Clara vê seu chão ruir novamente quando o CEO da empresa entra na
sala de reunião.
O que seu marido morto estava fazendo ali, muito vivo? E por que
agora, ele se chamava Enrico?
 
Enrico Monteiro acreditava estar preparado para tudo, mas ele estava
enganado, quando uma funcionária louca o confunde com seu marido
morto, ele não lhe dar muito crédito, mas isso o intriga. Por causa de um
acidente cinco anos antes ele perdeu a memória de um período de sua vida e
ele mantinha isso em segredo por causa de sua posição como CEO, no
entanto, não acreditava que ele fosse esse mesmo tal Michel que ela dizia
ser.
Seria possível ele ter se casado e não lembrava de sua esposa?
 
CLARA MONTEIRO
CLARA MONTEIRO
CLARA MONTEIRO
CLARA MONTEIRO
CLARA MONTEIRO
CLARA MONTEIRO
CLARA MONTEIRO
CLARA MONTEIRO
ENRICO MONTEIRO
ENRICO MONTEIRO
CLARA MONTEIRO
CLARA MONTEIRO
CLARA MONTEIRO
ENRICO MONTEIRO
ENRICO MONTEIRO
ENRICO MONTEIRO
CLARA MONTEIRO
ENRICO MONTEIRO
CLARA MONTEITO
CLARA MONTEIRO
CLARA MONTEIRO
CLARA MONTEIRO
CLARA MONTEIRO
CLARA MONTEIRO
CLARA MONTEIRO
ENRICO MONTEIRO
CLARA MONTEIRO
CLARA MONTEIRO
CLARA MONTEIRO
ENRICO MONTEIRO
CLARA MONTEIRO
ENRICO MONTEIRO
CLARA MONTEIRO
ENRICO MONTEIRO
CLARA MONTEIRO
ENRICO MONTEIRO
PRÓXIMO LANÇAMENTO
OUTRO LIVROS DA AUTORA
 
 
CLARA MONTEIRO
 
 
— Você está grávida! — minha amiga e ginecologista Selina me diz
com um sorriso, em nada parecendo a médica séria que ela geralmente é
com outras pacientes. Eu a conheço tem um tempo, ela se tornou uma
amiga desde que namorei seu irmão mais novo alguns anos atrás, quando
ainda estava no colégio, quando ele e eu terminamos a amizade com Selina
continua até hoje, ela é umas das minhas melhores amigas, mesmo sendo
alguns anos mais velha que eu. — Parabéns, querida. Isso é tão
maravilhoso.
Eu não esperava receber essa notícia hoje, estou trocando meu
anticoncepcional e deve ter sido isso que resultou em um bebê. Jesus! Mas
ele será bem-vindo com certeza.
Uma onda de calor me invade quando coloco a mão sobre minha
barriga ainda chata e sorrio como uma pateta, a felicidade tomando conta de
cada fibra do meu ser. Parece que a consagração do amor está crescendo
forte dentro de mim.
— O quê? Deve ter algo errado aí — brinco eufórica, sorrindo tão
largo que sinto doer meu rosto. — Ah meu Deus, Seli! O Michel vai ficar
louco. Ele já mandou várias indiretas sobre quando eu penso em parar o
anticoncepcional!
— Fico muito feliz por você. — Ela sai de trás da mesa do
consultório e me abraça. — Pena que Michel está longe, ele vai ficar muito
feliz, ele já é louco pelo meu filho.
— Ele não disse quando chega, mas não vejo a hora de contar a ele.
— Sim, Michel, meu marido, estraga o filho de nossa amiga, ele nunca
volta de uma viagem para não trazer um presente para o pequeno Philipe,
agora ele terá o próprio filho para mimar com certeza, eu já prevejo um
futuro de bronca sobre crianças mimadas. — Não vejo a hora de dar a
notícia — repito sem me conter —, contudo, irei esperar para dizer
pessoalmente, não sei como, mas vou esperar ele chegar para dar a notícia.
— Fico muito feliz por vocês, mesmo que sejam praticamente recém-
casados e todos digam que é uma loucura ter filho logo no início — ela
pega minhas mãos nas suas —, mas eu sou a experiência viva que isso só
fortaleceu meu casamento com Breno, tenho certeza que com vocês será
também uma linda experiência.
Michel e eu estamos casados há seis meses, nosso relacionamento
tem no total um ano. Nós tínhamos sido o típico casal de amor à primeira
vista. Três meses de namoro e estávamos morando juntos. Eu o conheci em
uma balada, devo confessar que não coloquei fé que ele fosse me levar a
sério, mas no outro dia quando acordei, meu celular tinha mensagem me
convidando para um encontro e daí como dizem é história. Desde aquele dia
que parecia que ele nunca mais iria sair do meu lado. Ele era consultor
freelancer e segundo ele estava de mudança para Minas. Antes ele morava
em São Paulo e estava há pouco tempo na cidade. Ele dizia que não tinha
família muito próxima e que eu agora seria sua família. Michel me tratava
como se eu fosse seu sol na Terra. E o amor que tínhamos era algo incrível,
que nunca pensei em encontrar.
— Você está sonhando acordada? — Selina pergunta me tirando dos
pensamentos.
— Isso era mais esperado depois do nosso casamento de papel
passado — digo sorrindo, sentindo esse sentimento quente se alastrar por
todo meu corpo, mal vejo a hora de Michel voltar e contar a novidade. Ele
está dando assistência a um cliente no Rio.
— Ei você ainda não desceu para Terra? — Selina brinca outra vez
me passando a receita. — Aqui comece a tomar hoje.
— Sim senhora. — Guardo a receita e me levanto.
— Vou preparar um almoço no próximo fim de semana e reunir a
família e contar, esteja lá — digo sorridente.
Como Seli tem mais paciente esperando, eu me despeço com um
abraço depois dela prescrever uma tonelada de remédio para mim.
Vitaminas e não sei o mais o que, que ela falou, mas não escuto muita coisa,
ainda estou completamente tomada de felicidade e vejo que vai perdurar por
muito tempo.
— Claro que vou — ela abre a porta para mim —, se cuide.
Saio do consultório e providencio minhas vitaminas, em seguida ligo
para minha mãe para contar a novidade e acabo indo para a casa dela. Ela
mora a cinco quadras do nosso apartamento e sempre está por perto. Meu
pai morreu quando eu tinha dez anos e ela praticamente me criou sozinha, e
eu não fico muito tempo longe dela, para falar a verdade ela não fica muito
longe, mesmo eu casada. Como Michel não está em casa e eu quero
compartilhar a novidade vou para lá.
— Não posso acreditar que serei vovó. — Ela me aperta em um
abraço feroz. — Seu pai ficaria bobo se estivesse aqui ainda conosco.
Mas ele não está.
A voz dela embarga e trato de distrair suas lembranças.
— Estou muito feliz, não esperava essa notícia quando fui fazer
minha consulta semestral.
— Já contou para Michel? — Ela me solta e sento no sofá macio em
sua sala de estar.
— Não, só quando ele voltar. — Ele voltaria hoje, mas ontem falei
com ele e teve que adiar a volta, vai chegar só segunda, estou quase
enfartando de ansiedade.
O almoço com mamãe seguiu animado, estávamos felizes com a
notícia e entusiasmadas com o mais novo membro da família.
Falo com Michel à noite por telefone e tive de me conter paranão dar
a notícia por telefone, mas mesmo me contendo ele diz:
— Você está nervosa, amor. — Percebo que estive falante demais,
estou tentando não deixar escapar que estou grávida.
— Estou? Deve ser saudade sua — comento para disfarçar minha
ansiedade.
— Também sinto saudade de você, meu passarinho falante — fala
amorosamente, ele sempre me chama assim quando as palavras jorram de
mim tudo de uma vez, é o que me entrega quando fico nervosa. Ele diz que
sou um daqueles papagaios que falam sem parar.
Ajeito-me na cama e falamos até que eu caia no sono.
A última coisa que escuto é sua voz.
— Eu te amo meu passarinho, durma bem...
O domingo passa rapidamente e à tarde falo com Michel por
mensagens e ele diz que não poderá falar comigo à noite e que ligará para
mim assim que possível. Eu nunca vi Michel nervoso, mas ele parecia
estranho nas mensagens, nunca é evasivo comigo, mas tenho essa
impressão. Quando vou deitar naquela noite deixo uma mensagem para ele.
Nunca tive resposta.
 
CLARA MONTEIRO
 
 
Segunda, passei o dia sem notícia de Michel e estou uma pilha de
nervos de preocupação, ele nunca passou um dia sequer sem falar comigo, é
muito incomum, aliás, isso nunca aconteceu. Então quando o dia passa e
não tenho nenhuma ideia onde ele possa estar, me sinto a ponto de
enlouquecer de preocupação. O telefone dele sempre vai para a caixa postal
cada vez que eu ligo.
Mas a terça-feira vem e tudo na minha vida desmorona como nunca
imaginei.
Choque!
Senti como se o mundo ruísse e estivesse caindo de uma altura de 250
andares, caio no sofá completamente fora de mim. Eu não posso acreditar
nisso, é mentira tudo isso, um engano terrível. Mas as imagens da televisão
não paravam de me dizer que tudo é verdade. Michel estava na lista de
passageiros mortos. Oh Deus! Eu quero morrer, estou me sentindo
morrendo a cada minuto que passa. Levo a minha mão ao meu ventre
enquanto um som dolorido deixa minha garganta quando eu desabo em um
choro que soa como se eu estive recebendo golpes mortais através do meu
corpo. Dor, uma dor tão grande apertando meu peito e não consigo respirar.
Estou morrendo de tanta dor no meu peito. Uma dor física se isso for
possível. Uma sensação de agonia no meu peito.
Como isso tinha acontecido? Por quê?
Oh Deus, por quê?
Por favor, não pode ser!
Não pode, por favor.
A lamentação na minha mente começa e parece me quebrar ao meio,
percebo que não é na minha mente, e sim estou balbuciando as palavras
doloridas baixinho como se temesse pronunciá-las em voz alta.
Soluços doloridos deixam meus lábios quando escorrego em uma
posição fetal e me encolho de dor. Não sei quanto tempo eu choro com esse
aperto no peito que me consome o fôlego, mas escuto vozes e uma mão me
balançando e chamando por mim, porém estou longe em um mundo de
completa exaustão.
Michel!
Amor, por favor, que seja você aqui.
Por favor!
— Filha?... Fale comigo! — a voz da minha mãe me chama, mas eu
não posso falar. — Ah meu amor, eu sinto tanto.
Dor que agora se concentra em meu baixo ventre me alerta, e o calor
úmido de minhas roupas íntimas me faz abrir meus olhos. Olho para baixo e
uma mancha vermelha me diz que hoje eu posso perder mais do que estou
preparada para perder e além.
— Já chamei uma ambulância querida, aguente firme, por favor —
mamãe diz. — Selina está a caminho daqui, ela deve chegar mais rápido
que os paramédicos.
Não estou escutando mais nada. Desligo tudo dentro de mim. É como
entrar em um abismo escuro onde nada me toca, mas eu não sinto como se
tivesse protegida, estou agonizando violentamente.
Eu nunca poderei contar o que aconteceu nas semanas seguintes, eu
estava além de mim. Escuto os médicos falando com mamãe e Selina sobre
estado catatônico, ou alguma coisa parecida, mas eu estava sem pronunciar
uma palavra por semanas e nem chorava mais. O choque quase me fez
perder meu bebê e passei as duas semanas seguintes internada, tentado não
perder a parte de Michel, que ele deixou para mim. Quando saio do
hospital, depois de não correr risco de perder meu filho, eu vivo apenas para
não perder ele também.
Sempre fui uma pessoa alegre e feliz, mas esses estados de espíritos
parecem inoportunos agora, eu não os sinto mais. Parece que meu mundo
virou uma tonalidade de cinza, e nada mais.
 
 
CLARA MONTEIRO
Quase cinco anos depois...
 
 
 
Abro um olho sonolento quando o som que imita um carro acelerando
e o toque de alguém fazendo das minhas costas uma pista de corrida me faz
sorrir.
— Bom dia, bebê... — Viro meu rosto para encontrar a razão da
minha existência empoleirado em minha cama.
— Mamãe, levanta...
— Tudo bem, amor, já vou me levantar! — Agarro meu filho em
meus braços e o sufoco com beijos em um abraço apertado.
— Não mamãe... — Ele tenta fugir para longe de mim, mas o agarro
firme e faço sons de rosnado, fazendo-o gargalhar divertido. — To com
medo! — ele grita!
— Ei vocês! São seis da manhã! Vão acordar os vizinhos!
— Vovó! Minha mamãe é um tigle! — Ian grita e consegue pular da
cama e correr para minha mãe que está na porta do quarto nos olhando
amorosamente. — Me salva vovó! — Ele pula para cima e para baixo
querendo que ela o pegue no colo e é o que ela faz. Ela o mima, mas eu
nunca implico com ela, afinal ele é seu único neto e o que nos sustenta
juntos como uma supercola. E ela toma conta dele enquanto eu trabalho e
não reclamo muito quando ela o enche de mimos, mas o meu garotinho é
incrível.
— Bom dia, meus amores — minha mãe fala depois de encher seu
neto de beijos também. — Você é muito levado garoto, acordou sua mãe,
hein.
— Bom dia mãe! — digo levantando-me e indo para o banheiro,
enquanto mamãe sai levando Ian.
Olho-me no espelho e a mulher que me encara de volta é apenas uma
sombra da mulher de cinco anos atrás.
A única coisa que me faz levantar todos os dias é meu filho de quatro
anos. Perder Michel naquele acidente levou uma parte de mim, mas ele me
deixou um presente tão valioso, que tem horas que esse amor é quase
grande demais para levar, mas eu sei do quanto preciso disso cada santo dia
que acordo sem o outro amor da minha vida ao meu lado. O parceiro que
escolhi não está mais aqui para dividir o fruto de nosso amor.
Suspiro fundo e fecho meus olhos, sabendo que hoje será um
daqueles dias que Michel não sairá dos meus pensamentos. Não que
passasse um dia sem que eu não me lembrasse dele. Ele tinha sido meu
único amor. Eu tinha me apaixonado por ele tão duro e rápido, um tipo de
amor que eu acho que nunca irei encontrar outro. Dizem que podemos amar
várias vezes. Eu não sei se isso se aplica a mim, pois se passaram cinco
anos e vivo apenas para meu filho, sem nunca olhar ou me interessar por
outro homem, aliás, eu nem penso nisso. Trabalho e casa, minha vida se
resume a isso. Minha mãe e Selina têm sido minhas rochas, se não tivesse
elas em minha vida há tempo eu teria desistido. Tive um quadro de
depressão logo após o acidente e se seguiu até depois do parto, ainda não
estou cem por cento bem, mas meu filho me faz viver e levantar todo dia
para ele. Sem minha mãe, Selina e Ian, eu não sei como seria a minha vida.
Saio do quarto e já escuto a tagarelice do Ian na cozinha e caminho
para lá. Eu me sirvo de uma caneca de café fresco e me sento à mesa onde
Ian come seu café da manhã como se tivesse passado a noite preso.
— Coma devagar, amor — ralho, e ele me olha com esses olhos que
trazem uma pontada de dor a cada vez que me olha. Michel tinha esses
mesmos olhos azuis-claros e cabelos negros caindo sobre a testa. O corte de
cabelo do Ian ainda é infantil e diferente do seu pai, que tinha um corte
requintado.
— Vou ter que ir ao mercado hoje — mamãe diz quando mexe na
geladeira. — Temos que fazer algumas compras — avisa. — Seli ficou de
vir jantar conosco na sexta, então...
Ela começa a falar e meus pensamentos se desligam da conversa.
Tomo um gole do meu café automaticamente. Minha maior preocupação
hoje não é fazer supermercado,e sim saber se teria um emprego na redação
do jornal quando eu chegasse lá hoje. Os rumores eram que o jornal poderia
fechar, o Grupo Monteiro que é dono do jornal não está mais querendo
investir no jornal impresso, eles estão querendo acabar com meu trabalho.
Esse mundo corporativo capitalista é tão cruel! Perder meu emprego
agora seria uma droga. Começar em um novo nem é garantido.
— Não está me escutando — mamãe reclama quando percebe que
estou desligada. — Você está bem, querida?
— Sim, apenas pensando se meu emprego vai estar lá quando chegar
hoje. Estamos sendo avisados que terá corte em breve, o jornal anda caindo
mais e mais a cada dia. Jornal impresso anda perdendo espaço para a
internet.
— Eu ainda prefiro os jornais impressos — ela comunica rindo. —
Não se preocupe tanto, Clara. Se perder o emprego, sempre podemos dar
um jeito.
— Você é incrível Dona Tereza. — Eu dou um abraço nela causando
alvoroço no pequeno invejoso que come seu café da manhã.
— Quero abraço também, mamãe. — Ele se agita na cadeira alta e
tenho que ir lá antes que ele caia.
— Você deveria estar pronto para a escola, mocinho. — Ele está no
pré-escolar aqui perto de casa e já aprendeu a escrever seu nome. Meu bebê
é tão inteligente, mas é mais para ele ter amiguinhos da idade dele como
companhia que qualquer outra coisa.
— Arrumo ele rapidinho e levo, querida, vá se trocar para trabalhar
também. — Mamãe me enxota da cozinha.
— Obrigada, mãe, eu não seria nada sem você. — Beijo seus rostos e
caminho ao quarto para me arrumar.
Estou quase terminando quando escuto o tchau do Ian e o som de
seus passos correndo pelo corredor. Ele está em uma fase de andar sempre
correndo, às pressas. Ainda bem que não tínhamos uma escada em casa. Ele
provavelmente já teria caído.
Entro no trabalho às 9h30 da manhã e caminho para minha pequena
sala na redação do jornal. Eu trabalho como assistente da editora de arte faz
dois anos. O Jornal A Hora é pequeno, talvez o menor do Grupo Monteiro,
um dos pequenos jornais impressos que ainda existe. Sim, eu não tenho
nada a ver com o Grupo Monteiro, apenas o meu sobrenome Monteiro que
ainda uso de casada com Michel, eu não tinha mudado por cauda do Ian, eu
não queria que tivéssemos sobrenome diferente dele. Talvez eu nunca
mudasse isso.
— Ei Clara! Bom dia — Luci, minha colega de trabalho,
cumprimenta-me —, tem uma reunião com o editor-chefe. A secretária dele
acabou de ligar para cá querendo falar com você.
— Bom dia, Luci! — devolvo e entro na sala que divido com outras
duas pessoas, uma delas é Luci, sabendo que ela me seguirá. — Sobre o que
é essa reunião? Não me lembro de nada marcado para hoje com ele.
— Então... não sei — ela diz. — Só disse que assim que você chegar
fosse lá.
— Tudo bem.
Pouco depois estou batendo na porta da sala de Samuel Gouveia.
— Entre Clara. — A voz dele vem e entro. Samuel está na casa dos
cinquenta anos e é editor do jornal há mais de vinte anos, ele deve ter
fundado o jornal. Ele aponta a cadeira em frente a sua mesa. — Sente,
sente.
Caminho para dentro da sala e sento tentando pensar no que poderia
ser essa reunião que não estava na agenda.
— Está tudo bem? — pergunto sem muito preâmbulo, pois meus
nervos estão a ponto de saltarem do meu corpo. Sinto que as notícias não
serão muito agradáveis, ter uma reunião com o chefe logo cedo não é nada
bom, é?
— Clara, vou ser rápido com você, pois tenho uma reunião daqui a
vinte minutos. — Ele tira os óculos e me encara. — Você deve saber dos
rumores de que o jornal vai fechar as portas, não?
— Então é verdade?
— Sim, o Grupo Monteiro não tem mais interesse de continuar com o
jornal, o CEO do grupo não acredita mais no potencial. — Ele suspira
pesaroso, como se fosse doloroso saber que anos de trabalho será extinto.
— Fui incumbido de indicar alguns funcionários que tenham interesse em
trabalhar na nova aquisição do Grupo Monteiro, no Rio de Janeiro, eles
compraram a Revista Reality e querem aproveitar o quadro de funcionários
daqui, claro aqueles que tenham interesse de mudar de estado. Eu pensei
que você gostaria de ser indicada para eles, na edição de arte, pode ser que
não assuma logo o cargo, mas terá uma chance muito real.
— Mudar para o Rio? Eu tenho um filho, Senhor Gouveia.
— Sim, sim, mas ele não pode te impedir de crescer
profissionalmente, Clara, e essa é uma ótima oportunidade para você — ele
expõe sem cerimônia, ele tem essa característica de falar sua opinião
sincera. — Não use seu filho como desculpa para essa nova chance, Clara.
Essas oportunidades não aparecem todos os dias. Eventualmente essa
mudança seja muito benéfica.
Ele tem razão. Eu ainda moro na mesma casa que tinha dividido com
Michel e tem hora que desejo mudar para tentar deixar o passado para trás e
voltar a viver sem ver Michel em cada canto da casa. Talvez essa seja a
solução. Uma mudança.  Eu tenho consciência que estou presa por uma
lembrança, mas durante esses cinco anos, eu não pensei nem em namorar
ninguém, literalmente eu vivi para meu filho. É saudável? Com certeza não,
mas não me importo com essa parte da minha vida. Há muito tempo eu não
me vejo como uma mulher sexy, ou coisa do gênero. Talvez essa seja uma
oportunidade que vai ser boa para meu lado profissional e pessoal.
— Mas preciso mandar a resposta para eles até sexta, pense nisso —
Samuel diz me tirando das minhas conjecturas internas.
— Me indicaria para ser editora de arte? Eu aqui sou apenas
assistente.
— Claro, você já provou que é capaz. O jornal não vende o
suficiente, não é culpa do pessoal da arte — ele explica com pesar. Ele não
conta muitos detalhes do novo trabalho, mas diz que se eu aceitar ficarei
sabendo mais sobre tudo em uma entrevista no Rio com Melissa Monteiro,
irmã do CEO do Grupo Monteiro.
— Posso dar a resposta amanhã? Tenho que falar com minha mãe,
não posso planejar uma mudança dessas sem consultá-la — digo. — Ela
precisa aceitar mudar junto.
— Claro que sim. Mas mantenha isso para você por enquanto, ok?
— Certo.
Agradeço a ele pela consideração e volto para minha mesa de
trabalho.
— E aí? — Luci pergunta curiosa quando sento na minha mesa. — O
quanto eu poderia dizer a ela? Talvez nada. Então invento qualquer coisa e
digo para sanar a curiosidade dela.
Quando volto para casa no fim do dia, converso com mamãe sobre a
proposta de emprego e que temos de mudar de estado.
— Acho que deveria aceitar, eu não me importo de ir morar lá.
— Você tem certeza, mãe? É uma mudança e tanto — digo naquela
noite a minha mãe.
— Talvez a mudança seja boa, Clara. — ela tem razão, talvez mudar
da mesma casa que vivi com Michel possa melhorar.
No mês seguinte, viajo para o Rio para uma entrevista com Melissa
Monteiro e ela oferece a vaga de assistente de arte, e depois quem sabe eu
poderia ficar como editora. Mesmo com a mesma posição o salário era bem
maior. E como estava querendo mudar eu aceitei.
Eu só espero manter o emprego e que nada atrapalhe esse novo
recomeço.
Fico mais uns dias já pensando onde devemos morar, vejo alguns
apartamentos para alugar com uma imobiliária, pois não posso ir sem nada
planejado, eu tenho Ian para pensar antes de qualquer coisa.
Durante o mês seguinte, eu organizo nossa mudança, o que é bem
estressante, ainda bem que tenho mamãe, ela adora organizar as coisas e
mantém tudo arrumado em tempo recorde no apartamento novo, que é
minúsculo, mas é o que podemos por enquanto. A mudança foi cara e
dinheiro não estava caindo das árvores por aqui, estávamos no limite. Eu
nunca poderia tocar na indenização que recebi pelo falecimento de Michel,
eu nunca iria tocar, não podia. Estava sendo idiota por deixar o dinheiro lá?
Talvez. Não é prático, mas só em pensar me sentia mal. Se um dia Ian
quiser ele poderá usar, já poderia ter dado a uma instituição de caridade,
mas e se Ian quiser? Ele poderá fazer o que bem entender quando tiver
idade para isso. Agora eu viveria do meu trabalho. Michel não deixou muitacoisa e foi o que nos sustentou durante minha gravidez de risco.
Olho a parede onde acabei de colocar um quadro e quando vejo que
ele está milimetricamente certinho na parede, começo a organizar os porta-
retratos onde tem Ian em várias fases nos seus quatro anos. Ele, em poucos
meses, fará cinco e pelo visto não vou fazer a festinha com os amiguinhos
dele. A festa será apenas nós três e a tia Selina, provavelmente. Pego uma
foto de quando ele era bebê e traço as bochechas rosadas com as pontas do
dedo e sorrio, meus olhos ardem e penso no quanto Michel ficaria bobo
com nosso bebê. Meu peito aperta com saudade que nunca vai embora,
meus olhos se enchem de água do quanto sinto sua falta, nosso amor foi tão
intenso, tão cataclísmico, me arrebatando de uma maneira que jamais
pensei encontrar. Amor à primeira vista existe? Claro que sim. Eu acredito
porque aconteceu comigo e Michel, batemos os olhos um no outro e
simplesmente aconteceu essa ligação que até depois de sua morte ainda
estou ligada a ele de uma maneira que não sei explicar. Essa dor surda e que
me faz chorar nas noites mais sombrias, um querer que só encontra o vazio
da saudade que dói demais...
— Mamãe eu podo ir no parque? — Ian entra na sala correndo e
gritando como de praxe, e uma bola de futebol nas mãos. Começa a pular
para cima e para baixo ao meu redor, ele solta a bola e abre os braços, e
seus olhos claros ficam bem abertos, tento limpar as lágrimas do meu rosto
para que ele não as veja, a excitação dele contribui para ele não prestar
atenção a isso. — Vovó disse que tem um caaaaaaampo enome...
Ele fala atropeladamente. A que campo de futebol ele estava se
referindo? Não tem campo nenhum por perto. Mamãe e suas ideias.
— Calma querido — digo rindo.
— Podo jogar lá, mamãe?
— No parque? Acho que sim, no campo de futebol, acho que não será
possível, bebê. — Sorrio para ele.
— Aaah, não sou bebê... — protesta.
— Podemos ir no parquinho e depois podemos tomar sorvete, o que
acha? — sugiro e bagunço seus cabelos escuros e sedosos, e ele foge para
longe dos meus dedos.
— Podemos tomar sorvete antes? — Seus olhos brilham de
entusiasmo esquecendo o tal campo. — Vovóoooo! — Ele sai em disparada
outra vez antes de saber minha resposta. Eu me pergunto se suas pernas não
doem de tanto correr, digo para ele não correr, mas a voz dele vem do
quarto da mamãe. — Vamo tomar dois sorvetes!
— Tem certeza, rapazinho? Escutei que era um daqui — mamãe diz
rindo de seu pequeno neto sabichão.
— É um antes e outro depois do parque, vovó — ele explica todo
sério. — Pergunte a minha mãe.
— Não sei nada sobre isso, Ian Monteiro! — grito em tom severo. —
Não pode tomar tanto sorvete.
Saímos os três pouco depois e passamos a tarde divertindo meu filho
cheio de gás.
Aproveito que não terei tanto tempo para sair com ele depois que
começar a trabalhar na revista, não quando serei novata na redação.
Espero que tudo corra bem segunda-feira, que será o dia que
começarei oficialmente.
 
 
CLARA MONTEIRO
 
 
 
Aqui é onde você irá trabalhar Clara. Posso chamar você de Clara,
não é? — minha nova colega de trabalho, Sílvia, diz, eu a conheci hoje
quando me apresentei para meu primeiro dia.
— Esse é meu nome. — Dou um sorriso para ela. — É claro que
pode.
— Bem, espero que goste da sala. — Não é exatamente uma sala,
mas um pequeno espaço reservado ao lado da sala da editora de arte, mas dá
um pouco de privacidade às mesas com os computadores individuas em
cada cabine.
— Gosto sim Sílvia, obrigada.
— Logo mais à tarde teremos todos uma reunião com os editores e o
chefão vai assumir tudo até a revista ser relançada, depois alguém assumirá
o cargo, ele estará aqui com Melissa que você já conhece e você vai
participar e, claro, ser apresentada aos demais.
Ela começa a me colocar a par dos detalhes da revista e a manhã
passa muito rápida enquanto começo a me atualizar com minha nova função
que não é muito diferente da que já fazia antes. Meio-dia Sílvia me convida
para almoçar e saímos para o restaurante que fica ao lado da redação.
— A Reality precisa de um novo gás e o Senhor Monteiro quer que a
revista tenha maior destaque. Ele está bem empolgado com a nova cara que
a revista terá e quer claro que seja um sucesso.
— Espero poder contribuir — digo espetando o pedaço de frango
grelhado do meu prato.
— Você não teria sido contratada se Melissa não acreditasse que será
uma adição valiosa, mesmo que tenha sido recomenda pelo editor-chefe do
jornal — ela conta me surpreendendo por saber essa informação.
— Entendo.
— Você não deve ficar preocupada com isso.
— Não estou — digo. Meu celular apita uma mensagem e o pego
verificando a tela e vejo que é da mamãe perguntando se estou bem em
minha primeira manhã no novo emprego.
Quando terminamos o almoço, voltamos para a redação e para a
reunião com o chefão do Grupo Monteiro. É estranho ter o mesmo
sobrenome que seu chefe. Penso com diversão. Eu nunca tinha visto uma
foto do novo CEO do Grupo Monteiro, eu, claro, conheço o pai, que é dono
dos meios de comunicação e plataformas de mídia, Enrico Monteiro é bem
recluso, mas o que sempre ouvi é que ele realmente é reservado, a irmã dele
que está sempre aparecendo e eu nunca tive curiosidade sobre ele.
— Você está pronta? — Sílvia coloca a cabeça na minha sala e
levanto para seguir com ela para a sala de reunião que conheci mais cedo.
Quase todo mundo já está lá sentado e logo eu e Sílvia nos
acomodamos em nosso lugar.
A nova fase da revista vai ser discutida hoje e Enrico Monteiro vai
atuar como editor-chefe até que esteja tudo andando com as próprias pernas.
É o que ele faz, cada dia o Grupo Monteiro aumenta com novas aquisições
e ele toma a frente antes de entregar a rédea à equipe e um novo editor-
chefe seja nomeado.
Não demora muito e a porta abre, algumas pessoas entram, vejo logo
a Melissa Monteiro num terninho preto elegante, e em seguida meu mundo
gira e eu sinto que vou morrer de um enfarto fulminante bem aqui, pois meu
marido morto acaba de entrar pela porta. Devo ter deixado escapar uma
exclamação alta de surpresa porque todas as pessoas parecem que estão me
olhando curiosas.
— Você está bem, Clara?
A voz de Sílvia vem baixa como se ela tivesse longe de mim e não ao
meu lado. Olhos azuis de lobo digitalizam a sala e passam por mim como se
eu não fosse ninguém, depois volta a me olhar e franze a testa como se
tivesse se perguntando por que estou o olhando de olhos arregalados e
fixamente, ele não me olha como eu o olho, como se tivesse visto um
fantasma, mas sua testa está franzida como se tivesse com dor de cabeça e
ele esfrega a cicatriz acima da têmpora.
Michel!
O que ele está fazendo aqui vivo e parece não me conhecer. Ou finge
não me conhecer. Ele está diferente do meu Michel, essa versão do meu
marido se veste com terno sob medida e tem uma aura fria que o envolve
me causando uma sensação esquisita de distanciamento. Ele me olha como
se nunca tivesse me visto na vida.
Olhando como se eu fosse uma estranha? Antes que eu possa me
deter está de pé, minhas pernas são como gelatinas.
— Michel? — chamo baixo com hesitação, mas o homem que eu
acho que é meu marido olha para o lado parecendo procurar a pessoa que
estou chamando.
— Clara? — a voz de Sílvia me chama preocupada, mas estou focada
em Michel.
— O que você está fazendo aqui? Como você está vivo?
— Quem é você? — Ele não espera minha resposta e se vira para
alguém e pergunta em tom sarcástico. — Por que deixaram uma louca
participar da reunião?
— Eu não sou louca! Sou a sua esposa! — digo tão alto que a sala cai
em um silêncio profundo e constrangedor. Meu coração bate desgovernado
no meu peito e eu só quero uma explicação plausível para essa loucura.
— Que maluquice é essa? — ele pergunta e vejo a irritação no seu
rosto bonito, as sobrancelhas perfeitas estão franzidas em completo
aborrecimento. Ele se vira para a irmã. — Isso é alguma brincadeira sua
para me irritar?Pois está conseguindo.
— Sei nada sobre isso, Enrico.
— Clara? — Sílvia vem para meu lado. — Você deve estar
confundindo o Senhor Monteiro com outra pessoa. Você é viúva...
— Não! Ele é o meu marido — digo resoluta. — Se ele não for
Michel é um gêmeo idêntico.
— Posso garantir senhorita... — ele pausa esperando talvez que diga
meu nome, mas eu apenas olho para ele sem acreditar em sua frieza —
Clara não é?  Posso garantir, senhorita, que não tenho um irmão e muito
menos um gêmeo idêntico e posso garantir ainda mais que nunca me casei.
— Meu nome de casada é Clara Monteiro e claro que posso provar.
Isso parece chamar a atenção dele, mas ele franze os lábios com
óbvio desdém. Ele não parece impressionado com minha afirmação e seus
olhos frios como lascas de gelo demoram muito em mim, e as pessoas
parecem sumir enquanto nos encaramos, seus olhos frios mudam para algo
intenso e palpável como se o mundo ao nosso redor se acabasse e não
notávamos, mas assim como veio essa sensação desaparece e seus olhos
voltam a ficar mais frio que o polo norte quando ele deixa sair palavras tão
frias quanto. 
— Nossa família não é detentora do sobrenome Monteiro, tem
milhares de pessoas neste país com esse sobrenome.
Ele caminha para frente da sala como se eu não valesse um minuto
dos seus pensamentos e quando passa pela irmã diz incisivo:
— Livre-se dessa maluca.
Estou paralisada no lugar, lágrimas quentes começam a vazar dos
meus olhos, pois estou em completo choque, aperto meus punhos tão
apertados que sinto minhas unhas penetrando minha palma. Levanto a mão
e esfrego meu peito, na esperança de aliviar a pressão crescente que ameaça
explodir meu coração. Quando ele se volta para mim outra vez, eu quero
correr para ele, é como uma compulsão me chamando, mas o olhar frio de
aço me mantém colada no chão. Eu não reconheço esse homem frio.
Dor dilacerante me atinge e sinto o chão debaixo de mim sumir
quando tudo fica preto.
Acordo com alguém me colocando deitada em algum lugar e alguém
falando que vai chamar o médico. Eu quero sumir, que papelão estou
fazendo no meu novo emprego.
— De onde essa mulher veio? — A voz dele é completamente
irritada.
— Ela trabalhava com Samuel no jornal — uma voz feminina diz e
deduzo que seja a irmã dele.
— Cuide disso, Melissa! Tenho uma reunião para começar. — Escuto
a porta bater e sinto a dor queimar como ácido por mim.
Michel.
Como ele pode estar fingindo não me conhecer? Por que ele foi dado
como morto se ele está vivo. Oh Deus! Como isso é possível? Como sofri
cinco anos por um homem que estava vivo e que agora finge nem me
conhecer? E por que ele está usando um nome diferente?
— Clara? — Sílvia chama e sinto algo frio tocar minha testa. Abro os
olhos e ela está me olhando preocupada. — Ah você acordou. Tudo bem? O
que está acontecendo?
Não digo nada, não posso, pois minha garganta tem um nó tão grande
que falar agora seria impossível.
— Sílvia, deixe-me a sós com ela, por favor. — Melissa entra no meu
campo de visão e ela é completamente diferente do irmão em aparência.
Enquanto ele tem cabelos pretos, ela os mantém loiros.
— Não acha melhor chamar um médico?  — Sílvia pergunta
preocupada.
— Estou bem, não preciso de médico. — Só preciso que Michel pare
de fingir não me conhecer.
Percebo que fui trazida para a sala onde divido com Sílvia e estou
deitada no sofá da sala.
Sílvia sai e tenho vontade de chamá-la de volta, mas ela vai embora e
fico com Melissa Monteiro.
— Você está se sentindo melhor? — ela começa depois que puxa uma
das cadeiras e senta-se ao lado do sofá.
Quando eu assinto, ela continua:
— Não sei por que você acha que conhece meu irmão, mas ele nunca
foi casado.
— Eu sei que parece loucura, mas eu sou casada com aquele homem,
ele pode estar diferente um pouco, principalmente pela pequena cicatriz que
ele não tinha, mas ainda é ele.
Levanto e sento tentando achar um pouco de dignidade depois de
tudo. Eles devem achar que sou alguma louca e corro sério risco de ficar
sem emprego depois disso. E não posso me dar ao luxo disso acontecer,
acabei de mudar e tenho um filho em quem pensar.
— Tem certeza que não está o confundindo com outra pessoa?
— Você acha que tem cópias de seu irmão espalhadas por aí, pois eu
sei que...
— Você sabe que existem pessoas semelhantes, Clara, e pode ser que
você esteja confusa, por meu irmão te lembrar alguém. Você disse que ele
estava morto? O seu marido?
— Ele está? — Um soluço sai dos meus lábios e fecho meus olhos.
— Agora não sei mais nada, eu achei que ele estivesse, pelo menos foi o
que me disseram, nunca recebemos o corpo dele de qualquer maneira.
— Eu sinto muito — ela lamenta com pesar na voz. — Você deveria
ir para casa e descansar...
Não digo nada, pois vejo que serei considerada mais louca se
continuar afirmando que Enrico é meu marido.
— Sabe, meu irmão ficará por aqui até a revista se equilibrar
novamente e você trabalhando com ele nessa situação, pode...
— Vão me demitir? Eu acabei de me mudar para cá, não podem fazer
isso.
— Eu sei, mas...
— O que aconteceu hoje foi... — dou de ombros sem saber sobre o
que ainda estou sentido. Choque? Acho que é mais que isso, estou
anestesiada. — Eu fui pega de surpresa...
— Entendo, mas o Enrico ele não tolera nada que perturbe o
ambiente de trabalho dele, e hoje foi... ele demite pessoas por menos coisas.
— Claro. — Engulo a bile que sobe por minha garganta. — Devem
estar precisando de você na sala de reunião, devemos voltar.
— Você vai para casa, Clara, amanhã quando estiver mais calma
volte ao trabalho se for isso que você quer.
— Estou bem, não preciso deixar o trabalho no meio do dia por causa
disso.
— Eu insisto, toda essa situação vai deixar todos muito curiosos e
distraídos na reunião e é melhor para você ir para casa, amanhã virá e vai se
inteirar do assunto.
Eu não concordo, mas ela é minha chefe, então acato a ordem.
Mas o meu real desejo é voltar naquela sala e falar com Michel, ou
Enrico como ele se chama agora. Sósia? Não é possível, eu dormi com
aquele homem, passei horas olhando seu rosto, nunca o confundiria com
qualquer outro.
 
— Filha, chegou cedo. — A voz da mamãe vem da sala e pouco
depois um grito infantil alegre reverbera pela casa. E me abaixo e pego meu
filho nos braços e estou tremendo como uma vara verde. Eu tinha saído da
redação em um táxi que Melissa providenciou, estou me sentindo como se
um caminhão tivesse passado por cima de mim, minha cabeça está a ponto
de explodir de dor e só agora estou me sentindo melhor depois de pegar
meu filho precioso nos braços.
— Mamãe você tá me apertano fote — Ian reclama e quando ele vê
as lágrimas caindo, ele segura meu rosto com suas mãozinhas —, não chola
mamãe, não chola...
— Não estou chorando bebê, só estou feliz que estou em casa e posso
te abraçar bem forte.
— Aconteceu alguma coisa, filha? — minha mãe pergunta vindo da
sala para o pequeno hall de entrada.
— Depois falamos, ok?
Pego Ian nos braços e caminho para a sala de estar onde sento com
ele se contorcendo tentando se livrar de mim. Sorrio em meio às lágrimas e
o sufoco de beijos até estar rindo descontroladamente. Meu coração que
esteve frio desde que vi Enrico mais cedo se enche de calor novamente com
esse som. Meu filho me enche de amor.
— Quer descer mamãe — Ian grita e o solto deixando correr para
longe. Minha mãe está me olhando com a testa franzida e dou a ela um
sorriso tranquilizador.
Ian volta e pula de novo em meu colo e dessa vez ele me deixa
apenas abraçá-lo enquanto me conta tudo sobre seu dia. Depois de um
tempo com ele na sala apenas o segurando firme em meus braços, enfim ele
sai querendo brincar e aproveito para trocar de roupa. Vou para o quarto e
passo direto para o banheiro, onde tiro as roupas, entro debaixo do chuveiro
e é onde desmorono, e toda dor que senti naquele dia que vi o noticiário na
televisão, vem com força descomunal, minhas pernas cedem e caio sentada
no azulejo enquantosoluços doloridos saem da minha garganta e
convulsiona meu corpo.
— Michel... — soluço seu nome e uma dor dilacerante volta como se
estivesse perdendo-o outra vez.
Por que a vida está fazendo isso comigo? Não bastou ser dilacerada
naquele dia? E agora isso?
Uma onda de raiva pura me enche e quero voltar lá na redação e
exigir dele uma explicação, eu sinto que ele é o mesmo homem com o qual
me casei. Só que ele é uma versão perversa que me deixou chorar por ele,
por anos a fio, me deixou criar nosso filho sozinha. Me abandonou  por
quê? Nosso casamento foi real?
Por quê?
Por que ele está fazendo isso comigo?
— Por que fez isso conosco, Michel? — sussurro deixando minha
testa apoiar em meus joelhos. Abraço minhas pernas e não sei quanto tempo
estou lá quando escuto um toque na porta do banheiro.
— Clara? Filha o que está havendo? — Mamãe está batendo na porta
preocupada e eu engulo minha dor e levanto desligando a água.
A única coisa que fiz nesses últimos anos foi preocupar minha mãe,
ela não me deixa sozinha desde que fui diagnosticada com um quadro de
depressão. Eu gosto de acreditar que estou bem. Estou bem, pelo meu filho,
é por isso que eu me olho todo dia no espelho e digo a mim mesma que
tenho motivos pra sorrir e ser feliz. Eu não estou sozinha, tenho pessoas
aqui que me amam e não posso decepcioná-los.
— Já estou indo mãe — minha voz sai rouca —, só precisava de um
banho.
Pouco depois, entro na cozinha e encontro mamãe e Ian fazendo o
jantar e começo a ajudar.
— Mamãe, estou fazendo sopa — Ian anuncia com um sorriso. Seu
sorriso é igual ao de Michel e como eu era completamente apaixonada por
aquele sorriso o do meu filho não é diferente. Ele conquista qualquer um
com esse sorriso charmoso.
— Você é realmente um homenzinho crescido, hein? — Beijo seus
cabelos negros e encontro o olhar de minha mãe em mim. — Dona Tereza,
vamos conversar depois.
— Você está me deixando preocupada. — Ela volta a cortar os
legumes. — Você perdeu o emprego?
— Ainda não. — Ela para e volta a me olhar abismada.
— Clara, acabamos de mudar... — Sua voz contém toda a
preocupação que também tenho sobre perder o emprego, mas eu não posso
permitir que isso aconteça, antes Enrico Monteiro irá me ver muito furiosa.
— Eu sei e vou fazer de tudo para continuar com o trabalho.
— Podemos voltar, você sabe, aqui é apenas um teste como
combinamos. Nossa casa ainda está lá. Posso voltar a trabalhar também —
diz.
— Não mamãe, prefiro deixar o Ian com você do que com uma babá,
eu não poderia trabalhar sossegada pensando se meu filho está bem.
— Você sabe que tem milhares de mulheres no mundo que deixam
seus filhos com babás, não é?
Claro que sei disso, mas eu tenho pavor de deixar Ian, só confio em
mamãe pra isso. Eu sei que isso é um problema que eu devo enfrentar, mas
eu não posso ainda me manter sã pensando que não tem alguém próximo a
mim de olho nele, não enquanto ele for tão pequenino, cada vez que eu
penso em deixá-lo com estranhos, imagino o dia que iria receber um
telefonema dizendo que meu filho estava machucado. Enquanto mamãe
puder ficar conosco eu irei aceitar sua ajuda. Eu trabalharei por nós duas.
— Vai me dizer o que aconteceu hoje, não é?
— Sim.
Enquanto nosso jantar cozinhava, eu brinco com Ian e isso distrai
minha mente por alguns instantes, mas depois do jantar quando o coloquei
pra dormir e voltei para a sala mamãe me espera ainda querendo saber o
que aconteceu, não tenho mais como adiar a conversa com ela e dizer tudo
que houve hoje.
— Mamãe, o que faria se descobrisse que o papai não morreu? —
Começo aceitando a xícara de chá que ela me serve. Seu cuidado é tão
precioso.
— Que pergunta maluca é essa?
— Conheci o CEO do Grupo Monteiro hoje. E você não vai acreditar
quem ele é?
— Quem?
— O Michel.
— Que história é essa, Clara? Michel está morto, filha, eu pensei que
estivesse melhorando... — ela lamenta achando que estou vendo meu
marido morto. Tudo bem que no começo eu via Michel nos lugares, um
gesto, um vislumbre e eu achava que era ele, mas agora é diferente, é ele de
carne e osso.
— Ele não está, ou talvez o Michel que conhecíamos esteja realmente
morto, e no lugar dele uma pessoa fisicamente idêntica está viva e bem.
Mas por dentro nada tem nada a ver com o homem que me amava, ou ele
me enganou perfeitamente e nunca tenha me amado e por isso foi embora e
deixou que pensássemos que ele tivesse morrido.
Eu conto tudo que aconteceu hoje e minha mãe, que tem comentários
para tudo, está parada me olhando espantada.
— Filha, isso não é possível, você recebeu uma nota oficial que
Michel estava naquele voo.
— Um voo que eu não sabia que ele estaria, não acha estranho? Se
for pensar nisso com calma?
— Não dizem que temos pessoas que são parecidas conosco em
algum lugar no mundo?
— Eu sei que é ele, eu sinto isso, é Michel, mãe. Ele não é só
parecido, é uma cópia com uma cicatriz que não estava lá antes.
— Seriam irmãos? Gêmeos? Já pensou nisso?
— Ele disse que não tem irmão e Michel nunca me contou nada sobre
sua família, ele apenas disse que não se dava bem e que queria manter
distância deles, que ele não queria contato.
— Não posso acreditar em uma história maluca dessa — reflete
mamãe —, Michel não era dono de empresa ou coisa parecida, e por que ele
estava naquela lista?
— Não sei e agora ele finge não me conhecer.
— Sei que o que vou dizer pode ferir você, filha, mas eu não posso
deixar de cogitar isso. Você não está confundindo? Você não quer acreditar
que esse homem seja o Michel?
— Não estou louca, mamãe. Eu não posso acreditar que você pense
isso!
— Mas...
— É ele.
— E por que você nunca falou isso? Você trabalhou no jornal que
pertence a ele por dois anos e nunca o viu!
— Ele durante esses dois anos nunca foi lá, e nunca tive nenhuma
curiosidade em pesquisar sobre Enrico Monteiro, eu conhecia uma foto do
Senhor Monteiro mais velho, o pai e antigo CEO, e ele em nada parece com
o filho, posso garantir. Os rumores no jornal eram que ele vivia recluso e
que nunca aparecia em mídias sociais desde que assumiu o posto anos atrás.
Ah não sei, nunca me interessei sobre ele ou sua família. O Grupo Monteiro
já existia antes de eu conhecer Michel e ele nunca nem mencionou
parentesco com eles, o mesmo sobrenome não é estranho, é normal, não
quer dizer que somos da mesma família só porque temos o mesmo. Eu vivi
em meu mundo desde que Michel partiu, mamãe, para me interessar por
qualquer outra coisa, ainda mais procurar foto de um homem na internet.
— Isso é uma loucura — ela comenta abismada.
— Eu sei, e estou enlouquecendo, você não tem ideia, mamãe.
— E o que vai fazer?
— Não sei, estou completamente sem chão — a força que está me
sustentando durante a conversa começa a desaparecer —, eu não sei como
irei trabalhar todos os dias lá, vendo ele...
— Ah querida! — Ela vem e me puxa em um abraço apertado. — Eu
sei como se sente, eu sinto falta do seu pai todos os dias sem exceção e não
saberia o que fazer se estivesse em uma situação dessas. E se ele não for
Michel?
— É ele...
— E se estiver enganada? Esse tal Enrico deve estar pensando que
você é louca e pode querer demitir você, já pensou nisso? Que não depende
de você conseguir trabalhar ao lado desse homem, pois ele pode mandar
você embora e acabamos de chegar aqui.
Eu não poderia perder esse emprego, não por causa do meu colapso
de hoje. Eu preciso saber me controlar até descobrir a verdade.
Quem é Enrico Monteiro?
Por que Michel teria o mesmo sobrenome? Será que eram gêmeos
idênticos? E Enrico não sabia da existência um do outro?
Não acredito nessa possibilidade, eu sinto que Enrico é o mesmo
homem que casei.
E claro que ele está fingindo! Eu só preciso descobrir por que ele
inventou toda essa história.
Eu preciso me controlar e ser fria e racional, não posso ficar sem
emprego, pois tenho Ian e mamãe que dependem de mim.
 
 
CLARA MONTEIRO
 
 
Dizer para mim mesma para ser fria e racional quandonão estava na
redação é fácil, mas estar aqui é completamente diferente, ainda mais
quando a primeira reunião do dia é justamente com o CEO do Grupo
Monteiro.
— Você está na boca do povo, Clara — Sílvia fala quando chego
mais cedo —, todos querem conhecer a novata que se diz esposa do chefão.
Dou de ombros, pois eu já imaginava que algo do tipo fosse
acontecer. Nós duas caminhamos para a sala de reunião e meu corpo vibra
de ansiedade misturada ao medo e à expectativa do que vai acontecer, se ele
vai estar na reunião de hoje.
Provavelmente sim, já que ele vai estar à frente da revista até que ele
deixe alguém no controle e volte a sua Torre de Marfim.
As pessoas me olham, umas com estranheza, outras com ar de
diversão, mas não dou muita importância, eu sei que não sou louca. Assim
como ontem, a sala já está ocupada por quase todo mundo. Ainda bem que
Sílvia voltou para a reunião de ontem e hoje ela me colocou a par do que foi
discutido, pelo menos ela tentou, já que não tivemos muito tempo de
conversar hoje.
A porta se abre e Melissa aparece e meu coração quase sai pela boca,
mas Enrico não vem junto, sinto alívio por não ter que enfrentar uma carga
emocional logo cedo, mas canto vitória antes da hora, pois a porta abre
novamente e me sinto sobrecarregada com sua presença. Ele caminha para
frente da mesa e senta-se na cabeceira, cumprimenta a sala e seus olhos
correm por todos e hoje os olhos se fixam em mim. Engulo em seco e o
encaro também, ele não vai me intimidar, não hoje, eu preciso desse
emprego, canto como um mantra para poder me controlar.
Melissa inicia a reunião. Não estou escutando nada, minha atenção é
capturada por Enrico Monteiro que tem um olhar duro e frio na minha
direção e ele não faz muita questão de esconder o fato de que está me
olhando fixamente dos presentes da sala. Ele está esperando que eu desabe?
Faça outro escândalo como ontem? Devo desapontá-lo então, ele me
examina como se nada que estivesse sendo tratado nesta sala tivesse
importância.
Minhas mãos estão apertadas em meu colo e eu coloco todo meu
esforço para dissipar a tensão que sinto por meu corpo, mas tudo que
realmente quero fazer é levantar e exigir respostas. Devolvo o olhar sem me
intimidar e percebo que ele está diferente de Michel em muitos aspectos.
Estudo as linhas do rosto dele. Os longos cílios, a mandíbula angular e
aqueles olhos azuis vazios. Ele continua fazendo meu coração bater
acelerado como no dia que nos conhecemos, mas os olhos de Michel foram
uma das coisas que me fascinavam, era como fogo, que mexiam com minha
libido, não eram frios como agora.
Há muito que descobrir sobre esse novo homem, pois em nada, além
de fisicamente, parece com meu marido. Além do homem frio que ele
demonstra tem uma cicatriz quase se escondendo na sua fronte, quase rente
ao couro cabeludo. Como ele conseguiu isso? Michel tinha o rosto perfeito.
O que tinha acontecido? O que o fez tão cruel? Eu quero descobrir tudo.
Descobrir por que ele estava naquela lista se ele não estava no avião. Em
um voo que eu nunca soube que ele estaria. Meu casamento foi uma
mentira? Eu sofri por alguém tão sem coração que fingiu durante anos que
estava morto sem se importar com a mulher que dizia amar? Ele sabia sobre
Ian e nunca voltou? Jesus, quem é o homem com quem me casei? Eu nunca
o conheci de verdade.
Como você pode ser tão cruel, Michel?
Minha pergunta é enviada mentalmente para ele, nossos olhos
trancados um no outro.
Quando Melissa chama o nome dele, Enrico tira enfim os olhos de
mim. O ar sai dos meus pulmões e percebo que estive prendendo o fôlego.
Eu sei que precisamos conversar. Eu preciso descobrir o que está havendo.
Quando a reunião enfim termina, estou a ponto de ter um colapso de
ansiedade. Vejo Melissa e Enrico saírem de imediato e levanto também,
tenho as mãos suadas, mas não desisto de ir ter essa conversa. Eu preciso
tirar isso a limpo antes que eu cometa mais uma indiscrição. Quando chego
ao corredor onde leva ao escritório de Enrico, Melissa está falando com
algumas pessoas e assim que ela me vê se despede deles.
Droga!
— Clara, espero que esteja melhor hoje! — diz simpática.
— Estou sim, obrigada.
— Que bom, pois temos muito trabalho pela frente. — Ela começa a
falar sobre a revista, e eu tento acompanhar tudo, mas meus olhos estão
grudados na porta que leva à sala de Enrico. — Estou atrapalhando você,
Clara?
— Claro que não, desculpe, mas tenho que falar com seu irmão —
resolvo ser franca. — Eu preciso de uma explicação e só depois disso que
poderei me dedicar cem por cento à revista.
— Pensei que tivesse esquecido isso...
— Eu não posso, preciso falar com ele agora.
— Clara... — seu tom de aviso não me detém, pois já estou
caminhando para longe dela. Eu sei que pareço louca aos olhos de todos,
mas não dou a mínima. Eu sei que preciso do emprego, mas neste momento
eu preciso mais de respostas. Bato na porta e não obtenho respostas, mas
torço a maçaneta e entro. Enrico está ao telefone e em pé em frente à janela
e quando bato a porta, mesmo que não tenha feito tanto barulho, ele se vira.
— Eu preciso desligar. Nos falaremos mais tarde — ele diz ao celular
e desliga. — Não sabia que tinha um horário agendado hoje, Senhora
Monteiro.
— Eu preciso falar com você — digo caminhando para o meio da
sala.
— Você precisa? Mas não temos nada para conversar, ainda mais se
for sobre eu ser casado com a senhora. — A voz dele é cheia de óbvio
desdém, mas não irei me abalar com sua personalidade azeda.
— Eu preciso saber por que está fingindo não me reconhecer? Você
sabe que fomos casados e que há cinco anos você foi dado como morto. E
agora você está aqui em pé usando outro nome. E não continue fingindo
que não é a mesma pessoa, pois o meu sobrenome vem de você, eu
continuo usando meu nome de casada por causa do nosso...
Paro de falar quando percebo que ia dizer nosso filho...
— Do nosso o quê?... — ele pergunta com frieza, mas o nó na minha
garganta me impede de continuar. — Continue, ou precisa pensar na
história inventada que vai me contar?
— Eu não estou inventado nada.
— Vou ser claro com você, Senhora Monteiro, eu não conheço você e
estou prestes a pedir que os seguranças acompanhem você para fora.
— Não pode me expulsar sem antes me dizer por que nos abandonou,
como teve coragem, como foi tão frio, como me deixou sofrer todos esses
anos pensando que estivesse morto, como pode?
Ele não mexe um músculo diante do meu discurso e não parece se
importar quando minha voz falha por causa da dor que sinto dentro de mim,
como uma ferida que nunca cicatriza.
— Senhora Monteiro, eu não tenho tempo disponível para ser
desperdiçado. Meu tempo vale ouro, então se você economizar meu tempo
será uma forma de garantir seu emprego aqui.
— Estou dando uma merda para o seu tempo, eu quero uma resposta
Michel! — Toda a frieza que eu estava recitando para mim desde que
acordei hoje evapora quando perco a paciência com esse homem horrível.
Estou falando e ele não tem um pingo de empatia, não se importa,
não tem consideração por minha história.
— Como se transformou nesse ser humano sem coração?
— Senhora Monteiro, estou acostumado a ter mulheres inventando
um monte de histórias fantasiosas para se aproximarem de mim, mas devo
realmente tirar o chapéu pra você. Estou quase acreditando na sua
performance. E pra constar meu nome desde o nascimento é Enrico
Monteiro, não sei quem porra é esse Michel e não me importo.
— O que fez com o homem no qual me casei, você age agora como
um ser sem coração para não dizer coisa pior.
— Que bom que está notando que não sou esse tal Michel, Senhora
Monteiro.
Ele caminha até estar a poucos passos de mim.
— Mas me diga quem contratou você para atrapalhar o relançamento
da Reality? Por que exatamente agora, neste exato momento, quando
estamos prestes a ganhar uma nova fatia do mercado da mídia e
comunicação, você é contratada e começa uma história sem pé e sem
cabeça, SenhoraMonteiro? Estranho, muito estranho. Quanto estão te
pagando pra atrapalhar meu negócio?
— De que você está falando? Como isso poderia atrapalhar seu
negócio?
— Um escândalo sempre tem seus efeitos negativos e você dizendo
que fui casado e que tenho uma esposa esquecida no meu passado é um
prato cheio.
— Eu tenho como provar que falo a verdade — digo veemente.
— É mesmo? E o que seria a prova?
Eu seria uma louca se envolvesse Ian nessa história, mas eu tenho que
provar quem sou e exigir dele uma resposta. Ele se aproxima mais agora e
sua intimidação física tem um efeito em mim, como no passado. Ele está
tão perto de mim agora que eu poderia tocá-lo, e minhas mãos coçam
querendo sentir seu toque outra vez, não de Enrico, mas do meu marido.
Levanto meus olhos para os dele e nossos olhares se conectam e olhar
dentro desses olhos azuis é como um choque elétrico, o frio na barriga e o
meu pulso acelerando fazem meu coração bater tão loucamente que acho
que ele poderia pular do meu peito a qualquer momento. Por uma fração de
segundos, algo passa por seu olhar e é quase como um reconhecimento, mas
logo se dissipa quando ele quebra o encantamento com suas palavras.
— Estou esperando a tal prova, Clara.
— Tenho fotos do nosso casamento, mas estão em casa. Posso trazer
amanhã.
As fotos de Michel estão todas guardadas, as digitais eu não tenho no
meu celular, pois vê-lo é doloroso demais, apenas uma está no quarto do Ian
para que ele veja seu pai.
Quando tinha no celular eu as olhava todos os dias, como uma
compulsão, isso quando suportava ver nós dois juntos naqueles momentos
felizes, mas depois de um tempo a angústia e uma dor insuportável me
tomavam me fazendo muitas vezes chorar como uma criança de tanta
saudade e questionamentos. Por que ele tinha sido levado de mim tão cedo?
Por que ele se foi e me deixou com essa dor tão desesperadora que me
sufocava às vezes? A dor da perda é tão visceral, um vazio que parece que
nunca será preenchido outra vez. Então mamãe guardou as fotos que
tínhamos em casa, não deixou nenhuma mais à vista, as digitais foram para
um arquivo, onde não pudesse vê-las todos os dias até que criei coragem
um dia e peguei apenas uma onde estavam nós dois na lua de mel e
coloquei no quarto do Ian. Ele precisava conhecer o pai. Mesmo sabendo
que o papai está no céu cuidando dele lá de cima.
Bom era o que eu pensava.
— Por que não vamos pegá-las agora? — ele sugere com um
arremedo de sorriso me trazendo de volta do meu devaneio. — E uma foto
não quer dizer nada, pode muito bem ser manipulada, Senhora Monteiro,
mas estou disposto a lhe dar o benefício da dúvida.
Ele tem razão, uma foto poderia ser manipulada em computador, a
única forma de provar é Ian, mas não quero usar meu filho para provar nada
a esse homem. Contudo, eu não posso levá-lo na minha casa, não enquanto
ele se nega a reconhecer que é Michel.
— Prefiro trazer amanhã.
— Acho que você está com medo que não tenha tal foto.
— E você é um escroto — digo sem me importar com emprego,
posso muito bem arranjar outro. Não posso?
— A única coisa que eu realmente gostaria de saber foi como você
ficou sabendo da minha... — ele para me deixando curiosa sobre o que ia
dizer — esqueça, essa charada terminará em breve.
Eu deveria esquecer tudo isso, Michel poderia muito bem está morto
mesmo porque esse homem sem coração não é meu marido. Ele só tem o
exterior igual, mas por dentro é cruel.
— E eu gostaria de saber quando ficou tão frio.
Ele ri, mas o sorriso não alcança seus olhos gelados.
— Diga-me, como seu marido morreu? — ele diz me chocando com
a pergunta crua.
— Em um acidente de avião há cinco anos, mas você sabe disso,
afinal forjou sua morte não? — acuso, porque meu amor por Michel não se
reflete para esse ser mesquinho a minha frente.
— Esta é uma acusação muito grave, Senhora Monteiro — ele expõe
saindo de perto de mim e voltando para a mesa, onde abaixa a tampa do
notebook e volta-se para mim. — Eu faço questão de ir a sua casa, agora. E
ver essas provas.
Por que o interesse repentino? 
— Não acho necessário ir a minha casa — digo, não quero envolver
Ian nessa bagunça. Não antes que esse homem seja digno de conhecê-lo.
— Vejo que sua bravata não se sustenta Senhora Monteiro, mas eu
faço questão — ele aponta a porta com ironia —, depois de você... — Eu
quero acertar um soco no nariz dele por achar que tudo isso não passa de
maluquice da minha parte.
— Não posso sair assim, ontem tive de me ausentar... — argumento
tentando ganhar tempo.
— E vai culpar a mim também?
— Claro que não, mas não posso negligenciar meu trabalho hoje
também, então vai entender se amanhã trouxer tudo que tenho como prova
que foi casado comigo.
— Não se preocupe, talvez você não tenha um trabalho quando voltar
de qualquer maneira. Então faço questão de acompanhar você até sua casa,
não confio que não vá forjar uma prova nesse período de tempo.
— Não pode me demitir — digo me referindo a suas palavras iniciais
e esquecendo sua acusação.
— Não? Senhora Monteiro, posso demiti-la na hora que me convir,
poderia alegar várias arbitrariedades cometidas pela senhora em apenas dois
dias na minha empresa — ele fala com óbvia falta de paciência.
— Faça isso e não saberá o que o atingiu, Senhor Monteiro. — Deixo
claro, cheia de raiva, sem me importar mais com esse trabalho, pois pelo
visto não terei mais um de qualquer modo. — Você se transformou em um
ser humano asqueroso...
— A prova que você guarda a sete chaves em sua casa eu estou
esperando — ele me corta com os olhos como aço me encarando sem
qualquer traço de simpatia, está realmente falando sério sobre ir na minha
casa.
— Ok, vou pegar minha bolsa — digo pisando duro pra fora da sala e
enquanto caminho digito uma mensagem para mamãe sair com Ian de casa,
ele ainda não começou na escolinha e deve estar em casa uma hora dessas.
Oro fervorosamente para que ela veja a mensagem antes que eu chegue lá
com esse homem asqueroso. Estou quase começando a acreditar que me
enganei, que meu desejo de ter Michel de volta é tão grande que o vejo
nesse homem frio e sem um pingo de empatia pelo próximo. Pego minha
bolsa e digo para a Sílvia que vou resolver algo e saio da sala olhando o
celular para trombar direto em uma parede.
Minha visão é bloqueada por um peito largo e ombros igualmente
largos, cobertos por uma camisa branca debaixo do terno sob medida que é
puro músculo. Ele automaticamente me segura pelos braços para que eu não
caia e por um instante é como voltar no tempo. É como se Michel estivesse
aqui me segurando. O perfume sútil e fresco bate em mim com uma força
de uma tonelada, é o mesmo cheiro que Michel usava desde que o conheci,
dizem que nossa memória olfativa é capaz de nos levar de volta ao passado
e é como se estivesse nos braços do meu marido, perdida nos momentos
íntimos onde nem um de nós sabia onde um terminava e o outro começava,
quando nos amávamos entre os lençóis, sexo quente e desenfreados. Fecho
meus olhos e sou tomada por uma emoção tão grande que não cabe dentro
de mim e então deixo escapar com a voz trêmula.
— Michel?...
— Meu nome é Enrico, pare de me chamar assim, não gosto! — A
voz tão parecida e ao mesmo tempo diferente por esse tom de desprezo que
nunca ouvi de Michel me tira do transe. Ele me solta depois de me firmar e
tenho vontade de me esbofetear por minha fraqueza. Eu deveria ter vivido
mais nesses últimos cinco anos, eu me enterrei e deixei a dor ditar minha
vida e agora estou sendo testada além da dor.
Ele caminha me deixando lá e só me resta acompanhar seus passos
largos. As pessoas nos olham curiosas e quando estou indo para o elevador,
vejo Melissa saindo de uma sala e sua testa franze enquanto olha para mim
e seu irmão. 
 
 
 
CLARA MONTEIRO
 
 
Entramos no elevador e é apenas nós dois lá dentro e o silêncio é
ensurdecedor, sinto os olhos de Enrico me observando fixamente sem se
importar se é mal-educado encarar as pessoas.— Difícil imaginar que eu escolheria uma mulher como você para
casar — ele diz e sinto meu coração doer com as palavras. — Não é meu
tipo em tudo.
— Obrigada — digo com a voz dolorida —, mas seu comentário é
totalmente desnecessário.
Ele parece que vai retrucar, mas as portas do elevador se abrem e
temos que sair, ele caminha para fora do prédio e segue para um carro
estacionado.
Entramos no Bugatti preto e luxuoso e Enrico vira para mim.
— Qual seu endereço? — ele pergunta e informo a contragosto
recebendo um olhar desdenhoso quando falo hesitante. Tenho vontade de
mandar ele se foder, contudo, provar que não sou louca é primordial agora.
Se um dia eu amei Michel com todas as forças, estou começando a odiar
Enrico Monteiro com igual intensidade. Ele é odioso.
Meu celular vibra com uma mensagem e suspiro aliviada quando vejo
que é mamãe. Ela diz que não está em casa, e sim no supermercado. Mando
outra mensagem pedindo que ela não volte para casa até eu dizer que pode.
— Pelo suspiro e cara de alívio imagino que seu cúmplice esteja
forjando a sua prova.
— Vai engolir tudo que está falando, vai...
— Me poupe de seu discurso — ele corta —, não é e primeira mulher
a querer tirar algo de mim, Senhora Monteiro, e apenas para deixar claro de
uma vez, não sou esse homem que foi seu marido — continua ele —, há
cinco anos eu nem estava morando aqui como posso ter casado com você e
esquecido disso?
— Eu moro aqui há poucos dias, vim por causa do trabalho —
comento com ênfase. — Não entendo por que está fingindo que não me
conhece. Sei que tem uma marca de nascença, Enrico, e tenho certeza que
só uma mulher que dormiu com você saberia.
— É mesmo? E o que é isso?
— Tem um sinal na ponta do seu... você sabe o quê. — Fico quente e
certamente estou vermelha agora, droga eu estava perdida mesmo, como eu
não consigo dizer uma palavra tão simples. É apenas uma palavra sua
idiota. Digo a mim mesma com raiva.
— Qualquer mulher que dormiu comigo poderia dar essa informação
para você — ele rebate e me olha de soslaio e por uma fração de segundo
vejo um vislumbre de Michel em seu rosto quando ele me olha divertido
com meu embaraço. — Pelo visto você fez sua lição de casa, Senhora
Monteiro, e conseguiu informações sobre mim, só não sei aonde quer
chegar com essa história.
— Não sei com quem dorme, e nem quero saber. — Imaginar ele
dormindo com outra mulher é como uma faca cortando minha carne, apesar
de achar que era Michel, esse homem na essência não é meu marido, mas
ainda assim imaginá-lo com mulheres me causa uma dor cegante em meu
peito.
— Diz a mulher que afirma que sou seu marido morto — falou e me
encolho com as suas palavras.
Não argumento, pois estou cansada de falar com ele. É irritante e
maldoso.
Quando não dou a ele nenhuma resposta ele suspira me olhando de
esguelha. Uma pitada de arrependimento brilha em sua íris azul
hipnotizante.
Ele suspira como se fosse custoso falar.
— Eu não devia ter falado assim, foi completamente desnecessário e
rude.
O resto do caminho eu apenas olho pela janela do carro, e essa
vontade de chorar volta com força, mas eu seguro tudo dentro de mim,
estou cansada de tudo isso. Maldita hora que vim para cá. Por que diabos o
destino está brincando comigo assim? Por que me machucar duas vezes e
com o mesmo homem? Uma vez em sua morte e agora por ele estar vivo e
ao mesmo tempo não sendo ele mesmo, e isso não deveria ser assim. Parece
que estou em uma realidade alternativa onde tudo pode acontecer de mais
bizarro.
Quando ele estaciona em frente ao meu prédio, estou uma pilha de
nervos. Ele olha ao redor como se temesse que alguém fosse roubar seu
precioso carro.
— Ninguém vai roubar sua preciosidade. — Minha vontade é que
isso acontecesse, que alguém levasse seu carro para deixar de ser idiota.
O elevador nunca pareceu tão minúsculo e sufocante. Eu tenho uma
montanha de perguntas, mas parece que algo tapa minha garganta e nada
sai, talvez seja pelo fato de Enrico ter deixado claro que me acha uma
mentirosa golpista. Não demora muito e o ding da porta do elevador se abre
e saio seguida por ele. Assim que coloco a chave na porta percebo meu
erro, só tirar Ian daqui não era suficiente para não fazer sua existência real
para Enrico, me lembro dos porta-retratos na sala.
Ah caramba, por que não pensei direito? Tanto trabalho para tirá-lo
de casa e esqueci as fotos espalhadas pela casa.
Jesus! Clara que burrice!
— Cada vez que hesita me deixa com a sensação que estou perdendo
meu tempo precioso com você, Senhora Monteiro. — Ele não perde minha
hesitação.
— Acho que foi um erro trazer você aqui — digo e viro dando das
costas para a porta e Enrico está muito perto para minha sanidade mental. A
vontade de esticar a mão e tocar seu rosto onde uma barba leve cobre sua
mandíbula é quase insuportável de resistir.
— Não vou embora antes de saber o que esconde aí dentro. Abra a
porta, Clara.
Eu encaro seus olhos azuis que fazem sentimentos guerrearem dentro
de mim. Saudade. E uma mistura conflituosa de raiva e desejo de sentir os
braços dele em volta de mim como costumava fazer, agora não tenho mais
essa liberdade e nem o direito tampouco. Ele se inclina e prendo o ar, mas
só tira a chave da minha mão e ele mesmo abre minha porta e oro para que
ele não olhe tanto ao redor, no entanto sei que com minha sorte ele olhará
cada detalhe.
Sem saber bem o que fazer, indico o sofá para Enrico quando adentra
meu apartamento e é estranho ter ele ali no meu espaço onde divido com
nosso filho.
— Porque não senta um minuto enquanto vou...
Paro de falar quando o vejo correr os olhos pela sala e meu temor
aumenta quando os olhos dele pousam nas fotos dispostas no móvel ao lado
da televisão.
— Você quer alguma coisa para tomar? — pergunto aleatoriamente
para distrair sua atenção das fotos do Ian e ele pergunta sem tirar os olhos
das fotos.
— Você tem um filho? — Tanto esforço e é a primeira coisa que ele
nota.  Fecho meus olhos sem alento. Ele caminha para perto e pega uma
delas, a última foto do Ian bem recente e eu sei o que ele está vendo. Um
garotinho que nunca poderia ser questionado sobre quem seria seu pai. Ele
tem tudo de Michel e consequentemente de Enrico, e sei que ele não pode
negar isso. Vejo ele se virar lentamente para mim. Seus olhos perderam a
frieza e estão completamente confusos e cheios de questionamento. — Esse
garoto... — sua voz pela primeira vez desde que o encontrei tem um timbre
hesitante. Seu cenho franzido.
Sem uma saída, caminho para perto dele.
— Ele se chama Ian, e sim eu tenho um filho — digo firme.
Demonstrar fraqueza quando envolve meu filho? Nunca. Jamais. Eu poderia
estar sentindo uma dor imensa dentro de mim pela indiferença de Enrico,
mas se ele cogitar ferir meu filho como ele está me ferindo, eu não sei do
que serei capaz de fazer. Eu vivi todos esses anos pelo meu filho e eu
poderia virar uma leoa feroz por ele e para não deixar nenhuma dúvida
sobre isso eu digo com ferocidade. — Quando você achou que eu estava
falando com meu cúmplice, apenas estava falando com minha mãe para não
deixar meu filho ver você, se você acha que estou louca, Enrico, meu filho
teria tido a mesma reação porque ele conhece seu rosto como sendo o pai
dele.
— Impossível... — ele rosna baixo. — Isso é impossível, eu não
tenho um filho e nunca casei!
— Você tem um irmão idêntico a você?
— Eu não tenho um irmão — ele hesita como se o que estivesse
falando não fosse verdade, depois completa. — Não mais.
O que ele queria dizer? Michel era um irmão gêmeo idêntico dele?
Eu estava confundindo? Não é possível, eu sabia que esse homem na minha
frente é o verdadeiro Michel.
Ele volta os olhos para a foto e parece completamente desfeito do
homem arrogante e frio que estive vendo desde ontem.
Eu não posso deixar a emoção me dominar mais do que já está e
limpo minha garganta.
— Espere aqui, vou pegar as fotos que você veio ver — digo quando
o silêncio começa a ficarestranho e vou para meu quarto o deixando lá na
sala ainda com a foto do Ian nas mãos. Respiro fundo quando pego a caixa
no meu armário. Essa caixa não foi aberta por anos. Ali está registrado tudo
que vivi com Michel, cada momento de felicidade. Sento em minha cama e
paro olhando a caixa fechada ao meu lado. Enterrei tudo ali, pois é doloroso
demais para olhar sabendo que Michel não estava mais neste mundo e agora
ele está bem ali na sala me esperando e ao mesmo tempo não é o homem
por quem ainda sou apaixonada.
— Clara?... — A voz de Enrico me tira do transe. Ele está na porta do
meu quarto e não sei o que ele vê em meu rosto porque ele caminha em
minha direção com o cenho franzido. — Estava demorando muito... — ele
para a poucos passos de mim. — Você está bem?
— Eu gostaria de estar — digo com tristeza e não aguentando mais
desabafo. — Você nunca poderia entender como é difícil para mim tudo
isso, pode parecer um drama mexicano para você, e, na verdade, você nem
se importa com nada disso, talvez nunca entenda porque é indiferente ao
que deixou para trás há cinco anos, mas saber que estive chorando por uma
morte que não houve é tão... — Minha voz falha com a emoção que
borbulha dentro de mim e tenho vontade de gritar a plenos pulmões de
frustração e raiva, pois percebo que o sentimento mais dominante desde
ontem que sinto é a raiva.
— Por que não me mostra o que tem na caixa? — Ele aponta e
caminha para sentar ao meu lado sem convite. Ele sentar na minha cama  e
é tão estranho, surreal até. — O que tem aí, Clara?
Abro a caixa e tiro as fotos de dentro, presentes com valores
sentimentais que Michel tinha me dado ao longo de nossa vida juntos, nossa
certidão de casamento. Fotos da minha gravidez tirada por mamãe, pois eu
durante a gravidez não tive ânimo para essas coisas, mas ela insistia e dizia
que eu um dia iria querer ver como fiquei, mas eram fotos onde a tristeza no
meu rosto não condizia com meu estado, onde deveria estar feliz. Eu queria
a vida dentro de mim, mas a tristeza pela perda era tão forte naqueles dias
que era demais para demonstrar alegria em meu rosto.
Pego as fotos onde estamos eu e Michel e estendo para Enrico que
sem uma palavra as pega. A primeira da pequena pilha é uma foto minha
com Michel, uma selfie nossa que ele tirou na nossa lua de mel. Eu não
estou olhando para a foto, mas para o rosto de Enrico e é visível o choque
dele enquanto olha as fotos em suas mãos. Ele me olha rapidamente e volta
sua atenção ao que tem em mãos.
Ele passa para a próxima e como não foi empilhada na ordem que foi
tirada a que ele vê agora foi a primeira foto que nós tiramos juntos. Nosso
primeiro jantar e pedimos que o garçom tirasse a foto. Michel nessa está
mais parecido com Enrico, até o corte de cabelo, percebo que é idêntico.
Ele passa as fotos rapidamente uma após a outra onde um casal em
flagrante felicidade é retratado ali. Enrico joga as fotos na cama e levanta
de supetão me assustando. Ele cerra os punhos e caminha para fora do
quarto como se mil diabos estivessem atrás dele. Corro atrás dele e o
encontro na porta de saída de costas para mim, uma mão na porta de punho
cerrado e a outra na maçaneta como se fosse sair, mas algo o segura aqui
dentro, a cabeça tombada para frente e noto que ele respira forte. Seus
ombros sobem e descem em um ritmo constante. Fico lá sem dizer nada até
ele parecer se acalmar e se volta de frente para mim. Olhos azuis intensos
me olham meio assombrados, atormentados. Não falamos nada e ficamos lá
olhando um para o outro por tanto tempo que parece uma eternidade. Ele
não deixa transparecer seus pensamentos, não sei se ele acredita em mim
agora.
— Onde você conheceu o?... — Ele não termina a frase, mas sei o
que ele quer saber.
— Você ainda não acredita em mim? Que você é aquele homem na
foto? Quer que eu acredite que não é você? Pois eu sei que você é ele, então
pare! Pare de negar, por que está fazendo isso comigo? Por que fez isso
conosco?! — eu berro perdendo o controle de vez. As lágrimas que eu
tentei segurar rompem a barreira e descem por minhas bochechas.
— Porque se eu for esse homem, eu me esqueci de você e dessa
suposta vida que tive com você — ele diz com a voz vencida. — Eu não
lembro quem você é! Não me lembro de nada.
— Você tem algum tipo de amnésia? É isso?
— Não posso falar sobre isso.
— Não pode? Ou não quer? Não quer acreditar que seja possível eu
estar certa? — pergunto incrédula.
— Eu preciso ir embora — ele diz, mesmo que não se mexa do lugar.
— Não pode ir e me deixar sem respostas, Enrico — digo baixinho e
caminho para perto dele invadindo seu espaço pessoal. — Você tem o dever
de me dar respostas. — Olho ele de perto e sem perceber o que faço minha
mão levanta e toca a cicatriz em sua tempera. — Como conseguiu essa
cicatriz?
Enrico não tem mais a postura tão arrogante de mais cedo. Eu sei que
tudo que ele viu desde que entrou aqui o colocou na dúvida, isso é óbvio na
confusão em seus olhos, mas vejo que ele ainda não está pronto para
admitir ser Michel.
Ele segura minha mão e retira de sua testa, mas não a larga, apenas
olha nossas mãos juntas, é a primeira vez que ele me toca voluntariamente e
pela primeira vez em muito tempo sinto meu corpo reagir a um homem.
Meu coração bombeia rápido no meu peito, mas a raiva está bem presente e
puxo minha mão da dele.
— Você se esqueceu de nós? Ou você é tão sádico que sente prazer
em continuar negando?
— Eu não posso falar com você sobre isso agora, eu...
— Como você pode explicar que uma pessoa igual a você foi casada
comigo? Não estou mentindo e nem estou tentando dar um golpe em você!
Ele não responde, sua mandíbula está pulando de tão tenso que ele
aperta.
— Você nem mesmo vai tentar...
— Tenho que ir. — Ele abre a porta e sai me deixando lá em pé feito
uma idiota.
 
CLARA MONTEIRO
 
 
Entro no carro e minha pose fria se desfaz e sufoco sem ar, meus
pulmões parecem que vão explodir. Puxo a gravata desfazendo o nó e tento
respirar novamente, puxo o ar com força tentando voltar a minha respiração
normal. Uma dor de cabeça começa a latejar em minha têmpora e aperto os
olhos na tentativa de fazer a dor desaparecer. Sinto como se tivesse um
buraco negro dentro do meu cérebro.
Depois de quase cinco minutos parado na frente do prédio de Clara,
enfim conecto o telefone no bluetooth e ligo para o Dr. Leandro enquanto
dou partida no carro. Leandro é meu neurologista e me acompanha desde o
acidente há cinco anos.
— Enrico!
— Você está podendo me receber, agora? — Ele é a única pessoa
além do meu advogado que eu posso falar neste momento e eu preciso
colocar isso para fora antes que minha mente exploda, nem minha família
sabe da minha falha de memória. Quando houve o acidente há cinco anos,
mais de um ano da minha vida foi apagado da minha memória, como se
nunca tivesse existido, e não pude sair anunciando por aí que eu não me
lembrava de nada. Achei que nada tão importante assim tivesse acontecido
e, no entanto, parece que eu esqueci que casei e que tinha um filho dessa
relação. É completamente impensável que eu esqueci algo tão importante.
— O que houve? — Sem esperar minha resposta ele emenda. —
Deixe-me verificar minha agenda... — A linha fica em silêncio e depois ele
volta. — Tenho uma hora livre para o almoço, se quiser...
Olho o relógio e são 11h35.
— Estou indo, preciso conversar com você.
— Está bem. Você apenas quer conversar ou está sentido alguma
coisa? Você teve algum sonho novamente?
Eu geralmente tenho sonhos recorrentes, sempre sonho que estou
perdido em um lugar desconhecido e no sonho eu tenho a sensação que
perdi algo importante, sempre é um sonho nebuloso, sem sentido algum, e
acordo sobressaltado e com meu coração acelerado, e geralmente passo o
dia com aquela sensação de aperto no peito. Como havia perdido meu pai e
irmão, eu associava a isso, mas será que não tem mais coisa aí que não
lembro. Seria Clara essa coisa importante que eu

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