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InquisicIaIãÆo-Portuguesa

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1
Inquisição Portuguesa: uma das faces do direito penal 
 
Ana Luiza de Oliveira e Silva1
 
Introdução 
 Durante a Idade Moderna, Portugal abrigou diversos tipos de instituições e 
instâncias de poder. Uma das primeiras a saltar aos olhos é a monarquia absoluta, 
encabeçada por dinastias como as de Avis, Afonsina, Manuelina, Filipina e de 
Bragança. Portugal foi “uma das nações que mais cedo deu forma a um Estado, síntese 
de um rei e de um reino, com instituições, território, cultura e autonomia econômica, 
perfilando-se no areópago das nações cristãs como constante aliada do papado, 
reconhecendo a matriz cristã e latina da sua tradição histórica, caldeada com as várias 
culturas e etnias que enriqueceram o seu convívio em tempos medievais (sueva, goda, 
hebraica, muçulmana).”2 
Mas o fato de haver um Estado forte, com um poder central e fortemente 
configurado que controlasse todas as citadas relações, não impedia que existissem 
outras instituições que também exercessem o poder. Houve várias dessas, pois, apesar 
da pequena proporção territorial, Portugal possuía diversos nichos sociais que 
necessitavam de controle ou, no mínimo, de organização. Assim, outras instituições 
foram criadas e passaram a desempenhar seus papéis, agindo como “braços” do poder 
centralizado. A inexistência de uma divisão em áreas administrativas claramente 
definidas no âmbito do próprio Estado levou a distinguir, no conjunto das funções 
administrativas, as que formavam áreas exclusivas de competência, tais como, entre 
outras: a Justiça (que tratava do cumprimento da lei e da aplicação das punições) e a 
Igreja (que geria os assuntos eclesiásticos e zelava pelos aspectos morais da sociedade). 
Posto que na época tratada houvesse certa promiscuidade entre Estado e Igreja, 
entre crime e pecado, observa-se um rígido esforço de controle, em relação à disciplina 
social, ao arrependimento dos culpados, ao retorno a Deus por parte daqueles que se 
afastaram, à perturbação da ordem, à ofensa à religião oficial, enfim, demonstrando que 
as duas instituições misturam seus interesses. Mais especificamente quanto ao Santo 
 
1 Mestranda em História Social junto à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da 
Universidade de São Paulo – FFLCH/USP. 
2 BARATA, Maria do Rosário Themudo. Portugal e a Europa na época moderna. In: TENGARRINHA, 
José (Org.). História de Portugal. Bauru, SP : EDUSC; São Paulo, SP : UNESP; Portugal, PT : Instituto 
Camões, 2001, p. 185. 
 2
Ofício, “certamente o processo inquisitorial canônico serviu, na passagem da Idade 
Média à Idade Moderna, como modelo para o desenvolvimento do processo penal 
estatal”3, mas tanto o Estado moderno quanto o surgimento de novas ideologias 
promoveram uma mudança. Pode-se problematizar de que modo o crime e o pecado 
foram tratados durante o século XVIII, procurando perceber, segundo Prodi, se há uma 
“criminalização do pecado ou sacralização do crime”. Objetivamos aqui discorrer um 
pouco a respeito do funcionamento do tribunal da Inquisição, verificando como se 
organizava a justiça em âmbito inquisitorial. 
 
1. Funcionamento interno inquisitorial 
Diversos aspectos permeiam e caracterizam a constante organização do Tribunal 
da Inquisição. Primeiramente cita-se a questão da formalidade, presente em todos os 
momentos e em todas as ações tomadas pelo conjunto de inquisidores. Atrelado a isso, 
observa-se uma conseqüente solidificação da instituição, dado que o aspecto formal 
permitia pouca liberdade de manobras que poderiam, por sua vez, vir a desestruturar 
todo o sistema. Assim, cada instância, cada peça da máquina inquisitorial era 
rigidamente controlada e formalizada, não deixando brechas para o aparecimento de 
quaisquer pontos fracos. 
A respeito do processo organizacional, um dos aspectos a ser salientado é o que 
toca os regulamentos internos do Tribunal, ou seja, instruções escritas que balizavam os 
feitos e práticas inquisitoriais, de forma a atingir uma uniformidade. A administração da 
Inquisição tocava tanto o âmbito interno quanto o externo, ou seja, regrava o que era 
feito e decidido dentro do próprio Santo Ofício, mas tais decisões atingiam diretamente 
a vida dos comuns e o ambiente exterior àquele círculo. Os diferentes Regimentos da 
Inquisição definiam diversos elementos em relação à organização inquisitorial, como o 
de 1552 que, como coloca Bethencourt, definia “a estrutura do tribunal, a visita ao 
distrito, a publicação dos éditos, a maneira de agir com os penitentes e os acusados, as 
formas de reconciliação, a detenção, a instrução dos processos, os recursos das 
sentenças, a condenação à pena capital, a preparação do auto da fé, a exposição dos 
sambenitos nas igrejas, as decisões reservadas ao inquisidor-geral, as regras respeitantes 
ao exercício de vários cargos nos tribunais.”4 Esses pontos denotam a estrutura interna e 
são relacionados aos procedimentos tomados em relação aos próprios aspectos e ações 
 
3 PRODI, Paolo. Um história da justiça. São Paulo : Martins Fontes, 2005, p. 454. 
4 BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições. São Paulo : Cia das Letras, 2000, p. 45. 
 3
que caracterizam a Inquisição. Diversos documentos regulamentares, datados 
principalmente do século XVI, marcam a época em que o Tribunal estava se 
estabelecendo e consolidando em Portugal.5 
 Os regulamentos atingiam as diversas franjas da população, o que pode ser 
observado, por exemplo, em dossiês que contêm denúncias, em listas de presos e de 
condenados; sendo, enfim, fato que o Santo Ofício tinha poder para administrar a justiça 
sobre o povo português. Além disso, pode-se acrescentar o controle do que era lido 
entre as pessoas, através do Index librorum prohibitorum. Esse tipo de procedimento 
tocava os comuns e as práticas da vida social, sendo que as pessoas que caiam nas redes 
da Inquisição encontravam-se com uma metodologia processual bastante clara.6 Deve 
ser retido o fato de que se vê nitidamente, “uma estratégia de uniformização das práticas 
inquisitoriais, sobretudo no que diz respeito ao processo penal, à publicação dos éditos 
da fé e à política de censura de livros.”7
Vai se tornando claro o gradual processo de enraizamento do Tribunal, dada a 
organização interna e, além dela, a organização territorial, nos dois sentidos do termo, 
quais sejam: espacial (Portugal, com suas regiões e municípios) e relativo à geografia do 
poder. Ambos os aspectos deveriam ser pensados, de forma a montar um mecanismo de 
controle abrangente. Isso foi feito basicamente de duas formas: “por um lado, as visitas 
de distrito; por outro, a organização de uma rede de oficiais e de auxiliares civis não 
remunerados, ou seja, os comissários e os familiares.”8 De qualquer forma, a concessão 
de títulos de oficiais, e a conseqüente formação de uma rede de ajudantes, foi uma das 
estratégias que, juntamente com as visitações, auxiliaram para que o trabalho 
inquisitorial seguisse, gradualmente, o caminho para o equilíbrio entre as necessidades 
de atuação e suas possibilidades. 
 Quanto aos inquisidores, eram os que organizavam ações locais, onde ocorriam 
os maiores conflitos de jurisdição com outros tribunais, como o secular e o episcopal. 
Em Portugal, esses membros eram escolhidos e nomeados pelo Inquisidor-Geral e eram, 
 
5 Ver mais em HERCULANO, Alexandre. História da origem e estabelecimento da Inquisição em 
Portugal. [1854], 3 vols. 13a edição. Editora Paulo de Azevedo Lda., s/d 
6 Sobre funcionamento interno do Tribunal e seus procedimentos em relação ao preso, ver mais, por 
exemplo, em SANCHEZ, Antonio Nunes Ribeiro. Christãos novos e christãos velhos em Portugal. 
[1748]. Prefácio de Raul Rego, 2a edição. Porto : Paisagem, 1973 
7 BETHENCOURT, Op. Cit., p. 51. 
8 Idem, p. 53. Sobre o assunto também vermais em FEITLER, Bruno. Poder episcopal e ação inquisitorial 
no Brasil; e WADSWORTH, James E. Os familiares do número e o problema dos privilégios. In: 
VAINFAS, Ronaldo, FEITLER, Bruno e LIMA, Lana Lage da Gama (Orgs.). A inquisição em xeque. 
Rio de Janeiro : EdUERJ, 2006 
 
 4
em sua maioria, doutos em direito canônico. Assim como no caso dos conselheiros, há 
grande possibilidade de promoção a outros cargos, tanto laicos quanto eclesiásticos. No 
entanto, aparentemente existe maior conflito entre estas instâncias e os inquisidores, 
cujos motivos são tanto de jurisdição quanto de status. O interessante deste cargo é o 
fato dos inquisidores terem exclusividade nos inquéritos da fé, o que os aproximava da 
população, permitindo um maior controle do espaço público. É importante perceber que 
esses homens tinham ação tanto dentro quanto fora das salas do Santo Ofício: “os 
inquisidores são o rosto do Tribunal. Não é surpreendente que os conselhos procurem 
controlar seu comportamento público e privado.”9
O Regimento de 1640 traz informações sobre a grande rede de profissionais que 
atuavam no Santo Ofício, sendo que cada função era extremamente detalhada.10 Apesar 
de alguns deles realmente não serem cargos muito elevados, eram muito procurados, 
dada a importância e o prestígio que a Inquisição emprestava a seus componentes, fosse 
qual fosse a posição que ocupassem. O Regimento ainda coloca em detalhes os deveres 
e ações de cada um dos ministros e oficiais, e “essa preocupação de disciplinar-se cada 
vez mais a ação dos Inquisidores e seus oficiais merece reflexão. Sem dúvida, revela um 
crescimento contínuo do Tribunal em complexidade e em quadros funcionais. Todavia, 
essa multiplicação de preceitos traduzia uma vontade de jurisdicidade estrita contra o 
arbítrio dos julgadores e o desenvolvimento de mecanismos de controle que, em última 
análise, beneficiava a autoridade régia que promulgava essa legislação 
disciplinadora.”11
 
2. Procedimentos 
 O Tribunal procurava estabelecer um ideal em relação ao âmbito espiritual e ao 
vínculo dos homens com o sagrado, de forma a restaurar a cristandade. Estando de 
acordo com os preceitos da Contra-Reforma, procurava purificar os homens, trazendo 
novamente para o seio da Igreja aqueles que dela se afastavam, utilizando para isso a 
normatização de práticas e crenças. Além disso, seguindo a idéia universalista cristã, a 
instituição também deveria ter caráter universal, abarcando todas as regiões da nação e, 
através da delimitação de normas, da vigilância e da disciplina, estendia-se a todos os 
 
9 BETHENCOURT, Op. Cit., p. 133. 
10 Regimento da Inquisição de 1640, Livro I, títulos VII-XXII. 
11 SIQUEIRA, Sônia Aparecida de. A disciplina da vida colonial: os Regimentos da Inquisição. In: 
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Rio de Janeiro, ano 157, n. 392, jul./set. 
1996, p. 515. 
 5
cristãos, velhos ou novos. Nessa direção, “urgia acalmar a inquietação causada pela 
presença dos cristãos-novos, inimigos em potencial pelo seu supranacionalismo. O 
combate às minorias dissidentes era um programa inadiável. Os neocristãos podiam ser 
portadores do fermento herético por suas crenças residuais e por seus íntimos contatos 
com luteranos e judeus.”12 Para o contexto luso, são essas pessoas as mais fortemente 
perseguidas, não sendo no entanto os únicos hereges para quem os olhos do Tribunal se 
voltaram. 
Quanto à própria noção de heresia, tem importância tanto durante a época 
Moderna quanto durante a Medieval: “uma diferença crucial entre o tribunal medieval 
da Inquisição e o Santo Ofício Ibérico é que o primeiro, organizado pelos dominicanos, 
estava subordinado ao Papa e tinha como objetivo combater as seitas heréticas dos 
séculos XIII-XIV (cátaros, albigenses e outros); já a inquisição moderna/ibérica, 
organizou-se como um tribunal eclesiástico (sendo um valioso auxiliar do Estado), cujo 
principal alvo era a perseguição sistemática anti-semita.”13 Seguindo a etimologia da 
palavra, vê-se que heresia deriva do grego, significando eleger ou optar. Neste sentido, 
qualquer um que faça uma escolha, opte por um caminho religioso ou filosófico, ou 
eleja uma seita, escola ou doutrina, torna-se um haereticus, e durante os períodos de 
perseguição tais palavras ganharam um novo tipo de interpretação e até mesmo de 
significado. 
A palavra heresia, além de ser relacionada aos verbos de eleição, foi posta como 
derivante dos verbos aderir ou mesmo dividir, e segundo os doutos inquisitoriais, os 
heréticos “elegiam” uma falsa doutrina, em detrimento da verdadeira, pregada pela 
Igreja; ou “aderiam” com convicção a esse falso conjunto de pensamentos religiosos; ou 
ainda, “dividiam” a si mesmos de sua comunidade e do seio da Igreja, ou seja, 
isolavam-se espiritualmente, por seguirem um tipo de doutrina rejeitada por todos. “O 
Santo Ofício da Inquisição contra a herética pravidade e apostasia inseriu-se em 
Portugal exatamente no momento da passagem do Renascimento para o Barroco. 
Configurada pela mentalidade do tempo, a refletir-se em cada aspecto de sua existência, 
é exemplo institucional de um período da história do Ocidente.”14
 Desta forma, heréticos passaram a ser aqueles que acreditavam, proferiam e/ou 
praticavam quaisquer idéias e/ou ações que fossem contrárias à fé de Cristo, propagada 
 
12 Idem, p. 502 
13 ALMEIDA, Denise Maria de. Entre o êxtase e a possessão. Dissertação de Mestrado apresentada à 
Universidade de São Paulo em 2005, p. 109. 
14 SIQUEIRA, Op. Cit., p. 198. 
 6
pela Igreja Católica.15 Tais proposições e práticas passaram a ganhar nomes pouco 
delicados, tais como blasfêmias, transgressões, calúnias, sacrilégios, agressões e, enfim, 
heresias. Segundo Torquemada e outros inquisidores do século XVI, existiam oito 
critérios para que pudesse ser feito, a contrario, o reconhecimento de uma heresia.16 
 Neste manual inquisitorial se reitera constantemente a presença da Igreja e de 
seus membros, trazendo à tona a idéia de que os eclesiásticos possuíam imensa força e 
poder de decisão. Eram eles que estabeleciam a diferenciação entre certo e errado, entre 
falso e verdadeiro, entre salvação e danação. Eram eles que interpretavam as Escrituras, 
que ensinavam, que decidiam a respeito das tradições, que tudo concluíam e para tudo 
tinham respostas. Tal estado de coisas demonstra que os homens da Igreja (fossem 
apenas do clero, fossem membros da Inquisição) tomaram a seguinte posição: existe 
apenas uma verdade (a de Deus), cujo ensino só se pode realizar pela Igreja e seus 
eclesiásticos, que por sua vez decidem o que é verdadeiro e o que é falso, e procedem de 
forma a eliminar o falso (da maneira que for necessário) para tornarem-se, novamente, 
os únicos detentores da verdade. É interessante pensar sobre e interpretar o tipo de 
verdade colocada por esses homens e a constante manipulação desta em prol da 
manutenção de um poder e de um espaço consagrado para esse poder. 
Se à Inquisição cabia a decisão e a forma de proceder com aqueles considerados 
hereges, seus membros deviam possuir a capacidade e o dever de reconhecer os diversos 
grupos heréticos (medievais e modernos), através da forma de vestir, de falar e se 
comportar, tais como os cristãos-novos, mouriscos, pseudo-apóstolos, maniqueus ou 
cátaros, valdenses, fraticelli, necromantes, curadores17, mágicos18 e invocadores do 
Diabo, videntes e adivinhos, blasfemadores, heresiarcas, dogmatistas, excomungados, 
 
15 Teoricamente, a “escolha” e a “eleição” da doutrina cristã poderiam ser, em si, segundo a citada 
etimologia do termo, uma heresia. Contudo, os doutos do período que perseguiam hereges, defendem-se 
dessa afirmação e retiram-se desse grupo de acordo com o seguinte pensamento: “existe ‘separação’ na 
‘eleição’da fé católica, pois não nos cabe escolher, neste caso, de acordo com o nosso livre-arbítrio, mas 
‘seguir’ o que Deus determinou para nós.” EYMERICH, Nicolau. Directorium Inquisitorium [1376]; 
comentários de Francisco de La Peña [1578]. Rio de Janeiro : Ed. Rosa dos Tempos, 1993, p. 32. 
16 Idem, p. 34. 
17 “O nome que em Portugal se atribuía a estes praticantes conhecia algumas variações regionais. A norte 
do Tejo a palavra ‘curador’ era a mais utilizada e este mesmo vocábulo podia igualmente ver-se usado a 
sul da referida linha. Sobretudo nas dioceses de Évora, Elvas, Portalegre e Algarve, a expressão mais 
corrente era ‘saludador’, designação que, até 1716, não se encontrou nunca aplicada a alguém no norte e 
centro do país.” PAIVA, José Pedro. Bruxaria e superstição. Lisboa : Editorial Notícias, 1997, p. 104. 
18 Talvez este seja um dos grupos heréticos mais abrangentes, pois a quantidade de subdivisões referentes 
às chamadas práticas mágicas era simplesmente enorme. Podia mesmo incluir outros grupos supracitados, 
como os necromantes, os curadores e os invocadores de demônios, dependendo de como o caso fosse 
tratado, sendo este um conceito complexo. 
 7
cismáticos, entre outros.19 Havia ainda uma catalogação que incluía os hereges em 
outros grupos, como suspeitos, difamados, negativos, confidentes, penitentes, 
impenitentes, relapsos, aqueles que escondem, defendem, se comunicam, protegem 
hereges, entre outros. Sendo que o tratamento dado a cada pessoa incluída nessa grelha 
de definições dependia da categoria na qual era incluída. 
A forma como a Inquisição processava e procedia com esses indivíduos, seus 
réus, era um tanto quanto padronizada, dado que os Regimentos previam a forma de 
organização dos procedimentos a serem tomados, desde a primeira à última etapa de um 
processo. O livro II do Regimento de 1640 coloca todas as maneiras de proceder em 
relação ao passo inicial, único que não precisava ser, necessariamente, operado pelos 
membros do Santo Ofício: a denúncia.20 Algumas eram enviadas por tribunais 
episcopais, o que levava ao início de processos, outros eram produzidos pela justiça 
secular, outros ainda pelas Visitações de distrito, e outros, por fim, por auto-confissões, 
ou seja, por aqueles que se apresentavam21 ao Tribunal deliberadamente – observando 
ou não o tempo da graça22 –, que reconheciam seus erros e confessavam suas culpas. 
Mas a maior parte daqueles que foram levados a prestar contas aos inquisidores eram 
denunciados pelos comissários e familiares inquisitoriais ou, ainda, pela própria 
população. 
Pode, à primeira vista, parecer estranho que membros de um mesmo grupo 
social denunciem uns aos outros à Inquisição, mas deve-se considerar a existência e a 
força daquilo que Robert Mandrou23 chamou de “terrores camponeses”. Estes seriam 
pequenas coisas que poderiam levar a uma denúncia, como querelas, tagarelices, 
aparência, vestimenta, extravagâncias de comportamento, dramas conjugais, desgraças, 
epizootias, granizo, animosidades rancorosas e quaisquer outras que se consiga 
imaginar. Nesta direção deve-se comentar a questão de algumas crenças populares que 
serviam, em grande escala, para explicar um dos fatos supracitados, o que, 
conseqüentemente, levava à denúncia de alguém. Por exemplo, um viajante chega a 
uma pequena cidade e lá passa a noite para descansar. Se durante essa noite uma chuva 
de granizo destruir as plantações, muito provavelmente este viajante será acusado de ter 
 
19 Ver mais no Directorium Inquisitorium e no Regimento de 1640, livro III. 
20 Ver mais em PAIVA, Op. Cit., p. 198 
21 Regimento da Inquisição de 1640, Livro II, título II. 
22 Período de trinta dias, contados após a publicação do édito que continha a descrição dos crimes a serem 
delatados à jurisdição inquisitorial, para que os culpados de heresia se apresentassem espontaneamente à 
presença dos inquisidores para confessar seus delitos. 
23 MANDROU, Robert. Magistrados e feiticeiros na França do século XVII. São Paulo : Perspectiva, 
1979. Ver mais em DELUMEAU, Jean. História do medo no ocidente. São Paulo: Cia das Letras, 2001. 
 8
provocado o granizo intencionalmente, por ser um mágico maléfico. Sendo o Tribunal 
uma instituição poderosa, diversos casos deste cunho, que fugiam do controle e da 
compreensão, eram levados a ele para que pudesse, de alguma forma, resolvê-los. Não 
devemos, contudo, deixar de citar a possibilidade da malícia de certos membros do povo 
que, por diversas vezes, podiam inventar um motivo para denunciar alguém, apenas por 
vingança ou animosidade. 
Independente de como ocorresse a denúncia, após ela chegar aos ouvidos dos 
inquisidores, estes convocavam o acusado à sua presença. O não comparecimento já 
poderia ser, em alguns casos, motivo para excomunhão. Seguia-se então a abertura do 
processo e o início da investigação, na qual se incluía a convocação de testemunhas, 
cujos relatos eram ouvidos, examinados com consideração, ratificados e qualificados.24 
Em seguida, se procedia contra o denunciado, que era interrogado, levado à Mesa do 
Santo Ofício, preso e admoestado, estando previsto para isso prazos, documentos, 
funções a serem desempenhadas pelos membros da Inquisição, enfim, vários 
procedimentos a serem tomados após a audição das testemunhas, indo até o fim do 
interrogatório inicial do réu e suas conseqüentes confissões.25 Havia ainda uma etapa 
em que se apresentava ao réu um libelo da justiça, sendo dado a ele oportunidade de se 
defender, com advogado ou quaisquer contraditas, depois do que se publicava a prova 
da justiça, em que os testemunhos eram apresentados ao réu, porém sem os nomes dos 
delatores ou o período que testemunharam.26 
Prevêem-se também as maneiras de proceder no caso de haver contraditas após a 
publicação das provas, além de outras diligências previstas para antes do despacho final 
do processo, a forma como tal despacho devia ser executado, e o que nele devia constar. 
Através de votos, os Deputados, Inquisidores e Ordinário davam uma sentença, que 
podia variar, e entre as quais constava o tormento, o qual, permitido e utilizado pela 
Inquisição portuguesa, continha um título específico para o procedimento dos réus 
sentenciados a ele e a forma de sua execução.27 Há ainda informações sobre como se 
 
24 Regimento da Inquisição de 1640, Livro II, título III. 
25 Idem, Livro II, títulos IV-VII. 
26 Idem, Livro II, títulos VIII-IX. 
27 Idem, Livro II, títulos X-XIV. A tortura era imposta quando não se conseguisse confissão nos 
interrogatórios; sua intensidade variava da decisão dos inquisidores após ouvirem o médico e o cirurgião. 
Os aparelhos mais amplamente usados pelos portugueses eram “a polé, forma de tortura que consistia em 
atar o réu pelas mãos e levantá-lo até o teto; e o potro, uma espécie de cama na qual o condenado era 
amarrado pelos braços e penas pernas, os quais eram apertados por cordas atadas a um torniquete. A polé 
erguia o prisioneiro até uma roldana fixada no teto, aplicando-lhe um ‘trato corrido’, que consistia em 
abaixar o réu lentamente, ou um ‘trato esperto’, de acordo com o qual o supliciado era deixado cair 
bruscamente, sem que partes de seu corpo pudessem tocar o chão. Esse gênero de tortura fazia com que 
 9
proceder com os réus convictos no crime de heresia, com os hereges afirmativos, com 
os presos que endoideciam nos cárceres, com os defuntos, com os que estavam ausentes 
do Reino, com os que tinham suspeições e com os que apelavam.28 Por fim, a última 
parte de um processo poderia – mas não sempre – culminar em um auto de fé, cuja 
preparação e elementos estão também contidos no Regimento. Sendo “elemento central 
do juízo contemporâneo sobre o tribunal (e sobre uma política religiosa secular), o auto 
da fé mantém todo o seu atrativo, tanto mais que constituía o elemento central da 
representação do‘Santo Ofício’ no mundo ibérico, na época de sua atividade mais 
intensa.”29 
O terceiro livro do Regimento de 1640 trata sobre as penas que hão de haver os 
culpados nos crimes tratados pela Inquisição, dos quais alguns estão também 
contemplados, e com penas previstas, nas Ordenações Filipinas30. Se no plano político o 
poder real se confrontava com uma pluralidade de poderes periféricos, tendo hegemonia 
apenas simbólica, no plano da punição também a estratégia da Coroa não estava voltada 
para uma intervenção punitiva cotidiana e efetiva. A prática punitiva da Inquisição, que 
formalmente devia ser integrada no universo da punição real, funcionava, ao ver de 
Hespanha31, em um plano diferente, pouco tendo a ver com o discurso jurídico-penal. 
Por um lado, realizava uma função político-ideológica diferente, não se orientando 
prevalentemente para a promoção da imagem do rei como sumo dispensador da justiça e 
da graça; depois, não apresentava as mesmas dificuldades de implantação prática, 
sobretudo pelo fato de se impor através de mecanismos institucionais e processuais 
muito mais eficazes, importados do modelo eclesiástico de organização; por fim, porque 
a esta prática não correspondia o mesmo universo de discurso, pois os juristas não se 
ocupavam, senão lateralmente, da prática punitiva da Inquisição mesmo quando 
tratavam de crimes que, em Portugal, eram do seu foro. 
 
ossos e articulações dos torturados se contraíssem dolorosamente. O potro pressionava violentamente os 
membros em oito pontos do corpo, a corda ficava presa a uma manivela manipulada segundo a 
quantidade de voltas a serem aplicadas: ‘¼, ½ ou 1 volta inteira’. À medida que o torniquete contraía, as 
cordas rasgavam as carnes e às vezes até quebravam os ossos dos infelizes.” PIERONI, Geraldo. Os 
excluídos do Reino. Brasília : Ed. UnB, 2000 : São Paulo : Imprensa Oficial do Estado, 2000, pp. 75-6. 
28 Regimento da Inquisição de 1640, Livro II, títulos XV-XXI. 
29 BETHENCOURT, Op. Cit., p. 220. Ver mais no Cap. 7. 
30 Ordenações Filipinas, 1603, vols. 1 a 5. Edição fac-simile feita por Cândido Mendes de Almeida, Rio 
de Janeiro, 1870. www.uc.pt/ihti/proj/filipinas/ordenacoes.htm e www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt 
31 HESPANHA, António Manuel. Da “iustitia” à “disciplina”: textos, poder e política penal no Antigo 
Regime. In: _____. Justiça e litigiosidade: história e perspectiva. Lisboa : Fundação Calouste 
Gulbenkian, 1993, cap. 2. 
http://www.uc.pt/ihti/proj/filipinas/ordenacoes.htm
http://www.hespanha.net/www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt
 10
As penas com as quais o Santo Ofício castigava os culpados sofriam diferenças 
de acordo com o tipo de crime, estado da causa, qualidade das culpas, pessoas que as 
cometeram, reincidência, entre outros. Enfim, havia toda uma grelha de definições que, 
ao longo e ao fim do processo, podiam ir sendo cruzadas para se chegar a uma 
conclusão específica a respeito do réu em questão (herege convicto, relapso, revogante e 
impenitente, por exemplo). Contra os hereges e apóstatas, previa-se, pelo direito comum 
e por breves apostólicos, a excomunhão latae sententiae, além de outras penas, como as 
que se seguem. 
 
...da qual [excomunhão] os Inquisidores podem absolver no foro exterior, pela 
faculdade apostólica, que para isso tem: de irregularidade, que igualmente impede o 
exercício das ordens já recebidas, como também receberem se de novo: de infâmia, e 
privação de ofícios, e benefícios obtendo, com inabilidade para alcançar outros: de 
relaxação à Cúria secular, e confiscação de bens, desde o dia, em que se cometeu o 
delito. Além destas penas, há outras menos graves como a abjuração, degredo, açoite, 
reclusão, cárcere, hábito penitencial, condenação pecuniária, e penitenciais 
espirituais.32
 
Tais punições e classificações em relação aos réus aparecem em fontes 
processuais do Tribunal, onde também se pode perceber uma formalidade e 
padronização na organização dos processos, o que denota a organização dos trabalhos 
inquisitoriais que trouxeram, em larga escala, a solidez característica do Santo Ofício. 
Provavelmente, foi a normatização interna – que se refletiu na externa – a principal 
responsável pelo poderio adquirido pela Inquisição. Fosse na forma de tratamento 
utilizado entre os inquisidores, na forma como operavam, como o Tribunal funcionava, 
ou nos procedimentos tomados em relação aos acusados, o Santo Ofício refletia a 
organização que levava ao estabelecimento de um espaço de poder. Contudo, “apesar da 
atividade inquisitorial ter sido muito intensa em Portugal, e de a instituição ter uma 
cultura organizativa avançada para o tempo, sendo bastante eficaz, mesmo assim sofria 
de limitações que reduziam a sua capacidade de atuação.”33 Neste sentido, podem-se 
incluir as próprias práticas heréticas que, pelo simples fato de existirem, demonstram 
que o controle inquisitorial e a tentativa de normatização de práticas possuíam, senão 
falhas, pelo menos brechas. 
 
 
32 Regimento da Inquisição de 1640, Livro III, In: Revista IHGB, p. 828. 
33 PAIVA, Op. Cit., p. 204. 
 11
 
 
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