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CURSO DE PEDAGOGIA MÓDULO: EDUCAÇÃO COMPARADA 2021-2024 DIRETORA ADMINISTRATIVO Suzana Karling DIRETOR PEDAGÓGICO Prof. Me. Argemiro Aluísio Karling COORDENADORA DO CURSO DE PEDAGOGIA Profª. Me. Cleide Durante ELABORAÇÃO DO CONTEÚDO Prof.ª Me. Cristiane Luiza Kob Leite Prof.ª Me. Tatiane Marina dos Anjos Pereira Profª Me. Cleide Durante REVISÃO Profª Me. Tais Reis Leal Murta FORMATAÇÃO Prof.ª Me. Tatiane Marina dos Anjos Pereira Nenhuma parte deste fascículo pode ser reproduzida sem autorização expressa do IEC e dos autores. Direitos reservados para: INSTITUTO PARA O DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO E DA CIDADANIA Av. Carlos C. Borges, 1828 – Borba Gato CNPJ – 02.684.150/0001-97 CEP: 87060-000 - Maringá – PR – Fone: (44) 3034-4488 e-mail: fainsep@fainsep.edu.br EDUCAÇÃO COMPARADA Graduação em Pedagogia 3 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO 5 PLANO DE MÓDULO 6 INTRODUÇÃO 7 UNIDADE 1 8 EDUCAÇÃO COMPARADA 8 1 O QUE SIGNIFICA COMPARAR? 8 2 A EDUCAÇÃO COMPARADA: ORIGEM E SIGNIFICADO 9 2.1. TEXTO COMPLEMENTAR 13 UNIDADE 2 29 SISTEMA EDUCACIONAL 29 1 A EDUCAÇÃO NO BRASIL 30 1.1 CONHECENDO A REALIDADE EDUCACIONAL BRASILEIRA 31 1.1.1 – CONAE: O TAMANHO DO DESAFIO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA 41 1.2 O DESEMPENHO DO BRASIL NO PISA 53 DESEMPENHO DO BRASIL NAS ÚLTIMAS QUATRO EDIÇÕES DO PISA 54 UNIDADE 3 68 EDUCAÇÃO COMPARADA 68 1 APRENDENDO COM EDUCAÇÃO COMPARADA 68 1.1 FINLÂNDIA 69 1.2 CANADÁ 75 A RESPONSABILIDADE DAS PROVÍNCIAS 75 A ESCOLA PRIMÁRIA E SECUNDÁRIA 75 OUTRAS ESCOLAS 76 A PREPARAÇÃO DOS PROFESSORES 76 A EDUCAÇÃO PÓS-SECUNDÁRIA 76 UM SISTEMA EM ALTA CONSIDERAÇÃO 77 ENTENDA OS DETALHES E AS CURIOSIDADES SOBRE A EDUCAÇÃO NO CANADÁ. DESCUBRA TAMBÉM COMO É A ADAPTAÇÃO DOS IMIGRANTES NO PAÍS. 77 ENSINO A DISTÂNCIA 80 ESCOLAS PARTICULARES 80 EDUCAÇÃO DE ESTRANGEIROS 81 1.3 JAPÃO 82 O SISTEMA EDUCACIONAL 82 MATRÍCULA (“NYUUGAKU”) 84 COMUNICADOS EM GERAL (EM JAPONÊS) 84 DESPESA ESCOLAR 84 CLUBE EDUCATIVO PARA ATIVIDADES PÓS-AULAS (“GAKUDOU HOIKU” OU “HOUKAGO JIDOU KURABU”) 85 (1) AUXÍLIO ESCOLAR (“SHUUGAKU SHIEN”) 85 (2) BOLSA DE ESTUDO (“SHOUGAKU-KIN”) 85 ONDE ESTUDAR A LÍNGUA JAPONESA 85 CONTEÚDO DO TESTE 86 EDUCAÇÃO COMPARADA Graduação em Pedagogia 4 CALENDÁRIO ESCOLAR 86 REFORMA 86 EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR 87 EDUCAÇÃO ELEMENTAR 87 COLEGIAL JÚNIOR 87 COLEGIAL 87 UNIVERSIDADE 87 ESTRUTURA 88 ESCOLA PRIMÁRIA 89 ESCOLA SECUNDÁRIA 89 ESCOLA SUPERIOR 89 1.4 CORÉIA DO SUL 94 CONHEÇA O PROJETO QUE FEZ DA COREIA DO SUL UMA POTÊNCIA. EDUCAÇÃO. 94 1.5 CUBA 98 APESAR DA ECONOMIA EM FRANGALHOS, A ILHA GARANTE UM ENSINO DE QUALIDADE PARA TODOS. CONHEÇA OS INGREDIENTES DESSA REVOLUÇÃO 102 QUESTÕES DE ESTUDOS 105 EDUCAÇÃO COMPARADA Graduação em Pedagogia 5 APRESENTAÇÃO Prezados alunos: Mais um módulo inicia e gostaria de lembrá-los da missão da FAINSEP que é de formar profissionais educadores, bacharéis e tecnólogos; ampliar a formação humanística de pessoas para o pleno exercício da cidadania e preparo básico para funções técnicas e serviços gerais; oferecer educação continuada por meio de cursos de atualização, aperfeiçoamento e especialização, inclusive para o exercício de docência na educação superior; enfim, promover a educação e a cidadania por todos os meios, utilizando para tal o conhecimento, o desenvolvimento e a aplicação de novas tecnologias e educação a distância. Dessa forma, saiba que a formação e profissionalização do educador, com apropriação de competências e conhecimentos necessários ao exercício da ação docente, serão desenvolvidas durante a Graduação em Pedagogia. Com isso, espera-se o desenvolvimento de atitudes de reflexão e análise da atuação pedagógica e de valores para bem atuar na sociedade como agente de transformação, em busca de uma sociedade mais justa, a partir da identificação e análise das dimensões sócio-políticas e culturais de seu meio. A Pedagogia abrange o campo teórico e investigativo da educação, do ensino, de aprendizagens e do trabalho pedagógico propriamente dito, portanto saibam que, nesta Instituição, ao término da graduação, vocês não terão apenas um diploma, mas, sim, uma mudança e/ou transformação, tanto nos aspectos pessoais como profissionais, tornando- se um indivíduo crítico, criativo e participativo na busca de uma sociedade mais justa. Bons Estudos! A Direção EDUCAÇÃO COMPARADA Graduação em Pedagogia 6 PLANO DE MÓDULO Módulo: EDUCAÇÃO COMPARADA Carga Horária: 60 horas Código: EC 1. EMENTA Conceito e importância da educação comparada. O sistema educacional brasileiro. Os sistemas educacionais de alguns países desenvolvidos. O processo de educação. Currículos. 2. OBJETIVO Compreender as principais características e funcionamento do sistema educacional no Brasil e em outros países e estabelecer um comparativo entre as várias realidades educacionais estudadas. EDUCAÇÃO COMPARADA Graduação em Pedagogia 7 INTRODUÇÃO A educação comparada trata de um ramo de estudos que, como o nome já diz, tem como objetivo estudar e comparar os diferentes sistemas nacionais de ensino. Assim, o módulo denominado Educação Comparada, do curso de Pedagogia, tem como objetivo pesquisar, conhecer e comparar os sistemas educacionais, os currículos e os processos de educação de vários países. Na Unidade 1, você vai estudar sobre o conceito de Educação Comparada, sua origem e a sua importância para os sistemas educacionais. Na Unidade 2, você irá aprofundar seus conhecimentos sobre a realidade educacional brasileira. E na Unidade 3, você vai conhecer um pouco da realidade do sistema educacional de alguns países (Finlândia, Canadá, Japão, Coréia do Sul e Cuba) por meio dos textos indicados para, posteriormente, fazer uma comparação com a realidade educacional brasileira. Além disso, sugerimos que escolha um país para pesquisar e fazer uma análise comparativa com a educação brasileira. EDUCAÇÃO COMPARADA Graduação em Pedagogia 8 UNIDADE 1 EDUCAÇÃO COMPARADA 1 O QUE SIGNIFICA COMPARAR? Se consultarmos o Minidicionário da Língua Portuguesa Houaiss (2003), a palavra comparar significa aproximar (coisas, seres, ideias) para achar suas semelhanças e diferenças. É muito comum compararmos as coisas que estão à nossa volta. Alguns exemplos práticos para iniciarmos nossa conversa: temos o hábito de, numa programação de TV, compararmos qual atriz é mais bonita ou mais talentosa que outra, qual programação é mais interessante, entre outros. Mais um exemplo: ao fazermos compras num supermercado, comparamos o preço de um determinado produto com outro, seguindo alguns de nossos próprios critérios (preço, qualidade, modelo etc.). Se pensarmos bem, os professores também se utilizam da comparação quando estão trabalhando um determinado assunto com os alunos, para facilitar o processo de raciocínio e levar a uma melhor compreensão do que está sendo estudado. E então, qual seria o conceito de Educação Comparada? É o que veremos a seguir. EDUCAÇÃO COMPARADA Graduação em Pedagogia 9 2 A EDUCAÇÃO COMPARADA: ORIGEM E SIGNIFICADO Concebida como ciência social, a educação comparada não deve ser vista como uma disciplina, mas como uma área interdisciplinar, um campo de investigação científica, que se propõe a pesquisar os sistemas educacionais em âmbito nacional ou internacional. É um campo complexo e amplo de diversas disciplinas que dialogam entre si, e, para tanto, requer conhecimentos advindos de diversas áreas do saber. É o que coloca Ferreira: [...] a Educação Comparada é necessariamente múltipla e complexa.Ela precisa de conhecimentos e de achegas provenientes de outras áreas científicas, nomeadamente da História, da Sociologia, da Economia, para além de outras especialidades das Ciências da Educação. Aliás, os comparatistas em educação não parecem ter o monopólio desta comparação, sendo esta utilizada por especialistas de outras disciplinas que adotaram o estudo da educação (FERREIRA, 2008, p. 145). Considera-se como marco inicial dos estudos em educação comparada, a obra de Marc-Antoine Jullien, denominada “Esboço e considerações preliminares de uma obra sobre a educação comparada”, de 1817 (SAVIANI, 2001). Nessa mesma época, os estudos da Educação Comparada foram de grande interesse aos Estados Nacionais, pois estes tinham como propósito, comparar sistemas educacionais e se empenhar em organizar os respectivos sistemas nacionais de ensino, a fim de aprender com a experiência dos outros a organizar seu próprio sistema de ensino. E qual a razão de compararmos uma realidade educacional com outra? O mesmo autor coloca que: O que importa é que o estudo das problemáticas ou das realidades se faça tendo em conta contextos diferentes para se poder estabelecer o que há de diferente e de semelhante, o que diferencia e aproxima, na tentativa de compreender as razões que determinam as situações encontradas (FERREIRA, 2008, p. 145) Além disso, Pedro Goergen (1991) considera que o estudo comparado poderá contribuir com conhecimentos úteis para a elaboração de políticas educacionais e para a formação de especialistas na área educacional. Mas para que possa ocorrer na prática, o analista deverá tomar algumas decisões antes de iniciar o seu trabalho. E essas decisões se referem às dimensões em que o processo de pesquisa comparativa irá assumir. Vamos conhecer cada um deles. EDUCAÇÃO COMPARADA Graduação em Pedagogia 10 A autora Suely Bonitatibus (1989) apresenta essas dimensões da Educação Comparada. Vale destacar aqui que, serão apresentadas numa sequência, apenas para fins didáticos: 1. Dimensão Temporal: Envolve a pesquisa dos sistemas educacionais num tempo histórico fixo (modo sincrônico) ou em movimento (modo diacrônico). 2. Dimensão Espacial: Pode ser Intra ou Internacional. Pesquisa de uma unidade escolar em seus diversos aspectos, pesquisa inter-unidades (de uma unidade com outra), de um município, estado ou regiões de um país. Também é possível a pesquisa com o Estado-nação como unidade de investigação, de modo a confrontá-lo com outros países. 3. Dimensão Metodológica: é a de maior complexidade, devido à postura metodológica que o pesquisador deverá assumir. Deve-se sempre ter como referência a educação ligada ao meio social. Por isso, ao se fazer a comparação de um sistema educacional a outro, faz-se necessário sempre levar em conta o contexto social no qual esse sistema está inserido e não apenas o seu caráter pedagógico. Segundo o autor Ferreira (2008) no final do século XIX e início do século XX, alguns estudiosos começaram a perceber que simplesmente fazer uma comparação entre os sistemas educativos era insuficiente para explicar as suas especificidades. Não bastava apenas descrever; era preciso indagar e procurar interpretar a educação de cada país. Michael Sadler e James E. Russel observaram que, para compreender os sistemas educativos de cada país, era preciso levar em conta o seu contexto social. A partir disso, a Educação Comparada passou a tomar uma postura mais explicativa. E para cada período histórico, surgiram diferentes interpretações, denominadas de tendências ou abordagens. Segundo Márquez (1972) apud Ferreira (2008), essas abordagens seriam as seguintes: interpretativo-histórica; interpretativo-antropológica e interpretativo-filosófica. Com as tentativas de renovação da Educação Comparada no início do século XX, surge o período da comparação complexa, com abordagens diversificadas, as quais recebem destaque, na opinião de Ferreira (2008): abordagem positivista, abordagem crítica, abordagem de resolução de problemas, abordagem sócio-histórica e a possibilidade de uma abordagem sociodinâmica. * Abordagem Interpretativo-histórica: Ênfase nos fatores históricos, que permitem descobrir as particularidades de um sistema educativo em seus aspectos: político, cultura, nacional, entre outros. Representantes: I. L. Kandel e N. Hans. EDUCAÇÃO COMPARADA Graduação em Pedagogia 11 * Abordagem Interpretativo-antropológica: Análise dos fatores que configuram um sistema educativo: o caráter nacional e o seu fator histórico, o espaço geográfico, a cultura, a ciência e a filosofia, a estrutura social e política, a economia, a religião, as influências estrangeiras e as influências advindas da pedagogia, num movimento dialético entre as suas polaridades (problemas e soluções, a escola e a vida, racionalidade e irracionalidade, etc). Representantes: Schneider e Moehlman. * Abordagem Interpretativo-filosófica: Ênfase na abordagem filosófica, sem desconsiderar a histórica, a sociológica, a antropológica, entre outras. Representantes: J. A. Lauweris e Sergius Hessen. * Abordagem positivista: Numa perspectiva estrutural-funcionalista, o objetivo da Educação Comparada deveria ser o de descobrir as funções que as escolas, como estruturas sociais, desempenham em cada país. Nessa abordagem, estrutura e função não estão dissociadas; trabalha-se com aspectos mais manejáveis da realidade e há possibilidades de se formular generalizações sujeitas a comprovação empírica. Representantes: Kazamias, Anderson, Noah, Eckstein, Bereday. * Abordagem crítica: Numa época em que a escola passa a ser vista como um instrumento de dominação e reprodução da ideologia dominante surgem discursos mais críticos e há também uma renovação do objeto da comparação. Muitas vezes, as pesquisas não mais se dirigem a uma comparação entre os países, mas a uma comparação da experiência das mulheres, das minorias ou das diferentes classes sociais, nas suas relações com a educação. Representante: Martin Carnoy. * Abordagem de resolução de problemas: A ideia é partir dos problemas educativos específicos que existem nas diversas sociedades e procurar encontrar uma solução mais conveniente. Representante: Brian Holmes. * Abordagem sociohistórica: Com o passar dos anos, passou-se a observar que com a complexidade da realidade, a investigação comparativa deveria partir para a compreensão, por meio da interpretação, da indagação e da construção e não se restringir à simples descrição dos fatos. Procura-se dar maior atenção à história, à teoria, aos conteúdos da educação e aos métodos qualitativos e etnográficos. * Para uma abordagem sociodinâmica: colocada pelo autor como uma possibilidade, os itens que mais se destacam no texto, são: - A Educação Comparada deve ser vista como um componente pluridisciplinar das Ciências da Educação, que deve debruçar-se comparativamente sobre o processo educativo considerando o seu percurso histórico e os contextos diversos; EDUCAÇÃO COMPARADA Graduação em Pedagogia 12 - A Educação Comparada não é autossuficiente, por isso, deve procurar o diálogo com outros campos disciplinares; - É preciso que o processo de comparação resulte num conhecimento diferente daquele que foi produzido por outra ciência; - O objetivo final da Educação Comparada não deve ser o de encontrar as semelhanças ou as diferenças entre um sistema e outro, mas o de encontrar um sentido para os processos educacionais; - Para uma abordagem sociodinâmica é preciso que sempre se leve em consideração a relação da educação ou de um seu aspecto com o tempo, o espaço, as condições e os efeitos, de modo que contribua para um conhecimento que leve a práticas mais conscientes na área educacional. - No entanto, Groux e Porcher (1997) apud Ferreira (2008, pág. 136), advertem que é preciso avançarcom prudência no processo de investigação, de modo que se evite “[...] por exemplo, considerar os conceitos como universais ou a recolha dos dados sem um cuidado analítico que os relacione com seu contexto. As afirmações, os argumentos, os números, as estruturas, não são tão óbvias quanto parecem. O visível e o explícito é só uma parte da realidade”. 1. A Sociedade Brasileira de Educação Comparada, localizada em Porto Alegre/RS foi fundada em 1983. Com abrangência nacional, conta com membros de todos os estados do país e também, possui abrangência internacional. Acesse o site e aproveite para conhecer o Histórico, o Estatuto e os Eventos Realizados nessa área. Link: http://www.sbec.org.br/index.php 2. Há países que possuem os seus Centros de Educação Comparada, formado por uma equipe de caráter interdisciplinar, mas aqui no Brasil, a investigação e o estudo sobre a Educação Comparada ainda está no começo. Está à espera de pessoas empenhadas a organizar, analisar e criticar o material que está disponível e assim sistematizar os resultados obtidos. A autora Suely Bonitatibus (1989) apresenta alguns fatores que impedem o avanço da Educação Comparada no Brasil: SAIBA MAIS! http://www.sbec.org.br/index.php EDUCAÇÃO COMPARADA Graduação em Pedagogia 13 a. Característica dessa área, por ser interdisciplinar e ampla; b. Condições de trabalho de profissionais nessa área; c. Inexistência de equipes interdisciplinares e de um Centro de Estudo Comparativo; d. Ainda é uma disciplina em formação, tendo em vista que, de forma sistematizada, apresenta-se como uma área relativamente jovem. e. As obras que existem são limitadas e se resumem a dados meramente descritivos que rapidamente se tornam desatualizados. f. Muitas obras internacionais não possuem tradução para a língua portuguesa, dificultando assim, o acesso a obras atuais sobre esse assunto. http://www.saogotardo.mg.gov.br/moodle/course/view.php?id=10 TEXTO COMPLEMENTAR 1 2.1. TEXTO COMPLEMENTAR ESTUDOS COMPARADOS: REPENSANDO SUA RELEVÂNCIA PARA A EDUCAÇÃO Elma Júlia Gonçalves de Carvalho Resumo: A metodologia comparada é um rico instrumento analítico dos sistemas educativos. Auxiliando a identificar semelhanças e diferenças, amplia o campo de análise e de compreensão da realidade nacional em face da de outros países, particularmente no campo das políticas educacionais nacionais. No entanto, esse recurso é pouco explorado no campo das políticas públicas para a gestão da educação brasileira. É propósito, neste texto, discutir as razões pelas quais os estudos comparados se configuram como uma área de estudos de progressiva importância no contexto da globalização e, pontuando os rumos da educação comparada como área do conhecimento, destacar sua relevância para a compreensão do que vem acontecendo no campo da educação na atualidade. Professora e pesquisadora da Área de Políticas Públicas e Gestão da Educação do Departamento de Teoria e Prática da Educação - Universidade Estadual de Maringá. Endereço: Av Colombo, n° 5790, CEP:87020-900 - (elmajulia@hotmail.com). mailto:elmajulia@hotmail.com EDUCAÇÃO COMPARADA Graduação em Pedagogia 14 Palavras-chave: estudos comparados, educação, políticas públicas. Introdução O presente texto é parte da pesquisa intitulada “Política de Autonomia da Gestão Escolar: Uma análise comparada entre Brasil e Portugal”. Em nossa investigação, constatamos que, no Brasil, diferentemente dos EUA e Europa, além da escassez de obras sobre o assunto, inexistem bancos de dados organizados e atualizados e centros de estudos especializados em educação comparada. Em sua maioria, os textos que se propõem a realizar tais estudos, a rigor, não poderiam ser situados nesse campo de conhecimento porque, por suas características descritivas, deixam ao leitor a tarefa de realizar a comparação (SAVIANI, 2001). Apesar das dificuldades decorrentes da escassez de fontes, procuramos organizar algumas informações ou elementos que podem contribuir para o debate. Inicialmente, apresentamos, em linhas gerais, os caminhos percorridos pela investigação no campo da educação comparada, especialmente em seus aspectos teóricos e metodológicos, para, em seguida, desenvolvermos nossa argumentação a respeito da importância da educação comparada na atualidade. 1. O ESTUDO COMPARATIVO NA EDUCAÇÃO Os estudos de Educação Comparada são relativamente recentes. As primeiras obras que poderiam ser consideradas de caráter científico datam do final do século XIX, embora, em 1817, em seu “Esquisse et vus preliminaries d’um ouvrage sur education comparée et séries de questions sur l’education”, Marc-Antonie Jullien tenha esboçado os métodos e as tarefas desse novo campo (GOERGEN, 1991). Esse surgimento tardio relaciona-se ao fato de que, tendo como objeto o sistema de ensino de cada país, esse campo de estudos não poderia existir sem que os sistemas educacionais nacionais se organizassem e consolidassem (LOURENÇO FILHO, 2004). As primeiras pesquisas destinavam-se a comparar os sistemas nacionais de ensino (especialmente europeus), fornecendo informações para que os diferentes países pudessem copiar uns dos outros o que existia de bom e, ao mesmo tempo, evitar os erros. Assim, ao longo do século XIX, diversos países da Europa, os Estados Unidos e, inclusive, o Brasil encarregaram educadores de empreender viagens para realizar estudos a respeito da educação em outros países1. No decorrer do século XX, ocorreu a sistematização desse novo campo de estudo. Com objeto definido, objetivos, campos de ação, procedimentos e métodos de investigação mais seguros e objetivos, ele adquiriu status de ciência. Ao mesmo tempo, realizaram-se pesquisas nacionais, internacionais ou regionais, organizaram-se congressos, conferências ou colóquios e publicaram-se numerosas obras, revistas, anuários, bibliografias e monografias sobre temas variados. Difundiram-se, assim, dados e informações sobre os sistemas educativos dos diferentes países. A maioria das pesquisas era de caráter quantitativo (tabelas estatísticas e avaliações padronizadas) e seus resultados foram utilizados como orientação para a tomada de decisões políticas e para as reformas dos sistemas educativos (BONITATIBUS, 1989). 1 De acordo com Bonitatibus (1989, p. 41), “enquanto os estudos do início do século são, especialmente, a respeito do ensino popular, elementar, obrigatório e gratuito, pelo fim do século já se manifesta o interesse pelo ensino profissional (técnico e comercial), assim como pelos níveis secundários e superiores de ensino”. EDUCAÇÃO COMPARADA Graduação em Pedagogia 15 Embora a educação comparada tenha assumido perspectivas teórico-metodológicas distintas nos diferentes momentos, alguns componentes comuns podem ser identificados: 1) os Estados-nação como referência para a análise dos sistemas educativos2; 2) a ideologia do progresso; 3) a crença na ciência e no conhecimento objetivo para a compreensão dos fenômenos; 4) os princípios comuns e universais sobre o funcionamento dos sistemas educativos. Ao longo do século XX, tendo em vista contribuir para a solução e prevenção de problemas de ordem pedagógica e administrativa, o trabalho comparativo desempenhou um papel importante na organização dos sistemas educativos nacionais. Fornecendo aos governos informações que orientavam a tomada de decisões políticas, contribuía para a melhoria dos sistemas de ensino. Entretanto, entre as décadas de 80 e 90, a educação comparada sofreu uma perda progressiva de prestígio, em decorrência das intensas críticas às teorias da modernização, do capital humano e do desenvolvimentodependente, bem como dos próprios resultados alcançados por elas. Nesse contexto, seus métodos, sua validade científica, suas bases teóricas e mesmo suas finalidades foram questionados, sob a acusação de que seus resultados eram utilizados de modo abusivo para legitimar as ações reformadoras em nível nacional, em geral, vinculadas às orientações ou diretrizes dos organismos internacionais (ONU, UNESCO, FMI, Banco Mundial, OCDE). No Brasil, esse declínio foi acompanhado pela escassez da produção científica e pela exclusão progressiva da disciplina Educação Comparada dos cursos de graduação e pós-graduação em educação3. Autores como Goergen (1991), Nogueira (1994) e Martini (1996) atribuem esse declínio a fatores diversos e interligados, tais como: dificuldade de acesso a bibliografias especializadas e atualizadas; dificuldade para realizar viagens de intercâmbios; ausência de bancos de dados atualizados; pequeno domínio de línguas estrangeiras, o que resultava em uma inexpressiva bibliografia traduzida; falta de professores qualificados na área; escassez de grupos de pesquisas e cursos de pós- graduação que formassem professores para a área; falta de clareza do papel dessa área nos cursos de formação de professores, em particular nos de Pedagogia; falta de aprofundamento do estudo do “pedagógico” e ausência de debates em torno do tema; escassez de material para estudo, em consequência da produção restrita de pesquisas e da dificuldade de acesso à bibliografia estrangeira, o que dificulta o aprofundamento do conhecimento e da fundamentação das investigações; por fim, a desvinculação entre ensino e pesquisa. Na América Latina, ocorre o mesmo processo, conforme nos expõem Lamarra; Mollis e Rubio (2005, p. 180): [...] la Educación Comparada tiene un limitado desarrollo académico en América Latina. El escaso desarrollo de esta disciplina es directamente proporcional con el escaso fundamento académico-racional o de investigación comparada, aplicado a la toma de decisiones político-educativas. La ausencia de pensamiento sistemático, reflexivo, comparado, ha caracterizado la implementación de numerosos dispositivos de políticas educativas que han dado como resultado fracasos sin precedentes en la historia de los sistemas públicos de educación latinoamericana. La adopción de «prescripciones educativas internacionales» que sustentaron las 2 Wallerstein et al. (1996, p. 118) sublinham: “[...] os Estados eram a unidade de comparação, ora de estudos de ‘política externa’, cujo objeto consistia no estudo das políticas dos estados uns para com os outros, e não no estudo das características emergentes das estruturas transestatais”. 3 Em estudo recente sobre a educação comparada na América Latina, Lamarra; Mollis e Rubio (2005, p. 166) informam: “Con excepción de la Universidad Federal de Paraná, ninguna otra universidad federal en el Estado de Paraná incluye la materia Educación Comparada en los planes de estudio de las carreras de grado. Tampoco lo hace una de las universidades privadas más antiguas y prestigiosas del estado como es la Universidad Católica. A su vez, la reconocida Universidad de Campinas que funciona en el estado de San Pablo (UNICAMP) tampoco dicta Educación Comparada en ninguna de las carreras de grado del área de Pedagogía”. EDUCAÇÃO COMPARADA Graduação em Pedagogia 16 reformas de la región y la de los países pos-socialistas, se realizó al margen de la contribución de la investigación comparada regional. Nos últimos anos, no entanto, especialmente no meio acadêmico4, ocorreu no Brasil um movimento de resgate desse campo de estudos. Observa-se o aumento progressivo das publicações científicas nacionais (WERLE e CASTRO, 2000), particularmente no que se refere às políticas e gestão da educação. A realização de encontros e congressos também favoreceu o intercâmbio entre pesquisadores e ampliou as possibilidades de desenvolvimento de projetos comuns de investigação (SAVIANI, 2001). A revitalização dos estudos comparativos no Brasil insere-se num processo internacional. A partir da década de 90, com a reorganização da ordem mundial e dos processos de globalização, da desnacionalização da economia, do enfraquecimento do Estado-nação e da forte influência das agências internacionais sobre as políticas nacionais de educação, houve um crescente interesse pela realidade educacional de outros países. Dessa maneira, ocorreu um processo de revalorização da educação comparada em nível internacional. No entanto, essa revalorização é acompanhada de críticas aos modos de interpretação e quadros de análise anteriores, abrindo novas perspectivas teórico- metodológicas5, conforme veremos a seguir. 1.1. OS NOVOS HORIZONTES DE INVESTIGAÇÃO De acordo com Malet (2004, p.1301), na atualidade, a educação comparada enfrenta novos desafios: “o crescimento de problemáticas educativas transculturais, o enfraquecimento dos Estados-nação que acompanhou o crescimento dos territórios identitários supranacionais (como a Europa) ou infranacionais, como as regras, e fenômenos de expansão e interdependência cultural (globalização)”. A renovação da área e a adoção de novas perspectivas devem-se, em grande parte, a esses desafios. Em meio à variedade de posicionamentos sobre os rumos desse campo de estudos, destacamos dois que nos parecem relevantes. Configura-se uma perspectiva global, cujos autores, mesmo divergindo a respeito da dimensão e do alcance dos processos de globalização sobre a educação, analisam as relações entre educação e globalização como um fenômeno que ocorre além do nível nacional. Alguns entendem que as mudanças na economia capitalista mundial são a força diretora da globalização, que, operando transnacionalmente, rompe ou ultrapassa as fronteiras nacionais e, ao mesmo tempo, enfraquece o poder dos Estados-nação. Segundo Madeira (2008, p.7), tais [...] autores argumentam que o papel subalterno do estado na definição dos objetivos educacionais afecta a transmissão de ideias nacionais tornando inviável a criação de uma cultura nacional (Usher & Edwuards, 1994). Outros realizam uma abordagem designada de “Cultura Educacional Mundial Comum” (Meyer, Boli e Thomas), em que os Estados são “vistos como moldados a um nível supranacional através da ideologia do mundo dominante (ou Ocidente) e não como criações nacionais autônomas e únicas” (DALE, 2004, p. 426). Esses autores argumentam: 4 Conforme Nogueira (1994, p. 35), “a Sociedade Brasileira de Educação Comparada, fundada em 1983, o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação na América Latina e Caribe, da Faculdade de Educação da UNICAMP e FLACSO caracterizam ações nesse sentido”. 5 Segundo Beech (2007, p.1), “[...] en el mundo en el que vivimos ha cambiado – teniendo en cuenta que una de las funciones fundamentales de la educación comparada es la de entender el mundo – las teorías, técnicas y estrategias que usa la educación comparada deben ser repensadas”. EDUCAÇÃO COMPARADA Graduação em Pedagogia 17 [...] Diferenças entre as várias realizações particulares resultam da organização dessa realização a partir da ênfase variável ou das interpretações de regras institucionais mais gerais […]. Não se deve ver estas instituições em toda a sua diversidade apenas como construções da experiência humana em contextos locais, mas como algo que se desenvolve a partir de uma cultura histórica universalística dominante […]. Assim, nos sistemas sociais modernos, é profícuo ver a estrutura social não como a reunião de padrões de interacção local, mas como edifícios ideológicos de elementos institucionalizados que substanciam a sua autoridade em regras e concepções mais universais. As estruturas formais da sociedade, desde a definição e propriedades do individual até à forma e ao conteúdo deorganizações como as escolas, as empresas, os movimentos sociais e os estados, derivam ou são ajustadas para se adequarem às regras muito gerais que possuem pelo mundo fora significado e poder (MEYER et al., 1997, p. 27-29; sublinhado no original, apud, DALE, 2004, p. 428). Para a educação, esta abordagem sublinha que, longe de serem autonomamente construídas a um nível nacional, as políticas nacionais são em essência pouco mais do que interpretações de versões ou guiões que são informados por, e recebem a sua legitimação de, ideologias, valores e culturas de nível mundial (Ibid., p. 429). Outros ainda, a exemplo de Roger Dale, defendem a idéia de uma “Agenda Globalmente estruturada para a Educação”. Segundo esse autor, as agendas nacionais para a educação, que até recentemente eram determinadas em nível nacional, paulatinamente passam a ser elaboradas de acordo com as agendas definidas pela economia global. Ou seja, De uma forma muito crítica, neste contexto, todos os quadros regulatórios nacionais são agora, em maior ou menor medida, moldados e delimitados por forças supranacionais, assim como por forças político-econômicas nacionais. E é por estas vias indirectas, através da influência sobre o estado e sobre o modo de regulação, que a globalização tem os seus mais óbvios e importantes efeitos sobre os sistemas educativos nacionais (DALE, 2004, p. 441). Para demonstrar que a globalização afeta os sistemas educativos nacionais, o autor utiliza os argumentos de que “a globalização é um conjunto de dispositivos político- econômicos para a organização da economia global, conduzido pela necessidade de manter o sistema capitalista” e de que “a adesão aos seus princípios é veiculada através da pressão econômica e da percepção do interesse nacional próprio” (Ibid., p. 436). Ele a concebe como um processo “complexo e frequentemente contraditório que se centra em torno dos três principais agrupamentos de estados, ‘Europa’, ‘América’ e ‘Ásia’” que “possuem diferentes níveis de interação e integração e podem até certo ponto ser vistas como competindo entre si [...] Contudo, os agrupamentos regionais partilham a preocupação com o controlo e concordam sobre certas regras do jogo [...]” (Ibid., p. 136- 137). Existem ainda os que apontam para uma globalização ou internacionalização parcial da educação. Segundo Madeira (2008, p. 7), esses autores, [...] à semelhança de Andy Green (1997; 1999), [argumentam] que os processos de globalização afectam de forma marginal os sistemas educativos registrando apenas uma “internacionalização parcial” da educação envolvendo sobretudo questões de mobilidade, a adopção de algumas políticas comuns e o “reforço da dimensão internacional” nos currículos ao nível do ensino secundário e superior (Hirst & Thompson, 1996, Dale, 2001). EDUCAÇÃO COMPARADA Graduação em Pedagogia 18 Contudo, o reconhecimento de que os efeitos da globalização variam de lugar para lugar faz com que os autores chamem a atenção para a natureza e as implicações de tais efeitos em nível nacional6. Esses estudos apontam para o contraste entre a “difusão global dos modelos educacionais transnacionalmente padronizados e a persistência das diversas redes de inter-relacionamento sócio cultural”, o que tem resultado não numa conversão crescente, mas numa diferenciação dos sistemas (SCHRIEWER, 1995, p. 269). Em outros termos, eles destacam “a natureza não-linear e contingente dos processos de globalização e do impacto repetidamente provocado nesses processos por potenciais geradores de desvios” (Ibid, p. 272), abrindo espaço no campo da educação comparada para o estudo de configurações histórico-culturais particulares. No campo oposto desses posicionamentos que têm em comum o peso dado ao aspecto global, observa-se o da perspectiva local. Em contraposição ao etnocentrismo e à universalização ou homogeneização da interpretação das ações educativas ou de funcionamento das instituições, a tendência é o estudo de configurações histórico-culturais regionais e especificidades locais (CROSSLEY, 20027). Nesse caso, os comparatistas propõem que as análises partam da perspectiva dos que vivem a realidade local, que focalizem a racionalidade dos atores educativos, a centralidade do discurso na construção desses fenômenos, a diversidade étnica e cultural. Essa seria a forma de se resgatar a heterogeneidade, a singularidade de cada cultura e de cada individualidade e de se encontrar alternativas para as práticas educativas. Assim, segundo Gonçalvez e Silva (2000, p. 29), Tendo, como campo, as relações entabuladas entre pessoas e grupos, no cotidiano da vida em sociedade, os estudos comparados sensíveis à diversidade de visões de mundo, de experiências vividas, que se cruzam e entrecruzam, propõem-se: análise de realidades na perspectiva do que as vivem; divulgação de visões de mundo particulares, de pensamentos próprios a grupos étnicos e sociais; reunião de elementos para intercâmbio de “referências capazes de transformação” (Nkomo,1990) de sociedades humanamente injustas; organização e manutenção de redes constituídas de pontos de ligação locais e regionais, de linhas de relações históricas, sociais e culturais (Santos, 1996) que ponham em conexão diferentes pensamentos, de valores que vêm permitindo aos diferentes grupos sociais recriarem-se, sem perda de suas raízes, no convívio com os outros. Nesta abordagem, o outro, isto é, as minorias e os grupos que têm outras formas de vida e de cultura, é posto em discussão. A preocupação dos estudiosos comparatistas consiste em esclarecer os processos de apropriação dos fenômenos educativos pelos próprios atores, o que, segundo Malet (2004, p. 1313), “significa o deslocamento progressivo do interesse de conhecimento do comparatismo dos fatos para os processos educativos, e uma atenção mais forte para o sentido dos fenômenos educativos”. A este propósito, Nóvoa sublinha: [...] o Outro é a razão de ser da Educação Comparada. O Outro é o que serve de modelo ou de referência, que legitima acções ou que impõe silêncios que se imita ou que se coloniza. A Educação Comparada faz parte de um campo de poderes no seio do qual se constroem os centros e as periferias, se constroem as práticas discursivas que consagram os sentidos e definem os limites. As práticas comparativas ajudam a difundir, a nível mundial, um modelo de escola que se desenvolveu na Europa, mas que se tornou universal: a força deste modelo mede- 6 Crossley (2002) considera que poucos estudos têm dado atenção a estas diferenças. Por isso, defende que este deve ser um campo a ser explorado pelos estudos comparativos em educação. 7 O autor entende ser necessário prestar atenção aos efeitos locais da globalização. Nesse sentido, aponta para a importância de investigações mais sensíveis às diferenças culturais (com base na etnografia e na interpretação/hermenêutica, nos paradigmas que enfatizam estudos de nível micro-educação) e ao contexto, especialmente o pós-colonial. EDUCAÇÃO COMPARADA Graduação em Pedagogia 19 se pela sua capacidade de ser olhado não como o melhor sistema, mas o único possível ou mesmo imaginável (Nóvoa, 1998, p. 51-52). Em síntese, a educação comparada é assim concebida, segundo Nóvoa (1994, p. 105), como resultado de um movimento duplo. De um lado, é marcada “por uma presença crescente das questões educativas na criação de identidades escolares, definidas não tanto numa perspectiva geográfica, mas no sentido de uma pertença a certas comunidades discursivas”. De outro, caracteriza-se por “uma reorganização dos espaços educativos, através das regulações econômicas e políticas que atravessam as fronteiras dos diferentes países”. Segundo Nóvoa, em tal situação, o conceito de comparação adquire novas conotações, “deslocando-se da referência tradicional inter-paísespara dimensões simultaneamente intra e extra nacionais, isto é, centradas nas comunidades de referência dos actores locais e nos processos de regulação ao nível internacional” (Ibid, p. 105). De acordo com Malet (2004, p. 1311), esses estudos desenvolveram-se como uma reação contra: a) as condições objetivas e fechadas dos fenômenos educativos e culturais que o funcionalismo tende a promover; b) as perspectivas de evolucionismo social que, cegadas por uma concepção continuísta da história e uma abordagem pragmática dos fatos educativos, tende a descuidar dos processos de mudanças social; c) o consensualismo, que impede a empreitada científica de questionar seus fins, o que constitui o melhor meio de eludi-los, sobretudo quando os espaços de intervenção ultrapassam as fronteiras nacionais. Ao mesmo tempo, ele observa que o afastamento progressivo dos postulados e quadros de análise tradicionais dos processos educativos, ou seja, das preocupações cientificistas, pragmáticas ou reformadoras (MALET, 2004), que tomam o Estado-nação como unidade de análise, corresponde a um (re)enquadramento da leitura dos fenômenos educativos: a perspectiva passa a incidir sobre as diferentes unidades e objetos de análise, ancorando-se no presente, na cultura e no discurso. Assim, no atual contexto, criaram-se condições não apenas para o surgimento de novas categorias de análise dos sistemas educativos como também para indagações sobre a importância da educação comparada na solução dos problemas atuais. 2. A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO COMPARATIVO NO CAMPO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E GESTÃO DA EDUCAÇÃO No que diz respeito às políticas públicas da gestão em educação8, não se pode desprezar a validade metodológica e instrumental dos estudos comparativos, especialmente quando se considera que existe um processo econômico-financeiro de “globalização”, com desdobramentos políticos, culturais e educacionais. São indicativas desse processo a internacionalização de fóruns de consulta e de decisões políticas e a influência crescente das agências internacionais (OCDE, UNESCO, FMI, Banco Mundial e etc.) na elaboração das políticas internas dos “países de periferia”. Lideradas pelos “países centrais”, por meio de programas de cooperação, essas agências prescrevem o modo como os países devem operar as reformas9 (BARROSO 2003, BARROSO e VISEU, 2003), 8 Velloso e Pedró (1993, p. 371) apontam para a falta de interesse, tanto por parte dos pesquisadores como dos programas de formação docente, por estudos comparativos no campo da Administração da Educação nos últimos cinqüenta anos, de forma que este vem sendo contemplado como um campo emergente de investigação. 9 No campo educacional, a agenda geralmente privilegia certas políticas de avaliação, financiamento, padrões de formação de professor, currículo e procedimentos de avaliação de desempenhos e prestação de contas que aproximam as EDUCAÇÃO COMPARADA Graduação em Pedagogia 20 desempenhando, assim, um papel decisivo na normatização e padronização das estruturas organizacionais e das políticas educativas. Segundo FURTER (1982, p. 46-47), na nova situação mundial, em razão do caráter transnacional do capital, os centros de decisão se deslocam para fora do alcance nacional, inclusive no que diz respeito ao sistema educacional. Ele caracteriza alguns aspectos em que essa mundialização se manifesta: 1) os efeitos universalizantes da difusão da tecnologia moderna10, já que esta implica a unificação das clientelas e dos mercados de formação; 2) a difusão unilateral dos modelos de qualidade, das normas científicas e dos critérios norte-americanos; 3) a organização de empresas e de programas como as escolas internacionais ou o bacharelado internacional; 4) os efeitos da assistência técnica internacional, com suas migrações maciças de especialistas e de estagiários, na manutenção e no reforço de um sistema mundial único de escolarização. Além disso, alguns estudos de caráter comparativo têm demonstrado que países diferentes, ocupando lugares distintos no sistema mundial, estão percorrendo caminhos bastante semelhantes no desenvolvimento das políticas públicas em educação. Parece-nos interessante considerar as palavras de Bernestein (1990, p. 139): “os sistemas educativos modernos são no essencial muito mais similares do que distintos, qualquer que sejam as diferenças e práticas políticas que separam as sociedades modernas”. É interessante também atentar para as afirmações de LIMA e AFONSO (2002, p. 7): “não obstante os distintos condicionamentos políticos, culturais e econômicos de cada Estado-nação, verifica-se uma relativa sintonia das reformas, uma forte similitude entre alguns eixos estruturantes e estratégias adoptados, e até mesmo uma consonância argumentativa quanto aos imperativos das mudanças”. Nóvoa, ao analisar a educação em países da Comunidade/União Européia, identifica a convergência das políticas educativas (normas e ações comuns) entre seus países membros11: [...] les systèmes éducatifs européens subissent, aujourd’hui, une série d’influences qui les poussent vers des évolutions semblables, tout au moins en ce qui concerne leurs configurations institucionnelles, leurs modalités organisationnelles et leurs stratégies de developpement. Ceci n’est pas contradictoire avec le maintien, à l’intérieur des frontières de chaque État membre, de marges relativement importantes d’autonomie, beaucoup plus évidentes en ce qui concerne la production d’un discours de légitimation nationale que dans la formulation de politiques alternatives. Je soutiendrai aussi que l’introdution dans le traité de Maastricht du organizações escolares da lógica do mercado. Ou seja, sugerem medidas que enfatizam a redução do patrocínio e financiamento estatal, passando a conceder subsídios e a estabelecer parcerias; a introdução de mecanismos de mercado para regular as trocas educativas, e impõem modelos de eficiência e eficácia emprestados do setor empresarial (BURBULES e TORRES, 2004). 10 Esses efeitos são apontados por Wilson (2003), ao analisar os impactos da globalização e comunicação (TIC) (manuais, revistas acadêmicas, conferências, as agências internacionais, sociedades profissionais, a Internet - impressos on-line, intercâmbios por e-mail, educação a distância) na ampliação e propagação dos estudos comparativos internacionais. 11 De fato, não existem condicionantes jurídico-formais para as políticas educativas no caso da adesão à CEE ou um referencial obrigatório para a ação comunitária em matéria de educação, de forma a homogeneizá-la ou uniformizá-la. Em 1992, no “Tratado da União Européia”, Capítulo III, referente à educação, à formação profissional e à juventude”, encontra- se a afirmação de que “a comunidade contribuirá para o desenvolvimento de uma educação de qualidade, incentivando a cooperação entre Estados membros e, se necessário, apoiando e completando a sua acção, respeitando integralmente a responsabilidade dos Estados membros pelo conteúdo do ensino e pela organização do sistema educativo, bem como a sua diversidade cultural e lingüística”. Ao se fazer essa afirmação, ao mesmo tempo, se está admitindo a diversidade de políticas em relação aos sistemas de educação. Apesar disso tudo, de acordo com Afonso (1998, p. 206), “[...] não se deve excluir a possibilidade de haver um impacto importante de outros factores no sentido de uma convergência de políticas, ainda que não consignadas do ponto de vista jurídico-formal [...] mesmo que não tenham carácter impositivo, acabam por ter repercussões directas ou indirectas nos Estados-membros”. EDUCAÇÃO COMPARADA Graduação em Pedagogia 21 concept de citoyenneté européenne a des conséquences inevitables, à moyen terme, sur la mission des systèmes éducatifs et sur la définitionde quelques politiques ‘communes’ entre les différents États membres (NÓVOA, 1996, apud, AFONSO, 1998, p. 206). Também Antunes (1999, p. 856), com base em documentos (resoluções, conclusões, decisões e diretivas) resultantes das reuniões do Conselho Europeu e dos Ministros da Educação, relaciona a produção de referências ideológicas e políticas, de modelos institucionais ou normas de ação no campo da educação, especialmente a partir de 1986, com a emergência dos “programas de educação comunitária”, orientados por objetivos comuns “com impacto directo nos (e/ou envolvendo instituições ligadas aos) sistemas de ensino dos Estados-Membros da Comunidade Europeia” (Ibid., p. 858). Segundo a autora, é possível “apontar para o restabelecimento de uma agenda e políticas comunitárias para a educação, assente em acções comunitárias e processos normativos comuns” (Ibid., p. 860). Barroso (1999, p. 133) faz observações semelhantes: [...] na maior parte dos países da União Européia, assiste-se igualmente a alterações no domínio da administração dos seus sistemas educativos que, no quadro mais vasto de processos de descentralização, se traduzem no aumento de competências e remodelação dos órgãos de gestão das escolas na elaboração de ‘projectos educativos’ e na instauração de mecanismos de avaliação e prestação de contas. Na interpretação de Canário (2006), as reformas educativas decorrem do acelerado processo de integração econômica supranacional, fenômeno de âmbito mundial ligado à construção da União Européia. Esse processo de “regulação transnacional” (BARROSO, 2005), “retirou dos Estados nacionais a capacidade de controlar os fluxos no interior e exterior das suas fronteiras reduzindo sua ação a um estatuto marginal” (CANÁRIO, 2006, p. 29). Em relação à América Latina, os estudos de Rosar e Krawczyk apontam-nos que as circunstâncias não são distintas. Nos últimos 10 anos, quase todos os países da América Latina iniciaram reformas educacionais, resultantes, em grande medida, de um processo de indução externa articulado com as políticas dos organismos internacionais de empréstimos para os países da região. A necessidade dessas reformas foi justificada mediante a publicação de pesquisas, que evidenciaram os logros e deficiências do sistema educativo à luz dos condicionantes da reestruturação do setor produtivo e das mudanças institucionais, que alteram a estrutura do Estado e das relações sociais no âmbito de uma nova ordem mundial. De fato, esses estudos vieram a ilustrar pontos de vista já assumidos pelos organismos internacionais e justificar um modelo pré-estabelecido de reforma educacional (ROSAR e KRAWCZYK, 2001, p. 33-34). Para as autoras, “as reformas educativas em curso têm um caráter homogeneizador, tanto na leitura das realidades nacionais quanto nas suas propostas, impondo uma padronização de política educacional para a região” (Ibid., p. 40). Por tudo isso, entendemos que os estudos comparados são fundamentais. Conforme os resultados de nossa pesquisa, “Política de Autonomia da Gestão Escolar: Uma análise comparada entre Brasil e Portugal”, as reformas educativas empreendidas nos anos 90 nos dois países têm características similares. Observamos que ambas foram empreendidas segundo a inspiração gerencial e produtivista e que as políticas e práticas da educação foram submetidas aos imperativos da lógica de mercado e, ao mesmo tempo, às mudanças significativas no modo de regulação e atuação do Estado. Dentre suas características, observamos: descentralização da gestão; surgimento de novas estruturas de EDUCAÇÃO COMPARADA Graduação em Pedagogia 22 responsabilização e financiamento; aumento da flexibilidade institucional; favorecimento da participação social; encorajamento da competição; busca de parceria entre as diversas esferas de governo, do setor privado e da sociedade civil para financiar a educação pública, o que resulta no rompimento com a exclusividade do poder público; satisfação do cliente/consumidor; avaliações externas (CARVALHO, 2008). Com as mudanças sociais decorrentes da nova ordem globalizada, da reestruturação do setor produtivo e das mudanças institucionais na estrutura do Estado e em suas relações com a sociedade, surgem novos desafios para a educação comparada, já que as novas problemáticas educativas não se restringem mais ao contexto nacional. Desse modo, concordando com Almerindo Afonso (2000, p. 63), para quem as políticas educativas “só podem ser adequadamente compreendidas se forem referenciadas ao contexto mundial, ultrapassando assim algumas limitações inerentes às perspectivas tradicionais que circunscrevem a análise das reformas às fronteiras do Estado-nação”, destacamos a relevância atual do estudo comparado. Considerando que a comparação não é uma operação simples e implica o recurso a uma teoria da comparação, concordamos com Nóvoa (1998) quando defende a importância de uma estreita ligação entre as questões metodológicas e as discussões teóricas, bem como da identificação das bases ideológicas que subjazem às diferentes comunidades discursivas da educação comparada. Nestes termos, sem desconsiderar que comparar os sistemas educacionais implica adotar diferentes métodos, que expressam os antagonismos presentes nas relações sociais e as diferentes visões de mundo e de sociedade, optamos, em nossa pesquisa, pela perspectiva dialético-materialista. Dessa perspectiva, procuramos explorar a relação entre o contexto nacional e o internacional, comparando os distintos sistemas e analisando-os. Entendemos que a relevância do estudo comparativo consiste nas possibilidades que ele oferece para apreender a relação dialética entre os níveis global e local, para apreender as particularidades e o modo de articulação das tendências globais e para distinguir o que é próprio/específico de um sistema e o que manifesta a tendência universal. Em outros termos, por meio do método comparativo, podemos apreender o objeto de estudo em seu contexto, com base no que lhe é específico, mas sem tratá-lo como objeto isolado, separado daquilo que lhe dá significado, ou seja, da totalidade social da qual é parte, ou seja, abordá-lo como uma particularidade histórica. Enfim, concordamos com Franco (2000, p. 222), quando aponta para a necessidade de [...] não perder a especificidade local do fenômeno e tratá-lo dentro das complexas relações sociais que o constituem enquanto preparação para o trabalho, em um mundo cultural e economicamente globalizado. O que significa compreendê-lo enquanto resposta estratégica aos problemas postos pela globalização econômica, pela reestruturação produtiva, pelos objetivos de qualidade e de competitividade, pelas transformações do mundo do trabalho e pelo desemprego estrutural. Evidentemente, essa postura implica uma proposta metodológica que busca discernir os mecanismos que engendram o próprio processo de globalização, aquilo que articula ou dissolve o local, o nacional e o global, significa apreender suas interações dinâmicas, ou seja, o lugar que os fatores locais ocupam no movimento mais geral da sociedade e, ao mesmo tempo, o que há de universal no particular ou, segundo Franco, “recuperar a totalidade social de que são portadores todos os fenômenos, embora, de um ponto de vista analítico, quase sempre os vejamos segmentados” (Ibid., p. 224). Isto significa dizer que o método não deve se limitar ao reconhecimento das semelhanças e diferenças existentes entre os fenômenos, mas explicar por que eles ocorrem ou o que leva o comportamento da parte a ser diverso. É nesse sentido que reconhecemos a importância da comparação. Outro aspecto importante a se considerar é: comparar para quê? EDUCAÇÃO COMPARADA Graduação em Pedagogia 23 Além de reconhecer as semelhanças e diferenças, é necessário ultrapassar a mera justaposição de índices, a simples correlação de números ou quantificaçãode resultados obtidos com base em indicadores internacionais de desempenho e a padronização dos instrumentos comparativos, cujos parâmetros sejam alheios ao nacional ou às condições de organização dos sistemas. A comparação implica a necessidade de interpretar os dados, de questioná-los e analisar as bases que sustentam a comparação. Dessa maneira, podemos não só contribuir para um debate mais aprofundado, como também para justificar a importância do estudo comparado. Além disso, mais do que destacar as singularidades de cada cultura e de cada individualidade, de distinguir o que lhe é próprio ou firmar sua diferença, é necessário reconhecer que a particularidade não se explica por si mesma. A comparação, nesse caso, deve ter a finalidade de descobrir o que existe de universal nos processos singulares, descobrir a relação recíproca entre o específico e o universal no mesmo fato. Em outros termos, a especificidade não pode ficar dissolvida no movimento mais geral da sociedade, mas também não pode ser tomada como se pudesse existir independentemente da totalidade a que pertence e que lhe dá sentido. Para atingir esses objetivos da comparação, deve-se adotar uma metodologia que supere o particular (formas específicas e regionais), o imediato e o cotidiano e que tenha a preocupação de revelar a diversidade. Que sentido teria uma educação comparada que, ao procurar retratar uma situação, não tivesse a finalidade de encontrar soluções para os problemas, de orientar e fundamentar a tomada de decisões educativas? Como poderemos discernir com precisão se temos fragmentos como referência? Outro aspecto importante a ser considerado é que, geralmente, comparamos os sistemas educativos. Por isso, devemos pensar na amplitude desse conceito, já que a educação não se limita à particularidade da prática educativa. Além disso, existem muitos aspectos implícitos na política educativa. Concordamos com Roger Dale (2004, p. 439), quando afirma que a educação [...] centra-se em três questões fundamentais: a quem é ensinado o quê, como, por quem e em que circunstâncias?; como, por quem e através de que estruturas, instituições e processos são definidas estas coisas, como é que são governadas, organizadas e geridas?; quais são as consequências sociais e individuais destas estruturas e processos? Estas questões centram-se nos princípios e processos da distribuição da educação formal, na definição, formulação, transmissão e avaliação do conhecimento escolar e em como é que estas coisas se relacionam entre si. Elas dirigem-nos no sentido de descobrir como é que aqueles processos são financiados, fornecidos e regulados e como é que este tipo de formas de governação se relacionam com concepções mais amplas de governação dentro de uma sociedade. Somos solicitados a perguntar como é que estas estruturas e processos, que tipicamente referimos sob a designação “sistemas educativos”, afectam as oportunidades de vida dos indivíduos e grupos e a totalidade das relações dos sistemas educativos com as colectividades e instituições sociais mais amplas de que fazem parte. Assim, um sistema é, fundamentalmente, um conjunto de realidades inter- relacionadas, mutuamente influenciadas. Conforme, Bonitaitbus (1989, p. 23), “é a negligência a este pressuposto básico da noção de sistema que frequentemente vicia os estudos comparativos, na medida em que tendem a simplesmente justapor elementos diversos, deixando de valorizar as relações, os fluxos e as trocas que se efetivam entre as partes. A justaposição sistemática fornece, dessa forma, apenas uma imagem rudimentar e simplista de uma realidade extremamente complexa, dinâmica e móvel”. Considerações finais EDUCAÇÃO COMPARADA Graduação em Pedagogia 24 O estudo histórico da educação comparada permitiu verificar que, após um período de reconhecida importância, os estudos comparados sofreram um progressivo declínio, seja como campo de pesquisa seja como disciplina acadêmica nos cursos de formação de professores. No entanto, entendemos que se trata de um relevante campo de estudo, um instrumento importante de conhecimento e de análise de nossa realidade educativa: “sempre que tomamos nossa própria cultura como único ponto de referência, tendemos a centrar nela todas as nossas reflexões, deixando de considerar aspectos e dimensões que apenas uma visão mais abrangente e diferenciada pode nos assegurar” (BONITATIBUS, 1989, p. 14). O “conhecimento de si mesmo nascido do confronto com o outro” (Ibid, p. 14) alarga nosso campo de visão, transformando-se num instrumento bastante propício para o conhecimento mais fecundo de nossa própria realidade educacional. Enfim, de nosso ponto de vista, a relevância da educação comparada decorre das possibilidades que ela oferece de: 1) analisar os impactos da globalização sobre a reformulação dos sistemas educativos dos diferentes países, alargando nosso campo de visão; 2) identificar o que é comum ou idêntico e o que é específico e, ao mesmo tempo, mostrar alternativas, para além da uniformização ou padronização internacional das políticas públicas para a educação 3) verificar se alternativas existem e quais são elas? 4) captar a relação entre os processos de globalização e regionalização como algo contraditório e multuamente constituído e não como resultado de uma reação linear. No Brasil, a educação comparada poderia contribuir para os estudos das diferentes regiões ou diferentes estados. Existe a necessidade de estudos que, no âmbito latino- americano, abordem as especificidades e semelhanças regionais, bem como suas intersecções com o processo mundial. Em suma, levando em conta todos esses aspectos, é possível reconhecer a relevância da educação comparada na atualidade não apenas na pesquisa, mas também no ensino. Referencial bibliográfico AFONSO, Almerindo Janela. Políticas Educativas e Avaliação Educacional. Para uma Análise Sociológica da Reforma Educativa em Portugal (1985-1995). Braga, Centro de Estudos em Educação e Psicologia, Instituto de Educação e Psicologia - IEP da Universidade do Minho, 1998. ______. Avaliação Educacional: Regulação e Emancipação. 2ª ed., São Paulo: Cortez Editora, 2000. ANTUNES, Fátima. A Comunidade/União Europeia e transnacionalização da educação: elementos para debate. In: II CONGRESSO INTERNATIONAL DA AIPELF/AFIRSE. 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Assista ao filme sugerido a seguir, no link: https://www.adorocinema.com/filmes/filme- 176055/ EDUCAÇÃO COMPARADA Graduação em Pedagogia 28 Fonte: https://beduka.com/blog/exercicios/portugues-exercicios/exercicios-de-figuras-de-linguagem/ EDUCAÇÃO COMPARADA Graduação em Pedagogia 29 UNIDADE 2 SISTEMA EDUCACIONAL (1) EDUCAÇÃO COMPARADA Graduação em Pedagogia 30 1 A EDUCAÇÃO NO BRASIL Prof.ª Me. Tatiane Marina dos Anjos Pereira Antes de efetuar a comparação da realidade educacional brasileira com a realidade de outros países (que serão sugeridos na próxima unidade de estudo), precisamos, primeiramente, analisar a realidade da educação brasileira. Pois bem, discorrer acerca da educação brasileira é, ao mesmo tempo, interessante e desafiador, especialmente quando se consideram os inúmeros apontamentos suscitados por tal reflexão. A análise superficial e negligente da conjuntura nacional tem promovido certoconformismo por parte de educadores, pais e alunos, que, adeptos ao discurso envolvente impetrado atualmente, comemoram os “altos” índices do sistema educacional brasileiro, em detrimento da análise e da reflexão sobre as estatísticas nacionais e internacionais no que concerne à educação no Brasil. Não obstante os notáveis avanços alcançados nas últimas décadas, sobretudo no que diz respeito ao acesso à rede pública de ensino e à queda na taxa de analfabetismo, há de se considerar que a educação nacional ainda tem muito a evoluir. Do ponto de vista quantitativo, poder-se-ia crer que a educação nacional está se aproximando dos patamares internacionais. Qualitativamente, entretanto, os estudos demonstram que há muito ainda por fazer. E como tais aspectos são complementares e convergentes, é possível deduzir que, de modo geral, o sistema educacional brasileiro não merece tantos aplausos. Aspectos como a baixa remuneração docente e o escasso investimento do poder público, destacados massivamente ao longo dos anos como principais responsáveis pela má qualidade de ensino no Brasil, não são capazes de exprimir, satisfatória e plenamente, os desafios educacionais atuais. Destarte, na tentativa de elaborar um estudo mais sólido e científico, buscou-se investigar as informações transmitidas por institutos de pesquisa, nacionais e internacionais, além de estudos de grandes pesquisadores brasileiros. As informações apreendidas alimentaram e solidificaram a análise apurada dos dados fornecidos pela Prova Brasil, realizada nos anos de 2005, 2007, 2009 e 2011 e 2013. A Avaliação Nacional EDUCAÇÃO COMPARADA Graduação em Pedagogia 31 do Rendimento Escolar (ANRESC), mais conhecida como prova Brasil, é aplicada atualmente aos alunos do 5º e 9º anos do ensino fundamental, em escolas da rede pública urbana, apresentando resultados por unidade escolar. Tomando por base o que apregoa o físico alemão Andreas Schleicher, há oito anos responsável pela aplicação das provas da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que determinam os índices do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), é necessário resgatar o valor dos dados e estatísticas como um instrumento indispensável ao combate dos problemas educacionais brasileiros: “O Brasil passou a ter chances de melhorar quando começou a mapear os problemas de maneira objetiva – e não mais com base na intuição” (SCHLEICHER, Andréas, 2008. p.17). Dessa forma, amparada por fontes seguras, este estudo buscou analisar as estatísticas da educação nacional, com a criticidade de quem almeja identificar as informações, muitas vezes camufladas, na busca por dados fiéis à realidade brasileira. Anseia-se que tais estudos suscitem o diálogo entre agentes educacionais, a fim de que os dados apurados sirvam ao engajamento de propostas concretas e eficazes na busca da qualidade de ensino. Tencionando empreender uma pesquisa mais consistente, estabeleceu-se analisar com afinco os dados de pesquisas impetradas por institutos reconhecidos internacionalmente, como o Ministério da Educação (MEC), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sobretudo por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), Mercosul Educacional (Indicadores Estadísticos del Sistema Educativo del Mercosul), Banco Mundial, Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), além de estudos de especialistas educacionais como Gustavo Ioschpe (2004), João Batista de Araújo e Oliveira (2004), Maria Helena Guimarães de Castro (1999), Naércio Menezes-Filho (2006), Octaviano Helene (2006), Simon Schwartzman (2005), entre outros. 1.1 CONHECENDO A REALIDADE EDUCACIONAL BRASILEIRA Tomando por base o que apregoam estudiosos do sistema educacional, entre os quais, Maria Helena Guimarães de Castro (1999), Naércio Menezes-Filho e (2006) e Gustavo Ioschpe (2004), recorrer aos processos avaliativos da educação nacional constitui- EDUCAÇÃO COMPARADA Graduação em Pedagogia 32 se um meio eficaz e indispensável à projeção de metas concretas e focadas nos problemas e desafios que têm impedido o avanço educacional brasileiro. De acordo com Castro (1999, p. 23): “[...] não há país no mundo preocupado em aumentar a eficiência, a equidade e a qualidade do seu sistema educacional que tenha ignorado a importância da avaliação como mecanismo de acompanhamento dos processos de reforma”. Em levantamento publicado no ano de 1999, Castro apresentou estatísticas concernentes ao processo educacional brasileiro, esmerando-se nos dados propagados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, de 1996. Entre as observações e conclusões auferidas por Castro (1999), ponderou-se que, a partir da década de 1990, a educação brasileira iniciara um significativo processo de desenvolvimento, marcada, sobretudo, por uma redução acentuada na taxa de analfabetismo e, ao mesmo tempo, pelo crescimento do índice de escolarização dos brasileiros, determinado pelo aumento regular da escolaridade média e da frequência escolar. Houve, assim, um decréscimo expressivo na taxa de analfabetismo geral; este índice ainda era considerado elevado tendo em vista os indivíduos com mais de 15 anos. A pesquisa de Castro (1999) demonstrou que, entre as pessoas com idade de 15 a 19 anos, o índice de analfabetos caiu de 16,5% em 1980, para 6,0% em 1996. Da mesma forma, entre os indivíduos com 20 a 24 anos, a queda foi de 15,6% em 1980, para 7,1%, em 1996. Tais informações podem ser contrastadas com os últimos dados veiculados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), em 2015. Na pesquisa, considerou- se como alfabetizada a pessoa capaz de ler e escrever pelo menos um bilhete simples. O gráfico 01, apresentado a seguir, evidencia tal evolução: Fonte: IBGE/Pnad 2015 A taxa de analfabetos no país teve queda após um ano de estagnação. O índice de brasileiros com 15 anos ou mais que não sabem ler e escrever era de 8,6% em 2011. Teve Gráfico 01 - Taxa de Analfabetismo no Brasil nos últimos cinco anos, indivíduo com 15 anos ou mais (PNAD, 2015) EDUCAÇÃO COMPARADA Graduação em Pedagogia 33 ligeira alta para 8,7% em 2012. E caiu para 8,5% em 2013, representando cerca de 13 milhões de analfabetos nesta faixa etária. No ano de 2014 ouve queda de 2% em relação a 2013. Em 2015 a taxa continua caindo e chega em 8,0%, apesar da queda, ainda não atingimos os índices esperados. Ao analisar dados atuais apresentados pelo IBGE em junho de 2019, passou de 6,8 em 2018 para 6,6% em 2019. Apesar da queda, os dados atuais mostram que o Brasil, ainda, possui 11 milhões de pessoas analfabetas com mais de 15 anos de idade. Da mesma forma, a taxa de analfabetismo funcional, que reúne as pessoas com até quatro anos de estudo, caiu de 18,3% para 17,8%. Entretanto, o número de pessoas com 10 anos ou mais que não têm instrução, ou estudaram menos de um ano, subiu de 15,3 milhões para 16 milhões. Apesar dos modestos avanços, a taxa de analfabetismo brasileiro torna-se mais preocupante se comparada aos demais países em desenvolvimento, que integram o Mercosul. A última publicação dos Indicadores Estatísticos do Sistema Educativo do MERCOSUL, de 2011, demonstra que o quadro brasileiro alterou-se muito pouco, especialmente quando se consideram os baixos índices de Argentina e Uruguai. O Brasil supera somente a Bolívia, cuja falta de dados atualizados impede a sistematização de avanços e/ou retrocessos. Contudo, considerando a representatividade brasileira no cenário econômico e social da América Latina, os baixos índices verificados na tabela 01 causam grande desconforto. Tabela 01 – Taxa de
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