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Teorias da Arquitetura, do Urbanismo e do Paisagismo Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Me. Franklin Roberto Ferreira de Paula Revisão Textual: Prof.ª Dr.ª Luciene Oliveira da Costa Granadeiro Teorias da Arquitetura na Itália Renascentista • A influência de Vitrúvio no Renascimento; • Leon Batista Alberti; • Filarete. • Explorar a infl uência do tratado de Vitrúvio e seus desdobramentos nas teorias de alguns arquitetos italianos durante o Renascimento. OBJETIVO DE APRENDIZADO Teorias da Arquitetura na Itália Renascentista Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como seu “momento do estudo”; Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo; No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam- bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados; Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus- são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e de se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE Teorias da Arquitetura na Itália Renascentista A Influência de Vitrúvio no Renascimento Ainda que tenha sido escrito na Antiguidade, o tratado de Vitrúvio exerceu limi- tada influência em seu tempo. Apenas no século XV é que o documento será revi- sitado e traduzido por teóricos e, portanto, constituirá o plano de fundo da teoria da arquitetura italiana durante o Renascimento. Francesco di Giorgio fornece uma das mais importantes traduções em volgare, além de se referir constantemente a Vitrúvio em seu próprio tratado, Architettura. O volgare, ou o latim vulgar, era o dialeto derivado do latim e essencialmente falado pela grande massa popular e menos favorecida e quase inteiramente analfabeta no Império Ro- mano. Logo, a sua estrutura é muito mais simplificada e considerada inculta pelos letrados. Para saber mais, visite o link https://goo.gl/ePSk5Q Ex pl or Com a difusão dos escritos de Vitrúvio, entre os séculos XV e XVI, a discussão se cristaliza tendo como foco a proporção na figura vitruviana, interpretada por di Giorgio, num primeiro momento, e, posteriormente, por Leonardo da Vinci, que, tendo acesso ao manuscrito de di Giorgio, realiza o seu famoso desenho da figura vitruviana. De modo semelhante, sem dúvida, os membros dos edifícios sagrados de- vem ter cada uma das partes uma correspondência de medida muito con- formemente, na globalidade, ao conjunto da magnitude total. Acontece que o umbigo é, naturalmente, o centro do corpo; com efeito, se um homem se puser deitado de costas com as mãos e pés estendidos e colocarmos um compasso no seu umbigo, descrevendo uma circunferência, serão tocados pela linha curva os dedos de qualquer uma das mãos ou dos pés. Igualmente, assim como o esquema da circunferência se executa no corpo, assim nele se encontra a figura do quadrado; de fato, se medirmos da base dos pés ao alto da cabeça e transferirmos essa medida para a dos braços abertos, será encontrada uma largura igual à altura, como nas áreas definidas pelo retângulo com o auxílio do esquadro. (VITRÚVIO, 2007, p. 169 – Relação da circunferência e do quadrado com o corpo humano, capítulo 1, livro 3) Com acesso ao manuscrito traduzido por Francesco di Giorgio em 1470, da Vinci esboça uma reinterpretação dos escritos de Vitrúvio, gerando aquilo que se tornaria um dos mais importantes registros iconográficos do Renascimento. Nota-se que, no século XV, o texto de Vitrúvio é interpretado de maneira mais livre pelos teóricos e estudiosos, porém, no século seguinte, há uma tendência a compreendê-lo dentro de um espectro mais dogmático. Isso significa que as edi- ções, traduções, comentários, escritos que derivam do tratado de Vitrúvio, incul- cam uma tendência normativa, de modo que toda a teoria da arquitetura do século XVI encontra-se sob o signo do vitruvianismo (KRUFT, 2016, p. 120). 8 9 Figura 1 – O homem vitruviano, Leonardo da Vinci, séc. XV Fonte: iStock/Getty Images Uma das edições mais importantes do século XVI é a publicada em 1511 por Frade Giocondo de Verona. Nela, textos confiáveis, 140 xilogravuras e um índi- ce onomástico como anexo ajudam na compreensão da obra. As ilustrações de Giocondo, entre elas um esboço da figura vitruviana, irão influenciar obras poste- riores. Ainda que a obra de Giocondo seja dotada de certa suntuosidade, ela pos- sibilita a elaboração de obras mais modestas e acessíveis. Uma delas é uma edição publicada em 1513, com xilogravuras reduzidas e menos detalhadas, dedicada a Giuliano de Medici (Florença, 1453 – 1478), mecenas e político italiano. No ano de 1521, o pintor e arquiteto Cesare Cesariano (Milão, 1475 – 1543), aluno de Bramante, realiza outra tradução do documento, ainda pautada na edição latina de 1497 e na edição de Giocondo de 1511. Nessa edição, o autor reinter- preta os conceitos vitruvianos ichnographia (planta de um edifício), ortographia (projeção vertical de um edifício) e scaenographia (representação em perspectiva de um edifício) através da planta, da seção transversal e da triangulação do domo de Milão, explorando e adaptando o texto original ao Norte da Itália. 9 UNIDADE Teorias da Arquitetura na Itália Renascentista A icnografia consiste no uso conjunto e adequado do compasso e da ré- gua, e por ela se fazem os desenhos das formas nos terrenos das zonas a construir. A ortografia, por seu turno, define-se como o alçado (projeção vertical de um edifício) do frontispício e figura pintada à medida e de acordo com a disposição da obra futura. A cenografia é o bosquejo do frontispício com as partes laterais em perspectiva e a correspondência de todas as linhas em relação ao centro do círculo. (VITRÚVIO, 2007, p. 75 – A ordenação e a disposição, capítulo 2, livro 1) Figura 2 – Os conceitos vitruvianos de ichnographia, ortographia e scaenographia ilustrados por Cesare Cesariano no livro um de sua edição publicada em 1521 Fonte: European Mathematical Information Service Além de retomar esses conceitos, Cesariano se dedica à leitura da figura vitru- viana, demonstrando provável conhecimento da ilustração de da Vinci. Cesariano também traz à luz as três ordens arquitetônicas, porém, apresenta alternativas pos- síveis para as proporções. 10 11 Figura 3 – Ilustração para as explicações de Vitrúvio sobre as três ordens arquitetônicas, C. Cesariano, 1521 Fonte: University of Cambridge Tanto a tradução de Giocondo quanto a de Cesariano mostram-se bastante in- fluentes. A primeira, em função de suas ilustrações; a segunda, em função de sua tradução para o italiano e da relação temporal imediata. É a partir desse panoramaque a presente unidade tenciona a compreensão da influência da obra de Vitrúvio no Renascimento, tendo servido como base para pos- síveis desdobramentos de suas teorias. Dessa forma, tendo como ponto de partida o século XV, o conteúdo pretende abordar as teorias italianas com ênfase nos pensa- mentos de alguns personagens-chave, bem como Alberti, Filarete, Paládio e Piranesi. Leon Batista Alberti Leon Battista Alberti (Genova, 1404 – Roma, 1472) pode ser considerado um dos mais importantes teóricos renascentistas da Itália ao longo do século XV. Alberti redige os seus primeiros escritos sobre pintura, escultura e arquitetura ainda na primeira metade dos Quatrocentos. Quattrocento refere-se aos eventos culturais e artísticos do século XV na Itália, analisados em conjunto. Engloba tanto o fi nal da Idade Média (arte gótica e Gótico Internacional), quanto o começo do Renascimento. Os artistas voltaram-se mais às formas clássicas da Grécia e Roma. Para saber mais, visite https://goo.gl/uXkBCz. Ex pl or 11 UNIDADE Teorias da Arquitetura na Itália Renascentista Quando jovem, Alberti recebe formação humanística sob a tutela de Gasparino Barzizza em Pádua entre os anos de 1416 e 1418. Estuda direito canônico, física e matemática em Bolonha, porém, conclui apenas o primeiro curso em 1428. Entre 1432 e 1434, permanece em Roma como secretário de Biagio Molin, patriarca de Grado sendo que, em 1432, obtém a primeira prebenda da Igreja. A temporada em Roma é fundamental para Alberti, pois é nela que provavel- mente o teórico realiza seus estudos sobre a arquitetura antiga da capital italiana e tem acesso ao tratado de Vitrúvio. Em 1434, redige o escrito Della Famiglia; em 1435, conclui o escrito De Pictura redigido em latim e traduzido no ano seguinte para o volgare; em 1439, em Florença, conclui o escrito Intercenales, dedicado ao matemático [Paolo dal Pozzo] Toscanelli (Florença, 1397 – 1482). Quatro anos mais tarde, em 1443, Alberti retorna a Roma, e lá permanece até a sua morte, no ano de 1472. Nessas trinta décadas dedicando a sua vida à pesqui- sa científica, Alberti realiza viagens a outras regiões como Rimini, Mântua e retorna a Florença, todas no norte de Roma. Em Roma, presta consultoria ao papa Nicolau V em seus projetos arquitetônicos para a capital como superintendente para a restauração de edifícios antigos impor- tantes. Somente na década seguinte, no ano de 1452, é que Alberti conclui uma de suas principais obras literárias, o tratado de arquitetura De Re Aedificatoria. O tratado de Alberti é impresso pela primeira vez em Florença em 1485, por- tanto, após a sua morte. A primeira tradução italiana ilustrada é feita em 1550, em Florença, por Cosimo Bartoli; a edição moderna considerada mais importante é organizada por Giovanni Orlandi. É interessante notar a relação que há entre os tratados de Alberti e de Vitrúvio; ambos os escritos possuem dez livros que registram fatos históricos e pormenores técnicos; há a submissão à teoria das ordens arquitetônicas; há a apropriação dos tipos arquitetônicos e da terminologia antigos. Ainda que há semelhanças físicas e conceituais entre os dois tratados, Alberti manipula os escritos de Vitrúvio adotan- do uma postura crítica. Não houve uma única obra dos antigos, ainda que pouco conhecida, que eu não tenha examinado para com ela aprender alguma coisa. Portanto, não ignorei nada, mas examinei, vi, medi minuciosamente e registrei em desenhos, para conhecer e compreender desde o fundamento tudo quan- to se realizou de significativo e intelectual. [...] ele [Vitrúvio] escreve de modo tão rude, que os gregos o tomavam por um latino e os latinos poro um grego. Examinado mais de perto, o texto não se mostra nem latino nem grego, e seria indiferente se não o tivesse absolutamente escrito, de tal modo não podemos compreendê-lo. (ALBERTI apud KRUFT, 2016, p. 62) No prefácio de De Re Aedificatoria, Alberti compreende a função social do arquiteto, como uma espécie de prestador de serviços para a humanidade. Dessa 12 13 forma, o teórico sinaliza a importância do ofício diante das demais artes e difere o arquiteto do artesão. A mão do trabalhador serve ao arquiteto apenas como ferramenta. Um ar- quiteto, afirmo eu, será aquele que aprendeu, mediante um plano específico e digno de admiração, a determinar tanto nos pensamentos quanto nos sentimentos o modo de executar nas ações o que corresponde às necessi- dades humanas e que se dá pelo movimento de cargas e pela união e junção de corpos, cuja obtenção e conhecimento se encontra necessariamente en- tre as coisas dignas de valor. (ALBERTI apud KRUFT, 2016, p. 63) Alberti atribui ao arquiteto a responsabilidade de conceber obras que causem bem-estar (amoenitas), tranquilidade (festivitas) e saúde (salubritas) na sociedade, uma vez que a estabilidade (stabilitas), a aparência (dignitas) e a ornamentação (decus) são características com as quais o arquiteto deve lidar. Dessa maneira, Alberti sinaliza que um edifício é o resultado de linhas produ- zidas pelo espírito e matéria obtida pela natureza. Em função dessa afirmação, compreende-se que um edifício é a extensão do próprio arquiteto como resposta a uma série de condicionantes tendo em vista o tempo e o espaço. Daí se segue que um traço (lineamentum) é um determinado desenho que foi concebido no espírito, transposto para o papel por meio de linhas e esquadro, executado pelo coração e pelo espírito de um homem instruído. (ALBERTI apud KRUFT, 2016, p. 64) O arquiteto retoma as categorias vitruvianas de firmitas, utilitas e venustas em seu tratado com certa atenção, de modo que, do segundo ao nono livro, as três categorias são o principal assunto. • Livro I – definições (projeto); • Livros II e III – firmitas (material e construção); • Livros IV e V – utilitas (função e tipologia de edifícios); • Livros VI a IX – venustras (ornamentação, construção sacra, pública e priva- das; teoria das proporções); • Livro X – conclusões gerais. Alberti, assim como Vitrúvio, parte do princípio de que a gênese da arquitetura é a utilitas, a finalidade ou a função a que se destina uma edificação como um dos critérios para a qualidade da planta. Porém, diferentemente de Vitrúvio, Alberti associa a utilitas à função dos tipos de edifícios. Essa categoria se sobrepõe às demais de modo que “a grandiosidade e os adereços de um edifício devem estar adequadamente relacionados com a função bem como com o habitante do edifício” (KRUFT, 2016, p. 66). Ainda que a função seja encarada como o cerne para a concepção de uma edificação, definições sobre a beleza (pulchritudo) e a ornamentação (ornamenta) 13 UNIDADE Teorias da Arquitetura na Itália Renascentista são assuntos abordados no capítulo 5 do livro IX, centro teórico do tratado. Alberti relativiza a subjetividade do conceito de beleza a aspectos objetivos e apresenta três critérios para a uma tentativa de definição da beleza: número (numerus), relação (finitio) e disposição (collocatio). O conceito sobre o número (numerus) é obtido a partir da leitura que Alberti faz sobre a natureza, e assim, reconhece uma série de números pri- vilegiados (4, 5, 6, 7, 8, 9, 10). Em contrapartida, o arquiteto questiona a relevância dos números irracionais e aponta que são insignificantes por conta de sua incomensurabilidade. No que diz respeito ao conceito de relação (finitio), há uma associação com o conceito moderno de proporção, ou, nas palavras de Alberti, “[...] relação significa certa correspondência das linhas entre si” (ALBERTI apud KRUFT, 2016, p. 67). O conceito de disposição (collocatio) também deriva da natureza e se refere ao posicionamento das partes uma em relação à outra. O número dos elementos arquitetônicos associados à sua disposição, a um correto posicionamento, deve conduzir à simetria arquitetônica. Alberti conclui afirmando que a somatória dos três conceitos, número (numerus), relação (finitio) e disposição (collocatio), conduz à simetria(concinnitas), conceito estético fundamental em sua teoria. De modo que o conceito de simetria (concin- nitas) está vinculado ao conceito da beleza (pulchritudo). A beleza (pulchritudo) é uma espécie de concordância e harmonia das partes em um todo que se realizou segundo um determinado número (numerus), uma relação (finitio) e uma distribuição (collocatio) particula- res, como exige a simetria (concinnitas), isto é, a mais perfeita e suprema lei da natureza. (ALBERTI apud KRUFT, 2016, p. 68) O conceito albertiano de beleza estabelece a seguinte igualdade: lei da natureza = lei da beleza = lei da arquitetura. Isso significa, de acordo com Alberti, que há uma relação íntima entre os fenômenos da natureza e a arquitetura. Sendo assim, o seu tratado impede a dogmatização de suas regras, e, por outro lado, oferece possibilidades de arranjos formais, estéticos e éticos. Filarete Antonio Averlino (Florença, 1400 – Roma, 1469), autodenominado Filarete (do grego, amigo da virtude), é um escultor, engenheiro, arquiteto, considerado o primeiro escritor de arquitetura depois de Alberti, seu contemporâneo. Tem formação de joalheiro e fundidor em Florença, mas se dedica à escultura durante sua permanência em Roma, entre 1433 e 1448, sendo que, em 1445, 14 15 conclui a sua obra-prima como escultor, os monumentais portões de bronze da igreja de São Pedro, encomendados pelo papa Eugênio IV. Figura 4 – Detalhe de um dos portões de bronze, para a antiga Basílica de São Pedro, concluídos por Filarete a pedido do Papa Eugênio IV no ano de 1445. Fachada principal da nova Basílica de São Pedro reconstruída entre os séculos XVI e XVII com a participação de arquitetos como Rafael e Michelangelo. Fonte: Adaptado de iStock/Getty Images Detalhe de um dos portões de bronze, para a antiga Basílica de São Pedro, concluídos por Filarete a pedido do Papa Eugênio IV no ano de 1445. Fachada principal da nova Basílica de São Pedro reconstruída entre os séculos XVI e XVII com a participação de arquitetos como Rafael e Michelangelo. A Basílica de São Pedro foi encomendada por Constantino (272d.C. – 337d.C.), que assume o império romano no ano de 306d.C. após a morte de seu pai, Constâncio Clo- ro. A construção original é destruída no século XV, sendo que a sua reconstrução tem início no século seguinte e leva, aproximadamente 150 anos para ser concluída, já no século XVII. A nova Basílica conta com a participação de arquitetos renascentistas como Rafael e Michelangelo além de recuperar os portões esculpidos em bronze por Filarete para a antiga construção. Estes possuem em seus detalhes uma série de ima- gens esculpidas, entre elas a do próprio Filarete, como uma espécie de assinatura. Para saber mais tanto a respeito da construção quanto do portão e de seus detalhes, visite os links https://goo.gl/z3Yvx7 e https://goo.gl/j4fSLP Ex pl or A partir de 1451, Filarete inicia uma nova fase em sua vida e se dedica ao ofício da arquitetura e da engenharia sob a tutela do conde milanês Francesco Sforza, que encomenda o planejamento do Ospedale Maggiore (Milão, 1456-65). 15 UNIDADE Teorias da Arquitetura na Itália Renascentista Figura 5 – Vista aérea, fachada e desenhos técnicos. Ospedale Maggiore. Filarete, Milão, 1456-65 Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons Pouco antes da conclusão do hospital, Filarete dá início ao seu tratado de arqui- tetura que se “apresenta como um romance, escrito na forma de diálogo, no qual se narra dia após dia o planejamento e a construção da cidade fictícia de Sforzinda” (KRUFT, 2016, p. 74). A obra do arquiteto, dedicada a Francesco Sforza e Piero de’ Medici, está or- ganizada em 25 livros de tamanhos variados e é apresentada na forma de uma narrativa, logo, possui um rigor menos científico. O romance começa com uma conversa cortesã em que o arquiteto informa a comunidade sobre os fundamentos da arquitetura. A narrativa passa en- tão à fundação e à construção em etapas da cidade de Sforzinda; esse relato é intercalado por caçadas e inspeções às obras. (KRUFT, 2016, p. 75) Ainda assim, Filarete, em seus primeiros livros, baseia-se nos pensamentos de Vitrú- vio e de Alberti e fundamenta o surgimento da arquitetura a partir da necessitas quando ele assimila as duas necessidades fundamentais do homem: alimentar-se e abrigar-se. Dessa forma, Filarete resgata os escritos de Vitrúvio que aproximam a casa com a tradição cristã, em que, ao ser expulso do paraíso, Adão se torna o primeiro ar- quiteto e construtor da cabana ancestral. Através de seus registros, considerados as 16 17 primeiras representações da cabana ancestral, Filarete mostra como Adão constrói um abrigo para se proteger das intempéries constituído de quatro apoios que origi- nariam as futuras colunas na arquitetura da Antiguidade. Figura 6 Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons A imagem superior mostra Adão sendo expulso do paraíso e, no papel de ar- quiteto e construtor, executa um abrigo. A imagem inferior retrata a construção da cabana ancestral a semelhança do abrigo de Adão. De acordo com os escritos de Filarete, as dimensões da cabana ancestral remon- tam às proporções humanas tendo em vista que a altura dos apoios tem como base a medida do homem. Ao assumir que o edifício deriva do homem, Filarete compre- ende que a cabeça, parte mais digna do corpo humano, converte-se em módulo, aquilo a que se refere à qualità. Ao partir do princípio de que os apoios estruturais da cabana ancestral origi- nam as colunas gregas, essas possuem a sua altura associadas à proporção humana. As ordens gregas, portanto, podem ser lidas da seguinte forma: a coluna dórica (misura grande) mede nove cabeças de altura, a coluna jônica (misura piccola) sete 17 UNIDADE Teorias da Arquitetura na Itália Renascentista e a coluna coríntia (misura mezzana) oito cabeças de altura. As ordens gregas de- vem obedecer a uma hierarquia social, de modo que a ordem dórica, primeira e mais importante, logo, está associada a Adão à imagem de Deus, corresponde ao senhor. É notória a relação dessa passagem do tratado de Filarete ao evidenciar as suas concepções antropométricas com as descrições que dão origem ao homem vitruviano. Ainda que não esteja registrado em seus escritos a figura baseada em Vitrúvio, a análise de Filarete se aproxima indistintamente de sua essência quando ele descreve que “seja o que for, o círculo e o quadrado, assim como todas as outras medidas, derivam do homem” (FILARETE apud KRUFT, 2016, p. 79). Ainda que a gênese da arquitetura se dê na necessitas, Filarete explora a ideia de varietà, conceito concebido por Alberti, em que se explicita a singularidade de cada edifício, seguindo a ideia da expressão da individualidade humana. De certa maneira, é possível correlacionar esse raciocínio com o princípio de Alberti de que o edifício é o resultado das linhas produzidas pelo espírito e matéria, fruto da natureza. Nesse sentido, o espírito do arquiteto produz as linhas racionais que dão origem ao projeto da cidade fictícia de Sforzinda, primeira cidade ideal planejada e ilus- trada dentro dos moldes renascentistas da razão. Um dos esboços realizados por Filarete, demonstra a inserção da cidade numa paisagem. Figura 7 Fonte: Architectural Books Archives A figura geométrica representada por uma circunferência e dois quadrados cir- cunscritos em planta simboliza a cidade fictícia de Sforzinda. Sforzinda encontra-se delimitada por uma muralha geometricamente definida por uma circunferência. Como acesso, oito grandes portões que conduzem o cida- dão a vias radiais. No centro da cidade, estão localizados os edifícios públicos mais importantes ao redor de uma praça central de dimensões de 100x200m, mercado, Palasso Signorile e a catedral. 18 19 Figura 8 Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons Na figura acima, pode-se ver dois quadrados rotacionados a 45º e circunscritos numa circunferência dão origem à Sforzinda. À direita, torre principal do castelo com 120 metros dealtura. Os edifícios retomam a singularidade descrita nos escritos de Filarete e exploram a individualidade necessária como forma de manifestação estética, vanguardista para a época. A cita a torre principal do castelo, cuja altura é de 120 metros e que possui 365 janelas. Ainda que o tratado de Filarete contenha algumas disparidades, sobretudo no tocante às ideias medievais que sustentam alguns de seus pensamentos, “a cidade utópica contém na totalidade do planejamento e nas concepções da divisão do trabalho humano [...] elementos que estão além de seu tempo” (KRUFT, 2016, p. 85). Portanto, é possível assumir que o seu romance utópico e o caráter visio- nário de sua obra oferecem contribuição inestimável para a compreensão da teoria da arquitetura no Renascimento. 19 UNIDADE Teorias da Arquitetura na Itália Renascentista Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros A civilização do Renascimento DELUMEAU, J. A civilização do Renascimento. Lisboa: Edições 70, 2007. A arte renascentista FAIRE, E. A arte renascentista. São Paulo: Martins Fontes, 1990. Vídeos Construindo um Império - O Mundo de Da Vinci – History Channel https://youtu.be/W2u_vZgNVUU Leitura Archetekton: algumas considerações em torno dos trabalhadores da arquitetura na Grécia antiga https://goo.gl/scZmKB 20 21 Referências KRUFT, H. W. História da teoria da arquitetura. São Paulo: EDUSP, 2016. VITRÚVIO. Tratado de arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 21
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