Buscar

filosofia aula 4

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 74 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 74 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 74 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

DEFINIÇÃO
Idealismo alemão. A escola alemã filosófica do século XIX. A crítica ao concreto e o niilismo de Nietzsche e Schopenhauer. A resposta da intelectualidade alemã aos desafios lançados pela modernidade cartesiana/iluminista. Os desdobramentos do idealismo alemão no pensamento do século XX.
PROPÓSITO
Abordar o idealismo alemão a partir de uma perspectiva menos rígida do ponto de vista cronológico e menos dependente das biografias dos “grandes autores”, buscando compreender como o pensamento idealista alemão respondeu aos desafios lançados pela modernidade cartesiana/iluminista.
OBJETIVOS
Módulo 1
Categorizar o idealismo alemão a partir de seu diálogo com a tradição iluminista.
Módulo 2
Expressar as teses do idealismo alemão no niilismo de Schopenhauer e Nietzsche.
Módulo 3
Reconhecer os desdobramentos do idealismo alemão no século XX
INTRODUÇÃO
Geralmente, as famílias intelectuais são construções feitas a posteriori pelos estudiosos interessados em entender determinada forma de pensamento, que atribuem a escritores do passado identidades intelectuais manifestadas na forma de “ismos”. Essas identidades intelectuais não estavam disponíveis na época em que os autores estudados viveram. Tal procedimento é muito comum nos estudos em história da filosofia. Assim, Marx e Engels se tornam autores do marxismo, Francis Bacon é vinculado ao racionalismo, e Platão e Aristóteles são fundadores do classicismo. Mais interessante seria tentar entender como esses autores responderam aos dilemas de seus respectivos tempos, reconstruindo, na medida do possível, as questões que provocaram seus esforços de pensamento. Todo pensamento é um ato social em diálogo com outros atos sociais, e, como tal, deve ser tratado para que não caiamos na tentação de cultuar autores, endossando a máxima: “Fulano estava à frente do seu tempo”. Todos estamos dentro do nosso tempo, que sempre é plural, heterogêneo e permite diversas manifestações do pensamento. É a partir dessa perspectiva que estudaremos o “idealismo alemão”, fazendo o esforço de tratá-lo mais como um conjunto de respostas aos dilemas da modernidade ocidental do que como uma corrente filosófica rígida, claramente delimitada.
O grito de Edvard Munch
Nossa discussão está dividida em quatro partes: em primeiro lugar, nós nos esforçamos em traçar um panorama do idealismo alemão, reconstruindo seus conceitos fundamentais e entendendo suas respostas aos dilemas colocados pela modernidade cartesiana/iluminista. Depois, verificamos como Arthur Schopenhauer (1788-1860) e Friedrich Nietzsche (1844-1900) mobilizaram as ideias-chave do idealismo alemão em função de uma apreciação filosófica niilista.
Arthur Schopenhauer (1788-1860)
Franz Kafka (1882-1924)
Em seguida, debruçamo-nos sobre o trabalho de Franz Kafka (1882-1924), tentando entender a presença dos conceitos idealistas na sua obra literária. Por último, abordamos a atualização do pensamento idealista na contemporaneidade, dando especial atenção aos escritos de Freud (1856-1939) e ao ambiente intelectual que alguns chamam de “pós-modernidade”.
Neste vídeo, você conhecerá um pouco mais as principais críticas ao idealismo alemão.
MÓDULO 1
Categorizar o idealismo alemão a partir de seu diálogo com a tradição iluminista.
A MODERNIDADE ILUMINISTA E O IDEALISMO ALEMÃO: NOTAS PRELIMINARES
O filósofo norte-americano Josiah Royce é autor de um estudo considerado incontornável sobre o idealismo alemão. Para Royce, ele se constitui como corrente de pensamento entre a publicação do livro, em 1781, Crítica à razão pura, texto mais conhecido da obra de Kant, e a morte de Hegel, em 1831.
Nesse período de 50 anos, segundo Royce:
[...] “Produziu-se um pensamento revolucionário que impactou todo o futuro da filosofia, pavimentando o caminho para Marx e Kierkegaard, assim como para o existencialismo, para a teoria crítica e para o pós-estruturalismo” .
(ROYCE, 1967, p. 32)
Royce argumenta que quatro autores podem ser definidos como os representantes do idealismo alemão: Kant, Johann Fichte (1762-1814), Hegel e Friedrich Schelling (1755-1854). Para compreender melhor as teses do idealismo alemão, é importante entender a utopia iluminista, que prometeu que a razão seria o motor do progresso humano.
Um experimento científico realizado durante o Iluminismo.
AS PROMESSAS ILUMINISTAS
No livro A modernização dos sentidos, o historiador alemão Hans Ulrich Gumbrecht se debruça sobre a experiência histórico-cultural da modernidade.
Segundo o autor, o termo moderno deriva do latim hodiernus, que é usado desde a Antiguidade para designar um tempo presente que se entende como diferente do passado. A grande novidade existencial trazida pela história europeia foi a radicalização desse sentimento de ruptura com o passado.
A partir do século XVI, cada vez mais, o presente não se reconhecia como continuidade do passado. O acúmulo das experiências humanas no tempo não servia mais como fonte de exemplo para a ação contemporânea. No século XIX, o político e escritor francês Alexis de Tocqueville testemunhou com precisão esse sentimento moderno de ruptura. Embora a revolução que se opera no estado social, nas leis, nas ideias e nos sentimentos dos homens esteja bem longe de terminar, já não se poderia comparar suas obras com nada do que foi visto anteriormente no mundo.
Alexis de Tocqueville
“Remonto de século em século até a Antiguidade mais remota: não percebo nada que se pareça com o que está diante dos meus olhos. Como o passado não ilumina mais o futuro, o espírito caminha em meio às trevas”.
(TOCQUEVILLE; 2005. p. 399)
Marquês de Condorcet
Podemos perceber um tom melancólico nas palavras de Tocqueville, que se manifestou em sua crítica às democracias de massa criadas na modernidade. A melancolia tocquevilliana, no entanto, é exceção na conjuntura mais ampla do pensamento moderno, que, geralmente, era bastante otimista em relação às transformações modernas. Aquilo que hoje chamamos de Iluminismo reuniu todo esse otimismo moderno entre os séculos XVIII e XIX, depositando as esperanças de realização do progresso da humanidade na razão e na ciência (CASSIRER, 1997). Mais do que ninguém, Marie Jean Antoine Nicolas de Caritat, o marquês de Condorcet, manifestou essa perspectiva otimista da História, que pode ser encontrada, em alguma medida, nos textos da maioria dos “escritores iluministas”, como Voltaire, D’Alembert, Diderot.
Vivemos uma era única na história humana, uma era de progresso, de avanço, de império da razão. As nossas esperanças quanto à condição futura da espécie humana podem se reduzir a estes três pontos importantes: a destruição da desigualdade entre as nações; os progressos da igualdade num mesmo povo; e, finalmente, o aperfeiçoamento real do homem. (CONDORCET, 1995. p. 12)
Aquele era um momento de intenso desenvolvimento científico. A Revolução Industrial trouxe novidades técnicas que potencializaram a capacidade de produção a níveis nunca vistos. Novas tecnologias de transporte e comunicação encurtaram a distância. A colonização da América dava aos europeus a certeza de que estavam universalizando as luzes da razão. A revolução médica aumentou a expectativa e a qualidade de vida, pelo menos para as elites, aqueles setores da sociedade onde a intelectualidade é recrutada. Entretanto, esse ambiente cultural otimista encontrou também seus críticos, que desconfiavam do potencial emancipatório da razão. Entre esses, destaca-se o filósofo britânico David Hume (1711-1786). Em grande medida, o idealismo alemão foi inspirado no ceticismo de Hume (DUDLEY, 2007).
David Hume (1711-1786)
Revolução industrial
O CETICISMO DE HUME
Os escritos de Hume são interpretados por diversos estudiosos desde o século XIX, com a maioria destacando a importância do ceticismo na compreensão filosófica desenvolvida pelo autor. Robert Fogelin define dessa forma o ceticismo de Hume:
[...] Um cético filosófico lida com argumentos e, em particular, os argumentos que põem em questão os supostos fundamentos para algum sistema de crenças. O sistema de crenças pode ser maisou menos amplo, e a forma do desafio cético pode variar de acordo com o assunto.
(FOGELIN, 2007, p. 21)
O ceticismo de Hume tem como objeto o sistema de crenças iluminista, baseado, como já sabemos, no culto à razão. Nesse sentido, o grande projeto filosófico de Hume consiste em denunciar a ausência de fundamentos racionais na crença iluminista, defendendo que essa crença não deve ser seguida. A crítica de Hume não se limita ao plano da filosofia pura, mas tem pretensões políticas de enfraquecer o pensamento iluminista junto ao senso comum.
[...] Tanto na vida comum como na prática científica, é preciso limitar nossas investigações a nossas faculdades limitadas e, nessas investigações modestas, sempre se devem ajudar nossas crenças e probabilidades com bases na experiência.
(HUME, 2013, p. 21)
Desde o século XVI, vinha se processando na Europa uma mudança epistemológica estrutural que alguns autores costumam chamar de “revolução cartesiana”.
Conheça alguns aspectos dessa revolução:
Clique na barra para ver as informações.
COGNIÇÃO HUMANA
Essa mudança implodiu o preceito epistemológico medieval segundo o qual o conhecimento humano era sempre incompleto e lacunar, cabendo apenas a Deus o conhecimento total e perfeito. A modernidade cartesiana/iluminista acabou com a limitação preliminar que a episteme medieval impunha à cognição humana.
INSUFICIÊNCIA METODOLÓGICA
A partir de agora, qualquer eventual incapacidade de conhecimento se justifica pela insuficiência metodológica, e não pelo mistério divino. Hume confronta exatamente essa ambição cognitiva iluminista. Seu ceticismo, portanto, assume a forma de uma advertência que destaca os limites cognitivos humanos.
CETICISMO HUMANO
Ao negar a certeza iluminista, Hume não está negando completamente toda possibilidade de conhecimento. Ele chama a atenção para o fato de que todo conhecimento possui uma dimensão de probabilidade, pois a própria inteligência humana é incapaz de alcançar o conhecimento perfeitamente verdadeiro. Kant se apropriou do ceticismo humano para formular as bases da corrente de pensamento que seria conhecida como idealismo alemão.
A CRÍTICA À RAZÃO PURA DE KANT: O EVENTO FILOSÓFICO FUNDADOR DO IDEALISMO ALEMÃO
Uma das principais características do pensamento filosófico é a abstração, o que, muitas vezes, dificulta nossa compreensão. Uma solução para tornar o texto filosófico mais compreensível é reconstruir a concretude das experiências que lhe deram vida em seu contexto social original. No que se refere ao pensamento de Kant, foi fundamental a leitura dos textos de Hume. Foi no ato de leitura e apropriação do ceticismo de Hume que Kant construiu as formulações que, mais tarde, inspirariam outros autores que passariam a ser reconhecidos como representantes do idealismo alemão. No tratado Os prolegômenos a toda metafísica futura, publicado em 1883, Kant vê o conceito humano de “causa” como um “bastardo da imaginação”, como filho ilegítimo da cognição moderna, que, na contramão das inclinações metafísicas, tão caras ao Iluminismo, apelou para a experiência como instância mediadora do conhecimento. Ao fazê-lo, Hume, segundo Kant, apresentou colaboração imprescindível para o mesmo pensamento moderno, apresentando uma espécie de regulação capaz de mitigar os exageros da imaginação metafísica, demonstrando que a razão não pode pensar a priori a partir de conceitos de relação causa e efeito (MONTEIRO, 1993).
Immanuel Kant
Nas palavras do próprio Kant:
Hume demonstrou de forma irrefutável, e ousada, que a razão não opera de maneira completamente independente das circunstâncias, interrompendo, assim, o dogmatismo inerte e dando uma direção completamente diferente às minhas pesquisas no campo da filosofia especulativa.
(KANT, 2012, p. 56)
Ao questionar o procedimento dedutivo do Iluminismo francês, Hume abriu caminhos para a legitimação de um procedimento indutivo que, ressonado por Kant, iria tornar-se fundamental para o pensamento moderno. Dedução significa elaborar uma teoria do plano da imaginação, ou da “metafísica pura”, como diria Kant, e aplicá-la ao “mundo fenomênico”, ao plano das coisas concretas. Na avaliação de Hume, endossada por Kant, o Iluminismo francês é exclusivamente dedutivo e, por isso, frágil. Já o procedimento indutivo opera pela via contrária. O plano fenomênico é tratado como a base apriorística incontornável para a elaboração metafísica. Em termos mais simples e diretos: somente é possível teorizar depois de um cuidadoso exame da realidade concreta. Não se trata de negar a elaboração metafísica, mas condicioná-la à experiência, não a considerando um fim em si, como exercício de pura especulação. Esse é o fio central da filosofia de Kant, sendo o fundamento argumentativo das suas principais obras, A crítica à razão pura e a Metafísica dos costumes, publicadas, respectivamente, em 1781 e 1785. Nos dois textos, fica bem clara a impossibilidade, para Kant, de um conhecimento a priori¸ produzido pela pura razão, uma metafísica completamente independente dos costumes.
Reflita!
Se não há dúvidas de que o empirismo de Hume é matriz filosófica importante para Kant e para o idealismo alemão, estaríamos equivocados se acreditássemos que a apropriação kantiana de Hume foi apenas elogiosa?
Diante dessa reflexão, pode-se dizer que as críticas de Kant a Hume são tão importantes para o posterior desenvolvimento do idealismo alemão quanto os elogios (DUDLEY, 2007). O núcleo da discordância está no conceito humeniano de “causa”. Levando o empirismo às últimas consequências, Hume, na percepção de Kant, possui uma relação um tanto ingênua e de fetiche com a experiência, como se ela pudesse se dar em estado puro, involuntariamente de qualquer elaboração conceitual prévia.
[...] Perder-se-ia completamente o tal conceito de causa, se quisesse derivá-lo, como Hume o fez, de uma frequente associação daquilo que acontece com aquilo que o antecede e do hábito daí decorrente de conectar representações. Ao invés disso, o mais correto seria formular um conceito a priori capaz de iluminar as experiências, não necessariamente enquadrando-as em uma rigidez conceitual metafisica, mas, ciente da artificialidade cognitiva da elaboração intelectual, trata o conceito com via essencial, e irremediável, de acesso à experiência.
(KANT, 2011, p. 43)
Kant se apropria do empirismo humeano, pois vê um caminho crítico ideal para confrontar a “metafísica pura” do Iluminismo francês, que “trata a realidade como se fosse mera equação matemática, matéria a ser enquadrada, e violada, pela razão” (KANT, 2011, p. 42). É exatamente esse esforço de Kant em encontrar um meio-termo entre a “razão pura” do Iluminismo francês e a ortodoxia empirista humeana, entre a pura abstração e a total rejeição da teorização, que se tornou o fio condutor da tradição de pensamento que hoje chamamos de “idealismo alemão”, podendo ser encontrado também nos textos de outros de seus principais representantes: Fichte, Hegel e Schelling. É sobre esses autores que nos debruçamos a seguir.
 Local de nascimento de Fichte em Rammenau
FICHTE, LEITOR DE KANT
Johann Fichte
Trinta anos mais jovem que Kant, Johann Fichte tinha à sua disposição a obra daquele que é considerado o pai do idealismo alemão. É importante analisar com atenção a leitura que Fichte fez de Kant, para que consigamos entender os desdobramentos do idealismo alemão para além da crítica kantiana.
O problema da subjetividade cognoscente é central no pensamento filosófico moderno, que está fundamentado no esforço de compreender as condições humanas, da subjetividade humana, de conhecimento da realidade. A filosofia moderna, portanto, não trata a subjetividade como mero ponto de partida para o conhecimento, mas está preocupada com seus dispositivos próprios, com suas estruturas internas.
Como se constrói o sujeito do conhecimento? Como o sujeito do conhecimento tenta conhecer a realidade?
Os filósofos modernos apresentaram diversas possibilidades de solução para o problema, e é aqui que podemos identificar o diálogo de Fichte com a obrade Kant (ROCKMORE, 2013).
Como já sabemos, Kant se apropriou parcialmente do ceticismo de Hume ao afirmar que a experiência é o ponto de partida para a produção de todo conhecimento. Não existiria, então, segundo Kant, um estado racional puro, imune a qualquer influência ordinária, no qual o sujeito cognoscente pudesse se inserir para pensar a realidade idealmente. O que existe, para Kant, são homens no mundo, representando a si mesmos nos seus esforços de representação da realidade.
Para ser mais claro: o sujeito se constrói como sujeito de conhecimento ao longo de sua vida, sensibilizado pelas experiências que marcam sua trajetória. Ao produzir conhecimento, o sujeito representa a realidade observada e o repertório de experiencias que o constitui. O conhecimento, então, é duplamente representacional. Fichte se apropria, também parcialmente, da elaboração kantiana nos seus principais textos: os livros Sobre o espírito e a letrada na filosofia e a Doutrina da Ciência, publicados, respectivamente, em 1794 e 1795.
O conceito de estado de ação é fundamental na teoria fichteana, que é, ao mesmo tempo, tributária e crítica à discussão kantiana. É tributária porque Fichte também nega o idealismo puro do Iluminismo francês, que supõe a existência de ideias desencarnadas, sem sujeitos.
Conheça a diferença entre o sujeito na teoria desses filósofos:
Clique na barra para ver as informações.
KANT
O sujeito kantiano é resultado do acúmulo de experiências.
FICHTE
Já o sujeito fichteano é o resultado da ação epistemológica original, do momento em que o sujeito, conscientemente, transforma-se em sujeito de conhecimento.
Pensemos em um filósofo imaginário de 30 anos, filho de uma família rica e educado nas melhores escolas e universidades.
Para Kant, todas as experiências desse filósofo são determinantes para o tipo de filosofia que ele produz: sua infância, os professores que teve, suas frustrações afetivas que se mantêm ativas no plano da inconsciência. Ao produzir sua filosofia, o filósofo representa a si mesmo, entendido como o conjunto de suas experiências. O conhecimento produzido, portanto, é duplamente representacional: representa a realidade analisada e o sujeito, entendido como subjetividade formada por um amplo repertório de experiências. São essas experiências que formam a ideia através da qual o sujeito se debruça sobre a realidade.
Já para Fichte, o conhecimento que o filósofo hipotético produz somente é afetado pelas experiências vividas durante a racionalização epistêmica. Ou seja, não importam as escolas onde o filósofo estudou, seu ambiente familiar, suas viagens, suas emoções de infância e sua juventude. Importa apenas o momento em que ele, descobrindo-se como filósofo, debruça-se sobre determinada realidade. É esse momento que Fichte chama de “estado de ação”, quando o sujeito toma conhecimento de sua tomada de posição como sujeito do conhecimento.
Como podemos perceber, Kant e Fichte rejeitam a metafísica pura, que supõe a possibilidade de ideias autônomas, desencarnadas. Ambos chamam atenção para o fato de que as ideias só existem a partir da ação subjetiva.
Foto de 1910 do seminário Stift, onde Schelling estudou com Hegel
A FILOSOFIA DA NATUREZA E DA RELIGIÃO DE SCHELLING
Vamos entender o que é chamado de natureza. Se Fichte e Kant estavam especialmente preocupados com a subjetividade cognoscente, Schelling está preocupado com o objeto dessa subjetividade, aquilo que ele chama de natureza. O projeto da filosofia de Schelling era corrigir a dicotomia entre natureza e espírito, o que teria sido o principal erro da modernidade filosófica inaugurada por Descartes. O pensamento cartesiano partia da premissa de que o conhecimento era construído a partir de um corte vertical que separava sujeito e objeto, espírito e natureza.
A partir daí, o sujeito faria uma intervenção metodológica sobre o objeto, sendo conhecimento produzido derivado do método. O objeto, a natureza, não faz outra coisa a não ser se deixar explorar, sendo que Descartes não reconhecia a possibilidade de a natureza não se deixar explorar. Na episteme cartesiana, a natureza, o objeto, é sempre passivo. É isso que Schelling critica. Nessa crítica, está a originalidade de sua obra. (COELHO, 2018)
F. W. J. Schelling
Para Schelling, o significado de natureza não consiste, necessariamente, em florestas, mares, fauna e flora. Natureza é toda a realidade que se torna algo da intervenção filosófica. Esse foi o argumento que Schelling desenvolveu nos livros Ideias para a filosofia da natureza e Da alma e do mundo, publicados, em 1797 e 1798.
A partir do momento em que o ser humano coloca a si mesmo em oposição com o mundo exterior, é dado o primeiro passo para a filosofia. Com esta separação, começa pela primeira vez a racionalização; a partir daí, o ser humano separa aquilo que a natureza uniu para sempre, ele separa o objeto da intuição, os conceitos da imagem, e, por fim, ele mesmo de si mesmo. Esse foi o primeiro ato de decadência moral da humanidade, impulsionada pela tentativa pretenciosa de domesticar a natureza, como se houvesse nela razão própria e indomesticável. A natureza não é um mero produto de uma criação inconcebível, ela é, ao contrário, esta própria criação. Não é uma aparição ou revelação do eterno. Ela é, ao mesmo tempo, esse próprio eterno. (SCHELLING, 2010, p. 48)
Jaeger, 1995.
Para Schelling, o pensamento cartesiano é o responsável pela “primeira decadência moral” da humanidade, pois acreditou ser possível separar radicalmente espírito (sujeito cognoscente) e natureza (objeto), tornando a natureza objeto a ser livremente manipulado pelo espírito. A natureza seria a não razão, a total ausência de sentido, enquanto o espírito seria o monopolizador da razão. Schelling questiona o argumento cartesiano em dois aspectos: primeiro, no que se refere à real possibilidade de separar o espírito e natureza, sujeito e objeto. Depois, em relação à premissa de que a natureza, objeto, é passiva e não interfere no conhecimento produzido sobre ela mesma. Segundo Schelling, a natureza e o espírito, sujeito e objeto, são inseparáveis. Ao tentar entender a realidade, o sujeito já está sob a ação da própria realidade. A realidade, para ele, é a potência organizadora da vida, autoridade reguladora de toda possibilidade de conhecimento. Por isso, a pretensão cartesiana de um sujeito cognoscente descolado da natureza seria não apenas pretensiosa, mas tola.
Vale ressaltar que há certa dimensão teológica na filosofia da natureza de Schelling, pois “natureza”, no limite, é Deus. Porém, Schelling tem concepção de divindade bastante diferente do monoteísmo característico, por exemplo, do cristianismo (COELHO, 2018). Trata-se de uma divindade panteísta, segundo a qual Deus está presente em todas as coisas.
A forma “inata” da manifestação de Deus no mundo é a natureza, que é independente da consciência humana. A inteligência humana fica plenamente livre quando toma consciência da presença de Deus em todas as coisas. É exatamente a comunhão com a presença divina que permite ao homem, segundo Schelling, conhecer as coisas do mundo. As religiões seriam as formas através das quais os homens tentam tomar consciência da presença de Deus em todas as coisas. É assim que a filosofia da natureza toca na filosofia da religião (COELHO, 2018).
Podemos perceber, nos escritos de Schelling, a preocupação em demonstrar que o processo de construção de conhecimento não é ideal, ou seja, não se dá através da manifestação de uma metafísica pura e desencarnada. Kant e Fichte apresentaram esse argumento priorizando a análise do sujeito (espírito). Schelling tomou outro caminho, destacando a racionalidade intrínseca ao objeto (natureza). Vejamos, a seguir, como Hegel se inseriu nessa discussão.
Batalha de Jena - O filósofo alemão Hegel, que viveu nesta época, afirmou, a respeito da batalha de Jena, que a humanidade havia chegado "ao último estágio da história, de nosso mundo, de nossa época".
HEGEL, A FENOMENOLOGIA DO ESPÍRITO E A FILOSOFIA DO DIREITO
Há relativo consensonos manuais de história da filosofia a afirmação de que Hegel é o grande representante do idealismo alemão, o autor que melhor teria sistematizado as diretrizes gerais dessa forma de pensamento. Entre tantos outros, por que Hegel é visto como o principal idealista alemão? A resposta pode estar no hercúleo esforço de Hegel em ler e se apropriar daquilo que os outros idealistas escreveram. Entre os idealistas alemães, nenhum foi tão disciplinado na leitura e na interlocução com seus pares como Hegel (KERVERGAN, 2007).
A interlocução de Hegel com os outros idealistas fica muito clara, por exemplo, no seu conceito de “realidade como espírito”, desenvolvido a partir da leitura dos textos de Fichte e Schelling. Na esteira dos outros, Hegel também criticou a dicotomia cartesiana espírito versus natureza/sujeito versus objeto, atribuindo racionalidade própria à natureza e capacidade de agência sobre o conhecimento produzido sobre ela.
Friedrich Hegel
Tal como Schelling, Hegel define a natureza em perspectiva panteísta. A natureza está em todos os lugares, até mesmo no espírito, entranhada na subjetividade cognoscente. Entender a realidade como espírito, de acordo com a filosofia de Hegel, é entendê-la não apenas como substância, mas também como sujeito. Isso significa pensar a realidade como processo, como movimento, não somente como coisa (substância). Como já sabemos, essa é a contribuição de Schelling. Hegel dá um passo adiante ao elaborar metodologicamente como deveria se dar essa relação do espírito com a natureza.
Clique na barra para ver as informações.
TESE
A tese, em que o sujeito cognoscente experimenta a natureza e faz uma afirmação (não apenas observa, como reza a cartilha cartesiana).
ANTÍTESE
A própria realidade reage, pois, no processo epistemológico hegeliano (diferente do processo cartesiano), ela não é passiva naquilo que Hegel chama de antítese.
SÍNTESE
No terceiro momento, o espírito, o sujeito cognoscente, responde à reação, adaptando sua tese ao contraditório natural, criando, assim, a sítese.
Dessa forma, processo cognitivo, portanto, na perspectiva hegeliana, é marcado pela relação tensa e complementar entre sujeito e objeto, entre espírito e natureza, concluindo a crítica ao cogito cartesiano e à metafísica pura do Iluminismo francês, que caracterizam o idealismo alemão (KERVERGAN, 2007).
A partir da próxima seção, começaremos a estudar os desdobramentos das teses do idealismo alemão nas gerações posteriores aos primeiros idealistas. É na recepção dessas teses que essa tradição foi sendo criada, a ponto de, hoje, ser lição obrigatória em todo o estudo sobre a história da filosofia moderna. Veremos como Arthur Schopenhauer (1788-1860) e Friedrich Nietzsche (1844-1900) se apropriaram do núcleo duro do pensamento idealista alemão para desenvolverem uma abordagem filosófica que, posteriormente, seria conhecida como “niilista”.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
Parte superior do formulário
1. A modernidade iluminista é marcada por um sentimento hegemônico que pode ser encontrado nos escritos de autores como Marquês de Condorcet, Voltaire e Diderot. Assinale, entre as alternativas abaixo, aquela que melhor define esse sentimento hegemônico.
O sentimento hegemônico no Iluminismo foi a melancolia, pois os pensadores iluministas estavam convencidos de que a Idade Média havia sido o apogeu do progresso humano.
O sentimento hegemônico no Iluminismo foi a nostalgia, pois os pensadores iluministas estavam convencidos de que a Antiguidade havia sido o apogeu do progresso humano, um legado considerado irrecuperável.
O sentimento hegemônico do Iluminismo foi a religião, pois os pensadores iluministas estavam convencidos de que o catolicismo medieval era o apogeu da cultura humana e, por isso, deveria ser preservado.
O sentimento hegemônico no Iluminismo foi o otimismo, pois os pensadores iluministas estavam convencidos de que viviam um momento de aceleração a história rumo ao progresso.
Responder
Parte inferior do formulário
Comentário
Parte superior do formulário
2. O pensamento filosófico de David Hume é marcado pelo ceticismo. Assinale a alternativa que melhor define o ceticismo de Hume.
O ceticismo de Hume tinha a religião católica como alvo, o que nos permite dizer que se relaciona ao ateísmo do autor.
O ceticismo de Hume tinha a crença iluminista no potencial emancipatório da razão como algo, o que nos permite dizer que se relaciona a um projeto filosófico e político de esvaziamento da hegemonia iluminista.
O ceticismo de Hume tinha dimensão política e defendia a ideia de que a monarquia era incapaz de garantir a paz social, devendo, por isso, ser substituída pela democracia.
O ceticismo de Hume tinha dimensão cultural e questionava a capacidade da civilização ocidental em instaurar a paz universal.
Responder
Parte inferior do formulário
Comentário
MÓDULO 2
Expressar as teses do idealismo alemão
no niilismo de Schopenhauer e Nietzsche.
TESES DO IDEALISMO ALEMÃO E O NIILISMO
Como vimos, na sua origem, com Kant, Fichte, Schelling e Hegel, o idealismo alemão não era exatamente uma corrente de pensamento, mas um conjunto de respostas às questões postas pela modernidade cartesiana/iluminista, especialmente a dicotomia cartesiana sujeito versus objeto e a crença iluminista na possibilidade de uma racionalidade pura e emancipatória. Enquanto ali, por meados do século XVIII, a modernidade hegemônica francesa prometia progresso e o império da razão, alguns alemães desconfiavam e formulavam um idealismo alternativo. Essa crítica chegou ao século XIX, sendo radicalizada por escritores como Schopenhauer e Nietzsche.
Atenção
Vale a pena pensar sobre o termo niilismo e justificarmos sua escolha. Sua definição em dicionários diversos, de língua a filosóficos, sempre trata da ideia de aniquilar, destruir, apagar. Niilismo é um conceito filosófico que remete à formulação do mundo contemporâneo, que buscou intensamente romper com a naturalização de valores tidos como componentes do ser (valores morais), das verdades do mundo, dos exercícios de verdade.
Niilismo é o exercício do nada, da marcha para o abismo, não à toa vinculado ao pessimismo. Falar de niilismo é falar em Nietzsche e Schopenhauer, e passamos agora a conhecê-los.
SCHOPENHAUER E O MUNDO COMO REPRESENTAÇÃO
Poucos autores desconfiaram mais da crença francesa no potencial emancipatório da razão que Arthur Schopenhauer, autor do livro O mundo como vontade e representação, publicado pela primeira vez em 1818. As categorias vontade e representação são centrais na sua filosofia e é a partir delas que o autor nega a promessa iluminista de que a razão seria o vetor do progresso e da felicidade humana.
Schopenhauer
Todo objeto, seja qual for a sua origem, é, enquanto objeto, sempre condicionado pelo sujeito e, assim, essencialmente, apenas uma representação do sujeito”. Em outras palavras, tudo o que existe para mim é o que eu percebo a partir de formas a priori de consciência (tempo, espaço etc.). O real, enquanto coisa em si, é impenetrável a nosso conhecimento, que atinge apenas as representações. Essas representações se interpõem entre nós e o real como um véu que o encobre. Qualquer pretensão do espírito em se distanciar da natureza para visualizá-la em perspectiva não passa de um ato de ingenuidade arrogante elaborado pelos modernos na sua vã pretensão de serem melhores que os antigos.
(SCHOPENHAUER, 2013. P. 57)
Partindo do ceticismo de Hume, Schopenhauer nega a possibilidade de o espírito (o sujeito cognoscente) se relacionar com a natureza (realidade) sem a mediação de seus próprios sentidos. Ou seja, ao tentar conhecer qualquer aspecto da realidade, o sujeito do conhecimento sempre leva consigo suas próprias representações. Não existe, então, na filosofia de Schopenhauer, o sujeito cognoscente universal cartesiano, que, destituído de qualquer subjetividade, apenas opera um procedimento metodológico (ROCHAMONTE, 2010). Todo conhecimento, portanto, é o resultado das representações internalizadas no sujeito, representações que traduzem, antesde qualquer coisa, suas vontades inconscientes. A ciência e a razão, tão louvadas no pensamento iluminista, nada mais seriam que projeções de vontade, dos desejos humanos mais instintivos.
Há na filosofia de Schopenhauer um projeto ontológico que confronta diretamente a ontologia iluminista. Tanto Schopenhauer quanto os iluministas atribuíram uma essência imutável ao humano. Os iluministas defendem que o humano é essencialmente racional, o que deu origem ao termo homo sapiens, que somente passou a integrar o vocabulário biológico a partir do século XVIII. Já Schopenhauer defende que o humano é naturalmente um ser desejante, movido por vontades pré-racionais. A humanidade teria sua essência suspensa, segundo Schopenhauer, se fosse possível um mundo ideal, onde todas as necessidades humanas fossem atendidas sem nenhum esforço, sem nenhum trabalho. Nesse mundo hipotético, o humano não desejaria, pois só desejamos aquilo que não temos, e, quanto mais longe de nós está o objeto de desejo, mais desejado ele é. Uma vez conquistado o objeto de desejo, a vontade não é saciada, pois o desejo já produz outro objeto para si.
O desejo, por sua natureza, é dor: sua realização traz rapidamente a saciedade; a posse mata todo o encanto; o desejo ou a necessidade de novo se apresentam sob nova forma: senão, é o nada, é o vazio, é o tédio que chega”. Se nós matássemos toda a nossa vontade, nosso destino seria inevitavelmente o tédio. Eis a condição trágica da vida humana.
(SCHOPENHAUER, 2013, p. 102)
Se o humano é movido irracionalmente pela vontade e quando conquista o objeto de desejo passa a desejar o que não tem, Schopenhauer conclui que a humanidade não é vocacionada para a felicidade, afastando-se, assim, do otimismo iluminista. Porém, o niilismo do autor admite a possibilidade de compensação para o dilema humano da felicidade impossível. A compensação está na arte, na experiência estética, especialmente na música. A arte, então, amenizaria o sofrimento, que, para Schopenhauer, é a condição humana resultante de outra condição humana ainda mais humana: a eterna busca pela satisfação da vontade, que no limite é insaciável.
Ao defender a ideia de que o humano não é um ser unificado e racional, mas fragmentado, passional e movido pelos instintos pré-racionais da vontade, a filosofia de Schopenhauer lançou uma pista que seria seguida pelos fundadores da psicológica clínica, sendo fundamental, por exemplo, para os estudos psicanalíticos de Freud.
NIETZSCHE E A VONTADE DE POTÊNCIA
Nietzsche talvez seja um dos autores mais traduzidos e publicados na atualidade, o que diz muito sobre como nosso tempo acolhe bem um tipo de pensamento filosófico que destoa da lógica racional que fundou a modernidade. Hoje, Nietzsche goza da fama de ser um pensador revolucionário, um crítico contundente da tradição filosófica anterior. No entanto, se formos examinar os textos de Nietzsche com mais cuidado, perceberemos diálogos e apropriações com outras formas de pensamento (BONACCINI, 2011), incluindo aí o idealismo alemão, apesar de o autor não ter poupado críticas a Kant e Hegel. Nenhuma contradição, pois como já sabemos, o idealismo alemão, antes de ser uma corrente de pensamento filosófico, é um conjunto de respostas aos dilemas postos pela modernidade. Nietzsche se afasta de alguns desses argumentos e se aproxima de outros. Podemos dizer, portanto, que Nietzsche digeriu a atmosfera do idealismo alemão, apesar de suas críticas a alguns autores representantes dessa forma de pensamento (COLLARES, 2012).
Nietzsche
Neste vídeo, você conhecerá um pouco mais sobre o pensamento de Friedrich Nietzsche e a sua corrente de pensamento filosófica.
A novidade de nossa posição atual em filosofia é uma convicção que nenhuma época teve antes: que nós não possuímos a verdade. Todos os homens de outrora eram crentes de que possuíam a verdade, até mesmo os céticos. Todos não passavam de crentes. Até mesmo os céticos eram crentes, afinal quem nega possibilidade de um conhecimento verdadeiro, intrínseco da natureza das coisas, precisa supor que tem razão ao dizer isso; isso, que deve ser suposto de algum modo como sendo “verdadeiro”.
(NIETZSCHE, 2006, p. 32)
Os modernos, então, para Nietzsche têm o privilégio de saber que não há uma verdade intrínseca às coisas e que toda ambição de conhecer essa verdade não passa de uma crença similar a qualquer crença religiosa, pois a verdade seria tão fantasiosa como qualquer divindade.
Se o conhecimento construído pela inteligência humana, espírito, não é a verdade substancial das coisas, o que seria?
A resposta a esse questionamento é relatada pelo próprio Nietzsche no livro Vontade de poder, publicado em 1901.
Toda vontade de saber é impulsionada por uma vontade de poder sobre a qual o espírito não tem controle, não tendo sequer ciência. O espírito deseja saber porque deseja poder, a pulsão demiúrgica do conhecimento não tem nenhuma relação com a curiosidade, ou com o método, tal como prometeram os primeiros modernos. Tem relação com vontade de dominação. Todo conhecimento é também ato de violência.
(NIETZSCHE, 2005, p. 21)
Nietzsche não tinha o hábito de citar os autores que lhe serviam como referência. A citação quase sempre foi mobilizada por Nietzsche para criticar autores canonizados na tradição ocidental. De Platão e Montesquieu, passando por Descartes e pelo próprio Kant. Todos, em algum momento, estiveram na alça de mira da metralhadora nietzscheana. Porém, é possível ler o texto pelas franjas e encontrar Nietzsche digerindo teses do idealismo alemão (COLLARES, 2012). A negação da possibilidade de conhecimento de uma verdade substancial a partir da afirmação de presença de um filtro cognitivo que transforma todo conhecimento em manifestação de conceitos previamente elaborados pelo sujeito cognoscente, por exemplo, já pode ser encontrada na leitura que Kant fez de Hume.
Ela também pode ser encontrada em Fichte. Como já sabemos, a ideia de que o gesto cognitivo é movido por uma pulsão pré-racional de dominação já tinha sido elaborada, de alguma forma, por Schopenhauer.
Em toda a evolução do espírito, não se trata, talvez, de outra coisa a não ser do corpo: é a história se tornando sensível a que um corpo superior esteja sendo formado. O orgânico passa a níveis superiores. Nossa avidez de conhecimento da natureza é um meio através do qual o corpo quer se aperfeiçoar.
Ou melhor: centenas de milhares de experiências são feitas para modificar a alimentação, o modo de morar e de viver do corpo: nele, a consciência e as apreciações de valores, todos os tipos de prazer e desprazer, são indícios dessas modificações e dessas experiências.
(NIETZSCHE, 2006, p. 72)
Na citação, Nietzsche aciona alguns dos argumentos que são constitutivos do repertório do idealismo alemão. Na perspectiva nietzscheana, a história do conhecimento é a história da pulsão do corpo em busca de sobrevivência, no desejo incansável de dominar a natureza. Todo conhecimento é mediado por experiências que se materializam na carne, no corpo. Esse chamado ao corpo aponta para o projeto nietzscheano de negação do observador cartesiano universal, incorpóreo.
Nietzsche não somente replica o idealismo alemão; ele radicaliza a tal ponto que se torna um crítico desse mesmo idealismo alemão. Ao criticarem a metafísica idealista, os idealistas alemães não negaram a possibilidade do conhecimento em dar conta de uma realidade substantiva. O binômio razão versus verdade que funda o racionalismo ocidental foi resguardado.
	Entenda o pensamento de Kant e Nietzsche sobre o conceito de razão e verdade:
	Kant
	Kant, como já estudamos, criticou a ortodoxia empirista de Hume ao defender a capacidade da razão subjetiva em conhecer a verdade substantiva através da mediação conceitual.
	Nietzsche
	Nietzsche critica Kant exatamente porque nega a existência de uma verdade substantiva. Ao radicalizar a crítica dos idealistas alemães ao pensamento cartesiano/iluminista, Nietzsche acaba se voltando contra o próprio idealismo alemão, estabelecendo com essa tradição uma relaçãoambígua: ao mesmo tempo herdeiro e crítico.
Nesse sentido, engana-se quem pensa que os argumentos do idealismo alemão se manifestaram apenas na filosofia. Também a literatura ecoou essas ideias, como veremos na próxima seção.
 VERIFICANDO O APRENDIZADO
Parte superior do formulário
1. No livro O mundo como vontade e representação, Schopenhauer radicaliza a crítica que Kant, Fichte, Schelling e Hegel fizeram à metafísica moderna. Assinale a alternativa que melhor define essa crítica radicalizada.
Schopenhauer radicaliza a crítica quando defende as tradições católicas medievais e rejeita o projeto de laicização idealizado pelos iluministas.
Schopenhauer radicaliza a crítica quando transforma a representação e a vontade como os afetos humanos elementares, negando, assim, a ontologia iluminista fundada no conceito de homo sapiens.
Schopenhauer radicaliza a crítica quando defende a laicidade moderna e rejeita o iluminista, que era conservador e propunha o resgate dos valores medievais.
Schopenhauer radicaliza a crítica quando define a república presidencialista como a melhor forma de governo, enquanto o Iluminismo defendia a monarquia absolutista.
Responder
Parte inferior do formulário
Comentário
Parte superior do formulário
2. Nietzsche estabeleceu uma relação ambígua com o idealismo alemão. Assinale entre as alternativas a seguir aquela que melhor apresenta tal ambiguidade.
Ao radicalizar a crítica do idealismo alemão ao catolicismo medieval, Nietzsche defendeu o ateísmo, afastando-se também do catolicismo moderado, que era defendido pelos idealistas alemães.
Ao radicalizar a crítica do idealismo alemão ao pensamento iluminista/cartesiano, Nietzsche negou a existência da verdade como dado substantivo da realidade, afastando-se, assim, da racionalidade subjetiva defendida pelos idealistas alemães.
Ao radicalizar a crítica do idealismo alemão ao pensamento iluminista/cartesiano, Nietzsche reforçou a existência da verdade como dado substantivo da realidade, afastando-se do empirismo e do negacionismo defendidos pelos idealistas alemães.
Ao radicalizar a crítica do idealismo alemão ao ateísmo moderno iluminista, Nietzsche defendeu as tradições do catolicismo medieval, afastando-se, assim, do racionalismo cético defendido pelos idealistas alemães.
Responder
Parte inferior do formulário
Comentário
MÓDULO 3
Reconhecer os desdobramentos do idealismo alemão no século XX
ECOS DO IDEALISMO ALEMÃO NA LITERATURA DE FRANZ KAFKA
Desde o início de nossos estudos, estamos nos esforçando para pensar o idealismo alemão não como uma corrente rígida de pensamento filosófico, que poderia ser claramente identificada nos escritos de alguns autores, mas como um conjunto de respostas aos desafios concretos. Nesse sentido, o idealismo alemão se caracteriza pelo pessimismo com o qual encara as promessas epistemológicas e políticas feitas pela modernidade cartesiana/iluminista: conhecimento puro e regrado metodologicamente, a afirmação da ciência e da razão como vetores do progresso e da felicidade humana.
Franz Kafka
Os idealistas alemães encaram toda essa euforia com algum ceticismo, ainda que o nível desse ceticismo varie de autor para autor. Foi esse ceticismo, algo melancólico, que caracterizou a cena intelectual alemã ao longo dos séculos XIX e XX, sendo caracterizado como “idealismo pós-kantiano”. Esse ambiente intelectual inspirou não apenas filósofos, mas também literatos alemães, como é o caso de Franz Kafka, autor de alguns dos romances mais importantes do século XX, como A metamorfose (1915), O processo (1925) e O castelo (1935).
Apesar de ter vivido e produzido no início do século XX, Kafka somente ganhou notoriedade intelectual postumamente, após o fim da Segunda Guerra Mundial. Não à toa, pois a primeira metade do século XX, marcada por guerras mundiais, pelo nazifascismo e pelo amplo uso da tecnologia para práticas de genocídio, levou ao descrédito a promessa iluminista de que a razão e a ciência seriam vetores do progresso. O desencantamento e o senso trágicos cultivados na primeira metade do século XX, portanto, criaram o ambiente propício para a recepção do ceticismo e da melancolia kafkaniana, inspirados pelo idealismo alemão (WAGENBACH, 2001). Um resumo dos principais romances de Kafka, em combinação com as análises desenvolvidas por Klaus Wagenbach, especialista na prosa kafkaniana, ajuda-nos a identificar alguns dos argumentos do idealismo alemão na obra do escritor.
A metamorfose
O caixeiro viajante, Gregor Samsa, provedor de sua família e amado por seus pais e por sua irmã, é o protagonista de A metamorfose. Gregor é o que podemos chamar de homem comum, como outro qualquer, levando uma vida comum, como outra qualquer. Tudo estava normal até o dia em que ele se transforma em um inseto nojento. Se antes era o arrimo amado, Gregor se torna objeto de vergonha e da rejeição de sua família. Lá pelas tantas no enredo, os familiares de Gregor também se transformam em insetos, e sua casa se modifica radicalmente.
Livro "A metamorfose" de franz-kafka.
A metamorfose é uma alegoria da temporalidade moderna, caracterizada pela aceleração e pelas constantes transformações. No mundo moderno, no mundo da técnica, tudo está constantemente se transformando e, tal como Gregor, mudando para pior. Se a vida pregressa de Gregor já não era perfeita, se ele já era um homem infeliz com seu ofício e sufocado pelas necessidades materiais de sua família, a metamorfose em inseto tornou as coisas ainda piores.
(WAGENBACH, 2001, p. 32)
Formulando o ceticismo do idealismo alemão em relação às promessas da modernidade cartesiana/iluminista de maneira ainda mais melancólica, no livro A metamorfose, Kafka não apenas questiona a busca pela felicidade, mas sugere que o próprio movimento, entendido como transformação, caminha sempre no sentido da tragédia, do exato oposto à felicidade. A melancolia da prosa kafkaniana não deixa nada a dever à filosofia de Schopenhauer.
A Metamorfose de Franz Kafka
Neste vídeo, você conhecerá um pouco mais sobre a obra A metamorfose e como ela representa ideias do idealismo alemão
O processo
O protagonista de O processo é outro homem comum, um bancário chamado Josef K, que é processado sem saber o motivo. Na manhã de seu aniversário, Josef K. foi detido sem que tivesse cometido crime algum. O enredo do livro é a saga do personagem em busca de informações sobre o processo no qual era réu. Josef K. se debate contra a complexa burocracia do Estado moderno.
Livro "O processo" de franz-kafka.
O enredo de O processo traz a burocracia do Estado moderno para o centro da crítica de Kafka. Por mais que tente, Josef K. não consegue descobrir quem o está acusando e qual o motivo da acusação. As instituições do Estado moderno, criadas para serem a manifestação da racionalidade na esfera pública, em contraponto ao Estado do antigo regime, regido pela lógica do privilégio, são caricaturadas por Kafka como manifestação predatória do poder contra os direitos individuais. (...) O Estado ilustrado, que prometia ser o gerenciador do progresso, é pintado por Kafka como a morada de burocratas preguiçosos, incompetentes e autoritários.
(WAGENBACH, 2001, p. 64)
O castelo
Em O castelo, Kafka alegoriza e critica a burocracia moderna. O protagonista é K, tão somente K. O indivíduo moderno é reduzido a uma letra, diante dos aparelhos do Estado que a ilustração prometeu que seriam movidos pela razão e pelos instrumentos de libertação. K é um agrimensor contratado pelo dono de um castelo para medir suas terras. O enredo consiste no périplo de K pelos corredores do castelo, em busca de seu contratante e de informações sobre o trabalho. Vários departamentos. Diversos funcionários. Desencontros, informações truncadas. Angústia.
Livro "O castelo" de franz-kafka.
Kafka é um homem destituído de sua humanidade, quase sem identidade, embrutecido por uma busca eterna pela verdade, busca que é impossibilitada pelas estruturas burocráticas que, ao invés de pavimentar o progresso e o desenvolvimento da razão, criam confusão, erro e desinformação.(WAGENBACH, 2001, p. 73)
Kafka não era um filósofo, seu procedimento de trabalho não é o filosófico. O filósofo especula sobre a realidade, cita outros filósofos para confrontá-los ou seguir seus legados. Já o literato não tem nenhum compromisso com a realidade. O literato imagina, cria personagens que não existem, enredos ficcionais e situações fantasiosas. Porém, isso não quer dizer que ficção seja simplesmente mentira. Ao imaginar a fantasia, o literato sempre alegoriza a realidade, manifestada na sua própria forma de ver o mundo, nos conceitos que mediam sua percepção de mundo.
Kafka foi formado no ambiente cultural do idealismo alemão, marcado pela desconfiança em relação à euforia iluminista, pela melancolia e pela descrença de que a ciência cartesiana seria a provedora da felicidade humana. Essas percepções transbordam para a prosa de Kafka, prefiguram a forma como o autor elabora seus enredos e constrói a personalidade de seus personagens.
O idealismo alemão, como já vimos, não é somente uma corrente de pensamento compartilhada por filósofos eruditos. É uma certa forma de ver a realidade, de interpretar a modernidade que começou a ganhar corpo na cena intelectual germânica no final do século XVIII, sobreviveu ao século XIX e se fortaleceu ao longo do século XX.
Freud
DESDOBRAMENTOS CONTEMPORÂNEOS DO IDEALISMO ALEMÃO
No futuro imaginado pelo Iluminismo no século XVIII, o século XX seria o momento da apoteose, da realização da utopia possibilitada pela razão e pelo desenvolvimento científico. Porém, a História, no século XX, contrariou a previsão otimista feita pelos iluministas, trazendo à luz o espetáculo da destruição em massa, da engenharia do genocídio, sofisticada racionalmente e impulsionada pela tecnologia. O clima geral foi de decepção, o que fez com que a segunda metade do século XX se transformasse em terreno fértil para o ceticismo e a melancolia do idealismo alemão. Freud costuma ser tratado como o médico que inventou a psicanálise. Ele é muito mais que isso.
Sigmund Freud
Em sua vasta obra, Freud apresentou uma interpretação da tradição ocidental que, em diversos aspectos, foi influenciada pelo idealismo alemão. Confrontando a ontologia cartesiana/iluminista, que, como já sabemos, define a existência humana a partir de uma capacidade racional intrínseca (homo sapiens), Freud definiu o humano a partir de sua irracionalidade, de sua inconsciência, e podemos ouvir claramente o eco das vozes de Schopenhauer e Nietzsche (ASSOU, 1983). Portanto, racionalismo define o humano por aquilo que o humano é e sabe que é. Freud define o humano por aquilo que é, mas não tem consciências, por suas pulsões desejosas (id), disciplinados reprimidos pela consciência, pelo superego.
Essa é a premissa existencial que Freud busca nas críticas que os idealistas alemães faziam ao racionalismo desde o final do século XVIII ao fundar a psicanálise. Em linhas gerais, a psicanálise defende que as doenças mentais não são patologias exclusivamente físicas, mas o resultado da repressão de desejos e afetos. A terapia consiste na tomada de consciência daquilo que até então era inconsciente, pois, assim, o analisado teria mais condições de lidar com seus desejos, traumas e suas frustrações.
No livro O mal estar da civilização, publicado em 1930, momento em que começa a escalada nazista na Alemanha, Freud combina com clareza sua interpretação da modernidade com suas discussões médicas sobre a psicanálise.
O avanço técnico, o desenvolvimento industrial que a ilustração monumentalizou como molas propulsoras do desenvolvimento humano, para Freud, eram incapazes de cumprir sua promessa. Ecoando Schopenhauer, Freud denuncia que a Revolução Industrial não tornou o homem mais feliz. Pelo contrário, fomentou frustração e mal-estar, pois a civilização industrial aprimorou as práticas de controle do pensamento e do desejo, transformando o superego em potência ainda mais censora e geradora de neurose. Freud já tinha explorado os desdobramentos psicanalíticos da frustração com as promessas emancipatórias do Iluminismo no livro sugestivamente intitulado O futuro de uma ilusão, de 1927.
Para Freud, a culpa, entendida como resultado da superação do superego, da potência racional/moral, cuja função é reprimir os desejos primários, pré-racionais, é o resultado da vida social. A partir do momento em que os primeiros homens se organizaram em sociedade e passaram a dividir um espaço social comum, o superego já começou a desempenhar seu papel, funcionando como uma espécie de polícia internalizada, cuja função é não permitir que as pessoas façam o que querem, que deem livre vazão aos seus desejos, o que fatalmente inviabilizaria a vida social. Com o desenvolvimento das sociedades modernas de massa, a moral se tornou tribunal ainda mais poderoso e vigilante. O superego em Freud, como já vimos, é a razão, entendida como consciência.
Para a tradição racionalista, que deita suas raízes nos gregos, a razão é a natureza humana. Para a modernidade cartesiana/iluminista, a razão é natureza humana e vocação para o progresso e para a felicidade. Para Freud, a razão é uma invenção da civilização. Mais do que isso: é o preço a ser pago pela civilização, fardo pesado, causa primeira de doenças da mente.
O homem moderno pintado por Freud está longe de ser aquele projetado pela imaginação iluminista. É melancólico, angustiado, carrega sobre os ombros o fardo de uma racionalidade que, ao invés de ser emancipatória, é policialesca. Porém, Freud não abre mão totalmente da possibilidade de emancipação pela razão, não chegando ao limite de um niilismo radical. Freud quis fazer da psicanálise uma ciência natural.
O homem moderno freudiano, angustiado, tem uma chance de libertação: a terapia, a intervenção psicanalítica, em que o médico o ajuda a tomar consciência do recalque, a lançar luz sobre aquilo que estava nas sombras, perdido no id, no mundo da inconsciência. Essa é a felicidade possível para Freud: a libertação terapêutica, que é bastante diferente da apoteose coletiva tão alardeada pelo pensamento iluminista.
A segunda metade do século XX transformou a dúvida metodológica e a descrença com as promessas da ilustração no fundamento da filosofia contemporânea. Isso não quer dizer exatamente que o idealismo alemão tenha influenciado a contemporaneidade, mas que a história do século XX confirmou o ceticismo e as dúvidas que os idealismos alemães colocaram na modernidade lá no século XVIII. Vários autores, não exatamente tributários do idealismo alemão, produziram um pensamento cético e crítico à imaginação iluminista.
De Ludwig Wittgenstein a Jean-Paul Sartre, passando pela Escola de Frankfurt, várias correntes de pensamento apontaram para a falência das promessas iluministas, desenharam um ambiente intelectual marcado pela dúvida e pela desconfiança, como o proposto no movimento filosófico conhecido como Existencialismo e que tem como Sartre um de seus grandes nomes. É a era da derrocada das metanarrativas universalizantes, como disse François Lyotard. Pós-modernidade é o termo comumente evocado para definir os nossos tempos.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
Parte superior do formulário
1. A literatura de Kafka foi inspirada pelo ambiente do idealismo alemão pós-kantiano. Assinale a alternativa que melhor define essa inspiração.
Escrevendo na primeira metade do século XX, Kafka alegorizou a euforia moderna com o progresso científico, apropriando-se, portanto, do otimismo racionalista característico do idealismo alemão.
Escrevendo na primeira metade do século XX, Kafka alegorizou o nacionalismo alemão, apropriando-se, portanto, do conceito de “grande pátria” desenvolvido pelo idealismo alemão.
Escrevendo na primeira metade do século XX, Kafka alegorizou a política revolucionária iluminista, apropriando-se, portanto, do conceito de monarquia absolutista desenvolvido pelo idealismo alemão.
Escrevendo na primeira metade do século XX, Kafka alegorizou o ceticismo do idealismo alemão com as promessas emancipatórias feitas pela modernidade artesiana/iluminista.Responder
Parte inferior do formulário
Comentário
Parte superior do formulário
2. A obra de Freud apresenta um projeto ontológico distinto daquele apresentado pela modernidade cartesiana/iluminista. Assinale, entre as alternativas a seguir, aquela que melhor define as diferenças entre esses dois projetos.
A ontologia iluminista/cartesiana define o homem como homo faber, como se o trabalhado fosse o elemento definidor da natureza humana, enquanto Freud define como homo sapiens, que traz a razão para o centro da ontologia.
A ontologia iluminista/cartesiana definiu o homem como um ser movido por desejos irracionais, enquanto Freud definiu como homo sapiens, trazendo a razão para o centro da ontologia.
A ontologia iluminista/cartesiana definiu o homem como homo sapiens, como se a razão fosse o elemento definidor da natureza humana, enquanto Freud define-o a partir das pulsões desejosas pré-racionais.
A ontologia iluminista/cartesiana definiu o homem a partir dos desejos pré-racionais, enquanto Freud definiu como homo sapiens, trazendo a razão para o centro da ontologia.
Responder
Parte inferior do formulário
Comentário
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo, conhecemos melhor aquele que é um dos mais importantes capítulos da história da filosofia moderna. Nós nos esforçamos para estudar filosofia em perspectiva um tanto diferente da usual, mais interessada na concretude das ideias do que na resenha de filósofos eruditos e herméticos. Assim, aprendemos que aquilo que chamamos de modernidade foi, antes de qualquer coisa, um ambicioso projeto de futuro, que prometia a felicidade e a redenção para a humanidade, através do desenvolvimento tecnológico e científico. A razão, portanto, seria, ao mesmo tempo, a característica intrínseca aos humanos e o motor do progresso e da felicidade. Já no século XVIII, algumas vozes começaram a desconfiar dessa promessa, sem necessariamente negá-la por completo.
O idealismo alemão foi o resultado dessa desconfiança. Conforme o tempo passava e o século XX avançava, a realidade histórica solapava ainda mais a promessa iluminista, fertilizando o terreno para o fortalecimento da melancolia e da desconfiança, que também podem ser encontradas no idealismo alemão. Seria um exagero dizer que foi “o idealismo alemão” quem veio do século XVIII para influenciar a segunda metade do século XX e o início do século XXI, como se a filosofia contemporânea fosse tábula rasa a ser simplesmente influenciada. Mais adequado seria afirmar que a realidade histórica contemporânea fortaleceu os sentimentos de desesperança e dúvida, fazendo com que o pensamento contemporâneo, de forma ativa, fosse buscar soluções no repertório disponível. Entre as diversas tradições de pensamento disponíveis, o idealismo alemão vai ao encontro da atmosfera contemporânea, o que nos ajuda a entender sua importância em nossos dias.
PODCAST
0:00
20:52
REFERÊNCIAS
ASSOUN, P. L. Introdução à epistemologia freudiana. Rio de Janeiro: Imago, 1983.
ASSOUN, P. L. Freud, a filosofia e os filósofos. Rio de Janeiro: Imago, 1985.
BEISER, F. C. German idealism: the struggle against subjectivism, 1781-1801. Cambridge: Harvard University Press, 2002.
BONACCINI, J. A. Nietzsche e o idealismo alemão. Cadernos Nietzsche 28, 2011. Consultado em meio eletrônico em: 6 mar. 2019.
COELHO, H. S. O monismo complexificado de Schelling. In: Cadernos de Filosofia Alemã, 2018. Consultado em meio eletrônico em: 29 jun. 2020.
COLLARES, R. L. A digestão do idealismo alemão pelo pensamento de Nietzsche. In: Estudos Nietzsche, Curitiba, v. 3, n. 1, p. 49-64, jan./jun. 2012. Consultado em meio eletrônico em: 29 jun. 2020.
CONDORCET, A. O progresso do espírito humano. In: GARDNER, Patrick. Teorias da História. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1995.
CASSIRER, E. A filosofia do Iluminismo. Campinas: Unicamp, 1997.
DUDLEY, W. O idealismo alemão. Petrópolis: Vozes, 2007.
FICHTE, J. Sobre o espírito e a letra na filosofia. São Paulo: 34, 2011.
FREUD, S. O mal-estar da civilização. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
FREUD, S. O futuro de uma ilusão. São Paulo: Imago Ed, 1974.
FREUD, S. A doutrina da ciência. São Paulo: 34, 2010.
FOGELIN, R. A tendência do ceticismo de Hume. Sképsis. Ano 1, vol. 1, 2007. Consultado em meio eletrônico em: 29 jun. 2020.
GUMBRECHT, H. U. Modernização dos sentidos. São Paulo: 34, 2010.
HEGEL, G. Fenomenologia do espírito. São Paulo: 34, 2010.
HEGEL, G. Princípios da filosofia do direito. São Paulo: 34, 2010.
HUME, D. Diálogos. São Paulo: 34, 2013.
KANT, I. Os prolegômenos a toda metafísica futura. São Paulo: 34, 2012.
KANT, I. Crítica à Razão Pura. São Paulo: 34, 2011.
KANT, I. Metafísica dos costumes. São Paulo: 34, 2013.
KERVERGAN, J. O Estado de direito no idealismo alemão: Kant, Fichte, Hegel. In: doispontos. Curitiba, São Carlos, vol. 4, n. 1, p. 107-135, abril, 2007. Consultado em meio eletrônico em: 29 jun. 2020.
LYOTARD, F. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009.
MONTEIRO, J. P. Kant leitor de Hume ou o “bastardo da imaginação”. In: Revista USP, vol. 1, n. 1, 1993. Publicado em: 09 jun. 1983.
NIETZSCHE, F. Além do bem e do mal. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2006.
NIETZSCHE, F. Vontade de poder. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2005.
ROCHAMONTE, C. Metafísica e moralidade em Schopenhauer e Kant. In: Argumentos Revista de Filosofia, Fortaleza, v. 2, n. 3, p. 136-140, 2010. Consultado em meio eletrônico em: 29 jun. 2020.
ROCKMORE, T. Através do espelho kantiano: as observações sobre Fichte e o idealismo alemão. In: Revista de Estud(i)os sobre Fichte, 6. 2013. Consultado em meio eletrônico em: 29 jun. 2020.
ROYVCE, J. Lectures on Modern Idealism. New Haven: Yale University Press 1967.
SCHELLING, F. Ideias para uma filosofia da natureza. São Paulo: 34, 2010.
SCHELLING, F. Da alma e do mundo. São Paulo: 34, 2010.
SCHOPENHAUER, A. O mundo como vontade e representação. São Paulo: 34, 2013.
WAGENBACH, K. A Praga de Franz Kafka. Lisboa: Fenda Edições, 2001.
EXPLORE+
· Para se aprofundar no conceito de ceticismo de Hume, leia o artigo do Estadão O ceticismo esquecido de David Hume: antídoto ao fanatismo.
· Para conhecer um pouco mais sobre Franz Kafka, leia os artigos disponíveis no site da revista Cult.
· Conheça um pouco mais sobre Sigmund Freud assistindo ao vídeo disponível no Canal Saúde, da Fiocruz.
· Leia os livros:
O mal-estar na civilização; Assim Falava Zaratustra; O lobo da estepe e A Metamorfose para construir suas próprias relações com os autores abordados.
CONTEUDISTA
RODRIGO PEREZ OLIVEIRA
Currículo Lattes
Ao

Continue navegando