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www.cepea.esalq.usp.br • cepea@usp.br • 19 3429-8836 • PIRACICABA - SP O QUEBRA-CABEÇA DO PREÇO DA TERRA NO BRASIL Geraldo Barros1 “Buy land, they’re not making it any more” (Mark Twain, 1835/1910) A terra é um ativo historicamente polêmico, envolvendo fortes aspectos ideológicos, políticos, sociológicos além de econômicos e financeiros. No século XVIII, os fisiocratas –como François Quesnay - atribuíam à terra (natureza) a origem de toda riqueza (sendo a agricultura o mais importante setor econômico), que se distribuía de acordo com leis naturais (direito de propriedade). Adam Smith, na linha de Say, por outro lado, colocava a terra como um fator de produção, ao lado do trabalho e o capital. Para Ricardo, a terra teria de ser remunerada por causa de sua disponibilidade finita, tendo em conta sua qualidade. Marx, por seu turno, fazia uma concessão à terra, dando-lhe um lugar de destaque ao lado do trabalho: “O homem, ao produzir, só pode atuar como a natureza, isto é, mudando as formas da matéria. E mais. Nesse trabalho de transformação, é constantemente ajudado pelas forças naturais. O trabalho não é, por conseguinte, a única fonte dos valores de uso que produz, da riqueza material. (...) Conforme diz William Petty, o trabalho é o pai, mas a mãe é a terra”. (Marx, K. p. 118) Desde Ricardo, a terra é uma definidora de classe social indissociável da questão da distribuição da renda na sociedade e no meio rural em especial. No Brasil, essa associação ainda hoje é forte. Desde a aprovação do Estatuto da Terra em 1964, o número de beneficiários do programa de reforma agrária já deve estar se aproximando de um milhão e continua crescendo. Ainda assim, Ney & Hoffmann (2003) atribuíram às diferenças nas áreas dos empreendimentos rurais 10% em termos de importância na distribuição da renda das pessoas ocupadas na agricultura brasileira. À posição na ocupação (empregador, conta-própria ou empregado) associam-se outros 9,4%. Ganhando a propriedade da terra, a riqueza dos beneficiados vai evoluir de acordo com a evolução do seu preço, na media em eu ela tenha seu valor associado aos frutos (retornos) que venha a produzir ao conjunto daqueles que nela labutam. Analistas da atualidade ainda se esfalfam para interpretar corretamente o uso e o valor da terra. Desde que a idéia de custo de oportunidade foi criada elo suíço Frederich Von Wieser na sua obra “Valor Natural” em 1889, ficou claro que cada fator de produção teria um valor igual ou maior do que seu custo de oportunidade (mais alto valor em uso alternativo). Como um ativo, a terra pode proporcionar fluxos de renda líquida (esperada) periódicos, cujos valores capitalizados (atualizados) devem ser comparados. A alternativa (o fluxo de rendas) a ser escolhida (cana, por exemplo) é a que proporciona maior valor capitalizado. Esse valor capitalizado é o valor – por exemplo, maxiV - ou preço do ativo (terra). O custo de oportunidade será dado pelo segundo maior valor capitalizado que se possa obter de sua exploração (citros, por exemplo). 1 Professor Titular e Coordenador Científico do CEPEA-USP www.cepea.esalq.usp.br • cepea@usp.br • 19 3429-8836 • PIRACICABA - SP Num outro instante qualquer, porém, a terra acha-se em uso para determinada finalidade (soja, por exemplo, que pode ter sido a melhor alternativa quando essa utilização teve início). Qual é então o valor dessa terra? É o valor capitalizado da melhor alternativa no corrente momento (algodão, por exemplo) - independentemente do uso (soja) que à terra esteja sendo dado. O preço da terra é o valor capitalizado com algodão. Caso algodão fosse a corrente atividade, o custo de oportunidade da terra seria o segundo maior valor capitalizado (cana, por exemplo). Nesse caso o preço da terra com algodão seria maior do que custo de oportunidade (valor da terra com cana). Ao valor da renda em excesso ao custo de oportunidade dá-se o nome de “renda econômica”. A terra (assim como os demais ativos do patrimônio) compõe a riqueza do produtor agropecuário. O objetivo do produtor deve ser o de maximizar sua riqueza, o que lhe garante maximização do seu bem-estar. Assim, deve explorar seu patrimônio – colocando-o em operação, ou seja, incorrendo em custos operacionais – de sorte a proporcionar receitas líquidas operacionais (em excesso aos custos operacionais) que satisfaçam aquele objetivo. Recomenda-se que ao avaliar o valor da terra proceda-se à determinação de dois valores auxiliares: o valor no uso corrente )( corV e o valor no melhor uso )( maxV , sendo: H k k kii ki x i rE RE i x V i cor V 0 )](1[ )( )( (1) onde xiR receita líquida operacional (ROL) no período i com atividade x [receita total menos custo operacional (insumos e mão de obra)] menos remuneração do restante do patrimônio (máquinas, benfeitorias e culturas perenes, rebanho, etc.) no uso corrente (abaixo tratada como valor de arrendamento) ir taxa de desconto no momento i. iE operador da esperança matemática condicionada à informação disponível no momento i. Além disso, determina-se H k k kii ki y i rE RE i y V i V 0 )](1[ )( )(max (2) onde yR é a ROL com a atividade y e que, por hipótese, resulta no maior valor capitalizado no período i. O preço de mercado da terra (PT) será i cor V i VPT max Na prática é difícil separar a remuneração aos diferentes componentes do patrimônio, de sorte que abaixo, por simplicidade, analisam-se os preços da terra (”nua”) ignorando a distribuição da remuneração entre os vários ativos que o compõem. Outro ponto que é freqüentemente mal abordado refere-se ao retorno à terra ( )terrar . É comum referir-se como sendo a relação entre R e preço (PT). Corretamente, porém, o retorno www.cepea.esalq.usp.br • cepea@usp.br • 19 3429-8836 • PIRACICABA - SP (por período) à terra em qualquer momento será a soma da receita líquida operacional resultante da atividade atual mais o ganho ou perda de capital decorrente de oscilações no preço do momento anterior para o presente. (Nota-se que a receita operacional pode ser vista como os dividendos recebidos devido à propriedade do ativo). Ex post tem-se: iioper i ii i i gcr PT PTPT PT R i terra r 1 1 1 )( Espera-se que, em média, rrterra , onde operr é o retorno operacional (com a atividade atual) e gc é o ganho de capital (devido à variação do preço de mercado). Qualquer combinação desses dois componentes do retorno à terra é possível. O produtor pode ter num período i um baixo operr na produção de citros, por exemplo, e um ganho elevado de capital face ao aumento da procura por terra para plantio de cana. O resultado pode ser um retorno satisfatório para a terra. Se, por hipótese, a terra, a partir de então, permanecer com esse preço elevado e, para simplificar, constante ( )0 ji gc r para 1j , o produtor pode ter de passar a produzir cana ou vender sua terra. É interessante (e lamentável) notar que as normas do INCRA vedam aos beneficiários da reforma agrária a otimização do uso da terra2 ao coibir o plantio de cana em seus lotes, seja diretamente ou por arrendamento a terceiros, e a venda da terra3. Alterações não-antecipadas na renda, nos juros ou no preço de mercado da terra podem tornar rentável uma atuação dinâmica (especulativa) no mercado de terra, o que muitos produtores preferem não fazer. A regra é, como sempre, tentar “comprar na baixa e vender na alta”. Se espera-se um processo de valorização da terra, o produtor deverá considerar a possibilidade de vende-la – “realizando” o ganho de capital - no momento que se afigurar adequado, ou seja, quando: r n terra rEn 1 A terra poderá ser recomprada num próximo ciclo debaixa. Ao contrário o que parece acontecer com mais freqüência é o produtor vender na baixa e comprar na alta. Uma possível explicação estaria no fato de o produtor dispor de poupança na fase alta dos ciclos dos negócios, poupança essa que é usada para realizar investimento (compra de terra, veículos e máquinas em geral). Tais itens de investimento, na alta do ciclo, estão evidentemente mais caros. Quando vem a fase baixa do ciclo, o produtor pode ter necessidade de recursos, que obtém vendendo parte d seu patrimônio, que agora está desvalorizado. Ao fim de alguns ciclos, o produtor acha-se empobrecido. Evidentemente, a recomendação administrativa para essa “armadilha” é manter a poupança para uso em investimento na próxima fase de baixa. 2 http://www.mda.gov.br/portal/index/show/index/cod/134/codinterno/14716 3 Segundo art. 21 da Lei nº 8.629/93, nos instrumentos que conferem o título de domínio ou concessão de uso, os beneficiários da reforma agrária assumirão, obrigatoriamente, o compromisso de cultivar o imóvel direta e pessoalmente, ou através de cooperativas, e o de não ceder o seu uso a terceiros, a qualquer título, pelo prazo de 10 (dez) anos. http://www.mda.gov.br/portal/index/show/index/cod/134/codinterno/14716 www.cepea.esalq.usp.br • cepea@usp.br • 19 3429-8836 • PIRACICABA - SP A agricultura vai bem... e os agricultores? A agropecuária vem tendo um desempenho altamente elogiável seja pela produção eficiente de alimentos seja pela contribuição na geração de divisas que resultaram na eliminação do grande gargalo ao crescimento da economia que era representado pelos compromissos em moeda estrangeira. No tocante ao custo dos alimentos, a figura 1 mostra uma queda real de cerca de 60% de 1989 a 2006. Ao mesmo tempo os preços recebidos pelos produtores caíram cerca de 20% para as lavouras e 60% para os produtos de origem animal. É preciso notar que no caso das lavouras a maior contribuição ao consumidor deu-se na década de 1980, a partir de quando os preços recebidos pelos produtores caíram 63% até 2006. Figura 1. Preços recebidos pelos produtores no Brasil e Índice de Custo de Alimentação em São Paulo, 1989/2006. Fonte: FGV e FIPE, cálculos do autor. Quanto à geração de divisas, a figura 2 mostra a evolução dos saldos comerciais do agronegócio e da economia brasileira como um todo para o período começando em 1994. Nota- se que de 1995 a 2000, o Brasil apresentou déficits comerciais, enquanto o agronegócio em particular apresentava superávits entre dez e quinze bilhões de dólares por ano. Esses superávits continuaram a crescer nos anos 2000, no que o agronegócio foi acompanhado pelo restante da economia. Na década de 1990, caracterizada pelas terríveis crises financeiras nos países emergentes, essa contribuição foi essencial para a solvência do País. Atualmente, quando se 0 20 40 60 80 100 120 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 ANIMAL LAVOURAS CONSUMIDOR www.cepea.esalq.usp.br • cepea@usp.br • 19 3429-8836 • PIRACICABA - SP comemora a liquidação prática das obrigações externas do Brasil, é bom lembrar que o agronegócio de 1994 a 2006 gerou o equivalente a duzentos e setenta e três bilhões de dólares. Figura 2. Saldos comerciais do agronegócio e do Brasil, 1994/2007. Fonte: MDIC, CEPEA. Preços e Retornos da Terra Diante do comprovado sucesso é de se perguntar de que forma o produtor rural tem sido retribuído por essa contribuição à sociedade brasileira. Uma forma de verificar esse aspecto é examinar o que vem acontecendo com o principal item do patrimônio do produtor rural que é sua terra. Por exemplo, Barros et al (2007)4 avaliaram que na região Sul do Brasil a terra pode representar mais de 70% do patrimônio da propriedade rural. Vários autores se debruçaram sobre a questão do preço da terra no Brasil nas últimas décadas. Rahal (2003) revisa um grupo desses estudos. Sayad (1976) desvincula a terra de sua função de recurso produtivo e enfatiza a de ativo para reserva de valor, numa economia permeada pela insegurança no mercado financeiro. O direito conferido pela propriedade da terra ao crédito subsidiado também destaca-se na formação do preço. Pinheiro (1980) não encontrou evidências de que o preço da terá se associe à rentabilidade da agricultura: a elevação de preços que observou ele atribuiu a um processo especulativo relacionado ao “milagre brasileiro”. Rezende (1982) volta à temática do impacto de crédito subsidiado sobre o preço da terra: valorizando a terra e aumentando os custos, a política estava tornando a agricultura dependente do subsidio. Brandão & Rezende (1989) examinaram a influência de alguns fatores na formação do preço da terra. O subsidio do crédito tendia a ser capitalizado no valor da terra; preços 4Barros, G.S.A C. et al. 2007. Gestão de Negócios Agropecuários. CEPEA-ESALQ/USP (monografia). www.cepea.esalq.usp.br/. (10.000) (5.000) - 5.000 10.000 15.000 20.000 25.000 30.000 35.000 40.000 45.000 50.000 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 AGRONEGÓCIO TOTAL http://www.cepea.esalq.usp.br/ www.cepea.esalq.usp.br • cepea@usp.br • 19 3429-8836 • PIRACICABA - SP recebidos e produtividade tinham efeito positivo sobre o preço da terra. Bacha (1989) também capta a influência dos preços recebidos e pagos, Brandão (1992) argumenta que o retorno via arrendamento supera o ganho de capital, com o que a hipótese da mera especulação ficaria prejudicada. O estudo de Rahal aponta os preços recebidos e pagos, o subsidio, a inflação, a infraestrutura e o ciclo econômico como fatores associados ao preço da terra. Observa-se que os estudos sobre os preços de terra para o Brasil tenderam a mover-se de interpretações baseadas em movimentos especulativos – ligados à inflação, a falhas nos mercados financeiros e distorções no crédito rural - para indicação de evidências de que o ativo reagia a preços e condições tecnológicas relacionados ao seu emprego como fator de produção. Nas considerações abaixo, relacionam-se, através de gráficos, preços da terra e seu valor de arrendamento a um conjunto de variáveis que parecem associar-se à duas primeiras. Trata-se de análise qualitativa, sem estimação de efeitos específicos e testes de significância estatística. A razão para não realização desses procedimentos é o reduzido número de observações – 17 – comparado com o número de variáveis potencialmente relevantes para a análise em apreço, agravada ainda pela necessidade de emprego de variáveis defasadas e diferenciação tendo em vista os requisitos estatísticos de estimação e teste. Entre os procedimentos empregados está o de comparar tendências de pares ou outros conjuntos de variáveis, de sorte a contornar oscilações de curtíssimo prazo, de pouco interesse nas análises. Como têm se comportado os preços da terra para lavouras no Brasil? Os preços médios de terra para lavouras no Brasil e, particularmente, em Mato Grosso e no Paraná são apresentados na figura 3 de 1977 a 2007. Nota-se que no Estado do Paraná as terras são mais valiosas: em torno de uma e meia a duas vezes a média nacional. As terras do Mato Grosso, por outro lado, ficaram em média de 1/3 a ½ da média nacional. Vale notar a instabilidade do preço da terra especialmente nos anos 1980 até o Plano Real – chama a atenção a alta havida por ocasião do Plano Cruzado (1986) e do Plano Real (1994). Impressiona também a estabilidade que adquire no que concerne a movimentos de curto prazo a partir desse Plano. Isso sugere que como instrumento de hedge contra a inflação, a terra era um ativo pouco eficiente. No que se segue foca-se mais nos anos recentes, a partir de 1989, ano que marcao fim de uma fase de grande apoio do setor público à agricultura, que continua, mas num nível bem menor5. Como mostra a figura 4, a partir da década de 1990, as terras de Mato Grosso passam por uma valorização mais forte, fenômeno que se acentua nos anos 2000, uma possível indicação de encerramento da fase da terra mais barata no Centro-Oeste. Em nível nacional, chamam a atenção dois picos no início dos anos 1990 (ainda resultados da instabilidade macroeconômica), seguidos de uma queda expressiva de preços e uma mudança de patamar para cima a partir de 2003. 5 Em apenas 2 anos (de 1987 a 1989) realizou-se um corte de 78% no programa de Abastecimento (que englobava a política de preços e estoques reguladores grãos, inclusive trigo, mais café e açúcar ). Entre esses mesmos 2 anos, o volume de crédito total à agricultura caiu 35,5%.Ver Barros (2000). www.cepea.esalq.usp.br • cepea@usp.br • 19 3429-8836 • PIRACICABA - SP Figura 3. Preços de terra para lavouras, Brasil, Paraná e Mato Grosso, 1977/2007. (R$ de agosto de 1994) Figura 4. Índices de preços de terras para lavouras, Brasil, Paraná e Mato Grosso, 1989/2007. Fonte: FGV. 0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 7000 19 77 19 78 19 79 19 80 19 81 19 82 19 83 19 84 19 85 19 86 19 87 19 88 19 89 19 90 19 91 19 92 19 93 19 94 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 20 07 BR MT PR 0 50 100 150 200 250 300 350 400 450 ja n/ 89 ja n/ 90 ja n/ 91 ja n/ 92 ja n/ 93 ja n/ 94 ja n/ 95 ja n/ 96 ja n/ 97 ja n/ 98 ja n/ 99 ja n/ 00 ja n/ 01 ja n/ 02 ja n/ 03 ja n/ 04 ja n/ 05 ja n/ 06 ja n/ 07 BR MT PR www.cepea.esalq.usp.br • cepea@usp.br • 19 3429-8836 • PIRACICABA - SP Na figura 5 estão: (a) o retorno operacional (rop) correspondente ao arrendamento – proxy para a renda líquida operacional - como percentual do preço da terra, (b) o retorno total sob formas de arrendamento e variação do preço da terra (rop + rgc ) e (c) o valor real da selic 6. Nota- se que o arrendamento oscila entre 15% e 5%, ficando a maior parte do tempo abaixo de 10%. Entretanto, os retornos totais associados à terra são altamente variáveis: em 1991 e 1995 houve retorno negativo (–20%), enquanto em 1992 o ganho foi de 45%. Em média esse retorno total ficou entre 5% e 15%. Ao mesmo tempo a selic real média ficou entre 15% e 8%. Em média, porém, tanto a retorno total à terra como o arrendamento ficaram em torno de 9,5% (equivalendo ao simples arrendamento, indicando que em 17 anos a média de ganhos de capital foi próximo de zero), enquanto a selic real ficou em 12% ao ano. Figura 5. Preço e valor percentual de arrendamento de terra para lavouras e taxa de juros (selic) real Brasil, 1989/2007 (tendências). Fonte: FGV, cálculos do autor. A figura 6 compara as tendências do preço da terra, da área cultivada e da produtividade da terra (rendimento por hectare). É possível observar que tanto a área como o preço da terra apresentaram tendência de queda até os últimos anos da década de 1990, passando a seguir a 6 Para uma revisão de estudos nos EUA, mostrando fraca interação entre preço e renda da terra , ver Flanders A. et al. 2004. -25 -20 -15 -10 -5 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 rop+rgp rop selic www.cepea.esalq.usp.br • cepea@usp.br • 19 3429-8836 • PIRACICABA - SP aumentar. Nota-se, ademais que a queda do preço da terra na década de 1990 associa-se razoavelmente ao aumento em sua produtividade; ou seja, o preço apresenta relação positiva com a área (uma relação típica de demanda) e negativa com a produtividade7. Dessa forma, parece que, nos anos 1990, a expansão da área pressionava – via maior demanda - o preço da terra para cima, já a maior produtividade esfriava a demanda e contribuía para uma queda de preço. A partir dos anos 2000, a produtividade se estagna ou reflui e o aumento da produção passa a depender de mais terra, quando então os preços passam a crescer novamente. Ver na figura 7 que o crescimento da produção até 2000 se deu pelo aumento da produtividade com certo recuo da área. Depois de 2000 é a área que cresce, sinalizando, porém, para uma certa retração no bem no final do período. Figura 6. Índices de evolução da área, rendimento e preço da terra para lavouras, Brasil, 1989/2006.(tendências). Fonte: FGV e IBGE, cálculos do autor. Pode-se dizer que a rentabilidade tem afetado o mercado de terra? Ou o preço da terra continua sob condições turbulentas que prevaleceram até o Plano Real? Mantoux em 1928 e Hicks em 1932 já falavam da possibilidade de inovações serem induzidas pelos preços e desde 7 Uma relação negativa entre preço da terra e produtividade é estabelecida por Tabeau, A.et al. O argumento é que a degradação (não reposição de nutrientes) baixa a produtividade e reduz a oferta efetiva de terra, aumentando seu preço. 0 20 40 60 80 100 120 140 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 PT ÁREA PRODTVDD www.cepea.esalq.usp.br • cepea@usp.br • 19 3429-8836 • PIRACICABA - SP então essa hipótese tem sido testada por muitos autores sob muitas circunstâncias (Thirtle & Ruttan, 1987; Thirtle, Townsend & van Zyl, 1995). Em síntese, técnicas mecânicas levam a substituição de força humana por máquinas sob condições favoráveis de preços relativos. Analogamente, tecnologias biológico-químicas aumentam a produtividade média da terra, tornando-se mais atraentes quando a terra fica relativamente mais cara. Hayami & Ruttan (1985) argumentavam que o rápido crescimento da produtividade gerava-se por mudanças técnicas que facilitavam a substituição de fatores produtivos relativamente escassos por outros relativamente abundantes. Figura 7. Índices de evolução da área cultivada, rendimento e produção de lavouras, Brasil, 1989/2006. Fonte: FGV e IBGE, cálculos do autor. Na figura 8 apresentam-se as tendências dos preços da terra e dos insumos – fertilizantes, combustíveis e agrotóxicos –a partir de 1989. Nota-se que desde esse ano os preços de todos esses itens vêm caído em termos reais. Porém a queda do preço da terra é mais lenta e de mais curta duração, tendendo a se inverter de 1998/99. Uma possível interpretação é a de que, tendo o preço dos insumos sofrido ponderável queda, a produção passa a se expandir com redução relativa da demanda por terra (menor proporção terra/insumos por unidade produzida). A partir do final da década de 1990, os preços dos insumos se estabilizam ou começam a se levar moderadamente; aparentemente as dosagens por hectare atingiram o máximo em termos de rentabilidade e a tendência passa a ser aumentar a relação terra/insumos. Evidentemente o preço da terra reage. Fica agora a pergunta: o que tem provocado a expansão da área cultivada? A figura 9 sugere que a cana e a soja são os puxadores no uso da terra. Na verdade, a partir da segunda metade dos anos 1990, a área crescia na proporção em era usada para essas duas atividades. 0 20 40 60 80 100 120 140 160 19 89 19 90 19 91 19 92 19 93 19 94 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 ÁREA CULT PRODUTIVIDADE PRODUÇAO www.cepea.esalq.usp.br • cepea@usp.br • 19 3429-8836 • PIRACICABA - SP A figura 10 mostra a influência dos termos de troca por hectare (TT/ha) sobre a evolução do uso da terra para lavouras. Os termos de troca (TT) sãoobtidos pela divisão Figura 8. Preços reais da terra, combustíveis, agrotóxicos e fertilizantes.Brasil, 1989/2006 (tendências) Fonte: FGV, cálculos do autor. Figura 9. Índices de evolução da área cultivada, arrendamento e preço da terra e percentagem da área ocupada com cana e soja., Brasil, 1989/2006. 0 20 40 60 80 100 120 140 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 PREÇO TERRA ARREND TERRA AREA % (SOJA & CANA) 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120 130 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 www.cepea.esalq.usp.br • cepea@usp.br • 19 3429-8836 • PIRACICABA - SP Fonte: FGV e IBGE, cálculos do autor. dos preços recebidos pelos produtores pelo índice de preços pagos. TT é então multiplicado pelo índice de produtividade (rendimento) por hectare para obter TT/ha. Esse índice indica a rentabilidade por hectare cultivado. Essa rentabilidade teve tendência crescente até atingir seu pico no início da atual década, a seguir caiu e começa a se recuperar. Então, parece acontecer o seguinte: enquanto crescia, a rentabilidade estimulava a produção, a qual, face ao aumento mais rápido da produtividade, demandava menos terra; quando a produtividade se estabiliza o uso da terra volta a crescer e com ela seu preço (PT). Figura 10. Termos de troca por hectare, produtividade, área cultivada e preço da terra, Brasil, 1989/2006 (tendências) Fonte: IBGE, FGV, cálculos do autor. A armadilha da produtividade As análises apresentadas apontam para um resultado irônico: o aumento da produtividade da terra – graças à adoção de novas técnicas e uso mais intensivo de insumos – acaba por desvalorizar a própria terra (ativo mais valioso do produtor rural). Há duas correntes de interpretação para essa observação. De um lado, está a teoria da adoção de inovação: movidos pela alteração dos preços relativos, os produtores passam a usar mais intensamente os recursos produtivos mais abundantes. Assim, na década de 1990, quedas importantes nos preços dos agroquímicos e combustíveis em relação ao preço da terra motivaram o uso mais intensivo desses insumos poupando a terra. Dados da FGV indicam que os preços relativos agroquímicos/terra e fertilizantes/terra cariam 90% entre 1989 e 2007. Os preços relativos combustíveis/terra caíram 75 % no mesmo período. Esses movimentos fizeram-se acompanhar de queda no valor real da terra, mas em intensidade menos acentuada: mais de 50% até o final da década de 1990 com recuperação de mais de 60% até 2007. Esse (final dos anos 0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 TT/HA PRODTVD D AREA PT www.cepea.esalq.usp.br • cepea@usp.br • 19 3429-8836 • PIRACICABA - SP 90) é também o momento em que a produtividade atinge seu plateau. A partir de então não se conseguia novos aumentos de produtividade com o uso de insumos, significando poucas possibilidades de substituição de terra por insumos e, logo, uma retomada na demanda por (e no preço de) terra. Referências Bacha, C.J.C. 1989. “A Determinação do Preço de Venda e do Aluguel da Terra na Agricultura”.Estudos Econômicos.19(3):443-456. Barros, G.S.A., 2000. “A Transição na Política Agrícola Brasileira”. In: Montoya, M.A., J.L.Parré (org.) O Agronegócio Brasileiro no Final do Século XX. Universidade de Passo Fundo, RS. Brandão,A.S.P., G.C.Rezende. 1989. “The Behaviour of Land Prices and Land Rents in Brazil”. In: Anais IAAE: 717-727. Buenos Aires. Hayami, Y, V. Ruttan. 1985. Agricultural Development: an international perspective. Johns Hopkins University Press. Baltimore. Hicks, J. 1932. The Wage Theory. Macmillan and Co. London. Mantoux, P. 1928. The Industrial Revolution in the Eighteenth Century. Revised Edition, Jonathan Cape. London. Marx, K.1982. 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