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E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 1 CURSO “A HISTÓRIA DO FEMINISMO” COM PROFESSORA ANA CAMPAGNOLO De acordo com o senso comum, o feminismo surgiu como um movimento legítimo que buscava igualar os direitos de homens e mulheres, tendo se pervertido somente depois. Ao olharmos para o passado, não é esta a história que ele nos con- ta. Nesta aula, Ana Campagnolo corrige esta situação ao explicitar uma série de mitos e mentiras que foram disseminadas a respeito do início do feminismo. Ao final desta aula, espera-se que você saiba: como as mulheres adentraram na vida política; quais movimentos marcaram a luta pelo direito ao voto feminino; quais são os dois grandes mitos a respeito da luta pelo voto. BONS ESTUDOS! AULA 04 - SINOPSE OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM #44 E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 3 Sejam todos bem-vindos à nossa quarta aula do curso sobre femi- nismo. Para poder encerrar na aula de hoje o assunto da primeira onda do movimento feminista, vamos recapitular juntos o conteúdo visto até aqui. Na primeira aula, nós tratamos do protofeminismo, o qual antecedeu o feminismo definido com exatidão. Nós começamos a nossa análise em 1792. Desta época, abordamos principalmente as obras de Mary Wollstone- craft e outros revolucionários sexuais, como Marquês de Sade e William Godwin, marido de Mary. Além disso, discutimos como a origem do mov- imento feminista está inteiramente relacionada com a revolução sexual, a ponto de podermos dizer que ambas são a mesma coisa. Desde os seus primeiros passos, do período da Revolução Francesa até hoje, o movimento está intrinsecamente ligado às questões de moralidade, de combate à religião, de um comportamento anti-clerical e anti-casamento. Na nossa segunda e terceira aulas, nós nos concentramos na inserção da mulher nos espaços públicos, no mundo do trabalho. A partir da presente aula, também veremos como ocorreu a sua inserção no mundo da política. Esses três encontros são dedicados à primeira onda do movimento femi- nista, que começa em 1848 - mesmo ano em que Marx publica o “Manifesto Comunista” -, com a primeira Conferência de Mulheres em Seneca Falls, nos Estados Unidos, que visava discutir os direitos femininos. Este é um ano importante porque marca bem o início da primeira onda do movimento feminista, que, de acordo com o senso comum, buscava o reconhecimento de direitos civis. Na aula de hoje, vamos estudar a questão do sufrágio, da luta das mulheres pelo direito ao voto. Em outros termos, nós nos focaremos em compreender como aconteceu a inserção da mulher no mundo político. Apenas para lembrar, nós já tratamos da inserção da mulher no mundo do trabalho. Na segunda aula, expus principalmente quais foram INTRODUÇÃO E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 4 as razões que levaram as mulheres a adentrar o mundo do trabalho, esta- belecendo uma comparação resumida entre a situação do labor desde a Antiguidade até a Revolução Industrial. Na nossa terceira aula, revimos esse mesmo contexto de inserção da mulher no mercado de trabalho, mas enfocamos o pensamento marxista e o casamento desta ideologia com a ideologia feminista, representado de uma forma excepcional pela pessoa da Alexandra Kollontai, a qual defendia uma revolução feminista, o fim da família e uma sociedade socialista-marxista. Também elenquei o pensa- mento de Lênin, Trotsky, Stalin, essas personalidades envolvidas na questão de acabar com a família, e por que isto é a luta do movimento feminista. Novamente, continuaremos a tratar da revolução sexual pois um dos objetivos deste curso é demonstrar como o movimento feminista apresenta mais relação com a revolução moral, com a revolução nos costumes, com a revolução sexual propriamente dita, do que com a conquista de direitos civis ou com a luta das mulheres contra violência. A conquista de direitos civis e a luta das mulheres contra a violência são bandeiras marginais, em alguns momentos, até dispensáveis, dentro do movimento feminista. 2. SOBRE O TRABALHO Para findar o tópico do trabalho, quero trazer uma citação de um dos melhores livros para entender como as mulheres sempre estiveram em relativa condição de vantagem a respeito do universo laboral. O livro, que se chama “Sexo Privilegiado: O fim do mito da fragilidade feminina”, foi escrito por Martin L. Van Creveld, um israelense, historiador de Guerra. Embora a guerra seja seu tema predileto, Creveld acabou escrevendo essa obra em que compara a situação dos homens e das mulheres ao longo do tempo, desde a Antiguidade até os dias de hoje. O livro foi publicado nos anos 2000 e infelizmente não há mais novas edições. Na página 162, na conclusão do capítulo sobre trabalho - que também será o fim da nossa E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 5 exposição sobre trabalho, para podermos falar sobre política e voto -, Martin nos diz o seguinte: “As mulheres casadas, em menor grau, as solteiras, tendem a desem- penhar tarefas mais fáceis quando se trata de trabalhar. O que acontece quando as mulheres não têm esses privilégios pode ser ilustrado pelo des- tino dos kibutz ou da União Soviética. No último caso, o país literalmente entrou em colapso”. Nós comentamos sobre o que aconteceu na União Soviética após a inserção da mulher no mercado de trabalho e a vigência de uma legislação feminista. O resultado foi a proliferação de prostitutas e de meninos de rua. A situação atingiu um nível de calamidade que forçou Stalin a intervir e ret- roceder nas reformas que haviam sido feitas. Os kibutz eram comunidades israelenses que viviam de subsistência da agricultura, nas quais homens e mulheres eram tratados de forma igual. Os kibutz também não prosper- avam, vieram a falir. Esses são alguns exemplos que coadunam com o que já comentamos sobre o trabalho. Martin prossegue: “No que diz respeito ao trabalho, as mulheres sempre desfrutaram de mais privilégios que os homens. A raiz dessa diferença de tratamento está nas características biológicas de ambos os sexos. Enquanto o trabalho era considerado um fardo, as mulheres, como os homens, faziam o possível para evitá-lo, mas, ao contrário dos homens, contavam com a ajuda dos parentes do sexo masculino”. Os homens costumavam não ter essa opção. Na verdade, até hoje costumam não tê-la. Os pensadores socialistas e as feministas declaram que o trabalho é um direito e um privilégio, mas a situação permanece fun- damentalmente a mesma. Martin complementa: “Compreensivelmente, a maioria das mulheres compelidas a tra- balhar por circunstâncias econômicas continua a encarar o trabalho como um fardo. Como as estatísticas mostram, as mulheres costumam aproveitar E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 6 a primeira oportunidade para fugir do trabalho.”. Isso significa que, se a mulher puder trocar um trabalho de 40 horas semanais por outro de 20 horas, fará isso. As mulheres que podem trocar um trabalho mais difícil por outro mais fácil, sempre fazem isso. Mais do que isso: quando podem, em situações de maior privilégio e vantagem, simplesmente param de trabalhar e passam a ser sustentadas por seus maridos. Esta é uma condição que se estende desde a Antiguidade e per- siste até hoje, e, evidentemente, é uma possibilidade que existe muito mais para as mulheres do que para os homens. Os homens apresentam uma chance bem mais remota de parar de trabalhar. Aliás, parece que já nascem sabendo que terão de trabalhar até a aposentadoria e que, mesmo na apo- sentadoria, terão que pensar na esposa, nos filhos, nos netos. Martin ainda afirma que: “Quanto às mulheres que trabalham sem precisar, em sua maioria, elas também mantiveram os privilégios. A saber: desempenhar tarefas leves e em menor quantidade, o direito de abandonar o empregoquando bem entender, o direito de se aposentar mais cedo, e como cereja do bolo, o direito de afirmar hipocritamente que, ao contrário dos homens, o que lhes interessa no trabalho não é o dinheiro, mas as oportunidades de cresci- mento pessoal.”. Para encerrar de vez este tópico do trabalho, vou listar algumas per- guntas para que você possa pensar a respeito deste tema. Na aula ante- rior, eu recomendei a leitura de três livros do Chesterton para entender a condição das mulheres nas décadas de 1910 e 1920. Uma das obras era “O que há de errado com o mundo”. Se você a leu, está mais inteirado acerca do tema para responder as perguntas que vou fazer agora. 1) Homens e mulheres apresentam a mesma capacidade em relação a todos os tipos de trabalho? Homens e mulheres conseguem fazer tudo exatamente igual, com mesma força, velocidade e condição? Ou, ainda, isso depende da área? E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 7 2) De todas as relações humanas que você conhece, quem costuma sustentar quem? Os homens costumam sustentar as mulheres ou as mulheres costumam sustentar os homens? Ou, ainda, é mais ou menos a mesma coisa, é empatado? 3) Como fica a vida de trabalho da mulher quando lhe falta o homem e como fica a vida de trabalho do homem quando não tem uma mulher? 4) Sustentar os outros é um privilégio ou uma desvantagem? 5) Quando há um casamento, quem costuma desembolsar o din- heiro? Seja para festa, seja para lua de mel. 6) Quem costuma pagar depois do divórcio? 7) Quem costuma sustentar familiares do cônjuge, como sogra, sogra, cunhados e filhos? 8) Quem contribui mais para o orçamento familiar? 9) Quem gasta mais do orçamento familiar? 10) Quem recebe mais pensões? 11) Quem recebe mais assistência social e benefícios do governo no nosso país? 12) Seja na rua como mendigo, seja como vítima de violência, seja como pai/mãe solteiro (a), quem desperta mais solidariedade das pessoas? 13) Para quem estão voltadas as prioridades dos programas do Estado? Estamos em uma época de pandemia. Reflita: para quem está vol- tada a maior parte dos benefícios econômicos da assistência social? Mesmo se tratando de políticas públicas implementadas por Bolsonaro, um presi- dente considerado de direita, machista, homofóbico. Se pensar sobre isso e ler o livro do Chesterton, você saberá as res- postas sobre quais as vantagens e desvantagens de ser homem ou mulher no mundo do trabalho. E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 8 3. OS PRIMÓRDIOS DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA Estar inserido no mundo do trabalho é uma das formas de participar da vida pública, mas existe uma segunda: a participação política. Sendo a primeira característica da primeira onda do movimento feminista a inserção no mundo do trabalho, a segunda, é a luta pelo sufrágio. Na verdade, estamos compreendendo juntos que a ideia de que o movimento feminista, no começo, era liderado por mulheres cristãs que defendiam a família e a vida e só queriam direitos civis é um grande mito. Para o senso comum, a primeira onda se concentra no direito de trabalhar e no direito de votar, mas não é bem assim. De qualquer forma, é importante entender como se deu essa construção tanto no mundo do trabalho quanto no mundo político. 3.1. O MOVIMENTO ABOLICIONISTA Para tornar a compressão da primeira e da segunda ondas do mov- imento feminista mais didática, vamos usar como ano de referência 1848. Podemos sinalizar que o movimento sufragista surgiu nesse ano, nos Estados Unidos. Em 1848, ocorreu a Primeira Convenção de Mulheres em Seneca Falls. Essas pioneiras na participação política estavam muito ligadas aos movimentos abolicionistas. Era uma questão bastante desumana permitir que os negros contin- uassem a ser explorados e escravizados e as mulheres, bem como homens de todos os espectros políticos, até mesmo conservadores, perceberam essas injustiças e começaram a combatê-las. Assim, surgiram movimentos abolicionistas em todos os países em que havia algum tipo de sociedade escravocrata ou que usava a escravidão. Algumas mulheres simpatizaram com essas causas e se introduziram em reuniões e eventos abolicionistas, sendo esta uma das primeiras formas com que as mulheres se inseriram na política. E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 9 Em seu livro “Política Sexual”, em que faz um resumo do ponto de vista feminista e da trajetória do movimento, Kate Millett, que é uma escri- tora de segunda onda, nos diz que as feministas aprenderam boa parte do que sabiam sobre luta política envolvidas nesses movimentos sufragistas. É importante pontuar alguns aspectos acerca do início do movi- mento. Por vezes, temos a impressão de que era um movimento, de certa forma, religioso, pois aconteceu em igrejas e contava com a adesão de mul- heres cristãs. Entretanto, é preciso considerar que, nessa época, no final do século XIX e início do século XX, a maior parte das pessoas se declarava cristã. Até hoje, a maior parte das pessoas se diz cristã, apesar de serem péssimos cristãos, de serem incoerentes e de, às vezes, se declararem feministas e cristãos. É fundamental ter em mente que as pessoas realmente se iden- tificavam ainda mais com a confissão de fé cristã. Por isso, é evidente que quase todos os envolvidos em quase todas as causas eram cristãos, mesmo que o movimento anticlerical, antiDeus, anti-Igreja tenha começado na Revolução Francesa, que é o ápice do movimento iluminista ateísta. Enfim, as pessoas já tinham se assentado na sua fé religiosa, a ponto de desprezar a revolução de Marquês de Sade e William Godwin. Então sim, havia muitas mulheres envolvidas na luta pelo voto que eram cristãs, exatamente porque muitas pessoas eram cristãs. Embora muitas mulheres tivessem um grande apreço pela causa abolicionista, não podemos dizer que a recíproca era verdadeira. Muitos movi- mentos abolicionistas não deram espaço para as mulheres. Elizabeth Stanton, Lucretia Mott e Lucy Stone são algumas das principais personagens na luta pelo sufrágio e já eram consideradas delegadas das causas das mulheres. Apesar disso, as duas primeiras foram paradas em um evento abolicionista. Em 1840, se não me engano, na Inglaterra, elas foram para uma reunião do movimento abolicionista, em que queriam falar inclusive sobre a luta das mul- heres. Todos concordavam que os homens negros deveriam votar e ser livres, mas nem todos concordavam que as mulheres também deveriam votar. E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 10 3.2. A CONFERÊNCIA DE SENECA FALLS Nessa época, o movimento das mulheres era pequeníssimo. Hoje, vemos aquelas fotos em preto e branco de uma ou outra marcha e as femi- nistas tentam construir a impressão de que havia uma enorme mobilização social, como se as mulheres estivessem muitíssimo preocupadas com a questão do voto. Isso não é verdade. Ao serem vetadas do evento, Elizabeth Stanton e Lucretia Mott se sen- tiram muito discriminadas e resolveram abandonar a luta dos abolicionistas para se preocupar mais com as mulheres, afinal, muitas pessoas estavam preocupadas com a questão dos negros, mas poucas com a questão das mulheres. Foi por isso que, em 1848, em Seneca Falls, realizaram a Primeira Conferência de Mulheres para discutir seus direitos civis, que reuniu cerca de trezentas pessoas. O mais impressionante é que essas mulheres não foram recebidas nem nos movimentos abolicionistas, nem nos partidos políticos. Quem as recebeu, cedendo um espaço para debaterem acerca de suas pautas, foi uma igreja wesleyana dos Estados Unidos. Ou seja, uma Igreja protestante. De uma certa forma, um pouco da culpa do movimento feminista ter crescido tanto nos Estados Unidos é dos protestantes, os quais ajudaram que os eventos dessas mulheres acontecessem. A princípio, essas mulheres vendiamuma imagem de serem cristãs. Quando procuraram o reverendo da Igreja, Elizabeth Stanton e a Lucretia Mott utilizaram argumentos cristãos para convencê-lo de que aquele era um evento decente e justo. Isso realmente sensibilizou o referendo da Igreja, que autorizou a conferência. O argumento primário usado foi de que Deus nos fez todos iguais. Portanto, se somos todos iguais, brancos e negros, homens e mulheres, devemos todos ter os mesmos direitos. Elizabeth Stanton e a Lucretia Mott também se basearam na Declaração dos Direitos do Homem e na Constituição que havia se desenvolvido na formação dos Estados Unidos. E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 11 Essas motivações de fato parecem cristãs. Por isso, vemos em muitos lugares, até mesmo no livro “O outro lado do feminismo”, escrito por Phyllis Schlafly e Suzanne Venker, duas ativistas conservadoras americanas, que o movimento feminista no começo não era ruim, era cristão e tinha ligação com direitos justos e legítimos, vindo a descarrilar-se depois. Eu quero que vocês prestem atenção nesses fenômenos dos pri- meiros passos do movimento feminista nos Estados Unidos. Ninguém queria receber essas mulheres. Os religiosos foram os mais condescen- dentes e compreensivos com suas pautas. E isso aconteceu em diversas situações. Na página 85 do meu livro, lemos o seguinte: “As mulheres puderam contar com o apoio das comunidades reli- giosas, conscientes de que, apresentando sua causa como digna diante de Deus, a exibiriam digna também diante dos homens. Aquelas mulheres realmente pareciam membros comuns de uma Igreja tradicional, pareciam buscar algo justo diante de Deus. Elas mesmas evocaram essa autoridade [...]” Em outros termos, essas mulheres evocaram a autoridade divina de serem filhas de Deus. “[...] e se hoje os movimentos feministas se ouriçam em achincalhar o cristianismo, certamente não o faziam quando viam nele o único terreno possível para as suas queixas.”. Em 1850, as principais pessoas interessadas em ajudar as mulheres nessas causas, que pareciam justas, eram os religiosos. Os abolicionistas não estavam interessados nelas e os revolucionários estavam interessados somente na revolução sexual. Na mesma página 85, cito o argumento reli- gioso usado por essas mulheres da Conferência de Seneca Falls de 1848: “Consideramos estas verdades como evidentes: que todos os homens e mulheres são criados iguais, que são dotados por seu Criador de certos direitos inalienáveis, que entre esses estão a vida, a liberdade e a busca pela felicidade.” E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 12 3.3. O MOVIMENTO PELA TEMPERANÇA Há outras razões para interpretarmos que esse movimento inaugural de mulheres da primeira onda apresentava uma forte ligação cristã. Além dos Estados Unidos, outros países também contavam com organizações ligadas às Igrejas protestantes mais radicais, como os quakers e os calvini- stas, que também tinham algumas movimentações de mulheres. Em 1846, na Inglaterra especificamente, surgiu um Movimento pela Temperança, que era basicamente masculino. Sublinho que os homens eram pioneiros de todas as pautas que discutimos de movimento feminista até aqui, em todas as aulas. Primeiro, os homens fizeram uma revolução pela República e conseguiram o direito de votar, depois, as mulheres. Na causa do fim do casamento, do fim da monogamia, do fim da Igreja, os homens também foram pioneiros. Da mesma forma, os homens foram pioneiros no Movimento pela Temperança e, somente depois, as mulheres passaram a utilizá-lo. Temperança quer dizer que você é moderado, que você sabe tem- perar as coisas, ou seja, que você as utiliza na quantidade correta. Esse mov- imento cristão inglês pretendia que os homens buscassem essa virtude da temperança, que é uma virtude cristã. Mas buscar a temperança de que forma? O foco principal desse grupo era combater o alcoolismo ou o excesso do consumo de bebidas alcoólicas. Esses homens tinham uma atividade política-religiosa bem forte contra o consumo de bebidas alcoólicas. Passado um tempo, o Movimento pela Temperança acolhe mulheres e vai se repaginando. Em 1873, acontece a Cruzada das Mulheres, uma das primeiras grandes manifestações públicas de mulheres, que pretendia con- vencer que era moralmente errado os homens viveram bêbados por isso. Esta foi uma ação pública muito engraçado, porque as mulheres fizeram piquetes de oração. É bem diferente do que vemos hoje, quando mulheres saem às ruas vilipendiando símbolos cristãos. Depois dessa cruzada, as E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 13 mulheres criam a WCTU, a União das Mulheres de Temperança Cristã ou, em uma tradução alternativa, a União das Mulheres Cristãs pela Temper- ança. Trata-se de uma repaginação do Movimento pela Temperança que os homens haviam criado em 1846. A partir de 1874, a WCT foi liderada por Frances Willard. Embora estivesse inserida em um mov- imento aparentemente cristão, Frances era trabalhista e tinha uma ótima relação com os socialistas fabianos. Isto é algo que vimos desde a primeira aula e que sempre se repete. Quando investigamos quem são as principais person- agens por trás desses movimentos, encontramos uma ligação com socialistas ou marxistas. Quais eram as principais pautas desse movimento inglês de mulheres cristãs lideradas por uma socialista fabiana? Essas mulheres afir- mavam que o consumo de bebida alcoólica eram muito prejudicial em vários aspectos. Além de ser imoral e de ferir as regras religiosas, o consumo de bebidas alcoólicas fazia com que os homens se tornassem mais luxuriosos, mais adúlteros, que chegassem mais tarde em casa e que dissipassem o dinheiro da família. As mudanças provocadas pela Revolução Industrial eram recentes e as famílias ainda estavam se adaptando com o trabalho assalariado. Portanto, era importante ser mod- erado nos gastos e fazer uma reserva de dinheiro. Esses interesses são comuns às mulheres de hoje. Uma mãe tradicional também os tem. Assim, são sentimentos e intuições quase que femininas, que ali foram elaboradas em um programa. O combate ao consumo de bebidas alcoólicas uniu as mulheres em uma causa política que chamaram de Mulheres Cristãs pela Temperança. Frances Willard, Educadora (1839 - 1898) E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 14 Com passar do tempo, esse também acabou se tornando um movimento pacifista, que era contra a entrada dos países nas guerras. Do mesmo modo, começou a pleitear o sufrágio feminino, ou seja, o direito das mulheres de votar, tudo isso embasado em um discurso de home protection, de defesa do lar. Neste caso, o mais importante é o lar, é a família. Os argumentos dessa primeira onda realmente eram diferentes daqueles apresentados por Alexandra Kollontai. Alexandra Kollontai queria que as mulheres fossem trabalhar a fim de acabar com a família. Kollontai era a única pessoa que estava sendo sincera e expondo o que verdadei- ramente pensava. Outros movimentos que reuniam mulheres na política declaravam não almejar a destruição da família. Contudo, todas essas sufragistas, Frances, Elizabeth, Lucy, no final das contas, desviaram-se desses propósitos e foram se inclinando para pautas antifamília. 3.4. O CAPITALISMO É QUEM MANDA Com o Movimento pela Temperança, as mulheres começaram a simbolizar uma ameaça para as indústrias de bebidas alcoólicas. Por isso, ao mesmo tempo em que surgem movimentos pelo sufrágio feminino, também surgem outros que se opõe à concessão do direito ao voto para as mulheres. Essa oposição não estava calcada na ideia de que as mul- heres eram indignas para votar ou de que não eram merecedoras, mas no patrocínio das indústrias de bebidas alcoólicas que avaliaram como perigosa para sua receita a possibilidade do crescimentodo Movimento pela Temperança e do voto feminino. As indústrias entenderam que se o movimento de mulheres cristãs pela temperança crescesse e as mulheres pudessem votar, provavelmente, os homens iriam consumir menos bebida alcoólica. Portanto, por um interesse meramente capitalista, não convinha que isto acontecesse. Contudo, todos esses esforços foram em vão. Em 1911, a Lei Seca foi E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 15 aprovada nos Estados Unidos. Durante quase duas décadas, o consumo de bebida alcoólica caiu muito. Neste mesmo ano, surgem os primeiros grupos para combater o sufrágio feminino. Sete anos depois, em 1918, a Primeira Guerra Mundial já estava em curso. Esse contexto demandava patriotismo, economia, temperança, coragem. A proibição do consumo de bebidas alcoólicas era útil, porque o cenário em que o mundo se encontrava pedia responsabilidade, não farra e festa. As pessoas começaram a nutrir um sentimento patriota relacionado ao Movimento pela Temperança das mulheres porque viam as fábricas de cerveja alemãs como inimigas. Menciono isso para que vocês percebam como elementos que não são costumeiramente citados por feministas con- tribuem para essas causas políticas. A inserção das mulheres no mercado de trabalho e o direito ao voto feminino não estão relacionados exclusiva- mente com um movimento feminista organizado. Há fenômenos históricos de crise, de guerra, de variados episódios acontecendo ao mesmo tempo, que conduzem a humanidade para certos caminhos. Durante a vigência da Lei Seca, o consumo de bebidas alcoólicas foi desincentivado. De uma certa forma, as pessoas se tornaram mais responsáveis. Foi justamente nesse período, de 1911 até as duas próximas décadas, que as mulheres mais obtiveram direitos. Seria possível fazer uma pesquisa psicológica para analisar se existe uma relação entre o fato de os homens consumirem menos bebidas alcoólicas e as mulheres terem conse- guido vários direitos nas décadas de 1910, 1920 e sucessivamente. O ponto é que, nessa questão, assim como em todas as demais, não se trata de um movimento feminista obtendo conquistas como protagonista máximo da história. Assim como, em 1911, as indústrias de cerveja ficaram muito preocu- padas com o avanço da democracia, com a concessão do direito ao voto para as mulheres, porque as bebidas alcoólicas poderiam ser deixadas de lado, da mesma forma, em 1929, a indústria do tabaco começou a incentivar E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 16 o consumo deste pelas mulheres. Em ambos os casos, trata-se de um inter- esse econômico. Nas décadas de 1920 e 1930, o consumo de tabaco estava declinando. Como os homens estavam consumindo menos, por interesses capitalistas, teve início uma campanha para que as mulheres passassem a fumar. Contei essa história em uma das aulas, quando abordamos a importância da propaganda para mobilizar as massas. Estamos falando de interesses capitalistas, de interesses industriais, de interesses marxistas, que são muito maiores do que um pequeno grupo de mulheres fazendo uma passeata em prol de A ou B. A página 380 do meu livro aborda exatamente esse episódio da pro- paganda tabagista. “No dia 1º de abril, o New York Times publicou uma reportagem intit- ulada ‘Grupo de meninas tragam cigarros como gesto de liberdade’.” Essa notícia era uma referência à marcha Tochas da Liberdade, pro- movida no dia 31 de março de 1929, na páscoa. Essa marcha dava a impressão de que as mulheres estavam quebrando um tabu, porque, na época, dizia-se que as mulheres que fumavam eram prostitutas ou indecentes. A marcha das Tochas pela Liberdade, no meio da pácoa, parecia um grande avanço feminista. Entretanto, na verdade, esse evento foi patrocinado pelo propa- gandista da indústria de tabaco. Com a queda do consumo por parte dos homens, a indústria do tabaco resolveu vendê-lo também para as mulheres. Ninguém estava preocupado com a liberdade das mulheres, mas sim com a venda de cigarros. Igualmente, no movimento antissufrágio de 1911, ninguém estava preocupado com o direito da mulher de votar ou não, mas sim com impedir que fosse aprovada uma Lei Seca. Em todos os avanços e retrocessos, pre- cisamos analisar vários fatores. Quando uma feminista afirma que as só podem votar e trabalhar graças ao movimento feminista, está mentindo. Em que época da história ou em que tipo de fenômeno histórico apenas uma agente conquistou alguma coisa? Isso não existe. Mesmo em revoluções, E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 17 como a Revolução Russa, a Revolução Americana, são vários agentes, con- textos e situações interferindo sobre um mesmo aspecto, sobre um mesmo fenômeno. Esses dois movimentos aparentemente cristãos, o Movimento pela Temperança e a Conferência de Mulheres, provavelmente abarcavam mul- heres genuinamente cristãs que estavam em busca de bons objetivos. No entanto, de forma geral, podemos dizer que os protestantismos europeu e americano caíram em uma cilada, porque a proposta apenas parecia decente, mas não era. 3.5. O QUE AS MULHERES QUEREM? Em 1848, Elizabeth Stanton e Susan Anthony foram coautoras de um documento que foi apresentado na Igreja wesleyana, em que todas as mul- heres estavam reunidas. Neste documento, lido dentro de uma igreja, em frente a um referendo e à comunidade cristã, estava escrito que: “O homem permite à mulher, na Igreja, assim como na sociedade, uma posição subordinada, afirmando autoridade apostólica para sua exclusão do Ministério numa aplicação pervertida das Escrituras.” No primeiro evento permitido pela igreja para que as mulheres pudessem debater sobre seus supostos direitos civis, Elizabeth Stanton e Susan Anthony apresentaram um documento contestando a ordem eclesiástica. Na Igreja Católica, seria praticamente impossível isso acon- tecer. Primeiro, porque as mulheres não fariam esse evento dentro da Igreja. Segundo, porque não conseguiriam chegar nesse ponto. Dentro da Igreja protestante, as mulheres estavam ocupando o espaço da própria Igreja para contestar a ordem eclesiástica, para afrontá-la. Um dos princípios cristãos que conhecemos de longa data, desde a epóca de Jesus, é que o sacerdócio, dentro da Igreja, é uma atividade exclu- sivamente masculina. Só há padres, bispos, cardeais e papas homens, não E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 18 há mulheres ocupando esses cargos. Percebam como essas duas femini- stas, Elizabeth Stanton e Susan Anthony, que se declaravam cristãs, estão dentro da própria Igreja afrontando-a, apesar de ser o primeiro evento que as recebeu para debater os direitos femininos. Outra informação fundamental sobre a conferência é que Elizabeth Stanton e Susan Anthony circularam uma lista com doze reivindicações para sempre aprovadas pelos presentes. Destas, uma única reivindicação não foi aprovada: o direito ao voto das mulheres. Também constavam na lista o direito à herança e o direito à propriedade, mesmo depois de a mulher estar casada. As mulheres e os homens presentes concordaram com absoluta- mente todas as demais onze resoluções. Percebam: as próprias mulheres presentes votaram contra o direito ao voto. As mulheres foram consultadas e não gostaram dessa pauta. Friso: as mulheres foram contra incluir o sufrágio feminino. Essa negativa foi ignorada por Elizabeth Stanton e Susan Anthony, que continuaram a lutar pelo sufrágio. Além disso, desde o início, incutiram em todas as suas pautas agendas anticlericais, que atacavam a ordem e os costumes da Igreja ou até mesmo dos membros da Igreja. 3.6. QUEM LIDERA O MOVIMENTO? É verdade que, dentre aquelas trezentas pessoas presentes à primeira Convenção, pudesse haver cristãos genuínos. Isso é muito provável. Entre- tanto, o caso específicoda Elizabeth Stanton, uma das primeiras protago- nistas na luta pelo direito ao voto feminino nos Estados Unidos, demonstra que, enquanto líder, era anticlerical e anticasamento, algo que nós veremos se repetir em todas as líderes do movimento feminista, até mesmo aquelas ditas cristãs. Na página 52 do livro “Feminilidade Radical”, de Carolyn McCulley, que trata desse movimento das mulheres, consta que: E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 19 “Misturado àquelas reformas sociais necessárias [o direito à proprie- dade, a mulher poder receber herança mesmo depois de casada] estava um desafio para o cristianismo: o governo da Igreja, o ensinamento bíblico e o culto público.” Em outras palavras, nesta primeira convenção, Elizabeth estava afrontando o governo da Igreja, o ensinamento bíblico e o culto público. “O desafio à Igreja que foi levantado nesse documento levou, por fim, à destruição de conceitos biblicamente definidos de Deus, pecado, dif- erenças de sexo, diferenças de gênero, matrimônio e outros”. Carolyn é uma ex-feminista que também começou a estudar a história do movimento desde a primeira onda. Em seu livro, ela denuncia exatamente o que estamos propondo neste curso: que o movimento femi- nista sempre foi anti-Igreja, antifamília e antimatrimônio. Nas páginas 86 e 87 do meu livro, também há uma curta referência sobre isso: “Por declarações como essas, não se pode dizer que a primeira onda foi um movimento cristão, embora tenha surgido por conivência e descuido de muitos bispos e igrejas protestantes. A insistência feminista em renegar o cristianismo e o casamento, culpando-os pelas frustrações pessoais de cada militante, é marca do movimento desde a sua origem.” Há mais uma citação que gostaria de compartilhar, porque esclarece como Elizabeth Stanton, líder desse movimento sufragista dos Estados Unidos, era na verdade uma anticristã. Em 1898, Elizabeth chegou a publicar a primeira Bíblia Feminista. Só por isso, já demonstrou sua falta de respeito pelo cristianismo, porque se trata de uma alteração da Bíblia. Evidente- mente, o respeito pelo fé que dizia representar naquele dia, não existia. Na página 87 do meu livro, sobre Stanton, está escrito: “Começou com a reforma do casamento e do sufrágio e, então, migrou para a religião. Stanton desenvolveu suas crenças ateístas quando ainda jovem. Ela escreveu: ‘Vejo como piores crimes do mundo obscurecer a E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 20 mente dos jovens com superstições tenebrosas e com temores do descon- hecido e daquilo que não pode ser conhecido’.” O que são as superstições tenebrosas? O Inferno, o Céu, o pecado, a vida eterna. Stanton era uma mulher que desprezava o cristianismo. Por isso, quando afirmam que o primeiro movimento sufragista e a primeira onda do movimento feminista eram compostas por mulheres cristãs em defesa da família, estão incorrendo em erro ou mentindo. Poderíamos ficar somente no caso da Elizabeth Stanton, mas já citamos também o caso da Frances, líder do Movimento pela Temperança que era ligada aos socialistas fabianos. Em 1898, quando escreveu a Bíblia Feminista, Stanton não estava mais preocupada em fingir que respeitava o cristianismo. Ela já tinha assu- mido suas características ateístas. Resumidamente, podemos dizer que os protestantes ligados ao movimento sufragista acabaram sendo usados ou, de certa forma, enga- nados. 4. MITOS DESFEITOS Há duas informações fundamentais acerca do movimento sufragista que eu quero que você leve desta aula. São duas verdades que desmisti- ficam muitas mentiras a respeito da luta pelo sufrágio que são ditas pelas feministas. 4.1. As Antissufragistas A primeira, é que existia um enorme movimento de mulheres contra o voto. Quando contam a luta pelo direito ao voto, as feministas dão a impressão de que se tratava de um movimento gigantesco que gozava do apoio de todas as mulheres, como se todas concordassem que estavam sendo injustamente impedidas de votar. Na realidade, havia um número E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 21 enorme de mulheres que eram conscientemente contra o voto, a ponto de se organizaram em partidos políticos para lutar por essa posição. Se isto lhe parece inverossímil, quero que você pense nas mulheres que você conhece. Quantas dessas mulheres possuem engajamento político e se preocupam com o tema? Caso tenha ficado na dúvida, você pode conversar com elas e perguntar por que elas acham importante votar, o que o voto significa para elas. Mesmo já desfrutando do direito ao voto, há uma quantidade incrível de mulheres que nunca pensou a respeito disso. Até mesmo hoje as mulheres apresentam uma resistência muito grande com a participação política, tanto que, no Brasil, existe uma lei que obriga os partidos políticos a receberem 30% de mulheres como candidatas e todos os partidos têm dificuldade em preencher essa cota. Os partidos políticos são forçadas a ir em busca e implorar para que mulheres sejam candidatas, porque estas não querem. O número de mulheres interessadas em política é infinitamente inferior comparado ao dos homens. Algumas pesquisas demonstram isso de uma forma mais sutil. Por exemplo: a maior parte dos usuários do Youtube é masculino. É claro que há vídeos sobre muitos temas diferentes no Youtube, mas é uma plataforma que disponibiliza conteúdos relacionais à política, a notícias, à história com muito mais amplitude do que o instagram. As publicações do Instagram estão mais vinculados à aparência e à beleza e, nesta plataforma, a maior parte dos usuários é mulher. São pequenos detalhes, sutilezas de pesquisas de todos os lados, que demonstram que as mulheres, embora não queiram abrir mão do direito ao voto, uma vez que já o têm, sequer pensam a esse respeito. Se hoje, em 2020, poucas mulheres pensam a esse respeito e levam isso a sério, imagem em 1850 ou em 1910. Mais: se você pensar em quantas mulheres morreriam pelo direito ao voto, quantas iriam para guerra por ele, veria essa quanti- dade diminuir ainda mais. É exatamente assim, indo para guerra, lutando, disputando, que se conquista o direito ao voto. Essa é a primeira informação E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 22 que eu quero que você guarde. 4.2. Concessão Sim, Conquista, Não A segunda informação de vital importância é que a obtenção do sufrágio feminino foi mais uma concessão do que uma conquista. O sufrágio feminino foi um episódio em que um grupo de pessoas concedeu a outro um direito, uma possibilidade. Mais do que uma conquista, foi uma concessão. Iremos explorar essas duas informações aos poucos. Existia um número enorme de mulheres contra o sufrágio. Grande parte das mulheres não estava interessada nisso. A própria Susan Anthony, uma das sufragistas mais importantes, responsável por organizar o evento de mulheres em busca do voto, escreveu que: “Na indiferença, na inércia e na apatia das mulheres encontra-se o maior obstáculo para sua emancipação”. Anthony não está dizendo que o maior obstáculo para emancipação das mulheres é o machismo, o patriarcado, a Igreja. Para Susan Anthony, o maior impedimento para o progresso do alcance do sufrágio feminino é justamente a indiferença, a inércia e o desinteresse das mulheres. Além de uma parcela considerável das mulheres simplesmente estar desinter- essada, havia outro grupo que se interessava pelo assunto, mas para lutar contra o direito ao voto. A escritora Grace Duffield Goodwin escreveu um livro chamado “Antissufrágio: dez boas razões” (Anti-suffrage ten good reasons). A obra faz um resgate histórico de quem eram as principais líderes do movimento Susan Anthony, Escritora (1920 - 1906) E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 23 antissufragista. Pelaprimeira vez, apresentou-se ao mundo uma obra que não debochou das antissufragistas, mas que abordou seriamente o tra- balho destas. Na página 91 do meu livro, eu falo um pouco sobre isso: “Em 1912, nesta publicação antissufrágio, nós vemos que as mul- heres estavam isentas da responsabilidade política e legal, como servir ao Exército ou se sentar em júris. Muitas responsabilidades pesadas como prover para a família, pagar dívidas e ir para a cadeia por crimes menores são poupadas do sexo feminino. Se uma esposa se envolve em negócios ilegais, a lei responsabiliza o marido, e não ela”. Essas são apenas algumas das razões, citadas por Grace em seu livro, pelas quais as mulheres da época se negavam a aderir ao movimento sufragista. Inclusive, na Inglaterra, existia um partido político antissufrágio. Na página 89 do meu livro, lê-se: “As antissufragistas defendiam principalmente que as mulheres trabalhassem e ajudassem com a filantropia e voluntarismo, mas que não assumissem cargos de poder público e liderança. As mulheres antissu- fragistas compunham uma liga com mais de 42 mil membros e eram tão numerosas quanto as mulheres favoráveis ao voto, chegando a ser maioria em algumas localidades.” Isso significa que existia sim um movimento organizado antissu- frágio, que não estava baseado na ignorância das mulheres. Essas mulheres não eram contra o voto porque eram ignorantes ou por não terem estudado nada a respeito. Elas tinham argumentos para serem antissufragistas. Elas não queriam ser inseridas na vida pública. Essas duas características, o desinteresse da maior parte das mul- heres o interesse de uma pequena parcela de mulheres em ser contra o sufrágio, eram duas forças muito grandes operando contra o movimento sufragista. Não se trata de machismo e não pode ser assim considerado. As mulheres simplesmente não estavam interessadas. Ambas as informações são negligenciadas pelo movimento feminista quando tratam da luta pelo E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 24 sufrágio feminino. 4.3. Quem Teve de Morrer? Agora, podemos nos focar no segundo ponto, de que não houve luta ou conquista do direito ao voto, mas sim uma concessão. No que se baseia essa perspectiva? Havia vários nichos da população que não tinham direito ao voto. Desde o surgimento da democracia, desde a Roma Antiga, apenas alguns grupos usufruíam do direito ao voto. Este não era compartilhado por todos. Em alguns casos, para votar, era preciso ter nascido na cidade ou ser filho de alguém nela nascido. Também havia critérios de exclusão baseados na renda ou na cor das pessoas. Portanto, esses homens não nasceram com o direito ao voto, tiveram que conquistá-lo. Para tanto, lutaram contra a monarquia absolutista. Eles tiveram que fazer revoluções, como a Revolução Americana e a Revolução Francesa. Em quase todos os países, os homens pegaram armas, facões, machados, o que tinha disponível, e foram lutar para conquistar o direito ao voto. Ou seja, para eles, o direito de votar valia a vida deles. Esses homens levavam isso tão a sério que estavam dispostos a morrer por isso, assim como estavam dispostos a morrer por suas mulheres, por sua família, por sua pátria. Em muitos casos, como a Primeira Guerra Mundial, por exemplo, homens que foram para a guerra para defender a Inglaterra não tinham o direito de votar. Veja quantas injustiças eram cometidas contra os homens. Homens que arriscavam sua vida pela pátria nos campos de batalha, quando sobreviviam à guerra e voltavam para o seu país, não tinham o direito de votar. Os homens não tinham esse acesso universal ao voto. Para conse- gui-lo, tiveram de lutar. Também é racional, esperado e lógico o fato de que, na maior parte dos países, o direito ao voto estava associado ao dever de defender e de servir à pátria. Para ser um cidadão pleno, você possui direitos e deveres. No E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 25 caso do voto especificamente, o que este significa? Quando você se casa e faz um voto, por exemplo, o que isso significa? Significa que, a partir daquele momento até a morte, você está devotando a sua vida inteira para aquela outra pessoa com quem você está se comprometendo. Quando você vota, você está se comprometendo com a pátria e a pátria, em contrapartida, está se comprometendo com você. Quando você vota em um presidente, está declarando que morreria por ele, pois ele pode decretar Estado de Guerra contra um país vizinho. Existe uma responsabilidade muito grande ligada ao voto. O voto é um direito atrelado a um dever. Em todos os países, os homens que tinham o direito de votar tinham igualmente o dever de servir ao Exército. E, em boa parte dos países, muitos homens que serviam ao Exército, que tinham este dever, não tinham o direito de votar. Consta no portal da Suprema Corte dos Estados Unidos: “O serviço militar obrigatório é compatível com um governo livre e com as garantias constitucionais.” Ou seja, um Estado livre, um país livre como os Estados Unidos pode normalmente exigir o serviço obrigatório. “Na verdade, não se pode duvidar de que a própria concepção de um governo justo e seu dever para com o cidadão inclui o dever do cidadão de prestar serviço militar em caso de necessidade e o direito do governo de obrigá-lo.” Se você confia no seu país, na sua pátria e quer viver num país justo, é esperado e justo que o país exija de você que sirva ao Exército. Em contra- partida, você vai receber a segurança de que, se houver uma guerra, todas as pessoas do país irão lutar nela junto com você. Existe uma contrapartida do voto. O voto não é um presente, o voto não é fetiche. No livro “O que há de errado com o mundo”, Chesterton inclusive diz: “Eu não sou nem tão contra o voto assim, eu só estou questionando se as mulheres que estão lutando pelo voto sabem o que significa um voto.”. E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 26 Você mulher que está assistindo a esta aula: você já parou para pensar o que significa um voto? O que é um voto para você? Qual é a importância do voto? A maior parte das mulheres não pensava sobre isso. Essa era uma das razões, de acordo com Elizabeth Stanton, para a luta sufragista não ter tanta adesão e ainda ter pessoas lutando contra o direito ao voto feminino. Ainda mais porque, parecia muito injusto em um país como a Ingla- terra, em que homens enviados para a guerra não tinham direito ao voto, que as mulheres tivessem esse direito. As pessoas entendiam que o direito ao voto estivesse atrelado ao dever de lutar. Os homens lutaram antes de conquistar o voto. O que se exigia das mulheres não era nem isso, era que pelo menos passassem a ter de lutar depois. Entendia-se que, se ganhassem o direito ao voto, as mulheres depois teriam de ir para a guerra. E é muito óbvio que as mulheres não quisessem servir ao Exército. Para elas, não era uma troca justa, não era bom. Não valia a pena ter de servir ao Exército para votar. Essa era a resposta de muitas mulheres. Inclusive, quando tra- mitou nos Estados Unidos uma proposta de emenda dos direitos iguais, a Phyllis Schlafly foi uma das grandes ativistas contra esta, pois as mul- heres não queriam o direito igual de servir ao Exército. Existem inúmeras participações de mulheres contra a igualdade, porque não consideravam que fosse vantajoso para elas. Esse sentimento era partilhado por muitas mulheres na Inglaterra e nos Estados Unidos. 4.4. A Visão de um Conservador Para isso ficar mais claro, quero compartilhar com vocês um trecho do livro “O que há de errado com o mundo”, de Chesterton, que viveu esse momento histórico e escreveu suas obras em torno de 1910. Chesterton era antissufrágio feminino naquele contexto. Ele explica que não era por ser especificamente contra as mulheres votarem, pois não havia maldadenenhuma nisso. Ele estabelece uma comparação dizendo que, para ele, também não havia maldade nenhuma no socialismo, no desejo de as pes- E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 27 soas dividirem os bens, compartilhando tudo. Assim, também não parecia ruim que as mulheres trabalhassem. Para Chesterton, o problema não é o que se propõe, mas o que está por trás do que está sendo proposto. No caso do direito ao voto, o argumento dele é até um pouco engraçado. Ches- terton se declarou contra a luta das mulheres pelo sufrágio justamente por não existir luta. De uma forma mais ácida, ele está dizendo o mesmo que a Susan Anthony, que era uma sufragista. Susan afirmou que o maior prob- lema era a indiferença das mulheres. Chesterton diz o mesmo, só que com muito mais força e firmeza. Na página 99, ele diz o seguinte: “A objeção às sufragistas não se deve a serem sufragistas militantes. Ao contrário, deve-se a não serem militantes o suficiente. Uma revolução é algo militar. Ela tem todas as virtudes militares, dentre as quais, a virtude de chegar ao fim.”. Todas as revoluções ou guerras apresentam uma finalidade. Para chegar a este objetivo, são travadas guerras, pessoas morrem, coisas ruins acontecem. Entretanto, todos os acontecimentos ruins só ocorrem porque as pessoas envolvidos, os lutadores, os guerreiros, os membros do Exército, entendem que a finalidade a que se propuseram vale a sua vida. Esses homens se esforçam até a morte por aquilo, mas, em algum momento, a guerra termina. Esse é o momento em que se alcança o objetivo. Chesterton está nos dizendo que as mulheres não têm esse sentimento militar de dar a vida pelo que estão pedindo. Essas mulheres estão pedindo o direito ao voto, mas, se tivessem que lutar por ele com armas, será que fariam isso? Provavelmente, não fariam e, se fizessem, perderiam, porque seria uma guerra de homens contra mulheres. “Dois grupos combatem com armas mortais, mas, sob certas regras de honradez arbitrária, o grupo que vence se apossa do governo e começa a governar.” E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 28 Foi o que aconteceu, por exemplo, na Revolução Americana. Foi por isso que os homens americanos conquistaram o direito ao voto. Eles lutaram até a morte. Eles passaram a governar a Nova Inglaterra, que era uma colônia inglesa, e essa Nova Inglaterra passou para a mão daqueles homens que ganharam a guerra. Por isso eles definiram as regras do jogo, afinal, eles conquistaram o território. “Ora, as sufragistas não podem empreender uma guerra civil nesse sentido militaresco e decisivo. Em primeiro lugar, porque são mulheres. Em segundo lugar, porque são pouquíssimas.” Novamente essa informação. São poucas mulheres sufragistas. “A guerra é algo pavoroso, mas comprova com agudeza e de maneira irrefutável duas coisas: os números e um valor não-natural. Na guerra, desco- brem-se duas questões urgentes: quantos rebeldes estão vivos e quantos estão dispostos a morrer.”. A questão aqui sobre o sufrágio é: quantas mulheres estão dispostas a morrer pelo direito ao voto? Mesmo as sufragistas esvaziariam as fileiras do movimento se fosse preciso morrer, porque o movimento sufragista, em tese, consistia apenas em pedir, fazer cartazes, passeatas, às vezes, fazer um piquete e, no máximo, quando havia um movimento como o da Emme- line Pankhurst, que era mais radical, colocar fogo num automóvel de um político e jogar pedras na casa de alguém. Esse foi o máximo à que o movi- mento sufragista chegou e Chesterton está nos dizendo que, numa guerra, não é isso que acontece. Para conquistar as coisas, você dá a sua vida se necessário. “Se, por exemplo, todas as mulheres resmungassem por um voto, elas conseguiriam em um mês”. Os homens estão tão inclinados a conceder coisas às mulheres que se vissem que todas queriam votar, iriam conceder isso. Mas, o argumento do Chesterton é que somente um número muito pequeno de mulheres quer votar e isso dificulta o argumento do movimento sufragista. E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 29 “Mas, novamente, há que lembrar que seria necessário fazer com que todas as mulheres resmungassem e isso nos leva ao termo da superfície política da questão. A objeção à filosofia das sufragistas é simplesmente a de que a maioria dominante das mulheres não concorda com elas.”. E a pergunta final do Chesterton: “As sufragistas estão praticamente dizendo que as mulheres podem votar sobre tudo, exceto sobre o sufrágio feminino”. Na Primeira Convenção de Mulheres, foi posto em votação o direito ao voto feminino e as mulheres responderam que não o queriam. Chesterton está nos dizendo que essas sufragistas que conhecia, da década de 1910, declaravam que as mulheres tinham o direito de votar sobre tudo, mas que, quando questionaram as mulheres se queriam votar e estas responderam que não, simplesmente as ignoraram. O principal argumento de Chesterton é que são poucas mulheres que pleiteiam o direito ao voto feminino e que mesmo as líderes do movimento sufragista não respeitam as mulheres, porque estas estão claramente dizendo que não querem obter esse direito. 5. UM DIREITO CONCEDIDO Apesar de todas essas discussões, em 1920, praticamente todos os estados dos Estados Unidos haviam aprovado o direito ao voto. Este foi con- quistado principalmente por políticos conservadores, que apresentaram emendas à Constituição para que as mulheres pudessem votar. As mulheres finalmente conseguiram o direito ao voto e puderam votar. Entretanto, como dizem Chesterton e até mesmo Simone de Beauvoir, nada disso se refere a uma conquista, mas sim a uma concessão. Os homens concederam esse direito às mulheres, pois estas não teriam condições militares, físicas e de organização de tomar o voto. As mulheres não teriam condição de tomar o voto à força. Obviamente, elas receberam uma concessão. Sempre que eu digo isso, as feministas ficam muito irritadas e me acusam de estar E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 30 deturpando as frases de Simone de Beauvoir. No livro “Segundo Sexo: Fatos e Mitos”, nas páginas 15 e 16, esta feminista de segunda onda afirmou que: “A ação das mulheres nunca passou de uma agitação simbólica [...]”. O que é uma agitação simbólica? O que são coisas simbólicas? Uma passeata, por exemplo, é algo simbólico. Uma manifestação, uma carreata, uma exposição de cartazes ou colocar os seios para fora, para reivindicar seja lá o que for, invadir o Vaticano, invadir uma igreja e sujar com tinta vermelha, todas essas são ações simbólicas. A Simone de Beauvoir está dizendo: “A ação das mulheres nunca passou de uma agitação simbólica, só ganharam o que os homens concordaram em lhes conceder. As mul- heres nada tomaram, elas receberam [...]”. Isso está no livro da Simone e é uma referência que cabe perfeitamente na questão do voto, pois as mulheres o receberam. Inclusive, é importante dizer que a Simone de Beauvoir é francesa. A França é um dos países mais esquerd- istas da Europa e foi um dos últimos a reconhecer o direito ao voto das mulheres. Inclusive, foi na França que se condenou à morte a primeira fem- inista sufragista, a Olympe de Gouges. Quem foi que mandou matar a primeira feminista sufragista no final do século XVIII? Robespierre, um ditador de esquerda. Simone de Beauvoir, Escritora (1908 - 1986) Olympe de Gouges, Dramaturga (1748 - 1793) E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 31 5.1. O Caso da Suíça Temos alguns casos emblemáticos que ajudam a perceber como essa questão do voto foi uma concessão e não uma conquista. É o caso da Suíça, que aprovou o direito ao voto feminino somente em 1971, ainda depois da França. A Suíça não é um país subdesenvolvido, de terceiromundo, é um país muito bonito, bom de morar, moderno, democrático. A Suíça é um país tão democrático que lá, se existe uma iminência de guerra, a chance de ir para guerra, é feito uma espécie de plebiscito, uma consulta popular em que os homens votam. Agora, eu quero que vocês pensem comigo: por que será que os homens da Suíça votam se o país deve ou não ir para guerra? Obviamente, porque quem vai para guerra são os homens que estão indo votar. Então, é algo muito justo e deveria funcionar da mesma forma em quase todos os países. Uma vez que é o homem que vai morrer, porque terá de ir para guerra, é justo que vote se o país deve ou não participar do conflito. A Suíça é um país bastante democrático. Os homens votavam sobre tudo, inclusive sobre a participação deles na guerra. Em inúmeros episódios, foram realizados plebiscitos sobre a inclusão da mulher como cidadã plena, com o direito de votar. Nesses plebiscitos, não houve consenso a favor das mulheres. Várias vezes se colocou em votação o direito ao voto feminino e as mulheres perderam. Em 1971, o direito ao voto feminino foi aprovado no país. Comente que quando existia uma iminência de guerra, os suíços tinham que decidir se iriam para guerra ou não. Agora, questione-se: quem deve votar esta questão, somente os homens ou as mulheres também?É justo que as mulheres votem se haverá guerra ou não sendo que não lutarão? Neste caso, teríamos que restringir determinadas votações aos Maximilien de Robespierre, Político francês (1758 - 1794) E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 32 homens e outra, às mulheres. É uma complicação democrática. Por que essa questão é difícil de resolver? Porque não é justo, porque se as mulheres estão votando, deveriam também servir ao Exército, para que nós estivéssemos falando de direitos iguais. Para falar de direitos iguais no tocante ao voto, deveríamos falar de direito e de dever. O que aconteceu no Brasil e na maior parte dos países não foi a conquista de um direito igual, mas sim a concessão de um privilégio, o qual consiste no direito de votar sem o dever de arcar com as consequências. Esther Vilar é o nome fictício de uma feminista, que usou para pub- licar seus livros. No seu livro que se chama “O Homem Domado”, que foi publicado em 1971, no mesmo ano em que foi aprovado o sufrágio, ela nos diz o seguinte: “Na Suíça, um dos países mais desen- volvidos do mundo, as mulheres não possuem um direito de voto geral [ela escreveu o livro um pouco antes da aprovação]. Há pouco tempo, em determinado cantão suíço, pediram às mulheres para votar sobre a introdução do direito ao voto e a maioria decidiu-se contra. Os homens suíços ficaram atônitos, pois julgavam que essa situação indigna era resultado da sua tutela centenária.” Até os homens ficaram pensando: gente, o que está acontecendo? Nós achávamos que a culpa das mulheres não votarem fosse nossa, porque, afinal, somos machistas e estamos impedindo as mulheres de votar. Pois, fizeram um plebiscito e as mulheres não quiseram votar. Eles ficaram sem entender nada. Esther Vilar, Escritora (1935 - ) E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 33 5.2. O Caso Brasileiro Para terminar, vamos falar do caso do Brasil. O caso do Brasil é ainda mais claro para explicar para nós como o voto foi uma concessão e não uma conquista. Aliás, não se poderia esperar que as mulheres brasileiras fossem para a guerra para conquistar o direito ao voto, porque nem os homens brasileiros fizeram isso. Como vocês devem ter estudado na escola, a República, a democratização do Brasil, foi um golpe militar orquestrado contra a monarquia, tudo no calar da noite, no canetaço. Não houve um confronto específico, uma guerra, como aconteceu, por exemplo, na Rev- olução Americana, em que houve dez anos de confronto com a coloniza- dora, Inglaterra, para conseguir o direito ao voto. Evidentemente que, se no Brasil, nem os homens conquistaram o direito ao voto guerreando, muito menos as mulheres fariam isso. Nós temos o exemplo de uma brasileira que deixa claro como o voto foi uma concessão. No Brasil, isso é indiscutível e diga-se mais: o voto aqui no Brasil foi reconhecido por um ditador fascista chamado Getúlio Vargas. Não é verdade o que a militância feminista fala, de que “as mulheres só podem votar e serem votadas graças ao movimento feminista”. Eu só posso votar e ser votada graças ao fascista Getúlio Vargas, no caso específico do Brasil. Vamos nos localizar sobre o porquê de podemos votar. Nós podemos votar porque Getúlio Vargas concedeu o direito ao voto. Getúlio Vargas não tinha nem medo dos homens brasileiros, muito menos teria de uma passeata com cartazes femininos. Nas páginas 94 e 95 do meu livro, comento o caso brasileiro, de 1927, que é o caso da Celina Guimarães. A Celina Guimarães é primeira mulher da América Latina a conseguir um título de eleitor. Aí você pensa: “Meu Deus, Getúlio Vargas, ex-Presidente do Brasil (1882 - 1954) E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 34 ela deveria ser uma superativista feminista. A Simone de Beauvoir do Brasil”. A Celina Guimarães nos conta que o marido dela era muito simpático à causa dos direitos das mulheres, então um dia saiu de casa, foi ao cartório e pegou um título de eleitor para sua mulher. Simples. Ele chegou em casa com o título de eleitor e assim Celina conquistou o direito ao voto. Depois que isso aconteceu, as fem- inistas começaram a procurar a Celina Guimarães, que era uma mulher comum. Queriam colocá-la em revistas, fazer entrevistas, queriam colocá-la para falar na rádio, enfim, queriam explorar a imagem dela, como se fosse uma grande militante da luta sufragista, coisa que não era. Só para você ter uma ideia, aqui no Brasil, quem liderava o movimento do sufrágio era Bertha Lutz, que nasceu em 1894. Bertha Lutz, a grande líder do movimento feminista, só conheceu a Celina Guimarães depois que esta já tinha o título de eleitor. Como a Celina conseguiu um título de eleitor? O marido dela foi lá e pediu um título de eleitor para ela no cartório, algo muito simples. E como foi assiduamente procurada para dar entrevistas, ela acabou concedendo algumas. Vejam o que a Celina Guimarães diz: “Eu não fiz nada! Tudo foi obra de meu marido, que empolgou-se na campanha de participação da mulher na política brasileira e, para ser coerente, começou com a mulher dele, levando meu nome a roldão. Sou grata a tudo isso que devo exclusivamente ao meu saudoso marido.”. Ela nem sabia quem era Bertha Lutz do movimento feminista sufrag- ista. Ela não procurou por ninguém, não fez passeata nenhuma. Lembrando que isso aconteceu em 1927. A partir da década de 1930, o direito ao voto das mulheres foi reconhecido pelo nosso ditador Getúlio Vargas. Bertha Lutz, Ativista Feminista (1894 - 1976) E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 35 Nós temos o caso da Celina como um exem- plo-chave que encerra a questão de como o voto foi concedido às mulheres em quase todos os países. Nós poderíamos falar também, mas eu vou deixar para você pesquisar depois que encerrar a aula, sobre a Emmeline Pankhurst, que é uma personagem da Inglaterra, líder do movimento sufragista. Emmeline Pankhurst foi de esquerda, colocou as filhas no movimento do sufrágio e brigou com elas por causa deste. No fim da vida, Emmeline acabou entrando para o partido conservador, que foi onde conseguiu, ped- indo, o que não tinha conseguido antes fazendo algazarra. Pesquise um pouco sobre a Emmeline Pankhurst. Veja que ela criou o movimento mais radical de sufrágio que conhecemos da época. Ela fazia barricadas, jogava bomba na casa dos políticos. Tudo isso que fez por décadas não levou a nada. Depois da Primeira Guerra Mundial, Emmeline decidiu abandonar essesmétodos e resolveu aliar aos políticos conservadores, os quais tinham a simpatia do povo. Ela articulou a conquista do direito ao voto basicamente conversando. Não precisa fazer barricada e soltar bomba, porque, como diria o Chesterton, que também era inglês, bastava pedir que os homens concedessem. Essa é brevemente a história do direito ao voto. Nós vimos algumas países: Suíça, Brasil, Estados Unidos. O caso da Inglaterra, vou deixar para vocês pesquisarem quem eram as sufragetes e as sufragistas, dois movi- mentos diferentes. As sufragetes eram as mais violentas, as mais radicais, e as sufragistas, as mais moderadas. Tudo isso para você ter uma noção de como aconteceu a marca principal da primeira onda. Ouvimos o tempo todo que a primeira onda do movimento feminista consiste na luta pelos direitos civis e pelo direito ao voto, mas isso não é verdade. E é assim que vamos encerrar a aula hoje, demonstrando como, na Emmeline Pankhurst, Autora (1858 - 1928) E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 36 verdade, a questão do voto e a questão do trabalho foram conquistadas, concedidas, desenvolvidas por uma série de outras forças, sejam capitalistas, sejam de guerras, sejam por partidos políticos, que estavam além do mov- imento feminista. Demonstramos, também, que não existe essa distinção entre feminismo bom de primeira onda e feminismo ruim de segunda onda. Se você começar a ler alguns livros antifeministas traduzidos, como esse “O outro lado do feminismo”, vai ver que as autoras chegam várias vezes a dizer que o movimento feminista foi muito importante, mas agora não é mais. Eu mesma já ouvi um padre, de quem sou muito fã, falando em algum momento que o movimento feminista foi muito importante para conquistar certos direitos, mas que hoje já não é mais. Isso não significa que a pessoa está sendo desonesta, mentirosa ou esquerdista, mas que simplesmente não estudou com detalhes ou não percebeu a história da primeira onda. Na primeira onda do movimento feminista, todas as grandes líderes já apresentavam um pensamento revolucionário. Elas eram ligadas aos movimentos de socialismo fabiano, de marxismo, leninistas, trotskistas, como Alexandra Kollontai. Desde sempre, essas mulheres que lideravam as demais estavam ligadas aos movimentos de esquerda. E não existe, por- tanto, essa distinção de feminismo bom e de feminismo ruim. Feminismo, para nós que somos conservadores, cristãos, de direita, sempre foi ruim. No livro “O outro lado do feminismo”, lemos um encerramento que Phyllis Schlafly faz, em que tira uma conclusão. Quero compartilhar só para que vocês vejam como esse pensamento é recorrente: “As sufragistas lutaram e venceram em 1920 pelo direito de voto das mulheres em todos os cinquenta estados americanos, mas elas eram mulheres que se baseavam na família e não tinham vontade de erradicar a natureza feminina. Definitivamente, elas também eram contra o aborto.” Quem está dizendo isso para a gente? Phyllis Schlafly, que é uma E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 37 ativista conservadora antifeminista. Mesmo ela está com essa ideia na cabeça. Olha o que Phyllis Schlafly nos diz: “[...] não tinham vontade de erradicar a natureza feminina. Definitiv- amente, elas também eram contra o aborto.” Não é verdade, nós vamos ver isso adiante. As mulheres abortistas já estavam presentes na primeira onda. As mulheres antifamília, também. Elizabeth Stanton, por exemplo, que escreveu a Bíblia feminista, odiava o casamento. Ela praguejava, dizia que o casamento e a maternidade eram escravidão. Eram mulheres que não defendiam a feminilidade de forma alguma. E a Phyllis Schlafly continua: “As feministas dos anos 1960 [...]” vejam como faz uma divisão aqui, como se de 1960 para trás fossem boas pessoas e, daí para frente, pessoas ruins. “As feministas dos anos 1960 e posteriormente, por outro lado, não eram a favor da família. Além de enxergar o aborto como uma questão de ‘direitos’ das mulheres, elas veem o lar como uma prisão.” Essa é uma declaração da Phyllis Schlafly. Por mais maravilhoso que seja esse livro, e por mais bem intencionada que ela seja, é uma informação que não é verdadeira. As mulheres da primeira onda, até mesmo as mul- heres protofeministas que antecederam a primeira onda, já eram mulheres antimonogamia, anticasamento, anti-Igreja Católica e, em alguns contextos, antiprotestantes também. Todas as primeiras sufragistas e as protofemini- stas, todas as grandes líderes, eram mulheres revolucionárias. Na página 138 do meu livro, faço mais uma citação para reforçar esse pensamento: “Embora a divisão entre ‘boa onda’ e ‘má onda’ feminista tenha sido assumida por quase todos os críticos, parece-me evidente que nenhuma mulher de boa índole teve destaque na liderança do movimento desde que ele surgiu. Do protofeminismo, Olympe era facilmente confundida com uma dançarina noturna e Mary Wollstonecraft queria ter um relacionamento poliamoroso com Henry Fuseli. Elizabeth Stanton, famosa na primeira onda, E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 38 tinha uma visão obscura do casamento e abandonou cedo a formação e a fé cristã que teve. Mais do que isso, inúmeras pesquisas apontam que uma mudança acentuada no comportamento sexual já vinha ocorrendo desde o início do século XX, décadas antes do advento da segunda onda. Ou seja, o feminismo já nasceu com as más pretensões que só foram explicitadas tardiamente. A maior das eugenistas e abortistas, que é Margaret Sanger, por exemplo, já estava em plena atuação quarenta anos antes da rebelde década de 1960. O protofeminismo de Wollstonecraft já dava os primeiros passos em direção à ideologia de gênero e tinha em sua musa um exemplo do desregramento sexual ainda no século XVIII.” Todas essas grandes líderes que vimos eram anticonservadoras, anti- família. Nós citamos a última aqui, que é Margaret Sanger. Margaret Sanger é uma feminista de pri- meira onda. Só para você ter uma ideia, a atuação de Margaret Sanger, que é uma das mulheres mais importantes da primeira onda, aconteceu nas décadas de 1910, 1920 e 1930. Ela viveu quatro décadas antes de Simone de Beauvoir publicar o “Segundo Sexo”, antes de começar a segunda onda e é uma das maiores eugenistas e abortistas que existe no movimento feminista. Isto está presente na primeira onda. Então não existe essa divisão entre o bom feminismo e o mau feminismo. O que existe é a atuação de mulheres isoladas que evidentemente poderiam ser sim boas mulheres, mulheres cristãs, como o caso da Celina Guimarães, que conquistou o direito ao voto sem estar ligada a movimento nenhum. Essa é uma outra falácia que nós temos que tirar da nossa cabeça de uma vez por todas, de que o movimento feminista é um movimento que representa todas as mulheres e que as mulheres só podem ser rep- Margaret Sanger, Enfermeira (1879 - 1966) E - B O O K B P A H I S T Ó R I A D O F E M I N I S M O 39 resentadas se o forem pelo movimento feminista. Nós vamos ver agora, na nossa próxima aula, um pouquinho sobre quem foi a Margaret Sanger para entrarmos na segunda onda. A segunda onda, que abarca os anos de 1960 em diante, é completamente focada nas questões sexuais. Na nossa última aula, vamos falar sobre revolução sexual, afinal, essa é a única pauta relevante e verdadeiramente imutável do movimento feminista, desde que nasceu até hoje. Na terceira ou quarta onda, já enfrentamos os problemas da ideologia de gênero.
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