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Beba Antes de Casar (Livro Unico)

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Prévia do material em texto

Beba Antes de Casar
Copyright © 2020 Victoria Gomes
 
Essa é uma obra de ficção. Nomes, personagens,
lugares e acontecimentos descritos aqui são produtos da
imaginação do autor. Qualquer semelhança com nomes,
datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
 
Capa: Will Nascimento
Revisão: Victoria Gomes e Natália Dias
Diagramação: Victoria Gomes
 
Todos os direitos reservados. É proibido o
armazenamento e/ou reprodução de qualquer parte dessa
obra, através de quaisquer meios, sem a autorização da
autora. Ressalva para trechos curtos usados como citações
em divulgações e resenhas, com autoria devidamente
identificada. A violação dos direitos autorais é crime
estabelecidos pela lei no. 9.610/98 e punido pelo artigo 184
do código penal.
Índice
AGRADECIMENTOS
CAPÍTULO UM
CAPÍTULO DOIS
CAPÍTULO TRÊS
CAPÍTULO QUATRO
CAPÍTULO CINCO
CAPÍTULO SEIS
CAPÍTULO SETE
CAPÍTULO OITO
CAPÍTULO NOVE
CAPÍTULO DEZ
CAPÍTULO ONZE
CAPÍTULO DOZE
CAPÍTULO TREZE
CAPÍTULO CATORZE
CAPÍTULO QUINZE
CAPÍTULO DEZESSEIS
CAPÍTULO DEZESSETE
CAPÍTULO DEZOITO
CAPÍTULO DEZENOVE
CAPÍTULO VINTE
CAPÍTULO VINTE E UM
CAPÍTULO VINTE E DOIS
CAPÍTULO VINTE E TRÊS
CAPÍTULO VINTE E QUATRO
CAPÍTULO VINTE E CINCO
CAPÍTULO VINTE E SEIS
CAPÍTULO VINTE E OITO
CAPÍTULO VINTE E NOVE
CAPÍTULO TRINTA
CAPÍTULO TRINTA E UM
CAPÍTULO TRINTA E DOIS
CAPÍTULO TRINTA E TRÊS
CAPÍTULO TRINTA E QUATRO
CAPÍTULO TRINTA E CINCO
CAPÍTULO TRINTA E SEIS
CAPÍTULO TRINTA E SETE
CAPÍTULO TRINTA E OITO
CAPÍTULO TRINTA E NOVE
CAPÍTULO QUARENTA
CAPÍTULO QUARENTA E UM
CAPÍTULO QUARENTA E DOIS
CAPÍTULO QUARENTA E TRÊS
CAPÍTULO QUARENTA E QUATRO
CAPÍTULO QUARENTA E CINCO
CAPÍTULO QUARENTA E SEIS
EPÍLOGO
OUTRAS OBRAS DA AUTORA
SOBRE A AUTORA
AGRADECIMENTOS
 
Olá! Vou começar agradecendo por você estar aqui.
Espero que goste da história que vai ler a seguir! “Beba
antes de Casar” é um romance, mas não se engane: essa é a
história sobre o processo de crescimento individual dos
protagonistas, antes da sua história enquanto casal.
Eu me apaixonei pelos personagens e espero que
você também se apaixone por eles. Se puder deixar sua
avaliação no final da leitura, vai ajudar bastante o livro a
ganhar o mundo. Eu aprendi muito com a Rebecca ao longo desse livro
e espero que vocês também aprendam. No final do livro, há links
para todas as redes sociais e grupo no Facebook; não deixe
de dar uma passadinha por lá e me dizer o que achou!
A você que está aqui, muito obrigada por dar uma chance
ao livro. Boa leitura!
 
 
CAPÍTULO UM
 
SENTADA DE FRENTE para o computador no laboratório de pesquisas da
universidade onde curso meu mestrado, vazio às nove da noite em plena
sexta-feira, só tenho uma certeza: Breno vai me matar.
Meu amado noivo, com quem cultivo um relacionamento pelos
últimos quase seis anos vai surtar e a culpa é todinha minha.
Não é como se eu tivesse planejado isso. Não teve como evitar, juro que
não! Só não parei para pensar muito bem no caminho que as coisas estavam
tomando. Um erro inocente.
Eu não tinha como adivinhar que a maior oportunidade profissional que
um dia vou receber na vida cairia no meu lindo colo logo às vésperas do dia
em que vou entrar na igreja de braços dados com meu pai e dizer sim para o
homem que faz parte da minha vida desde que eu mal tinha completado
dezoito anos.
Por que você me odeia, universo?
Analiso o formulário em minhas mãos, lendo, pelo que deve ser a
décima quinta vez, cada uma das linhas. Bolsa de estudos. Projeto de um ano
trabalhando em parceria com uma empresa na Nova Zelândia, em uma das
universidades mais renomadas de lá. Indicação de ninguém menos do que o
chefe do laboratório, que é provavelmente a maior referência na área que esse
país já viu.
A escolha é tão óbvia que nem sequer notei enquanto preenchia cada
página. Marquei todos os exames que precisava, agendei o teste de inglês. Fiz
uma nota mental para checar se meu passaporte estava em dia e conferi cada
uma das linhas que preenchi tantas vezes quanto humanamente possível. Ia
ser o fim da picada perder essa bolsa porque soletrei meu sobrenome errado.
Nova Zelândia. Eu, que poucas vezes saí do Rio Grande do Sul, estou
seriamente considerando entrar em um avião e cruzar todos os continentes
existentes para me aventurar em um país que mais parece parte de um conto
de fadas.
A instrução na ficha de inscrição é bem clara: preciso estar lá em
quarenta e cinco dias.
Quarenta e cinco dias.
O que significa que é exatamente um dia depois do meu casamento, e
não existe a menor chance de Breno concordar.
Eu sei disso, sei muito bem disso.
Antes mesmo de eu me inscrever para o programa, já sabia que ele
jamais aceitaria essa insanidade. Foi por isso que não contei quando me
inscrevi, afinal, nem sabia se ia conseguir. Também não contei quando
marquei a apresentação do meu projeto, que, inclusive, vai ser amanhã de
manhã, algumas horas antes do nosso jantar de noivado.
Menti e nem consigo me arrepender.
Tudo bem, talvez eu pudesse ter evitado isso sim.
Sou uma pessoa horrível.
Não existe nem um pedacinho de mim que se iluda achando que meu
noivo vai aceitar pacificamente que eu cancele a cerimônia ou saia correndo
da igreja para pegar o avião a tempo. Ah, mas não acredito nisso nem por um
segundo. Mesmo assim, abro o formulário na última página e assino o final
da folha, percorrendo os olhos pelo lugar onde está indicado que preciso
anexar a avaliação da banca examinadora para a qual vou apresentar o projeto
amanhã.
Ainda existe uma chance de a apresentação ser um desastre e eles
decidirem que vou ficar presa aqui pelo resto da minha existência, então
tecnicamente não estou tomando nenhuma decisão ridiculamente importante
sem consultar a pessoa com quem vou passar o resto da minha vida.
Isso. Vou trabalhar com isso.
— Não acredito que tu ainda está vestida desse jeito, guria!
Tiro os olhos da mesa e vejo Jéssica, minha brilhante e surtada melhor
amiga, parada na porta do laboratório, olhando-me com tanta reprovação que
quase me faz querer pedir desculpas, mesmo que eu nem saiba pelo que.
— E eu ia estar vestida como? — pergunto, só então prestando atenção
nela.
Jessi está enfiada em um vestido decotado, justo, que cobre somente até
a metade da sua coxa, a renda branca contrastando lindamente com sua pele
escura. Os saltos absurdamente altos e finos o suficiente para ser capaz de
matar alguém me fazem ficar com dor nas costas por ela, e preocupada com a
segurança física do resto da humanidade.
— Merda! — digo, arregalando os olhos. Esqueci completamente que
concordei em deixar que ela me arrastasse para seja lá onde decidiu que quer
me levar hoje. — A gente pode remarcar? Minha apresentação é às dez
amanhã e vou morrer se não dormir bem.
— Ah, mas de jeito nenhum! — protesta, entrando no laboratório. Ela
bate na minha cabeça com bolsa minúscula que carrega. — Não fiquei duas
horas escovando o cabelo para remarcar nada não. Até porque tu sabe que
esse é o último fim de semana antes do seu casamento que o pentelho do seu
noivo…
— Jéssica… — reclamo, esfregando o rosto, já conhecendo a série de
reclamações.
Ela ergue um dedo e meneia a cabeça.
— É o último final de semana antes do seu casamento que o Breno não
vai estar na cidade. A criatura liga a cada dois segundos toda vez que a gente
sai para algum lugar e não sou obrigada a aguentar.
— Jessi, não é assim — interrompo, mas nem me dou ao trabalho
quando vejo a cara cínica e impaciente dela. Os dois não se bicam desde o
começo dos tempos e já desisti. — Eu realmente queria entender que
implicância toda é essa com ele.
Ela suspira, cruzando os braços. Olha para baixo, o cabelo preto
escovado caindo pelo seu rosto enquanto balança a cabeça.
— Já disse que não confio nele, Becs.
— Ele nunca te deu nenhum motivo para isso — digo, quase em um tom
de pergunta, e espero pela confirmação dela, que logo vem. — Breno nunca
me deu qualquer motivo para não confiar nele, nunca fez absolutamente nada
de errado nesses anos todos. Não entendo essa implicância.
— Não existe homem perfeito.Se você não consegue ver nada de errado
nele, é porque ele é muito bom escondendo as merdas que faz.
Abro a boca para protestar, mas ela ergue as mãos em sinal de redenção.
— Tu é minha melhor amiga e vai se casar. Vou me comportar, prometo.
Desde que não deixe todas as suas convidadas te esperando na sua despedida
de solteira.
Demoro alguns segundos para processar o que ela diz. Despedida de…?
Jéssica enlouqueceu?
— O que você aprontou? — pergunto. — Até cinco minutos atrás a
gente só ia sair para beber.
— Confia em mim, Becs! Quando foi que te meti em qualquer furada?
Honestamente, eu poderia fazer uma lista, em ordem alfabética ou
cronológica, mas decido deixar para lá. Levanto-me da cadeira, enfiando na
primeira gaveta da mesa os papéis assinados.
Talvez não seja uma ideia de todo ruim distrair a cabeça hoje.
 
***
 
OLHANDO o copo na minha mão, um vidrinho cheio de uma bebida verde o
suficiente para parecer tóxica, pergunto-me pelo que deve ser a quinta vez na
última hora como me deixei ser arrastada até aqui.
Vejo Jéssica vir na minha direção, com sua cara de cachorrinho sem
dono, e cerro meus olhos.
— Você é a pior madrinha do mundo. Eu te odeio.
Minha amiga de adolescência, a irmã que nunca tive, minha confidente e
conselheira, traidora de uma figa e cara de pau de marca maior, se joga no
meu pescoço e me abraça.
— A música está alta demais, não consigo ouvir teu ódio!
Rio, mesmo que eu queira a esganar.
— Tu precisa relaxar, Becs. As últimas semanas foram impossíveis, tu
parece a ponto de ter um treco. E as próximas vão ser piores, então te aquieta
antes que exploda.
Apesar do seu discurso já estar meio alcoolizado, não posso negar que
ela está certa.
— Mas precisava ser logo aqui? — pergunto, estendendo um braço para
apontar ao redor.
Jéssica acompanha meu movimento com o olhar, percorrendo com suas
enormes íris escuras o ambiente completamente lotado. Não cheio. Não
tradicionalmente popular para uma sexta-feira à noite. Não. É impossível se
movimentar sem esbarrar em alguém, porque minha querida amiga escolheu
logo a noite temática para marcar, contra a minha vontade e sem o meu
consentimento, minha despedida de solteira.
— Tu tem que admitir que é divertido, vai.
Solto uma risada, porque não posso negar que é no mínimo curioso ver
os falsos cowboys e cowgirls circulando por aí, carregando bandejas cheias
de bebidas para mulheres já bêbadas demais e homens se comportando como
se fossem adolescentes que veem cerveja pela primeira vez.
Ouço meu nome ser gritado da mesa onde estão reunidas outras oito
mulheres, longe de estarem sóbrias, e rio, desistindo de vez de tentar resistir à
insanidade. Eu vou me casar. Provavelmente. Estou quase conseguindo a
oportunidade de estudo e trabalho dos meus sonhos. Possivelmente. Seja lá
qual o resultado de amanhã, em quarenta e cinco dias minha vida vai estar
completamente diferente.
Nem minha racionalidade impecável é capaz de achar algum motivo
lógico para que ficar aqui, resmungando feito uma velha ranzinza, seja uma
boa ideia. Não vai ajudar em nada.
Viro a bebida de coloração tóxica, fazendo uma careta.
— Que raios é esse negócio que você me deu? — pergunto.
Jéssica dá de ombros.
— Olha, o barman me disse o que tinha nisso, mas eu me
desconcentrei…
— Lá vem.
— … com o homem maravilhoso que está sentado todo sozinho ali no
balcão.
Ela indica com a cabeça e, já suspirando em reprovação, vejo
exatamente de quem ela fala. O homem parece… completamente deslocado.
Não se parece nada com a maioria dos caras aqui. Ele olha ao redor,
dando goles curtos na cerveja em seu copo. Quieto, sóbrio demais. Calça
jeans escura, blusa de manga comprida lisa, pele bronzeada. Vou ter que
confiar nela de que ele é bonito, porque a essa distância é impossível saber.
— Juro que vou esganar esse seu pescoço lindo se você me largar
sozinha hoje — reclamo.
— Prometo que não vou! — diz, e cerro os olhos na sua direção. —
Tudo bem. Prometo que vou fazer o que puder para não te deixar sozinha
hoje.
— Nisso eu acredito — murmuro, sem realmente ficar brava. — Vem,
vamos voltar para a mesa. Você inventou esse negócio, vai ficar comigo de
babá de todas elas sim.
Deixo um peteleco na orelha dela, que reclama e parece me ignorar,
levando-me em direção ao tal homem que apontou.
— O quê? — pergunta quando vê minha cara feia. — A gente precisa
levar mais bebida para a mesa. Não é minha culpa se ele está sentado logo
onde o barman fica.
Cara de pau do caramba.
Enquanto espero conseguir chamar atenção de uma das pessoas que
estão atendendo, a descarada nem se dá ao trabalho de disfarçar. Praticamente
se joga em cima do homem. Desligo-me do que quer que os dois estejam
conversando, sem realmente prestar atenção no cara, e quase choro de
felicidade quando finalmente consigo ser atendida. É só quando estou com as
bebidas nas mãos e pronta para voltar para a mesa que finalmente pouso
meus olhos nele.
Acho que o encaro por alguns segundos. Tenho certeza de que ainda
estou o encarando quando seus olhos vêm na minha direção e recebo um
discreto aceno de cabeça antes de sua atenção voltar para Jéssica, que tem a
mão pousada em seu peito.
Tudo bem, entendi o motivo para a distração e descaramento todo. A
primeira coisa que reparo é no sorriso aberto, parecendo genuinamente
divertido com seja lá qual é a insanidade da minha amiga dessa vez. A
segunda coisa que noto são os olhos… azuis? Verdes? Cinzas? Difícil de
saber, mas indiscutivelmente lindos.
Comporto-me como a mulher comprometida que sou e não permito que
meu olhar se estenda sobre ele nem por um segundo a mais, mas nem preciso.
É isso, ela vai ter uma ótima noite, tenho certeza.
— Calebe — ele diz, a voz grossa, impossivelmente baixa mesmo com o
barulho absurdo que está ao nosso redor. Olho na sua direção novamente a
tempo de vê-lo tirando a mão dela de cima dele e levando o dorso dos dedos
aos seus lábios, os olhos fixos no rosto da minha amiga, e não no decote que
ela está jogando na cara dele.
Quase reviro os olhos para a breguice forçada. Mas parece funcionar,
porque Jéssica termina de se derreter toda, e tenho certeza de que vou voltar
para casa sozinha. Quer dizer, nem dá para culpá-la dessa vez.
Nem me dou ao trabalho de interromper. Apenas me inclino no seu
ouvido, sussurrando que o Uber vai sair do cartão dela, e saio, voltando para
mesa onde outras colegas de trabalho estão, deixando a desnaturada da minha
madrinha para trás.
Começo a gostar do barulho, da música alta e das pessoas não se
comportando nada como os adultos responsáveis e sérios que são de segunda
à sexta em horário comercial. Por um segundo, tudo cruza minha mente de
uma vez: bolsa de estudos, trabalho acumulado, casamento. Casamento.
Eu realmente vou me casar em pouco mais de um mês e não tenho nem
vestido escolhido ainda.
Viro os dois shots que peguei antes mesmo de chegar à mesa e, no
instante em que faço isso, sei que é uma ideia terrível.
Fraca para bebida como sou, já sinto minhas bochechas esquentarem. A
única coisa que consigo lembrar de fazer é programar o despertador no
celular para não perder a hora da minha apresentação amanhã, não importa
quão ruim a ressaca seja.
 
***
 
EU MEREÇO.
No segundo em que tomo consciência do meu corpo e sinto que minha
alma não me abandonou na sarjeta, sei que mereço cada pedacinho da dor
que sinto. Minha cabeça vai explodir a qualquer segundo, tenho certeza.
Tenho até medo de abrir os olhos e me deparar com a claridade que sei que
está me esperando por aí.
Reviro-me na cama, abraçando o travesseiro com um resmungo,
sentindo o lençol se embolar no meu corpo.
Espera um pouco…
Antes mesmo de abrir os olhos, sei que essa não é minha cama. Abro-os
apenas para confirmar que, de fato, não estou em casa. Olho para mim
mesma e não reconheço a camisa que estou vestindo.
Ouço vozes ao longe e me levanto devagar, sentando-me no colchão.
Não quero nem pensar no estado do meu cabelo agora, não é importante.
Percorro o local com os olhos, chegando a uma conclusão bemrapidamente: quarto de hotel. Quarto de hotel absurdamente caro. A
decoração sóbria e impessoal demais para ser da casa de alguém denuncia
isso logo de cara, mas é o frigobar ao lado da cama que encerra o caso.
Onde diabos eu estou?
Então, eu lembro. A apresentação!
Desesperada, começo a tatear ao redor em busca do meu celular, sem
sucesso. Cadê aquele alarme que não para de apitar quando preciso dele?
— Porcaria — reclamo comigo mesma, começando a sair do colchão. —
O que diabos aconteceu, Rebecca? Onde você se enfiou? Juro que se você
perder essa apresentação, vou chutar…
— Você costuma falar sozinha assim o tempo inteiro?
Dou um pulo no lugar, solto um gritinho nada honrável e viro em
direção à voz. Acabei de colocar os pés no chão e perceber que, seja lá o que
eu esteja vestindo, não me cobre muito bem, então puxo o lençol para a frente
do meu corpo.
Demoro alguns segundos para processar a cena na minha frente. Depois
que processo, demoro mais alguns segundos para entender o que estou vendo.
O dono da voz está parado de pé do outro lado da cama, a calça jeans
escura pendendo pelo seu quadril, sem camisa. Definitivamente sem camisa.
Não tem ninguém reclamando. Seus olhos curiosos me encaram em cores que
não sei identificar, mas o contato é interrompido quando ele leva a mão ao
cabelo, percorrendo os fios aparentemente molhados com os dedos. Na outra
mão, uma caneca preta.
— Não precisa parar. O que exatamente você vai chutar se perder sua
apresentação? — pergunta, a voz revestida de um divertimento que não me
atinge enquanto ele me estende a caneca. — São três colheres de açúcar, não
é? Realmente não sei como você vai conseguir beber isso, doce desse jeito,
mas deve ajudar com a ressaca. Vou te arrumar uma garrafinha de água
também.
Não me movo, piscando repetidamente. Ele tomba a cabeça
discretamente para a esquerda e cerra os olhos.
— Você não quer se atrasar, Rebecca — insiste, apontando para a
caneca com os olhos.
Meio sem saber o que estou fazendo, estico o braço e pego o café,
murmurando um agradecimento. Não sei bem a ordem em que as perguntas
se formam na minha cabeça. O que está acontecendo aqui? O que estou
fazendo aqui? Como ele sabe o jeito que tomo meu café, ou que estou de
ressaca, ou que não posso me atrasar? Quem é esse ho…
Arregalo os olhos, reconhecendo-o.
O cara do bar.
Olho ao redor, agora conseguindo identificar mais coisas ao redor.
Minha bolsa está jogada em um canto, meus sapatos em outro, minha blusa
está perdida não muito mais adiante. Não vejo meu sutiã em lugar nenhum,
mas não o estou usando. Merda.
Olho novamente para ele, que se sentou na ponta do colchão e mantém
os olhos sobre mim com um brilho curioso.
O que diabos fiz noite passada?
CAPÍTULO DOIS
 
NÃO SOU DADA a pânico. Isso não significa que não surte de vez em quando;
eu surto, e não é nada bonito quando acontece. Mas não sou dada a me
desesperar em qualquer situação boba. Sou uma cientista, caramba! É parte
do meu trabalho ser capaz de olhar para uma situação e rapidamente criar
uma teoria que explique o cenário de forma lógica e racional.
É exatamente isso que tento fazer.
Só tento mesmo, porque minha mente me dá apenas uma resposta óbvia:
passei a noite aqui. Nesse quarto. Vestindo essa blusa masculina que muito
provavelmente pertence à criatura sentada na cama, ainda me encarando.
Certo.
Qual o pior que pode ter acontecido?
— A gente…?
Desvio meu olhar do dele, balançando a cabeça.
— Não lembro de absolutamente nada do que aconteceu depois que saí
do bar. O quanto eu bebi? — murmuro para mim mesma mais do que para
ele. Solto uma risada de puro desespero. — Ah, cacete. Se eu estava bêbada o
suficiente para nem lembrar de como vim parar aqui, tenho certeza de que
estava bêbada demais para saber o que estava fazendo da vida mesmo. Acho
que não quero saber.
O anel de noivado prateado com uma pedra ostentosa demais pesa na
minha mão esquerda. Começo a tentar elaborar uma maneira minimamente
racional para explicar para o Breno o que fiz, seja lá o que isso tenha sido.
Quando noto que o quarto caiu em um silêncio longo demais, volto meus
olhos para o homem. Não tem mais divertimento nenhum no seu rosto, muito
pelo contrário: irritação. Um estado profundo de insatisfação emana de cada
poro descoberto do seu corpo enquanto ele levanta e contorna a cama,
parando bem perto de mim. Bem perto mesmo. Levanto a cabeça para olhá-
lo, mas nem preciso levantar muito, porque se teve uma coisa com o que fui
agraciada nessa vida foi altura. No auge dos meus quase um e setenta, ele é
só uma cabeça mais alto que eu.
— Sei que você não me conhece — começa, os olhos fixos em mim. Sua
voz é calma e baixa, grave e meio rouca. Ele não altera seu tom, mas nem
precisa, porque consigo sentir a seriedade absoluta em poucas palavras. —
Mas você mesma disse que estava bêbada demais para lembrar de qualquer
coisa. Eu nunca encostaria em uma mulher naquele estado.
Sinto-me como uma criança levando bronca, mas isso só me faz empinar
mais o queixo. Ah, pronto. O outro agora quer que eu tenha bola de cristal
para adivinhar o caráter dele. Abro a boca, parte de mim querendo pedir
desculpas, parte de mim querendo dizer que eu não tinha como saber, parte
de mim querendo agradecer. Mas tudo que sai é:
— A menos que eu tenha vindo parar no seu quarto porque aprendi a
voar pela janela, alguma coisa você tem a ver com isso.
Minha voz sai meio irritada e quase histérica. Passou o desespero agora
que sei que não, não traí meu futuro marido, mas ainda estou irritada,
principalmente comigo mesma, porque esse homem está absurdamente perto
de mim e eu não dei nem um passo para trás. Quando digo perto, é perto
mesmo. Uma inclinadinha para frente e dá para encostar. Ele tomba a cabeça
levemente para o lado.
— Sua amiga trocou sua roupa e não te vi mais até agora de manhã.
Dormi no sofá — explica, apontando com a cabeça para o móvel no outro
canto da sala. — Ofereci o quarto porque nenhuma das duas parecia estar em
condições de chegar em casa com o mínimo de segurança. Não existia a
menor chance de eu deixar vocês entrarem em um táxi daquele jeito, e a
Jéssica não parecia ter muita certeza do endereço de vocês.
Posso quase sentir o calor emanando do seu tronco despido e a seriedade
na sua voz só faz aumentar essa sensação. Ele fala, explica, deixa claro o bom
samaritano que é, e eu devia prestar atenção e agradecer, mas só consigo me
concentrar em duas coisas: seus olhos não são de uma coloração habitual de
azul e são facilmente os mais bonitos que já vi, e ele cheira a perfume caro.
Gostoso, forte, masculino.
Posso até chutar qual a marca, que custa dois rins inteiros e um pedaço
do fígado. Sei disso porque Jéssica tem a habilidade natural de me arrastar
para tours em lojas de cosméticos, mesmo sem a intenção de comprar nada.
Seu passatempo preferido é testar perfumes aleatórios que só teria condições
de comprar se parcelasse em doze vezes e muito choro. Com o tempo,
quando essa atividade virou coisa rotineira entre nós duas, comecei a ter os
meus favoritos. Esse definitivamente é um deles.
Jéssica.
Vou matar essa mulher.
Como se lesse meus pensamentos, ouço sua voz vinda do além.
— Tu ainda está desse jeito, guria?
Ela aparece no meu campo de visão, atrás do homem que ainda está
perturbadoramente perto de mim, secando o cabelo com uma toalha felpuda,
devidamente vestida com as mesmas roupas de ontem.
— O quê? — ela pergunta, e movo as mãos, apontando ao redor. Dou
um passo para o lado, para escapar do cheiro gostoso demais para o bem do
ódio que emana do meu corpo neste momento, e arqueio as sobrancelhas para
ela, que bufa. — A gente bebeu, o hotel dele era mais perto, a gente dividiu
um táxi e tu dormiu em uma cama muito mais confortável do que aquele
colchão do nosso apartamento, foi isso. Chamo isso de vitória. Para de me
olhar como se eu tivesse atropelado um cachorrinho. E vai trocar de roupa!
São oito e quarenta.
A menção da hora é o suficiente para me fazer deixar de lado, por ora, a
vontadede esganá-la. Começo a catar minhas roupas espalhadas pelo quarto
e vou praticamente correndo para onde me indicam que é o banheiro. Não me
atrevo a me olhar no espelho. É só a apresentação mais importante da minha
vida e eu provavelmente estou com cara de ressaca. Que mal há nisso?
Entro e saio do chuveiro em tempo recorde e não peço autorização antes
de catar a bolsa da Jessi, porque sei que tem alguma coisa de maquiagem ali
dentro. Tiro alguns minutos para tentar cobrir meu rosto com o que dá,
sentindo falta do principal: uma boa base que disfarce minhas olheiras.
Nossos tons de pele são diferentes demais para que eu me atreva a usar a
dela.
É isso: vou fantasiada de panda mesmo.
Prendo o cabelo em um coque alto e tão arrumado quanto possível,
odiando ter que repetir a mesma roupa que usei o dia inteiro ontem antes de
ser arrastada para aquele bar. O lado positivo é que é formal o suficiente para
não ser inapropriado para hoje. Respiro fundo e confiro meu reflexo, sentindo
o nervosismo começar a me atingir agora que o desespero começou a ir
embora.
Quando estou pronta e já praticamente correndo para a porta do quarto,
vejo-a vir atrás de mim.
— Não, senhora. — Impeço-a, parando no batente.
— Que não o que, Rebecca. É o dia mais importante da tua vida! Tu está
bem louca se acha que não vou estar lá contigo. — Ela tem as sobrancelhas
franzidas para mim; balanço a cabeça em negativa.
— Então estou bem louca mesmo, porque não vai. Nem é aberto para
ninguém além da banca, e você só vai me deixar nervosa se for.
Não importa o quão chateada eu esteja com ela agora, Jéssica sempre foi
minha maior apoiadora de tudo, esteve comigo em cada decisão, em cada fase
da minha vida. Sei que ela realmente quer estar comigo nessa apresentação
hoje, mas só vai servir para me deixar mais nervosa ainda. A última coisa que
preciso é esquecer tudo e gaguejar. Ou vomitar em cima de alguém.
— Por favor — peço, e ela bufa antes de me abraçar.
Jessi me aperta forte e um pouco do meu nervosismo vai embora.
— Arrasa, Becs. Tu é a melhor que existe, sabe que eles vão comer na
tua mão. Hoje à noite a gente comemora o primeiro passo para o resto do seu
futuro brilhante.
Não em dou ao trabalho de apontar que hoje à noite é meu jantar de
noivado, porque sei que ela não esqueceu disso, assim como sei que a
alfinetada não foi acidental. Dou um beijo estalado na bochecha dela e saio
do quarto, deparando-me com um corredor cheio de portas iguaizinhas.
Praticamente tiro uni-duni-tê para escolher para que lado ir à procura de um
elevador. Nem tenho tempo de reparar no luxo absurdo do lugar;
simplesmente acerto o botão com toda força que tenho assim que o alcanço.
Quando o elevador chega, pulo para dentro e praticamente esmurro o
botão do térreo. No último segundo antes da porta fechar, o raio do homem
entra. Por que, Deus? Ele para ao meu lado, agora vestido com a mesma
camisa que eu estava usando alguns minutos atrás.
Pensa em uma situação esquisita.
O clima fica muito tenso enquanto observo os botões acenderem com os
números dos andares, descendo. Fica tenso pelo menos para mim, porque ele
parece estar bem pouco se lixando para a minha presença aqui. Não diz nada
o percurso inteiro, mas, assim que as portas se abrem, bloqueia a minha saída,
apoia a mão na minha cintura e me guia para sei lá onde.
— Anh… — resmungo, cutucando seu braço com a ponta do dedo
indicador quando ele continua andando comigo, sem me soltar. — Dá
licença?
— Você não comeu nada — aponta. E você com isso?
Chegamos à recepção e quase solto um grunhido com o sorriso
gigantesco que a mulher o dá. Balanço a cabeça quando a vejo arrumando o
cabelo e empinando a postura. Já estou preparada para revirar os olhos, tendo
certeza de que vou encontrar uma cara de quem sabe que é gostoso e tira
vantagem disso estampada no rosto dele, mas tudo que vejo é sua mesma
expressão perfeitamente neutra acompanhada pela voz no mesmo tom
irritantemente calmo:
— Bom dia… Karine — ele lê na tag com o nome dela em seu
uniforme. — Posso pedir um café da manhã para dois para ser entregue no
604 em dez minutos, por favor?
— Perfeitamente — ela responde, rapidamente confirmando os dados
dele. Jogo a cabeça para trás e quase choro quando tento me afastar e ele
aperta minha cintura um pouco mais, mantendo-me perto.
— Dá pra tirar a mão, querido? — murmuro entredentes, e ele me ignora
solenemente.
— Mais alguma coisa, senhor Tavares? — a recepcionista pergunta,
agora parecendo notar minha presença. Sorrio e aceno com a mão.
— Algum dos restaurantes do hotel faz alguma coisa para a viagem?
Café, sanduíche? — ele pergunta, e tenho certeza de que eu o olho com a
mesma cara de interrogação que a outra mulher faz.
Estamos em um hotel cinco estrelas. Ridiculamente caro. Reconheci
facilmente o nome do lugar quando vi a logo no elevador, em uma letra
perfeitamente cursiva. Certeza que fiquei muito mais pobre só de entrar aqui,
posso sentir minha conta bancária diminuindo só de respirar o ar aqui dentro.
Duvido, mas duvido muito que tenham copinho de plástico e embalagem para
viagem por aqui.
— Tenho quase certeza que não, sinto muito — ela responde.
Ele agradece e resolve olhar de novo na minha direção. Arqueio ambas
as sobrancelhas e espero.
— Não acho que tenha nada aberto por perto que seja rápido o suficiente
para você não se atrasar.
— Se você parar de me segurar, consigo chegar a tempo — reclamo.
Ele tira a mão de cima de mim e aponta para a saída, indicando com a
cabeça. Não me surpreendo quando ele começa a andar ao meu lado.
Assim que chego na calçada, respiro fundo, sendo imediatamente
atingida pela movimentação. Não tem muita gente correndo para o trabalho,
até porque é sábado, mas o lugar não está vazio. O dia está ensolarado e
ninguém desperdiça a oportunidade de aproveitar a temperatura amena, ainda
que não esteja exatamente quente e eu agradeça por estar de jaqueta.
Solto um palavrão quando olho o visor do celular ao terminar de chamar
um Uber e vejo que já são nove e vinte.
— O campus fica a quinze minutos daqui, você tem tempo. Respira,
Rebecca.
Viro-me para o homem parado ao meu lado e franzo o cenho para ele.
— Como você sabe disso? — pergunto. Nem me dou ao trabalho de
perguntar como ele sabe para onde estou indo, porque claramente a bêbada
que mora em mim e deu as caras ontem tem a língua bem solta e conta coisas
importantes a estranhos. Mas saber a distância do hotel é uma informação
bem específica, que nem eu tenho.
Ele enfia uma mão no bolso e dá de ombros.
— Faz uns bons seis anos que não venho aqui, mas ainda lembro bem
onde tudo fica.
— Você morou aqui? Aqui? Em Rio Grande? E estudou naquela
faculdade?
— Não, no campus em Santa Vitória do Palmar — ele diz, indicando o
município mais a sul do estado. — Mas tenho família aqui em Rio Grande,
vinha para cá quase pelo menos todo mês. Conheço muito bem a região.
Não é que Rio Grande seja uma cidade minúscula. Não é. É grande até,
uma das maiores do estado. Ainda assim, o sotaque dele é tão forte que é fácil
saber que é do Rio de Janeiro, nascido, criado e bronzeado. É curioso que
tenha vindo estudar logo para os lados de cá.
Confiro o aplicativo e vejo que o carro está a dois minutos de distância.
Começo a bater o pé no lugar, olhar para as minhas unhas, contar quantos
quadradinhos formam o padrão bem desenhado do chão. Repasso
mentalmente a lista de tudo que preciso, onde deixei o projetor e notebook já
prontos na sala onde vai ser a apresentação. Repasso tudo que tenho que
dizer, cada ponta da minha pesquisa, cada dado que coletei e processei em
noites mal dormidas e corpo destruído de cansaço depois dos trabalhos de
campo.
Jéssica tem razão: sei o que estou fazendo, sei bem. Sou boa nisso; tudo
que preciso fazer é respirar fundo e começar a correr atrás do meu sonho de
verdade.
Vejo o carro estacionar bem em frente de onde estamos. Estaco no lugar
quando o homem dá um passo para frente e abre a porta para mim. Ele abre
um sorriso escancarado para a minha careta confusa eindica com a cabeça.
— Boa sorte na sua apresentação, Rebecca — diz quando estou a ponto
de me sentar no banco.
— Obrigada — respondo, virando-me para ele. — Obrigada por tudo, na
verdade. Por potencialmente evitar que nós duas acabássemos mortas em um
beco qualquer, principalmente — brinco, permitindo-me abrir um sorriso.
Não é que fosse impossível, mas era improvável. Mesmo assim, sabe-se lá se
chegaríamos em casa inteiras.
— Sempre que precisar, Rebecca.
Sento-me no banco e estou a ponto e colocar o cinto quando viro para
ele, ainda parado com a porta aberta, olhando na minha direção com o brilho
divertido de quem sabe de alguma coisa que eu não sei.
— Por que você continua repetindo meu nome? — pergunto, dando-me
conta que ele realmente falou meu nome em praticamente toda frase que
disse.
Com a mão no teto do carro, ele se inclina um pouco para dentro do
veículo.
— Porque você não lembra o meu — pontua, as íris claras meio
cerradas.
Não, não lembro. Estou tentando lembrar desde a hora que acordei, mas
realmente não lembro. Ele não parece muito ofendido, contudo.
— Você não se apresentou — digo, mentindo descaradamente. — Não
sou adivinha.
— Ah, eu me apresentei, Rebecca — responde, enfatizando meu nome,
abaixando a voz em mais um tom. Ele se inclina um pouco mais e dou um
pulinho no lugar quando sinto seus lábios quase tocando minha orelha. O
cheiro do seu perfume me acerta com tudo mais uma vez e dou um tapa
metafórico na minha cara para me impedir de inclinar o nariz na direção do
seu pescoço. — Eu me apresentei ontem à noite quando você disse que sabia
que sua amiga ia te lagar sozinha para ir para a casa de um gostoso qualquer.
— Não existe a menor chance de eu ter dito isso — protesto, mas sei que
existem muitas chances sim. Esse é exatamente o tipo de coisa que eu diria,
porque nasci para passar vergonha.
Ele solta uma risada baixa e sua respiração quente contra minha pele faz
com que eu finalmente tome vergonha na cara e me arraste no banco para um
pouco mais longe dele. O que só serve para dar de cara com seus olhos
enormes e bonitos demais me encarando de perto.
— Acredito que sua frase exata tenha sido — ele faz uma pausa,
pigarreia e levanta uma mão, fazendo aspas com os dedos — “e ela seria
muito idiota se não fosse”.
Recebo uma piscada de olho e ele sai, fechando a porta. O carro começa
a se mover e eu permaneço sentada, piscando igual a uma pateta, sentindo
minhas bochechas esquentarem conforme vou assimilando o que ele disse.
Definitivamente vim ao mundo para passar vergonha. É isso. Meu Deus
do céu, Rebecca…
Balanço a cabeça e resolvo deixar isso de lado. Seja lá que buraco negro
foi esse em que me meti noite passada que me trouxe para uma realidade
paralela que não me pertence, ele acabou de ficar para trás. De volta para a
vida real.
Olho meu celular de novo e vejo um total de zero mensagem do meu
noivo, que já devia ter dado sinal de vida avisando que chegou de viagem. Ou
que não chegou. Ou que a reunião atrasou, ou que teve algum outro problema
com fornecedor de alguma coisa. Ou que o avião ficou preso no aeroporto.
Ou que teve um terremoto no Uruguai e ele não vai chegar a tempo.
Qualquer coisa. Mas nem é novidade Breno esquecer de dar notícias quando
está em viagem a trabalho. O que acontece semana sim, outra semana
também.
Respiro fundo e enfio o celular na bolsa. Jogo a cabeça para trás,
apoiando-a no banco do carro. Vou usar os próximos dez minutos para
acalmar a mente e focar no que interessa: minha apresentação.
Mas, quando fecho os olhos, a imagem das íris azuis que cruza meus
pensamentos só me desespera um pouco mais.
Desisto e começo a vasculhar minha bolsa em busca do meu caderninho
para tentar focar os pensamentos em algo que me acalme, mas esbarro a mão
em uma garrafinha de água. Pego a embalagem de plástico e giro-a nos
dedos, lembrando que o homem disse que me arrumaria uma. Para a ressaca
que nem estou sentindo direito.
Destampo-a e tomo um longo gole, chegando a uma única conclusão:
ainda bem que não lembro seu nome e nem sei nada sobre ele. E é melhor
Jéssica não inventar de grudar na criatura e me fazer conviver com ele.
Não sei bem o motivo, mas alguma coisa me diz que a coisa mais segura
que posso fazer é ficar bem longe daquele cara.
CAPÍTULO TRÊS
 
UMA DAS COISAS das quais realmente me orgulho nessa vida é de não ter
problema para falar em público, uma habilidade muito bem-vinda na minha
profissão.
Não fui sempre assim, lembro que durante os primeiros períodos da
faculdade eu só faltava desmaiar de nervoso. Gaguejava, ficava tonta, sentia
vontade de vomitar. O nervosismo nunca me abandonou, mas, entre os anos
de prática em sala de aula e a quantidade de palestra que já dei desde que
comecei o mestrado, há um ano, a prática superou a falta de jeito e hoje sou
realmente muito boa em apresentações de qualquer tipo.
É com isso em mente que passo os vinte minutos que tenho para
apresentar meu projeto com um sorriso no rosto, usando uma caneta para
apontar uma coisa aqui e ali na tela projetada atrás de mim, sem mal olhar
para os slides, porque realmente sei o que estou fazendo.
O leve sorriso de aprovação do meu orientador e amigo, sentado à mesa
ao lado do responsável pela seleção dos alunos a serem enviados para o
exterior, me dá um empurrão extra. Quando paro de falar e agradeço a
audiência, o silêncio que se segue dura apenas alguns segundos, mas parece o
suficiente para que as batidas firmes do meu coração sejam ouvidas da lua.
Empino o queixo, arrumo a postura e espero.
— Rebecca Duarte…
— Schäfer — completo, oferecendo a pronúncia correta do meu
sobrenome, já acostumada com a pausa que se segue sempre que alguém
precisa ler meu nome completo.
Antônio Ferreira, um homem já no alto dos seus sessenta anos, mas
longe de ter qualquer traço cândido normalmente associado a essa idade,
oferece-me um balançar de cabeça antes de continuar.
— Você parece preencher todos os requisitos que estamos procurando.
Entenda, menina, essa é uma oportunidade única e não foram poucas as
inscrições que recebemos. É o nome da minha instituição também que está
em jogo quando eu assino a aprovação de um aluno para um dos nossos
parceiros internacionais. Só quero ter certeza de que você entende a seriedade
disso tudo. Não é uma bolsa para você passar um ano viajando pela Nova
Zelândia de férias, é para trabalhar.
Sinto meu sorriso vacilar por um segundo ao ouvir o “menina”, mas
engulo a irritação e a vontade de tacar a caneta que estou segurando em cima
dele. Repito para mim mesma que todos esses avisos são só burocracia
obrigatória, afinal, é realmente muito dinheiro.
— Posso garantir que levo meu trabalho muito a sério. Não estaria aqui
em um sábado de manhã quando a maioria dos meus colegas se limita a
trabalhar de segunda a sexta em horário comercial se não fosse o caso —
respondo simplesmente.
Não vou me dar ao trabalho de listar as crises de choro que tive no
último ano, no meio da noite no laboratório vazio, porque todo mundo com
bom senso já estava cansado de estar em casa, puramente por estresse e
cansaço. Definitivamente não vou começar a enumerar a meia dúzia de
cicatrizes que adquiri recentemente durante os mergulhos. Sequer considero
sugerir que olhe para o raio do meu currículo que fala por si só e, se não falar,
a lista de artigos publicados com meu nome entre os autores é o suficiente
para encerrar a discussão.
Antônio sabe disso.
Se ele gosta da minha resposta ou não, não sei, mas tudo que consigo ver
é Henrique, meu orientador, fazendo um sinal meio desesperado para que eu
pare de falar. Antônio acena com a cabeça lentamente, olha para a tela atrás
de mim e suspira, alcançando uma caneta na ponta da mesa e levando-a até a
folha na sua frente.
Quero dar pulinhos de alegria e grudar no pescoço dele, mesmo que
tenha me feito passar raiva, quando vejo-o assinando a linha no fim da folha,
mas mantenho a postura.
— Você precisa estar lá no dia 5 de novembro — determina, repetindo a
informação que eu já sabia.— Alguém vai te levar ao laboratório parceiro e,
de lá, a responsabilidade é sua. Vou mandar para o seu e-mail todas as
informações, mas, agora, compre sua passagem e garanta que seu passaporte
esteja em dia. Nós vamos dar entrada no seu visto de estudante. Parabéns,
Rebecca.
Sinto meus olhos marejarem, mas engulo. Aperto sua mão antes que ele
saia da sala, depois de rapidamente trocar meia dúzia de sussurros com meu
orientador. Assim que a porta se fecha, dou um gritinho nada maduro,
deixando as lágrimas rolarem. Henrique se levanta e o abraço, apertando forte
o homem que confiou cegamente em mim desde o primeiro segundo,
ignorando completamente o fato de ele não ser muito bom com contato físico.
Assim que comecei a faculdade de biologia marinha, aqui mesmo, quase
seis anos atrás, não tinha muita certeza do que fazer da vida. Desde o
primeiro semestre, incapaz de ficar sem fazer nada como sempre fui, comecei
a me intrometer nos laboratórios alheios, me voluntariar para trabalhos de
campo, e levei muitas portas fechadas na cara, ouvindo que eu tinha energia
demais e experiência de menos.
No início do meu segundo ano, comecei a estagiar no laboratório em que
ele fazia o doutorado. Hoje, com seus bons trinta e seis anos na cara, não é
tão mais velho que eu, mas seu currículo é de dar inveja em muita gente por
aí e o tanto de coisa com que ele já trabalhou não deixa ninguém nem
questionar sua competência.
E ele nunca questionou a minha. Não só não questionou como foi pelas
minhas costas sugerir ao chefe do laboratório que me indicasse para essa
bolsa.
— Muito obrigada — digo, ainda pendurada no pescoço dele. Acima de
tudo, Henrique sempre foi um ótimo amigo.
— Você merece — diz, afastando-me e segurando-me pelos ombros.
Sorrio para os olhos castanhos tão carinhosos que sempre me incentivaram.
Junto com a Jessi, ele provavelmente é o responsável por eu nunca ter
desistido. — Agora é só comemorar e arrumar as malas.
Respiro fundo, sem conseguir tirar o sorriso bobo do rosto. Estou muito
orgulhosa de mim mesma.
— Te vejo mais tarde? — pergunto, começando a arrumar minha
bagunça. Junto tudo, cato minha bolsa e olho por cima do ombro para vê-lo
recostado em uma das mesas, braços cruzados na frente do peito. Cerro os
olhos para ele. — A Jéssica vai, você sabe.
Henrique solta uma risada baixa e balança a cabeça, os fios castanho-
claros caindo pela testa.
— Rebecca…
— Só estou dizendo — interrompo, erguendo uma das mãos. Não é
segredo para ninguém a queda que ele tem pela minha amiga. Queda não,
tombo. Um barranco sem fim. Jéssica gosta dele também, tenho certeza. Se
faz de louca e desconversa sempre que toco no assunto, só não sei o motivo.
— Só você mesmo para me fazer dirigir para Canoas — diz, fazendo
uma meia reverência com a cabeça. Solto uma risada. São umas boas quatro
horas de viagem até a casa da família de Breno, onde vai ser o jantar de
noivado, então realmente agradeço. Sei que ele vai aproveitar para passar o
fim de semana e turistar, mas é realmente um grande gesto da parte dele. —
Ainda mais que a comemoração vai ser dupla — completa.
Congelo no lugar, bolsa no ombro, projetor pesado como um inferno nos
braços. Aperto os olhos e solto um grunhido de pura dor e sofrimento. Isso
vai ser um problema enorme.
— Becca? — Abro os olhos e pressiono os lábios. Não falo nada, nem
preciso. Ele me conhece não é de hoje. — Você ainda não contou pro Breno,
né?
Nego e suspiro. Interrompo-o antes mesmo que abra a boca. Henrique
tem uma postura completamente diferente da Jéssica quanto a isso. A insana
da minha amiga quer que eu simplesmente mande meu noivo às favas e vá,
ele gostando ou não. Mas isso se deve unicamente ao fato de que ela não o
suporta. Henrique, por outro lado, está se coçando desde que soube que ainda
não o contei sobre a bolsa. Ele não sabe lidar bem com a ideia de alguém não
ser completamente honesto.
Não é como se eu gostasse da ideia de esconder coisas do Breno, não
gosto. Não gosto nem um pouco. Sinto-me a pior pessoa do mundo. Mas
também não gosto nem um pouco das discussões dignas de novela das oito
que a gente tem toda vez que qualquer coisa relacionada ao meu trabalho
aparece.
Foi um sacrifício convencê-lo a diminuir as viagens por esse próximo
mês, porque ele tem que ajudar a organizar tudo que precisa ser organizado
para o casamento. Entendo que a empresa precisa de trabalho constante, mas
já está bom para ele delegar um pouco mais e se envolver um pouco menos.
Foi na base de muita discussão que ele aceitou. Viagem a trabalho agora só
depois da lua de mel.
O que significa que vai ser uma confusão gigantesca somente a ideia de
ter que adiar a lua de mel por causa dessa bolsa.
Esse jantar vai ser divertido.
 
***
 
OLHO-ME no espelho, analisando minha própria roupa. O vestido vinho bate
logo acima dos joelhos, afunilado de um jeito que faz eu me perguntar que
milagre é esse que vou ter que fazer para conseguir andar com esse negócio.
É lindo, sofisticado como a data pede e combina perfeitamente com as duas
esmeraldas penduradas na minha orelha. Presente de noivado. Breno não se
contentou em me dar esse anel que é potencialmente mais caro que o
apartamento que divido com a Jéssica; os brincos vieram de brinde. São
lindos. Pesados e facilmente exagerados, mas lindos.
Eu os odeio.
Arrumo os saltos, confiro a maquiagem e olho o visor do celular que está
em cima da cama. Duas e quarenta. O jantar começa às sete.
Vejo minha companhia aparecer na porta do meu quarto assim que
recebo uma mensagem do motorista avisando que está chegando. Breno
avisou que estava embarcando do avião há pouco menos de duas horas,
pedindo um milhão de desculpas por não poder vir me buscar, avisando que
organizou para que o motorista da família me levasse a tempo. Estava
seriamente considerando me arrumar lá, afinal, com essa viagem gigantesca,
até chegar lá minha maquiagem vai ter ido para o espaço, mas agora não vou
ter tanto tempo assim, então vou pronta. Paciência.
— Linda — Jessi diz, um sorriso genuíno no rosto. Anda na minha
direção, batendo os saltos pelo chão, e me puxa para um abraço. — Espero
que tu seja muito, muito feliz — diz no meu ouvido.
— Mesmo você não concordando com a minha escolha? — pergunto, o
rosto meio apoiado no seu ombro.
Jéssica bufa, me solta e dispensa meu comentário com a mão, sentando-
se na ponta do colchão.
— Tu é a mulher mais brilhante que já conheci, Rebecca. Tenho certeza
que vai fazer a escolha certa para a tua vida. E se isso for ficar com o Breno,
então que seja.
Estranho a desistência em me fazer mudar de ideia. Tombo a cabeça para
o lado e ergo uma sobrancelha.
— Que paz toda é essa que tomou conta do seu corpo? — pergunto no
tom mais debochado que há em mim.
Ela se joga no colchão, dramaticamente soltando um suspiro.
— Tem como ficar estressada depois da manhã que eu tive? — pergunta,
apoiando-se nos cotovelos, olhando-me com um biquinho no rosto.
Solto uma risada, balançando a cabeça, voltando a encarar o espelho
para terminar de arrumar o cabelo.
— É só uma pena que a gente não vá se ver de novo — ela reclama.
Encontro seus olhos através do espelho e o bico ainda está no seu rosto.
Graças ao bom Deus que não vão.
— Por que não? — pergunto.
Ela dá de ombros.
— Ele está de férias, logo volta pro Rio.
— E não tem nada de errado em vocês se verem pelo tempo que ele
estiver aqui. Talvez ele ligue — aponto, prendendo uma mecha de cabelo
lugar.
— Ele mandou mensagem tem nem meia hora, perguntando se cheguei
bem — diz. Franzo o cenho. Mas rápido assim?
Jéssica suspira e não consigo evitar a risada. Meu celular apita, avisando
que o motorista chegou, e começamos a sair do apartamento, pegando as
bolsas com o que precisamos para passar o fim de semana em Canoas. Nem
morta que faço essa viagem toda se não for para pelo menos ficar os dois dias
por lá.
— Mas se ele te procurou, então…
Ela resmunga ao chegarmos no elevador, apoiando a cabeça no meu
ombro. Se sem salto já sou um bom cado mais alta que ela, em cima dosapato que escolhi para usar não existe chance de ela alcançar nada acima do
meu ombro.
Assim que as portas do elevador se fecham e estamos sozinhas, ela me
olha com toda a seriedade que há em seu corpo por meio segundo.
— Sabe que não me importo nem um pouco de umas saídas casuais —
murmura, usando o espelho do elevador para conferir vai saber o que, já que
está tudo perfeitamente no lugar. — Mas… Não sei.
Espero pelo fim da explicação, porque até agora ela não disse nada que
eu não saiba. Sim, é verdade, ela não é nada inibida e raramente assume um
relacionamento sério com alguém. Nesses quase dez anos que nos
conhecemos, se teve três namorados foi muito. Não que ela não queira, pelo
contrário; Jéssica quer casar e ter filhos mais do que eu quero. Só continua
dizendo que não achou a pessoa certa. O que me faz entender perfeitamente
sua hesitação: o tal cara do bar é gostoso, mas não é Henrique.
Jéssica respira fundo e recosta a cabeça na parede do elevador.
— Ele é tão gostoso — Jéssica reclama, fazendo um bico.
A risada que eu solto é alta o suficiente para que, quando as portas do
elevador se abrem no térreo, o porteiro me olhe como se eu tivesse perdido o
juízo. Conheço o modo de operação dessa surtada: ela está tentando tirar a
cabeça do meu querido orientador, desatando a falar bobagens. Quem sou eu
para julgar?
— Não ri da minha desgraça! — ela reclama, deixando um tapa no meu
braço antes que eu saia andando em direção à saída, cumprimentando o
porteiro no caminho.
Nós duas não temos segredos. Ao longo dos anos, desenvolvemos uma
intimidade grande o suficiente para que todos os detalhes de tudo que
acontece nas nossas vidas seja compartilhado, sem qualquer inibição. Estou
mais do que acostumada a saber tudo, absolutamente tudo que acontece com
essa mulher, da mesma forma que ela sabe de cada pedacinho da minha vida.
Mas, agora, quando ela começa a tagarelar, contando sobre sua manhã
com o cara do bar, cada frase que ela diz faz eu me sentir uma bela de uma
filha da puta.
Ainda não esqueci o maldito cheiro daquele perfume dos infernos. Como
se não fosse o suficiente que o cheiro de outro homem que não o meu esteja
agarrado na minha cabeça, o homem em questão estava embaixo da minha
melhor amiga há algumas horas. Embaixo, em cima, de lado e de cabeça para
baixo pelo que ela faz questão de detalhar, pouco se importando com o
motorista ouvindo nossa conversa.
Consigo ver a cara de constrangimento estampada no homem pelo
retrovisor, mesmo que esteja cansado de estar acostumado com a língua solta
da minha amiga. Ele é funcionário antigo da família de Breno, não foram
poucas as vezes em que veio me buscar para fazer exatamente essa viagem.
Meu noivo tem um apartamento em Rio Grande, onde fica toda vez que
vem para a cidade e para onde insiste que eu me mude, mas mal para lá. Na
maior parte do tempo, está em Canoas, onde oficialmente mora, na casa da
família, perto o suficiente da sede administrativa da empresa em Porto
Alegre. Entre as duas cidades, mais as viagens ao Uruguai, onde ficam seus
principais clientes, e as longas visitas a Sant'Ana do Livramento, onde fica a
fazenda, Breno passa mais tempo viajando de um lugar para o outro do que
comigo.
Sinceramente, nem sei qual foi a última vez que passamos uma semana
inteira juntos. Toda vez que reclamo disso, minha mãe ri e diz que é o preço a
se pagar por namorar com um homem importante. Depois de seis anos, já me
acostumei com essa rotina doida dele. Não é de todo ruim, porque me dá
tempo de sobra para cuidar da minha vida e não ter que orbitar ao redor dele
como sempre acaba acontecendo quando ele está na cidade.
Quando finalmente chegamos a Canoas, o dia já se foi. Está escuro,
definitivamente mais frio do que quando saímos de Rio Grande, e, de alguma
forma, Jéssica ainda está falando.
— Eu sempre esqueço o quão grande é esse lugar — ela comenta quando
passamos pelos grandes portões de entrada do condomínio.
Tenho que concordar. Passamos por casas enormes, uma maior que a
outra, até chegarmos à última, quase ofensivamente grande. Ao cruzarmos a
porta principal, nossas bolsas são rapidamente recolhidas por alguns
funcionários e damos de cara com a sala principal. O piso de madeira reluz de
tão limpo que está e o lugar já está tão cheio quanto vai ficar pela noite.
Apesar de luxuosa, é uma comemoração simples, apenas com as nossas
famílias e amigos mais próximos. Ao contrário da cerimônia de casamento
em si que, completamente contra a minha vontade, sem dúvidas vai ser um
espetáculo para quem quiser ver.
— Parece que faz uma eternidade que não te vejo!
Sorrio ao sentir os braços ao meu redor e me virar para abraçar minha
mãe.
— Não tem nem um mês! — respondo.
— Deixa eu te ver — pede, segurando-me pela mão e me fazendo dar
uma giradinha no lugar. — Tão linda, minha filha.
Seus olhos marejados não escondem a emoção. Dona Maria Clara não
disfarça o amor que sente por Breno. Desde que começamos a namorar,
quando eu ainda tinha mal meus dezoito anos, minha mãe imediatamente
morreu de amores por ele. Meu pai nem tanto, mas duvido que ele gostasse
de quem quer que fosse, ciumento com é. Acho que a diferença de idade fez
com que ele ficasse com um pé atrás. Talvez o fato de ele trabalhar para
Breno não tenha ajudado muito. Olho ao redor, sem conseguir encontrá-lo.
— Cadê o papai? — pergunto, notando também que Jéssica já
desapareceu.
— Lá dentro com o Breno — diz, já dispensando o próprio comentário
com a mão. — Sabe como ele é, deve estar com toda aquela história de cuidar
da princesinha dele.
Concordo com a cabeça. Circulo pelo lugar, cumprimentando todo
mundo que encontro, fugindo determinada da senhora minha sogra que me
odeia com todas suas forças. Estou em uma conversa bem educada com uma
das tias de Breno quando sinto um braço familiar envolver meus ombros.
Viro-me na sua direção e sinto seus dedos levantando meu queixo, seus
lábios cobrindo os meus.
— Você está maravilhosa — diz contra a minha boca antes de me soltar
e apoiar a palma nas minhas costas. — Tia, vou precisar roubar minha noiva.
Com um aceno de cabeça, começa a me conduzir pelo cômodo.
— Desculpe não ter conseguido te buscar — diz, afagando discretamente
minhas costas. Olho-o de canto de olho e ele para de andar, virando-me de
frente para si. — Amor…
Comprimo os lábios, sentindo seus dedos passearem pelo meu rosto. Ele
toca um brinco e sorri, satisfeito, como faz toda vez que me vê usando algo
que comprou para mim.
— Sou um filho da mãe sortudo — murmura, sem tirar os olhos de mim.
Mantenho a minha expressão de pura insatisfação enquanto ele percorre os
olhos pelo meu corpo e dá um passo mais para perto de mim. — Prometo que
vou te compensar.
Suspiro e meneio a cabeça. Não vou passar meu jantar de noivado
emburrada porque ele se atrasou. Breno ergue minha mão esquerda e leva
meus dedos aos seus lábios, os olhos escuros presos a mim. Noto sua barba
bem-feita, do jeito que ele sabe que gosto, o cabelo um pouco mais longo do
que normalmente usa. Vestido com sua já familiar camisa social preta, não
sei se ele realmente se arrumou para a ocasião ou se era só o que já estava
vestindo mesmo. Acho que nunca vi esse homem sem estar vestido assim.
Ninguém pode negar que Breno carrega seus trinta e nove anos com
chame, elegância e uma boa dose de gostosura.
— Como foi a viagem? — pergunto, arrumando a gola da sua camisa,
mais por hábito que qualquer outra coisa.
— Depois te conto todos os detalhes chatos que quiser — diz em um
tom sussurrado antes de me puxar para si. — Agora só quero matar a saudade
da minha mulher.
Seus lábios tocam minha testa e aceito o carinho de bom grado, sabendo
que não existe a menor chance de ele me tascar o beijo que quero aqui, na
frente de todo mundo.
— Quero te apresentar uma pessoa — diz no meu ouvido. Tiro o rosto
do seu ombro e encontro seus olhos animados, o sorriso mostrando uma
felicidade plena e descarada como há muito não via. Cerro os olhos para ele.
— Meu primo veio.
— Seu primo? — Ele confirma com a cabeça.— Aquele que não fala
com você há uns…
— Quatro anos — completa, desviando o olhar para um ponto atrás de
mim.
Enquanto ele me vira, o desespero me acerta de uma vez quando minha
memória me chuta na bunda e joga na minha cara uma informação até então
esquecida, irrelevante. Lembro das vezes que Breno falou do cara, de alguma
“briga idiota” que os dois tiveram, que pareceu ter sido o suficiente para que
parassem de se falar. Meu cérebro escolhe agora, este exato momento para
associar o nome que Breno me disse algumas vezes ao rosto desconhecido do
dono da cama em que acordei hoje.
Quantos Calebes existem no mundo?
Assim que Breno me posiciona de costas para si, de frente para o primo,
fecho os olhos, soltando uma risada baixa.
Por quê? Por que diabos, em um mundo enorme como esse, com mais de
sete bilhões de pessoas explodindo para todos os lados, logo a minha vida
tinha que ser premiada com a roleta russa das coincidências absurdas?
Vejo o exato segundo em que ele me reconhece. As íris azuis se
estendem no meu rosto, a cabeça sendo levemente tombada para a esquerda.
Seus olhos caem para a minha mão esquerda e, quando voltam ao meu rosto,
sua postura está inteiramente diferente. O sorriso que estava aberto em seu
rosto dá lugar a um repuxar de lábios irritado. Ele joga os ombros para trás e
enfia uma mão dentro do bolso da calça.
— Calebe — a voz de Breno ressoa em meu ouvido, perto como ele está
—, quero que conheça minha noiva.
— Rebecca — o outro homem cumprimenta com um acenar de cabeça.
Sequer um aperto de mão educado se dá ao trabalho de oferecer. Nem parece
que estava cheio das gracinhas hoje de manhã. — Não esperava te ver aqui.
Xingo mentalmente quando sinto os dedos de Breno aumentarem o
aperto na minha cintura. Ele não me apresentou e, pela reação do homem
atrás de mim, possessivamente me puxando para mais perto de si, Breno não
mencionou meu nome e definitivamente não sabia que já nos vimos antes.
Quando o ouço novamente, consigo reconhecer o tom de irritação na voz do
meu noivo.
— Vocês se conhecem? — pergunta, movendo-se o suficiente para
entrar no meu campo de visão.
A insatisfação no seu rosto não é sutil como no do outro homem, que
simplesmente me encara com desaprovação no olhar. Não. Breno está puto da
vida e nunca foi bom em disfarçar isso. Nunca nem tentou.
— Rebecca? — insiste, os olhos escuros irritados que me oferece sempre
que faço alguma coisa que ele não gosta. O que acontece com bastante
frequência.
Merda.
CAPÍTULO QUATRO
 
TRÊS COISAS FICAM bem claras para mim quase imediatamente: a porcaria do
perfume que ele usa é forte o suficiente para me alcançar, mesmo com um
noivo ciumento devidamente posicionado entre nós dois; seus olhos ficam
um pouco mais escuros quando está irritado, coisa que está, e muito; e ele fez
de propósito.
Calebe fez de propósito.
Sei disso porque ele se limita a dar de ombros e deixar o pepino na
minha mão. Não se dá ao trabalho de tentar explicar nada, o filho da mãe.
Apenas me encara com um olhar que beira exalar um desapontamento que
não sei de onde tirou. Então, digo a única coisa que consigo pensar na hora:
— Mundo pequeno, né? Já esbarrou na Jéssica? Ela estava falando de
você agorinha mesmo — pergunto, e vejo-o cerrar os olhos. Não é mentira,
ela estava mesmo.
Parece ser o suficiente para tirar a atenção de Breno sobre mim e fazê-lo
voltar a olhar para o primo. Primo. Não podia ser um amigo distante, um
conhecido do trabalho, alguém com quem trocou meia dúzia de palavras em
uma vida passada. Não. Primo.
— Você não mudou nada — Breno diz com uma risada, dando um tapa
no ombro dele. Calebe abre um sorriso fraco, mas a irritação em seus olhos
continua diretamente dirigida para mim. — Tem o que, uma semana que você
chegou? Desse jeito a tia Marta pode esquecer os netinhos e a nora que ela
tanto quer.
Uau. Não era exatamente o que eu estava esperando como reação. Joguei
o nome de Jéssica porque, de fato, foi com ela que ele se enroscou, mas
imaginei que precisaria dar alguma explicação adicional. O fato de Breno ter
entendido a insinuação sem que eu dissesse mais nada deixa bem claro o
enorme cafajeste que esse daí deve ser.
Isso faz com que eu dê um passo curto para trás e arrume minha postura
também.
Espero que minha amiga use o seu poder mágico e apareça, como
sempre faz quando estou pensando nela, mas dessa vez parece que fui largada
à minha própria sorte. Percebo que parei de prestar atenção na conversa
quando Breno cutuca minhas costas, pedindo minha atenção e,
aparentemente, a confirmação de alguma coisa.
— Claro, parece ótimo — digo no automático, torcendo para que sirva
de resposta para o que quer que seja o questionamento.
— Então está decidido — meu noivo diz, animado feito uma criança. —
Você vai com a gente amanhã.
Com a gente… onde?
Não tenho tempo de perguntar, porque a mãe dele logo aparece,
avisando que o jantar vai ser servido. Vejo a massa de convidados começar a
se deslocar para o outro cômodo e tudo que consigo pensar é no potencial de
desastre catastrófico que está nas minhas mãos bem aqui. Nas minhas mãos
não, nas mãos de Calebe, que não me dirigiu uma palavra que seja; que não
me dirigiu nada além de uma insatisfação muito clara e nem sei o que eu fiz.
— Já encontro com você — digo ao Breno, apontando com a cabeça
para a direção em que fica o banheiro. Ele concorda com a cabeça e me dá
um selinho.
— Não demora — instrui.
Vasculho o cômodo, passando os olhos pelo que sobrou de gente aqui, e
encontro quem estou procurando. Praticamente arrasto Jéssica pelo braço
quando a alcanço, interrompendo sua conversa com nem sei quem.
— Ai! Que foi, guria? Que cara é essa?
Ergo as mãos, segurando as bochechas dela entre as minhas palmas.
— Calebe está aqui — digo pausadamente e vejo seus já enormes olhos
escuros se arregalarem cada vez mais. — Ele é primo do Breno.
— Ele o quê?!
Aceno com a cabeça em positivo. Isso mesmo. Mundo pequeno dos
infernos.
— Como que ele é primo do teu noivo e tu não sabia disso, Rebecca? —
pergunta, olhando ao mesmo tempo confusa e preocupada. Ela entende o
problema muito bem. Se aquele homem abre a boquinha, Breno vai ter um
treco.
O problema não é nem somente ele descobrir a péssima pessoa que
tenho sido ultimamente assim, pela boca de outra pessoa, sem que eu tenha a
chance de me explicar. O problema é isso ser feito na frente de todo mundo:
família, amigos e a meia dúzia de clientes importantes que vi por aí. Breno se
esforça com a vida para manter a credibilidade de bom homem de negócios
respeitado para todo mundo que importa da região, faz questão de nunca ter
seu nome envolvido em nada minimamente escandaloso e odeia,
simplesmente odeia, ser pego de surpresa.
Oi, amor. Estou indo para a Nova Zelândia, esqueci de avisar não é uma
coisa que possa ser dita nessa mesa de jantar. Ele vai ficar furioso e não gosto
nem um pouco de Breno furioso.
— Eles não se falavam, nunca conheci, não sei — balbucio, passando a
mão pelo cabelo.
Jéssica joga os ombros para trás e leva as mãos aos meus braços.
— Porque sou sua melhor amiga e te amo mais do que qualquer coisa no
mundo inteiro, vou fazer o sacrifício de distrair aquele pedaço de mau
caminho a noite inteira — diz com uma seriedade que não combina nem um
pouco com as coisas que ela está pensando em aprontar.
— Você não presta — anuncio, balançando a cabeça. — Obrigada.
Ela começa a andar na frente e respiro aliviada. Ou quase. Não dá para
respirar muito com esse vestido. Por que concordei em usar essa porcaria?
Quando chegamos à mesa, sento-me ao lado de Breno em uma ponta,
notando a cadeira vazia ao meu lado, que provavelmente foi deixada para
Jessi. Ela, contudo, vai ao outro lado da mesa e sussurra alguma coisa no
ouvido de um cara que não lembro de ter visto antes; ele troca de lugar com
ela, que se senta ao lado de Calebe. Jéssica nem espera que o homem note sua
presença; beija seu rosto e abre um sorriso gigantesco. Sorriso esse que ele
retribui, aberto e sincero enquanto conversa com ela.
O jantar,com todos os seis diferentes pratos que são servidos, dura
pouco mais de duas horas e, pelo jeito perfeitamente efetivo com que minha
amiga distrai Calebe, duvido que passe a noite sozinha. O que me faz
agradecer por Henrique, por fim, não ter vindo. Ele mandou uma mensagem
mais cedo se desculpando e dizendo que surgiu um imprevisto. Sinto um
pontinha de chateação por não o ter aqui, mas não gostaria que ele visse a
mulher que ele gosta pendurada em outro cara desse jeito. Melhor assim.
Ao fim da sobremesa, Breno deixa um beijo na minha mão e se levanta,
chamando a atenção de todos.
— Queria agradecer a presença de cada um de vocês aqui hoje. É uma
data muito especial e que já estava sendo adiada demais. Há alguns anos,
conheci a mulher da minha vida e não via a hora de poder colocar um anel no
seu dedo.
Sorrio e quase posso ouvir os suspiros ao meu redor. Eu sei. Fisguei o
solteiro mais cobiçado de Canoas. Já ouvi isso mais vezes hoje que no resto
da vida inteira. O que não faz sentido absolutamente nenhum para mim,
porque tudo que estamos fazendo é oficializar um relacionamento que já dura
mais de meia década. Não é como se Breno estivesse solteiro antes. Superem.
— Rebecca é para onde quero voltar no fim do dia, depois de uma
viagem longa. Amo meu trabalho e todas as oportunidade que ele me
proporciona de conhecer o mundo, mas ela é minha casa. E espero que
sempre seja. — Breno tira os olhos do restante dos convidados e me encara
com um sorriso estampado no rosto. — Dentro de pouco mais de um mês,
você vai oficialmente se tornar senhora dessa casa e da minha vida. Diante de
Deus, das nossas famílias e amigos. Sempre vou fazer o que puder para te
fazer a mulher mais feliz do mundo.
Absorvo seu sorriso aberto e olhar fixo em mim. A taça erguida no ar, a
postura perfeita. Permito que em meu rosto cresça um sorriso tão aberto
quanto o dele e a áurea de emoção do ambiente me contagia, finalmente,
junto com uma pontada de desespero.
Eu vou me casar.
Inferno, eu vou me casar.
Não é como se eu não soubesse disso antes, mas sou lenta para algumas
coisas e a ficha demora a cair. Faz pouco mais de um mês que ele fez o
pedido, embora tenha cantado a bola muitas, muitas vezes nos últimos anos, e
eu ter me feito de doida e fingido que não estava entendendo. Depois de tanto
tempo juntos, não havia outra resposta que fizesse sentido que não um “sim”.
Nada realmente mudou na minha vida desde então. Ele saiu em viagem
no dia seguinte e eu voltei à faculdade. Agora, aqui, a magnitude de tudo
finalmente me atinge e sinto a onda de ansiedade, adrenalina e expectativa
me atingir com tudo.
Acho que vou vomitar.
Respiro fundo e moldo um “eu te amo” com os lábios quando a mesa
irrompe em aplausos e aceito sua mão quando ele me oferece, ficando de pé
ao seu lado, devidamente em exibição para todos os olhares atentos.
Vejo minha mãe emocionada, meu pai erguendo uma taça na minha
direção. Minha querida sogra bate palmas sem esconder a careta contrariada.
Vejo algumas amigas — “amigas” — em comum com os olhos marejados,
outras com um sorriso mais falso que minha unha postiça. Os colegas de
trabalho de Breno, sem exceção, acenam em aprovação. Até Jéssica se desfez
da sua cara de descontentamento, sempre presente quando Breno está
envolvido, abrindo um sorriso pacífico. O fato de minha amiga estar feliz por
mim faz toda a diferença do mundo e me permite ficar feliz também.
Calebe, ao seu lado, continua com cara de bunda. É a única forma de
descrever.
A enorme mesa aos poucos começa a esvaziar. Já passa das dez e,
embora ainda esteja relativamente cedo, muitos começam a se preparar para
ir embora. Não demora mais do que uma hora para que reste somente quem
vai passar a noite aqui.
Quando fecho a porta após meus pais saírem, quase posso ouvir o eco
reinar no ambiente. A sala, agora vazia, é quase opressiva.
— Preciso do meu sono da beleza — Jéssica anuncia, saltos na mão,
deixando um beijo na minha bochecha. — Não dormi quase nada noite
passada e tive um dia puxado.
— Sei bem como foi puxado — implico, e ela me responde fazendo um
bico manhoso. — Se controla, mulher.
— Vou ter que me controlar mesmo, pelo visto vou passar a noite muito
bem acompanhada do meu travesseiro e só.
Franzo o cenho, perguntando-me se a gente estava no mesmo jantar,
porque tudo que vi foi ela e Calebe muito bem entrosados a noite inteira.
— Tem certeza?
Ela balança a cabeça, confirmando.
— Ele foi todo gracinha e educado, um príncipe. Prestou atenção em
tudo que eu disse o tempo inteiro, perguntou coisa, todo interessado. — Ela
faz uma careta. — Mas sei reconhecer a hora de parar de gastar meu decote à
toa. Dali não vai sair mais nada não.
Jessi me dá outro beijo antes de sair, parecendo inabalada.
Não vejo o dito cujo enquanto vou a caminho da cozinha pegar um copo
de água para beber. Passei o jantar inteiro com uma taça de vinho na mão e
minha garganta está seca como um deserto.
Apoio-me na bancada, surrupiando uma outra porção do mousse de
chocolate que foi servido durante o jantar, alternando colheradas do doce
com goles da água gelada. Não tenho certeza qual dos dois me faz gemer de
satisfação, mas acontece.
Estou quase na metade da tacinha quando sinto um corpo colar no meu
por trás. A colher é roubada da minha mão e recosto a cabeça no ombro de
Breno.
— Não acha que já comeu doce demais por hoje não, mocinha? Desse
jeito, vou ter que proibir açúcar nesse lugar quando você estiver aqui. —
Solto um suspiro baixo, recusando-me a brigar hoje. Não faria diferença, de
qualquer forma. Conheço seu discurso sobre estar preocupado com a minha
saúde e já estou me sentindo louca o suficiente para precisar ouvir isso em
voz alta, então deixo para lá. — Vamos para o quarto?
Concordo com a cabeça, ignorando a implicância constante com meus
hábitos alimentares. Desencosto da bancada e começo a contar os segundos
para tirar esses sapatos.
— Vou só conferir meus e-mail um minuto e já te encontro. O chuveiro
da suíte está com problema na água quente, acho melhor você usar o banheiro
normal. Vai vir alguém consertar amanhã mesmo.
Com um beijo na minha testa, se afasta e vai em direção ao cômodo que
serve de escritório na outra ponta do andar enquanto subo as escadas. Passo
no quarto apenas para pegar uma camisola e corro para o banheiro, quase
morrendo de satisfação debaixo da água quente. Decido dar um jeito no meu
cabelo que está pedindo socorro pela manhã e limito-me a tirar o que sobrou
da maquiagem. Jogo o vestido usado no cesto de roupas sujas que fica no
canto do cômodo e abro a porta, praticamente tropeçando em alguém parado
na porta.
Pela segunda vez no dia, me vejo perto demais de um tronco despido. Do
mesmo tronco despido. Desta vez, contudo, ele se afasta quase
instantaneamente. Calebe não diz nada, apenas acena com a cabeça quando
libero passagem para que ele entre no banheiro.
Isso começa a me irritar.
— O que eu te fiz? — pergunto quando está quase fechando a porta.
Ele para e me encara, abrindo novamente a porta, apoiando-se de lado na
parede, braços cruzados na frente do corpo. O que só serve para destacar com
maestria a perfeita forma física que ele exibe. Sem nenhum quadradinho
exagerado no abdome, firme, mas sem parecer artificial. Por que sempre sem
camisa? Meu olhar desce até onde a barra da calça de moletom está. Já não
me surpreende mais quando volto a encarar seu rosto e vejo seu olhar
irritado.
— Essa cara aí mesmo. Desde que me viu aqui está me olhando como se
eu tivesse cuspido na sua comida. O que eu te fiz?
Ele solta uma risada baixa, incrédula, e balança a cabeça, o olhar ainda
preso ao meu. Coloco uma mão na cintura e espero.
— E como você quer que eu te trate, Rebecca? — pergunta, sem se
mover, sem tirar os olhos dos meus, a expressão perfeitamente neutra
novamente.
A forma como enfatiza meu nome dessa vez não é rouca e sedutora, mas
quase ácida.
— Quer que eu fique excitado por você estar me olhando do mesmo jeito
que me olhou hoje de manhã quando acordou na minha cama?
— Nãoestou te olhando de jeito nenhum — interrompo, mas ele ignora
e continua falando.
— Quer que eu te diga o que pensei quando te vi naquele bar ontem? Ou
quer que eu te dê cada detalhe do que passou na minha cabeça hoje de manhã
quando te vi dentro da minha camisa, na minha cama?
Sinto minha postura vacilar e umedeço os lábios, respirando fundo.
Talvez seja porque, sim, eu gostaria sim de ouvir os detalhes.
Toma vergonha nessa cara, Rebecca.
— Quer que eu jogue piada e flerte com você de novo depois de
descobrir que é noiva do meu primo?
Calebe desapoia da parede e dá os três passos que precisa para me
alcançar. Empino o queixo diante da sua postura rígida, trincando os dentes
para não o mandar para lugares que minha mãe condenaria. Ele se inclina na
minha direção e cola a boca na minha orelha como fez hoje de manhã quando
entrei no Uber que me buscou no hotel. Dou um passo para trás, mas sua mão
vai à minha cintura e me puxa para perto de novo.
— Eu não te conheço — anuncia. — Não sei nada de você além do fato
de ter acordado na cama de um cara que não conhecia e não ter disfarçado
que gostou do que viu. Não é exatamente o que eu esperava da mulher que
vai se casar com o homem que considero meu irmão. Então é exatamente
assim que vou te tratar. Como se você tivesse cuspido na minha comida.
Solto uma tapa na sua mão que está na minha cintura e dou um passo
para trás, irritada. Alcanço novamente seu olhar, esperando encontrar
deboche no seu rosto, mas por algum motivo ele parece tão irritado quanto
eu.
— Coloca uma camisa — digo entredentes, madura como a garotinha
pirracenta que decidi ser, cutucando seu peito com a ponta da unha antes de
virar as costas e sair praticamente batendo pé.
Ouço uma risada incrédula, seguida do som da porta do banheiro sendo
fechada. Sinto minha garganta arranhar enquanto vou em direção ao quarto,
sem saber muito bem o motivo. Mentira. Sei bem o motivo. Quero dar na
cara arrumadinha dele, mas Calebe está irritantemente certo.
Realmente estou me sentindo uma bela de uma filha da puta por ter sido
incapaz de evitar notar cada maldito detalhe dele quando acordei, e de novo
agora. Não sou assim normalmente, juro que não. Tudo bem que estou
comprometida, não cega. Sei reconhecer um homem bonito quando vejo um,
mas não me afeta normalmente. Não a ponto de eu voltar para dar uma
segunda olhada. Não a ponto de desejar tocar. Não a ponto de ficar na minha
cabeça, não a ponto de eu querer sentir de perto o perfume que ele usa.
Definitivamente não a ponto de magicamente passar a ser uma mulher no
segundo que descobri que Jéssica estava interessada, como sempre é.
Meu primeiro instinto estava mais do que certo: a melhor coisa que faço
é ficar bem longe dele.
Paro na frente do quarto, mão na maçaneta, e respiro fundo, secando
uma lágrima que escorreu. Pura raiva, nada mais.
Abro a porta, pronta para encontrar a cama vazia, mas me deparo com
Breno sentado ali, o notebook aberto na sua frente. Assim que me vê, ele
sorri e fecha o computador, colocando-o de lado.
— Não fica brava comigo — diz, estendendo a mão para mim.
Demoro alguns segundos para processar o que ele diz, ainda com a
cabeça presa no que Calebe falou. Quando finalmente absorvo suas palavras,
pergunto-me por um segundo o quanto de raiva uma pessoa pode passar em
um dia só, e por que estou tão irritada com a malcriação de um desconhecido
que mal consigo lembrar dos motivos para estar brava com Breno.
Não é possível.
Vou na direção dele e deixo que me puxe para sentar de lado no seu
colo, mesmo que realmente não esteja com nenhuma vontade de qualquer
contato físico no momento.
— Por que eu ficaria brava com você? — pergunto.
Ele se move, tombando-me na cama com as costas no colchão, e se deita
por cima de mim.
— Sei que prometi que aquela era a última viagem…
Solto um grunhido, já sabendo onde isso vai dar. Tento me levantar, mas
ele me prende.
— Amor, por favor — diz, depositando beijos curtos nos meus lábios. —
Estou morrendo de saudades de você. Não vamos brigar.
— Você prometeu — digo, recostando a cabeça no colchão. Sinto sua
mão subir pela minha coxa e brincar com a lateral da minha calcinha, mas
paro seus dedos. — Você prometeu, Breno.
— Eu sei — responde, descendo os lábios pelo meu rosto. — E vou
ajudar com cada detalhe do casamento, prometo. Realmente não entendo por
que você só não deixa isso nas mãos da cerimonialista, mas já que faz
questão que eu esteja envolvido, então vou estar. Vai ser uma viagem curta,
são só alguns dias. Depois disso, vou para o apartamento em Rio Grande e
fico com você. Ou você pode vir para cá e ficar em Canoas…
A sugestão fica aberta, solta no ar enquanto sua boca percorre meu
pescoço. Não me dou ao trabalho de apontar, mais uma vez, o óbvio: tenho
uma vida inteira em Rio Grande, meu trabalho, meus alunos. Não posso, não
quero e nem vou largar tudo assim para brincar de madame aqui. Nem sei
como a gente vai fazer para conciliar tudo depois do casamento, ainda não
conversamos sobre isso.
O que me lembra do pequeno elefante branco chamado Nova Zelândia
que está sentado no calendário batendo pezinho, esperando pela minha
decisão. Preciso falar com ele, mais cedo ou mais tarde. Quanto mais tarde
for, pior vai ser.
— A gente precisa conversar — murmuro, sua mão agora afastando
minha calcinha do lugar, minha mão tentando afastá-lo.
— Agora? — questiona, tomando minha boca para si.
Gemo baixo contra seus lábios, rapidamente deixando o assunto de lado
pelo simples fato de que faz quase quatro semanas desde que o vi pela última
vez. Ele está com saudades, eu também estou. Meu corpo está, pelo menos,
mesmo que minha mente tenha tirado férias nesse momento.
 
***
 
BRENO volta para o quarto alguns minutos depois de ter saído para tomar
banho e eu estou deitada na cama, enroscada no cobertor, rolando pelas
notificações do celular. Fiz um belo show e ele não percebeu que não gozei,
mas isso só fez com que fosse adicionada uma grossa camada de frustração
em cima de toda a inquietação que estou sentindo.
Sinto o colchão afundar ao meu lado e seu braço cobre meu corpo.
— Você está bem? — pergunta, e deixo o celular de lado. — Mal falou
nada a noite toda.
— Cabeça cheia — respondo, o que não é mentira. — O que a gente vai
fazer amanhã?
— Tenho um brunch com um cliente e a esposa dele, e preciso que você
vá comigo — anuncia, deixando um beijo no meu ombro.
Viro na sua direção, pronta para reclamar, mas seus lábios me calam
antes que eu tenha a chance.
— É coisa rápida, depois nós podemos ir ao parque como você queria.
Talvez com a Jéssica e meu primo — completa, ainda contra a minha boca.
Não consigo evitar o gemido de reprovação. — Que foi?
— Não sei se gostei do seu primo — respondo, afundando a cabeça no
travesseiro, desvencilhando-me dele.
Breno solta uma risada e sai de cima de mim, deitando-se no travesseiro
ao lado.
— Se não gostou, vai gostar — anuncia, como se isso resolvesse tudo.
Ah, pronto. — Nós ficamos muito tempo afastados, é bom o ter por perto de
novo. É muito importante para mim que vocês se deem bem, amor. Pode
tentar? Por mim?
Suspiro e concordo com a cabeça.
Isso não vai ser nada divertido.
Nada, nada divertido.
CAPÍTULO CINCO
 
A ÚLTIMA COISA que queria quando tirei férias era ter problemas, mas eles
parecem me seguir onde quer que eu vá.
Não me iludi, nem por um segundo sequer, achando que passaria os
próximos dias sem trabalhar. Isso é simplesmente impossível quando se
trabalha para Tatiana Fonseca. Minha certeza é reforçada quando, agora, em
pleno sábado, às cinco da tarde, sentado na sala da casa da parte da minha
família que não vejo há mais de meia década, preciso pedir licença para
minha tia para atender o telefone porque é a quarta ligação dela que recuso e
a mulher parece decidida a não desistir.
Afasto-me do cômodo e atendo à ligação.
— Você realmente não consegue ficar sem mim — digo com um sorriso
no rosto. — O que seu marido vai achar disso?
Ela solta uma risada do outro lado da linha.
— César está a

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