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5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 1/57 Paul Dixonolc~iio Machadianft Vo lume 6 OS CONTOS DE MACHADO DE ASSIS: MAIS DO QUE SONHA A FILOSOFIA . . . . .>> Movimento. . . . 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 2/57 I I 1 I' II I .. C a p o . Is abel de Azevedo Appel R~sllo Pe ter Pe l lc ns Mariano Soares Para Barbaro tnossafilha, Elizabeth. 1992 Direltos desta edi~iio reservados a E d it om Mo v im e nt o R u e B an co Ingles 252 - Pone ( 0 5 1) 2 3 3 .- 7 64 5 Morro Santa Teresa 90840-600 - Porto A legre - RS - Brasil 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 3/57 sUMAruo Nota 9 Introducso 10 1. A lei da laranja: "0 espelho" , 18 2. A lei das estrelas duplas: "Uns braces" 29 3. A lei da sorte grande: "Jogo do bicho" 36 4. A lei da homeopatia: "Cantiga de esponsais" 44 5. A lei das duas cabecas: "Missa do galo" 51 6. A lei dos escravos: "A causa secreta" •.............. S8 7. A lei das batatas: "Bvolucao" 69 8. A lei do lapso: uA igreja do diabo" 81 9. A lei do pequeno saldo: "Nolte de a lmirante" 90 10. A lei do livro falho: "A chinela turca" 99 Epflogo 108 Textos Citados 110 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 4/57 I NOTA A maior parte deste livro foi escri ta em Porto Alegre , depois de um semestre de s er vi ce c om o p ro fe ss or v is it an te pelo programa Fulbright na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Desejo agradecer ao Departamento d e L fn gu as e Literaturas Estrangeiras da Purdue University a l icenca concedida para 0 proj eto . Tambem agradeco ao Institute de Letras d a UFRGS haver continuado a oferecer-me urn escri t6rio e varies outros recursos, depois de tenninada minha designa~o oficial. Em particular, f ico grato ao Prof. Paulo Gick por ter sido 6timo anfitriao para a minha famil ia durante nossa estada no Brasi l, e ao Prof. Vfl son Leffa , do Centro de Lingii(s tica Aplicada, pelo usc de seu computador. Na prepara~o do livre, urn fator indispensavel foi a revisio do manuscrito por varios colegas: Beatriz Amorim, Cristina Campos, Antonio Augusto Furtado, Eduardo Ostergren, Myriam Ramsey e Donalda Schuler. 0 trabalho nao foi facil, e fico muito agradecido por s ua d il ig en cia . F iz era m t od o 0 p o ss fv e l; s e restarem e rr os , s ao meus e s6 meus, Uma versso preliminar do capitulo I foi publicada em ingles na revista Rom an c e Q ua te rl y; 0 capitulo II apareceu em versao preliminar nas Aetas do primeiro congresso da Associacao Internacional de Lusi ta n is ta s ( Po i ri er , 1 988 ). Em varies lugares, traduzi cita¢es para 0 portugues, Julguei desnecessario avisa-lo em cada case, porque a lingua original ISevidente na lista de textos citados , Paul Dixon 9 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 5/57 1NTRODU~AO Os contos de M achado de Assis t~ m s id o m uito elo gia do s, mas p ou co e stu da do s. R ec on he ce -s e q ue 0 grau d e perfei~o alcancad o no s c on to s m ac ha di an os n ao e m enor do que 0do s ro mances (Cunha 23, M ay ers be rg, M ig uel P ereira 2 55 -5 7, M o is es 8 , Montello 23). E cos tume situar 0 co ntis ta b ras ileiro n a co mp an hia d e M au pass an t, P oe , J am es e o s outros m es tr es m u nd ia is d o g en er o ( Ca va lh eir o 2 6- 28 ; C un ha 24: Gomes , ..Apresentacao" 6: Nist 6). Porem a analise do s relatos n ao p as sa de art igos avulsos, e algumas introducdes a antologias. Ate agora, nenhum liv ro d e c rf tic a l ite ra ria s e d ed ic ou p re fe re nc ia lm en te a os c on to s. A fir mo is to de boa fe, nao po rque creio que este fato em si possa dar m ais cred ito a es te liv ro , m as porque 0 ach o um tan to m is terio so . Q uan do M achado d e A ss is 6 cons iderado 0 p ri m ei ro g ra nd e c on ti st a b ra si le ir o; ~~do mui to dos seus contos ja foram consagrados como obras-primas, rguais em valor ou ate s up erio res ao s m elh ores ro man ces ; q ua nd o ja e xis te u m n ur ne ro g ra nd e d e l iv ro s d ed ic ad os h analise d os r om an ce s, n ao e facil en t en der a falta d e u m liv ro analftico sobre 08 contos . D ev e ta mbe m pa re cer e stran bo a algu ns q ue 0 a uto r d es te liv re s eja ~ tr an ~e ir o, se Ii .~ 6 p o rt en to obrigado a abordar 0 ass unto d e u rn p onto d e vista distante.no q ue d iz r es pe it o a c or l oc al , Iic ultu ra e a l in g ua . S e ri a mui to mais 1 6g ic o q ue 0 trabalho fosse realizado pa r um a pessoa mais co nhec ed ora d o m un do d o au to r, . Po r outro lado , ha c er ta ju st ic a p oe tic s n es ta a no m alia , p or qu e e m m uito s as pecto s o s co nto s m ach ad ian os s ao u ma g lo rifica~ o d o estra nh o e d o in es perad o - d as sin gu lares o co rren cias , d os lap ses e d as e xc urs des m ilag ro sas , U rn se ntid o d e m is terio p en etra gran de p arte c ia obra de M ach ad o d e A ss ls , N o entan to , ha um a d i fe re n ca basica e n tr e Ma c ha d o e o s e scrito res n orm alm ente class ifica do s co mo au to res fan ta stico s, m a ra vi lh os os , o u d e m is te rio , E nq ua nto , p ar a a m a io ria d es te s, 0 terrene d o m is te rio t en de a se r ambiente, aquilo qu e rodeia os personagens, para 10 Machado 0 rein o m arav ilho so es ta d en tro d os m es mo s. A frase d o co nto "A c au sa s ec re ta ", q ue c ar ac te ri za 0 c ora< ;a o h um an e co mo urn "p oco d e m is te ri os " ( 2:5 13 ), b em p od eri a s er vi r c om o re su m o d e q ua se toda a o b ra machadiana . Q u er o c om u ni ca r 0 m es mo s en tid o d e m ar av ilh a p era nt e 0 rnundo que resiste k explicacao, ao usar 0 subtftulo "m ais do que sonha a filosofia", A frase e de uro comentario contido n o c on to "A c ar to rn an te ", que po r sua vez a lude a urn d ra m a d e S ha ke sp ea re : " Ha m le t o bs er va a H or ac io que M m ais cousas no ceu e na terra do que so nha a no ssa filo so fia". E m a m esrna explica9io que d av a a bela Rita ao moco Cami lo, numa sexta-fei ra de novembro de 1869, quando e st e r ia d ela , p er t er id o n a v es pe ra c on su lta r u m a c ar to m an te ; a d if er en ca e qu e 0 f az ia p o r o u tr as p al av ra s. [ .. .1e la , s em s ab er q ue tr ad uz ia H am le t e m v u lg ar , disse-lhe que havia rnuita cous a m i s t er i o sa e verdadeira neste mundo" (2:717~78). E n otav el q ue a "co usa m is terio sa e v erd ad eira" n o co nto D aO e a cartom ante, po is ela acaba sendo exposta com o apenas um a aguda observadora, sem capacidade psfquica, 0 verdadeiro misterio n o c on to e a m entalidade d e C am ilo , que ~ sed uzid a po r SUBS p r6pr i as e s peranca s , passando em poucos m inuto s de urn estado de agnosticism o a um a c on dic ao d e c re du lid ad e p er ig os a. P ara M a ch ad o, 0 "rnundo " o nd e ha: " mu ita c o us a m ar av ilh os a" I Sa a lm a. Co m 0 s ub tf tu lo t ar nb em d es ej o s ug er ir u m a c rf ti ca a c er ta filosofia, Propoe-se a existencia de urn s istem a d e p en sam en to cu jo sonhos s a o e xc es siv am en te I im it ad os . D e u m m o do g er al , c re io q ue n os c on to s ha ur n p ro jeto im plfcito d e m ostrar a s fraq uezas d e tal filo so fia, d e s ug erir q ue "M mais cousas noceu e na terra". Se tivessemos que identificar ur n sis tem a d e p en sa ro en to co mo alv o das crftic as d e M ach ad o d e A ssis, 0 m ais o bv io s er ia a e sc ol a r ea li sta , N o e ns ai o .. A n ov a g er a9 io ", M a ch ad o d eix a b ern cla ra a s ua an tip atia ao realis mo , ch am an do a es co la "a m ais f ra gi l d e t od as , p o rq ue I Sa n eg ac ;i io m e sm a d o p ri nc fp io da a rt e" ( 3 :8 1 3) , e c ritican do s ua in ab ilid ad e d e d istin guir en tre a "realid ad e, s eg un do a a rte ,e a r ea li da de , s eg un do a n atu re za " ( 3:8 13 ). Q ue m c on he ce a f am o sa c rf ti ca d o r om a nc e 0 prima Basilio d e E c; a de Q ue ir os , s ab e q ue a s f alh as que M achado encontra no rom ance nlio sao apenas 08 d efeito s d e c on ce pc ao e d es em p en ho d o a ut or , m as ta m be rn o s d ef eit os d o m o vim e nt o r e al is ta , C r it ic a 0 a sp ec to " im p la ca ve l, c on se qi ie nt e, 1 6g ic o" da escola (3 :904). c om o t am b em " aq ue la r ep ro d uc ao f ot og ra fi ca e s er vi l das cousas mfnimas e ignobeis" (3:904) e a acumulacao de detalhes , que ele chama 11 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 6/57 de " inventar io" (3:904) . A principal falha identif icada no romance e que os personagens sao t racados de uma mane ira exte rior e material ; sendo que nao se revelam suas paixoes, remorsos ou consciencias, sao mais "t{teres" do que pessoas morais (3:905) . Tal defei to ele atr ibui at e eerto ponto a Eca, pois menciona uma obra de Balzac, outro discfpulo do realismo, cuja caracterizacao e mais humana e profunda. Mas admire que um a parte da culpa e tambem da escola, seduzida como e p el o a sp ec to objet ivo e documental das coisas. Reconhecendo que "alguma coisa h:tno Realismo que pode ser colhido em proveito da imagina¥ao e d .a arte" (3:912) , em nome da imaginacao e c ia arte rejeita os aspectos fundarnen- tais do movimento. 0 compromisso para com a realidade e 0 que rests: "Voltemos as olhos para a realidade, mas excluarnos 0 Realisrno, assim nao sacrificaremos a verdade estetica" (3:913). Se °adversa rio mais 6bvio do autor era 0 movimento realista, nao era ° unico, nem talvez 0 principal . Bri to Broca (33-43) , Barretto Filho (Introducao 83-84~ 95-96, 121-22) e Roberto Schwarz (63-72), por exemplo, discutern sua antipatia ou pelo menos ambivalencia pela Repub lica do Brasi l, como tambem 0 vinculo entre a republica e 0 realismo, Creio que os aspec tos menos agradave is, t anto do rea lismo como da republica, sao apenas areas mais aparentes de urn corpo de ide ias mais abarcador - l inhas de frente, por assim dizer, de urn exerci to . ideolog ico , 0 cen tro deste exerc ito seria a filosof ia posi tivi sta, como elaborada por Auguste Comte, cuja influencia no Brasil do seculo passado esta bern documentada num Iivro de Ivan Lins; seria ela que daria direyao, fmpeto e forca as var ias brigadas. Ao inves de dar uma exposicao extensa do positivismo, 0que parece desnecessario Dum livro deste tipo, Iimitar-me-e i a mencionar alguns .aspectos essenciais do pensamento de Comte, que terao per tinencia para o estudo da obra machadiana: i 1. Amblcao enc lc lopedica . Segundo Cornie, a finalidade do positivismo e ap licar urn unico metodo c ientffi co ao conhecimento de todos os fenomenos - "resumir num s6 corpo de dout rina homogsnea 0 conjunto de conhecimentos adquiridos, relatives a s diferentes ordens de fenernenos naturais" (Curso 25). A filosofia visava abranger tanto as ciencias naturals, ass im como as abs tratas e as hurnanas. 2. Objetivldade. 0 positivismo adrnitia 0 papel epistemol6gico do sujei to , mas favorecia a objet ividade. Uma das quinze leis do positivismo 12 de Comte ordenava "Subordinar as construcdes subjetivas aos materiais objetivos (Aristoteles, Leibniz, Kant)" (Catec ismo 201). Outra lei afirmava que "As imagens interio res sao sempre menos v ivas e menos nftidas que as impressdes exteriores" (Cateclsmo 201). 3. Linearidade. Os fenomenos no seu aspecto dinamico eram subordinados a uma sequencia inalteravel. Por exemplo, Comte escreveu que "cada ramo de nossos conhec imentos [ ... 1passa sucessivamente por tres estados his t6ricos diferentes: estado teologico ou flctfcio, estado meta ffsico ou abstra to, estado cient ffico ou posi tive" (Curso 10), e declarou que tal processo e "uma grande lei fundamental" (Curso 9), que toda a intel igencia humana obedece "por uma necess idade invar iavel" (Curso 9). 4. Hierarquia. J a me nc io n am o s a s ub o rd in ac ao da subjetividade a objet ividade pete pensamento posit ivis ta, Na lei do processo do conheci- mento, e claro que a etapa cientffica e superior a s outras. Da s q ui nz e leis j:i rnencionadas (Catecismo 201-02), uma hierarquia des te t ipo existe, ou explicitarnente ou implicitamente, ern dez. 5. Dogma. Nos pr6prios termos de Cornte, 0 posit ivismo era urn dogma. Note-se 0 seu Catecismo positivlsta, cuj as partes incluem "Exp1ica~ao do culto", "Explicacso do dogma", e "Hist6ria geral da rel igiao", todas referentes 80 pr6prio positivismo. 0 tom geral do discurso de Comte e evangelico, tratando de verdades indiscutfveis e auto- evidentes. A visao do posit ivismo, entao, e a de uma un ica igrej a verdade ira da humanidade, cuja divulga~ao esta segura e cujos princfpios terao que ser reiv indicados mais cedo ou mais tarde . 0 movimento esta destinado a veneer: "Sua progressao posit iva rnostra-se, enf irn, capaz de satis fazer a todas as exigencias [ ... ] nao s6 quanto ao futuro, mas tambem quanta ao presente. [ ... ] Por toda parte 0 relat ive cede irrevogavelmente ao absolute, e 0 altrufsmo tende a dominar 0 egofsmo, ao passo que uma rnarcha sistematica substitui uma evolu~ao espontanea. Em uma palavra, a Humanidade substitui definitivamente Deus, sem esquecer jamais seus services prestados" (Catecismo 302). Nossa gerar;ao, acostumada a grandes doses de diivida metddica, ter ia dif iculdade, talvez, em compreender como uma pessoa intel igente poder ia aceitar afirmacfies tao arrogantes. Mas 0 Zeitge is t era outro na 13 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 7/57 s eg un d a r ne ta de do s ec ul o p as sa do , e 0 positivismo era ~ principal corrente daquele ambiente intelectual, Pretendendo mostrar, entao, 0que outros ja mostraram (Brayner, Labirin to 113; Fitz 43; Meyer 104; Moog 209; Muricy; Schiller, Plenitude 68): que naquele contexto Machado de Assis foi urn adversario, e sua voz artfs tica represents urna oposicao, Ao exarninarrnos os contos, veremos uma refutacao dos aspectos identificados com 0 positivismo; 0 d is cu rs o m a ch ad ia no s at ir iz ar a 0 pensamento enc ic loped ico dest ruira as h iera rquias, glo rificara a alinearidade e 0 subjetivismo, e pr ocla rna ra as verdades relativas. Ha ve ra um a r ei vi nd ic a- c;ao do misterio, da s "cousas no ceu ens terra" com as quais a filosofia vigente nao era capaz de sonhar , Todo 0pensador tern urna teoria, mesmo quando cri tica uma teoria alheia. Espero poder dernonstrar que nos contos de Machado 0que Flavio Loureiro Chaves (54-55) descobre em Q u in ca s B or ba : que a teoria implfcitae a antecipaeao, em muitos aspectos, da fenomenologia, A maior par te da evidencia para esta afirmacao necessariarnente sera adiada ate a ana li se dos contos indiv idual s. Porem cumpre agora deIinear algumas i d ei as ba si c as da fenomenologia, mostrando como e uma teoria adequada ao combate do positivismo. Mencionarei algumas nocoes do fil6sofofrances Maurice Merleau-Ponty, porque na sua versao da fenomenologia parece haver uma afinidade com a mentalidade do eontista brasileiro.Verernos que. nos cinco aspectos de Cornte, 0 pensamento de Merleau- Ponty e justa mente 0 contrario: 1. Critica ao pensamento enciclopedico. A versao do mundo de Merleau-Ponty e caracterizada pela fal ta essencial de continuidade ou de total idade, cujo locus e a propria co nscien cia d o ho mem . E u sou um a parte in tegra l do mundo; pore rn, s6 posso ter consciencia do mundo se deixo de ter consciencia de rnirn mesrno. A c on sc ie nc ia s er np re tern urn "ponto cego": " A qu il a q u e e1anao ve, e aquilo que ne la prepara a vi sao do resto (como a retina e cega no ponto onde irradiam as fibras quepermitiriio a visao). Aqullo qu e ela nao ve, e aquilo que faz com que ela veja" (V is {v e l 225 ). :: - I ,I' i ) 2. Intersubjetlvidade. Para Merleau-Ponty, 0 mundo objetivo e "inseparavel da subjetividade e da intersubjetividade" (Fenomenologla 17). 0 sujeito observador, fazendo parte do mundo objetivo, tern uma cumpl ic idade com a obje tiv idade . 0 mundo e engajado na subjetividade atraves do corpo do sujeito: "0 corpo pr6prio esta no rnundo como 0 ·14 coracflo no organismo: ele mantem continuamente em vida 0 espetaculo visfvel, ele 0 anima e 0 autre interiormente, forma com el e urn sistema" ( Fe no m en o lo g ia 2 1 0) . 3. Circularidade . Segundo 0 f i losof o f rances, 0 corpo par ticipa do fenomeno de "ser no mundo", um sistema de dois lades - 0 do sujeito que sente, e 0 objeto sensfvel. A consciencia do corpo, que e urn fator fundamental da existencia, e um processo em que "0 corpo Be surpreende ele mesmo do exterior , ao exercer uma func;.ao de conhecimento" (Fenomenologia 105). Tal inte r-relacso ent re os do is "lados" do corpo vivido e essencial, e essencialmente circular. 4 . O r le n ta c a o n a o -h l er d rqu ic a . A objetividade njlo pode ser superior a sub jet ividade, no pensamento de Merleau-Ponty , porque, como ja vimos, as dois se interpenetram e se comprometem. 0 fi16sofo cri tica 0 conceito tradicional da linguagem, em que a palavra e secundaria ao pensamento: "a linguagem nao esta a service do sentido e contudo Dio governs 0 sentido, Niio existe subordinacao entre uma e outre" (Sinais 120). A palavra nao deixa de ser instrumento, mas nao e passiva, pois . acaba determinando ate certo ponto 0 pensamento, sendo "um a linguagem / conquistadora que nos [introduz] em pe rs pe c ti v as e st ra nge ir as , em ve z de nos confirmar a s n o ss as " (Sinais 112). ' 5. Cetlcismo. 0 f il6sofo frances nega a possibi lidade de uma resposta absoluta aos desaf ios do mundo ou dobomem, declarando: "se:a forcoso reconhecer nao se r possfvel resolver 0problema do h om em , n ao e po ss fv e l s en s e d e sc re v er 0 homem como problema" (Sinais 307) . Para ele, 0mundo e a razfio s a o misterios por defini<;fio: "este misterio define: nao s e t ra tar i a de dissipd-Io por meio d e a lg um a 'soluyao ', pois ele esta aquem da s solucoes" (Fenomenologia 18). Nilo devemos entender, porem, que Merleau-Ponty tenda ao nii lismo au que seja contra a ciencia, pois ve a excessiva confianca na rauo como um impedimento ao pr6prio desenvolvimento racional. Quem reconhece as 1imites da ciencia, segundo ele, tern mais capacidade de realizar progresso cientif ico: "E da diivida que a certeza vira, Mais: e na propria duvida que vai revelar-se a certeza" (Slnais 312-13). Se afirmo encontrar no objeto do estudo - os coates de Machado de Assis - urn espfrito fenomenologico, e se urna ideia essencial de 15 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 8/57 fe no m en o lo g ia 6 a jm plica~o m utua de sujeito e objeto , 6 mais que n at ur al q u e ° p on to d e v is ta . d e st e e st ud o a pre se nte a lg o d e fe no m en ol o- g ic o ta m be m , E m b ora r es erv o a 0 P9 1i o de r ec orr er a o ut ra s t eo ri as q ua nd o p are ce re m p ert in en te s e i nt ere ss an te s, a cr ed it o q ue a m e to d ol og ia d es te es tu do e a teo ria q ue a info nna sao em p rincfpio fen om eno l6g icas, N ao p re te nd o m e a te r rig id am en te a e sq uem a s c om p re en siv os, se nile seguir co m flexib ilid ad e o s p Iano s g erais. Po r 'exem plo , segu nd o 0 teor ico f en om e no I 6g ic o R om a n I ng ar de n , a e x pe ri en c ia e st et ic a, e p ar i m p li ca ci io a a tiv id ad e c rftic a, c on siste e m c be ga r II . percepcao de um "centro de c ri sta li za ~o ",., u m p on to d e e nf oq ue ao redor d o qual se reunem e se h arm o niz am a s q ualid ad es e ste tic as e m v ario s e stra to s (F olk 1 48 -5 0). I ng ard en id en ti fi es e st es e st ra to s c om o 1 ) 0 e stra to s on ora , 2 ) 0 estrato d a s u n id a de s d e s ig n if ic ay a o, 3 ) ° estrato dO B a s pe c to s e s qu ema ti z ado s , e 4) 0 e st ra to d o s o b je to s r ep re se nt ad o s ( Sc h il le r, Palavra 12). Co n si de ro m u it o v a li d a a i d ei a d e i d en ti fi ca r c en tr es d e c ri st al iz ac ao q ue u ni fi qu em q ua li da de s e st eti ca s e m v ari es n fv ei s, Porem, nao vejo a n ec essid ad e d e se gu ir o s e on ce ito s e sp ec ffic os d e I ng ard en q ua nto a os r es pe ct iv o s e st ra to s , Primeiro, Da o creio que seja o brigat6 ria um a h arm o nia en tre to do s o s e stra to s e m to da s as o bra s. S eg un do , 0 esquema d e I ng ar de n p are ce u rn ta nt o a rb it ra rio , D o na ld a S ch ill er, p o r e xe m plo , n ota q ue 0 esqu em a d e In gard en po deria d ar m ais aten~ iio ao n fv el d a ' e s tr u tu r a n a rr a ti v a (Palavra 1 3). M aria L uiz a R am o s ere q u e I ng a rd e n d ev ia t er r ec oa he ci do u rn e st ra to o ti co , q ue s er ia e sp ec ia hn en te r el ev an te a p o es ia ( 43 .- 44 )~A c r ed i to q u e a s e st ra to s percebidos c om o i m p or ta n te s variam de ohm em obra; po rtanto d eve haver eerto pragm atism o na p ra tic a c rftic a, A ssim , a ce ito a leo na d e I ng ard en n o se u a sp ecto g era l, m as n ao ao p6 d a le tra . Q ua nd o fo r n ec esssrio n o c ase d e o utra s teo ria s, p re te nd o a d ot ar i gu a l a ti tu d e, - A c r{ ti~ 'fe no m en oI 6g ic a t em sid o c ha ma da "cntica da consciencia' ' (Magliola 19-27): V en do a co nd iy ao d o auto r co mo "u m ser no m un do ", varies c rfti ccs sededicam a descobri r a p ec u li ar id a de d e st a c o ns ci en c ia no -mundo,s~u 'aspecto distinto e ind iv id ual para cada autor. Ta l consc ienc i a ISes t ri t amente llterdria; n a o im p o rt am a s d ad o s b io g ra fi co s, qu e p o d er ia m p ro p o rc io n ar a c ar ac te ri za ci io da c on sc ie nc la h is t6 ri ca e p es so a l. E s ta s o u tr as c o ns id e ra 9 0e s s a o c olo ca da s "e ntre p are nte se s" e n i l o pertencem ao estudo (R am os 9-11). 0 que im porta s a o o s d ad os textuais, q ue s ao o s u ni co s capazes d e r en de r e nte nd im e nt o d a consciencia d o auto r co mo tal. E xam inand o os tex tos de um detenn inad o au tor, 0 c rftic o 'fe no m en ol6 gie o e nc on tra p ad rd es re pe tid os e d istrib ufd os n os v ar ie s n fv eis d e s ig ni fi ca do ( M ag li ol a 4 6-5 5) , q ue t en de m a d ar u m a i de ia 16 recisa da m a ne ira p ar ti cu la r p el a q ua l a c on sc ie nc ia d o a ut o r e n :am 0 ~ un do 0 c on ju nto d este s p ad ro es revel a u m a e sp ec ie d e m a ro a r eg is tra da do pr o je to l i te r sr io d o auto r - uma e ss en c ia qu e in fo rm s e t oma coerente a obra escrita com o um todo . . . ' . - e Segundo a concepcso fenomenologica, a atividade c?tlea nao i nt ei ra m en te s ub je ti va n em i nt ei ra m e nt e o b !e ti va , A _ o nt ol og ia d o te xto e c om o a s it ua ya o da partitura musical, q ue n ao ISre ali za da c om ~ um a o b ra d e m usica enq uanto nao M execu920 por parte de .um m ~lco ou um g ro po d e rm is ico s. D a m esm a fo rm a, ° t e xt o I it er a rio em Sl 6 B?meD~e u m a o br a l ite ra ri a d o rm e nte o u p o te nc ia l. A re al iz ac lio da obra ht~m~a c on si ste n o e nc on tr o e nt re 0 t ex to , q u e f or :n ec e,° ~uem a da ex~nencla e st et ic a, e o leitor, q u e c o nt ri bu i c om s ua i m agm ac ao , s eu ~Onh .e cl rn ~n ~o , e sua cap acid ad e an alftica p ara a fo rm acao d e u ma expen~ncla.est tica co erente (Ram os 19-22). Segundo esta v isso , ,enm o, a c n h ~ e _ 0 c om p lem e nt o n a tu ra l d o t ex to l it er dr io , s en d o °r eg t st ro d e uma r e al iz a ci lo da obra pela leitu ra. . ' Na m inha leitu ra dos con to s d e Machado d~ ASSIS, encontro coerencia ao identi f icar de z "le is" d o Mundo macbad la t; -o. E m bo ra e ~d a capitulo d es te liv ro se ja predominanternente uma analise d e urn U nico • 0 m anifestaco es d as m esm as leis em o utro s co nto s, e A sco n to, menc lon i' T~~ d _ v ez es f ac o r efe re nc ia s a os ro m an ce s. Q u er o d em o n st ra ~ q ue e st es p a ro es ~ - acid en tais m as que assum ern um a im po rtsncia fundam ental por na o sao. '. d I' rt a fo rca da repeticso . C ham o estes pad rfies repetid os e eis ~m pa e pa~ fazer referencia ironica ao posit ivismo. Usar 0 v o ca bu l~ no d o p ro pri o . . . d ve r s ar i o" e um d o s p ro c ed i m en to s c o ns ag ra d os da sa~lra,e e coerente a . t m achad iano Ha iron ia v isto que as leis do M undo deco m ° proJe 0 ., , M a ch ad o d e A ss is n o rm a lm e nt e s a o "anti-le is" q ue, em v ez d e ClfCUDS- crever e e xp lic ar, c ria m u rn e sp ac o p ara 0 misterio, N o e nt an to , e talv.ez p a ra d ox a lm e n te , e st e i m p ul se caotico parece ser a ch av e q ue no s pe_?IDte e nc on tra r a c oe re nc ia . A s leis. p or e stra nh as q ue p are ca m se r II . no cao d e u m s is te m a d et erm i na do po r regras , na o d eixam de ~r regras que ~o s 't u ni da de d o s c on to s e o s v fn cu lo s q ue e xis te m e ntr e vanespernu em ver a 'odas n{ • d ig nificad o. A lei prin cipal d o co nto m ach ad ian o, em qu e t veis e s , m inh blf as o utra s le is s e e nc on tra m re su m id as , e a lei d os ca, o s 0 quos . As sim , p e rs e gu i ndo 0 c ao s, p od em o s c om ec ar a d esc oh nr u rn c osm o s, 17 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 9/57 1,1, Ii, I ", .:: I-A LEI DA LA RA NJA : "0 ESPELHO" . Como parte de um a empresa anaUtica , a t i~o de Machado de Assis munas vezes recorre M tecnicas fo~is do duplo e da simetria (Dale, Hughes 27-2?). Estes recursos perrrutem ao autor dissecar ou desdobrar yan~s conceltos, a tim de examinar suas contradi~Oes, polaridades e ten.soes., Esta, tendencia se evidencia especialmente DOS contos, onde 0 estilo ,dlgresSiVO do romancista esta q uas e au sen te, e onde a arquitetum nar_rahvR ~ portanto ma~s evidente. Como Salvatore D'Onofrio ja ~mal~u , a .forma~narrat iva dos con tos muitas vezes esta baseada no princ fpio damversao. em que a antecipa9io criada no le i tor e transfer- mada em se u complemento ou 0se u oposto (13-38).0 conto "0 espelho" (Papeis avu lsos , 1882), cujo subtltulo e "esboco de um a nova teoria da a lma humana=, e urn born exemplo de tal procedimenlo. Em urn de seus nfveis, a narrativa apresenta 0que Trismo da Cunh d' u a eno~a uma aventura da consciencia"(25), que e chamada "a alma" do conto. Como observa David Haberly, " '0 espelho" e a exposicao mais completa de ~m ~odelo encontrado em varias obras , nag quais "Machado ~efin~ ca~ in div td uo como urn b in cm io " ( 74 -7 5) , consistindo numa Idenhdade ~tema e noutra externa. Discutindo a alma, 0 narrador do con to, Jacobina , declara que cada pessoa possui duas a lmas, em vez de U I n a : "Em primeiro Ingar, nao M um a 56 alma, ha duas . -Duas? . . . '. ;._ Nad a men os que duas almas. Cada criatura humana traz consigo: uma que ol~a de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro. A a lma ~xtenor ~e se r urn e sp frito , U rn tluido, urn homem, mui tos ~omens, u~ objeto, u~ operacao, Ha casos, por exemplo, em que urn simples botao de camrsa e a alma exterior de uma pessoa: . . , - e asslm tambem a .P<Jl c a, 0 voltarete, urn liv re , u ma maquina, urn par de botas " uma ca va nn a, U rn tambor, etc." (2:346). ' Esta formula9io nos recorda as duas perspectivas mais tradiei . d !> ' !Onals e conSClcnCla. Como John Nist sa li enta, "0 espelho" e uma cntica 18 destas perspectivas, demonstrando "A lese de Pasca l de que a rea lidade absoluta nao se encontra nem inteiramente dentro nem inteiramente fora da consciencia do homem"(l5) . A alma que percebe 0exterior, desde su a inter ioridade, sugere a epistemologia do racionalismo, enquanto a alma dirigida do exterior p ar a d en tr o s ug ere 0 em pirism o. ~ expr:ss~ "~e dentro pam fora" e "de fora para dent ro" fazem expl fci ta a d irec iona li - dade e linearidade dos dois modos da consciencia. 0 racionalismo e uma linha dirigida 80 mundo exterior; as me tafo ras t r ad i c iona lmen te emprega- das para definir tal concepcjio da mente t~m sido a fon.t~,a Iftmpada, ~ sol e out ras fOf98S irradiantes (Abrams 56-61). 0 empi rismoe uma l inha dirigida do mundo (de "bo toes de camisa", "polcas", "maquinas" , e!c .) para dentro de quem percebe, e sua versao da mente tern recomdo normalmente ~ metafora 'd a t ab ul a r as a, na qual a s s en s ac fe s sao inscri ta s ou da camera ob scu ra , que recebe atraves de su a abertura as, . irnagens do mundo exterior (Abrams 57). Mas como coexistem estas direcdes opostas k maneira de "duas almas"? 0 texto sugere, neste ponto, que a cons ci enc i a IS um a e s pe ci e de corrente alternada, que ~cion~ nu~ va ivem linear da s impressi5es colhidas do mundo , e d a rm agm ac ao arremessada sobre 0mesmo. Se a teoria machadiana cia consciencia tivesse chegado a pe na s a te at, ainda ser ia merecedora de aten~o. 0 conto aparece em P a pe is a vu ls os em 1882, antecipando por uns trinta anos o s modelos fenomeno16gic~s da consciencia, com su a intersubjetividade ou irnplicaciio mutua do sujeito e do objeto. Maurice Merleau-Ponty ci a urn born resumo da capacidade da fenomenologia para efetuar a f u s a o dessas epistemologias tradicionais: . .A mais importante aquisi~o cia fenomenologia e sem duvida ter unido 0 extrema subjetivismo e 0 extrema objetivismo em suas noc;oes do mundo ou da racionalidade, [... ] 0 mundo fenomeno16gico e nao ° do ser p uro , m as 0 sentido que transcende a interseccao de minhas experienci~s com as do outro, pela engrenagem de umas sobre as outras, ele epois in separavel da subje tividade e cia intersubjet ividade, que fazem. sua unidade pela retomada de 'minhas experiencias passadas em minhas exper iencias presentes , da exper iencia do outro na rninha. [ .• . ] 0 filosofo tenta pensar 0 mundo, 0 outro e ele-mesmo, e conceber suas relacoes" ( Fe no m en o lo gi a 1 7) . A dec la racso do filosofo poderia ser um comenta rio k margem do conto "0 espelho", Em sua maneira inconfundfvel, Machado percebe que a ideia cia consciencia 6 baseada em modes dis tintos e essencialmente opostos de conhecer a realidade, Ele resume esta dicotomia em duas 19 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 10/57 e nti ~e s s ep ara da s: a s d u as " alm as ", I st o d em o n st ra a t en dfl nc ia a na lft ic a q u e I d en ti fi qu e i n o i nf cl o. AI~m des ta tendencia dis juntiva, porem, M achad o dem onstra a te nd en cia d e fu nd i~ o s c on ce ito s se pa ra do s, T al m o vim en to s in te tic o s e re ve l~ q ua nd o c on ti nu am o s a n os sa l ei tu ra d a te ori a d e J ac ob in a: E s~ cl~ ro que 0 o ffc io d essa se gu nd a a lm a e t ra ns m it ir av id a, com o a pnm eira; ~ duas com pletam 0 ho mem , q ue e , metaf is icamente f al an do , u m a ~ ar an J~ . Q u em p er de u m a da s m e ta d e s, p er de n a tu ra lm e n te m eta ?e ~ e ~ls te nC la j' e casos M ,nao raros, em que a perda d a alm a e xt eri or im p li ca a d a e xi st en ci a i nt eir a, " (2 :3 46 ) Podem 5.erse.! ' a~das a s d ua s a lm a s p ara fi ns a na ht ic os , m a s t am b em em c er to .s en t~ d o s ao i ns ep a ra v ei s, A c o ns ci en ci a d e pe n de d a c o ex is te n ci a c ia a lm a m ten or e d a ex te rio r, ta l c om o a v ia bilid ad e d a la ra nja d ep en de tan to ~ cases com o d a f ru ta n el a c on ti da , E i s, e n ta ~ , um a le i d o rnundo machadiano, a "lei da laranja": 0 objeto e 0 sujeito dependem um do outro, como afruta e a casca. . . "0 ~ lho" na o e 0 t1nico conto a d em o ns tr ar 0 funcionamento da le i c ia l,a ra tlja . "~ x c ath ed ra " se baseia quase na mesrna meta fora, F ulg en ci o, u rn r ac io na l fa na ti co , e sta c on ve nc id o d e q ue "0 e ss en c ia l d a fruta [el 0 rn io lo , D ao a c asc a" (2 :4 59 ). R eso lv e c asa r u rn s ob rin ho e u m a . a fil ha da m e di ~t~ u m a e st ra te gi a " pro fu nd ar ne nte c art es ia na " ( 2:4 60 ): c o n~ o ca r o s . dO lsjovens a um a s er ie de l i< ;:oe s ,que comecara co m nocdes g er ai s , do u ni ve rs e ~ g ra d ua lr ne n te l ev ar a I I "a n al is e d o s am or , d as c au sa s, n~sldades e efe1tos"(2:459) . 0 p la no te rn 0 resultado d ese ja do , e e p ar. cl al m en te _ p or c au sa d as l i< ;:O e s.P or em , m a is d ec is iv as q ue a s i de ia s l e clOnada s s a o a s s e ns a<; :o e s in c id e n ta ls a s m esrnas - as estrelas o bser- vadas , _urn casal d e a nd O ~n ha s, u rn pa r d e b es o ur os e, ~naturalrnente, as s e n~< i oe s r ec tp " ro c a s. d o : j o v en s , 0 c fr cu l o d e i n fl u en c ia s s u je i to - { Jb j et o e eV l~en~e em M anana, co nto em que C outinho , cu jo casam ento co m Am ,ella Ja esta m arcado , chega a saber que a escrava M ariana esta a pa lx o~ a~ p or e le , E st~ co nh ec im en to le va 0ra pa z a se p reo cu pa r c ad a ve z n : a IS co m ~ an~tJas d a escrava, 0 qu e p or su a v ez causa o s cium es da noiva e a d is so lu c so d o casamento. Tematiza-ss 0 mesmo cfrculo em "Fulano ", onde urn ho mern excessiv arnen te priv ado passa a v iv er p re oc u~ ad o c o~ su a im a ge rn p ub lic a, e m c on se qile nc ia d e u rn a rtig o q ue U rn a n u _ go " p ub lic a n o jo rn al, e lo g ia nd o s u a s v irtudes, E m "Teoria d o M ~lhao um pal aconselha 0 f il ho a v iv e r e x cl us iv a rn en te p a ra r ef le ti r e sa tisfaz er o s g os to s alh eio s, A o d ar p rio rid ad e a " al m a e xt er io r" 0 c on to r ec on he ce , p or s ug es ti io i ro n ic a, a i m po rt sn ci a d a " al m a interior", 20 "0 anel d e Po lfcratea" trata d o circuito da s i n fluenc ia s i n ter sub je t iva s , quando Xavier p ronuncia uma f rase bonita e passa 0 resto da v i da o uv in do a m esm a f rase repetida p or am igo s e ate po r pesso as d esco - nhecidas, A fu sia d as n o¢e s d e "fo ra" e "d en tro ", im p lfc ita n a le i d a la ran ja , 6 a po ia da t ex tu al m e nt e e m o ut ro comentar io de Merleau-Ponty: 0hornem 6 "uma rela<;:8.oom o s in stru m en to s e o s o bje to s - um a r e la< ; :aoque Dao consis te sO n o p en sa m en to , m a s q ue 0env olv e n o m und o d e m an eira qu e chega a te r u rn a sp ec to e xte rn o, u ma p arte d e fo ra , q ue 0 t ome 'objet ivo' ao m esm o tem po q ue 6 su bjetiv o" (Sense 130). o acrescimo d e um a l ig a <; :a o o b r ig a t6 ri a 80 mode lo binario da c o ns ci en ci a m u d a 8 fOI1IlJl d o m o de lo d e u m a b ase lin ea r ("d e d en tro p ara fo ra" o u d e "fo ra para d entro ") p ara u ma b ase circular. N este aspecto , parece-me qu e 0 mode lo de Machado antec ipa as teorias recentes da cibernetica, qu e 6 0 e stu d o d o s m e ca nis rn os autogovernantes, A ciber- n etica trab alha co m o s ch am ad os laces d e retro acao , q ue ligarn d ois o u m a is a pa re lh o s c om p lem e nt ar es (Gilbaud 2 5-2 9) . U rn e xe m plo c la ss ic o desta configuracao e a d o a qu ec ed or e 0 termostato, Ligados circular- mente , cada a p ar el ho m o d i f ic a 0 f un c io n am e n to d o outre p ar a m a nt er u m a o pe ra ca o c on tro la da e es ta ve l. U rn e le me nto c om u m n este a co pla rn en to d e m a qu in as 6 a c om p le m en ta rid ad e n o q ue d iz re sp eito a pro du cao e recepcao . O s' d ois ap arelh os sao tan to p ro duto res co mo recep to res d e in fo rm acao na fo rm a de energia, m as um e p r in c ip a lmen t e p r o du t o r, enquanto 0 outro e p ri nc ip al m en te r ec ep to r ( G il au d 2 3 -2 4 ). P ar a r ec o rr er ? l t e rm i n o log i a ma c h ad i an a , U rn s e o rie nt a " de d en tro p ara f or a" e nq ua nt o o ou tro "d e fo ra para d en tro". N o m odele aquecedor-termostato, a transferencia receptiva 6 p eq ue na , m as a su a receptividade " de fo ra para dentro" e grande. E x is te , n o e n ta n to , u rn e lem e nt o d e v e rs at il id a de n a s it ua <; :i ioh um an a q ue to rn a as coisas m u it o m a is p ro bl em a ti ca s, O s se re s humanos, em o p os i~ o a os a qu ec ed o re s e t er m o st at os , s ao e xt rem am en te variaveis , e a pto s c om o p ro du to re s e re cep ta do re s d e in fo rm a cao , A s c on sc ie nc ia s h um an as em su a in te ra ca o, p orta nto , c on stitu em u rn 1 a l 1 0 de i n te ra c ao , m as u rn 1 a9 0 q ue tern a p oten cia d e to rn ar-se u rn cfrculo v icio so o u urn laco e s tr a nh amen te t o rc i d o. S e gundo Ho f st a dt e r, "0 fe no m en o d o 'laco e st ra nh o ' o c or re q u an d o , a o su birm o s o u d esc en no s atrav es d e n fv eis d e u rn siste ma h ie ra rq uic o, d e rep ente n os en co ntram os no m esm o lu gar em qu e co mecam os" (1 0), E le cita co mo exem plo v isual e co mpacto a represen tacao fam osa d e 21 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 11/57 Escher das maos que se desenham uma a outra: "os nfveis que or- dinariamente s a o vistas num senti do h ierarq uico - aqu ele que desenha e aquele que 6 desenhado - Be invertem, criando uma Hierarquia En- rolada" (689). A ideia do desenho nos devolve a uma da a metaforas mais empregadas para descrever a consci sncia empfriea: a do instrumento p on tu d o, i m pr im i nd o -s e na mente. Voitando agora so modelo de Machado, qu e co nsiste em u ma alma orientada para dentro e outra para . fora, poderfamos dizer , em termos da analogia do instrumento pontudo, que agora temos dois implementos de inscr iyiio, em vez de sO um. A alma interior Be escreve na exterior, e a alma exte rior se escreve na inte rior, como no desenbo de Escher. As interayOes humanas estiio sujeitas a condi~o paradoxa l em que os se res, iguaImente aptos a controlar e para serem controlados, existem num unico circuito. 0 paradoxa ajuda a explicar , talvez, por que estamos sujei tos a desencontros e guerras; por que podem ocorrer batidas de carros quando cada urn tenta evitar 0outro, ou po r que pessoas muito ed ucad as s e c ho cam , em bo ra cad a u ma queria dar prefersncia a outra. Oconto "0 espelho" examina urn desses 1a908 esttanbos, que resulta . da impJicayao mutua d a s consciencias, 0 conto comeca com um a vista da s reuni5es freqiientes de urn grupo de cinco homens, "resolvendo, amigavelmente , os mais a rduos problemas do universe" (2:345). Urn membro do grupo - Jacobina, que resulta ser 0narrador d e u m a a ne do ta i nt er ca la d a - e d if er en te d o s o u tr os , p o is embora escute com entusiasmo, constantemente se r ec u sa a c o nt ri bu ir a palestra: " "Rigorosamente eram quat ro que falavam.mas havia na sa la urn quintopersenagem, calado, pensando, cochilaado, cuj a esp6rtula no debate nao passava de um ou outro resmungo de aprova~o. Esse homem tinha a mesma i d ad e d o s c ompa n he ir o s, entre q ua re nta e cinqiienta anos, era provinciano, capitalista, inteligente, n a o sem instru~o, e, ao que parece, astuto e caustico. Nao discutia nunca" (2:345). Para tomar emprestada a terminologia que ele mesmo in t roduziu , podemos dizer que Jacobina esta iaclinado a debil itar a "alma inter ior", na o se deixando falar durante os debates. Insiste em ser, quase por complete, receptor de informayao em vez de produtor. Em termos ciberneticos, Jacobina parece estar tentando "alisar" 0 1890enrolado de ret roacao em que Be encontra - tentando tornar a interayao com os a mig os m a is lin ea r do que circular. Descobrimos que Jacobina apresenta boas razces para mante r-so calado. A alma surge como 0 assunto da palestra, e 0 participante tao j, " 22 ,: 1 l i' " calado surpreende os outros por comecar uma longa exposi~Q. S~ fala, no entanto, com a condiyao de que os outros prometam o~v~r~ ... J calados" (2:346). Vemos que Jacobina ainda esta te~tando ~lDunulC a retroayao, mas que agora age num sentido conttirio. Obngando os 1 rmanece r ca l ados ele agora esta debilit ando a "alma c o e ga s ape' exter ior" ern vez da "alma interior". . . A narrayiio de Jacobina, tratando de uma expe?encla .pessoal. explica por que precise impor resistencia no cfrculo de mfiuenclas entre ele e as outras pessoas. E historia de urn laco que se tornou estranho, ou que saiu das medidas de controle. da Conta que muitos anos antes, foi nomeado alferes na guar nacional, algo que era uma honra consideravel para urn hornem de sua posiyao e idade: d "Tinha vinte e cinco anos, era pobre, e acaba~a de ser n~mea ~ alferes da guarda nacional. Na o imaginam 0 a co ~ te clm en to ( ue Isl0 fO~ Minha m a e ficou tao orgulhosa! tao contenle. Chamava em nossa casa. . . Na me 0 sel l alferes . Primos e tios, foi tudo uma alegna smcera e p~ra. f vila, note-se bern, houve alguns despeitados. [... J Em_compensar;ao, ive muitas pessoas que ficaram satisfeitas ~m !o.mea~o; e a prova e quetodo 0 fardaroento m e foi dado p or a m ig os (2.347). Aqui vemos uma situayiio em que 0nfvel de retroa~o esta bern alta. A alma interior comecou 0 ciclo, tomando-se alferes. Dal, todos os que o rodeiam constituindo a alma exterior, reagem. Alguns respondem t . amente mas a maioria reage bern favoravelmente, refot9ando a neg a IV , • dao a informa9a o inicial da alma interior. 0 fato de que os arnigos Jacobina sua farda de alferes sugere q~e eles_jliampli~ca.:am a ~en~gem original. Agora, fardado, 0jovern proJeta a mfonna<;ao alferes rnais do que nunca. . "ed' f Uma tia ao receber not icias da patente de Jacobtna, P IIIque os~e ter com ela e levasse a farda" (2:347). Ele consent~ ern ficar co m alia algum tempo, e encontra uma retroa~o ainda_mais m!ensa:"Tia Marcolina [ .. . ] escreveu a minha mae que nao me soltava antes de urn m e s pelo menos. E abra~va-me. Chamava-me tamMm 0 seu alferes . [ .. . ] Era alferes para ca, alferes para 1 : 1 , alferes a toda a hora. Eu edi-lhe que me chamasse Joaozinho, como dantes; ela abanava a cabeca, ~radando que nao. que era 0 ' senhor alferes'" (2:347). Em homenagem ao sobrinho, a mulher ~oloca no seu quarto seu mais precioso m6vel, urn espelho grande e antigo. 23 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 12/57 ,I " .: J Na c a s a , tanto vis i tantes como escravos demonstram a m e sm a e fu sa o c i a , tia MareolinaJ cr iando u rn l ac o d e r et ro a 9i io c uj a i nt en si fi ca ~a :o e c on ti nu a e a ce ba modif icando a "a lm a i nt er io r" d e J aCObi na : "0 certo is qu e todas e ss as c o is a s, c ar in h os , a te n~ 5e s, o b s~ ui os , fizeram em mim um a transform a~o , que 0 natural sen tim ento d e m o cid ad e a ju do u e c om p le to u. [ ... ] 0alferes eliminou 0h om em . D u ra nt e alg un s d ias a s d uas n atu rez as eq uilib rara m-se; m as na o tardou que a pr imi t iva ~esse A o u tr a; f ic ou -m e uma parte m in im a d e h um a ni da de o Aconteceu en tao q ue a alm a ex terio r, q ue e ra dantes 0 sol, 0 ar, 0 campo, os o lh os d as mocas, mudou a n a tu re z a, e passou a ser a cortesia e os rapap~ c ia casa, tudo 0 que m e falav a d o po sto , nada do que falava do hom em , A lln ica parte do cidadao que ficou com igo fo i aquele que e nte nd ia C Om 0 exercfcio c ia patente: a o ut ra d is pe rs ou -s e n o ar e no passado" (2:348). o "la~o estranho" do jovem Jacobina, entao , co nsiste neste paradoxo: ele na o e s6 im p re ss io na nt e c om o ta OlWm i mp re ssi on av el; n ao is s6 s en sa cio na I c om o s en s{ ve ! a s reJa<;:oesalbeias . E colocado num am biente co m p esso as q ue estao bern im pressio nad as C Om sua figu ra im peessionante, e ao m esm o tem po im pressionam sua im pres- si on ab ili da de . 0 q ue re su lta e u m circu lo , em q ue as in flu en cia s m utu as, ao -in ves d e pennanecerem num estad o d e equ ilfb rio , am plificam -se m u tu am e nte a te perder 0 controle . Tal e sta do n os faz recorda- aquele sentido com um da palavra "retroa~o", que se refere ao guincho ou z umb id o p ro d uz id o q ua nd o um mi c ro f on e amp li fi ca do se aproxima demai s de s e us a lt o -f aI a nt es . No m eio de tudo i sso, uma em erg~ncia fam iliar o briga a tia a a us en ta r~ se . L og o d ep ois d e SUa sa fda , os escravos fo gem , e 0 alferes se e nc on tra c om p le ta m en te s oz in ho , E sta nd o " vic ia do " e m m .a nife sta ~o es efusivas c ia s ua " alm a e xt er io r" , e re pe nti na m en te d esp ro vid o e e xp eri - m en ta sin to ma s d e "d esin to xica 91 o" - letarg ia, m aI-esta r e ate alucina- ~oes . A p ri nc ip io , a i ln i ca s a fda d es te e st ad o d e a ng lis tia s ao seus SOMOS: "Acho qu e posso explicar a ss im e ss e fe n6 m en o: _ 0sono, eliminan- do a neces s ic i ade de um a a lm a e xt er io r, d ei xa va atuar a a lma i nt er io r . No s S OM a S, fa rd av a-m e , o rg ulb os am e nte , n o m ei o c ia fa milia e d os a mig os q ue m e e lo gi av am 0 garbo, q ue m e c ham av am alferes; vinha u rn am ig o d e n ossa c asa, e p ro me da-m e 0 p osto d e te nen te, o utre 0 d e capim o o u m ajo r; e tu do isso fa zia -m e v iv er" (2:350). E ta passag em d em onstra o utra v ez co mo a m ente e u rn me c an ismo de au tocor r~o , DO e nta nto u rn m e ca ni sm o b em m a is fle x(v el e in ve nt iv o 24 , ti da c ia " alm a e xt eri or" ro m pe 0 18<;0 'q ue q ua lq ue r o utre a pa re lh o '. A re m e lh t u ma m aq uin a a u d eix aria d e " N E trcunstancias seme an es id de retroacao. m crrc d I' ites de c on tr o le estabeleci os.", . . igosam ente as m u , funo ionar ou sam a pen . u novo circuito artificial, que .( a mente cna mtraves do s sonhos, porcm , , . fi r m a d e e qu il fb ri o, 0 , 1 o ferece urna c erta a d J b' a e o u tr a i ns ta nc la d o e st fm u 0~ . erm anente e aco m A solucao m ars P , .( d i te d o e sp elh o n o se u quar to." t • "Flea em pc Ian . , ar t if ic ial c ia alma ex enor . "0 r 6p ri o v id e o parecia c on ju ra do c om No infcio se espanta ao ver quem P u a figura nft ida e inteira, mas vaga, ' . nao me es m po 1 b d o resto do universe: "(2'350) Mas entao, se em ra e esfum ada, d ifusa, som bra de sornbra , , . sua farda: , f d de alferes Vesti-a, aprontei-rne t odo ; "Lembrou-me vestir a ar ~h levant~i os o lhos, e [ ... J 0 vidro e com o estava defronte do espe 0, h linha de m enos nenhurn • t ral: nen um a 1 , reproduziu e ntiio a figura Ineg , If es que a ch av a, e nf im , a alm a di • era eu rnesmo, 0 a er , id contorno iverso; d do sftio dispersa e fugi a com I e nt e c om a ona , exterior. Essa a rn a aus , lho" (2'351-52). os escravos,ei-la recolhida no ~pe Au~usto Meyer (73-74) e Alfredo "0 espelho" na o e , como a Irm~m int rior" pela " a lma ex ter io r " . Bosi (447-48) 0r el at a d a d er ro ta _ d a d alm a I;r~ cesso e m q ue Jac ob in a se Pelo contrario, IS a repr~enta_<;ao C e u m do se s periodicas d es s a "alm a atingindo um equilfbrio. om cura, I t a o c ont ro l ad a : 0 e xte rio r" e fe tu a,u m a re , fa a ~ C d d ia a u ma certa ho ra, v est l a-m e d e "Dal em diante fu~outre. : :lh~' lendo, olhando, meditando: no alferes , e sentava-rne diante d? sp , Com este regimen pude t ~ horas despia-rne outra vez. fim de duas , ,r 0 0 ' solidao sem as sentir" (2:352). a travessa r mats se ts dias de 0 t Jacobina aprende qu e e tanto Homem inteligente a ~utoconsc l, en e, ionavel e q ue , portanto, esta . t a excessivamente Impress , A impressionan e com . d id ntidade qu e deseja manter . 0 sujeito a t en d en ci a d e p er de r 0 tipo ~"l te ( 'a o d e a ut oc o rr ec so , J ac o bi na ' a D em outra manlles a.. , termmar sua narra< ;: " , _ , "Quando os outros vo ltaram a SI, ' iste de novo em resishr 11 retroacao: msis ido as escad "(2'352), o narrador tinha descido as esca as " I urna aguda consciencia .. lh " Machado de ASSIS reve a Em 0 e sP ~ A 0 , m eca nism o d e autocontrole, propenso, da propria consciencia com o ~m , de n at ur ez a p si co l6 g ic a, q ua nd o rt t r uques r rus tenosos, I entretanto , a ce o s t as alm as 0 q ue p are ce sa va r d t ecruzamento en re as arm as. , se da 0 paradoxo 0 en r , A ' . . c ua h a bi li d ad e c a ra ct er fs ti ca io d t estas circunstancras c S d o e quilfbrio a men e n had iano parece ser ° sim bolo a d e auto -analise , 0 esp elho no co nto m ac 25 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 13/57 ", capacidade, atraves da introspeccso, de a homem ser 0 seu proprio e sp elh o, c ur an do -s e a s i m e sm o . Oconto IStfpico da fascinayao m a ch ad ia na p elo r el ati ve , c on ti ng en te e amb fg u o. Em conseq i lenc ia, M quem qu is e ss e ma rca r o u tr e p o nt o para varies leitores (Brayner, "Canto" 16-17 ; Coutinho 91; Miguel Perei ra 222-23; Moog 202) que encaram 0 autor brasi le iro como um amargo pessimista , Porem outros reconhecerao que esta visao relat iv is ts sugere a c ap ac id ad e d e a da pta ~o e m f ac e d e u ma re alid ad e ric am ea te complex a, talvez a~ uma regulagem precisa que se aproxima do ideal. Lufs Fernand o V id al tern m uo ao resumir 0 tema central dos coates de Machado: "to absoluto e s 1 0 e st at ic o, 1 0 i nc onm ov ib le , l a negacicn de la vida; en cambio, 10 relativo es 10 movil, l a dialectica de 10 humane" (133).Iacobina, com sua sensibilidade a retrcacao e com sua capacidade de modificar seu pr6prio modo de operacao em resposta aos sinais de erro, demonstra qu e a relat iv idade pode significar a vi ta lidade de auto- correcso, 0 que Vidal chama "la perfectibilidad humana, 5610alcanzable por.la asce tica moderaciony la duda met6d ica" (133) . A dialetica interior/exterior tern side uma constante em nossa discussso do co n to aM agora. Embora 0modelo teorico nao seja 0mesmo de Machado, e freqiiente se recorrer A m e sm a dialetica para referir-se a a sp ec to s lite ra rio s, f or ma e c on te ud o. A te a go ra confesso q ue m e d eix ei seduzir quase por completo pelo conteudo da obra, por seu aspecto interior, e ni o p o r a sp ec to s f or m al s ou " ex te rio re s" . M a s t am b em s ou u rn m ecan is me d e au to co rrecao e na o p oss o term inar se m o bs erv ar aq uele outro lado do conto. Segundo Dirce Cortes Riedel, 0 conto combina 0 discurso filos6fico com 0 discurso sobre a arte (99). Tendo trat ado do myel filosofico, pretendo ago ra to ear no o utro nfvel, Num a rt ig o s o br e Dom Casmurro, A na L uc ia G az ella d e G arcia t ra ta d o a sp e ct o a u to - re fl ex iv e c ia fi~o machad iana, c ia m an eir a c om o a obra tende arevelar SUBS estruturas e procedimentos textuais dentro c ia ac;io narrativa. Segundo e la , a o br a e espelho da pr6pria obra ("Espelho" 71-78), Mal poderfamos esperar que urn conto i ntitu la do " 0 espelho" f os se e xc ec ao d es ta r eg ra de a ut o- re fe re nc ia , e de fato na o e . N o c on to encontramos uma auto-reproducdo entre contetido e forma, a estrutura em geral do conto reproduzindo a situagao represen tada , e vice-versa. "0 espelho" e urn exemplo perfeito do chamado con to. intercaladc (Mayersberg) . Como ja fo i ind icado, a histor ia ex terior narra 0encontro de urn grupo de palestrantes, e as eventos que seguem 0 mon61ogo de Jacobina. 0 interior trata da filosofia des te sabre a conscisncia, definindo- 26 a como a conflu~ncia d e "d uas alm as" , e demonstrando a t eo ri a c or n um a anedo: ::~ conc!ntrica do conto, em que urn .cemi:rio.exterior leva t ~ '0n arrativ e q ue en tao v olta ao cen srlo extenor, reproduz a ou ro cenan , ..,.,., e to em que , 1 e ta propria narra~ao wtenor. r. 0 m om n o momento crucla , • di te do espelho na sua Jacobina, numa apIica~~ da autotderaratd~-:b~~ _ a original, e a do farda de alferes. Temos lmagens up as e a 1h elho que par forca ser ia invert ida e complementar , : e ndo 0 esp~ e~ ~ t r I D ' ediario responsavel pela duplica~o. Esta coloca~ao 6 compa. v o tn e ~ . . im agern de Jacobina e a itua a o do pr6prio conto. Primeiro verno~ uma 1 s ~ estes falam c om e nt uS la sm o , m a s a qu el e 5 6 e sc ut a. seus co 1 le gas, em qU~mo cen:irio depois da narracao intercalada, vemos Ao vo ta rmos ao m. t os outros , 'tua<ta o invertida. Agora Jacobma esta f al an d o , e nq u an 0 , a 81 'I ' s A pn'meira e a ultima parte da obra, que encatxam a o uv er n S l enciose , ao de J a cob i na , sa o espelhadas um a na outra, , ~ narra~al isomorfismo coloca a his toria de Jacobina na pOSl~~O ~e urn pos s {ve l equ iva l en t e ao proprio espelho., Uma longa tra~~ao:~~~~;a~: , cidental compara a narrat!va a urn espe 0 . ht~atura 5~ I ortanto a compara"ao do conto tern urn apoio convenclOnal (A r~dms .( )1'P Mas alem disso varies fatores textuais motivam a cornpara- conSl eruve. " , - 0 pelho da Tia Marcolina <tao. "Era um e sp el ho que the d era a rnad rinha, e que esta herd ara da _ uma das fidalgas vindas em 1808 com a corte de mae que 0 comprara a di - 0 D j - VI Nao sei 0 que havia nisso de verdade~ era a tra l"ao . . oao . , Ih . v ia-se-lhe ainda 0 ouro, lho estava naturalmente muito ve 0, ma s espe'do em part e pelo tempo, uns del f ins esculpidos de madreperola e outros caprichos do art is ta . Tudo velho , mas b om ... " (2:437~48).. ' .( , tos d e c or np ar ac ao e nt re a n ar ra tl va l it er ar ia Sugerem-se v..nos po n 'I" elho d e sc ri to a qu i. Como 0 espelho, a narrativa e rnuitas vezes e 0 esp d' ~ 1 ou pela con- da de geradio em gera<;ao, ou pela Ira icao ora ,passa"t " ). t dl H g 0 2 . a . de um ~ dos textos A n ar ra ti va e st a s uj ei ta u ra I<;ao, e ,sagra<tao . , ~ lh a narratrva e 0 estado r iv ilegiado dentro da tradicao- Como ° espe 0, , rodut~ de artistes. Na o e estritamente funcional, :as tern seus pr6pnos ~delf ins escu1pidos" e "enfei tes de madreperola ; ~m ~utros termos, , t rn a de recursos ret6ricos e convenclOnals. a pr es en ta u rn S IS e if eo canto Alem desse ponte de compara'iao, porem, yen icarnos ~u " _ c ve a fun ao do espelho por rneio de metaforas textualS: n~o me des re fi < t {t'da e 'Intei ra" (2'350) e "0 espelho reproduZlu-me estampou a igura n I ," textualmente" (2:350). 27 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 14/57 D' . A pos iyao de !8CQbina como narrador 6 id!ntica a de um autor A l~ge-~ a.ump ub li co , m as a u m p ub lic o e uja r ea s:a o i me di ata e v ed ad a . arreira imposta ent~ 0 remetente e 0 receptor is semelbante ao afas- !amento natural que existe entre 0 autor e 0 seu le i tor criado pelo feTt Oconto "0 lho"d '. ' " o. espe 0 esperta 0 Interesse, na o s6 p or s ua a na li se dos paradoxes da consci8ncia humana, como tambem pela riqueza de discurso em nfve l metali tenlrio. Ohm que espelba sua propria fo.nna:e~ conto tam~~ ~menta sobre a escritura em geral, sugeiindo sua fun980 como uma atividade hermetica em que 0 autor en's ..,.~ 6 . "I t . .. . 0.... pr pna a ma ex e~or , e sugenndo , talvez , ate um a fun<;ao autocorretiva, n a q ual 0 ~cntor, ao olhar para dentro, se cura, A imagem central do espelh ClrcUOSCreve todas las - 0 lh es sugestoes em seu proprio Iaco de re troa980. 0 espe 0 esta no conto, como tambem 0 conto esta no espelho. . '":, .'~ , 2 8 IT - A LE I DAS ESTRELAS DU PLAS: " UNS BRA«;OS " De todos os misterios celebrados na obra de Machado de Assis, talvez 0 maier se ja 0 da s relacoes entre as pessoas. Os encontros interpessoais machadianos quase sempre apresentam qualquer coisa de i m pr ed iz fv el o u de inexplicavel. Dao-nos a entender que 0 entrelacarnento de voatades e destinos, que e a rela~o entre seres, e no fundo urn grande en igma que s e r ep et e em inf indaveis permutacoes, tao singulares quanto as mesmas pessoas que dela participarn, Oconto "Uns braces" (Vadas histories, 1896) e urn exemplo formidave l daquele encontro estranho. Trata-se de Inac io, urn rapaz de quinze anos, que mora na casa de urn advogado, Borges, servindo como o seu agente, e que se enamora pelos braces da esposa de seu patrao, Observa-os acanhadamente, ate que a esposa, D. Severina, chega a sentir os seus olhares furtivos. Ela corneca a pensar nele, e acaba obcecada tambem. Certo domingo de tarde , Imido, deit ado na rede, sonha com urn encontro amoroso com D. Severina, Tendo safdo 0 advogado, D. Sever ina entra no quarto do rapaz, onde 0 espreita enquanto dorme. Num momento de ternura incontrolavel , inclina-se e beija 0 rapaz, justamente no instante em que esta sendo be ijada par ele no sonho. Como Machado conta, "Aqui ° sonho coincidiu com a realidade, e as mesrnas boeas uniram-se na imaginaciio e fora dela" (2:496) . Recuperada desse lapso, D. Severina sente tanto re rnorso que nao pode tratar do rapaz da mesma forma como antes. Sem que ele entenda por que, ela se torna cada vez mais sees e evasive: poucos dias depois, Borges despede 0jovem agente sem explicacao. Como e de se espera r dum texto machadiano, 0 conto cornunica var ias mensagens em varies nfveis. Em urn nfvel , oferece-nos uma .ideia geral sobre a casualidade e os sucessos imprevistos c ia vida. A coinciden- cia do beijo sonhado e do beijo real confi rma antecipadarnente uma tese que aparecera em D om C as mu rr o uns poucos anos mais tarde, quando Bento Santiago dira, UN a v id a h3 dessas semelhancas assim esquisitas" (1:892) . Em outro nfvel , Machado parece fazer urn comentar io psicol6- 29 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 15/57 gico e social, analisando os processes e efeitos da opressao. Tanto D. Seve~a COmoInaicio sao oprimidos pela presenca aUloritairia de Borges. Os dois recorrem A fantasia como manei ra de i ludi r esse vexame, e cada um encont ra no outro 0 sonho mais dispomvel. Em ainda outro nfvel, 0 conto apresenta uma crf tica ao ohjet ivismo posit ivis ts, vigente naquela e p o c a . Em vez da separa~o ngida entre 0 sujei to observador e 0 ohjeto observado, como postularia 0 positivismo, vemos uma sihla<;:aono conto em que 0 sujei to e 0 obj eto no conto se entremeiam e se confundem. No entrecruzamento de subjetividades e de influ!nci as, pa rece haver urna antecipa<;:ao do "paradoxo c ia carne". que sera a rticulado pelo fi16sofo Maurice Merleau-Ponty: aque le que sente nao deixa de ser sensfvel ao mesmo tempo. 0 tocador 6 tangfvel, 0 vidente vi sfvel : "quem ve n1i~ pode possuir 0 vistvel a nao ser que se ja por ele possufdo, que seja dele" (Yistve! 131). Em todos esses nfveis de s ignificado, a coincidencia e a reciproci- dade sao qualidades essenciais. Proponho aqui analisar alguns aspectos estruturais do conto que revelam as mesmas qualidades, e que criam uma harmonia entre a forma da ohm e os seus varies signifi cados. 0 p rirne iro destes e 0 duplo como principio de caracterizacao dos personagens Inacioe D. Sever ina. o duplo ou 0 s6sia e urn fenomeno quase ubfquo na Ii tera tura mundial, como varios estudosja mostraram (Keppler. Rogers, Rosenfield, Tymms) . Naturalmente, ha urna var ia~o grande ha urna percepeiio basica e essencial em que encara 0 duplo. Ha urn sentirnento no grau de semelhanea dos entes "dupl icados", Porern, cr eio que sernpre 'M uma perceP9ao basica e essencial em quem encara 0duplo. Ha urn sentimento de algo fantast ico e inexplicavef, de entender e nao entender, pois 0 duplo e Urn paradoxo por def inir ;ao. Paradoxo porque insiste na igualdade e na diferenea ao mesmo tempo (Rimmon~Kenan 151-59) . Se os personagens nao fossem iguais, nao ser iam duplos; se nao fossem unicos, tambem nao seriam, Esta igualdads dentro da diversidade , e diversidade dentro da i~ldade, nao deixa de ser urn misterio inquietante, como Freud assinalou (386-91). De modo geral, os contos de Machado de Assis dernonstram uma grande sensibilidade ao rnister io do duplo. Dois cases bern importantes em que os seres sao duplicados ou desdobrados sao .. 0 espe lho", que foi discutido no capitulo I, e "A causa secreta", que sera 0 foeo da analise do capftulo VI. Outro exernplo notavel e "Trio em la menor" que, como o romance Esau e Jaco, apresenta a s ituayiio de uma mulher narnorada 30 i ,; 1 por dois homens, e incapaz de se dec idi r en tre os dois. Mac iel . 6 jov~m e bonito, mas trivial. Miranda 6 grave e tern uma cabeca viva e in- tel igente, mas 6 velho e pouco atraente. Siioduplos complementares , ca~ urn apresentando j ustamente as qua lidades que fal tam no outro. Mana Regina nao consegue sentir-se atrafda nem por urn nem pelo outro; porem, esta apaixonada pels cornbinacdo dos dais: "Tinha ! ido [,:.J q~e ha estrelas duplas, que nos parecem urn s6 astro. [ .. . J Mana Regina VlU den tro de si a estrela dupla e unica. Separadas, va li am bastante; Juntas, davam um ast ro esplendido, E ela queria 0 astro esplendido" (2:524) . A mulher imagina que v8 umas estre las duplas. Ao dormir, sonha que "morria , que a a lma de la , l evada aos ares, voava na direyao de urna bela estrela dupla, 0 astro desdobrou-se, e ela voou para uma das duas porcoes; nao achou ali a sensar;ao primitiva e despenhou-se para outra das duas estrelas separadas. Entdo urna vo z surgiu do abismo, com palavras que ela nao entendeu: . - E tu a pena, alma cur iosa de per feicao; a tua pena 6 osci la r por toda a eternidade entre dois astros incompletos" (2:524-25). Maciel e Miranda sao esses dois astros incompletos. Igualmente, sao levados a fazer as co rtes a Maria Regina , como para sati sfaze r seu sonho impossfvel de perfeito equilfbrio, Muitos dos personagens machadianos par ticipam deste sonho, e sua parti cipacso se manifesta em duplos, rea lizando estranhos encont :os, j ogando sempre entr e igualdade e diversidade , Demonst ram urna lei do mundo machadiano, que chamarernos a " lei das estrelas duplas" : seres semelhantes/complementares se atraem, muitas yezes obedecendo aforcas inacess ive is a v o n ta d e c o n sc i en t e. "As academias de Siao" e outro conto em que os personagens principais sao duplos complementarios. 0 rei Kalaphangko tern uma alma pacff ica, enquanto sua concubina predileta, Kinnara tern uma alma belicosa. Trocam almas por algum tempo, e a harmonia de Siao e ameacada, porque 0 rei , agora agress ivo, resolve matar a companheira antes que possatomar posse da alma original. Esta, porem, anuncia 0 fu turo nasc imento de um f ilho . 0 amor paterna l do pal sa lva a vida da mulher, e restitui a harmonia an terior. Em "D, Paula", a protagonista recolhe uma sobrinha, cujo casamento esta em p:rigo porque ela se deixou enamorar por outro homem. Ouve a confissao da moca com a intencao de persuadi- la a des is tir, mas descobre que 0amante da sobrinha e filho de um ex-amante que ela teve na juventude. Fascina-se com 0 caso, porque permite a recordacao de seu proprio desvio amoroso. "Manuscri to de um sacr istso" narra 0encontro de dois primos, identicos 31 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 16/57 no sentido de set idealistas demais pam 0mundo real. Ela recusou muitos p o ss fv ei s m a ri do s , p o r nao achar em nenhum a perfei~o desej ada, Ele se fez padre, mas nao progrediu no sacerdocio, desprezando as necessidades p oh tic as . A o s e c on hec er em , eada um r ec on he ce no outro a perfei~o desejada. Porem a pr6pria o b s es s ao i d ea li st a i m p o ss ib il it a 0casamento. A estetica d e M ach ad o d e A ss is fo ge < l a s s em e lh an ea s o bv ia s, E m " Un s b ra ce s" , p or e xe m plo , a d if er en ca fundamental de sexo entre Inacio e D. Severina cria uma construcao mais sutil que muitos cases em que ba u m a e qu iv al en ci a v is ua l e ntr e o s d up lio ad os , N a te rm in olo gia d e Robert Rogers (4), os personagens em "Uns braces" s a o duplos "Iatentes" (latent) e nao "patentes" (manifest). Contribui a sutileza do t ra tamento tambem 0 fato de qu e a consciencia dos personagens des ta identidade e, quando mais, incompleta, Alfredo Bosi ve no conto a demonstracfio de u m a r eg ra g er al de d es en co ntr o e ntr e o s s er es , 0 " d es nf ve l d o s pares e a necessaria disparidade de s e us d e st in o s " (454). Tal visao, natura lmente , favorece a percepcso de diferencas no paradoxo da duplicacao. Por outro lade, s a o notaveis as sernelhancas e correlacdes entre os personagens, como se eles compartilhassem 0mesmo destine. Ja rnencionamos 0 fato de qu e ambos s a o oprimidos pelo advogado, Borges. Este grita, reclaman- do a desa tencao de ambos. D irig in do -s e a In ac io , d iz: " On de anda que nunca ouve 0 qu e lbe digo? [ .. . J E tal so no p es ad o e c on tfn uo . D e manhii "6 0 qu e se ve: primeiro que acorde e · preciso quebrar-lhe os ossos" (2:490). E mais ta rde, queixando-se de D. Severina, diz quase a mesma coisa; "Que e que voce tern? [ ... ] Parece que ca em casa anda tudo dormindo! D e ix em e st ar , que eu sei de urn born remedio para t irar 0sono aos dorminhocos" (2:493). Ambos p ar ec er n t er m e do de Borges, e Dao podem estar a vontade em sua presence. Inacio, por exemplo, "ia comendo devagarinho, nlio ousando levantar os olbos -do prato" (2:491). e Severina "apaziguava-o com des c u lp a s [ . .. J e f az ia -lh e c ar in ho s, a m e do que eles podiam irrita-lo mais" (2:493). 0 desconforto des dois e aumentado por urn forte senso de escrupulos. No caso de Inacio, "A educaeao qu e tivera nao Ihe permitia encarar os braces logo abertamente" (2:492), e no de Sever ina, imaginar que Inacio estava olhando-a "trouxe-lhe uma compl icacao moral" (2:493). Esta complicacao moral em ambos fez com que Imido "sorrate iramente olhasse" (2:492) os braces de Severina; esta, por sua vez, "mirava por baixo dos olhos os gestos de Inacio" (2:493). Imido e urn rapaz "ma l vestido" (2:490), e Severina usa mangas cur tas porque "gas tara todos os vestidos de mangas compridas" (2:491) . 32 :1 Porem, tanto D. Severina como Inacio possuem, se Dio beleza: pelo menos uma gra<;a sadia. Severina tem "vinte e sete anos floridos e solidos" (2:491) e !nJ1cio "quinze anos feitos e bem feitos" (2:490). Enquanto eada u m o bs er va 0 outre, h a um a t en d e nc i~ de f oc al iz ar e ~ uma parte do corpo e acha- la especialmente bela. Obviamente a f ixa<;ao de Inacio sao os braces da mulber. Ela parece concentrar-se na ~ca do moco: "Ela advertiu que entre 0 nariz e a boca do rapaz havl~ urn princfpio de rascunho de buco" (2:493); "viu que a ~ do mocinho, graciosa estando ealada , ni lo 0 era menos quand? ria" (2;4~4); ~ observando-o quando dorme, vi u "urn grande ar de nso e de beatitude (2:495). . _ Quante A caracterizacao dos protagonlstas, en~o,. a .obm tern uma estrutura binaria. Cada urn dos dois personagens pnncipais e 0 duplo/o- posto/complemento do outro. Segundo Freud (390-91).e Keppler (195~ 98) , a correspondencia estranha de tais personagens c?a urna atm~sfera irrea l, 0 seu encontro parece contrariar as leis normais da casualidade, e sugerir uma experiencia destinada - algo que nao d:via acont~r, e por tanto tinha que acontecer . Ir real tambem e a sugestao de narcrsrsrno na relacao. Cada urn, ao enamorar-se pelo outro, esta se apaixonando por si mesmo (Freud 387). A dupliea<;iio de personagens nao e 0 u n ic o f en o rn e no de d~dobf~- mento cornplementar da obra, Exis te tarnbem uma estrutura de s imetr ia bilateral na forma narrativa do conto. A segunda parte do enredo repete a primeira, mas a repeticao nao e na mesma ordem, senao ao rey es . 0 comeco e 0 tim da obra se reproduzem, e assim por diante ate 0 centro onde ba uma conjuntura dos dois "braces narratives" nu m ponto culminante - 0momento do beijo. Esbo¥Srei agora os motivos principals desta estrutura quiasrnica: 1) a t en ta ti va d e esconder-se, 2) 0 acanhamento, 3) 0 escape, 4) 0 segredo, 5) 0 sonho, e 6) 0 beijo. _ Inacio quer se esconder no infcio do conto, e Sevenna 0 quer no tim. ]amencionei a passagem em que Inacio janta "nao ousando levantar os olhos do prate" (2:491). Logo depois do jantar Inacio "retirou-se, como de cos tume, para 0 seu quarto, nos fundos da casa" (2:492). Como sabernos, ele quer se esconder tanto da presence tiranica do amo, como da presence sedutiva da d ona qu e the causa vergonha, No final da obra, D. Severina, vexada por tee beijado 0 rapaz e receosa de que ele 33 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 17/57 'I" desconfie de algo, se v~ COm "a cara fechada e 0 xaile que cobria os braces tao bonitos" (2:496). Quando Inacio quer se despedir dela 0 advogado I h e i n fo rms que e la " Es ta I a para 0 quarto. co m m uita d ord e cabeca" (2:496). Dando u m p as so da s e xt rem id a de s p ar a 0centro do conto, verifica- m o s a rn en ya o do v ex am e o u a ca nh am e nt o d os p ro ta go nis ta s, D iz -s e que Inac io, ao repara r nos braces da mulher , "afastava os olhos, vexado" (2:492). Nesta parte h t1 tam bem a passagem ja ci tada, sobre a e du ca c ao do rapaz que nao lhe pennite olhar a senhora francamente. Por sua vez , depois do beijo Sever ina se sente "vexada e medrosa" (2:496) . Depois 0 " ve xa me fi co u e c re sc eu " (2:496). Ain~ mais um passo adentro, encontramos no enredo ou 0 escape, ou 0 desejo de escapar, No caso de In acio , ~ um desejo nao realizado: "Deixe estar, - pensou ele ur n dia - fujo daqui e nao vol to mais" (2:492); "Von-me embora , repet ia ele na rua como nos primeiros dias" (2:494). No caso da D. Severina, chega a ser urn ato executado: "'tao depressa cumpria 0ges to [do beijo], como fugiu ate Aporta" (2:496) . Ade~trando-nos a inda urn pouco mais, podemos ver que cada pessoa se v e obrigada a guardar um segredo que the causa irri ta~o e confusao. o de Inacio ~, naturalmente, a sua paixso pela mulher do advogado: "Acordava de noite, pensando em D. Severina. Na rua trocava de -esquinas, errava as portas, muito mais que dantes, e nao via mulher, ao longe ou so perto, que lha nao trouxesse Amemor i a " (2:494). 0 segredo guardado pela D. S ever in a ~ 0 da realidade do beijo: "ela na o acabava de cre r que fizesse aqui lo; [ ... J inclinara-se e beijara-o. Fosse como fosse, estava confusa, irritada, aborrecida, mal consigo e mal com ele" (2:396). Ao chegarmos quase 80 cumulo do enredo, descobrimos que cada urn dos protagonistas aparece no sonho do outro. P ri m ei ro I na ci o e 0 objeto do sonho da mu lh er : . .S ev e ri na s en ti u b at er -l he 0 co ra~ o co m v eernencia e recuou, Sonhara de noite com ele; pode ser que ele estivesse sonhando c~m ela" (2:495) . Como sabemos, a intui~iio de Sever ina e correta: "Que nao possamos ver os sonhos uns dos out ros! D. Severin a ter-se-i s vi sto a si mesma na imaginagao do rapaz; ter-se- ia vis to diante da rede, r i sonha e parada; depois inclinar-se, pegar-lhe nas maos, leva-las ao peito, cruzando al i os braces, os famosos braces" (2:~95-96). Neste motive, talvez nao h aj a a s im e tr ia perfeita que parece existir em outros motives. o sonho em que aparece Severina, pois, comeea na primeira parte do enredo e nao na segunda, Se p en sam o s, p o rem , que este sonho continua 34 depois e portanto per tence tambem i\ segunda parte, a simetria ainda se conserva. . o be ijo, em que "a s mesmas bocas u n ir am - s e n a im ag in a cf io e fora dela" (2:496). IS0 motivo que une os dois "braces" do enredo. Assim como no beijo ha urn encontro de sonhos, de destinos, e de labios, ha tambem um encontro, em outro nfvel, de dois membros narratives, identicos mas opostos. 0 conce ito do duplo, assim, atinge varies nfveis de significado. H a u ma d up lic aca o de caracterfsticas nos protagonis tas Severina e Inacio, como ja se explicou. Mas tambem uma duplicacao entre os dois lados cia narracao. Bste isomorfismo entre a forma e mensagem sugere ainda outre tipo de s6sia - a forma do conto e duplo do conteudo,"e 0 conteudo duplo d a f or m a. "Uns braces" parace ser um tftulo perfe ito, pois a imagem encerra var ies s ignificados salientes no conto. Os braces sugerem a identidade e a nao identidade, a simetria e a oposicao. Sugerem a reciprocidade paradoxal c ia came, que Merleau-Ponty, num ensaio intitulado "0 entrelacamento, 0quiasma", identifi ca como a capac idade de sent ir, e a simultanea capacidade de ser senti do: "no 'toear ' acabamos de encontrar [ .. . ] um verdadeiro tocar 0 tocar, quando minha mao di reit a toea a m a o esquerda apalpando as coisas, pelo qual 0 'sujei to que toea' passa ao nfvel dO tocado" (Vis(vel 130). Quiasma corporal , os braces ofe recem uma misteriosa atrayao na sua mater ia intercalada. 0 narrador menciona esta importante regiso do "entre": Inacio "Cbegava a casa e nao se ia embora. Os braces de D. Severina fechavam-lhe urn parenteses no meio do Iongo e fastidioso perfodo da vida que levava, e essa ora~o intercalada traz ia uma ideia original e profunda, inventada pelo ceu unicamente para ele" (2:494). Os braces, entao. sugerem no seu "entre" 0 maravilhoso encontro, 0entrelacamento de sujeito e objeto, sonho e realidade, vontade e vontade, des tino e destino. 0 mister io das relacoes humanas e fechado e resumido numa "ideia profunda" entre os bracos e (entre parenteses) por um beijo maravilhoso, 35 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 18/57 · '" " ,': I m- A LEI DA S OR TE G RA ND E: " JO G O DO B IeR O " o m und o d e M achad o d e A ssis nao e, ex atam ente, u rn m un do d e ord em e progresso. C re io q ue a ordem tern se u Ingar, c omo tambem 0 progresso, M a s M a ch ad o se diferencia d e seus contempor i lneos , positivis- tas, pa~ quem ordem e progresso tern uma relacso estreita, 0 mundo m a o h ad ia no t am b em nao 6 de desordem e r egre s so ; Dao ex i s te de te rmin i s - m o, nem pelo Iado o tim ista nem pelo lado pessim ista , C om o para desm entir ta is program as rigid am ente lineares d e causa e efeito as m : m do s f ic t{ ~i os c ri ad o s p or M a ch ad o i nv ert em a s e le m en to s d a f6 m :u la . D a? -nos m .~ tas v ezes ordem e regresso , o u d esordem e pro gresso , ab~do a visao d o m u nd o, dando Iugar apropriado a s contingencias e aos acidentes , o mundo e ta nto ca usa l c om o c asu al. Y ig or am a o rd em e 0azar em terrenos d ife re nt es . O s s er es h um a no s, m o vld os p eZ a v on ta de , carac;eri- z am - se p e la je num m undo ordenado , au pelo desespero dos sonhos frustrados. 0s uje lt o, p o rta nto , t en de a c rl ar a rb it ra rle da de n o m ei o da o ~d ~m : e o rd em n o m ei o d a a rb it ra ri ed ad e. P o de rn o s c h am a r e st e p ad ra o d a lel.d a so rte g rand e", citan do um a p as sa ge m d e D am C as mu rr o qu e e xe ~p hfic a b ern 0 fe no m en o. B en to S an tia go re co rre a m eta fo ra d a l o te ri a p a ra d e s cr ev e r 0 c as am e nto d e s eu s p ais : " se a fe li cid ad e c on ju ga l p o d e s:r c om p ara da a so rte g ra nd e, e le s a tira ra m n o b ilh ete c orn prad o de sociedade" (1:816). Nossas metaforas slio modelos Com o s q ua is co nstrufm os um a v isao d o m un do (Lako ff 3-13, 41-44). A e sc olh a d a metafora d a l o. te ri a, p a ra S an ti ag o , e compensacao p si co 1 6g ic a q u e c ri a urn ~u n~o ~ s co mo do . T en do fracassad o seu p r6 prio casam ento , ser-Ibe-:a d i ff ci l e sc o lh e r um a metafora qu e caracterizasse a felicidade co nju gal co mo u rn sis tem a d e causas e efeito s. S e 0 c asa m en to fo ss e a c on stru cso d e u m a c asa , p or e xe mp lo , 0 n arra do r te ria q ue e xam in ar as falh~ q ue c on tri bu {~ em p ara 0 d e sr no ro n am e n to d o ediffcio, T eri a q ue ~ xa mm ar s ua s p ro p ri as f al ha s. C o nc eb en do a fe lic id ad e c on ju ga l c om o ° jo go d o acaso , e m uito m ais facil exp licar a falta de ~xito com sua e sp os a. A fe li cid ad e m a tri m on ia l e em grande parte um a questao d e 36 d ed ic a~ o, e sfo rc o e fid elid ad e, N ilo d eix a d e se r u m a q ue stiio d e so rte , ta mb em , T en do fa lh ad o n o c asa m en to , 0 n arra do r d e D om C asm urr o p re fe re e nf at iz ar e m s eu m o d el e m e ta fo ri co 0a sp ec to a rb it ra rio , fo ra d e s u a i n fl u en c ia e r es p ons e bi li d a de . N o m esm o rom ance se v ~, tam bem , 0 o u tr o la do da le i d a so rte g ra nd e. N um so nh o, B en tin ho v e P ad ua , 0 fu tu ro s og ro , "e nx ug an do o s o lh os e m ira nd o u m triste b ilh ete d e lo te ria " q ue "s afra b ra nco . T in ha 0 m im ero 4 00 4. D is se [ ... ] q ue e sta sim etria d e a lg arism o s e ra m iste rio sa e bela, e prov av elm ente a ro d a andara m al; era im po ssfvel que nao d ev esse te r a so rte g ra nd e" (1 :8 75 ). B en efic ia rio e v ftim a d o a za r, P ad ua (o u p elo m e no s 0 Padua s on ha do ) n ao d eix a d e t er e sp era nc as D um g ra nd e futu ro , e gostaria de pensar que 0 p ro gre sso d ep en de sse m a is d e leis i m ut av ei s q ue d o a ca so . P or ta nt o, n a p r6 pr ia lo te ri a, f ix a s ua s e sp er an ca s no equilfb rio geom etrico do s algarism os, im pondo urn sen tid o de d et en ni ni sm o m a te m at ic o e ate j us ti ca p oe ti ca s ob re u m a s it ua ca o d e p uro azar . o acaso e t em a p re di le to n a o b ra c on tfs tic a d e M a ch ad o . " Pri m as d e S ap uc aia !", e xe mp lo e xce le nte , c on ta v arie s e nc on tro s c asu ais e ntre 0 narrador e um a m ulher casad a, que nam ora d e longe com os o lho s. 0 n arra do r c om e ca a im a gi na -l a c om 0n o m e d e A d ri an a, e re so lv e fa ze r- lh e as co rtes n o p r6 xim o en co ntro .P orem , q uand o v e, n ao p od e segu i-la , p orq ue 6 o brig ad o a p asse ar c om u m as p rim as d e S ap uc aia q ue c be ga ra m d e v isita . A m ald ico a sua t r u 1 so rte , n a fo rm a ffsica das p rim as. M a is tarde, 0 n arr ad o r d es co bre q ue a mulher fugiu com urn de s eu s am i go s , C on hec en do -a p esso alm en te , ch eg a a sa be r q ue se u n om e rea l e 0mesrno qu e im agin av a. C om 0 tem po , A driana destr6 i a v id a do am igo . N ao p o de nd o s e s ep ar ar d a m u lh er , 0am ig o a ce it a s ua d e sg ra ca f il os o fi cam e n- te, dizendo, "comprei urn b il he te d e loteria, e [...1 tirei urn escorpiao" (2 :4 22 ). V en do a m is eria d o a mig o, 0 n ar ra do r a be nc oa , a fin al , a s p ri m as d e S ap uc aia . " Hi st or ia c on iu m ", c ujo n arra do r e alfinete, e a l eg o r ia s ob re o p ap el d a so rte n a as cen sa o e n o d ec lfn io so ciais. 0 alfin ete, e sc olh id o p or a ca so e ntre to do s o s co m pa nh eiro s n a c aix a d e c ostu ra , p assa d e u m a c la sse p ara a o utra q ua nd o a d on a, h um ild e m u ca ma , 0 u sa p ar a p re nd er u ma ro sa n o v estid o d e um a m O «8 r ica. D epo is d o b aile , a m oca da a ro sa d e presente a u rn rap az,. e jo gs 0 a lfin ete n a ru a c om in diferen ca, E le p assa a p erten cer ain da a o utra classe, ao cair na co pa d o ch ap eu d e urn h om em q ue p assa va , "D . P au la " d em o nstra 0 f a s cf n io pe la s co inc idenc i as p ou co p ro va veis. N o c on to , u m a v iiiv a te nta a fa sta r a so brin ha c asa da d e 37 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 19/57 u ma p aix so p or o utro h om em , N o p ro cesso , d esc ob re q ue 0 o u tr o h om em IS tilh o d e u m a ntig o am an te, de seu t empo d e c as ad a, A s v e.z es ~ s c on to s d em o ns tr am a qu el a m is tu ra e ntre o s c ap ri ch os d o acaso e as i lusoes progmrruHicas dos personagens. Em "Frei Simao" par exemplo, 0protagonis ta e vftima c ia crueldade do pai, mas tambem r ia rn a so~e . Em suajuventude, S i m 1 i o 6 s ep ar ad o A f o rc a c ia amada Helena pelo p at q ue d esap ro va a b aix a p osiy ao so cial c ia m092. A lg um te m po d ep oi s to m a co ~ec im en to a tra ves d o p ai q ue ela m orreu , F az -se p ad re, e v ario ~ anos mats tarde recebe ordens para pregar e m c erta cidade, La descobr H elen a, que fo i o brigad a a casar co m u m ro ceiro , E la m orre do cheque :ausad o pe~o enco ntro . N o leito de su a morte, F rei S im ao ex cla ma , Mor :o o dla n~ o a h u~ dad :" ( 2 : 152). Com justica 0 protagonista poderia ter odiado 0 pal, a a rb lt ra ri ed ad e d a vida, ou talvez 0 destino. M as tendo como alvo de seu 6dio a humanidade, Frei S im a o e fe ru a u rn s alto d a fe, b us ca il 6g ic a p el a re gra g era l, p ol s s ua m is eri a n ao t ern n ad a a ver com a humanidade inteira, Em "0 programa", 0jovem Romualdo tern g rand es planes para su a vida: I iterarura, polft ica, e r iqueza (pelo casa.mer :to com u~ a moca abastada). Aplica-se com grande energia a Teahz:aga? dos projetos, F er n:m .d ~ , am ig o sem grandes ideias, se apega ao pnmeiro, vendo suas possIbIlIdades e esperando s ubi r j un t o com ele. Romualdo, porern, ac~ba n~o conse~indo nada do que plane java; Fernandes , po t uma sene de c l rcuns tAnc la s fortuitas, termina sendo rico. O conto m ostra bern aquela inversao de va l ores: ordern e regresso ( Romu al do ), e d e so rd em e progresso (Fernandes). . ~ vis<5es da ordem surgem a vezes dentro dos fenomenos ar- bitrarios, p or c au sa dos SOMOS do indivfduo, POl' outro lado, a c a su a li - ~d e p o~e ser curn plice dos s on ha do re s, a pre se nta nd o c oin cid en cia s e J ~ st ap oS 195es qu e d a o a ideia de um sis tema controlado. Exemplo de tal s ltuagao e 0 conto "Suje-se gordol". 0 narrador do relate s erv e d ua s v ez es n o j uri d e U rn t rib un al. A p rim eira v ez, c on de na u rn h om em p or u rn pequ<:no roubo, Certo membro do juri, urn senhor g ord o, ch am a a a te n~ o ao c uI pa r 0 re u Dlio so mente pelo crim e em si, m as tam bem pela q~tla reles que ro uh ou . S e 0 ladriio q uiser se su jar n o a to crim in oso diz 0•h~mem, que "suje-se gordo" . A s circunstancias da segunda e xp en en cia d o n arrad or n o jilri d ao a im p re ss ao . d e u rn m u nd o si me tri co e d e a bs olu ~j~ sti 9a p oe tic s. M u ito s a no s d ep ois , q ua nd o c on vo ca do p ara o segundo juri, 0 narrad or co nd ena o utro lad rao po r urn ro ub o, D esta vez, 0 TeU e a qu ele h om e m q ue fe z 0 c oment sr io e que, a lia s, fu rt ou u m a b oa s om a . Como p ara e nfa tiz ar a v ersd o d as situa~oes em que participam 38 o s p erso na gen s, n ota-se q ue 0 re u agora e m agro . Se jli e xis te u m a p re di sp os ic do n os s ere s p ara im a gi na r d esi gn io s n a a rb itr ari ed ad e, e n tao. a arbitrariedade nao nos desanima nas q uim e ra s, p ois hs vezes oferece e v id e n ci as d a qu e le s d e sf gn io s . "Jogo do bicho" (1904), 0 principal enfoque deste capitulo, e um a b o a d em on st ra cd o d es sa lese. 0 protagonista Cam i lo , f un c ion a ri o pobre, e h om em p ara quem " a r az 1i o f or ta le ci a a f e " ( 2 : 1 .124) . Repetidas vezes, d eixa-se enganar p ara m anter as esperan cas, caind o no que Jo hn N ist cham a d e "ilogicalidade tragiccrnica" (16). Namora Joaninha, moca qu e DaO tem nada, a na o se r uma "preta velha qu e a cr iou e a acompanhou sem ordenado" (2:1.123). E sta d ec la ra q ue Us e sua filha de cria~o c a sa ss e, i ri a s er v i- Ia de g ra ca " (2 : 1.123), Para C am ilo , "A id eia d e que a preta o s serv ia d e g raca, entro u po r um a v erba eterna no o rcam en to " (2:1.1.23), e logo casou co m Joaninba. Depois de ur n ana, ja tem ur n filh o, e a v elh a, doente, esta sendo cu id ad a p ela esp osa. E sta c laro q ue em termos estri tamente f inanceiros, a velha e despesa e na o "verba eterna", assim c omo a decisio de c asa r, em termos financeiros, e erro po rqu e a s c on se q il en c ia s n a tu ra is s a o d eb ito s e m v ez d e luero. E m t erm o s s en tim e nta is o u m o ra is , a re so lu ca o d e casar e d e ac olh er a v elh a pode ser certa. Mas segundo 0canto, Camilo foi Influenciado p r in c ip a lmen te p e la Idgica financeira e m su a d ecisao - lo gica e sp era nco sa e en ga nad ora. C am ilo com eca a jogar no bicho . D e acord o com R. M agalhaes Junior (235-40), Machado tinha ur n verdadeiro fascfnio pelojogo, embora nlio haja evidencias de que ten ha jo gad o. 0 co nto e a pe na s u rn d e v arie s lugares em qu e 0autor 0 cementa. Segundo 0 texto, . . Jogar no bicho na o e u m eu fem ism o c om o m ata r a b ie ho . 0j og ad or e sc ol he u rn m lm e ro , q ue c on ve nc io na lm e nt e re pre se nta u rn b ic ho , e se tal m im ero a ce rta d e se r 0 final da sorte grande, todos as qu e arriscaram nele o s seus vintens ganham, e to do s o s q ue fiararn d os o utro s perdem" (2:1.'124). A f6 de Camilo e "fortalecida" for temente desde a infcio, pois pela primeira vez q ue "jo go u n o b ic ho , e sco lh eu 0 m aca co , e , en tra nd o co m c in co to sto es,g an ho u n ao sei quantas vezes mais" (2: 1.124). Daf comeca 0 vfcio de Cami lo, 0 jogo se torna ur n vfcio pelo mesmo mecanismo qu e causa 0vfcio dos elogios de Jacobina, protagonis- ta de "0 espelho" ( ve r Capf tu lo I ). Cria-se uma relalf3.0 de cumplicidade circular, ur n laco e st ra nho e n tr e 0 s uje it o e 0 objeto, 0 sujeito faz um a pro jeg ao d e sua intencio nalid ad e esperanco sa, apo stand o. D e v ez em quando, 0 j og o " re sp o nd e " a s i nte nc fi es s ub je tiv as , e m iti nd o u m a d os e "retroativa" de dinheiro. Tal retroacao aumenta a proje<;1!osubjetiva, 39 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 20/57 I causando maier par ticipacdo do jogo, 0 que causa maier retroacso, e m i ti o r p a rt ic ip a c;.a o , e m a i er r et ro a c; .a o , ate que se e rie u m a s itu a~ iio f ora de controle. Na sua intera~o com 0 m ecanis me a rb itra rio d o jo go , C am ilo n ao resiste a tendencia de atribuir qualidades de controle Aloteria. Veem-se n ele v ar ia s a pr ox im a co es f ala ze s: 1)Aformula do sucesso, Depois de acertar no macaco na primeira tentativa. Camilo "tornou ao macaco, duas, tres, quatro vezes, mas 0 a ni ma l, m e io -h om em , f alh ou A s esperancas do primeiro dia" (2:1.124) . o protagonists emprega uma tecnica de exito provado em sistemas relat ivamente controlados, como no mundo dos negocios, da polft ica ou do esporte , A repeti~o do s atos s uc ed id os n o passado, porem, na o tern n e nh um a v a n ta g em nosjogos de puro azar, em que cada novo lance tern uma existencia independente, sern hlstoria e sem futuro. Ao acertar no leaD no fim do conto, Camilo sugere a cobra para certo menino: "Isto de lhe indicar 0 bicho que nao dera, em vez do leao, que dera, nao fo i calculo nem pervers idade; foi talvez confusao" (2:1.129) . Sejam quais forem os motives de Camilo, fica evidente que nunca abandona a crenca na poss ibil idade de repetir sucessos do passado, apos tando nos mesmos bichos . 2) Irfluencia pessoal. 0 jogo do bicho e um a derivacao nao- autor izada da Ioter ia oficial , Mesmo assim, Carnilo crS que a intimidade com 0 bicheiro pede melhorar suns chances. Recorre a uma pratica consagrada para consolidar a relaciio: "Camilo resolveu batizar 0 f ilho, e escolheu parapadrinho nada menos que 0 pr6prio sujeito que Thevendia bichos, 0 banqueiro cer to", Pede. "Compadre, quando for a aguja, diga" (2: 1.125) e 0 bicheiro The explica com gargalhadas que nao pode a di vi nh ar . A in da a ss im , continua d a nd o c re d it o a s sugestdes do cornpadre, o que indica que "0 protagonists confunde os terrenos em que ha vantagens na intimidade, e os em que as contatos pessoais na o valem absolutamente nada, 3) ~s palpi tes. Camilo na o "queria it pelos palpi tes no s jornais, como faziam alguns amigos. [ ... ] De uma feita, para provar 0 erro, concordou em aceitar urn palplte, comprou no gate, e ganhou" (2: 1.124). A i nd a d e sc o nf ia da s d ic as n o s jomais, M as ~ d iffcil en t en der p or q ue , ja que Camilo aceita "indicacdesque pareciam vir do ceu, como urn dito de 40 ~ . bra?'" crianea de rea: 'Maroae. por que e que a senhora n~o ~oga na co . (2:1.124) . Jogando bisca com a esposa, descobre smars da .cobra e do (2 '1 126)' vendo urn acidente na rna, aposta no bicho com 0 m.acaco .• , b~ mirnero do carro ( 2: L 127); "entrava por urna rua com as olhos no c ao , clava quarenta, sessenta, oHenta passes, erguia repentinamente os 0!h0s ~ fitava a primeira casa ~ direita ou ~ esquerda , tomava 0 mimero e ia dali ao bicho correspondente" (2:1.127). Tais prat ioas revela.m que, p~ra Camilo, a loter ia nao e urn jogo de casualidade, mas um sistema regido por a lguma forca mister iosa, mas apia a ser descoberta. 4) A persistencia. Sabe-se que a perslstencia tern grande efeito nos s istemas de regras detenninadas. A g u a mole em pedra dura, etc. Seguindo os conselhos de seu compadre, a bicheiro, "eu nao ~ss~ dar conselhos, m as quero erer que voce , compadre, nao te~ paclencla. no mesmo bicho, nao joga com certa cons ti incia. Troca muito. E por 1550 que poucas vezes tern acertado" (2:.1.125_). Avaliando seu. desempenho~ Camilo concorda : "mo sem perslstencla, que era facil desacertar ( 2 :1 .126) e finalmente resolve fixar-se no leao. Quer erer, apesar da natureza independente de cada novo sorteio, que as op~6es se esgotam no decorrer do jogo, como acontece num baralho de car tas. 5) A personl f icasao- Talvez um a parte da atra<tao d~ j~go do b~cho res ida no fato de que a associacso de numeros com os anunais faz 0~og.o parecer rnenos maternatico. frio e impessoa1. As pessoas tendem a atr_tbUlr qualidades pessoais, ou pelo menos animalescas. aos elementos d~JO~o. Camilo parece acbar ° macaco s impat ico quando ganha, por ser m~lo· homem" (2:1.1.24) , e a nt ip at ic o q ua nd o perde, pelo me sm~ motive- Escolhe a cobra, "por causa da ast ticia" (2:1.126); opta pelo leao, po; s~r este "0 re i dos animais" (2: 1.127) e talvez pO t isso prometer urn prermo mais regie. , A mentalidade do protagonista esta sernpre di sposta a eneontrar evidencias do determinismo onde, por definicao, ele na o existe. 0 inverse tambem se ci a no mundo de Camilo. Consideremos, pot exemplo, seu trabalho. Sua funr;iiono arsenal parece ser uma versao antiga da maquina de fotoc6pias; 6 copiador de documentos. Se~a d~f{cil imaginar urn trabalho mais rigidamente determinado, menos arbitrario. Porem, n~~mos q ue , a ss im como a subjetividade d o f u nc iQ n a ~o introduz 0 dete:nurusmo no terrene a rb itr ar io d a loteria, tambem mtroduz a casuahdade no dornfnio control ado do trabalho: 41 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 21/57 I "Cerca das d ua s h or as , e sta nd o A m es a ci a r ep ar tic ao , a c op ia r u rn g ra ve d o cum en to , C am il o i a c al cu la nd o o s n tl m er os e d es cr en d o da sorte, o documento tinha algarism os ; ele erro u-o s m uita vez, po r causa do atro pelo em q ue un s e o utro s T he a nd av am no cereb ro . A tro ca era facil; o s seus v inham m ais vezes ao papel que as do do eum ento o riginal. E 0 pi or ISque ele nao d ava po r is so , escrev ia leao em vez d e transcrever a s oma exam < l a s t on el ad as d e p ol vo ra ( 2: 1 .1 27 ). Logo . q u an d o d e se o br e hav er acertad o n o jo go , C am ilo " deix ou cair a p en a, e a tin ta inu tilizo u a copia quase acabada" (2:1.127). 0 protagonista cria p ro j et os d e te r- minados no m eio d o cao s, e eao s no m e io d e p ro je to s d et er m in ad o s. E cl aro q ue a s ub je tiv id ad e d e C am ilo te rn g ra nd e in fl ue nc ia e m s ua en trega ao jo go . M as, co mo s em pre, p recis am os reco nh ecer tam ben i 0 Iu gar d o o bjeto no m od ele machadiano do m undo, A intersubjetividade, a br ac o e nt re 0 s uj ei to e 0 m und o, ch eg a a s er, m uitas v ezes , cum plici- d ad e. C am ilo s e e mp en ha e m r en de r-s e a o j o go . Mas , po r SU8. vez, 0jogo p ar ec e fa ze r u rn e sfo rc o p ara a co lh er 0 p ob re jo ga do r. N a tr aje t6 ri a d e Cam ilo com o jogador, M dois m om entos eruciais - 0 d o p ri m ei ro s ort ei o, e 0 q ue 're pr es en ta ria u ma p er da to ta l d e s ete ce nto s m il- re is , e q ue s er ia s ua ultima t en ta ti v e: . .S e DaO t ir ar q ua nt ia g ro ss a q ue a ni me , n ii o c om p ro r na is " (2: 1.126) . C om o q ue m q uis es se c ap ri ch ar p ara c on se gu ir o u m anter u rn cliente im po rtante, a s ane faz qu estao d e co op erar nestes m om en to s. D an do jus t.am en te no prim eiro so rteio e no ultim o, 0 jogo d es me nt e s ua p ro pr ia a rb itra rie da de , c ria nd o a im pr es sa o d e u rn s is te ma ab erto e fecbad o co m cb av e d e o uro , N es sa u ltim a te nta tiv a, C am ilo g an ha a pe na s e en to e c in co m il -r eis , Se u prejufzo ainda e de quase seiscentos m i l- re is , m a is qu e seu sa la r io de d oi s m es es . C on sid er an do is so , e im pr es si on an te a fe li cid ad e d e n os so v en ce do r. P ar a f es te ja r 0 a co nt eci me nto , c om pr a u m r ic o p as te liio , u ma garrafa d e vinho do Po rto , e urn go stoso pud im , "em que hav ia escrito, com letras de m assa branca este v iva etem o: 'Viva a e sp er an ca l '" ( 2: L 1 28 ). C om pr a p or c in qiie nta m il -r eis u rn b ro ch e p ar a J oa nin ha . D a u ma bo a g orjeta e u m bo m co ns elho ao m en in o qu e en trega a refeiciio , e e ntra p ara c as a, fe li z c ia vida, "com os em brulhos e a alm a nas m aos e trin ta e o ito m il-reis na alg ib eira" (2 :1 .1 29).C am ilo e 0 ' ' 'inveterado f az ed o r d e f ez in ha s" (M ag al ha es 2 40 ). S ua v it 6r ia c er ta rn en te e ir~nica, pois o s lucros nem se co mparam com o s gas tos . M as a alegria que sente e ta o a ute nti ca c om o a d e q ua lq uer p es so a. A le gr ia e sp er an co sa , a le gr ia te na z, a le gr ia q ue c on stitu i s ua p ro pr ia r az iio d e s er e na o q ue r s ab er d os fates. "Carnilo tinha f e . A fe abala montanhas" (2: 1.124), A f6 abala a 4 2 I "' r ea lid ad e. " ]o go d o b ic ho " e u~ analise persp icaz ~ arb itraried ad e em 1 - a s e s peranc a s humanss 0 conto critica os enganos e assu a re a< ;ao com yo-" ~ "• f ala eia s a q ue 0 racio c!n .io es Ui s ujeito . M as tam bem ~ ao d el~ a d e sec elogio h eterna esperanca d o sec hum ane, a sua ~pacld ad e t:lm osa d e f ab ri ca r a lg un s m om en to s d e f el ic id ad e, sejam qtuuS focem as clccunsUin- cias. 43 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 22/57 I: : IV - A ·LEI DA HOMEOPATIA: "CANTIGA DE ESPONSAIS" . ~m a .das co~tantes da obra de Machado de Assis e 0 discurso ~etal .l te~np - a l i nguagem que, enquanto se refere a urn mundo real au lmagma?O, refere-~ tambem ao pr6prio me io a rt fs ti co . Tal auto- referencia pode t er d imen s ao g e ne ri ca , tratando da literatura em geral d d i . ,ou po e ser ISCU~O _mms .especffico em que a obra revela seus p r6prios processos de cnacao (DIxon, "Auto-referencia" 35) . Como ja se viu a metaficelo nos conto.s machadianos se revela muitas vezes implieitame;te, par mel~ de uma linguagem figurada, e sendo assim uma expressao sec~d~na. As vezes, porem, como no caso de "Cantiga de esponsais" (H_lSt~Tla: se"! data, 1884), a auto-referencia chega a ser explfcita e a cnacao Iiteraria aparece no primeiro plano tematico c ia obra. ? tCt~lo do. canto e fundamental no estabelecimento do discurso metahte~,?o, pois sua referencia IS dupla. Por urn lado, "Cantiga de esponsais se r:fere. a composicao musical D a O desejada pelo protagonista, o mestre ~oma? Pires. Por o~tro lado, ° t itulo anuncia que 0 proprio cont.o e a Cant lga de ':1'0nsal s". Este inte rcambio de textos musica is e esc~tos tem amplo apoio na tradi~o li tera ria. Teria iniciado com textos antigos como os.Sa lmos e as ~tares de Salomao na Bfblia e as cantigas de amor, de amigo e de escamio e de maldizer na tradi980 portuguesa obras que eram autenticamente musicals mas cujas melodias se perderam at ra~es dos anos. Hoj e nao nos parece estranho designar com um titulo musical qu~l~uer texto que tenha urn minimo de lir ismo. Sendo "Cantiga ~e esponsai s um" text~ deste tipo (Tri stao c ia Cunha, 25, charna-o de poema em pr<: .sa ), nao nos estranha de modo nenhum 0 tftulo. Mas a fusao do texto verbal com 0 texto musical vai alem do tftulo como ve~o~ na seguinte exposicao do problema do mestre Rom1io quant~ a com posicao : ' ~ "Parece qu~ M. duas so~es de vocacdo, as que tern lfngua e as que nao te rn. As pnmei ras realizam-se; as t ilt imas representam urna luta constante e esteril entre 0 impulso interior e a ausencia de urn modo de 44 comunicaci io com os homens. Romio era d est as , T in ha v o ca l1ao fntima da rm is ic a ; t ra zi a dent ro de s i m u ita s 6 pe ra s e missas, urn mundo de harmonias novas e originals, que nao alcancava exprimi r e ~r no papel ' (2:387). A capacidade de realizar a vocaeiio musical, entso, per tence a quem tern lfugua para falar e pena para escrever. A comunicaeao musical e def inida em termos pr6prios II . comunicacao oral ou escrita. "Cantiga de esponsais", portanto, en cerra em sua tematica nao apenas a composicao musical, como tambem qualquer t ipo de cornunica- craoartfstica, chegando a enfoear sua pr6pria estetica criadora. Expoe urna filosofia c ia criacrao que e ao mesmo tempo urna c rf ti ca a certas ideias sobre a produc;ao art lst ica que vigoravam naquele tempo. Recorrendo a urna imagem de consideravel i inportancia na obra machadiana, podernos chamar de "lei c ia homeopatia" a no<;ao fundamental desta teoria da criacao. Como sabernos, a medic ina homeopat ica , cri ando com doses pequenas sintornas semelhantes a doenca que tra ta, busea 0 resultado oposto. E um metodo anti linear que, procurando chegar a eerto ponto, parte no sentido contn!.rio. Atraves do persona gem Jose Dias em Dom Casmurro, Machado mostra certa fascinacao pelo rnetodo. De fato, pode- se ver 0romance todo como uma obra horneopatica, j a que uma his t6ria cuj a inten~o parece ser a condena<;1io de Capitu acaba most rando sua inodlncia, segundo urna poss{velleitura ironiea. 0canto" 0irnortal" tern como narrador urn medico homeopatico, e a homeopatia e importante no desfecho do relato. A lei da homeopatia se traduz nurna teoria da criacao que se poder ia resumir nas seguintes f6nnulas: Quem quiser crjar arte deve proceder como se nao qulsesse. A verdade ira arte e urn efeito secunddrio . Segundo Alfredo Bosi, "Cantiga de esponsai s" demonstra que" A beleza nao e obra c ia vontade, mas dom, grac;a do acaso que premia a quem e nlioos que a querem" (449). Mest re Romso serve no eonto como exemplo negative desta regra. Musico de boa fonnac;ao e regente de talento, .e no entanto urn compositor frust rado. Par mais que se esforce, nfio con segue exprimir suas inspiracoes musicais . Cada composicao que comeca acaba em fracasso, ate 0mest re se dar por vencido e deixar suas tentativas de criaciio. S6 resta a esperance de comptetar certo canto esponsalfcio, que 0 viuvo havia comeeado durante seu breve casamento. Sentindo a morte proxima, mestre Romdo tira 0 velho manuscrito c ia gaveta e se dedica a composicao. Porem e impossfvel passar alem da ul tima frase que havia eomposto anos a tras, Pouco antes de falecer, 0 4 5 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 23/57 ., mu si co v B u n s r ec em - ca sa do s na ja ne la d os fund os c ia casa c ia v iz in ha , A n oi va , m u lt o contente, cantarola a to a. M estre R om iio r ec on he ce n o m om ento d e m orrer q ue as no tas q ue ela canta sao ju stam en te as que ele v in h a b u sc an d o p o r t an to t em p o . A bela frase mus i cal pe r tence DaO aquele que ded ico u sua v id a a sua producao , m as aquela que a encontrou espoataneamente e p o r a ci de nt e, N a re ali da de s ao envolvidas no conto, c om o em o u tr as o b ra s (Dixon, Dreams 88 -91 ), d u a s t eo r ia s ci a c ri ay a o a rt fs ti ca r ep re s en t ad a s, r es p ec ti v a- m ente, por M estre R om iio e pela noi va da c as a v iz in h a. 0 concei to a ss o ci ad o a o m e st re e 0m e sm o d o s re ali sta s o u p aro as ia no s b ra si le iro s d o fim d o s ec ulo 1 9. V e-s e n el e u m a f ort e i nfl ue nc ia d a f il os of ia p os it iv is ts . Nao se c Ia p or ae aso a e sco lh a de ur n homem c omo r ep r es e nt an t e desta estetica , p ois a te oria lig ad a a o re ge nte tern asp ec to s m asc ulin es o u ate machis tas . A criayao e co nc eb id a c om o u ma o bra e m seu sen ti d o lite ra l - urn trabalho realizad o p elo esfo rco , A insp irayao d o m dsico e c omo "u rn p assaro q ue ac ab a d e se r p reso , e fo rce ja p or tra nsp or as p are de s d a g ai ol a" ( 2: 38 8 ). E n co n tr ar o s e le m en to s ju st os e u ma q ue sta o d e I utar, d e t ei m ar : " A lg um as n o ta s c he ga ram a l ig ar -s e; [0 mestre] escreveu-as; obra de um a fo lha d e papel, njio m ais. Teim ou no d ia seguinte, dez d ias d ep ois , v in te v ez es d ura nt e 0 tem po d e casad o" (2:388 ). C rier e um a especie d e caca, em q ue 0 a rtista d om in a alg o fu gitiv e. R om ao se sen te t ri st e, " po r n ao t er p o di do fi xa r n o p ap el a s en sa ca o d e f el ic id a de e xt in ta " (2:388, minha 8nfase). Sem pre que se m encio na no conto , a co mposicao e chamada 0 "canto esponsalfcio". 0 contraste co m 0 titu lo d o co nto e impor tante, p orq ue a fo rm a d o tftu lo d o rm isico e ma is e ru d it a, a ca d em i ca , g ra nd il o- q ile nte . H a aq ui u ma a sso cia ciio co m a tendencia a ca d em i st a d o s p o et as parnasianos, V 8-s e u m a preferencia pelo I ad o t ec n ic o da c ri a9 ao n o faro d e m e st re Romao depender s em p re d e s eu i ns tru m en to , 0 crave, para 0 tr ab al ho c ria do r, O ut ro in stru m en to im p re sc in df ve l p ara 0 nnlsico e 0 lapis au a caneta qu e, d e aco rd o co m San dra M . G ilbert e Su san G ubar, s imboliza Ii. f al ic a v is ao p at ri ar ca l c ia cria~o com o um a form a de autoridade, paternidade e dornfnio (3-6). Segundo elas (7), urn aspecto tfpico d o c o nc ei to patriarcal d a c ri a~ o 6 a v is ao d a o bra d e arte co mo propr iedade doautor, um a especie de patrimouio qu e 0autor deixa a s eu s herdei ros , 0pu blico , e q ue assegura a co atinuacao d e seu no me e d e sua m em oria. A o reco nhecer qu e v ai m orrer, m estre R om iio tern 0 mesmo p en sam en to : ."E en tso tev e um a id 6ia singu lar: - rem atar a o bra ag ora, fo ss ec om o f os se ; q ua lq ue r c ou sa s erv ia , u rn a v ez q ue d eix as se u rn p ou co 46 d e alm a n a terra " (2 :3 88 ). V en do o s rec em -c asad os. ~ m estre re pe .te 0 mesmo c on ce it o : . .Aque le s chegarn, disse ele, eu sato, Cornporei ao m e no s e st e c an to q ue e le s p od er1 io to ea r" (~:3~8). . _ . E nfim a ideia do m estre quan to II cnacao artfstica nao difere da m a io ri a d o s' c o nt em p orl in eo s d e M a ch ad o d e A ss is . U rn e xe m plo c on ~re to e f re qi ie nt em e n te c it ad o d e st a i de ia e a "P ro fissao d ~ fe " d e O lav o B ila c, qu e co mpara a p ro jeto d o p oeta ao t ra ba lh o d o o u nv es : Invejo 0o u ri ve s q u an d o e sc re v o: Imi to 0 amo r C om que ele, em ouro, 0 alto relevo Paz d e u m a flo r. (23) o p ro je to d o o u ri ve s sugere um a arte d ura , d e t ra ba lh o d uro e habilidoso, q ue p erd ura atra ve s d os tem p os e g aran te a m em o ria d o artista . T al. e N 8 v isao p ositiv ists v ig en te n o am b ie nte d o fi~ do seculo , e tal .8 VIsa o frustrada de mestre Romao. Embor a haja poucas .refer8nclas. aos "casadinhos" da ca sa v iz in ha , esta s n ao d eix am d e su ge nr o ut~ te on a d a produ<;ao artfstica. N o ta m os q ue os noivos se encontram "na j~ela dosfundos da o utra casa [ ... ] d ebru<tad os, co m o s braces po r_ e rm a ~o s ombros, e duas maDS presas" (2:388). S u ge re -s e q u e a p r odm ; a o a rt fs h ca na o e um a a ti vi da d e solitaria, m as q ue d epend e d o co ntato humane. 0 c on tr as te n a o r ie n ta ¥ io e s ug es ti vo . O s r ec em - ca sa do s,. e m bo ra d en tro ~ c as a, e st ao v o lt ad o s p ar a ° e sp ac o m a is a be rto d o e xte rio r. M ~ tre R om a o se encontra no interio r d e seu quarto , voltado para seu mstrume~to m u si ca l. A s c on v en < to e s, regras e teorias d e q u al qu er . p ~o g ram a ~ te tt Co co nstitu em urn tipo d e estrutu ra, d entro d a qu al a cnaeao se r~hza. A e st ru tu ra d o s n o iv o s, t an to t eo ri ca c om o e sp ac ia lm e n te , e a m a ts a ~rt a. A jus taposiyao espacial do s p e rs ona g en s , p o rt an to , s u ge re um a crftica ~o a sp e ct o f ec h ado c ia e st et ic a q ue v ig ora va n a 6 po ca , c om su a p re oc up ay ao co m a expressao "correta". .o momen to d e e xi lo c ri ad o r ocorre imediatamente ap6s 0 ultl~o fr ac as so d o . m e str e, q ua nd o e st e se da p ar v en cid o e ra sg a 0 manuscnto m usical: . "N esse m om en to , a m oca em beb id a n o o lhar d o m arid o, co meco u a cantarolar a toa, inconscientemente, um a c ou sa nunc~ a n te s cantada ~e m s ab id a, n a q ua l c ou sa u rn c er to ta t ra zi a a p6 s s i u m a li nd a fra se m u slc al~ ju sta m en te a q ue m e st re R om ao p ro cu ra ra d ura nte a no s s em a ch ar n un ca (2:389-90) . 47 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 24/57 · .1 A passagem re ve la q ue 0 seg re do d a o rig in alid ad e e d a arte , das "co usa s n un ca a ntes c an ta da s n em sab id as", esta no in co nsciente d o a r t i s t a e n ao na sua d im ensao racio nal, Para qu e surja d o inconsciente, e p rec i se concen tra r- s e em alg o q ue na o seja 0 objetivo a rtfs tic o, N o ca so d a n oiv a, a e r a s e su rg e q ua nd o e la e sta "em b eb id a n o o lh ar d o m arid o". E u m a le i d e m o vim en to s in direto s, u ma le i h om eo pa tic a: p ara a ch ar A , e n ec es sa ri o e sta r p ro cu ra nd o Z . . A c ri ad o ra d a m e lo di a e m u lh er e se us u nic os in stru me nto s sao as c o rd a s v o ca is da boca. Se a caneta su gere 0 d esejo fa lico e a e ste tic a p at ri arc a1 d a e sc ri tu ra , a b oc a e e mb lem a d o 6 rg ao fem in in e, da visao artfsticamatriarcal e da orientacao pam a expressao oral. De fato, a mu lh er p a re c e ter "p arid o" a m elo dia, d e certa f or m a. T er ia a bs or vi do , in co ns ci en te m en te a tra ve s d o q ui nt al , a s t en ta ti va s p ro d uz id as n o c ra vo d o mestre, T eo ria p assad o u ma esp ec ie d e g esta ~o , em q ue a lin ha m elo die s se au mentasse e se co mp letasse em seu sub co nsciente. A o "d ar h luz" a fra se c om p le ta , p are ce a pe na s c um p rir c om a v o nta de da p r6 p ri a m u si ca , d eix an do -a e sca pa r e sp on ta ne am en te , n o m o me nto e m q ue b em q ueira . o asp ec to estilfstic o ta mb em te rn su a im p ortan cia n esta te oria d a cria~o . N otam os q ue a m oca "co meco u a can taro lar a t oa ". C o n se gu iu c ri ar u m a f rase su blim e q uan do p arec ia n ilo d ar a m en or im p ortan cia ao que cantav a. A B m ensagens profundas sao co municad as po r m eio d e e xp re ss o es j oc o sa s e b an ai s. A i de la d e " ca nt ar ol ar a toa" e fundamental a c om pr ee ns ao d o e st il o d e M achad o d e A ssis em sua fase m adura, C om o assinala J. Mattoso c am a ra (8 1-9 4), ta nt o DOS c on to s C Om o n os ro m an ce s, 0 d is cu rs o t en d e a s er l iv re , e sp on ta ne o, c he io das d iv a ga ~5 es e d is fl ue nc ia s q u e c ar ac te ri - za m a c om un ic aeiio o ra l, C he ga a te a se r u rn "c an tar d esa fin ad o" o u u rn estilo "co m o s .6 brio s", co mo d iz 0 n arra do r B ra s C ub as (1 :5 83 ). Os n ar ra d or es f re qi ie nt em e n te m e n os pr ez am s ua p ro p ri a expressao. Quando B en to San tiago , po r ex em plo , fala d e seu "escru pulo [ ... J d e e sc r ev e r um a ideia , nao a hav endo m ais banal na terra" (1:875). ele cria ain da o ut ra b an ali da de , p ais e triv ia l a po ntar a p r6 pria triv ia lid ad e. M as e sta b an alid ad e o u fa lta d e g rav id ad e n o e stilo p are ce te r u rn efeito c on trario - 0 de r es sa it ar 0 pad er expressiv e d e certas d eclaracd es, A "id eia banal" d e San tiago , po r exem plo , 6 qu e "u rn d os o ffcio s d o ho mem e fechar e ap ertar m uitas v ezes o s o lho s av er se co ntinua pela no ite v elha o SOMa truncado da n o it e m o c a" ( 1: 87 6 ). 0 pensamento, qu e resum e o s g ra nd es p ro blem as ex isten cia is d o h om em ao m esm o te mp o q ue e xa min a 48 u ma d as p rin cip als m an eira s d e c om ba te r 0 problema, e su blim e e D ao ba n a t B IS tanto m en os b an al p or h av er sido c ar ac te ri za d o c om o tal. A c an tig a d e e sp on sa is , e nts o, n ao e 0 canto esponsalfcio d e m e st re R oIn io . C om o su gere 0p ro pr io ti tu lo d o c on to , e u m a c om p os ic ao m e no s g rav e e m en os academica, E o "cantarolar A t oa " d e u m a m o ca c as adin ha , um a frase justa e pro fu nd a enco ntrad a ao acaso , sem ser d iretam ente p ro cu ra da . A o m esm o tem po a ca ntig a d e e sp on sa is ISu ma d efin ic fio d a t eo ria m a ch ad ia na d e c ria ci io , c he ga nd o a d es cr ev er a sp ec to s i m po rta nt es d e s eu p ro je to a rt fs tic o, E ta mb em a p ro pria "C an tig a d e esp on sa is", d efin i~ o e ste tic a d o c on to , d en tro d o p ro prio c on to . o p ad ra o a qu i id en tific ad o, e m q ue o s re su lta do s sa o o btid os 5 6 d e esg uelh a, nao p od eria ser cham ad o um a lei se aparecesse un icam en te n esse c on to . V erific am o s, p orem , q ue su a a plic a~ o 6 m uito m ais g eral, A inda d en tro d a ternatica da cria~o artfstica, a m esrna regra fun cio na n o co nto "U rn h om em celebre". 0 pro tago nista , P estan a, fica ce le bre p or su as p olc as, a s q ua is co m po e e sp on ta ne am en te , se rn lh es d ar im p ort an ci a. P ore m , e m s eu v erd ad ei ro d es ej o, 0d e c om p or m d sic a m ais se ri a, p erm a ne ce f ru st ra do . E m " Urn e rr ad io ", E li sa ri o d em o ns tr a g ra nd e ta le nt o p oe ti co d ur an te o s ja nta re s , o s b ail es , e o s e nc on tro s c om a m ig os . M as q uan do e o bri ga do a e sc re ve r a lg o p ara s er p ub lic ad o , e xt in gu e-s e a vocacao poetics. A lei d a hom eopatia v ai alem dos assuntos esteticos, chegand o a re fe rir-se a os a ne lo s, a os e sfo rc os e a s rea liz ac oe s d e u rn m o do g era l. 0 c on to "0 e nfe rm eiro " m o stra c om o o s re su ltad os p od em ser c on tra rie s A s a~5es que as ocasio nam . P roc6pio , enferm eiro d e urn velho doente abu siv o e antip atico , ch ega a assassina-lo , perd end o 0 co ntro le e e sg an ad o-o d ep ois d e ser a gre did o p elo p ac ie nte, U m a se man a d ep ois, e nom eado herd eiro universal d o defunto . Em "G aleria postum a", Benjam im acaba sendo consid erado um a pessoa fechad a, ri'g id a e a ntip atic a p elo s a mig os d e se u tio . 0 q ue d ete rm in a e sta o pin iiio e d e fa to u m a to d e c arid ad e. B en jam im n ao lh es p erm ite le r u m a serie d e' r etrato s esc rito s, e nc dn trad os en tre o s p ap eis d o tio m o rto , p orq ue o s retra to s n ao l he s ao f av o ra v ei s, Q uando os con tos tratam d e assun to s de arnor, a m esm a regra de c on tra ried ad e v ig ora. E m "C on fisso es d e u ma v iu va m o ca ", E rn flio fa z a s c ort es a u m a s en ho ra c as ad a, Q u an te m a is re sis te nc ia e la o fe re ce , m a is a ssfd uo e le se to rn a. A o m o rre r 0 m a rid o , a v iu va m o str a s ua d is po ni bil i- d ad e a o ra pa z, E ste , p ore m, ja n ao se in te re ssa m ais. E m "M aria C ora ", u rn p reten de nte to rn a m ed id as h ero ic as p ara c on se gu ir 0 am or de um a 49 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 25/57 m u lh er se pa ra da d e se u m arid o. T en do -se a ssse gu ra do q ue 0 e st ad o c iv i l da mulhe r is um im ped im en ta abso lu to p ara q ue ela se v eja aberta a seu am ort e que ela n ia guarda nenh um carinh o pelo m arid o infiel ele Be a lis ta n o. e x erc it o fe de ra l n o R io G ra nd e d o S ui. e nc on tra 0ma ri do e nt re a s tro pa s reb el d es n a g ue rra c iv il e 0 m ata e m c om b ate. V olta nd o a lg um tempo d ep ois a sua amada, d esc ob re -a d e lu to . M a ria C ora th e d ec la ra q ue jam ais p od eria a ma r 0 b om em q ue m ato u seu m arid o. N o co nto "L in ha reta e Iinh a curv a", T ito se ap aix on a po r E milia , m as esta the e M tio p ou ca aten fJiio qu e n em 0 reco nhece q uan do se en co ntram o utra v ez d ep ois d e a lg un s a no s, N a p re se nca d ela e d e o utro s a mig os, T ito d ec la ra q ue j4 p erd eu a c ap ac id ad e d e am ar , A m oca acha of ens iva tal afirm a~o e reso lve ensinar-lhe um a li~o , fazendo -o en am orar-se d ela e en tao Iancand o-lh e em ro sto sua d eclara~o aud az, Emflia acaba apaixonada por ele, e e le p e nn an e ce insensfvel. Porem, quando a amor dela e revelado por acidente, declara se u amor, e propoe casam ento . Q uando ped em um a explicacilo de seu co mpo rtam ento inco nsisten te, T ita d iz q ue "nio tend o alcancad o nad a cam in han do em Iinha retas, pro curo u v er se alca nc av a a caminho po r l in h a c ur va . A s vezes 60 caminho mais curto" (2:151). E is urn bom resum o d este aspecto d o m undo m achad iano , em que a c on ce nt ra ca o d ire ta d o s e sfo rc os v al e m e no s q ue a a pro xi m ac do o blf qu a. P ara q ue m d is ser q ue e sta ~ o utra m an ifesta fJiio d o p essim is mo d o a uto r, p od e-s e re sp on de r q ue , p el o c on tra rio , a visao ch eg a a ser a M o t im ista e m c ert o s en ti do . T al consciencia do m und o po de co rresponder a um a cum - cu ra h om eo pa tic a - d o e xc essiv o sim plis mo p ositiv ista, d o h um an ism o q ue e m su a v isa o e xa ge ra da da c ap ac id ad e h um an a ch eg a a se r A s vezes menos que hum ana. A fin al , a fo rm ula~o m ach ad ian a d este p arad oxo h um an e .n io ~ ta o d ista nte d e o utra d ec la rac do em qu e nao ha nada de p essim ism o : "Q ue m ac har su a v id a p erd e-le -a: e q ue m p erd er a su a vida [ . . . J acha-la-a" (Mat. 10:39). . 50 v .;_A L EI D AS D UA S C AB E<;A S: " l\ 1I SSA DO GAW" A m en ta lid ad e d e M ac ha do d e A ssis e f o rt emen t e d i al et ic a , Ne ohum leiter q ue tenh a lid o, po r exem plo , Esau e Jaco, p od e d uv id ar d esta p re d is po si ca o b in ar ia , N e ss e r om a n ce M a c ha d o s eg u e a c o nh ec id o m o d e le bfblico, cr iando os personagens Pedro e Paulo, divergentes em tudo m eno s no nascimento e na aparencia ffsica. Atraves deles, oautor e xa m in a u m a s eri e d e o po si co es s ig ni fi ca ti va s n o c en ari o i de olo gi co da e po ca , t ais c om o Riol S ao P au lo , e s cr av i d ii o /a b o li ca o , r epub li c a/ impe ri o . A relac;ao an tagon ica en tre as gem eos na o e a t in ic a j us ta p os ic ao i nt er pe ss o al i m p or ta nt e n o r om a n ce . D e i gu al s ig n if ic ad o e a relac;ao'entre a F lo ra e as d ois irm ao s, Flo ra e s fm b o lo d e am b iv a le n ci a; s en te a tr a< ;a o p elo s d o is rapazes, am a o s d ois d e m od es d iferen tes, e afinal d e co ntas e incapaz d e t am a r u m a d ec is ao q ua nd o o s d o is .l he p ro p5 em c as am e nt o. A situa~o de F lo ra em Esad e Jac6 e semelhante a do leiter de D o m C a sm u rr o, r om a n ce q u e s us ci ta d u as i nt er pr et ac o es c o nt ra ri es s o br e Cap itu , um a que a retrata com o ad tiltera e ou tra que a m ostra com o vf tima da im a gin ac jo c iu m en ta d o e sp o so , C o ns id era nd o t od a a e vid en ci a tex tual d o rom ance, a lei tar se sen te incapaz de optar po r um a das possfveis leituras. 0 le ito r d e M em or ia l d e A ir es enfrenta condicao p ar ec id a, E sta c la ro 0 abalo d o casal A guiar, quando a jov em am iga Fidelia (especie de filha ado tiv a) casa e e obr igada .a m u da r-s e p ara L isboa, M as as cond i~ que lev am ao desgo sto pertencem a duas le itu ra s em co ntra dic ao . S eg un do u ma v ersa o, a n oiv o T rista n n un ca q uis afastar Fid elia do s Aguiar. Sua in ten<;ao era ficar no R io , m as fo i o brigad o pelas circun stan cias a m orar em Po rtu gal. Segu nd o a o utra, T rista o p la nejo u d ura nte m u ito te mp o, JIUlS e sc on de u s ua s i nt en cc es . N esta o bra, a am biv alen cia d o lei to r e c om pa rt il ha d a p e lo n ar ra d or , 0 Con s el h ei ro A i re s . E sta a mb iv ale nc ia c he ga a se r padrao re pe ti do n a o bra m a ch ad ia na (B rackel), e faz parte d a co nscien cia d o m un do q ue v isam os d esco brir S1 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais DoQue Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 26/57 D csta an alise, N o m u nd o d e M a ch ad o, 0 s uje it o t en d e d t nd ec is ao e a dllvida, porque m ulta s v ez es a r ea ll da de lh e oferece hipoteses mutuamen te e x cl u sl va s , mas l gua lmen te conv inc en t es . A s v ez es 0 "su jeito " a q ue m e r e fi r o ISpe r sonagem, A s vezes 60 le ito r, e ~ v ezes os d ois. D e no m in ar ei c om o a " le i d as du as c ab e ca s" este p a d r i io , f az e ndo r ef er en ci a a o r om a n ce Esad e Jaw (1 : 1 . 07 1-7 2) . C ert a v ez A ir es v is it a Flora, e esta lhe mostra varies desenhos seus, A ire s d esc ob re o utro trab alh o q ue F lo ra n ao q ue ria lh e m o stra r, u m re tra to d up le , d os ro sto s d e P ed ro e Paulo. "Dua s c a be c as " qu e 6 0 t it ul o d o capftu lo , r e fe r e- s e ao desenho , 1 I. p re se nc a o bje tiv a d o s r ap az es n a a tr ay ao c on tr ad it or ia , c om o tam bem k situ a9io m en tal e em ocio nal da m u lh er, I gu al m en te a tra fd a pelo s do is hom ens, F lo ra possu i (po r gro tesca que a im agem po ssa p ar ec er ) " d ua s c ab e ca s" . A qu i as o py oes apresentad as sao p esso as. Po rem , g eralm en te em M ach ad o as atra¥3 es sao id eias e p od em ser av aliad as, teo ricam en te, c om o fa lsa s o u v erd ad eiras, P od em o s u sar 0 te rm o " am b ig iii da de " p ar a referir-nos a su ge stso d e d ua s o u m a is id eia s, m u tu am en te e xclu siv as, m as cujo a po io p el a i nf or m ae do d is po n fv e l p ar ec e s er igual ( R immon 10 - 1 7 ). U s ar no s 0 t erm o " am b iv al en ci a" p ar a d en om i na r a re ay ao d u vi do sa o u in de cisa d o su je ito d ia nte d e u rn fe no m en o a mb fg uo . Certas construcfies reflexiv as d em ons tram , d e m aneira bem c om p ac ta , 0 mecan i smo da ambigiiidade. Uma frase como "Mar ia e Rosa se olharam" e ambtgua, pois ha duas possfveis "leituras": 1) qu e elas se olharam mutuamen te ; ou 2) quecada um a olhou para si ( ta lv ez n o e sp elh o), se m o lh ar a o utra . As du a s i n te rp r et a co e s s a o exclus ivas; na o existe a~ o qu e" co mbin e o s d o is s en ti do s. A in fo nn a¥ 8o d ad a na o favorece nenhuma da s hip6teses em pa rt ic u la r. P o rt an t o, a amb iv a le n ci a qu an to ao sign ificad o d a frase e um a reayao apro priada po r parte do observador . o exemplo d ev e m o stra r cla ra m en te , ta mb em , q ue a a mb ig ilid ad e depende da escassez de dad os - d a vagu id ad e, Seria facil "reso lv er" a ambigf i idade da frase, ad icio nand o alg uns d etalhes co ntex tuais. A v ag uid ad e em si na o e am b ig ii id a de , c om o 0 concei to esta d e fi ni d o a q ui . A e xp re ss ao v ag a se c ara cte riz a p ela fa lta d e p on t o s d e re fe re nc ia , U m a frase c omo w E seu" e b ern v ag a e a s p os sf ve is re fe re nt es s a o i nf in it o s. A a mb ig flid ad e te rn , d e c erta fo rm a, ex cesso d e p on to s d e re fe re nc ia . N o case da frase so bre M aria e R osa, po r exem plo , existem apenas do is r ef e re n te s , P o r em creio q ue a v ag ui da de s em p re a co m pa nh a a s e xp re ss oe s 52 am b ig ua s; se mp re e sta n a v iz in ha nc a, p orq ue a mb ig ilid ad e d ep en de d a f al ta d e c o nt ex te . o padrfio id en titic ad o n os ro m an ce s d e M a ch ad o d e A ssi s n ao d eix a d e te e i m po rtk ncia n os c on to s. N o cap itu lo 1 0, v ere mo s q ue u ma p arte d o conto " A c h in el a t ur ca ", a a v en tu ra f an ta st ic a d o p ro t ag o ni st a, e ambfgua e m su a o nto lo gia . au e sonho , ou leitu ra em que a participa~o da imagina<;ao do s uj ei to I Smui to a ti va ; n ao se ped e saber q ual 6 a versao verdadeira, Ou tr o e xem p lo interessante e " 0 s eg re do do b o nz e" , c u jo s ub tf tu lo e " ca pit ulo i ne di to d e F er na o M e nd es Pinto". N o re la to , v arie s h om en s fa ze m d ec la ra co es a bs urd as, rec eb en do , n o e nta nto , g ra nd e estima e a pro v a~ ii o d o p ub li co . 0 n ar ra do r d es co b re q ue e st es h om e ns e st fi o p o nd o a p ro va a ult ima fi lo so fi a d o g ra nd e b on ze Pomada: " se u m a cousa pede e xistir n a c pin ia o, se m e xistir n a re alid ad e, e e xistir n a re alid ad e, se m ex is ti r n a opiniao, a c on clu sd o 6 q ue d as d ua s e xi st en ci as p ara le la s a u ni ca n ec es sa ri a I Sa d a o pi nis o" (2 :3 25 ). D es de su a a nu nc ia ¥8 o, e d e se su po r q ue a d ec la ra ca o d o b on zo se ja u m a re fe re nc ia a u m a v erd ad e, um a coisa se cre ta q ue "e xiste n a re alid ad e se m ex istir n a o pin iiio ". Q uas e to da s a s o ut ra s a fi rm a co es il 6g ic as c on sti tu em a prova da v e ra ci da d e d o s eg re d o, e p e rt en c em a categ oria d as co isas q ue "ex isten t n a o pin iao m as n ao na realidade", Ate 0 tim do co nto , po rern, M varies indfcios de qu e a p r6p ri a n a rr ae ao e um a prova d a declaracao do bonzo. J Ii qu e 0 segredo do bonzo pertence a na rra cao , cria -se um a am bigiiidad e no que d iz re sp eit o a o t err it ori o d o s v ar ie s e nu nc ia do s. S e a n arr a~ o e o p in ia o s em realidade, qual e a c la ssific ac ao d o se gre do d o b on ze ? Mas se 0 segredo d e P om ad a ta mb em e o pin ia o se m re alid ad e, p or q ue e sta se nto p ro va do p e la n a rr a~ o ? Ainda outro c ont o no ta v el p or s ua a mb ig fl id ad e I S"C as a, n ao c as a" , em q ue Ju lio n am ora d uas m oeas, e elas, sen do am ig as, ch eg am a sab er d e su a d up licid ad e. N o tim d o re la to , Ju lio re ceb e avisos de que as duas va o c asa r c om o utro s h om en s; p o re m, n ao s e sa be se casam d ev era s, o u se estao apen as se v ing an do d o rap az, 0 co n to t erm i na a fi rm a nd o . q ue J ul io " ju ro u n ao c as ar, e q u e m o r re u hl t p ou eo ca sa do e c om c in co filhos" (2:856) . 0 q ue nao p od em os sab er e se caso u co m um a da s namor adas , o u c om o utra m u Ih er. 0c on to f as cin a ta nto p or s er o bj et o e ni gm a tic o e m si, q ua nta p or re tra ta r a a mb iv ale nc ia d o s uje ito , n a p es so a d e J ulio . Chegam os afinal ao enfoque principal d o capftu lo - 0 conto m arav ilho sam en te enig matico , "M issa d o g alo " ( P dg i na s R e c ol h id a s 1 89 9). T ris ta o d a C un ha id en ti fi es : b ern 8 in ce rteza q ue p en etra a o bra , 53 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 27/57 ! , a o a fi rm a r q u e 0 0 trata d e "a lv ora da s e r6 tic as" e "so nh os e qu tv oc os d o . " . . "ineceu que giram e m to m o u m a o o utro , p ro vo ca m-se , e nv olv em -se , a fa st am -s e" e " na o c he ga m a a tra ve ss ar a s f ro nt ei ra s da r ev e la ca o " ( 25 - 2 6). U m a a tm o sfe ra m iste rio sa 6 es ta be le cid a d esd e a p rim eira fra se d o relate , em que 0 a arra dc r-p ro teg on ista N og ue ira d iz, "N un es p ud e e nten de r a c on ve rsac ao q ue tiv e c om u ma sen ho ra, hli a no s, co ntav a e u d ezessete, ela trinta" (2 :60 5). 0 am biente d a o bra refo rca a atm osferad uv id osa , p orq ue to da a a ~o Be p assa n as tre va s d e q ua se m eia -n oite , A Iin gu ag em d a c on versa cd o e m si n ao 6 a mb ig ua , p ois c on siste n aq ue las b an alid ad es q ue d ua s p esso as n ao m u ito I ntim as e mp re ga m p ara m a nte r urn d ialo go , 0 q ue 6 en igm atico 6 0 contexte ci a conversa, 0 m o tiv o p or trlis d ela , P or q ue a D ona C on cei~ o se to rn a tao lo qu az bern tard e nu rn a n oite d e N atal? A v ag uid ad e te rn g ra nd e papel no co nto , p ais o s m otiv os n un ea m en cio na m ex plic ita m en te , N o e nta nto , 0 leiter na o deb ts d e f or m ul ar a h ip ot es e de q ue C o nc ei ed o q ue r s ed u zi r Nogueira . Esta parece se r a~esma ideia qu e persegue Nog ue ir a d u ra nt e a entrevis la . Porem, no d ec orre r d o e nc on tro , v aria s a ~5 es ep al av ra s d eb il it am e c on tra di ze m essa : hip6 tese, causando ' a fo rm ulacdo d e um a segunda, a d e que C o nc ei ~o e stl i· a pe na s p as sa nd o 0 tem po , ten tan do ser s im patica o u d im in uir su a so lid ao . A s d dv id as d e N og ue ira sa o ta m be m se ntid as p elo le i to r . A h ip 6te se d e q ue Conceicao que r r ea li za r u rn e nc on tr o r om a nt ic o se apoia em varies p onto s d e evidencia, 0 narrad or n os in fo rm a q ue 0 escriv ao M en eses, m arid o d e C on ceicso , d orm e co m o utra m ulh er um a v ez po r sem ana.' "C on cei~ o p ad ecera, a p rin cfp io , co m a ex isten cia d a c om b orca : m as, a fin al, re sig na ra -se , a co stu m ara -se , e a cab ou a eh an do q ue era m u ito d ire ito " (2 :6 06 ). S e a d on a da casa v iv e to do s as d ias co m a id eia d a in fi de li da de d o e sp os o, e r az oa ve l q ue e la c on si de re a gir d es sa m an eira . T alv ez e ste ja d e a co rd o co m 0p ro ce di m en to d o m a rid o p o rq ue e la t am b em s e c om p orts (o u d ese ja c om p or ta r- se ) a ss im , o m om en to p ar ec e p ro p fc io p ar a tal e nc o nt ro am o ro s o. 0estudante N o g ue ir a e sp e ra ameia-noite, para ir A m issa do galo com urn am igo . 0 m arid o estli co m o utra m ulher: "Tinha tres ch av es a po rta: um a estav a co m 0 escriv ao , [N og ueira} lev aria o utra , a terceira ficav a em casa" ( 2: 60 6). A m a e d a d on a da casa, q ue m ora co m ela, esta d on nin do . o m od o d e v estir d a m ulh er su gere um d esejo d e m aier in tim id ad e co m 0 rapaz, Esta d e "ro up ao b ra nc o, m al a pa nh ad o n a c in tu ra " (2 :6 07 ). A s m angas d esabo to ad as pennitem a N ogueira v er-lhe "m etade d os b ra ce s, m u ito c la ro s, e m en os m a gro s d o q ue se p od eria su per" (2 :6 08 ). 54 o r ou p ao d e ix a 0 r ap a z d is ti ng u ir , " a f ur ta , 0 b ic o d a s c h in el as " ( 2: 60 9 ). D eve ser pouca com um este traje na presence d e N ogueira, po is ele afirm a "n aq ue le m o m en to [ ... ] a im p re ssso q ue tiv e fo i g ran de " (2 :6 08 )., . Embor a 0 corpo da m u lh er e ste ja b em c ob erto , 0 usa de roupa m ars in tim a c ha ma a Ilten~o d o e stu da nte p ara se u c orp o. R ep etid as v ez es e m s ua n arra <t io e le m e nc io na s ua p erc ep cf o d o s p es , d o s j o elh o s, d as p er na s e da cintura. O s a ss un to s q ue a m u th er in tro d uz A c o nv ers ac ao s lio t ao s ug es ti vo s quanto 0 ate de aparecer d e roupao . Fala de sua in fll.neia , d e seus s en ti m en to s re lig io so s, e d e s eu s h ab it os d e d o rm i r e e ve ntu ai s p ro bl em a s c om a in so nia , c on fe ssa nd o a M "ro la r n a c am a " (2 ;6 09 ) A s v ezes - tem as d e i nti m id ad e in us ita da p ar a N o gu eir a. Sao tam bem sugestivo s o s gesto s d a m ulher. D it s inais d e estar nervosa: "D e co stu me tinh a o s g esto s d em orad os e as atitu des tran qililas; a go ra , p or ern , e rg ue u-s e r ap id am e nt e, p as so u p ar a 0 o utro lad o d a sala e d eu alguns p asso s, e ntre a ja ne la da rn a e a ports d o gab inete do m a ri do . [ .. . J P ara va alg um a s v ez es , e xa m in an do u rn tre ch o d e co rtin a o u concertando a p osir;a o d e alg um o bje to n o parador." (2:608) . M ais tard e, C on cei9 io "tro co u d e atitu de e d e lu gar. D eu v olta a m e s a " · (2 :6 09 ); "e stre m ece u, c om o se tiv ess e u m a rre pio d e frio , v olto u a s c ostas e fo i se ntar-se n a c ad eira " (2 :6 10 ). 0 fa to d e e sta r a gita da p od e indicar que tenha em m ente algum ato escandaloso , e que tem a ser s ur pr ee nd i da em a ti tu d e suspeita, Ou tr os g e st os da m ulh er su gerem um co nv ite erd tico . E la pO e o s OthOSe m N o gu eira "se m . o s tirar" (2 :6 08 ); "D e v ez e m q ua nd o p assa va a lfn gua p elo s b eico s, p ara urned ece-lo s" (2 :6 08). S en ta-se ao lad e d o ra pa z n o c a n a p e , e i nc li na -s e a te el e ( 2: 60 9). P o e umadas maos no seu ombro ( 2 :6 10 ). Nogue ir a aparentemente sente as po s si b il id a d e s s e dut o ra s d o s g es to s, p oi s c on fe ss a estar " em b eb id o n a s ua p es so a" ( 2: 60 9). Quando 0 moco th e pergunta se a hav ia aco rd ad o, a m ulher afirm a qu e estav a d orm in do , m as q ue aco rd ou ap en as "p or aco rd ar" (2 :6 07). N og ueira, p orem , ach a q ue "o s o lh os n ao e ra m d e p esso a q ue a ca ba sse d e d orm ir: p are cia m o lio te r p eg ad o a in da n o so no " (2 :6 07 ). 0 d eta lh e e i m po rt an te p or qu e s e C o nc eic ao na o dormiu , 0 e nc on tro p od e te r sid o p re me dita do . A se nh ora fa z q ues td o d e fala r b aix o c om N o gu eira . V aria s v eze s d iz "m ais b aix o": e xp lic a q ue su a m a e p od e a co rd ar (2 :6 09 ), e q ue e st a t ern 0 sono m uito Iev e. Se as in ten~ da m ulher sao realm ente 55 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 28/57 a dd ltera s, ela te m o utro s m o tiv es p or n ao q uere r c ha mar a ate n~ o d e su a mie.~, . :,Niio hit ddvida de qu e 0 efeito de tudo isto IS N o gu ei ra fi ca r e fetiv am ea te sed uzid o, p elo m en os n a im ag in ay ao : "e la , q ue era ap en as sim plitica , fico u lin da , fico u lin dfssim a" (2 :6 10 ). P ore m, 0 possfvel enco ntro nao v ai m ais lo nge, Segun do Jo hn N ist, tS p o rq u e N o g ue ir a e ing~nuo e nao percebe os sinais da m ulher (16-17). M as a m eu ver N o gu ei ra p erm a ne ce c on fu se p orq ue o s s ln ais e m s i sl io c on tra di tc rio s. A B evidencias da a p rox i rn a ya o amorosa da m u lh er s lio mitigadas po r o utro s fato re s q ue p are cem d esd iz er a p rim eira b ip 6te se, ta nto p ara 0 p ro ta go ni sta , c om o p ar a 0 leitor. E nquanto espera a m eia-no ite , N ogu eira la u ma o bra altam en te romJintica, O s I r e s mosque te lros . S eg un do D irc e C o rt es R ie de l (1 04 -0 5) , e ste d et al he i nt ert ex tu al c ri a u m a h om o lo gi a d up la e ntr e 0 l iv ro d e D uma s e 0 co nto d e M achad o: um a e p os it iv a, p oi s a m e nta lid ad e d e N o gu eira e sta t ao c he ia d e s en sib il id ad e c om o 0 ro m an ce q ue Ii;a o u tr a e negativa e iro nica , p orq ue N og ueira n ao re aliz a av en tu ra n en bu ma . N otam o s q ue N ogu eira esta d esco nfiad o d e su a p r6pria natu reza ro man tica, e d e sua te nd en cia d e c ri ar f an ta sia s. R ev el a q ue " es ta va c om p le ta m en te e brio d e D um as", quand o C onceicao entro u na sala , Sua prim eira im pressao d a mulhe r e que "tin ha u mar d e v isao ro mJintica, nao d isparatad a co m 0 meu l iv r o d e a v en t ur as "( 2 :6 07 ). Como ja Be vlu, a co nv ers a d a mulher esta l iv re d e p ro va s concretas da in te ny ao d e sed uz ir, D ev em o s ad m itir a p ossib ilid ad e d e q ue 0 receio de pe r tu r ba r 0 s on o le ve da m a e seja °v erd ad ei ro m o tiv o p ara e la q ue re r fa la r b aix o, o u a te p or estar n erv osa. 0 la de m ais cu id ad oso d e N og ue ira d ev e a ch ar q ue C o nc ei ca o e S t a se m ostrand o um po uco m ais am ig av el d o qu e 0 n orm al, ta lv ez po r cau sa da n oite d e N ata l. D ev e p erg un ta r-se ta m be m s e n ao . e st ar ia q ue re nd o u rn p ou co d e c om p an hi a d esi nt er es sa da , C o m o ja .d is se m os , o s a ss un to s d a p ale stra p od em t er s id o c alc ul ad o s p ar a criar u ma atm osfera d e in tim id ad e e suscetib ilid ad e. Po r o utro lad o, alguns assuntos pod em parecer irnpr6prio s se a inten~o dela fosse realm ente a de sed uz i r . S eria u m t an to i nc o ng ruo , p or ex em p lo , fa la r "<las su as d ev o¢es d e rnen in a e m oca" (2:610), m en cio na r a s sa ntas n o o rat6 rio e c ritica r o s q ua dro s d o m arid o, p or serem im p r6 prio s p ara u ma casa d e fam ilia (2:610), se desejasse m esm o efetuar urn encontro pecaminoso. A lg un s ato s d e C on ce ic ao p are cem in co nsiste ntes p ara u ma m u lh er d es ejo sa d e u m a c on qu is ta . N o gu ei ra re la ta , " Ha vi a t am b em p au sa s, D u as 56 o utras v eze s, p are ceu -m e q ue a v ia d orm ir" (2:609). C re io q ue d o rm i ta r s eri a m a is provavel d ur an te u m a c on ve rs a a toa do , ~ue du~te um a seauy8o. F al an do a in da d es se s a pa re nt es c o ch i lo s , Noguei ra mencsona qu e os "olhos cerrados 'po r urn instante, abriam-se logo sern sono ne m fadiga como se el a 08 houvesse fechado p ar a v er melhor" (2 :6 09 ). S e d e fa to d ~rm i u, o s o lh os d a s en ho ra s e re cu pe ra m q ua se im e di at am e nt e. ~ te d ~ta lh e c ri a d d vid as s ob re a s d ii vid as d o e st ud an te , q ua nd o a m u lh er d is se qu e "aco rd ou po r aco rd ar", 0 enco ntro ped e ser sem pre~ed ~ta~ o. E la p ed e h av er d orm id o d e v e rd ad e, se m m o stra r n os o lh os o s smars do SODO. P ara S 6n ia B ra yn er, a "a tm o sfera in diz iv el" d o co nto e p ro du to d o "foco narrative autobiografico", qu e reduz e t or na " ex cl us iv o 0 p onto d e v ista cen tral po is as m otivacdes aparecem analisadas do ftngu lo do p ro ta go ni sta ~ ( "C o nto " 1 2). C o m c ert ez a 0 p on to d e v is ta c ria c on di~ oe s p ro pfc ia s p ara a a rn big ii id ad e, ~ IS im po rta nte r~ on h~ er q u.e o s fa te s em si sao equfvocos, 0 protagonista e n arra do r n ao cna. 0 eD l~ pa~ o le ito r; p erce be -o p or si m esm o e co m partilh a-o c om 0 l ei l o r. 0 r ni st er io tern sua o rigem na alm a in decisa d e C onceicao . C om o o bserv a E arl E . Fritz, "A am b ig iiid ad e e ssen cial d o co nto 6, na r~1 id ad e, d upla: a c on fu sa o d o n ar ra do r s ob re 0 q ue ac on te ce u e, m ais I mp orta nte me nte , a confusso d e C o nc ei <; ii o sobre 0 m odo de proceder, cODsiderando a infidelidade d o m a rid o e suas pr6prias necessidades sexuais" (70). Uw 'd o s e fe it os da ambigi i idade Iiteraria, segundo Rimmon (228-31), e obr igar 0 le iter a d eter-se na ex periencia d o texto , reex am inand o tre ch os le va nd o em c on ta p eq ue no s d eta lh es e re av alia nd o c on clu s5 es subjetivas a luz d e n ov as evidencias. Rimmon identif ies a ~mbigi i idade c om u rn d os "rec urso s re ta rd ativ os" q ue , se gu nd o o s fo rm alistas ru sso s, sa o a gloria da linguagern [jteraria, p o rq u e c ri am a " de sa ut or na ti za ci io " na recepciio d o leito r, obrigand o-o a perceber m ais sensivelm ente a linguagem , os dram as fictfcios, a v ida (Shklov sky 12-13). , Nao se efetua a sedu~o erotica no conto . N o entanto, creio qu e p od em o s fa la r d o e fe ito da a m bi gi ii da de c om o u m a " se du cs o e pi ste m ol o- gica" e um a "seducao literaria". N ogueira nao chega a se~ amante de C on ceic ao , m as n ao d eix a d e fic ar e nc an ta do p ela fo rc a d o e nig ma. C om o ja se m encio nou , em certo m om ento ele se acha "em bebido " na pessoa d a m ulh er, C ertam en te u m d os fa to re s q ue ca usa e ste e nc an to e a p r op ri a am big iiid ad e d a situ aca o, a c oe xiste nc ia d e d ua s h ip 6te ses m utu am en te exclus ivas , 0 l eit or d o c on to e co nv id ad o, d e m od o encan tad or, para a me s rn a s edu c ;a o . 57 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 29/57 ) . ' t. ,; ;' VI - A LEI DOS FSCRAVOS: "A CAUSA SECRETA" A p ri m ei ra v is ta , " A'c au sa s ec re ta " (Vdrias his/arias, 1986) p a re c e ser produto tfp ico de fim de seculo , R etrato grafico d e urn caso de c om p ort am e nto s or did o e a be rra nte , 0 relate p are ce ju stifica r a clas- s if ic a~ o d e s eu a ut or c om o a de pto da e sc o la n at ur al is ts . D e f at o, H e rm a n L ima (43) menciona 0co nto c om o e xe mp lo d o "c ru el re alism o " q ue se ria a ss oc ia d o c om M a u pa ss an t. Em v ista d e SUBS o utras o bra s, p ore m, ta l c la ss ifi ca ca o s eria p ou co a pro pri ad a. M a ch ad o c rit ic ou a be rta rn en te o s naturalistas e realistas, afirm and o qu e sua acum ulacao d e d etalh es concretos impedia ao lei to r a libertacao da imagi n a9 a o (3:908). Por su a v ez, te orizo u a p ratic ou u ma e ste tica d e v ag uid ad e e n uan ca . Po r qu e, entao , as im ag ens tao gro sseiras d e "A causa secreta "?P ro po nh o d em o ns tra r a qu i q ue a a pa re nc ia n atu ra lis ta d o c on to c on tr ib ui a 'u ma estetic a b ern m ais m o de rn a q ue 0 n aturalism o - estetica em q ue o enfoque social tende para 0 psicologico, 0 enfo que m oral para 0 me ta ff si co , e 0 r ef er en c ia l p a ra 0 auto-referencial. P ara a po iar e sta d em o nstrac ao , rec orrere i a o utro te xto d e g era ca o p assad a, q ue su rg e a go ra co m o u rn tratad o m o de rn fssim o , 0 e nsa io "0 estra nh o" ("D as U nh eim lic he ") d e S ig mu nd F re ud , p ub lic ad o em 1919, e ago ra urn d os texto s cen trais para a teoria pos-estruturalista (Hertz; C ulle r 2 61 -6 8). A ntes d e so nd ar as e stra nh eza s freu dia na s, p orem , u ma a pro xi m ac so d o c ora ca o s el va ge m se gu nd o 0 au tor b r a si l ei ro , Se M achado era obcecado por algo, dever ia ser pelo pr6prio fenemeno c ia o bse ss ao . 0 a li en al is ta B ac am a rte c om s ua C as a V erd e, B ra s C ub as c om se u em plasto , Q uin cas B orb a c om seu h um an itism o e In acio c om o s b ra ce s cia r nu lh er d e s eu c he fe s ao a pe na s u n s p o uc o s r ep re se nt an - te s d o s p ers on a g en s m a ch ad ia no s p os su id o s p ela idee fixe. Oconto "A causa s ec re ta " e sc ru t a u ma d es sa s f ix a9 0e s - a do fasc fn io o u a te en ca nto n a observacao d o so frim en to . E m bo ra e ste na o seja urn terna m uito freqiiente em M achad o, ele nao se lirnita apenas a este co nto . A lfred o B osi (4 55) apo nta 0 so neto "Su av i m arl m agno " (Ocidentais) co mo an teced ente ternatico d o co nto . Leito res d e Dom 58 Casmurro reconhecerao 0 m esm o m otiv e n os seguintes epis6d io s: no e nc on tr o e nt re B en tin ho e 0j ov em l ep ro so , Manduca , em qu e Bentinho Be ve p as mad o p ela v ista d o d oe nte ; e no m om ento, breve mas in- quietante, em que E zequ iel e outros c ia f am t li a o lh am , f as ci na do s, 1 1 . ag on ia d e u rn rato n a boca d e um gato , "A c au sa s ec re ta " l ev a e st e l em a , q ue c on siste a pe na s em u ma d iv ersa o em D o m C a smu rr o , para 0 centrodo palco . A o m esm o tem po , 0 c on to d esv en da a fix a~ o m6rbida em lugares inesperados, m ostrand o ser esta um a parte d e pesso as· de aparencia norma l e de praticas honradas, e suger indo que t al f ix a<; ao p o ss a s er p ra ti ca f re qi ie nt e da pr opri a l i te r atu ra . . 0 personagem p r in c ip a l, F o rt u na to , e a c l ar a d emon st ra ~ o de·um c aso p at o1 6g ic o - 0 sa dism o . C om o in dica B osi (4 55 ), a c ru el d ad e d o . p erso nag em p are ce in ata , co m o se fo sse d ete rm in ad a p ela F ortu na q ue traz em seu nom e. 0 "nato" no no me tam bem sugere um a cond i~o c on ge nit a, E nq ua nt o c arn in ha n a c al < ; a d a , W i b en ga la da s n o s c ac ho rr os (2 :5 12 ). S oc orre u rn h om e m e sfa qu ea do , m a s p erm a ne ce p am o bs er ve r enquanto 0m ed ico cu ra s ua s f e ri da s: "Dur an te 0 c u ra ti v o [ . .. ] F o rt u na to serv iu d e criad o, seg urand o a bacia, a v ela, o s pan os, sem p erturb ar n ad a , o lh an d o f ri am e n te p ar a 0 f er id o , q u e gem i a m u it o" ( 2: 51 3) . I nv e st e se u c ap it al p ar a m o n ta r um a c lf ni ca , s er v in do e n ti o de a ss is te n te p am 0 medi co . 0 me d ic o " 'V ia -- os er vi r c om o n en h um d o s famulos , Nao recuava d iante d e nad a, nao co nbecia m olestia aflitiv a o u repelente, e estav a sem pre pronto para tudo a qualquer bora d o d ia ou da no it e" ( 2: 5 15 ). F ortu na to d ec la ra t er g ra nd e fe n a p ra tic a d a c au te ri za ca o, e s e o fe re ce p ara fa zs -l a s em p re q ue s urg e a o po rtu nid ad e (2 :5 15 ). E stu da a na to m ia e fisio lo gia , u san do a nim ais v iv os p ara se us p ro jeto s: "o cu pa va -se n as h ora s v ag as em ra sg ar e en ven en ar g ato s e ciie s" (2 :5 15 ). Certo d ia descobrem Fortunato to rturand o urn rato , num caso e st ra nh o d e j us ti ca c om pe ns at or ia . G a rc ia , 0 m e dic o, " le m bro u-s e q ue , n a v es pe ra , o uv ir a F ortu na to q ue ix ar -s e de urn rato , que the le va ra u m papel importante: mas estava l on ge d e e sp era r 0 q ue viu " (2 :5 16 ). V iu F o rt un at o c om 0 rato pendurado s ob re u rn p ra to d e a lc oo l q ue fl am e ja va , c orta nd o , u rn p or u rn , " co m u rn s orri so t in ic o, re fle xo d e a lm a s at is fe it a, alg um a c ou sa q ue tra du zia a d elfcia fn tirn a d as sen sa co es su prem as" (2 :5 16 ), a s m e m br os d o ra to a go ni za nt e, S eja p or d es fg ni o o u p or u rn p ou co d e s ort e p erv ers a, F ort un ato c as a co m u ma jo vem nerv osa e fraca, qu e sucu mb e a tuberculose: "N os u ltim o s d ias, e m p rese nc a d os to rm en to s su pre mo s, a In do le d o m arid o su bju go u q ualq ue r o utra a fe i~ ao . N do a d eix ou m ais; fito u 0 59 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 30/57 I01hO:'~ e f ri o : n a q ue la d ec om p o si ~o le ot a e d o lo ro sa da v i da , bebeu ' lt in a' ra ' um a a sa fl ic ;O es d aq ue la e ri at ur a, agora m agra e transparente, d ev ora da d e fe bre 6 minada d e m o rte . Egofsmo as pe rrim o , fa min to d e ~, nio lh e pe r doou ur n s 6 m i nu to d e a go n ia , ne m l ho s p ag ou urns oo'14grima, publica o u I nt im a . S6 quando ela expirou, ~ qu e ele f icou a tu rd id o . V o lt an do a si, v iu q ue e st av a outra vez 00 " (2:518) . , , ',L en do 0 r el at e e m u rn m y el m a is s up er fi cia l, n li o s eri a i na de qu ad o classifiea-Io como obra r ea li st a o u n at ur al is ta . "A c au sa s ec re ta " e ex em plo d o talento de M ach ad o p elap enetracao p sico l6g ica, e , para a ep oca , u rn e stu do a tre vid o c ia p erso nalid ad e sd dica. D e aco rd o co m T ri st ao d a C u nh a, 0 c o nt o e st ud a " um t an to s up er fi ci al m ea te " 0 assunto (26) , Talvez seja verdade tal jufzo, mas um a leitura que v8 0 retrato p at o l6 g ic o c om o 0 unico m y el d a a n al is e t am b em p e es p el a superficialida- d e; 0 tex to nao e s im p le sm e nte u m e st ud o p si co lo gi co ; M o ut ro s f at ore s e m jo go n o c on to , a um en tan do e m g ra nd e rn ed id a a su a riq ue za tem atica e s ua c om pl ex id a de e st ru tu ra l. : : , C a be a go ra s us pe nd er a s e st ra nh ez as m a ch ad ia na s, p ara c on si de ra r S igmund Freud e seu ensaio "0 e st r a nh o " . N e st e texto, F re ud d ef in e a n~ o d o e st ra n ho em term os d e um a c o nt ra d ic ao . D ep ois d e reconhecer o sen tid o trad icio naI d o term o "un heim lich " co mo "fo ra d o co mu m" au "estranho" , 0p si ca n al is ta d e cl ar a q u e "0e st ra nh o e a qu el a c ate go ria d o a ss us ta do r q ue r em e te a o q ue e c on he cid o, d e v elh o, e himu i t o f am i l ia r" (277) . A no9lio v olt ar a o i nt ci o e i mpo rt a nt fs sima , s uge ri n do 0 pr incfpio essen cial d e circu larid ad e o u rep eti~ o. Freud ex plica a id eia co m u ma a ne do ta d e su a p r6 pria v id a: "E m c erta ta rd e q ue nte d e v era o, c am in ha va e u p ela s ru as d ese rtas de urns c id ad e p ro v in ci an a n a I ta li a, q ua nd o m e encontrei nu m quarteirao so bre c ujo ca rate r n ao p od eria fica r e m d iiv id a p or m u lto te mp o. S e v ia m mu l he re s p in ta d as n a s j an el as d a s p eq ue na s c as as , e a pre ss ei -m e a d ei xa r a estreita rna n a esqu ina segu in te. M as, d ep ois d e hav er v agad o algu m t em p o s em p e rg u nt ar 0 m e u c am i nh o, e nc on tre i-m e s ub it am e nt e d e v o lt a a m e sm a rn a, o nd e a m i nh a p re se nc e c om e ca va a go ra a d es pe rt ar a te n~ ao . A fas te i-m e a pres sa da me nte u m a o utra v ez m ais, a pe na s p ara c he ga r, p or m e io d e o utro detour , a m esm a rn a p els te rc eira v ez . A go ra , n o e nta nto , so brev eio -m e u ma sensa~ ao qu e s6 p osso d escrev er co mo estran ha, e a le gr ei-m e b as tan te p or e nc on tr ar- me d e volta 11piazza q ue d ei xa ra p ou co antes , sem q u ai sq u er o u tr as viagens de descobe rta " (296) . Freu d p en sav a ter cam in had o em lin ha reta , a tim de d i st an c ia r- se da s a r e a s de o m rep utacso , M as, pelo co ntrario , seu s esfo rco s 0 60 devolveram para 0 p on to d e p artid a. A n~o freud iana do estranho , p ortan to , te m a vet d e a lguma fo rm a co m a linh a qu e Be r ev e l a , inesperadamente, cfrculo, E m ce rta a ltu ra (2 77 -8 4), 0 p sic 6lo go s e d esd ob ra e m filo lo go , encontrando fenomeno s em e lh an te n o d es en vo lv im e nt o e ti m ol6 gi co da palavra "unheimlich". 0 vocabulo "heimlich" geralmente significa "caseiro", "familiar" , mas tambem q ue r d iz er "particular", "Intimo","sagrado" o u " se cr et o ". E s le nd e nd o 0 s ignif icado "secreta", "heimlich" t am b em c be ga a d en ot ar " oc ul to ", " in ac es sfv el ", " es tr an ho ", V eri fi ca - m os, en ta~ , u ma ram ificacao su til no d esen vo lv im en to d o sentid o cia p al av ra q ue a ca ba n a c on tr ad ic ii o, " He im l ic h" s ig ni fi es t an to " fa m il ia r" c omo " e st ra nho ", 0a cre sc im o d o m o rf em a " un " f az a p aI av ra re fe rir -s e ao opo sto d e "heim lich". M as por causa d a sem antica duv id osa d e " he im l ic h" , t em o s 0e q ui va le nt e l in g ii fs ti co d a a ne d ot a d e F re ud s o br e s eu passeio na aldeia italians. 0 prefixo oposicional, qu e deveria l eVa~~D?~ p ara o ut ro l ug ar, d ev o lv e-n o s p ar a 0p o nt o d e: o ri ge m , p oi s b a d ef m i't ~ em que "heim lich" e "unheim lich" sign ificam a m esm a co isa. A a ne do ta , se gu nd o F re ud , ex em p li fic a 0 p ri nc fp io d a r ep e ti 9l io i nv o lu n ta ri a, q u e produz a s en sa cf io d e fi ni da c om o estranha, D iria e u q ue to da a re pe ti9 lio te rn , n a s ua e sse nc ia , a lg o d e e stra nh o. A re peti 'ia o e u m fa to r i ne vit av el d a v id a, a ce ita q ua se a ut om a ti ca m en te , e n es se s en ti d o e fam iliar. M as a repeticjlo se b as ei a D um paradoxo, e se pensa rmos bern no fenemeno, tambem pode parecer-nos estranho. Consideremos os e lemen to s r ep e ti d o s Al e A2. A2 s6 p od e se r re pe ti9 lio em v irtu de d e se r diferente d e A I. Sem diferenca, nao ba p lu ralid ad e n em serie, M as d a m e sm a m a n ei ra , A2 00 p o d e s er c on si de ra do re pe ti tiv o s e f or igual a AI . o fen om en o e u m a e stra nh a c om b in ac ao d e p erio dicid ad e e d o re to rn o, d a lin ea rid ad e e c ia c irc ula rid ad e. A re petic so e m si e ou tr a v a ri a cs o da anedota, Esforcando-se para Ievar-nos a um lugar novo , sempre no s d ev o lv e a o i nf ci o. E sta s c on sid era co es n os d ev olv em a o c on to m ac ha dia no , E m b re ve c o rn e n ta ri o s ob re 0 c on to , S on ia B ra yn er a firm a co m m uita ra z1 io q ue a o bra rev ela u rn a "crise d e id en tificacao " em que fig ura 0 "choque da id en tid ad e e d iferen ca" ("C on to " 1 6). P ara B ray ner, po rem , 0 cheque p are ce e xis ti r d en tro d e " urn rn es m o indivfduo" ( "C o n to " 1 6 ), F o rt un a to . A ceito a id eia d e q ue 0 c on to e xp oe u m a c ris e d e i de nt id ad e e d ife re nc a, m as nao posso ver Fo rtunato co mo ser antagon ico e am biv alen te. A s evidencias parecem apoiar a avaliacao d e B o si, q ue 0 v e c om o u rn h o m em e ss en ci al m en te m o rb id o . A n to ni o C an di do o b se rv a q ue 0 c oo to e x emp li - fica 0 le ma , freq iie nte e m M a ch ad o, d a "re la 9lio d ev orad ora d e h om ern 61 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 31/57 .,~" (29);1C'armelo -Virgilio atirma que ta l exploraci io, em que 0 ego{8JDOse reve la-no proprio a ltru fs mo , 6 a "causa secreta" do conto e de f o d : a a ohra macbadiana. Porem creio que essa vis io se limita demais, aoveruma rel~o simples, em que Fortunato i0 "devorador" e a esposae Garc ia sao os"devomdos" (Candido 3 () "3 1) . C om e camo s a decifrar a complexidade quase oculta do relato ao reconhecermos que este n10 trata apenas 'de urn personagem oodico. mas de dois. 0 medico Garcia;' para quem Fortunato estabelece uma clfnica e com que ele fuibalha, chegaa 'ser tambem seu companheiro manfaco. 0 olhar de Garcia esta q~ sempre 'presente durante as experiencias sadicas de Fortunato. Mas este olhar nao parece ser tao "caste" como John Nist afirma (15). Como Fortunato, Garcia 6 observador obsessivo do sofrimento. 'Porem, enquanto Fortunato 6 atrafdo pelas enfennidades ffsicas, Garda parece mais interessado nas anormalidades psicol6gicas. A obsessao de Garcia pode ser menos repugnante, mas nao deixa de ser obsessso. No conto, Fortunato e Garcia sao duplos e existem numa condi~o de impl ica~o mutua. Enquanto Fortuna tobaba sabre 0 rato torturado, Garcia baba, vendo Fortunato babando sobre 0rato torturado. 'Garcia possui as mesmas qualidades de Fortunato; a maneira pela qual suas qualidades sao m anifestadas IS que aparece num nfv el m ais aceitavel para a sociedade, Fortunato dissecaos corpos; Garcia disseca as almas: "Garcia [ ... ] possufa, em germen, a faculdade de decifrar os homens , de decompor os caracterss , t inha 0 amor da analise, e sent ia 0 regale, que dizia set supremo, .de penetrar muitas camadas morais, ate apaJPar 0 segredo .de um organismo" (2:514). Enquanto ainda estudante de medicina, Garcia descobre Fortunato n um a n oite no teatro. 0 teatro S. J an ua rio f ic a n um recanto escuro , e ~ ~ia1izado em c er to g e ne ro , 0 "dranialhiio.cosido it f ac ad a s, o u ri ca d o de lDlPreca~ e remorsos" (2:512) . Nao ~ p o r a ci d en te que esse tipo de teatro; que produz dramas de sofrimento ftsico e psicol6gico, atraia pessoas como Fortunato e Garc ia -.Noentanto, 'Garcia parece ir la nao ~pen~ para observar os aconlecimentosno palco, mas tarnbem para invesngar 0 que se passa na plateia. Fortunato'senta perto de Garcia e logo se torna 0alvo da aten~o des te:, "Fortunato ouviu fa peea] com singular interesse. Nos lances dolorosos, a Btenc;ao de l~ redobrava , os olhos iam avidaments de um persona gem a outro, a tal ponto que 0estudante suspeitou haver na peca 62 r em i ni sc en c ia s p e ss o ai s do vizinho, No tim do drama, veio uma farsa; m as Fortunatoniio esperou po r ela e saiu: Garcia saiu alots dele" (2:512). Este encontro de Garcia e Fortunato e st ab e le ce u r n padriio, que sera repetido numerosas vezes no conto: 0 de Garcia, observando Fortunato, que por sua vez esta a observer algo. Por exemplo, quando Fortunato e L i assist encia no homem esfa - queado, Garcia tambem esta presente porque mora no mesmo ediffcio da vft ima: "Garcia e stav a ato nito , O lho u para [Fortunato]. v i u- o s e nt ar -s e tranqililamente, estirar as pemas, meter as maos nas algibeiras da s calcas, e fitar os olhos no ferido, Os olhos eram claros, cor de chumbo, moviam- se d ev ag ar e t in ha m a e xp re ss so dura, seca e fria. {... ] A sensa~o que o estudante recebia era de repulsa ao mesmo tempo que de curiosidade" (2:513). Depois de estabelecido 0 vinculo protissional da clfnica, Garcia continua a observar Fortunato, e conclui que descobriu algo essencial no carater do outro: "Garcia pode entao observer que a dedicac;ao ao fer ido da rn a D. Manuel nao era um caso fortuito, ma s a ss e nt av a na propria natureza deste homemTl(2:515). o fascfnio de Fortunato pela agonia do r at o I S du p li ca d o DO conto: simultaneamente, Garcia e fascinado pelo comportamento anormal de Fortunato. Neste caso,' como em todos os outros casos em que Fortunato observa, vemos 0 incidente pelos olhos de Garcia. 0 medico "estava longe de esperar 0 que v iu , [ ... ] D es vio u os olhos, depois voltou-os novamente, e estendeu a mao pam impedir que 0 sup1!cio continuasse, mas nao cbegou a f az e- lo , porque 0 diabo do homem impunha medo, com toda aquela serenidade radiosa da f is ionomia. [ .. . ]Garcia, defronte, conseguira dominar a repugnancia do espetaculo para fixar a cam do homem"(2:516). , Segundo 0t ex to , e xi st e u m a " com un ha o dos interesses"(2:515) entre Garcia e Fortunato. Uma manifestac;ao importante des ta duplicacao esta no fato de que Garcia se enamors pela esposa de Fortunato. Como 0 outro, Garcia parece estar obcecado pelo sofrimento da mulher: "Garcia tornou-se familiar na casa; ali j antava quase todos os dias, ali observava a pessoa e a vida de Maria Luisa, cuja solidao moral era evidente. E a s o li d ao como que the duplicava 0 encanto. Garcia comecou a sentir que alguma cousa 0 agitava, quando ela aparecia, quando falava, quando traba lhava, ca lada , ao canto da jane la, ou tocava ao piano umas musicas tristes, Manso e manse, entrou-lhe 0 arnor no cora~o"(2;515). 63 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 32/57 .~' :A~ 0 t im do relate, 0padrao normal na dupl icacso de Fortunato e O arcia 6 a repr:esenta9io d aq ue le c om o observador primario do sofr imen- to, e este comoobservador secundario, Garcia olba Fortunato olhando. Como se quisesse enfatizar a identidade dos dois personagens , 0 conto inverte a re la~o na ultima cena. Agora Garcia , em seu olhar sofrido, esta s ea do o b se rv ad o p o r Fortunato. Durante 0 vel6rio c ia mulher , Garcia sugere que Fortunato Be retire p a ra d e sc an s ar : "Fortunato saiu, foi deitar-se no sofa da saleta contfgua, e adorme- ceu logo. Vinte minutos depois acordou, quis dormir outra vez, cochilou alguns minutos, aMque se levantou e voltou a sala, Caminhava nas pontas dos pes.] ... ] Chegando a porta, estacou assombrado, Garcia tinha-se cbegado ao cadaver. levantara 0 lenco e contemplara por \.Iguns instantes as feiltOes defuntas. Depois, como se a morte espir itualizasse tudo, inclinou-se e beijou-a na tes ta. Foi nes te momento que Fortunato cbegou a porta . Estacou assombrado; nao podia ser 0 epflogo de urn livro adultero. Nao tinha ciurnes, note-se; a natureza compo-lo de mane ira que the nao deu ciumes nem invej a, mas dera-lhe vaidade, que nao 6 menos esc rava ao ressentimento, Olhou assombrado, mordendo os beicos. Entretanto, Garcia incJinou-seainda para beijar outra vez ocadaver; mas entao nlio plkJe mais. 0 beijo rebentou em solucos, e os olbos nao ,puderam conter as Iagrimas, que vieram em borbotoes, lagrimas de amor calado, e irremediavel desespero. Fortuna to, a porta, onde ficara, saboreou tranqii ilo essa explosdo de dor moral que foi longa, muito longa, deliciosamente longa" (2:518-19). Para Salvatore D'Onofrio, a cena representa uma inversao da normalidade em Fortuna to. 0 homem deve sent ir angustia ao perceber que 0companheiro ama sua esposa. Porem, sendo perverso, sente prazer em ver 0 sofrimentodo outro(34) . . Esta inversso dentro da alma de Fortunato esta vinculada a outras invers5es - inversao de ponte de vis ta, como ja mencionei, e inversao estrutural, 0 epis6dio e complemento daquele do rato tor turado, estabelecendo tanto Fortunato como Garcia como voyeurs, e como objetos sofridos do voyeurismo alheio. Personagens que se duplicam entresi, Garcia e Fortunato par ticipam do paradoxo da repeti9io e do conceito freudiano do estranho. Indivfduos e, no entanto, c6pias urn do outro, envolvem 0 leitornumjogo estranho de comparacoes e contras tes, obr igando-o a colocar em duvida os limites entre sagradas oposi l;5es como sujei to e obj eto, normal idade e anomalia , estranho e familiar. 64 ,. J A crueldade e urn tema consagrado na literatura comprometida, Na maioria dos contemporaneos de Machado, a distin~o entre 08 opressores e a s v ft im a s e clara, como e clara t amMm ' c er ta h ie ra rq ui a mora l. Os oprimidos slioinferiores em tennos de poder, mas superiores moralmente. o leitor, desde UJ IU l posi<;io t ambem de super ior idade moral, identifica-se com os justos. Um a parte da anomalia radical a pr es en ta da n a o br a de Machado de Assis consi ste no rechaco das h ierarq uias m orals . E m .. A causa s e cr et a" , a qu il o que a principio p are ce s er h ie ra rq ui a - Fortunato sendo mora lmente infer ior a G arc ia - a ca ba n a rev ela cilo da cumplici - dade entre os dais. Vemos 0 mesmo padri io em outros contos. Em "'0 case de vara", Damiao foge do seminario que e, para ele, insupcrtavel. Seus protetores ameacarn manda-Io de volta. 0 lei tor comeca a sim- ,patizar -se pelo jovem o p ri rn id o . N a c as a de Sinha Rita, mulher cujo apoio o rapaz espera conseguir , Damiao conhece outra oprimida, uma pretinha que nao consegue terminar direito sua li~o de renda. Sinha Rita quer surra-la e pede que Darnijio lhe alcance a vara, A pretinha faz apelo a Damiao. A hierarquia moral se torna bern problematica quando, para proteger seu pr6prio favor aos olhos da senhora, Damiiio lhe passa a vara. Outro exemplo de nlveis morais duvidosos encontra-se no "Conto alexandrine", obra fantast ica em que dois cientis tas primitives, em suas exper iencias, tor turam animals . Por algum tempo sao os opressores, mas passam a ser os oprimidos quando outro cientista obtem licenca para disseca-los vivos . Os &nicos possuidores de super ioridade moral ser iam os animais , mas mesmo eles parecem perde-la quando fazem uma grande festa para celebrar a derrota daqueles cientis tas que os torturararn, "Urn dfstico" e outro que poe em duvida as categorias morais, pois represents urn senhor que se dedica a pedir esmolas para uma i rmandade religiosa, mas rouba a lgumas notas da sa lva para si mesmo. Talvez 0 conto que melhor demonstra a confusao das categorias da hierarquia moral seja "Pai contra mae". Nele, Candido Neves, pai pauperrimo, e obrigado a admit ir que e le e a esposa nao tem condic fies f inanceiras para criar seu novo filho. Tristfssimo, resolve leva-Io aroda dos enjeitados. Normalroente 0 protagonists seria, pelo menos, dono de uma retidao etica, sendo urn desafortunado representante dos valores da famflia, 0 nome do protagonista parece sugerir tal inocencia, Mas a situa~o nl io e tiio simples no con t o. Apesar de simpatico e arnavel, Candido e urn vadio, cuja unica profissao e a de pegar escravos fugidos , No carninho para entregar a filho, Neves ve uma mulata fugitiva, Consegue captura-la, e resolve devolve-la ao dono, 11espera de recompen- 65 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 33/57 d~ira. Blalhe suplica a liberdade, dizendo que esta gn1vida e que nIO'iUpt)rta a id 6ia d e let ur n filho eseravo. Neves e a escrava chegam a 8ef?miPJos~Opr imidos ambos , pa i e m a e , r ec o rr em a me io s d e se s pe ra d os p M i 'S i i l v a r - s e . Para a m a e , a salvayiio e sta n a fu ga ; para 0pai, a salvayiio e s t l r f 1 4 \ entrega da escrava, No f im, 0 tiranizado Be conver te em tirano, deVolvendo a mulher ao dono. .~O tratamento da crueldade em Machado cria incomodos para 0nosso s imp l ismo humani ta ri o , pois revel a que as categorias e hierarquias em q u« e st am o s a co stu m ad os a p en sa r s ao s us pe it as . 0p ro du to n atu ra l d o contato entre as pessoas e a cumplicidade. As vi tlmas mui tas vezes c he ga m a t er su a p ro pr ia , , ( r ima. Chamarei este padri io geral de "a lei dos escravos", obtendo 0nome do escravo Prudencio de M e m or ie s p o st um a s de Bras Cubas que, conseguindo sua liberdade, comprou seu proprio escravo ass im que pede (Barreto Filho, "Machado" 144-45) . Voltando ao conto "A causa secreta", repetimos que Garcia e Fortunato demons tram a cumplicidade da lei dos escravos. Mas a dupl ica~o de Garcia e Fortunato niioe 0unico caw de estranha repeticao no conto. Reconhecendo este desdobramento inicial, c om ecam o s a v er que a obrainteira e construfda segundo urn padri io recursive, urn tanto como as caixas chinesas. Como mencionei , 0 olhar de Fortunato esta encerrado dentro do olhar de Garcia , sa lvo no ultimo epis6dio do conto quando a situacao se inver te. Machado emprega ur n tipo especial daquele ponto de vista chamado "terce ira pessoa l imitada". Ainda que a voz nar rativa nao se ja ados personagens, a visdo do narrador se limita aquilo que urn dos personagens observa, Atraves da obra, vemos Fortunato como Garcia 0 ve. Se nao houvesse a mudanea no final, em que Fortunato silen- ciosamente escruta Garcia, 0relato seria candidate ideal para a perspecti- va "primeira pessoa". Mas 0 ponto de vista da terceir a pessoa nao modifica 0 f ato de que a visao do lei tor e filtrada sempre atraves da visiio de ur n personagem. 0 ponto de vis ta esoolhido, porem, sugere a presenca de ainda outro par de olhos . Fortunato observa, Garcia observa Fortunato observando, e uma terceira pessoa observa Garcia observando Fortunato observando. 0 olhar do narrador encerra 0 olhar de Garcia, que por sua vez encerra 0 de Fortunato. Como foi dito, 0 voyeurismo de Garcia 0 compromete com a condicao de Fortunato; seu .sadismo e distinto somente em termos de grau. Pode-se afirmar 0 mesmo, agora, sobre 0 narrador. Niio e 0 narrador tambem seduzido pela observacdo do sofrimento ftsico e 6 6 psicol6gico? NBo eo olhar do narrador, como 0 de Fortunato, uma mira fria e impassfvel? A descricao da capacidade do medico de "d ec om po r o s c ara ct ere s" e de "penetrar muitas camadas morais, ate apalpar 0segredo de um organismo" nao poder ia refer ir -se igualmente ao narrador? Josue Montello aponta a semelhanca entre a analise serena de Fortunato e a do proprio Machado de Assis (18-20) . Aceito a ideia, mas tambem creio que e apropriado fala r de um narrador d istinto do autor hist6rico. 0 autor, para cada relato, cria um narrador que, em maier ou menor grau, e persona gem fictfcio (Schiller, Teoria 28). Se antes os personagens principais foram analisados em termos do duplo, agora nos vemos obrigados a introduzir 0 conceito do triplo. Voltamos ass im ao infcio, ao descobrir que urn sadico, urn medico e urn narrador, de alguma maneira, sao c6pias entre si. Porem nao posso parar na dimensao trfplice; a estrutura concentrica da obra quase me obriga a pensar em terrnos quadruples. Tentei demonstrar que enquanto os olhos do narrador estiio fixos em urn personagem, este por sua vez fixa 0 olhar num olhar fixe alheio, de maneira que Mum a hierarquia de tres nfveis de espionagem. A estrutura enreda ainda outre par de olhos - os meus, Como leitor analftico, nao serei eu duplo de Garcia, com sua mania de decompor caracteres e pene trar as carnadas, a fim de agarrar o segredo do organismo? Ou pior ainda,nao serei duple de Fortunato? Nao estou empenhado em minha pr6pria versao de observar friamente, f ixamente, ou ate mesmo de dissecar de forma fascinante? Encontro-me no teatro S. Januario, sentado com os outros, assistindo ao mesmo dramalhao . As facades, imprecacoes e remorsos no pa lco sao interessantes, mas 0que mais me atra i ever como 0narrador, sentado ao meu lado , fit a t iio atenta rnente out ro homem na pla teia, ever como este espia ainda outro sujei to , urn bomem encantado pelo drama. A causa secreta de Machado se refere nao somente ao sadismo de Fortunato, como tambem a Urn segredo ainda mais obscure - a ideia de que Fortunato tern ciirnplices , e que estes existern dentro e fora do Mundo fictfcio do conto. Por meio desta estranha repeticao, a obra logra pbr em duvida dicotomias sagradas como normalidade e pervers idade, auxfl io e abuso, ser parti cipante e ser observador. No nfve l metal ite rario, questiona a posicao honrada da propria l iteratura. Que visoes m6rbidas res idem na causa secreta da ins ti tui<;ao literar ia? Ser iio a narrativa e 0 voyeurismo duplos? Como se sabe onde te rmina uma at ividade e comeca outra? 67 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 34/57 Ainda sentado DO teatro, descubro sobre mim 0 olhar fixo de mais uma pessoa. Meu observador tern aspecto respe itave l; tem urn tipo intelectual, MaS, quem sabe? Talvez seja criminoso. Sinto urn estranho en ca nto em p en sar que outra pessoa , m esm o po r um m em ento , possa i nt er es sa r- se p o r m i nh a visao de um a visao de u m a v is ao . Agora sinto nesta outra pessoa um meio sorriso tranqiiilo, frio. Sorriso familiar dec o le g a, s o rr is o de cdmplice, 68 vn - L E I DA S BATATA S: "E VOLUC;AO " Urn dos fatores essenciais cia temat ica de Machado de Assis e a escassez. A "plenitude perdida", que Donaldo Schil ler identif ica como condicao essencial em D om C as mu rr o, vigora de alguma maneira na maioria dos escritos do autor. Os recursos humanos, sej arn estes rna teriai s, intelectuai s ou espiritua is, nunca sobram e geralmente sao r igorosamente racionados, Se e verdade que uma grande parte dos protagonistas machadianos pertence a classe abastada, na o deixa de se r verdade tambem que os mesmos protagonistas sao pobres em outros sentidos, Bras Cubas e paradigrna de imimeros personagens, tendo sido dotado de grandes vantagens materiais, m as nao possuindo a capacidade de levar uma vida significativa, Neste esquema do mundo, porem, ba uma substanc ia que nunca esta em falta: 0 dese jo . Tern razao aqueles que descobrem ecos de Schopenhauer neste aspecto (Garcia, "Schopenbauer"; Gomes, Machado 91): ~ vontade e tamanha nos personagens de Machado que muitos s6 podem ser descritos como obsessionados, o canto "Bvolucao" t R el tq u ia s d e c as a v el ha , 1906) e a demonstra- ~ao de ta l escassez de recursos, em combinacao co m a abundancia de desejos. Trata-se principalmente da evolucao de u m a id ei a. 0 narrador, Inacio, trava co nv ers a co m u rn tal sr. Benedito durante um a viagem para Va ss o u ra s. F a la n do do desenvolvimento do B ra sil e mais especificamente do sistema f er ro v ia ri o, I na ci o d iz , "Eu·comparo 0 Brasil a uma crianca que esta engatinhando; so comecara a andar quando tiver muitas estradas de ferro" (2:704) . Benedito acha bonita a ideia, Os contatos entre os dois continuam, enquanto Benedito desenvolve uma carreira polftica, Depois de algum tempo, este se refere a comparacdo de Inacio: porem, identifica- a como "nossa ideia". Ainda depois, tendo sido eleito deputado, Benedito esta preparando seu prirneiro discurso para a camara. Menciona a importancia das estradas de ferro, induzindo outra vez a metafora da crianca engatinhando. No entanto, des ta vez a ide ia e toda do deputado. Benedito afirma ter expresso a comparacao a urn amigo durante uma 69 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 35/57 viagem pelo inter ior. A evolu~o tratada, enta~, e a de urn conce ito, cuja atribui~o ou propr iedade passa suti lmente de uma pessoa para outra ao longo da narrativa, Oconto obedece a um a e sp ec ie de formula , que resume este aspecto ci a consciencia macbadiana do mundo: A vontade e uma constante, Os e m pr ee nd im e nt os s /1 0 estlmulados na o pela presenra de r ec ur so s, m a s pelafalta dos mesmos. Sendo asslm, os recursos vivem sendo disputadose t rocados . Podemos denominar este padrio a " lei da s batatas", segundo um exemplo hem conhecido do romance Q u in ca s B o rb a : "Sup5e 'tu urn. campo de b ata ta s e d ua s tribes famintas , As batatas apenas chegam para alimentar um a das tribos, que assim adquire forcas para transpor a montanha e ir ~ outra vertente, onde ha batatas em abundancia; mas , se as duas tribes dividirem em paz as batatas do campo, nao chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanicdo. A paz nesse caso, e a destru icao; a guerra e a conservacao, Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos" (1:648). Notamosaqui urna inversao do plano positivista, em que prirneiro o sujei to escolhe seus recursos, para comecar depois sua empresa, A ideia "linear" de uma guerra e que primeiro os soldados se reforcern, aproveitando-se ja de muitas batatas, e que a batalha seja 0 segundo passo. Pressupoe-se uma condi<;ao de abundancia que permita aos part icipantes a concentracso de todos os recursos para a meta final. No mundo machadiano, tal abundanc ia inicia l nao existe, 0 sujeito se ve obrigado a batalhar primeiro, para receber os recursos basicos depois: "ao vencedor as hatatas" (1:649). 0 modelo nao e linear. Notamos que no exemplo, 0 pequeno campo de batatas nao e 0 objeto final cia tribo; subir a montanha e a lcanear urn campo de batatas rnuito maior e a verdadeira finalidade. A batalha com outra tribo e , de certa forma, desvio ou distraliao. Dada a condi~o inicial de escassez em vez de plenitude, a ideia machadiana do progresso nos empreendimentos ref lete 0 procedi- mento c ia t ribe. 0 movimento para a frente somente e possfvel quando ha outros movimentos laterais, rodeios obrigat6r ios para se ohter recursos. A concorrencia e tambem fundamental; os recursos raramente podem ser conseguidos sem causar fa lta s em out ra parte. Esta le i ci a concorrencia chega a ser um dos principais eixos ao redor do qual giram os contatos entre as pessoas na fiC9liomachadiana. Si io varies os contos de Machado de Assis que exemplifi ca rn a lei das batatas. "Um ap6logo" mostra como as relacoes inte rpessoais sao muitas vezes uma buses de vantagens. 0 conto e um dialogo entre a linha 70 e a agu lha, em que cada urna afirma ser superior a out ra. A l inha acaba vencendo, ao notar que, embora ela nao f ac a n ad a sem a con t ri bu icao cI a agulha, e el a que va i ao baile, enquanto a a gul ha f ica em casa r ia caixinha de miudezas. Ve-se a natureza alegorica do conto, bern como seu signi ficado em termos humanos, quando 0 narrador termina com 0 cornentario de urn "professor de melancolia": "Tarnbem eu tenho servido de agulha a muita l inha ordinar ia" (2:556) . "Pflades e Ores tes" e outro relato de escassez, concorrencia e aprove itamento. Quintan ilha , que te rn tempo, dinhei ro e boa vontade a sobrar, sofre, no entanto de urna grande necess idade de arnizade e aprovacao. Dedica-se a ajudar seu amigo Goncalves, prestando services em s eu escr ito r io de a dvoc a ci a, c o rnp ra ndo- lh e Iivros, emprestando-lhe dinheiro, e ate norneando-o herdeiro de sua for tuna. Quando se enamora por uma moca e pensa em casar, Quintanilha apresenta sua noiva a Goncalves, esperando receber sua aprovacao, Como resultado deste encontro,Gonca lves fica com tudo - os l ivros, 0 dinheiro ernprestado, a heranca e tambem a moca, Em "A mulher de preto", Estevao se apaixona par uma jovem viuva, que a convida varias vezes a tamar cM em sua casa. S6 depois de chegar ao ponto de propor- lhe casamento, f ica sahendo que a mulher nao e realmente vidva, mas esposa separada de Meneses , amigo de Bstevao. Ela deseja contar com os esforcos do seu pretendente para poder se reconciliar com 0ma~do. "0 segredo de Augusta" tambern mostra como os seres humanos chegam a ser recursos, dentro de s is temas economicos de alta escassez, 0 "instrumento" deste relata e Adelaide, fi lha de Augusta e Vasconcelos. Este quer se valer dela para unir-se 11famflia de Gomes, e assim res tabelecer sua for tuna perdida, Gomes,no entanto, ja perdeu seu dinheiro, sem deixar que os outros soubessern, e sem saber da perda de Vasconcelos . Pretende casar com Adelaide, sendo esta para ele tambem urn meio de restituir a fortuna. S6 nao se realiza 0 casamento porque a mae da moca nao consente. Para Augusta, a filha representa outro tipo de recurso. Como solte ira , e 0 i inico sfrnbolo que resta da juventude da mae. Augusta se neg a a aprovar 0 casamento nao por escnipulos, mas por vaidade, Em "Emesto de Tal", Rosina sente a escassez de seus meios, em seu proje to de casar tao bern como possfvel , Nao desejando perder tempo com namoros infrutuosos , resolve cor tejar dois homens ao mesmo tempo. 0 p referido e 0 "rapaz do nariz compri- do", por ter ele melhores possibilidades de subir na vida. Emesto e apenas um "gato" (com 0 qual se caca, nao possuindo cao). Quando 71 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 36/57 Emesto e 0outro rapaz se conhecem e chegam a saber do comportamento de Rosina, prometem rechaca-la mutuamente. Mais tarde, porem, Emesto c as a c om Rosina, tendo eliminado a concorrencia, A s v ez es p od e p are ce r que a lei d a e sc as se z nao vigors . Porem mesmo na s s it u ayOe s de maior plenitude pode haver e s ca s se z p e rc e bi d a ou imaginada . Em "Na area: t ras capftulos inedi tos do Genesis", os tras filhos de Nee brigam sobre a divisso dos bens te rrenos, mesmo tendo 0 mundo inteiro para repar tir. Que a escas sez e principaImente uma ques ta o d e perce~ Oes v em os tarn bem em "Verba tes tamentar ia" , conto no qual o protagonists, mesmo possuindo amplas riquezas, nao suporta ter empr egados nem amigos de qualidade. Chega ate a ordenar no testamento que seu ca ixao seja fei tope lo pior fabricante da c idade. 0 motivo 6 urna mania da escassez: ate as vi rtudes sao ext remamente minguadas. Nao podem existir boas quaJidades ao redor do homem, porque as mesmas implicariam diminuicao de seu proprio valor . Em "Evolu~o" sao representados varies empreendirnentos, em varies nfveis estruturais do canto. A def ic i enci a de recursos, percebida ou rea], figura em cada urn. 0 primeiro destes empreendimentos a se r analisado e 0 coletivo, 0 do desenvolvimento do Brasil. Descrevendo 0 primeiro encontro com Benedito e a conversa que segue, 0 narrador diz, "ficamos de acordo em que as estradas de ferro eram uma condicao de progresso do pals" (2:704). Logo depois, Inac io recor re a metafora ja rnencionada, dizendo que 0 pars esta engatinhando, e que s6 podera carninhar possuindo urn sistema de desenvolvimento de estradas de ferro. o narrador se refere ao dialogo com Benedito como urna serie de "banalidades graves e s6lidas para dissipar os tedios do caminho" (2:704). Cer tamente a comparacjio cia uma ideia muito reduzida da realidade do desenvolvimento. As estradas de ferro, por exemplo, pod em ser consideradas ou a causa do desenvolvimento, ou ° resultado do mesmo. Constituem causa quando facilitam ·0 m o v im e nto d e m a te ri as -p ri m as , pecas e produtos que sao tio essenciais a expansao industrial; e resultado porque nao se constroi uma estrada de fe rro sem grande invest irnento, r iqueza criada pela pr6pria indus tr ia , e porque 0projeto ferroviario exige um a tecnologia r el at iv amen t e a v an c ad a . Os trens em si sao urn produto indus tr ial. Num plano linear de evolucao industr ial, as estradas de ferro deveriarn figurar no meio, Os recursos basicos de ferro, cornbustfvel , madeira, etc. s e ri am de s envo l vi d o s como urn p ri m ei ro p as so . Ern seguida surgiriam varias industries que. tivessem necessidade de urn meio de transporte mais eficiente, e que estar iam dispostas a f inanciar 0 projeto. A cria~o c ia estrada de ferro dar ia urn lucro BOS investidores e fomentaria ainda mais 0 crescimento industrial. Tal e 0plano "linear"; porern 0 modelo dos protagonistas e outro, menos linear e mais fiel a "lei das batatas", 0 modele parte de uma percepcao de ausencia, 0 Brasi l e uma e sp ecie d e espa<;o vazio, que preci sa ser preenchido an tes que haja qualquer progresso: a condicao de progresso do pals, segundo Benedito, ever "todo este pais cortado de estradas" (2:704). 0 sistema ferroviario nao e urn passo integral em um a linha continua de progresso industrial, senlio urn pre-requisite a ser preenchido. Falando de "Evolueao" entre outros relatos, Raymundo Faoro c Ia urn born resumo desse pensarnento problematico: "0 progresso, pam 0 brasi lei ro do Segundo Reinado, ainda nao se traduz em fabricas e usinas, em siderurgias e estaleiros, Ele vive nas suss manifestacoes exteriores, acabadas: a iluminacao, 0 bonde, os services publ icos, Tra ta-se de urn progresso importado, sobreposto a urn pafs agricola - resultado e nao processo, A formula, reduzida a esquema, se ria esta: progresso e a est rada de ferro" (172). Quando 0 plano e percebido assim, as est radas de fer ro 56 podem ser ob tidas de fora . Assim como no caw da s batatas, os sujeitos precisam realizar urn movimento lateral, conquistando recursos e enchendo vacuos, antes de poder comecar 0 movimento frontal em direcao a s verdadeiras f inalidades , As a<;oesdo narrador demons tram bem os desvios da lei das batatas. Para poder formular pIanos pam uma estrada de ferro em Pernambuco, Inacio viaja duas vezes a Europa, passando mai s de urn ano em negociacoes e pesquisas. o resultado natural des te modele de progresso e uma atitude de atraso e de dependencia. Benedi to ere que 0cumprimento c ia condicao de desenvolvimen to (urn sistema completo de est radas de fe rro) "nao sera ainda em cinqilenta anos" (2:704) , e que "0governo nao correspondia a s necessidades da pa tr ia ; pa rec ia ate interessado em man te -l a a tr as de outras , na r;Oes amer icanas " (2:706). No contex te dos empreendimentos ind ividuals, obse rvamos 0 funcionamento das mesmas leis. Apesar de ostentar c er ta r iq u ez a, Benedi to nao escapa a lei da escassez, pois mentalmente e u r n s ubde s en - vo lvido. A meta de Benedi to e como a de qualquer outro que tenha urn complexo de infer ioridade; sentir-se grande, apreciado, admirado. Este desejo 0 levara a participar cia vida polf t ica, Mas vemos que , antes de cornecar tal campanha, ha pre-requisi tes e condicoes que devern ser sat is feitos . Talvez a condicao mais obvia seja a de parecer bern sucedido. 73 I 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 37/57 1 I } Vimos que, para Benedito, 0 p ro gre sso d o Brasil era u m a q ue st ao de v ag as a serem preenchidas , Os requisi tos para seu propr io progresso nao sao dife rentes. Urn espaco jl1 comple to 6 sua casa . Os comentarios de Inac io nos da o a entender que a filosofia de decoracao do colega corresponde A ideia burguesa e bana l de encher as espacos com obje tos elegantes. 0 gabinete, por exemplo, 6 um lugar vasto e arrumado, em que "nao [ ... ] fa lt ava nada"(2:706). As duas estantes estao "cheias de livros muito bern .encademados" (2:706) , e a area da secretaria de ebano se faz menos varia pela presence de urn almanaque de Laemmert, "casualmente aberto" (2:706) . As outras salas sao "alfaiadas com apuro" (2:706) e ocupadas por varias colecoes, "de quadros, de moedas, de Iivros ant igos, de selos, de arrnas" (2:706). 0 narrador descobre certa superfi cia lidade nas colecoes, ao reve la r que Benedito "tinha espadas e f loretes, mas confessou que nao sabia esgrimir" (2:706) . Outro espaco a ser preenchido ISa ret6r ica de Benedito. E le vive em "urn.mundo governado pela frase" (Faoro 174), e entende que ISper meio da boca que se vai a Roma, 0 procedimento do homem neste aspecto tambem e fazer colecfes e encher vagas, como revel a a seguinte comparacao do narrador: "[... ] intelecrualmente, e que ele era menos original. Podemos compara-lo a uma hospedaria bern afreguesada, aonde iam ter ideias de toda parte e de toda sorte , que se sentavam a mesa com a famflia da casa. A s vezes , acontecia acharem-se ali duas pessoas inimigas, ou s imples- mente antipaticas; ninguem brigava, 0dono d a casa impunha aos h6spedes a indulgencia recfproca, Em ass im que ele conseguia ajustar uma especie de atefsmo vago com duas irmandades que fundou. [ ... ] Usava assim, promiscuamente , a devocao, a i rreligiao e as meias de seda" (2:704). Quando 0narrador e Benedito se encontram na Europa, Benedito e impress ionado pelos documentos e pesquisas do companheiro, e resolve fazer sua pr6pria col~o: " [ . .. ] Benedito declarou-me que tambem is coligir algumas cousas daquelas. E, na verdade, vi-o andar por ministerios, bancos, associacces, pedindo muitas notas e opusculos , que arnontoava nas malas ; mas 0 ardor com queo fez, se foi intense, foi curto; era de ernprestimo. Benedito recolheu com muito mais gos to os anexos polit icos e formulas par lamen- tares. Tinha na cabeca urn vasto arsenal deles. Nas conversas cornigo repetia-os muita vez, ~ laia de exper iencia; achava neles grande prestfgio e valo r inestimavel. Muitos eram de tradi~o inglesa , e ele os pre feria aos Quiros, como trazendo em si urn pouco . da Camara dos Comuns. 74 Saboreava-os tanto que eu nao sei se ele acei ta ria jamais a liberdade real sem aquele aparelho verbal; creio que nao. Creio ate que, se tivesse de optar, opta ria por essas formas curtas, tao comodas, a lgumas lindas, outras senoras, t odas axiomaticas, que nao forcam a reflexao, preenchem os vazios, e deixam a gente em paz com Deus e os homens" (2:707). Assim 6 a buses de rneios intelectuais de Benedito - busca esta, segundo Faoro, de " ideias de efeito, esmaltadas de retor ica, recheadas de retor ica" (174) . Ele procura recursos importados, ernpres tados, faceis e comodos; e daque les persona gens ridicularizados por Machado que, segundo Maria Nazare Lins Soares, erguem "no vazio estruturas verbais gmndiloqiientes" (5-<i), "polfticos.jomalistas, hornens de letras, oradores de salao, et~. cuja mediocridade ridfcula ISpor tal meio configumda"(25). o trecho revela tambem as bases do re lac ionamento en tre os dois ho rnens. Ainda que haja a possibi lidade de urn verdade iro princ ipia de amizade entre eles, nao se pode negar que , pam Benedito, Inacio serve como urn meio - fonte de ideias, ouvinte de discursos ensaiados. Benedito e , em suas relacdes com os outros, urn grande importador. Mas e importador que nao paga sua dfvida exterior. A tomada de posse daquela metafora sobre 0 Brasil engatinhando 6 apenas urn exernplo de urn processo constante de aproveitarnento. Benedito vence nas eleicoes na segunda tentativa. Seu primeiro discurso na camam, em que figuram nao somente a comparacao de Inacio, mas tambern var ias f6rmulas empres- tadas (ou roubadas) , 6 tes ternunho do fato de que venceu porque aprendeu a cavar as batatas alheias . o terceiro empreendimento que podemos discutir no conto e 0 do narrador, Inacio, A primeira vista, 0narrador parece ser pessoa autentica, com verdadeiros talentos pam ernpreendirnentos e com ideias justas . Da- se a impressso de que Inacio e uma especie de hospedeiro benevolente pam 0paras it ismo de Benedito, urn tronco de tal substancia que os logros de urn organismo infer ior the sao ins ignificantes . Ao examinarmos com mais atens:ao 0 conto, porem, vemos que a si tuacdo nao e tao simples. A existencia de Imido tambem e govemada por uma lei de escassez, Como para deixar claro que nao precisava mesmo da convivencia de Benedito, Inacio explica os motives por sua conversa com ele na viagern para Vassouras: "[ ... ] ficamos de acordo em que as estradas de ferro eram uma condicao de progresso do pafs, Quem nunea viajou nao sabe 0 valor que tern uma dessas banalidades graves e solidas pam dissipar os t&Jios do caminho. 0 espfrito areja-se, os pr6prios rmisculos recebem ' u rna 75 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 38/57 comunica~o agradAvel, 0 sangue Ilio salta, fica-se em paz com Deus e os homens." (2:704) o tedio, que p od e se r considerado um mau ar dentro de um espacto varia na vida, precisa ser dissipado, arejado. 0 espaco precisa ser preenchido p or a lg o , e n aq ue le momenta a conversa com Benedito serve tal fun9io. Inacio nota que depois, quando almoca com Benedito, a conversa dele f az .m e no s e fe ito , e que e justamente porque 0b o rn a lm o c o criou sua pr6pria situa~o de plenitude; nao havia mais vacuo para ser preenchido pela conversa na que l a o c a si so . Estas dec la rac f ie s r eve lam que Inacio, como Benedito, e preenchedor de vazios - com conversas , a lmocos , quem sa be se com v ia ge ns e projetos comerciais, o pr imeiro la! rOque une os dois s e d e fi ne em termos de um a f al ta : "Nilo serso nossos filhos que verao todos este pals cortado por .estradas, disse [Benedi to] , Nao, decerto. 0 senhor tern filhos? Nenhum, Nem eu" (2:704) . o que comeca como uma simples f6rmula de e xp re s sa o a c ab a sendo confissao mutua de uma a us sn ci a. D a f em diante, os dois guard am ur n silencio .respe itoso sobre este aspecto pessoal de suas vidas. Quando Inscio descobre 0 re trato de uma mulher em casa de Benedito, diz, "Wio ire i adiante" (2:706), ao qual Benedi to responde "Nao , nao e de negar, [ ... ] foi uma moca de quem gostei muito" (2:706). RevelaC;1ioque nao revel a nada, no entanto 0 comentar io sobre 0 r et ra t o r ef o rc a 0 sentido de entendimento e comunidade entre dois, como homens sem vida familiar. Como em tantas obras machadianas, as ambicoes profissionais sao, p ro v av e lm e n te , c om pe n sa ca o p si co lo g ic a por u m a i ns ufi ci en cia n a vida pessoal. .E bern possfvel , entiio, que a relac;ao entre I na ci o e B en ed ito nao seja um a sim ples essociacao l inear de hospedeiro e p ar as it a. I na ci o tambem tern su a fome, e p a re ce a li m en ta r- se do colega . Se Benedi to coleciona moedas, I ivros, selos e quadros , podemos concluir que Inacio colecionaanedotas ou observacoes psicol6gicas. B e ne d it o l he serve como fonte destas , Nilo se trata de u r n "aprovei tador de ideias alheias, entusiasta do P ro g re ss o " , como a fi nn a E u ge n io Gomes ("Apresentacao" 14), m as sim de dois. Como Benedito, Inacio n a o deixa de fala r p or m eio d e e xp re ss oe s emprestadas , Comeca sua narraclio com a frase da herofna shakespearea- na: "que valem os nomes?" (2:703). Mas como no case de Benedito, ha 76 um princfpio de apropriaeao no emprestimo, 0 sent ido da expressao de Julieta e que as names, como referentes, sio arbitrarios, e que os significados s a o 0 que va lera . Inac io usa esta expressao pam just ificar a supressao dos nomes completos dos personagens de seu re late. Dent ro deste novo contexte, 0us o da frase de Sbake s pe a re t e ro alga de oportunis- moe logro. Imido e muito amigo da f r as e o log ia c la s si c a, Para comunicar que Benedi to lhe contou tudo desde 0 infcio diz "expondo-me tudo, ab ovo" (2:707) . Para observar que nao se deve esperar profundas conversas se a ocasiao e principal mente f es ti va , d iz "serla imper t inencia histories ~r a mesa de Luculo na casa de Platao" (2:705). 0narrador usa a frase abyssus abyssum invocat se rn ident ificar sua fonte (Salmo 41), mais ou menos no sentido de "palavra puxa palavra", para descrever a tendsncia de Benedi to de fala r por meio da acumulacao de c liches. Sendo 0salmo um lamento pelo sofrimento, notamos outra vez que a frase e aproveitada muito livremente, e que a sentido do "dono" da frase nao e respeitado. Ao comecar a exposicao da persona lidade de Benedito , Inacio diz "Ninguem muda de carater, e 0 de Benedito era born" (2:704). A prirneira par te da frase impress iona por ter cer ta graca aforfst ica. De fato, a expressao e proverbio japones (Meider 65) , que passou a fazer par te da colecao de Inacio, Impression a tam b em p or ser desnecessar ia . Salientar que 0 carater nao muda nao tern nada a vet com a revelacao da personalidade de Benedito. Inacio usa a frase de modo superficial, principalmente porque e boni ta. Out ro exemplo desse tipo de discu rso evidenternente ornamental e 0 comentario sobre 0j ardirn do colega: "era esplendido, tanto ajudava a arte a natureza, e tanto a natu reza coroava a arte" (2:706). AMm de revela r a eleganc ia do j ardim, a frase exp3e a do narrador. Ta lvez sej a uma g losa furt iva de Don Quijote: "el arte no se a ve nta ja a la naturaleza, sino perf ic ionala; as! que, m ezclad as Ia naturaleza y el arte, y el arte con la naturaleza, sacaran un perfetfsimo poeta" (segunda parte, cap. 16). Mais provavelmente, porem, a frase e simplesmente outro uso de uma dicotomia con- venc iona l, repet ida desde os tempos mais remotes, ate t ransformar- se em lugar comum. Nota-se que Inacio, quando encontra uma expressao graciosa, tern a tendencia de usa-la sempre, Exemplo disso e a frase "em paz com Deus e os homens", que ele emprega tres vezes durante a narrativa. Enfim, os mesrnos "anexins" e "formulas" que caracterizam 0discurso de Benedito t ambem ~tiio presentes no relata de Inacio, Nao e questiio de apenas ur n "medalhao [ .. . ] disposto a repetir todos os lugares comuns do mundo", como diz Al fredo Bosi (454). mas 77 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 39/57 "P. . . de dais m e da lh Oe s. Am bo s t ern u m a lin gu ag ern u rn tanto "em desenvol- vimento", que depende de uma infusao constante de recursos a lbeios. Gomes coloca "Evolu~o" Dum grupo de contos, prejudicados por "cer to excesso de imag inacao in te lec tual , caracterizado por alusoes e digressfies l iterar ias, que seriam dispensaveis" ("Apresentacao" 15) . Talvez tenha razao a o c ri ti ca r os outros c on to s, m as 6 diffcil direr que a pratica seja "indispensavel" no caso deste, 0 tema principal e justamente 0 das expressoes importadas, e importadas tanto pela pessoa acusada, como pela pessoa que acusa, A rela~o entre 0 narrador e 0 leitor tambern pode ser considerado urn empreendimento, e tambem demonstra aspectos da lei das batatas , De certa maneira a situacao retorica, que consiste no contato entre 0 remetente e sua audiencia, se baseia na carencia, Quem fala tern a necessidade de estabelecer vfnculos com os ouvintes, e de atraf-los para sua causa. Quem ouve tern urn tipode sede que precisa ser satisfeita; necess ita ser informado, comovido, est imulado ou diver tido. No conto, os espacos vazios f iguram outra vez nes te processo de aproximacao entre o narrador e 0 leitor. Ao contrario de muitos dos seus conternporaneos, para quem 0 processo criat ivo consist ia em acumular detalhes realistas , Machado de Assis cultiva uma estet ica de ausencia, Tratamos em detalhe des ta teoria do "livr e falho" no capitulo 10, sobre "A chine la turea". Basta dizer, por enquanto, que Machado antecipa certas teorias fenomenol6gicas da rece~9lio, definindo 0 lei tor como preenchedor de lacunas , que se engaja na lei tura ao completar espacos vazios com sua imaginacao, o narrador do conto demonstra urn entendimento da teoria, porque inicia sua narra~o com a criacao de uma lacuna: "Charno-me Inacio; ele, Benedito. Nao digo 0 resto dos nossos nomes por um sentimento de compostura, que toda a gente discreta apreciara. Inacio basta. Contentem- se com. Benedito" (2:703) . Es tamos outra vez no terreno das f6rmulas. A pratica de mudar os names, ou revels- los em. formas incompletas, e urna convencao consagrada nos generos policiais , embora tenha uma his t6ria muito mais comprida. Funciona, a maneira de rotulo, como urn aviso que a narracao t rata ra de atos e motivos obscuros, e de urn enredo en igrnat i- co. De fato, 0 pr6prio narrador confirma a rela~iio entre a supressdo dos names e ° g8nero de mis terio, ao afirmar que " tudo nes te conto ha de ser misterioso e truncado" (2:704). o emprego des ta formula tern 0 efeito de abrir urn espaco irnagina- tivo para 0 leitor, Ao receber 0aviso de que os participantes da a9lio tern 78 mot ivos para ocul tar seus nomes, e de que havera um misterio, 0 leitor se compromete com 0 texto, e se disp6e a buscar pistas e resolver enigmas. 0 lei tor tambem 6 preenchedor de vazios. Porem, ver if icamos que no caso deste relato, a formula, como tantas outras, e apropriada de uma maneira gratuita e oportunista. 0 narrador continua truncando os detalhes; nlio revela 0 ana da ocorrencia, e se recusa 8 dizer 0 nome do joalheiro on de Benedito comprou seu alfinete de diamante, Mas ao chegarmos ao tim do relato, reconhecemos que 0 procedimento nao passa de urn simples aparelho ret6rico , sem verdadeir a fun~o. 0 "cr ime", se e que usar a meta fora de outra pessoa sem atr ibuicao pode ser considers- do como tal, e tao banal e corr iquei ro que nao justi fica tai s cuidados. Mesmo se 0 crime fosse grave, a supressao dos sobrenomes nao te ria quase nenhum efeito pois, sendo os protagonistas homens publicos, ser ia facil descobrir suas identidades. Se Inacio acaba sendo logrado por Benedito, 0 lei tor, do mesmo modo, aeaba sendo logrado par Inacio em seu papel de narrador. 0 conto, representando urn mundo em que a escassez e uma condicso essenc ial , nos oferece uma verdade ira festa de apropriacfies, aproveita- mentos e parasiti smos, sem nunca sugerir prejufzos graves ou crimes puniveis. 0 narrador nao esta reclamando uma grande injus tica ao contar o caso. Quando afirma que a plagio e urn simples exemplo "da lei da evolucao, ta l como a definiu Spencer, - Spencer au Benedito, urn deles" (2:708), e evidente que Inacio leva tudo na brincadeira, que esta apenas "preenchendo os vazios" e que tudo esta "em paz com Deus e os hornens", Como no caso de "A causa secreta", examinado no capitulo 6, "Evolucao" nos apresenta uma situacao em que a pessoa observada parece ser normal mente inferior, a primeira vista, mas em que a analise mais cuidadosa revela certa identidade entre quem e observado e quem observa . Benedi to e Inac io sao outro exemplo de personagens duplos, simbioticos, cilmplices. Desenvolvendo essa ideia ainda mais um pouco, descobrimos que 0 verdadeiro autor tambem 6 contaminado pela cumplicidade. Machado de Assis, afinal de contas, nao e tao diferente de Benedito em sua capacidade de "hospedar" filosofias divergentes. Segundo Roberto Schwarz, 0 fato de que Machado "em todas as escolas queria colher a melhor parte" e ra man ifestacso "do eclet ismo a que [os brasileiros] estavamos condenados, [e] que Machado praticava com apetite e destreza excepcionais" (106). Machado, com.seus personagens Benedito e Inacio, e conhecido como impor tador de "anexins" e "fdrmulas", 79 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contosde Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 40/57 muitos "de tradi~o inglesa" (2:707). Como 0 livro de Enylton de Sa Rego ass inala (I11-19)~ hi tambem um princlpio de logro ou de apropria- ~ nestes emprestimos de Machado, que cabe dentro da estetica parodica, 0 proprio autor justifica a apropr iacao, ao dizer em ensaio . crf tico que 0 escri tor "pode ir buscar a especiaria alhe ia , mas M deser para tempera-Is com 0molhode sua fabrics" (2:731) . Pe1aironia, ha uma i nv e rs ao n a rela~o de Machado com seus personagens Inacio e Benedi to. Estes sio medalhoes, di sfa reados de pessoas graves. originai s e auten- ticas, Machado 6 urn autor grave, original e a u te n ti co , d i sf ar ca do de medalhdo, 0 mundo artfstico machadiano tambem e gcvernado pela frase, e muitas vezes a f rase q ue f az m a is e fe ito e a f ra se irnportada. Machado t ambem 6 bene fi ci ar io c ia lei da s b a ta ta s , 80 VITI - A LEI DO LAPSO: "A IGRFJA DO DIABO" Os esquernas grandiosos f iguram tao freqiientemente na f icc; iiode Machado de Assi s, que nao poderlamos deixar de anali sa-los em nosso projeto de construir urna representacao dos padroes essenciais da consciencia do mestre brasi Ieiro . 0 fil6sofo Quincas Borba, cujo Humanitismo e "sistema de filosofia destinado a arruinar todos os dernais sistemas" (1:614), e 0 modelo primordial deste t ipo de personagem nas obras machadianas, mas tern similares em toda par te. Muitos aparecern nos contos. o seculo 19 produziu mirnero consideravel de s istemas filosoficos, Como indicam Eugenio Gomes ("Apresentacao" 10) e Sonia Brayner , um dos principai s impulses nos contos machadianos e a par6dia destes sistemas: "As teorias cientfficas organizadas em· tomo de verdades absolutas nao escapam a sua ironia. Vivendo em decadas de deterrninis- mos, Machado descre da capacidade da ciencia e das filosofias em deliberar e x c a th e d ra qua l seja a u l tim a v e rd a d e" (Brayner, "Conte" 16) . Ja identif icamos urna des tas f ilosof ias, 0 positivismo, como presenca importante na paisagem intelectual de nosso autor . 0 conto "A igre ja do diabo" (Histories s em d at a, 1884) pode ser lido como uma alegoria do positivismo, pois 0dogma positivista era tao ambicioso como 0programa do diabo no conto, e sua recepcso era tao fervorosa entre muitos que chegou a ser religiso. Porern, a referencia no conto nao precisa ser tao especffioa; 0 t exto ataca programas de todos os t ipos, desde que sej am gerais e pretensiosos. Alfredo Bosi considera "A igreja do diabo" exemplo do "con to- teoria" machadiano (440-41). Concordo com a class if icacao, mas dir ia que, a lem disso, 6 "conto -teor ia-contra -teoria", di scurso teorico que repudia outros do mesmo tipo. Oconto demonstra bern urna lei do mundo machadiano, que chamaremos a lei do lapso: n o c on te xto h um an o, n ao h d co er en cia se m i nt er ru p ca o ; n en h um s is te m a e comp/e to . 81 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 41/57 Antes de analisar ~A igreja do diabo", veremos outros conlos machadianos que exemplificam a mesma lei. 0 nome desta lei vern emprestado do con to ~O lapso", Neste , 0 pol iti co Tome Gonca lves, a despeito de sua popular idade, franqueza e generosidade, tern um grande defeito: nunca paga as dfvidas, 0 Dr. Jeremias, medico e cientista holandes, ouve urn grupo de credores eomentando 0 caw, e declara que Goncalves 8 0 m de uma rara enfermidade: a doenca dos lapses. Sendo urn homem de integridade em todos os outros aspectos, seu Unico lapso e njio pagar. 0 medico holandes 0 submete a urn tratamento euidadoso e prolongado, e consegue cura-lo quase completamente. Permanece 0ultimo lapse; 0medico fica sem pagamento pelo service prestado. 0 cientista no conto e · upico dos pensadores programaticos machadianos, pois se consagra a alcancar resultado complete, integral, sern deslizes nem falhas. o medico tambem e exemplar ao ser obr igado a reconhecer que 0 mundo (ou a humanidade) lende a rejei tar tal determinismo. "Singular ocorrencia" tern enredo semelhante. Andrade e Marocas se enamoram, Maracas deixa sua vida de prostituta , mostrando grande fidelidade e dedica<;ao ao amado. Sua lealdade, que continua mesmo depois que 0 homem mor re, incorre num i lnico lapso . Marocas te rn urn encontro com um homern vulgar, que nem conhece. A ocorrencia e . singular tanto por ser um caso sem precedente ou reincidencia, quanto par carecer de umaexplicacao racional. Em "0 al ien ista", que Sonia Brayner chama "parodia a exclusivi- dade da ciencia como detentora da verdade humana" ("Conto" 14), 0 cientista Simao B aca marte se d ed ica a a pa ga r a loucura de s eu muni c fp i o . Sua definicao da loucura e sumamente sistematica e abrangente: "A razao 6 0 perfei to equil fbrio de todas as faculdades; fora da f insania, e s6 insan ia" (2:261) . Seguindo este c rite rio, Bacamarte eneontra cada vez mais pacientes paraseu m a nic om io . D e fato, todas as pessoas parecem te r a lg um a falta d e e qu ilfb rio , e n em mesmo a m u lh er do alienists escapa do intemamento na Casa Verde. Vendo que a rnaioria da populacao se c lassifi ca como louca , Bacamarte , se rnpre movido pelo seu sentido de integridade, e obrigado a modificar sua def inicao: "que se devia admitir como normal e exemplar 0desequilfbrio das faculdades, e como hip6teses patologicas todos os casos em que aquele equilfbrio fosse ininterrupto" (2:281). Todos os habi tantes da Casa Verde s a o postos na rua, e Bacamarte comeca a recolher pessoas equil ibradas. Sao menos as pessoas encaminhadas ao manicomio, e nao f icam por muito tempo, pois todas revelam, mais cedo ou mais tarde, alguma incoerencia, Bacamarte 82 consegue esvaziar por complete a Casa Verde, mas chega a uma conclusao assustadora: "Simao Bacamarte aehou em si as caracterfsticas do perfeito equilfbrio mental e moral; pareceu-lhe que possufa a sagacidade, a paciencia, a perseveranca, a tolerancia, a veracidade, 0 vigor moral, a lealdade, todas as qualidades enfim que podem formar urn acabado mentecapto" (2:287). Bacamarte ordena seu proprio internamento, e passa 0 res to de seus dias aplicando seu pe rf e ito equ il fb r io ao tratamento de s i m e sm o . Tanto a primeira quanta a segunda defini~o de loucura s a o consistentes, coerentes e absolutas. Niio deixam espa~o para nenhum lapso. 0 humor no conto reside nessa r igidez s is tematica. Bacamarte exempli f ica bem a presenca "do mecanico encrustado sabre 0 humane", que maroa a definicao de Henri Bergson do comico (44). Satirizando estes qualidades, oconto revela a insuf icisncia do pensamento s is tematico. Em "A igreja do diabo", 0 projeto de Satanas nasce da percepcao de um mundo pouco sistematico: "Conta urn velho manuscr ito benedit ino que 0Diabo, em certo dia, teve a ideia de fundar uma igreja. Embora os seus lucros fossem continuos e grandes, sentia-se humilhado com 0papel avulso que exercia desde seculos, sem organizac lio, sem regras, sem canones, sem ritual , sem nada. Vivia, por assim dizer, dos remanescentes divines, dos descuidos e obsequies humanos. Nada fixo, Dada regular. Por que nao teria ele a sua igrej a? Uma igre ja do Diabo era 0meio eficaz de combater as outras rel igioes, e des truf-las de uma vez (2:369) . Desde A dB o e E va, e um a t radi~o pensar na fun<;iiodo Diabo como um lapso. Depois de varies seculos lapsarios, 0Pai das Mentiras se causa de viver dos "remanescentes" e "descuidos". Sugere-se que a ideia de uma igrej a representa uma organizacao, a lgo fixo e regular, baseado em regras - enfim, urn si stema. o diabo concebe essa igre ja como uma entidade tota l, completa e sern interrupcao. Indo ter com Deus, ele anuncia: "Na o v en ho pelo vosso servo Fausto [ .. . ] mas por todos os Faustos de todos os seculos" (2:370) . Continua, "Estou cansado da minha desorganizacdo, do meu reino casual e adventfcio. E tempo de obter a vit6r ia f inal e completa" (2:370) . Define seu proje to em tennos metafo ricos: "as v irtudes, filhas do ceu, s a o em grande mimero comparaveis a rainhas cujo manto de veludo rematasse em franjas de algodao. Ora, eu proponho-me a puxa-las por essa franja, e traze -las todas para minha igreja ; alms delas virflo as de seda pura" 8 3 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 42/57 (2:370) . Esta c om p ar a~ o c on st it ui 0mod e lo t e6 ri co (I p ratico d e to da a emp r es a d i ab o li c a, A s v irt ud es n ao sao pu ras e ab so lu tas, E m term os r el at iv e s, p o d em ter aspecto s d e m ald ad e co mo as cap as d e sed a p od em te r f ra nj as d e algodllo, 0 d ia bo p ro pO e e xp lo re r e st a re la ti vi da de , p ux ar a s fra nja s, p ara o bte r u m a v ito ri a a bs olu ta , t ra ze nd o "todas" a s f ra n ja s , e com elas a seda p ura , p ara su a ig re ja, E m o utra s p ala vra s, p ro po e c ria r u m te cid o d e a lg 0d 8o u nic o e e on tln uo . Uma por uma, as vi rtudes sao convertidas pelo diabo em vfcios, e v ic e-v ers a. V ar io s.a dje tiv o s e p ro no m es n a p re ga <; ao d o d ia bo c ara ct er i- zam sua missao c omo uma empresa absoluta e totali zadora , 0 d ia bo se declara t'o D ia bo v er da de iro e u ni co " (2:371),0 " v er da d ei ro p ai " ( 2: 37 2 ) da h um a ni da de , q ue dara " tu d o, tu d o, t ud o , tu do , t ud o " (2 :3 72 ).) P re ga r seu ev angelho 6 transm itir "tod a a no va ord em de cousas" (2:372). 0 d ia b o " d es ci a, e su bia, e xa min av a tu do , re tific av a tu do " (2:373), a te julgar po der "rem atar a o bra" (2 :37 3). M esm o qu and o parece ad rnitir excecdes , 0 d iabo nao deixa d e serabso lu to . D iz que a forca eo brace d ireito d o h om em , e a fraud e 0 b ra ce e sq ue rd o, a dm itin do q ue "nao er a e xclu siv ista , Q ue u ns fo sse m c an ho to s, o utro s d estro s; a ce ita va to do s, m enos os que nao fo ssem nada" (2:372). A final, Lucifer acred ita ter realizad o um trab alh o p erfeito : . , "A p re vis iio d o d ia bo v erific ou -se , T od as as v irtu des c uja c ap a d e v ~lud o acab av a em fran ja d e algo d1 i.o , u m a v ez p ux ad as p ela fran ja, d eit av am a c ap a a s u rt ig as e v in ha m a lis ta r- se n a ig re ja n ov a. A tra s f or am c he ga nd o as o utra s, e 0 t em p o a be nc oo u a i ns ti tu ic so . A i gre ja f un da ra - se; a doutrina propagava-se; nao hav ia reg ijio no g lobo que nao a c o nh ec es se , um a l in gu a que nao a t ra duz is se .r uma r a~ a qu e na o a ama s se , o Diabo alcou b ra do s d e t ri un fo " (2:373). Porem 0 so nho sistem atico d o d iab o acaba n a d esilusao . 0 lapso co meca a se afirm ar: "Io ngo s an os d ep ois no to u 0 D iabo q ue m uito s d e s eu s f ie is , a s e sc o nd i da s, praticavam a s a nt ig as v ir tu de s, N a o praticavarn t od as , n em in tegral mente, m as algum as, po r partes, e , co mo d igo , as ocultas" (2:373-74). C erto s g lu td es co mecam a praticar 0 je jum; os av aro s d ao e sm o la s fu rtiv am en te; o s fra ud ule nto s ru ; vezes caem na . s in c er id a de , S a ta n ic am e n te r ai v os o , 0 fu nd ad o r d a i gre ja v o lt a a o c eu p ara saber a c au sa d e tamanha f al ta d e i n te g ri d ad e : "D eu s o uv iu -o co m in fin ita c om p la ce nc ia; n ao 0 i nt er ro rn p eu , n a o o re pr ee nd eu , n ao t ri un fo u , s eq ue r, d aq ue la a go ni a s ata nic a, P 6s o s o lh os nele, e d isse: ' 84 i, 1 j 1 . - Que queres tu , m eu pobre D iabo? A s c ap as d e alg od ao t! m ag ora f ranjas de se da , c om o as d e v elu do tiv eram franjas de algodao, Que queres tu? E a eterna contradicjo humana" (2:374) . O. s is tema 6 tecido inteirico, seja d e veludo au de algodao, su a e xi st en c ia s en d o e fem e ra o u a tl S d uv i do s a. A r ea li d ad e n li o- si st em a ti ca e o h ib rid o i m pr ov av el d e t ec id o s d es ig ua is . F al ta -lh e p ur ez a, e le ga nc ia , b el ez a d e c on ce pc ao o u e xe cu ca o. F alt a-l he re sp ei to p ela s re gra s d o b o rn senso e do born gosto. Im p ro visa da , im p ud en te , a rea lid ad e fic a ao d eu s d ara, se m o utro d e st in o s en ao 0 d e t ri un fa r p el o j eit in ho d ad o . S eg un do L uis F ern an do V id al, n os c on to s d e M ac had o d e A ssis, d e u rn m o do g era l, e nc on tra mo s "la m o stra ei6 n d e 1 0 r el at iv o e n t od o 1 0 qu e s e p re su m e a bs ol ut o; l a p en etr ac i6 n e n 1 a e se nc ia d e 10 c onven c ion a l p a ra m o str ar s us fa ee ta s c on tr ad ic to ri as " (1 32 ). S on ia B ra yn er c on co rd a q ue "0 p ri nc fp io f un d am e n ta l [ .. . J n o s c on to s 6 a r e la t iv tz a ca o t ex t ua l , qu e lhe v ai p ro piciar um a am pla e inusitad a fo nte d e expressiv idad e. A o to m ar re la tiv a toda a e x te ri o ri d ad e , c ompo rt amen t o e, aos poUCOS, a p ro pri a e ss en ci a d o m u nd o , q ue st io n a 0 p r ee s ta b el ec iment o , a p e rmane n - c ia irn uta vel d os c on ce ito s e v alo re s" ("C on to " 13). Tais comentarios p a re cem f ei to s a m ed id a p ara faz er g lo sa d e "A ig re ja d o d iab o"; p ou co s co nto s d em onstram co m tanta eficiencia que, no m undo de tan tos a b so l u ti smo s p r et e ns io s o s, 0 relative na o d ei xa d e v ig or ar , N o e nta nto , c re io q ue sim p lific am o s d em ais se co nclu fm o s q ue " A ig re ja d o d ia bo " re pre se nts u m a c on ten da e ntre 0 a bs olu to e 0 relative, em qu e este e v in di ca do p ura e s im p le sm e nte , O s d ad o s t ex tu ai s d o c on to n ao j us ti fi cam t al a fi rm a c fl o, q u e s er ia , alias, a d e cl ar ac ao d o r el at iv is m o a bso lu to . 0 c on to su ge re u m a re la ~o b ern m ais su til e ntre 0 re la ti ve e 0 a bso lu to - u ma in te rd ep en de nc ia o u ate u m a c um plicid ad e. N o re la ta , o s d o is c on ce ito s s e j u st if ic am e s e c om p le ta m m u tu am e nt e. C om o ja d i s s emos , 0 d iabo tern um a m eta to talizado ra - a d e c on ve rter to do s o s v fc io s e m v irtu de s, e to do s o s re to s em I mp io s. P ore m, o s m eio s q ue ele ern preg a para cheg ar a tal fim nao se caracterizam po r esse a m d o ab so lu to , m as p or s eu o po sto . Q ua nd o D eu s o uv e a teo ria das f r an ja s, i den ti f ic a 0 d iab o co m o "V elh o re to ric o! " (2 :3 70 ). M ais ta rd e, d ep ois q ue 0d ia bo d ec la ra q ue a m isan tro pia p od e to m ar a a pa ren cia da c ari da de , D eu s r ep et e 0 e pfteto : "R eto ric o e su til" (2 :3 71 ). D e fa to , e m su a c on ce pc so c la ssica , a re to ric a e um a teo ria relativ ists, em que a v era cid ad e d as id eia s em si 6 se cu nd aria , se nd o a p ersu asa o da audiencia a p r eo c upa c ii o p r in c ip a l (Peerlman), V eri fi ca m os q ue a re t6 ric a d o d ia bo , 8 5 ffI' ". '- 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 43/57 "wnas vezes BUill. outras cfnica e deslavada" (2: 3 72}. se baseia em n~ con tingentes e relativ es. A ira gera obras belas e heroicas como a Iliada; a gula ~ a fonte das melhores cria~ de Rabelais. A inveja e o principio c ia prosperi dade, a venalid.ade 0 exercfcio de um direi to II propriedade pessoal; 0amor ao proximo e inf~o de parasitas, e 0 respeito 6 s im p le s a d ul a~ o . 0 discurso do diabo e jogo de. cootexto~ e concei tos , em que a a c ei ta c ii o t ra d ic io n a l desideias de morahdade se vira a s avessas, Satanas, portanto, e uma curiosa combinacao de contraries. Sua visao geral e escatologica e s is tematica; em seu projeto para chegar a este tim, 0 diabo age por meios caoticos. Implicitamente, 0 canto nos oferece um a visao do programa de Deus. Notamos que no canto Deus tambem represents a fusao de contraries. Embora 0 texto 56 registre 0 estabelecimento da igreja do diabo, a "igreja de Deus" esta sempre nas entrelinhas, pois aquela se elabora em fun~o desta. Ate ter a ideia de fundar uma igreja, Satan a s vive .dOB "remanescentes" (2:369) da igre ja div ina, Se a o rganizacso original tern remanescentes, podemos concluir qu e sua atua~o e limitada e qu e nao ambiciona a tota lidade , a niio ser que 0 plano divino ainda nao este ja cumprido , e Deus ainda nao estej a sa ti sfe ito com a real idade, Mas o conto nos retrata um Deus estatico e satisfeito. Sua igreja no conto revela a contingencia e a restri~o como vi sao geral; ao contrario do projeto s at an ic o, n li o tem ambicdes totalizadoras, Alguns teriio 0 gozo e terno , mas sempre havera estranhos. A versao maehadiana da igreja divina na o e t ao dife rente da versao bfbl ica , em que 0 "trigo" se destaca do "joio", a exalta~o sendo reservada somente para 0 primeiro. Se as finalidades de Deus s a o relat ivas, seus metodos para atingi- las parecem ser absolutas . 0 discurso evangelico se dist ingue da ret6rica per consistir p rin cip al m e nt e e m i nv oc ac oe s e declaracoes de ve r ac i dade irnplfcita, e na o em persuasao . Os grandes d iscursos bfb licos apresentam ideias como verdades inequfvocas. Os apelos normalmente contem promessas de salvacao para os discfpulos e, em conseqilencia, reservam a condenacao para os inf ieis , Emboraa retor ica possa estar presente, na forma dos meios tradicionais da persuasao, 0discurso na o obtern seu principal apoio da retorica porque hit recurso A verdade e a autoridade exterior, independente do discursante. A fala de Deus no conto e 0 repildio da retorica. Consiste em expressoes curtas e di retas, desprovidas de g iros suti s e de figuras, A unica figura retorica usada po t Deus e a metafora da s franjas no fim do conto; aqui Deus esta usando a re t6rica do diabo, l ancando-lhe em rosto seu proprio 86 , . .~ :j discurso. A comunicacao divina, no canto, e 0 contrario da comunicacso diabolica, Nao busca persuadir p orq ue ta l procedimento 6 indigno da s verdades eternas , A verdade e 0 qu e cU i forca Afala d ivina: a do diabo, nao sendo verdade, nao tem forca para Deus. Ao condenar 0 discurso do inimigo, 0 Pa i Celestial mostra a supe ri o ri dade de quem tern conviccso da verdade: "Tudo 0 qu e d izes ou d ig as e sta d ito e red ito p elo s moralistas do mundo. E assunto gasto; e se nao tens forca, nem originalidade pam renovar um assunto gasto, melhor e que te cales e te re tires. Olha; todas as minhas legioes mostram no rosto as sinais v i vos do tedio que the das" (2:371). Se as expressfies tern urn valor inequfvoco no projeto divino, os atos nao sao diferentes, Quando Satanas visita a reino celeste, 0 Pai esta recolhendo um velho. Deus explica que 0 anciao, "Depois de uma vida honesta , teve uma morte sub lime. Colhido em . u rn nau frag io , in salv ar-se n um a tab ua; m as viu um casal de noivos, na flor ci a vida, que se debatiam ja com a morte; deu-lhes a tabua de salvacao e mergulhou na etemidade (2:371)". Quando Satanas sugere que tal ato de aparencia abnegada pode ser maldade, se 0 agente nao gosta da vida, Deus 0 chama de "ret6rico". Concluf rnos que a s ato s e as motives , para Deus, pertencem A area das verdades absolutas , tanto como a s i d ei a s. Para Deus, e nta o, a s meios sao a bs ol ut os e os f in s r el at iv es . H a uma int ima re lacao entre urn e out ro. E a na tureza inflexfvel dos meios que assegura os resultados de exito parcial. Quando a esta r elacso de meios e fins, verificamos que Deus e 0 diabo se completam. Sa o iguais no sentido de combinar , nos seus prograrnas, 0 relat ivo e 0 absoluto. Na configuracao destes valores, sao opostos. A fu sa o d e o po sto s tambem a pa re ce n a estrutura do re lato , E m su a manifestacao mais obvia, 0canto 6 fonnado de qua tro capftulos, que em seu conteiido apresentam estrutura irregular: 1. Ocorre ao diabo a ideia de fundar uma igreja, e assim v en eer a batalha contra Deus. 2. Entrevista entre Deus e ° diabo; este exp5e a teoria das franjas . 3. Pregacao do d iabo ; conqu ista de muitas alm as , . 4. A conquista diab61ica se completa; almas conquistadas comecam a praticar atos virtuosos; Deus lembra a teoria da franja; reconhece-se a derrota do programs de Satanas . 87 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 44/57 , I De a co rd o com esta divisao de capftu los, 0meio c ia obra devia estar entre 0capitulo dois e 0capftulo tr~. Mas em termos do enredo e diffcil dizer que" este ponto representa 0 meio , porque a a~o esta apenas co m eca nd o; v e-se u ma c on ce ntrac ao d os m o tiv os da a~o n a s eg un da parte do conto, e especial mente no quarto c a pi tu l o. N i io ha equilfbrio ou simetria entre os capftulos. Mas esta e somente a manifestaclio mais superficial da estrutura. A configuracao de etapas numeradas desmente uma forma regular, equilibrada e simetrica. Qualquer leitor deve sentir no conto uma binaridade profunda, aoIer sobre Deus e Satanas, virtudes e vfcios, ve ludo e algodao, e tc. Deve sentir t ambern que a obra consiste em varies casos de duplicacao: duas igrejas, duas entrevistas entre os antagonistas, duas capas com franj as, etc . A duplica~o e a binar idade se comple rnen- tam; por exemplo, como observa Sa lvatore D'Onofrio, os preceitos da igreja do diabo sao "exatamente opostos aos da igreja crista" (29). Estes fatores sao sintet izados Duma estrutura narrativa de simetr ia bilateral (Weyl 3-16), que percebemos facilmente se esquecemos a divisao de capftulos: AI. 0 diabo concebe urna vltorla completa, por meio de sua igreja. Bl. Entrevis ta de Deus e 0 diabo; desenvolvida a t eo r ia d a f ra n ja . Cl. 0 diabo conquis ta todas as suas vi rtudes, e todas as almas, C2. "Desconquis ta" das almas; surgimento espontiineo das virtudes. B2. Entrevista entre Deus e 0 diabo; recapitulacao da t eoria da franja. A2. Reconhecimento da derrota do diabo. A sequencia tambem pode ser considerada circular. ou rotativa segundo Weyl (44-45), pols termina onde comeca , Abrangendo 0 princfpio e 0 t im, 6 uma estrutura perfeita, total izadora. Ass im, ocorre no aspecto estrutural a mesrna coexistencia entre 0 regular e 0 irregular, o contingente e 0absoluto, que identif icamos nas empresas do diabo e seu inimigo. A imagem-chave desta cumplicidade relativo/absoluto e a cap a com sua franja. Ao considerarmos a imagem da capa de veludo com sua franja de algodso, sincronicamente, temos a sugestao do desajuste e da irregularidade, 0 tecido rico sen do invadido por urn tecido vulgar. Analisando a mesma imagem diaeronicamente, vemos que sofre uma inversao. No fim, a capa de veludo com franja de algodao se torna capa 88 de a lgodiio com franj a de ve ludo, Nesta perspec tiva , a i rregularidade perde importil.ncia diante da s imetria e do equilfbrio perfeito c ia inversso. No conto, a perspectiva s in cr on ic a e a d ia cro ni ca r en de m um a fu ss o de opostos semelhante, mas i n ve rs a. A leitura simplesmente diacronica do projeto falhado do diabo nos leva a vindicacao do re la ti ve , a o conheci- mento da "eterna contradicao humana" (2:374) . A consideracao sincro- nica de varies elementos da obra nos revela fenomenos absolutos, geometricos, perfeitos, Paradoxalmente, 0 pr6prio relat ivismo figura na afirmacao destas foemas absolutas. Paradoxalmente, tambem, a afi,rma<;io simetrica e perfe ita acaba sendouma afinnagao do perspect ivismo em toda sua relat ividade, 89 ~ :" 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 45/57 , '. , . . IX- A L EI D O P EQ UE NO S AL DO : "NO IT E DE ALMIRANTE" Estreita e a porta, e ape rtado 0 caminho que leva a.oco~to mod~~~. A partir de Edgar Allan Poe, a concen~'ii~, a econo~a, a insucept ibi li- dade aos devaneios tem tamanha asSOCla980ao conce ito do canto, que chegam a ser um a defini' iio do m e sm o . E ste modelo do con to 1 6 , antes de tudo linear e objetivo. Tudo no conto e vol tado para urn resul tado - uma "unidade de efeito", na terminologia de Poe ("Twice" 106) - e todos os meios C ia ~arra'iio contribuem a este fim. Os enredos VaG diretamente ate seus desfechos. Segundo Poe: "Nada mais claro do que deverem todas as intrigas, dignas desse nome ser elaboradas em re la~ao ao eptlogo, antes que se tente qualquer coi sa 'com a pena. S6 tendo 0 epl logo c~nstantemente em vis~, P?dere- mos dar a urn enredo seu aspecto indispensavel de conseqilencia, ou casualidade, fazendo com que os incidentes e, especial mente, 0 tom da obra tendam para 0 d es en v ol vi m en to d e sua intencao" ( Po em as e e ns ai os 101). Como se sabe, a influencia de Poe quase desapareceu nos Estados Unidos mas foi .ressusc it ada na Franca (Peden 3). Mesclando-se com a estet icados grandes contistas russos, os conceitos de Poe contr ibufram para a format;ao d e u rn a gerat;ao de v e rd a d ei ro s m~tres . Henry Jan:es , ao escrever sobre 0 g~nero em 1889, continua enfatizando a econorrua e a narracso direta: "u ma o nca de exemplo vale uma t one la d a de g~nera1i- dades. [ ... ] Qua lquer ponte de vista 6 interessante, desde que seja uma impressao direta da vida" (peden 8). Em 1888, Tchekov ainda da valor a concisao e ao pIanejamento: "Portanto, ao plane jar urn conto, e preciso pensar primeiro na estrutura geral : de uma mul tidao de personagens principais ou subor- dinados escolhe-se uma unica pessoa [ .. . ] , coloca-se na tela para pinta-la. , soz inha , 'fazendo~a destacar-se, enquanto se espa lharn os outros per- sonagens t . . . ] sob re a tela [ ... J eo resultado e urn tanto como a ab6boda 90 do ceu: uma lua grande, e uma quantidade de estrel inhas ao seu redor" (Peden 11-12). Quando ern 1931 0 grande c ont is ta u rugua io Horacio Quiroga compara a elaboracao do canto ao ato de atirar uma f le c ha , d i re tament e para 0alvo (137), ele esta mantendo-se fiel a ideia linear estabelecida por Poe. Outro aspecto nota ve l da definicjio e uma a fi ni d ad e p e lo discurso etico e moral. Como a citat;ao de Poe indica, bQ intrigas "dlgnas desse nome" , 0que sugere que deve haver intrigas " indignas" tambem. 0 valor da concisao, alem de ser uma questao de unidade artfstica, chega a ser m u it as v ez es uma questdo de integridade pessoal tambem, Quando Quiroga formula seu conhecido "decalogo" do perfeito contista (86-88) , demonstra este vfnculo entre 0 discurso teorico da produ~o contfst ica e o discurso e tico dos profetas. Concebendo a teo ria do conto em termos de nonnas de procedimen to, pe rmanece fie l ao mest re Poe . A c ons eq il en ci a f ormal de tal teoria do conto e uma estrutura rfgida e linear. 0 desfecho vern sendo prefigurado desde 0 i nf ci o, e os varies m o ti ve s f az em parte de u rn d e se nvo l vimen to c ont in u o que leva diretamen- te ao desenlace . 0 conceito de Poe tern aspectos positivistas, pois favorece a 16gica, 0 planejamento ordenado, 0 esforco concentrado. Ao descrever 0 processo da composicao do poema, ."0 corvo", Poe ate se deixa seduzi r pe la figura retorica princ ipal do posit ivi smo - a ana logia cientffica: "E meu designio tomar mani festo que nenhum ponto de sua composicao se re fere ao acaso , ou a intuit;ao, que 0 trabalho caminhou, passo a passo, a te comple tar- se , com a prec isao e a seqi ienc ia rigida de urn problema matematico" (P oe m a s e en sa io s 1 03 ). Machado de Assis certamente c on hecia a obra de Poe, tendo .s ido tradutor do poema mencionado, e tendo feito referencia ao auto r na advertencia de Varias histories. E de se supor que Machado nao ignorava sua inf luente teoria do conto; se nao a recebesse diretamente de Poe, ter ia assimilado sua essencia de algum discfpulo. Aqui pretendemos analisar 0conto "Noite de Almirante" (His /arias sem data, 1884), a luz desta teoria, Como ja vimos em nossa analise do conto "Cantiga de esponsais" , Machado desenvolveu sua propria leona da criacao artfst ica. A teoria irnplfcita do conto deixa muito espaco para o acaso ou a intuiciio, e concebe a criacao nao como urn processo r igidamente determinado, mas como urn caso for tuito. Veremos que, em varies aspectos, a teoria machadiana e 0 contra rio ciade Poe . E nao nos " 91 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 46/57 '8 tuPiCendent , portanto, q ue n a f or ma e n a te m ati ca , " No ite d e a lm ir an te " possa s er c o ns id e ra d o uma c rf ti ca A t eo ri a e st et ic a do conto de Poe. . ; ' , ' . < ;) ' te xto , c om o t an to s o utr os r ela te s m o de mo s, c om ec a d es pe rt an do un :u l expectative n o leitor, D eo lin do V en ta -G ra nd e, d e v ol ta a o R io d ep ois de 'dez meses, sa l p a r a v i sita r sua nam orada, Os com panheiro s do m arinheiro cacoam dele sobre a no ite de grandee prazeres que va i experimentar , pais absteve-se de namorar durante varias viagens, por c au sad e u ma p ro me ss a d e fid elid ad e a s ua n am orad a, G en ov ev a. 0 titu lo d o c on to , n atu ra lm en te , ta m be m c on tr ib ui a es pera nce n o lei to r d e u ma noi te de multo e nt re te ni m en to e namoro. P orem , nao se sa tis faz es ta expecta tiv a, nem em D eo lind o, nem no leite r. D eo lind o d esco bre que a G eno vev a ago ra am a o utro . E ta the explica, co m 8 ma i or n a tu r al id a d e, qu e na o q ueria feri-lo , e q ue a p ro m es sa d e fid elid ad e p or s ua p arte era s in ce ra , m as q ue 0 o utr o b av ia in sis tid o , e q ue 0 t em p o a ca ba ra m u d an d o suas fe i '1Oes . Deol indo ameaca matar 0 outro rapaz , matar Genoveva, e at6 m atar a si mesmo, M as cad a ameaca e d es an na da p ela s p al av ra s cAndidas da m o ca , D eo lin do p as sa a lg um te m po c on ta nd o e xp er ie nc ia s d as v iagens, e ate Wi a G enoveva os brincos que hav ia guardado com o p re se nte . V ol ta p ar a o s o utr os m a rin he ir os s er n te r p ar tic ip ad o d a p ai xa oprev is ta, m as co nten te em saber que as o utro s pelo m eno s pensam que p as so u u m a g ra nd e n oite : "N o d ia seguinte alguns co mpanheiro s ba teram -lhe no o rnbro , cumprimentando-opela noite de almirante, e pediram-lhe notfcias de Genoveva, se es tava mais bonita, se chorara muito na ausencia, e tc . E le respond ia a tudo com um so rriso satis feito e d iscrete , urn so rriso de pessoa que v iveu um a grande no ite , Parece que teve vergonha da r ea li da de e p re fe riu m e ntir " ( 2: 45 1) . E p re ci se l er criticamente a u lti ma f ra se , r ec on he ce nd o n el a u rn tom ir8nico . 0 s ilencio de D eo lindo nao chega a ser m entira, po is apenas d eix a o s o utr os c he ga r a u m a c on cl us ao e rr on ea . P ar a m e ntir , u m a p es so a p r ec is a p a rt ic ip a r a ti v am e n te da co ns tru cs o d e u ma id eia falsa a se u v er, im p ut an do -l he v er ac id ad e ( Sh ib le s 3 3) . M a s t ar nb em p od er fa rn os d ir er qu e 0 so rriso ~ , li tera lm ente , "d e um a pesso a que v iv eu um a grand e n oite" , p ois p or c au sa d a o pin iao d os co m pan heiro s, a n oite real m e nte fo i ass im pam Deo lindo , A lfredo Bos i v~ no fim do canto uma i nv e rs ao s ime tr ic a, em q ue a " m en tir a" d o m a ri nh eir o c or re sp on de a d a n am o ra d a (4 53 ). J I1 qu e tan to a " me ntira " d o rap az co m o a d a rn oca sa o d uv id osa s - 0 texto d iz que ela juro u s inceram ente, e a fa lta d e s incerid ad e e co nd ica o p ar a a m en tira (S hib le s 3 3) - s eria m elh or en co ntrar a sim etria 9 2 n o d esv io d a in ten cao d e ambos. D e q ua lq ue r m an eir a, s e D eo lin do s en te v er go nh a d a r ea li da de , d ev e s en tir o rg ulh o d a ilusao. A i ro n ia e st l1 n o f at o d e que , apesar d e DaO te r e xp er im e nta do u m a n oi te d e a m or es , 0 marujo n ao d eix a d e p ass ar u ma n oite d e alm ira nte, d e o utra fo rm a. A s at is fa ¥i o im a gin ad a e d es eja da n ao f oi e nc on tr ad a. P or em , p ar ec e q ue a s p r 6p ria s de sgra ca s leva m e m si u m p re mia co mp en sa to rio , qu e 0 su je i to f rus trado aprove i tara . D en om in am os es ta reg ra a le i d o p eq uen os a ld o , c it an d o 0 p ro ta go n is ta d e M em orla s p ostu ma s de B ra s C uba s. Ao chegar ao fim d e S u a n array ao , C ub as fa z u rn in ven tario d e su a v id a, q ue se resum e num a serie d e esperan~ nao realizad as , P orem , em um a da s n eg ati va s, a d e n ao t er c on he cid o 0 c as am e nt o, e le d e cl ar a t er e nc o nt ra d o "um pequeno saldo , [ ... J N ao tive filho s , nao transm iti a nenhum a criatura 0 legad o d e no ssa m iseria" (1:639). D eixarem os para o utra o ca si ao a a na li se d as c om pl ex as s ug es to es p si co l6 gi ca s d es ta d ec la ra ca o, co mo a am bigflid ad e que a frase carrega no co ntexte d o ro mance. 0 que n o s i nt er es sa a go ra e 0m o de lo : s ec f ru str ad o, e d a r e n co n tr ar n a s p r op r ia s c ir cu ns ta nc ia s f ru st ra nt es a c om p en sa ca o . C om o s em p re , a l ei m a ch ad ia na e a n eg a< ;a o d o c am i nh o reto, S eg un do a l ei d o p eq ue no s al do , 0caminho e to rtu os o e c he io d e d es vi os . A le i do pequeno sa l do esta presente em m uito s conto s do auto r carioca. Em "A senhora do Galvao", po r exemplo, uma esposa recebe u rn p ro fu nd o d es go sto a o sa ber q ue 0 m a rid o th e 6 in fi el. E m c om p en sa - <tao, s en te a ut en ti co p ra ze r 00 p o d er e n fr en ta r tanto 0 m arido com o a a m an te c om e ste c on he ci me nt o, e m c ir cu ns ta nc ia s tr iu nf an te s. E m " Um a senhora", D . Carnila rejeita t od o s o s n am o ra do s de s u a f il ha , S e cr et am e n - te , e nc ar a 0 casam ento do filha e 0 surgimento de um neto com o a confirmacao d e se u p ro prio en ve lh ec im en to , alg o q ue th e e repugnante . Po ro m nao ped e recusar o s futures genro s para sem pre , A filha casa, e torna-se m a e . A compensacao d a av 6 e a o p or tu ni da de d e p as se ar mui to co m 0 n etin bo , m im an do -o e fa zen do as p es so as cre rem q ue eia e a m a e d o nene , E m "A p aras ita azul", L eand ro S oares reso lv e m atar C am ilo q ua nd o e st e c on qu is ta 0 am or d a m ulher que ele ro na. M ud a d e id eia, no e nta nt o, q ua nd o C am ilo o fe re ce -lh e s eu a po io e m u m a campanba polftica, S e a s c om p en sa co es n ao e xis te m n as c ir cu ns ta nc ia s e xte ro as , p od e m s er c riad as n o m en te . N o co nto " 0 d ip lo ma tico ", R an gel, u m q uaren ts o s olteiro , re so lv e p ro po r ca sa men to a Jo an in ha, J us ta men te n o m om en ta em q ue cria co ra g em para entregar-lhe um a carta d e am or, aparece 0 jovem Queir6s , po r quem ela logo se apaixona, R an ge l e nc on tr a s eu c on so lo n a i m ag in ac ao . A li st a- se m e nt al m e nt e c om o o fi ci al d e v o lu nt ar ie s 93 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 47/57 na:gucfrado Paraguai , e , dentro de suss fantasias. chaga a ganhar var ias b a t a l l f a S e oposto d e b rig ad eiro , "0 em prestim o" ta mb em m o stra como a ' m e n t e h um an a e sti disposta a criar os seus "pequenos saldos", C u st od io , um boa-vida, esti em a pu ro s fin an ce iro s, e p ed e um empres- timo de cinco contos de reis a Vaz Nunes, contador e grande avaro, Quando este recusa, Custodio diminui a quantia e pede de novo. Vaz Nunes continua recusando, e Custodio continua repetindo 0pedido, com s om a s m a is reduzidas, Af ina l consegue um emprestimo de cinco mil-reis, o que nao fara nada para resolver sua situa~o. Mas Cust6dio sai sinceramente alegre; seu pequeno saldo 6 haver conquistado alguma coisa de um homem que decididamente nao ia emprestar nada, Voltando para a "Noite de s lmirante", ver if icamos que a satis facso de Deolindo 9.0 deixar os companhe iros imaginarem uma noite de amor nao 6 0 unico "pequeno saldo" do conto. Quando Genoveva pede que 0 marinheiro conte algo de suas viagens, deve ter agradado pelo menos um pouco a,moca referir-se a s anedotas como "bonitas historias" (2:405),e acompanha-las com grande atencao, vivendo "intimamente a vida dos personagens" (2:405). Outre momento de satisfat;io e 0 em que Genoveva e a companheira elogiam os brincos que foram urn presente do rapaz: "- Realmente , sao muito boni tos. , .Quero crer que, 0 proprio marujo concordou com essa opiniiio. Gostou de os ver, achou que pareciam feitos para eta e, durante alguns segundos, saboreou 6 prazer exclusive e superf ine de haver dado urn born presente; mas foram 56 alguns segundos" (2:451). Ao fa larmos de expec tat ivas, de frust racoes e de sat isfacoes, na o estamos tratando somente da s preocupacoes dos personagens. E tarnbem uma questao de estrutura narrat ive, de rea<;oespor parte do le itor, e de uma visao do mundo. A promessa de fidelidade entre Deolindo e Genoveva, alem de ter irnportancia "pessoa l" entre os seres humanos representados, forma 0 eixo estrutural do conto. De certa forma cada conto consiste em uma promessa (a exposicao, a eria<;ao do confl ito) eo cumprimento da mesma (0 climax, a resolucao do conflito). 0 leitor recebe esta estrutura narrativa como quem recebe uma promessa, formulando uma expectativa ou uma esperanca, e entao obtendo a sati sfa~o em. rnaior ou menor grau. Inevitavel rnente , M repercussoes maiores, Se a solucao e satisfatoria, a obra deixa a impressiio de urn mundo justo, Se nao, a impressao tende a set 0 oposto. E f :fei l ver por que no discurso de Poe e outros, bli uma mistura entre 0discurso estetico eo discurso etico.Ha urn princfpio de integridade que per tence a ambos . 9 4 Como conto que destaca tematicamente a promessa, "Noite de almirante" apresenta urn campo ideal pam testar esta confluencia do etico e do estetico, 0 resu ltad o d este e xam e nao deixara de t er r es son an c ia s filosoficas, Oconto, como dissemos, c r ia expecta ti va s no lei tor. Nao a s c ri a apenas em termos do enredo; como nota Maria Consuelo Cunha Campos , M tam be m u ma ex pec tativ a em termos de c ar ac te ri za ci o. A "tradiyao marinheira nap oia a iroagem do marujo como participante de no it es c h ei as de prazer quando esta em terra, e 0 lei tor espera no c on to r at if ic ar e st a t radi<;i' io(69). Obviamente a promessa nio se cumpre. Em certo sentido e a nega~o daqueLe caminhar resoluto c ia cria~o a r tf s ti ca que ca rac te r iza a teoria tradiciona l do conto. Para dize r se esta falt a no cumprimento prejudice a unidade de efeito da obra, precisamos considerar 0 tom. Se o tom da obra fosse pessimista, se Ge no v ev a f os se uma cruel oportunista, s'e a vi sao do Mundo sugerida fosse niil ista, a simples fal ta de curnpri r a promessa da noite de almirante seria apropriada para a unidade de efeito, criando a impressao de urn universe injusto, Porem 0 tom nao e tao pessimista assirn. A c ar ac te ri za cf io d a persanagem que falhou no cumprimento da p rome ssa central 6 essencial para 0estabelecimento deste tom e, j ulgando pe los dados textuais, Genoveva nao 6femme fatal, nem parece se r "garimpei ra soc ial " como afi rmam Nist (18) e Bosi (453). 0 conto a retrata como mO<;Rsimples e cfuJ.dida que tentou resistir a s atencdes de out ro homem, m as a fi na l nao pede, Segundo Tristiio ci a Cunha, Genoveva e sirnplesmente "amnesica", e mostra que "a paixiio enche de tal modo 0presente que a aboliciio do passado cbega a set um a exigencia hones ta do ins tinto. A etica da especie devora a do indivfduo" (25). Creio que um a visao do mundo esta concentrada na personagem de Genoveva. Portanto esta atmosfera geral nao precisa ser negativa, 0 mundo, como Genoveva, nao e cruel, e inconstante. Se 0 enredo do conto tivesse c ons is ti d o s oment e na promessa de um a noite de n am o ro e a falta de cumprimento desta promessa, entao, nao seria suficiente. JI 1 que 0 tom oao e tao p es ad o, h av eria u m a falta de integridade, urn efeito confuso em vez de unificado, Ser ia preciso outro fator, que restabelecesse 0 sentido da i nt eg ri d ad e e s at is fa c ao , Ai esta a fun~o estetica dos pe qu e no s s al d os : o prazer de dar um hom presente , de conta r uma historia aprec iada , e de deixar as companheiros impressionados, 0 canto machadiano termina numa nota de satis faei io; a diferenca entre 0 canto e a mode le cl sssico esta no fato que esta sat isfa<;ao nao foi a que estava prometida, senao urn contentamento encontrado em outra par te. 0 con t o foge do modelo de 95 i:,' I" 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 48/57 desenvolvimento lin ear, e segu e o utre m od ele em qu e figu ram v oltas, d e m o s e de s cam i ahos , : " I : E s t a c on clu sto , p ore m, I Sapenas 0 p ri m ei ro p as so . V en do 0 c on t o 6 im pl~m ente com o um a estru tu ra linear, a inda nao percebem os a oomp16XicUideq u e 0 caracteriza, nem 0 parsd oxo que se rev els a ~m ~ X i u r i e ' m r u s p orm e no ri za do . A t~ a go ra , n os sa v is ao d a e st ru tu ra te rn s id o um a v is ao i nt eg ra l; exam in an do a lin ha n arrativ e com o um . to do , conclufmos q ue nao 6 r eta , se na o q ue terminava com urn rodeio. No e nta nto , b a o utr a m a ne ira d e a na li sa r a m e sm a e st ru tu ra , e m q ue v o lt am o s 11 ate n~ o p ara o s c ompon en te s em si. N S eg uin d o e st a l eit ura " re du ti va ", n ot am o s q ue 0 m esm o pad rao d a e st ru tu ra g lo ba l - 0 d e um a reso luciio seguid a por um d esv io o u urna irreso lu cso - perten ce tam bem a m uito s m otiv es in div id uais. M esm o a nte s d e in tro du zid a a p ro rn ess a d e fid elid ad e q ue ja m en cio na mo s, 0 te xto n os c ia um a reso lu cao d esfeita , D eo lin do e G eno vev a "ficaram m orrend o urn pelo o utro , a tal po nto q ue estiv eram p re:> tes a ? ar un :a c ab ec ad a, e le d eix ari a 0 serv ice e ela 0 acompanhar ia a VIla mars r ec cn d it a d o i nt er io r" ( 2: 44 6 ). 0p la no n ao e r ea li za do , p or qu e " A v el ha Imki;, q \le m orav a co m ela, d issu ad iu-o s d isso " (2:4 46 ). A o cheg ar a casa de G eno vev a d epo is d a longa ausencia, D eo lindo d escobre um a m ud anca de rum os: ela nao m ora m ais co m a v elha, e es ta nao guarda a m es ma sim p atia p ela moca, Indcia nao quer saber d eIa, e cham a-a d e "cabeea v irada" (2 :448). Tan to esta im agem , com o a da volta que D eo lin do p recisa fazer para en co ntrar a no va casa d a m oca, sug erern a a li ne ar id a de e 0 desv io . . E nq uan to D eo lin do c am in ha p ara a n ov a c !sa , "A s id eias m _ ara nh a- vam -lhe no cerebro , co mo em hom de tem po ral (2:448). N o m ew desta co nfu sao m en tal, n ao d eix a d e te r u rn p en sam e nto m ais re so lu to : "E ntre elas .[as ideias confusas] ro tu lou a faca d e bo rd o, ensangiien tada e v in gad ora" (2 :44 8). P orem a id eia n ao v ai m uito lo nge, p orqu e ele n ao traz a faca consigo, A o e nc on tra r-s e c om G e no v ev a, 0 r ap az t ern o ut ro Im peto : "E m falta da faca, bastav am -lhe as m ao s para estr~ng~ lar Genovev a, que era urn ped acinho de gente, e duran te o s pnrnerros minutos DaO penso u em o utra cousa" (2:448). M as esta determinaciio, co mo a o utra, d ura p ou eo . A fran qu eza e 0 a r sin ce ro d a m o ca d esa rm am o m a ru jo . G en ov ev a e xp lic a q ue p ro m ete u se r fiel c om to da sin ce rid ad e, q ue tinha cho rad o d epo is da partid a d e D eo lindo , que tinha resistid o a s 96 pro po stas d o o utro h om em "a~ qu e u rn d ia, s em s ab er c omo , amanhecera g ostan do d ele" (2 :4 49). R esum e co m s s im p l es j us ti fi ca ti va , " m as 0 c o raQ ii o m u d o u" ( 2: 44 9 ). o moco entlio p ergun ta o nd e 0 r ival s e e nc on tra : " De olin do d ec la ro u, co m U rn g es to de desespero, q ue q ue ria m a la -Io " (2:449). Genov ev a s imp le sment e mud a de a s sun to , e a a me ac a nilo va i maislonge . o pro xim o ate d o r ap az I S0 d e d ar a Genoveva os b ri nc o s q u e tinha c om p ra do p ara e la, c om o re sp osta a p erg un ta d esta se e le se m pre t inha sid o fiel, D eo lin do c on se gu iu o s b rin co s "s c usta d e m u ita e co no m ia " (2:4 47 ), e 6 obv io que ele o s guard s com o um a recom pensa pels fid elid ad e d a nam orad a. Q uan do d ecid e d ar-lhe o s brin co s ap esar d o a ba n do n o , v em o s o u tr a r es o lu ei io c o nt ra ri ad a . G eno vev a pede que D eolind o co nte suas exper iencias, mas el e "recu so u a princfp io ; d isse q ue se ia em bo ra, lev an to u-se e d eu algu ns p as so s n a s ala " (2 :4 50 ). E n tre ta nt o, e sta d ec is iio , c om o t an ta s o ut ra s, D ao e e fe tu ad a: " M as 0 d em o nic d a e sp era nc a m o rd ia e b ab uja va 0 cora9B.o do pobre-d iabo" , e ele v o lto u a sentar-se para d izer duas ou tres a ne d o ta s" ( 2: 45 0 ). A entrad a de um a am iga de G enoveva no m eio d a narrayao d e D e ol in do , e m bo ra n so s en do u m a re so lu ca o c on tra ri ad a, DaO d eix a d e se ru m a i nte rru pc ao , u rn d es vio cia ate nQ iio , u rn d ev an eio d o a ca so , e n es te sentido e c on si st en t e c om 0p ad ri io q ue v ern s en do e st ab el ec id o n o c on to . A ultim a determ inacao d e D eolindo , na ho ra d e desped ir-se de Genoveva , e de se m atar, m as com o j a e d e se e sp era r, 0 resultado e o utro : "A v erd ad e e qu e 0 m a ri nh ei ro n li o s e m a to u" ( 2:4 51 ). Q uan do o s m otiv os ind iv id uals d o co n to sao exam in ad os, en tlio , t or na -s e e vi de nte q ue M 0 d es en vo lv irn en to c on sta nt e d e u rn p ad ra o - 0 d esv io , Parad ox alm en te, a in co nstancia ch ega a ser u ma co nstante na obra, A e st ru tu ra d o c on to e m s ua t ot al id ad e p are ce s er a n eg ay ao d aq ue le c am . in h o r et o q u e c ar ac te ri za 0c on to se gu nd o P oe e se us d isc ip ulo s. N o entanto, 0 exame d a s p eq uen as p arc el a s d a m esm a e stru tu ra re vel a U rn pro gresso co nstante e linear, em que 0 d ev an eio d o enred o g lo bal ep re fi gu ra do d es de 0 infcio, POt m e io d os m o tiv os in te rio re s, 0 c oo t o p ar ec e a vi sa r-n o s d a " in fid el id ad e" d a h is t6 ria t ot al . A o br a s e a pro xi m a m u ito d o fa m oso p arad ox o d o m en tiro so (S ain sb ury 1 44 -1 32 ), d iz en do - nos com to do 0 c an do r, "E u s ere i infiel", F al an d o d a e str ut ura t ota l, a fir m am o s q ue 0 conto e a l in e a r. Ago r a, p ara re su m ir a a na lise d os m o tiv os in te rio re s, d es co brim o s q ue 0 conto e l in ea r. P a ra t en ta r s in te ti za r e st a c o nt ra d ic ao a p ar en te , p o d em o s r ec o rr er 97 ' ! ' ' . " !~ , ,f d 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha aFilosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 49/57 Ifuili 'Conceito da propria navega9io maritima. 0 marinhe iro diri a que 0 movimgnto linear e 0 movimento alinear nio precisam ser mutuamente exclusives. Em certas circunstAncias, a U n ic a maneira d e v iajar em lin ha reta 6· fazer travessia - tracar urn ziguezague cujo sentido geral 6 constante. Assim parece se r a estet ica de "Noite de a lmi rante". A linha reta Be realiza por meio da linha curva, e vice-versa. x - A LEI DO LIVRO FALHO: "A CHINELA TURCA" Visto que 0 ambiente intelectual no Brasi l durante a ultima parte do seculo 19 apresentava uma devocao ao metodo cientff icc, favorecendo modelos epi stemol6gieos ob jet ivos, podemos encara r varies con tos de Machado de Assis como a reivindicacao do sujeito e da subjetividade. Talvez a obra mais notavel deste tipo seja "A chinela turca" (Papets avulsos, 1882). que para Eugenio Gomes ("Apresenta~o" 9) mares a inauguracso da fase em que 0autor demonstra a plena consciencia crftica. A obra narra 0 caso do bacharel Duarte que, ja pronto para ir a urn baile, reeebe uma visita do Major Lopo Alves. 0 major acaba de escrever urn drama, e exige que 0 rapaz 0ouca na hora e que lhe de a sua opinifio. Duarte, aguardado por uma namorada de lindos olhos azuis , nao encontra uma maneira de "desviar aquele calix de amargura" (2:296), pois 0 major , a lem de ser velho amigo da famfl ia e merecer todo a respe ito , e aparentado com a namorada . Insiste que 0jovem ainda ten tempo de dancar duas ou tres valsas depois de ouvir a obra. Duarte e Alves cornecam a tarefa: Ia pela meia noite 0jovem reconhece com colera que o baile e urn caso perdido, pois a inda resta uma boa parte do drama, De repente, 0major se levanta com ra iva, e sai com seu manuscrito. Antes que 0bacharel possa refletir sobre 0ate abrupto do outro, chegam varios policiais , prendendo Duarte como suspeito do roubo de uma rica chinela turea. Levant-no a urn lugar desconhec ido - uma sala vasta e opulenta. La 0bacharel encontra urn padre, ve a chinela turca e conhece uma moca lindfssima, de olhos azuis , que parece muito com sua namorada Cecfl ia . Exp1icam ao rapaz que 0 roubo da chinela foi urn simples pretexto, e que sera obrigado a casar com a rnoca, escrever seu testamento e heber veneno. 0 bacharel escapa, pulando par uma janela. Duarte foge, sal tando cercas e muros ate e ludir os perseguidores. Encontrando uma casa de porta aberta, ele entra. La encontra 0major Lopo Alves, 0 major o fe lic ita por ter chegado ao fim da leitura da peca, e pergunta: "_ Entao ! Que ta llhe pareceu? - Ah! Excelentel respondeu 0 bacharel, levantando-se. 9 8 99 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 50/57 - P aix6es fo rtes , n lio? - F ortfs sim as, Q ue ho ras sao ? - Deram duas agora mesmo. Duarte acompanhou 0 major at6 a porta, respirou a inda uma vez, a pa lp o u- se , f oi a t6 a j an el a, I gn o ra -s e 0 q ue p en s ou d ura nt e o s p ri me ir os m i nu te s; m a s, ao cabo de ur n quarto d e h ora, eis 0que ele dizia consigo: - N infa, doce am iga , fantasia i nq ui et a e f er ti l, tu m e salvaste de um a ruim ~ com um sonho original, substitufste-me 0 tedio por ur n pesadelo: foi urn bom neg6cio. Urn born negocio e uma grave lir;ao: p rovas te -me a inda uma ve z que 0melhor drama esta n o esp ectad or, e nao no palco" (2:303). o aforismo conclusivo tern U rn significado geral e metaforico: quem cI a sentido a r ea lid ad e 6 a pessoa qu e a observa. 0 conto ( ;um a demons- trar;ao desta teoria da percepcao. Sendo ao mesmo tempo uma obra que c Ia destaque especial a urn ato de r ec e pe s o l it er ar ia , 0 conto tambem d es en vo lv e u ma teoria da leitura como categoria especial da percepcao, Tendo sempre em mente as conseqfiencias gerais da t eo r ia , p r et en d o , no entanto, ver principal mente seu aspecto I iterar io , examinando 0 conto como urn discurso sobre 0 ato de Ier. Vamos ver que, enquanto 0 papel do sujei to tern uma importancia inegave l, a teoria nao consiste na pura subjetividade, senao Duma intersubjetividade ou um a e sp ec ie de pa c to entre 0 objeto e 0 suje ito. Para que se reali ze 0 drama, sao necessaries tanto 0 palco como .0 espectador, Vamos denominar como a "lei do livro falho" este padrao da intersubjetividade, Enfocando 0processo da leitura, a lei seria formulada assim: 0 texto escrito apresenta uma serle d e la cun as, esp aco s p ara s er em p re en ch id os p ela imag inacao d o le it or . Na sua aplicacao mais g er al , s e ri a que a r ea li da d e o b je ti va , c om o 0 texto , e i nt er r om p i da s em p r e p or b re ch as; a f un ca o d o su je ito e s u p rl -l a s p e la imaginacdo. o nome desta lei ~ de D am C as mu rr o, e se refere a lei tura de Bentinho do P an eg ir ic o d e S an ta Mtmica, um a das passagens em qu e 0 pensamento machadiano sobre a l ei tu r a se f az m a is explfcito: "Nada se emenda bern nos l ivros confusos, mas tudo se pode mete r nos livros omissos. Eu, quando 1eio a lg um d es ta o ut ra cas ta, nao me aflijo nunca. 0 que faco, em chegando a o fi m, e cerrar os olhos e evocar todas as cousas que nao achei nele, Quantas ideias finas me acodem entaol Que de reflexdes profundas! O s r io s, as montanhas, as igrejas que nao vi na s folhas lidas, todos me aparecem agora com as suas liguas, as suas arvores, os seus altares, e os generals sacam das espadas que tinharn 100 ficado DR bainha, e os clarins sol t am as notas que dormiam no metal, e tudo marcha com u ma alm a imprevista. E que tudo se acha fora de urn livro falho, leitor amigo. Assim preencbo as lacunas alheias ; ass im podes tambem preencher as minhas" ([:860-71). Ao descrever a experienc ia de ler 0 Panegirico , 0 narrador nos W i uma demonstracao des ta teoria intersubjet iva da lei tura, Vemos em outra passagem que nao se tra ta , preci samente, de fechar 0 livro no fim, e imaginar as coisas que nao se acham nele, seniio que e uma questiio de soltar as redeas da imaginayao durante 0 pr6prio ato de ler: "Tudo me ia repetindo a diabo do opiisculo, com as suas letras velhas e cita~Oes latinas. Vi sair daquelas folhas muitos pedis de seminaristas. [. .. ] Quantas outras caras me fitavam da s p sg in as f ri as do Panegirlco i Nao, n li o e ra m f ri as : traziam a calor da juventude nascente, o calor do passado, 0 meu pr6prio calor. Queria le-las outra vez, e lograva entender algurn texto, t ao recente como no primei ro dia, ainda que mais breve. Era ur n encanto ir por ele; a s vezes , i n cons c len temen te , dobrava a folha como se est ivesse lendo de verdade; creio que era quando os olhos me cafam na palavra do fim da pagina, e a mao, acostumada a ajuda-los, fazia 0 seu offcio" (1:867). A parte subje tiva nesta interacao ent re 0 texto e 0 leitor e de tal importancia que 0 narrador nega estar "lendo de verdade". POl-em a atividade nao deixa de ser leitura, porque a imagina~o de Bentinho depende da s "paginas frias" do opusculo, Sua mente, ao ressuscitar mem6rias e evocar exper iencias, perde a consciencia de estar decifrando palavras. A leitura chega a ser "encanto". Mas sempre esta presente, como catalisador do encanto, a materia objetiva do livro. As asas da i rnaginacao voam enquanto as paginas se viram. Exagera-se 0 aspecto subj etivo, para fazer e feito. A ide ia do l ivro fa lho ou lacunoso, porem, nao foge das medidas nem da razao, nem da experiencia, e ate parece ir menos longe do que justifica a realidade, Segundo 0 texto machadiano, os livros omissos sao uma categoria especff ica de livros. Teorias mais recentes como a de Monroe Beardsley (242) reconhecem que toda comunicacao esc rita, em maior ou menor grau, possui lacunas. Resumindo 0 modelo fenomenologieo,Wolfgang Iser afi rma que , em qualquer texto, a represea tacao do real e parcial; os textos, todos, s a o "esbocos" ou "vistas esquematicas" de uma realidade. Nos Iiterarios, 10 1 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 51/57 "Os aspectos n . Q o esc rito s das cenas aparentemente triv iai s e dos di81ogo8 nao fa lad os [ ... ] nao s om en te a tr aem 0 leitor para participar da a¥iio,' como tambem 0 l ev am a c om p le ta r as mu~tos es~~ ~geridos pelas situa~, para que estas adquiram uma realidade propria (51). Ta l processo de completer, atraves da imagina~o, as esbocos escritos ISessencial k experiencia estetica, Segundo Iser, "A convergencia do texto e do le it er da experiencia It obra l ite rari a" (50) . A obra tern urn aspecto artfsti co, c riado pelo autor, pe rtencente ao texto, e u rn aspec to estetico, no processo da recepciio (50). Agora voltemos para ..A chinela turca", a fim de examinar estes dois aspectos: 0 aspecto obj etivo, c riado por Lope Alves e fixo no texto: e 0 aspec to subj etivo da "'l eitura" de Duarte . (Na rea lidade , Duarte e ouvinte, pais assiste ~ leitura oral do major. Porem acho justa chamar Duarte de leiter, ja que sua recepcao nao difere, essencialmente, da lein,;ra silenciosa.) 0conto nos da a seguinte descricao do trabalho escrito de Lopo Alves: . "0 drama dividia-se em sete quadros, [ ... J Nada havia de novo naquelas cen to e o itenta paginas, senao a let ra do autor. 0mais e ram os lances, os caracteres, as flcelles e ate 0est ilo dos mais acabados tipos de romantisrno desgrenhado. [... J Havia logo no primeiro quadro, especie de prologo, uma crianca roubada a fami li a, urn envenenarnento, dois embucados, a ponta de urn punhal e quant idade de adje tivos nao menos afiados que 0punhal. No segundo quadro dava-se con ta da morte de u rn dos embucados, que devia ressuscitar no terceiro, para ser preso no quinto, e matar 0 tirano do setimo, Alem d a morte aparente do embucado, havia no segundo quadro 0 rapto da menina, ja entao crianca de dezessete anos, um monologo que parecia durar igual prazo, e 0 roubo de urn . . testamento" (2:297). Embora a passagem nao esteja livre das incursoes subjetivas do narrador, .podemos obter varies dados coneretos sobre a peca - que e exageradamente romantica , que the fa lt a a unidade de tempo, que a a<;ao gira em torno do seqiiestro de uma menina, e que 0 veneno, 0 punhal e o testamento roubado sao motivos importantes. .0 "drama do espectador", ou seja, 0 epis6dio da chinela turca , constitui a parte mais subjetiva da exper iencia l iterar ia, Porern e importante nota r que a recep<;ao de Duarte, por liv re e imaginat iva que se ja, nunca perde seus vfnculos com os dados obje tivos do texto, Chega um pol ic ial , que p rende Duarte, acusando-o de ter roubado a chine la , Ja vimos que um objeto roubado - urn testamento - figura no texto. Seria diffcil, portanto, dizer que no "sonho" do rapaz 0 furto da chinela fosse um a inven~iio inteiramente subjetiva. No maximo, s e ri a s ub st it u ic f lo do objeto roubado, Duarte e lev ad o h fo rca para outro lugar. V& J c ia i m ag in ac ao , t al ve z, o u representacao s imbolica de ser "raptado" por Lopo Alves, mas e tambem uma repeticilo do seqiiestro textual. Quando 0 pol icial aeusa Duarte do crime de "'namorar mocas louras" (2:298), e faci l ver a subje tividade do rapaz , poi s sabemos que a namorada que 0 espera no baile te rn "os mais finos cabelos louros e os mais pensativos olhos azuis" (2:295). Mas nem aqui se v~ uma fuga completa do texto; sabemos que uma personagem central do drama e uma moca de dezessete anos. Mais tarde a moca se apresenta: "Era loura; tinha othos azuis, como os de Cecilia" (2:301). Ela e uma sfntese, enmo, da moca do manuscr ito e c ia namorada de Duarte. Urn homern vetho e miste rioso manda : "Tres cousas vai 0 senhor fazer agora mesma [ ... J a primeira e casar; a segunda escrever seu testamento; a te rce ira engo lir eer ta droga do Levante" (2:301). Duarte imediatamente identif ica esta droga como veneno, e 0 velho confinna sua conclusao. Na vida par ticular de Duarte, 0 casamento esta no borizonte. o rapaz e rico; portanto e natu ral que tenha receio de qualquer moca escolhida para se r sua esposa: a rnara deveras, ou terd mais inte resse em seu dinhe iro? Sera mais fe li z com sua vi ilva do que com sua esposa? Os mot ives do casa rnen to, do testamento e do veneno, ent ilo, figuram simbolicamente dentro das preocupacdes pessoais do rapaz, Mas, como ja vimos, sao tarnbem elementos do texto de Lopo Alves. Outra vez, efetua-se uma sintese entre 0 subjetivo e 0 objetivo. o epis6dio da chinela turca demonstra uma interessante ambigflidade ontologies. No tim do conto, Duarte chama a experiencia de "urn sonho original" e "urn pesadelo" (2:303). Sendo urn sonho, teria seu inIcio quando "De repente, viu Duarte que 0 major enrolava outra vez 0 manuscr ito, erguia-se, empertigava-se, cravava nele uns olhos odientos e maus, e sara a rreba tadamente do gabinete" (2:297). A part ida do majo r seria a suspensao da realidade e a entrada do sonho. A volta ao mundo real, naturalmente, nos devolve a presence do major, quando, depois de fugir aos seqilestradores, Duarte entra numa casa deseonhecida, ca i numa cadeira, e descobre um homern lendo 0Jornal de Comercio, que "Era 0 major Lopo Alves" (2:302). 0 lei ter do conto j l1 ter ia desconfiado de que os even l os grotescos em tomo da chinela turca fizessem parte de uma quimera, e a conclusao de Duarte seria apenas a confirmacao dessa hip6tese. 10 2 103 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 52/57 M as certo s d etalh es d o conto t orn am p ro ble m at ic a t al c on cl us ao . D u ar te l ev a "urn quarto d e h ora " (2 :3 03 ) para a fi rm a r q u e a e xp er ie nc ia foi um SOMO. "Ignora-se 0 que pensou" (2:303) durante. esse perfodo, mas urn. d o s m a is p o ss fv e is m o t iv o s pela hesitayao s er ia a d d v id a : 0jovem estaria ambivalente quanto 1 1 . na tureza exa ta do que aconteceu. A lei tura da ohm CODl~ logo depois das "nove horns e cinqiienta e cinco minutes" (2:2Q6)e termina A s duas (2:303). A "safda" do major se da algum tempo depois da meia-noite (2:297), 0 que nos colocaria perto do meio do d ram a, Se a safd a do major fosse realmente 0 comeco do sooho, se ria razoavel esperar uma falta de cor respondencia entre os mot ivos do epis6dio da chinela, e 0 resto do drama co~o nos e descrito. Porem a cor respondencia parece continuar. Duarte 6 preso pe los "po l ic i ai s ", como o protagonists do drama e preso, no quinto quadro (2:297). Duarte ataca seu seqflestrador com "as pun ho s", e 0 protagonista mats 0 t irana com "urn punhal" , no s et im o q u ad ro (2:297). Quando Duarte se ve outra vez na presenca de Lopo Alves ao final do conto, este brada , ..Anj o do ceu, estas vingadol Fim do ultimo quadran (2:302). Se Duarte realmente t ivesse adormecido, por que nao ter ia s ido acordado pelo major , estando este tao atento em saber a opini iio do rapaz sabre 0 drama? Se , por um l ade/Duarte parece ter cafdo no sono no meio da le itura , por outro lado, e le aparenta ter seguido com a ta refa ate 0 fim. Seguindo esta segunda hip6tese, seria fOf'tOSO interpretar a "partida" do major em senti do simb6lico. 0 lei ter, roantendo a consciencia do texto como produto de um autor hist6rico, com sua pr6pria personalidade, efe tua uma le itura distante e crftica, Os s on h os , a s a sp ir ac o es pessoais, e as preocupaeoes individuals do leitor niio se envolvem neste tipo de recepcao. Ao inves de ser propriedade do autor , 0 te xto p assa a pertencer ao lei tor, pois este,identif icando-se com as s ituacoes e os personagens , co meca a ver a vida representada como su a vida. 0 observador passa a s er u rn p ers on ag em d en tro do proprio texto, De acordo com esta outra leitura, a safda do autor corresponde a verdadeira entrada do lei tor, a medida que este perde a conscienc ia dotexto como art if icio , e corneca a par ticipar da ilusao narrativa, Efetua-se o processo de preencher lacunas. 0 texto introduz a imagem de urna moca; aproveitando a inevitavel falta de detalhes, a imaginacao e as circunstsncias de sua condi<,;aopessoal, 0 leitor ve, em sua mente, uma moca loura, de oIhos azui s, bern parecida com sua namorada, Int roduz a imagem de um her6i; usando os mesmos recursos imaginativos, 0 leitor preenche outras lacunas , visualizando-se a s i mesmo no lugar dele. CoDlO para sugerir esta entrada do lei tor nos espacos vazios da representacjo textual, 0 conto no s o f er ec e muitas im ag en s d e a bertu ras e recipientes, nos quais 0protagonis ts deve entrar: "N a nul h av ia u rn c ar ro , onde 0 meteram h for<;a" (2:298); "Seguraram-lhe as maos e 0 con- d uz ira m p or uma infinidade de corredores e e sc ad as , [ ... J Afinal pararam; [ ... ] Em uma sala vasts, assaz iluminada, trastejada com elegancia e opulencia" (2:299-300); "ajanela estava apenas cerrada; via-se pela fresta uma nesga do ceu, ja meio claro. Duarte nao hesitou, coligiu todas as forcas, deu urn pulo do lugar onde estava e a ti ro u -s e a Deus miseric6rdia por ali abaixo" (2:302); "Duarte ergueu-se a custo, subiu as quatro degraus que l he f al ta v am , e e nt ro u n a c asa , cuja porta, aberta, dava para uma sala pequena e baixa" (2:302); e "Duarte caiu numa cadeira" (2:302). Em certo sentido, a estrutura de "A chinela turca" 6 circular. Abre- se com a intrusao do major Lopo Alves, passa a representar urn sonho ou um a leitura imaginativa, e te rm in a o ut ra v ez com a p re se nc e d o major. A circularidade da estrutura pode representar 0 fluir daquilo que Kaplan e Kri s chamam "distanc iamento psfquico" (427~28), tracando 0 que ocorre na leitura bern sucedida de qualquer obra - 0 encontro inicial, distante, em que 0 lei tor mantem a consciencia do texto como UDl produto artfst ico; a entrada do lei tor na ilusao sustentada ; e a contemplacao dos fatores "artfsticos, depois de terminada a leitura. Por outro lado, a estrutura cfclica da obra pode tambem corresponder a um cicio bem mais rnicroscopico, que c ar ac te ri za a processo da r ec e pc a c l it er ar ia , Segundo Iser, "Jli que a formacao das ilusdes sempre e acompanhada por 'associa- ~ o e s contraries' que niio podem encaixar-se com as ilus5es, 0 leitor tern que modificar constantemente as restricoes que ele aplica para 0 •significado' d o t ex to . Sendo ele mesmo quem cria as i lusoes, 0 leitor oscila entre a entrega A s ilusoes e a observacao da s mesmas" (61). o vaivem, entao, entre a a titude crfti ca e distante e 0 render-se a ilusao niio caracteriza apenas a experiencia do texto como urn todo. 0 mesmo processo, em escala menor, se verifica a cada passo no des- dobramento da leitura, A recepcso de Duarte, dentro do conto, chega a ser urn modelo de nossa leitura de "A chinela turca", A relutancia e 0julgamento severo de Duarte, no infcio, corresponde a ati tude "fria" e distante com que 0 leitor pode receber a primeira etapa do conto, realista e trivial no conteiido emocional , A entrega de Duarte l'l ilusso, que ocorre a parti r da "sa fda" 104 105 Ma c ha d o p ar ec e e nf at iz ar m u lt o 0 sujeito, e po rqu e s eu s c on tempo ra n eo sdo m a j o r , eorrespond e II nov a atitude exigida pelo leiter, ago ra em 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 53/57 e ra m t io e nfa ti ca m en te o bj et iv is ta s. C o m o i nd ic a 0 c ap ft ul o I , 0mode lo m a is b er n a rt ic ul ad o da c on sc ie nc ia , e m M a ch ad o, re co nh ec e 0 papel tan to do su jeito com o d o o bjeto . Voltando 80 c on to a na li sa do , re sta r es sa lt ar a i m po rt an ci a d a i m ag em ci a c h in e la n e ss e c on te x te . Co i nc id e n ci a fascinante e 0 fato de que a passagem sabre 08 livros falhos em Dam Casmurra , a m esm a que nos deu 0 m od ele teo rico para an alisar "A c hi ne la t ur ca ", ta m be m n os le va h im a ge m das c hi ne la s. F al an do a in da d o P an eg lr ic o d e S an ta M b ni ca , 0 n arr ad o r d iz n o c ap itu lo s eg ui nt e: "Quer id a opu sc u lo , tu n ao p re sta va s p ara n ad a, m a s q ue m a is p re sta um v eIho par d e ch in elas? E ntretanto , M m uita v ez no casal de c h in e la s urn com o arom a e calor de dais pes. Gastas e ro tas, nao deixam de Iem brar q ue u ma pesso a as caleav a d e manha, a o e rg u er da cam a, ou as d escalcav a h no ite, ao entrar nela, E se a co mp aracao n ao v ale, po rqu e a s c h in e la s s a o ainda p arte d a pesso a e tiv eram co ntato co m o s pes, aqui e s t1 i o ou tr as l er nb r an c as " ( 1: 8 71 ). A s chinelas aq ui d escritas sao co mo 0 texto d o Panegirico da s eg u in te r na ne ir a: t en d o s eu a sp ec to o b je ti vo , s ua r ea li da d e " ga st a e r ot a" , n ao d eix am d e lev ar u m fo rte e om pro m isso co m a su bje tiv id ad e tam be m, p ois sa o u m e sp aco ab erto p ara a in tro m issao d o su jeito , a qu i re pre sen - tad o em form a de sined oque na figura do pe. E mbora nao d eixe de ser objeto, a c h in e la carrega na sua abertura "aro ma e calor" da subjetivida- d e. A eh in ela d o co nto "era d e m arro qu im finfssim o: no assen to d o pe, estu fad o e fo rrad o d e sed a co r azul, ru tilav am d uas letras bo rd ad as d e ouro" (2:301). R e ss al ta -s e a in d a n es se c as o a p re se nc e m a te ri al da chinela e le ga nte . T er n s ua propria ra za o d e s er , i nd ep en de nte e a uto -s ufi ci en te . M as n a p ro pria g lo ria d e su a m ate ria lid ad e, n a p ro pria o bjetiv id ad e, b a u rn ch am ad o ao su je ito . A se da c om q ue su a ab ertu ra e fo rrad a, a lem d e ser u rn tec id o v isu alrn en te atra en te , faz u rn fo rte ap elo a o se ntid o ta ctil d as p esso as, A se da , p ois, IS u rn c on vit e p ara a i nt ro d uc ao subjetiva no espaco aberto . Igualm ente, as letras bo rdadas de o uro sao ao m esm o t em p o u m a m a te ri ali da de ru ti la nt e, e u rn e sp ac o v az io , L et ra s v ag as, s em id en ti da de e sp ec ffi ca , c on vi da m a i rn ag in a< ;io d o le i to r a p re en ch er s ua lacuna. A chinela tu rc a, p orta nt o, p are ce s er u m a b oa f ig ura da intersubjeti- v id ad e segun do M achad o d e A ssis, O bjeto fino e elegan te, afirm a sua existencia p ar a si. A b ertu ra e abrigo para 0 p e h um a no , t arn be m e xi ste essencialrnente p ara n os. 0 p ara do xo c ia c hi ne la t ur ea e o parad oxo d e todo 0 t ex to l it er ari o e , p or e xt en sd o , 0 d e t od a a re al id ad e m a te ria l. contato comum texto cheio de dram aticid ad e e ro mantism o. Co mo assinalaMmo Matos , esta parte, cheia de surpresas, tern a fu n< ;ao d e captar a aten~o do publico (13). A ssim com o Duarte 6 preso .pelos po licia is, o Ieito r fica preso (o u surpreso ) peto . texto . 0 refu gio d o pro tago rusta, o utra vez para a presence do m ajor Lopo ~ves. te~ c o rr es po n de nc ia c om a v olta d o le ito r a um texto mais reahsta, cuja resolu¥io e u rn t an to am b fg ua , e xi gi nd o 0em p re go d a c ap ac id a de c rl ti ca . ~ im portan te reconhecer tam bem que a leitu ra e m odele da perce~o em g er al . Uma das metaforas p red iletas d e M ac ha do d e Assis co m pa ra a v id a a u rn tex to . A te oria das "edi~ h um an as" d e Mem6rias de Bras Cubas e a compa ra cdo en tre a v id a e a opera em Dom Casmurro sao ap en as d ois e xe mp lo s e ntre m uito s. E m M ac ha do , DaO bad i fe re n ca substan cial en tre a leitura e a em press epistem olo gies d e to do 0 se r hum ane. 0 m undo ISu rn g ra nd e t ex to falho, e u ja s l ac una s s a o p r ee n ch i da s p el os s on h os h um an o s. A i m po si ~o da s ub je ti vid ad e s ob re o s fa te s o bje ti vo s e um t ema freqiiente em conto s, "0 segredo do bonze", por exem plo , introd uz a teo ria d e que se ex iste co nflito en tre a realid ad e e a o piniao , esta d ev e p rev ale ce r so bre a qu ela , A ilu sso c om o p ro du to d os d ese jo s d o su jeit? e tema de "Viver!". onde Ahasverus, mesmo cansado de um a VIda lo ng ufssim a d e p esares, d elira n a h ora c ia m orte com urn d ialo go com Prom eteu, em que este the prom ete a v ida eterna. Em "Ideias ~e canar io" , 0m un do p assa a se r d efin id o, su cessiv am en te , c om o u ma 10Ja d e a ntig iiid ad es, co m o u rn jardim, e com o 0 eeu azu l e infinite . Em ou tr as p a la v ra s , 0 c on ce ito d o r nu nd o e i ns ep ar av e l d a s c ir cu n st an ci as d o sujeito . 0 co nto "Q uest5es de m arid os" apreseuta duas irm as recern c as ad a s. L u fs a, c uj o m a ri do e m o ra l m e nt e e fis ic am e nte in fe rio r a o o ut ro , acha que 0 esposo 6 um verdadeiro anjo, e vive cada dia mais contente. M arcelin a esta po uco satisfeita co m seu casam ento . A exp licacao se encon tra no poder d e "0 subjetivo ... 0 su bje tiv o ... " (2 :9 45 ). "U m a c arta ", o utro c on to q ue da impor tancia a le itu ra , m o st ra c om o 0 mundo tam bem tern lacun as para serem preench id as p elo sujeito. Celestina, so lte ira de 37 anos, encon tra um a carta ano nim a de am or no cesto de c ostu ra s. D en tro d e p ou co te mp o, p en sa d esco brir q ue m e 0 pretendente e co meca a im aginar, co ntentrssim a, seu casam en to , A final, po rem , d esco bre que a carta era p ara sua i r : m a menor . E m bo ra to d os e ste s c on to s fa vo re ca m 0 su je ito , c re io q ue se ria u m e rr o id en ti fi ed -lo s c om o e xe m plo s d o p en sa m en to ra ci on al is ta , S e a s vezes 10 6 10 7 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 54/57 EPfLoGO fu nlio es sed uto rlsed uzid o se co nfu nd em em "U ns b races", co mo sao confundidas BS d e p ara si ta e h 6s pe de e m " Ev o lu ca o" . Verifica-se 0 c et ic is m o n a s a t ir a d e c er to s p ro je to s, c om o 0 d e c ri ar p elo e stu do , p elo c on tro le e p ela a plic a~ o em "C an tig a d e esp on sa is ", e o d e e sta bele cer u rn siste ma id eo l6 gic o e ~ tic o e m "A ig re ja d o d iab o", O s c on to s r ev el am a c on sc ie nc ia do s l im i t es d a c om u nic ad lo o ra l ( "M i ss a d o g al o" ) e da c omun ic ac s o e sc ri ta ("A c hi ne la t ur ca " ). C reio que irfam os longe d em ais se d esco brfssem os no s tex to sm ac ha dia no s n iilis m o o u p es sim is mo a ma rg o, N eg ar 0seatido da vida niio d eix a d e se r afi rma~o, e cbega ate a se r um a dec lar a< ;1o de f e . A meu v er, a fun liao d e M ach ad o esta m ais n a exp osi~ o d as perg untas d o qu e n a p ro v is do da s respostas . 0 d iscurso m achad iano para na beira d o cetic ismo. N os c on to s, o bserv am o s q ue 0 p ara do xo t er n u rn papel impor tante n este co ntex te, A analise d o co nto "U ns b races" rev ela 0 paradoxo da carne, qu e p oe em d uv id a tanto 0 e m pi ri sm o c om o 0 r ac io n al is m o . Em " A i gr ej a d o d ia bo ", id en tif ic am o s u m a e sp ec ie d e p ar ad o xo d o r ela tiv is - m o abso luto , em que se op5em a percepciio sincro nica e a percepcao d ia cro nica . "N oite d e a lm ira nte " re vel a u rn p ara do xo se me lh an te ao d o mentiroso, em queo texto parece "verdade iro" e "falso " ao m esm o tempo. A im po rta nc ia d o p ara do xo , n o p ro je to m ac had ian o, e sta e m se u a sp ec to a be rt o, s ua c ap a ci d ad e d e l ev a nt ar d d v id a s s em o fe re ce r s ol uc o es , A .civ ilizacao o cid en tal esta constru fda sobre urn sistem a d e oposicdes sagradas, ta is c om o 0 bem e 0 mal, a sadde e a doenca, 0 o pre ss or e a v ft im a , 0 s uje it o e o o bj et o, ° r el at iv e e 0 a bs o lu te , a p a la v ra e a i de ia , D ia le ti ca s como estas sao ev id en cia d e u ma fo rma d e p en sa r c ate go ric a q ue , ta lv ez n atu ra lm e nt e, t en d e a r igidez, a f al ta d e s ut il ez a e ao pro prio erro , Para estas d ico to mias tao fo rtes entre 06s, a obra co ntfstica d e M achado d e A ssis 6 um a especie d e v irus, inv ad ind o os te rr en os e m q ua re nte na e re ve la nd o s ua im p lic a~ o mutua. Um a sp ec to im p orta nte d essa fu sa o d e c ate go ria s, n os c on to s, e a re fle xfio m utu a d e tem atic a e e stru tu ra, C om o v im o s e m te xto s c om o "0 e sp elh o", "U ns b ra ce s", "A ig re ja d o d iab o", "A c hin ela tu rca " e "N oite d e a lm i ra nte " , c er to s m o tiv o s d a a 98 0 t en de m a " co nt am i na r" a a rq uit et u- ra d o s r el at iv o s, e v ic e- ve rs a. Em b o ra t en h a r ec h ac ad o ° r ea lis m o, M a ch ad o d e A ss is n un ca n eg ou o co mpro misso p ara co m a realid ad e (3 :91 3). C reio q ue a realid ad e d o g ra nd e a ut or b ra si le ir o e st a n a t er ra s em p re i nc o gn it a d a i nt er su b je ti vi da - de. A s leis dessa realid ade, em v ez d e d elim itar um m eio pred izfvel e c on tro la do , a bre m e sp ac o p ara u rn m u nd o e nig rn atic o e ate maravi lhoso, Os con to s de M achado de Assis o ferecem urn terreno rico em padrces repetidos . A mu l ti pl ic id a de d os te xto s representa pon to s d e e nc on tro , m o de lo s es sen cia is q ue rev ela m a sp ecto s in div id ua is d e u m a c on sc ie nc ia d o m un do . A s d ez "leis" id en tific ad as n os ca pftu lo s d es te l iv ro s ug ere m a lg un s d o s c on to m o s g er ai s d es sa c on sc ie nc ia . O s con to s analisado s aqu i tam bem revelam de v arias m aneiras a qu el es c in co a sp ec to s d o p en sa rn en to fe oo m en ol 6g ic o, i de nti fi ca do s n a in tro ducao . V em os a crftica d o pen sam en to enciclo ped ico em v aries f en6meno s i n comp l et o s. A e sc as se z n os r ec urs os p es so ai s e n ac io na is e m "Evolu~o' t , BS inco erencias no s pro gram as d e D eus e do d iabo em "A i gr ej a d o diabo", a co ntam inacio d os s istem as d e causa e d e acaso em "Jogo do bicho ", o s espaco s v azios no con to "A ch inela turea" e as c o nt ra d ic d es e insUficiencias d a co nv ersa d e "M issa d o g alo " sa o alguns exemplos . Q uase to do s o s co nto s d em on s t ram nBS r el ac oe s e nt re p es so as 0 princfpio da i nt er st ib je li vi da d e. 0 e st ra n ho c ir cu it o d e i nf lu e nc ia s, e m q u e as fun lioes do sujeito e do ob jeto se tro cam e se confundem , esta especialm ente ev iden te no s encon tros d e Inacio e Severina em "U ns braces", d e Fortunato e G arcia em "A causa secreta", e de B ened ito e In~cio em "E vo lu< ;i o ". C ritica -se a lin earid ad e e m v arie s c on to s. E m "C an tig a d e e sp on - sais" t v em o s c om o e sf or co s d ir et os l ev am I I fr us tr ac ao , e nq u an to as metas s a o alcaneadas por cam inho s ind iretos . E m "N oite de alm irante", a na li sa m -s e a s d es vi os d as p ro m es sa s n ao c um p ri da s. A i nte ra ca o c ir cu la r da s "d uas alm as" 6 0 tem a central d e "0 espelho ". C erto s co nto s, co mo "0 espelhos", "U ns braces", "A igreja do d iabo " e "A chinela tu rca" tern e s tr ut ur as n a rr at iv a s c ir cu la re s . A _o rien ta~ o riao -h ie ra rq uic a ap are ce n a a rn big ilid ad e d e ce rto s papeis . Em "A causa-Secr e ta " , 0m ed ico G arc ia c he ga a se r c tirn plice e d up lo d o d oe nte F ortu na to . Ja co bin a, em "0 e sp elh o", e c o nt ro la d o p el o s p are ntes e ate p elos e sc ra vo s, q ua nd o e le s q ue re m ap en as h on ra -Io , A s \ 108 1 0 9 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia - slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/dixon-paul-os-contos-de-machado-de-assim-mais-do-que-sonha-a-filosofia 55/57 Csvalhelro, Edganl. Evolu;l lo do con t o bra s il e i ro , Rio de Janeiro : Min i~rio do.Educt<jio e Cultu ra , 1956. Cervantes Suvcdra . Migue l de. Do n QuljOlt de /0 Mancha. 2 vo l. Ed. Mar ti n d eR iqu er , Barcelona: Iuventud, 1971 . TEXTOS e IT ADO S Cheves, FUvio Loureiro. 0 mundo socia l de Qulncas Borba. Porto Alegre: Movimento, 1974. Abranu, M H. T he M trr or a nd th e L am p: R om an ti c T he or y a nd th e C ri ti ca l T ra di tio n. Oxford: U P, 1 95 3. Cornie, Auguste. Ca te c lsmo p o s lt iv i st a, In Os p e n sa d or e s, Vol. 33 Trad, Jo&<lArthur Giano tt i. S6"oPaulo: Abril , 1973. 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