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HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA DA POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO ESPECIAL - PNEE 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 3 2 HISTÓRIA DAS POLÍTICAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL ................................................ 4 2.1 Diretrizes sobre educação inclusiva no Brasil .............................................................. 6 2.2 Os desafios das escolas brasileiras diante da inclusão escolar................................ 8 3 AS POLÍTICAS PÚBLICAS PÚBLICAS DA POLÍTICA NACIONAL DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA ............................................. 11 3.1 Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica ................... 12 3.2 Plano de Desenvolvimento da Educação ................................................................... 13 4 OBJETIVOS DA POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO ESPECIAL NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO .................................................................................................................. 14 4.1 Diretrizes e normas para a implantação de sistemas educacionais inclusivos .... 15 4.2 Brasilianistas e a produção historiográfica feita até hoje ......................................... 17 4.3 O campo das políticas públicas e educacionais ........................................................ 19 5 OS PRINCIPAIS CONCEITOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS .............. 23 5.1 As políticas públicas educacionais brasileiras em seu desdobramento histórico-social ... 25 6 A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA NA INCLUSÃO EDUCACIONAL DAS CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIAS .................................................................................................................... 31 7 FAMÍLIA E EDUCAÇÃO .................................................................................................. 33 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA ....................................................................................... 38 3 1 INTRODUÇÃO https://abre.ai/cOXz A educação é, de forma geral, um importante alicerce da vida social. Desse modo, torna-se uma aliada valiosa na perspectiva da inclusão, especialmente pela transmissão dos valores culturais, auxiliando o desenvolvimento da cidadania e a construção de saberes. A escola pode, dessa maneira, desempenhar uma função social transformadora na vida dos indivíduos — como agente de inclusão. Neste capítulo, você vai estudar as diretrizes para a educação inclusiva no Brasil, reconhecendo, identificando e diagnosticando aspectos impor- tantes de sua evolução. Inicialmente, serão apresentadas as políticas em educação especial e a sua evolução histórica, considerando o contexto implicado para o seu desenvolvimento. Em seguida, você vai conhecer as orientações que definiram o conceito de educação inclusiva no Brasil. Por fim, visualizará os desafios das escolas brasileiras para se adequarem às exigências da inclusão escolar no Brasil, bem como refletirá sobre as correlações e responsabilidades implicadas nesse processo. https://abre.ai/cOXz 4 2 HISTÓRIA DAS POLÍTICAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL https://abre.ai/cOXF No Brasil, a história das políticas em educação especial tem seus primeiros registros no Rio de Janeiro, na época do Império, quando a cidade era a capital do Brasil. Nessa época, foram fundados o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, em 1854 — atual Instituto Benjamin Constant (IBC) — e o Instituto dos Surdos Mudos, em 1857 — atual Instituto Nacional da Educação dos Surdos (INES) (BRASIL, 2008a). Três instituições marcaram a primeira metade do século XX, com a proposta de uma educação voltada para as singularidades. O Instituto Pestalozzi, espe- cializado no atendimento às pessoas com deficiência mental, foi fundado em 1926. Em 1945, foi criado o primeiro atendimento educacional especializado para pessoas com superdotação, na Sociedade Pestalozzi. Já em 1956, foi fundada a primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), como eram chamadas as pessoas com deficiência na época (BRASIL, 2008a). No entanto, foi na segunda metade do século XX que a educação se voltou para a efetividade da inclusão. Em 1961, foi desenvolvida a primeira versão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a Lei nº. 4.024/61. Esse documento ensaiou uma educação possível para todos em um mesmo sistema de ensino, na tentativa de inserir as pessoas com deficiência ao sistema regular de ensino, buscando excluir as classes especiais (BRASIL, 1961). Dez anos depois, em 1971, surgiu a segunda versão da LDB, como Lei nº. 5.692/71, que almejava definir o “tratamento especial” designado aos educandos com “[...] deficiências físicas e mentais, e aos que se encontram em atraso consi- derável quanto à idade regular de matrícula, bem como aos superdotados” (BRASIL, 1971, documento on-line). No entanto, essa versão não 5 promoveu a organização de um sistema de ensino suficientemente capaz de atender às necessidades educacionais especiais e acabou por reforçar os encaminhamentos para as classes e escolas especiais (BRASIL, 2008a). A inauguração do período político democrático no Brasil trouxe consigo a Constituição Federal de 1988, cujos objetivos fundamentais se dispunham a promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, como consta no Artigo 3, Inciso IV. No Artigo 205, a educação é salientada como um direito de todos, garantindo o pleno desenvolvimento da pessoa, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho, sendo a sua garantia um dever do Estado e da família. Como referido nos Artigos 206 e 208, a igualdade de condições de acesso e permanência na escola é estabelecida como um dos princípios para o ensino e a oferta do atendimento educacional especializado, prefe- rencialmente na rede regular de ensino (BRASIL, 1988). A década de 1990 foi bastante significativa para as políticas da educação especial, com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (o ECA), criado a partir da Lei nº. 8.069/90. Conforme consta no Artigo 55, todas as crianças em idade escolar devem, obrigatoriamente, estar matriculadas na rede de ensino regular (BRASIL, 1990). Ainda nessa década, foi publicada a Declaração Mun- dial de Educação para Todos (UNESCO, 1990), com o objetivo de promover a satisfação das necessidades básicas de aprendizagem, bem como a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), sobre os princípios, as políticas e práticas na área das necessidades educativas especiais. Em conjunto, esses acontecimentos influenciaram a formulação das políticas públicas da educação inclusiva. A diretriz intitulada Política Nacional de Educação Especial foi publicada em 1994, orientando um processo que condicionou o acesso às classes comuns do ensino regular aos educandos com deficiência, vistos com condições para acompanhar e desenvolver atividades curriculares do ensino comum, sem preju- ízos e no mesmo tempo dos demais educandos. Tal diretriz acabou por distanciar ainda mais a inclusão das pessoas com necessidades educativas especiais da escola regular (BRASIL, 1994). A partir disso, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº. 9.394/96) foi atualizada em 1996 e, conforme o Artigo 59, assegura a flexibi- lização do currículo, métodos, recursos e organização específicos para atender às 6 necessidades de aprendizagem de todos os educandos, sem exceção. Ela garante ainda a terminalidade específica aos educandos que não atingiram o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências. Ademais define, como consta no Artigo 37, “[...] oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho,mediante cursos e exames” (BRASIL, 1996, documento on-line). Todavia, foi somente no ano de 1999 que o Decreto nº. 3.298 regulamentou a Lei nº. 7.853/89, sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Por- tadora de Deficiência. Ela definiu a educação especial como uma modalidade transversal a todos os níveis e modalidades de ensino, reforçando a atuação complementar da educação especial ao ensino regular (BRASIL, 1999). A história da educação inclusiva no Brasil foi sempre acompanhada de muita reflexão e problematização, pelas vozes das próprias pessoas com deficiência ou de seus representantes legais e educadores, em uma luta que se constitui e permanecerá por meio da transformação da sociedade e dos contextos. 2.1 Diretrizes sobre educação inclusiva no Brasil No início dos anos 2000, o Conselho Nacional de Educação organizou, em conformidade com os processos de mudanças, as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001a). Assim, por meio da resolução CNE/CEB nº. 02/2001, ampliou o caráter da educação especial. Ainda em 2001, estabeleceu também o Plano Nacional de Educação (PNE), via Lei nº. 10.172/2001 (BRASIL, 2001b). A década de 2000 foi declarada como a década da educação, com o objetivo de promover a educação inclusiva. Tais diretrizes, planos e metas apontaram ainda para uma considerável implicação de todas as instâncias governamentais para sanar os déficits referentes à oferta de matrículas para alunos com deficiência nas classes comuns do ensino regular, na formação docente, na acessibilidade física e no atendimento educacional especializado. Esse movimento de mudança e ampliação da educação se inspirou também na Convenção da Guatemala, a qual ocorreu em 1999. No Brasil, ela foi inter- pretada por meio do Decreto nº. 3.956/2001, produzindo uma reinterpretação na educação especial e promovendo a eliminação das barreiras no acesso à escolarização (BRASIL, 2001c). A partir disso, a formação docente foi focada e redeterminada sob 7 a perspectiva da educação inclusiva, em conformidade com a Resolução CNE/CP nº. 01/2002, que dispôs sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica. Essa resolução definiu como responsabilidade das instituições de ensino superior a organização curricular para a formação docente voltada para a atenção à diversidade, contemplando saberes sobre as especificidades dos alunos com necessidades educacionais especiais (BRASIL, 2002a; BRASIL, 2009). Dois importantes marcos atuaram como diretrizes, a fim de definir a educação inclusiva no Brasil: o Programa Educação Inclusiva e o documento O Acesso de Alunos com Deficiência às Escolas e Classes Comuns da Rede Regular, de 2003 e 2004, respectivamente — ambos sobre o direito à di- versidade na educação (BRASIL, 2005a, 2004a). Tais diretrizes propuse- ram expandir o apoio à transformação dos sistemas de ensino nos sistemas educacionais, para que estes efetivassem a inclusão, promovendo um amplo processo na formação e instrumentalização dos gestores e educadores. O seu objetivo era disseminar os conceitos e as diretrizes mundiais para a inclusão, reafirmando o direito e os benefícios da escolarização de alunos com e sem deficiência nas turmas comuns do ensino regular. Em 2004, o Decreto nº. 5.296/04, com o intuito de promover a inclusão educacional e social, regulamentou a Lei nº. 10.048/00 e a Lei nº. 10.098/00, que dispõem sobre normas e critérios para a promoção de adaptações arquitetônicas para a acessibilidade das pessoas com deficiência. Esse decreto impulsionou o Programa Brasil Acessível, desenvolvido com o objetivo de promover a acessibilidade urbana e apoiar ações que garantam o acesso universal aos espaços públicos (BRASIL, 2004b). Em 2002, o MEC criou a Portaria nº. 2.678/02, com diretrizes e normas para o uso, o ensino, a produção e a difusão do sistema Braille em todas as modalidades de ensino, compreendendo o projeto da Grafia Braille para a Língua Portuguesa e a recomendação para o seu uso em todo o território nacional (BRASIL, 2002b). Já em 2005, o Decreto nº. 5.626/05 regulamentou a Lei nº. 10.436/2002, para a inclusão de educandos surdos no ensino regular, bem como o ensino de Libras como disciplina curricular e a organização da educação bilíngue no ensino regular (BRASIL, 2002b, 2005b). 8 O chamado Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), elaborado pelo MEC em 2007 e sustentado pelo Decreto nº. 6.094/2007, em conformidade com as diretrizes do Compromisso Todos pela Educação, indicou que todos os educandos portadores de deficiência pudessem obter acesso e permanência no ensino regular e o atendimento às suas necessidades educacionais especiais, fortalecendo o ingresso nas escolas públicas regulares. Dessa maneira, colocou a formação de educadores voltada para a educação inclusiva, a implantação de salas de recursos, a acessibilidade arquitetônica dos prédios escolares e o acesso e a permanência das pessoas com deficiência na educação superior como metas para superar a oposição entre educação regular e educação especial (BRASIL, 2007). Implementada em 2008, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI) se equiparou à Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (BRASIL, 2008b), a fim de garantir o direito à educação inclusiva. A inclusão das pessoas com defici- ência no ensino comum, sem qualquer condicionalidade ou discriminação, e a efetiva participação em igualdade de condições foram enfoque das medidas de apoio à inclusão escolar determinadas pela PNEEPEI, institucionalizando o acesso à classe comum e a oferta do atendimento educacional especializado, complementar ou suplementar à escolarização (BRASIL, 2008b). É importante destacar que todas essas diretrizes acompanharam o pro- cesso de profunda transformação e movimento de mudança na perspectiva da educação no Brasil. A educação inclusiva acompanhou movimentos para a construção de uma sociedade ancorada na dignidade e equidade. 2.2 Os desafios das escolas brasileiras diante da inclusão escolar Conforme apontado por Rosin-Pinola e Del Prette (2014), o processo de demo- cratização do ensino ampliou o olhar sobre os aspectos pertinentes à educação inclusiva. Com isso, muitas questões foram levantadas, como o ambiente perti- nente e potencializador do desenvolvimento de todos os sujeitos em suas subje- tividades e especificidades e, a partir disso, a implicação da formação docente e do contexto social. Paulo Freire (1999) refere em seu escrito Educação como Prática de Liberdade que a educação é a ponte para a construção da cidadania, tendo na democracia a base para a sua efetivação. Para isso, deve estar integrada com o diálogo, a atuação 9 participativa, a valorização da educação e a consequente conscientização para a formação integral dos sujeitos. Nesse sentido, os desafios das escolas brasileiras para se adequarem às exigências da inclusão escolar no Brasil podem ser vistos sob as lentes da cidadania constituída por meio das relações sociais e, portanto, compreendida de acordo com os sujeitos que dela participam, com as suas características e especificidades. Em essência, a inclusão será delineada com esforço tenaz e enérgico para atravessar o que está previamente instituído e precisa ser ajustado: o olhar sobre as diferenças e diversidades. É necessário para isso que as instituições educacionais, os educadores, gestores e especialistas se engajem também nas medidas necessárias para a efetivação da educação inclusiva, com vontade e coragem para mudar a realidade (SAVIANI, 2017). As diretrizes, os planos e as metas estão postas há décadas. Os direitos das pessoas com deficiência estão em diversos artigos da Constituição Federal brasileira. Existem inúmeros esforços e construções para ainstrumentalização e constante formação dos educadores e gestores para a consolidação da educação inclusiva (MOREIRA, 2016). No entanto, apesar do desenvolvimento de um olhar sobre os direitos humanos e de um conceito de cidadania fundamentado no reconhecimento das diferenças e na participação dos sujeitos, existe na sociedade certa identificação com mecanismos e processos de hierarquização e diferenciação em relação a padrões ideais de atuação e funcionamento dos sujeitos, operando para a regulação e consequente reprodução de desigualdades. Nesse sentido, a escola e os ambientes educacionais e formativos prefe- rencialmente devem possibilitar espaço para a problematização dos processos normativos de distinção dos sujeitos. Esses espaços podem atuar como escla- recedores das diferenças como potencialidades, permitindo o conhecimento da diversidade de características intelectuais, físicas, culturais, sociais e linguísticas, entre outras, como criadoras de rupturas dos modelos padroni- zados e como possíveis pontes para a ampliação da diversidade, respeitando a igualdade e equidade. Como um caminho para a adequação às exigências da inclusão escolar no Brasil, a formação dos educadores e gestores deve se manter adequada e atualizada, com efeitos de motivação e no sentido de atuar cooperativamente com toda a 10 comunidade escolar (SCHIMIDT, 1997). A aprendizagem coo- perativa pode se apresentar como uma metodologia capaz de proporcionar a interdependência e a reciprocidade. Ao mesmo tempo, pode se configurar como uma possibilidade de os educandos aprenderem e experienciarem os valores da cidadania democrática desde a mais tenra idade e de maneira sistemática, de forma que absorvam o respeito às diferenças e a diversidade nos modos de ser e existir. A flexibilização das atividades e do currículo é outro quesito significativo que constitui possibilidades educacionais de atuar em conformidade com as necessidades específicas de aprendizagem dos educandos (MOREIRA, 2016). O envolvimento de todos — educadores, gestores, família, comunidade — para dar voz aos educandos, escutar as suas necessidades e percepções sobre o processo educacional é um processo que atua como ação política. Por meio dessa ação, estimulam-se a criação e o fortalecimento de práticas para a visibilidade das pessoas com necessidades educacionais especiais, bem como para a garantia de seus direitos e melhoria na qualidade de vida. 11 3 AS POLÍTICAS PÚBLICAS PÚBLICAS DA POLÍTICA NACIONAL DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA A educação inclusiva no Brasil vem passando por uma trajetória de avanços e conquistas, com a promulgação de leis que orientam a sua implantação em nível nacional. É importante destacar que as políticas no Brasil são fortemente influenciadas por eventos e documentos internacionais, como a Conferência Mundial sobre Educação para Todos (Conferência de Jomtien, 1990), o Relatório Delors (1993– 1996), a V Reunião do Comitê Regional Intergovernamental do Projeto Principal de Educação para a América Latina e Caribe (1993) e a Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais (Declaração de Salamanca, 1994). Todos esses eventos, de uma forma ou de outra, con- tribuíram fortemente para as políticas de inclusão no Brasil, inclusive para a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. A partir da Constituição Federal de 1988 e da Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), os sujeitos com deficiência passaram a ser reconhecidos como sujeitos de direitos, inclusive no que se refere à educação (BRASIL, 1988; 1990). Nesse sentido, podemos afirmar que, a partir dos anos 1990, houve uma mudança importante no cenário da educa- ção, principalmente no que se refere à regularização da situação educacional das pessoas com deficiência. Ou seja, o movimento pela educação especial ganhou força. Várias políticas importantes foram implementadas, no sentido de garantir a entrada e a permanência dos sujeitos da educação especial no ensino regular. A seguir, veremos algumas das principais políticas, estabelece que: “Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais” (BRASIL, 1996, documento on-line). Caso a escola regular não possua condições de atender esses alunos, “O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular” (BRASIL, 1996, documento on- line). 12 Cabe destacar que, após a LDBEN, a educação especial passou de um sis- tema à parte para uma modalidade educacional transversal. A partir dela, as normativas foram se tornando cada vez mais detalhadas e direcionadas ao público- alvo da educação especial. Salienta-se que a LDBEN apontou algumas mudanças significativas em prol da educação escolar das pessoas com defici- ência, porém, tratou a educação especial como “[...] a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais” (BRASIL, 1996, documento on-line). O termo “preferencialmente” gerou algumas brechas na lei, permitindo que algumas instituições negassem a matrícula para os sujeitos da educação especial. Rech (2015) chama a atenção de que, embora a Lei não tenha se referido à educação inclusiva, nela ficou perceptível a intenção de abrir espaços para a ideia de educação para todos, tendo como base a proposta de manter, na escola especial, apenas os alunos que não tiverem condições de serem integrados na escola regular. A partir desse momento, a matrícula para alunos com deficiência passou a ser obrigatória na escola regular. Porém, até esse momento, pelo menos nas políticas públicas, não se falava no conceito de inclusão na perspectiva da integração escolar. 3.1 Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica Conforme leciona Rech (2015, p. 160-161), o MEC organizou, em 2001, as “Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica”; esse documento começou a circular pelas escolas, “[...] juntamente com um maior aporte teórico sobre a inserção da Educação Especial na escola regular”. Esse material “[...] trouxe também, informações mais completas a respeito dos serviços de apoio pedagógico especializado, nomenclatura adotada no Documento”, ainda conforme Rech (2015, p. 160-161). Rech (2015, p. 160-161) afirma que, conforme o documento[...] o atendimento educacional especializado (AEE), poderia ser realizado nas classes comuns de ensino, mediante parcerias entre os professores da Educação Especial e do ensino regular; nas salas de recursos pelo professor da Educação Especial e, também, fora da escola em classes hospitalares e em ambientes domiciliares. 13 Esse documento é bastante importante, já que nele aparece pela primeira vez o termo inclusão, em substituição ao termo integração. Rech (2015) aponta ainda três aspectos importantes a considerar a partir dessas diretrizes: a utilização do termo “alunos com necessidades especiais”, referindo-se aos alunos que necessitavam ser incluídos; responsabilização do governo em assumir a proposta da inclusão como uma das metas das políticas educacionais; responsabilização do governo pelo sucesso da inclusão. 3.2 Plano de Desenvolvimento da Educação Outra política importante direcionada para a inclusão das pessoas com deficiência no ensino regular foi a criação do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). De acordo com Rech (2015), o PDE foi lançado oficialmente a partir do Decreto nº. 6.094, de 24 deabril de 2007 (BRASIL, 2007), que tratou do Plano de Metas Com- promisso Todos pela Educação. A autora destaca duas ações importantes no sentido de combater a exclusão escolar: o Programa de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais (2005) e o Programa Incluir: Acessibilidade na Educação Superior (2005). Essas ações foram importantes, no sentido de trabalharem formas ou criarem experiências para fortificar o movimento pela inclusão, ainda conforme Rech (2015). Esses são alguns exemplos de políticas que, aos poucos, foram sendo criadas e implementadas no sentido de criar condições para que, no ano de 2008, fosse criada a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. É importante destacar que, após a implementação dessa Política, várias outras políticas foram criadas, dando prosseguimento às ações desenvolvidas até então. Dentre elas, podemos citar: Resolução nº. 4 do Conselho Nacional de Educação, de 02 de outubro de 2009; Nota técnica nº. 11 da SEESP, de 07 de maio de 2010; Decreto nº. 7.611, de 17 de novembro de 2011; Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº. 13.146, de 06 de julho de 2015). 14 4 OBJETIVOS DA POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO ESPECIAL NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO O documento orientador para a implementação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, publicado em 2008, tem como diretriz principal a instrução para que os estados e municípios organizem as suas ações, no sentido de transformarem seus sistemas educacionais em sistemas educacionais inclusivos. O documento tem como objetivo principal o acesso, a participação e a aprendizagem dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas escolas regulares. Ele orienta os sistemas de ensino a promoverem respostas às necessidades educacionais especiais, garantindo os aspectos descritos a seguir (BRASIL, 2008). Transversalidade da educação especial desde a educação infantil até a educação superior O atendimento especializado deve ser oferecido em todos os níveis, não substituindo o ensino regular, mas auxiliando o aluno nas suas dificuldades de aprendizagem. Atendimento Educacional Especializado (AEE) É o conjunto de ativida- des e recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucional- mente. Ele é prestado de forma complementar ou suplementar à formação dos alunos no ensino regular. Pode ser organizado dentro do mesmo estabe- lecimento escolar ou oferecido em outros espaços, como escolas especiais. Continuidade da escolarização nos níveis mais elevados do ensino Devem ser oferecidas oportunidades àqueles alunos que tenham inte- resse e estejam aptos a ingressarem nos níveis mais elevados, como o ensino superior e as suas modalidades posteriores. 15 Formação de professores para o atendimento educacional especializado e dos demais profissionais da educação para a inclusão escolar O MEC, em parceria com a SEESP, deverá oferecer programas de formação inicial e continuada para os professores da rede regular de ensino, com o objetivo de melhor preparar os profissionais envolvidos no processo de inclusão. Participação da família e da comunidade É de responsabilidade do MEC a criação de iniciativas de conscientização das famílias e da sociedade em geral, no sentido de uma maior participação e acompanhamento das crianças, perfazendo uma troca de experiências e uma parceria família-escola, o que pode contribuir para a melhoria do sistema como um todo. Acessibilidade urbanística e arquitetônica nos mobiliários e equi- pamentos, nos transportes, na comunicação e na informação Os sistemas de ensino devem organizar as condições de acesso aos espaços, aos recursos pedagógicos e à comunicação, para que favoreçam a promoção da aprendizagem e a valorização das diferenças, de forma a atender às necessidades educacionais de todos os estudantes. Articulação intersetorial na implementação das políticas públicas Para assegurar a intersetorialidade na implementação das políticas públicas, a formação deve contemplar conhecimentos de gestão de sistema educacional inclusivo. Assim, deve ter em vista o desenvolvimento de projetos em parce- ria com outras áreas, visando à acessibilidade arquitetônica, aos atendimentos de saúde e à promoção de ações de assistência social, trabalho e justiça. 4.1 Diretrizes e normas para a implantação de sistemas educacionais inclusivos A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclu- siva estabelece as normas e diretrizes para a implantação, a implementação e a manutenção da inclusão nos estabelecimentos de ensino da rede regular (BRASIL, 16 2008). Você verá, aqui, algumas delas, consideradas de caráter essencial. Mas, para um maior aprofundamento sobre o assunto, você deve fazer a leitura do documento orientador na íntegra. A educação especial é uma modalidade de ensino que deve perpassar todos os níveis, etapas e modalidades. Ela engloba realizar o atendimento educacional especializado, disponibilizar os recursos e serviços e orientar quanto à sua utilização no processo de ensino e aprendizagem nas turmas comuns do ensino regular. O atendimento educacional especializado tem como função identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos estudantes, considerando suas neces- sidades específicas. As atividades desenvolvidas no atendimento educacional especializado se diferenciam daquelas realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas à escolarização e complementando a formação dos estudantes. O acesso à educação tem início na educação infantil, na qual se desenvolvem as bases necessárias para a construção do conhecimento e o desenvolvimento global do aluno. Na modalidade de educação de jovens e adultos e educa- ção profissional, as ações da educação especial possibilitam a ampliação de oportunidades de escolarização, a formação para o ingresso no mercado de trabalho e a efetiva participação social. Na educação superior, a educação especial se efetiva por meio de ações que promovam o acesso, a permanência e a participação dos estudantes. Essas ações envolvem o planejamento e a organização de recursos e serviços para a promoção da acessibilidade arquitetônica, nas comunicações, nos sistemas de informação e nos materiais didáticos e pedagógicos que devem ser disponibi- lizados nos processos seletivos e no desenvolvimento de todas as atividades que envolvam o ensino, a pesquisa e a extensão. A avaliação pedagógica deve considerar tanto o conhecimento prévio e o nível atual de desenvolvimento do aluno quanto as possibilidades de aprendizagem futura. Assim, deve configurar uma ação pedagógica processual e formativa, que analisa o desempenho do aluno em relação ao seu progresso individual. Na avaliação, deve-se destacar os aspectos qualitativos que indiquem as intervenções pedagógicas do professor. Para atuar na educação especial, o professor deve ter como base da sua 17 formação, inicial e continuada, conhecimentos gerais para o exercício da docência e conhecimentos específicos da área. 4.2 Brasilianistas e a produção historiográfica feita até hoje É importante destacar o papel dos pesquisadores estrangeiros que se de- dicaram a estudar o Brasil, os brasilianistas, e que também influenciaram a produção nacional. Em relação à escravidão, a forma como o País conduziu o fim dessa violência abria questionamentos em outros locais. O fato de não ter ocorrido um processo segregacionista como nos Estados Unidos ou na África do Sul despertava curiosidades. Um dos principais nomes que se estabeleceram aqui foi o americano Robert W. Slenes. Professor da Universidade Estadual de Campinas (instituição que surgiu no contexto autoritárioda década de 1960), ele faz parte do grupo que mudou a forma de se analisar os negros escravizados e o impacto social e político disso. Seu artigo “Malungu, Ngoma vem!: África coberta e descoberta no Brasil”, publicado em 1992, aprofundou a pesquisa sobre a cultura desses povos afri- canos e sobre como essa identidade atingia as relações individuais. A partir da análise dos dialetos originais, ele demonstrou a forma de comunicação criada entre os diferentes povos que foram trazidos compulsoriamente ao Brasil (SLENES, 1992). Essas relações afetivas eram necessárias para a própria sobrevivência. A pesquisa nos arquivos nacionais, sobretudo em documentos jurídicos, ajudou a pintar um novo cenário para a compreensão do negro. O mesmo ocorreu com sua obra Na senzala, uma flor — esperanças e recordações na formação da família escrava: Brasil Sudeste, século XIX, de 1999, na qual se dedicou a entender a constituição familiar dos escravizados, abordagem inédita e revolucionária, dando mais um passo na análise de um povo que sofreu violência por séculos e que a historiografia silenciara. Outro nome que compõe esse grupo de brasilianistas exemplifica algu- mas facilidades que o fato de ser estrangeiro traria ao pesquisador. Thomas Skidmore publicou, em 1969, no Brasil (e dois anos antes nos Estados Unidos), sua obra Brasil: de Getúlio a Castelo, que criticava o Regime Militar em pleno vigor. Seu recorte cronológico era inovador por tratar de um assunto recente (o golpe militar de 1964) e por questionar o governo, que, em 1968, adquiriu um caráter mais autoritário com o AI-5. 18 Muitos perseguidos políticos foram exilados, enquanto estrangeiros puderam pesquisar no País. Skidmore (2010) criticava não só os militares, mas também atitudes do presidente deposto, João Goulart. No contexto internacional, a Guerra Fria ficava cada vez mais tensa, e as tendências à esquerda de Jango não eram bem vistas por muitos americanos. Apesar dessa abordagem ter sofrido críticas, a pesquisa que envolvia sua obra auxiliou no estabelecimento de fatos que foram analisados posteriormente. A relação entre Brasil e Estados Unidos, nessa época, pode ser compreendida por meio de visitas aos arquivos americanos, já que esses documentos ainda estão em sigilo por aqui. Não foram só os americanos que estudaram o Brasil e as Américas, no geral. O inglês Kenneth R. Maxwell (1941) escreveu um dos principais livros sobre a Inconfidência Mineira, intitulado A devassa da devassa: a inconfidência mi- neira: Brasil–Portugal, 1750–1808, de 1973. Até então, havia sido construído todo um misticismo simbólico ao redor das figuras do movimento, como descrito acima. A comparação com a Revolução Francesa de 1789 aprofundava ainda mais o caráter “progressista” e “libertador” dos eventos em Minas Gerais. O que Maxwell fez foi apontar novas perspectivas sociais e econômicas sobre a região e as consequências que experienciou no início do século XIX, além dos resultados práticos que se relacionaram ao processo de emancipação e chegada dos portugueses ao Brasil. Dessa forma, a historiografia que exaltava os inconfidentes foi questionada. Dos anos 1990 até hoje, a proliferação de universidades e centros de pesquisa ampliou o escopo analítico brasileiro. Os programas de intercâmbio na pós-graduação auxiliaram na consolidação dessas instituições como fundamentais para a ciência brasileira. A produção historiográfica sobre a escravidão, por exemplo, despertou questionamentos sobre o racismo atual e influencia trabalhos feitos no exterior, já que, em muitos assuntos, o Brasil é vanguarda na pesquisa. Com a proliferação das universidades federais nos anos 2000, novas temáticas ganharam espaço no cenário acadêmico. A expansão das ciências humanas ajudou no aprofundamento das questões relacionadas ao interior e a locais por muito tempo negligenciados e longe dos centros urbanos e capitais. A internet e as facilidades que dela advêm, como a consulta em arquivos e bibliotecas digitalizadas, aceleram a produção historiográfica. Além disso, novas necessidades foram criadas, como a atualização dos arquivos e da forma de se cuidar dos documentos. 19 4.3 O campo das políticas públicas e educacionais Qual você acha que deve ser o comportamento da sociedade contemporânea com relação às políticas públicas educacionais? É importante uma postura mais preocupada e participante? A sociedade deve se interessar em acompanhar as ações governamentais? Educadores e pais deveriam exigir melhorias na gestão pública? Ou você pensa que a única tarefa do cidadão é o voto, geralmente acompanhado da surpresa com resultados condenáveis e com o uso inadequado do dinheiro público destinado às políticas de educação? Essas e outras perguntas mostram que as políticas públicas em educação afetam a vida escolar dos sujeitos e a realidade dos profissionais que trabalham nesse setor. Isso deveria condicionar atenção maior, vigilância mais profunda e envio de proposições para novas políticas públicas. Além disso, deveria incentivar o acompanhamento das formulações, execuções/implementações e avaliações das políticas públicas da educação brasileira. A expressão “políticas públicas” é extremamente difícil de se conceituar. Na busca de definições, a certeza é que as políticas sociais precisam ser vistas em suas particularidades. Porém, é possível afirmar que elas são aquele “[...] conjunto de expectativas dirigidas ao poder público a partir de conceitos, sentidos, ideologias e entendimentos distintos, mas nem sempre não explicitados [...]” (CHRISPINO; DUSI, 2008, p. 9). Na tentativa de conceituar o campo das políticas públicas educacionais, é interessante você lembrar-se da influência do Estado sobre a vida escolar dos sujeitos. Tal influência move gerenciamentos essenciais aos que trabalham com educação, nos mais diferentes âmbitos. Assim, é possível aceitar que o assunto implica pensar, sob a perspectiva da educação, nos “[...] programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados [...]” (BUCCI, 2002, p. 241). Portanto, é fundamental que as escolas e seus atores estejam muito atentos para que tais objetivos originem uma realidade escolar enriquecedora, justa com a maioria da população empobrecida brasileira. Nesse sentido, é preciso pensar em termos da diversidade cultural, étnica, regional e social. Também é necessário 20 considerar que os objetivos levem a ações reais e esperadas. A ideia é que a escola seja suficientemente potente para alcançar a meta de formação consistente dos alunos pelo vasto território nacional. As políticas públicas educacionais precisam ser focadas na realidade brasileira e devem ser definidas de acordo com os grupos sociais a que se destinam, bem como ao tipo de relação que têm com as demais políticas públicas. Esse tipo de política está condicionado [...] à política econômica básica, podendo ser congruente, se reflete as prioridades de ação de um determinado governo, complementar, se fornece elementos reforçadores dos objetivos e metas de determinado governo, e compensatório ou reparador, se atua sobre os danos ou consequências nefastas das políticas básicas com o objetivo de atenuá-los, sem, portanto, apresentar um alto grau de efetividade social (ROCHA; CAVALCANTI, 2016, p. 29). Saviani (2008) sinaliza que a política educacional trata das decisões que o poder público, o Estado brasileiro, costuma tomar em relação à educação. Ela diz respeito às perspectivas e aos limites da política educacional brasileira. O autor assegura o seguinte: No que se refere aos limites da política educacional brasileira, haveria muitos aspectos a considerar. Penso, porém, que as várias limitações são, em última instância, tributárias de duas característicasestruturais que atravessam a ação do Estado brasileiro no campo da educação desde as origens até os dias atuais. Refiro- me à histórica resistência que as elites dirigentes opõem à manutenção da educação pública; e à descontinuidade, também histórica, das medidas educacionais acionadas pelo Estado. A primeira limitação materializa-se na tradicional escassez dos recursos financeiros destinados à educação; a segunda corporifica-se na sequência interminável de reformas, cada qual recomeçando da estaca zero e prometendo a solução definitiva dos problemas que se vão perpetuando indefinidamente (SAVIANI, 2008, p. 1). Assim, na formulação de políticas públicas educacionais, é muito importante ouvir o maior número possível de sujeitos diretamente relacionados com as políticas que serão oferecidas. Ao pensar no campo de estudo das políticas públicas e educacionais, é salutar considerar e respeitar “[...] as diferenciações de sociedades, de contextos sociais e de distintos elementos econômicos, políticos, culturais, tradições políticas e associativas [...]” (NOMA, 2011, p. 108). E como seria a realidade americana? Popkewitz (2008) declara que, no cenário educacional dos Estados 21 Unidos, a reforma combina padrões da administração social com padrões de liberdade: Tais padrões são ordenados sobre a base de discursos de ciência e de políticas públicas que interiorizam a racionalização populacional e as noções liberais de responsabilidade individual e autonomia. O lugar da luta na administração social continua sendo a alma. Atualmente, nos Estados Unidos, fala-se de liberdade por meio de formas retóricas particulares que falam de “voz”, emancipação, capacitação e “conhecimento do professor” e participação da comunidade. Todavia, a liberdade implica um amálgama diferente de instituições, ideais e tecnologias em relação às do passado no que se refere aos padrões de administração e de liberdade (POPKEWITZ, 2008, p. 155). Parente (2018) apresenta a questão das políticas públicas educacionais e destaca o modo como elas se apresentam hoje e suas consequências nas escolas e nas vidas dos professores. Ele argumenta que a reforma educacional, que ocorre por meio de políticas de ordem estrutural, se legitima com base em medidas relacionadas a três elementos inter-relacionados e interdependentes: o mercado, a capacidade de gestão e a performatividade. Essas tecnologias políticas são muito atrativas e ganham destaque no contexto de reformulação educacional. Nesse sentido, elas substituem o profissionalismo e a burocracia. A realidade nacional e internacional pode demonstrar que os educadores e o contexto sociocultural dos alunos precisam ser respeitados. Parente (2018) analisa o cenário na Espanha e na América Latina. Na Espanha, a causa do fracasso da reforma da educação foi o fato de não se levar em consideração o conjunto de tradições e regularidades historicamente construídas. Já nos países da América Latina, o cenário parece mais favorável do que nas décadas anteriores. Entretanto, os objetivos e as diretrizes consideradas nas reformas educacionais latino-americanas ainda estão longe de serem alcançados. Isso ocorre principalmente porque as reformas não dependem apenas de aspectos relacionados à educação. Estão em jogo problemas que têm mais a ver com as condições gerais em que se dão tais processos. Ainda de acordo com Parente (2018), os autores que discutem esse assunto concordam ao estabelecer uma relação entre a reforma da educação brasileira, por meio do desencadeamento de políticas públicas educacionais implementa- das após a década de 1990, e a precarização das condições de trabalho docente ao longo 22 desse mesmo período nas escolas públicas brasileiras. Assim, nas reformas educacionais, há tendência à regulação por meio de medidas como a centralidade da administração escolar, a vinculação aos financiamentos por quantidade de alunos, a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) e a ampliação de exames nacionais de avaliação. Como você viu, as políticas públicas em educação afetam profundamente os cenários educacionais e a vida de seus atores, sejam os educandos e suas famílias ou os educadores e demais profissionais que atuam na educação. O entendimento do campo de estudo das políticas públicas na educação é importante para se lidar com as realidades, que são passíveis de mudança. A ideia é superar atrasos históricos que impedem transformações maiores no cotidiano das escolas e na atuação dos profissionais da educação. 23 5 OS PRINCIPAIS CONCEITOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS https://abre.ai/cOYx Os principais conceitos para o estudo das políticas públicas educacionais envolvem o enfrentamento de uma palavra desgastada no cotidiano. Essa palavra afasta alguns ao ser enunciada, mas também aproxima outros. No contexto aqui estudado, ela tem um significado determinado: “A palavra política, em seu sentido específico, pode representar a administração do Estado pelas autoridades e especialistas governamentais, as ações da coletividade em relação a tal governo [...]” (PADILHA, 2005, p. 20, grifo nosso). Padilha (2005, p. 20-21) também lembra que Paulo Freire insistia: [...] na necessidade de não dissociarmos política de educação, para evitar, por exemplo, que nossas crianças, jovens e adultos possam ser vitimadas por um processo educativo que acentue o preconceito, a violência, a intolerância, a ingenuidade, o individualismo, a não participação nos processos decisórios e até mesmo a desinformação e, enfim, aceitem uma sociedade desigual. Por isso, ele propõe uma educação política. Considerando as preocupações freirianas, você já pode identificar termos relacionados com a luta de classes, as contradições econômicas e sociais e as desigualdades de oportunidades educacionais entre os menos e mais favorecidos dos brasileiros. Há ainda as formas contraditórias como que pobres e ricos ocupam lugares nas relações sociais de produção. Freire defende que a política pode libertar os menos favorecidos, e é necessário admitir que, quando se está inserido em uma realidade que faz a todos seres políticos, esse entedimento é salutar. Afinal, a educação é um ato político. https://abre.ai/cOYx 24 Ainda com relação ao termo “política”, você deve considerar que a confusão entre diferentes percepções sobre o que é política é característica de países de língua portuguesa. Nesse idioma, existe somente um substantivo que responde ao adjetivo “político”, ou seja, “política”. Isso acontece também no francês, no alemão e no sueco. Por outro lado, na língua inglesa existem três substantivos diferentes que separam a política em três dimensões. Essa divisão auxilia na compreensão dessa área tão complexa. É por isso que os termos em inglês passaram a ser utilizados por quem estuda política ou políticas públicas (GONÇALVES, 2017). Você pode ver os três termos a seguir: Polity: é a dimensão institucional do sistema político. Politics: é a dimensão dos processos políticos. Policy (ou, no plural, policies): é a dimensão dos conteúdos da política. Aydos (2017) considera que as políticas públicas estão nesse âmbito. Na tentativa de conceituar as políticas públicas, é interessante não afastar políticas educacionais de políticas sociais. Freitag (1987, p. 9) lembra que “[...] a política educacional não é senão um caso particular das políticas sociais [...]”. Assim, é preciso compreender que, na área da educação brasileira, [...] as políticas públicas em educação e o movimento contemporâneo de inclusão escolar no Brasil pressupõem que a educação é um direito de todos os indivíduos, com ou sem deficiência, contribuindo para a possibilidade de escolas democráticas e uma sociedade justae humana [...] (TEIXEIRA, 2017, p. 73). Não se pode pensar nas políticas públicas educacionais como um campo alheio ao estudo da política. A vida, em todas as suas dimensões, é um ato político. Até mesmo sem querer, os sujeitos são seres políticos, mesmo que afirmando a despolitização. Os cidadãos elegem políticos guiados pela perspectiva de que suas futuras atitudes, enquanto eleitos, sejam planejar e implementar boas ações públicas em diversos setores, incluindo a educação. Os sujeitos delegam um lugar na condução das cidades e do país para terem melhores dias. Assim, “A formulação de políticas públicas constitui-se no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitoreiras em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real” (SOUZA, 2006, p. 26). 25 O que ganharia um grande e diversificado país como o Brasil ao planejar, implementar, avaliar e tornar cada vez mais eficientes as suas políticas públicas educacionais? De acordo com Santomé (2013, p. 107) os benefícios de ter cidadãos com um bom nível educativo, além dos efeitos positivos para cada pessoa considerada individualmente, geram vantagens para toda a coletividade; benefícios sociais como uma melhor integração social, comportamentos cívicos mais responsáveis e solidários, um clima social de maior satisfação e bem-estar, um ambiente social e cultural muito mais atrativo e estimulante, etc. (GIMENO, 2005). Além disso, bons cidadãos também promovem o progresso científico e social de toda a comunidade, dado que todos os campos do conhecimento se beneficiarão com cidadãos cultos que se sentem capacitados e estimulados para desfrutar de novos saberes e especializações, bem como se aprofundar neles; promove-se uma abertura mental que incita cada pessoa a seguir aprendendo ao longo de toda sua vida. Obviamente, isto também é motor de benefícios econômicos; mas é um erro contemplar a educação exclusivamente sob ópticas mercantilistas, ou seja, como capital cultural. Os conceitos principais no estudo das políticas públicas na área da educação colaboram na compreensão da natureza política da educação, no entendimento das tarefas que o Estado deve assumir, desprendendo daí as mobilizações necessárias e as lutas dos cidadãos e dos profissionais da educação. Não se pode esquecer que é dentro da dimensão dos conteúdos da política que são geridas as políticas públicas em geral. Assim, as políticas públicas educacionais podem ser repensadas, levando ao surgimento de outras, mais inovadoras. É preciso considerar as fases de elaborações, implementações e avaliações de políticas públicas educacionais para que o futuro sonhado pelos cidadãos fique mais próximo. 5.1 As políticas públicas educacionais brasileiras em seu desdobramento histórico-social Tratando da história da educação brasileira, com foco na educação pública e nas políticas educacionais, Saviani (2008) aponta a gigantesca resistência para a oferta e a manutenção da educação pública no Brasil. Isso indica intensas e persistentes lutas para o povo brasileiro ter acesso à educação. 26 Tal realidade pode ser apreendida a partir da análise de algumas famílias brasileiras. Que tal fazer o exercício de perguntar aos mais velhos sobre quantas gerações anteriores de suas famílias passaram pela escola? Muitas? Poucas? É possível identificar o que impediu famílias menos favorecidas de terem acesso à escola nas gerações anteriores ou o que as levou a terem experiências educacionais incipientes? As respostas a essas perguntas envolvem as políticas públicas educacionais, que deveriam ter sido pensadas e transformadas em ações pelo governo para garantir e colocar em prática todos os direitos previstos na Constituição e em outras leis. Como você sabe, a Constituição Federal de 1988 é conhecida como Constituição Cidadã. Refletir a respeito dela certamente levaria as pessoas a repensarem os seus votos. Os cidadãos devem sempre indagar se o plano de governo daqueles candidatos que escolhem para os representar no Legislativo e no Executivo sustenta políticas públicas educacionais realmente preocupadas com a realidade do ensino. Saviani (2008) aponta que os regimentos de D. João III (uma reunião de regras estabelecidas para regulamentar o funcionamento educacional), datados de 1548, serviram para orientar ações iniciais do governador-geral do Brasil Tomé de Souza e dos padres e irmãos jesuítas, agrupados pelo célebre padre Manuel da Nóbrega. Os jesuítas iniciaram sua obra educativa focada na catequese e seguiram a risco os citados regimentos, já que estavam sendo orientados por um mandato do rei de Portugal. Da coroa portuguesa era esperado que mantivesse o ensino. Saviani (2008, p. 1) conta que o rei português [...] enviava verbas para a manutenção e a vestimenta dos jesuítas; não para construções. Então, como relata o padre Manuel da Nóbrega em carta de agosto de 1552, eles aplicavam os recursos no colégio da Bahia “e nós no vestido remediamo-nos com o que ainda do reino trouxemos, porque a mim ainda me serve a roupa com que embarquei... e no comer vivemos por esmolas. Saviani (2008) também afirma que a história registra que, mal chegaram os portugueses, os recursos já eram escassos. Diz-se que os religiosos não engordavam fácil no Brasil. Em 1564, o rei de Portugal adotou um plano chamado de “redízima” e determinou que os impostos arrecadados da colônia brasileira fossem destinados à manutenção dos colégios jesuíticos. “A partir daí, iniciou-se uma fase de relativa prosperidade, dadas as condições materiais que se tornaram bem mais favoráveis [...]” (SAVIANI, 2008, p. 2). 27 Eram os primórdios das políticas públicas educacionais brasileiras? É bem verdade que a educação era financiada com os recursos públicos nessa espécie de escola pública religiosa. Saviani (2008, p. 3) reflete que, se [...] o ensino então ministrado pelos jesuítas podia ser considerado como público por ser mantido com recursos públicos e pelo seu caráter de ensino coletivo, ele não preenchia os demais critérios, já que as condições tanto ma- teriais como pedagógicas, isto é, os prédios assim como sua infraestrutura, os agentes, as diretrizes pedagógicas, os componentes curriculares, as normas disciplinares e os mecanismos de avaliação, encontravam-se sob controle da ordem dos jesuítas, portanto sob domínio privado. O resultado foi que, quando se deu a expulsão dos jesuítas em 1759, a soma dos alunos de todas as instituições jesuíticas não atingia 0,1% da população brasileira, pois delas estavam excluídas as mulheres (50% da população), os escravos (40%), os negros livres, os pardos, filhos ilegítimos e crianças abandonadas. Os tempos de Marquês de Pombal, entre 1759 e 1827, trouxeram as primeiras tentativas de se criar uma novidade, a escola pública estatal. Saviani (2008, p. 3) comenta que: Pelo Alvará de 28 de junho de 1759, determinou-se o fechamento dos colégios jesuítas, introduzindo-se as “aulas régias” a serem mantidas pela Coroa, para o que foi instituído, em 1772, o “subsídio literário”. As reformas pombalinas contrapõem-se ao predomínio das ideias religiosas e, com base nas ideias laicas inspiradas no Iluminismo, instituem o privilégio do Estado em matéria de instrução, surgindo, assim, a nossa versão da “educação pública estatal”. A partir dessa proposta, foi baixada a “Carta de Lei”, de 10 de novembro de 1772. É interessante notar que nas classes de latim de tais aulas régias, responsáveis pela oferta de ensino secundário, cabia ao Estado realizar o pagamento do salário do professor. O Estado também era responsável por estabelecer as diretrizes curriculares da matéria a ser ensinada. O professor, por sua vez, provia o local de ensino, geralmente sua própria casa, e a infraestrutura necessária. Ele também se encarregava dos materiais pedagógicos. Essa situação era agravadapela insuficiência de recursos. Afinal, a Colônia não possuía uma estrutura arrecadadora suficiente para obter “subsídio literário” necessário para o financiamento das aulas régias (SAVIANI, 2008). Após a independência do Brasil e a instalação do Primeiro Império, governado por D. Pedro I, surgiu em 1827 a lei das escolas de primeiras letras. Então, difundiu- se a promessa de que nas cidades e vilas mais populosas haveria escolas de primeiras letras. Não aconteceu. Foi uma daquelas leis brasileiras que não surtiram efeito. O que se seguiu foi a promulgação, em 1884, de um ato adicional à Constituição 28 do Império que determinou que o ensino primário fosse destinado à jurisdição das províncias. Assim, lamentavelmente, o Estado ficou livre de obrigações com esse nível de ensino. Levando-se em conta “[...] que as províncias não estavam equipadas nem financeira e nem tecnicamente para promover a difusão do ensino, o resultado foi que atravessamos o século XIX sem que a educação pública fosse incrementada [...]” (SAVIANI, 2008, p. 3). Fica sempre uma sensação, vasculhando a história, de que os direitos foram negligenciados. Até hoje, basta visitar escolas pelos bairros afastados das grandes cidades ou pequenas cidades no interior do País para perceber que ainda impera alguma negligência. Saviani (2008) comenta que foram 49 anos, de 1840 a 1888, com gastos com a educação beirando 1,80% do orçamento do governo imperial, destinando-se, para a instrução primária e secundária, a média de 0,47%. “O ano de menor investimento foi o de 1844, com 1,23% para o conjunto da educação e 0,11% para a instrução primária; e o ano de maior investimento foi o de 1888, com 2,55% para a educação e 0,73% para a instrução primária e secundária [...]” (SAVIANI, 2008, p. 4). Ao longo da Primeira República, a estagnação imperial foi mantida. O número de analfabetos foi conservado. Esse cenário não se difere daquele descrito na constituição do Regime Militar, de 1967 (e da emenda de 1969), em que se reafirmam exclusões, que são vinculadas à situação orçamentária. O orçamento da União para a educação foi reduzido de 9,6% em 1965 para 4,31% em 1975. Foi uma queda brusca ao que já oferecia precariedade. Salto gigantesco em relação aos tempos republicanos foi a atual Constituição, promulgada em 1988. Ela fixa em 18% para a União e 25% para estados e municípios os percentuais mínimos de investimento relacionados às receitas resultantes de impostos (SAVIANI, 2008). Em um documento histórico, apresentado no seminário Políticas Públicas de Educação, realizado em 1991 no Instituto de Estudos Avançados da USP, Mello sintetizou as ideias do período de redemocratização brasileira. Era um momento em que a educação era vista como uma política pública. Acreditava-se que seria propício vê-la no conjunto das ordenações e intervenções do Estado e olhar com atenção especial para a educação básica, aprofundando o olhar para o ensino fundamental. O documento trata da educação e da cidadania enquanto itens para uma agenda pós-ditadura militar. A educação era encarada como componente estruturante 29 para o desenvolvimento. Nesse contexto, países como o Brasil, integrantes do chamado Terceiro Mundo, precisariam adequar suas estratégias de desenvolvimento às seguintes situações conjunturais: [...] políticas de ajuste econômico de curto prazo que dificultam consensos em torno de objetivos de longo alcance, como são os da educação; instabilidade e fragilidade da experiência democrática, em função de longos períodos de governos autoritários, que prejudicam a articulação entre as instituições políticas e os atores sociais; crescimento desigual, que faz conviver setores avançados tecnicamente com outros de mão de obra intensiva e ainda necessários à integração de grandes contingentes marginalizados da produção e do consumo; grandes desigualdades na distribuição de renda, e ineficiência e desigualdade na oferta de serviços educacionais [...] (MELLO, 1991, p. 4). Noma (2011) comenta que muitos países da América Latina, na década de 1980, enfrentavam intensas crises econômicas, retrações nas produções industriais e desaceleração econômica. Nesse período, os efeitos das ditaduras latino-americanas começavam a cessar e as eleições diretas voltavam a acontecer em países como o Brasil. Veja: O período de vigência do PPE, final do século XX, foi marcado por transformações intensos que decorreram da resposta do capitalismo mundial às crises de rentabilidade e de valorização que se tornaram mais evidentes a partir da década de 1970. A superação da crise mundial ocorreu com uma nova configuração e uma nova dinâmica da produção e da acumulação do capital. Houve um processo de reorganização do capital e do correspondente sistema ideológico e político de dominação cujos contornos mais evidentes foram o advento do neoliberalismo e de suas políticas econômicas e sociais (NOMA, 2011, p. 109). O século XXI começa na América Latina com o aparecimento de governos oriundos das lutas sociais em embate contra o neoliberalismo. Foram os anos de governos democrático-populares, progressistas, pós ou neoliberais. Apontaram, nesse momento, experiências distintas, mas semelhantes na preocupação com a ampliação de direitos e a melhora da qualidade de vida dos setores populares mais empobrecidos da América Latina. Tais políticas sociais e educacionais foram frutos de muitos investimentos nos anos 2000. Esses investimentos, na América Latina, trouxeram ampliação do direito à educação, dívida histórica do Estado brasileiro. É desse momento (2008) a declaração final do Congresso Regional de Educação Superior, em Cartagena, reconhecendo que a educação superior é um bem público social, direito humano e universal e um dever do Estado. Alguns países ampliaram os anos de obrigatoriedade, criaram mais 30 escolas e universidades públicas e incluíram setores populares historicamente excluídos. Um caso particular brasileiro são as cotas para afro-brasileiros e indígenas no ensino superior, via Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), e os financiamentos, via Sistema de Seleção Unificada (SISU). O PPE (Projeto Principal de Educação para a América Latina e o Caribe) foi proposto para acontecer entre os anos 1980 e 2000. Após longo período de estabilidade econômica mundial (do pós-Segunda Guerra Mundial, em 1945, até a década de 1970), surge intensa crise política e econômica. Simultaneamente, o Brasil estava saindo daquilo que os governos militares chamavam de “fase de ouro do modelo desenvolvimentista brasileiro”, que durou de 1968 a 1973. Esse período foi marcado pela elevação na taxa de crescimento econômico sob a batuta do regime militar. Ao mesmo tempo em que o período foi considerado o auge do milagre econômico brasileiro, as contradições desse crescimento econômico tornaram-se mais evidentes. 31 6 A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA NA INCLUSÃO EDUCACIONAL DAS CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIAS A família e a escola são dois elementos muito importantes na socialização do indivíduo na medida em que os dois influenciam diretamente na educação do mesmo, contribuindo para a sua realização pessoal e concretização dos seus projetos ao longo da sua vida. A escola e a família, assim como outras instituições, vêm passando por profundas transformações ao longo da história. Com isso é interessante perceber que os processos de formação se dão não apenas nos estabelecimentos de ensino como também em outras ambiências culturais como a família, visto que a família é o centro essencial para o desenvolvimento de todo ser humano. A família é considerada a base da sociedade, conforme alude o art. 226 da Constituição Federal de 1988. As crianças e os adolescentes com deficiência possuem o direito à educação inclusiva, que respeite sua dignidade e, a comunidade familiardeve participar dessa formação intelectual e lutar pela inclusão das crianças com deficiência na sociedade. De acordo com o artigo 205 da Constituição Federal: [...] a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1998). O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no seu artigo 4º discorre: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à liberdade e a convivência familiar e comunitária (BRASIL, 1990). O dever da família com o processo de escolaridade e a importância de sua presença no contexto escolar também é reconhecida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que no seu artigo 1º trás o seguinte discurso: A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisas, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais (BRASIL, 1996). 32 Diante do exposto, pode-se afirmar que para poder construir uma sociedade inclusiva é preciso antes de qualquer coisa, de toda uma mudança no pensamento e na estrutura da sociedade e isso requer certo tempo. O que irá realmente nortear e desencadear essas mudanças é a real aceitação das pessoas com deficiências e essa aceitação deve começar pela própria família. O papel da família tem sido cada vez mais ressaltado, no sentido de ser parceira vital no processo de integração (social, escolar) da pessoa com deficiência. Os pais são os principais associados no tocante às necessidades educativas especiais de seus filhos, e a eles deve-se competir, na medida do possível, a escolha do tipo de educação que desejam seja dada aos seus filhos (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994). Contudo, não se pode transferir toda a responsabilidade a família. O poder público, por sua vez deve assegurar todo o atendimento nas áreas de saúde e educação para a pessoa com NEE, e deve, além disso, promover a saúde física e mental não só da criança, mas de toda a família. Cabe ao poder público garantir um sistema de serviços que promova a saúde física e mental das famílias, em geral, e das crianças e jovens e adultos, em especial (BRASIL, p.8, 2004). Partindo desse mesmo pensamento pode-se afirmar que: A família precisa contar com serviços de avaliação e de atendimento às crianças e adolescentes, de forma que possam frequentar os espaços comuns da comunidade desde o início de suas vidas, juntamente com seus familiares. Quando a família não conta com esses serviços, tende a se fechar e a manter a criança em casa, iniciando um processo de segregação e de exclusão já no contexto familiar (BRASIL, 2004, p.8). Uma das dificuldades dessas famílias é a de encontrar um ambiente escolar efetivamente preparado, as constantes recusas e eventuais preconceitos que ainda se fazem presentes, mas os responsáveis por essas crianças e jovens não podem desanimar no cumprimento do seu dever: o de garantir aos seus filhos o direito de acesso à educação. O poder público, por sua vez, deve garantir assistência ao atendimento em todas as áreas, especialmente na saúde e educação promovendo a saúde física e mental não só da criança, mas de toda a família. 33 7 FAMÍLIA E EDUCAÇÃO https://abre.ai/cOYQ A família e a escola constituem o alicerce da sociedade, pois são os principais agentes no desenvolvimento da criança. Apesar da existência de debate em torno do papel atual da família e da sua composição, ela permanece como o elemento- chave na vida e desenvolvimento da criança. A ideia de família, com a evolução histórica da sociedade, sofreu consideráveis mudanças. Desta forma, percebe-se que, tendo em vista todas as mudanças ocorridas na família ao longo da história em função de diversos fatores, entre eles a emancipação feminina, que os papéis da escola, foram ampliados para dar conta das novas demandas da família e da sociedade. Com isso as mudanças na família além de influenciar a sociedade como um todo, atinge também a educação dos filhos refletindo indiscutivelmente sobre as atividades desenvolvidas pela escola. Segundo Carvalho (2004) a educação tem um papel fundamental na produção e reprodução cultural e social e começa no lar/família, lugar da reprodução física e psíquica cotidiana – cuidado do corpo, higiene, alimentação, descanso, afeto, que constituem as condições básicas de toda a vida social e produtiva. A mesma autora assegura que a educação apresenta duas dimensões: social transmissão de uma herança cultural às novas gerações através do trabalho de várias instituições; e individual – formação de disposições e visões, aquisição de conhecimentos, habilidades e valores. A dimensão individual é subordinada à social https://abre.ai/cOYQ 34 no contexto de interesses objetivos e relações de poder, neste caso baseadas na categoria idade-geração, seja na família, seja na escola (CARVALHO, 2004). Desde meados do século XX, especialmente em suas últimas décadas, novas dinâmicas sociais vêm afetando, ao mesmo tempo, a instituição familiar e o sistema escolar, levando ao aparecimento de novos traços e desenhando novos contornos nas relações entre essas duas grandes instâncias de socialização (NOGUEIRA, 2006). Antigamente as crianças e jovens eram educados pela família e na comunidade antes da escola se tornar um lugar separado e especializado para a educação formal. No final do século XIX a educação escolar tornou-se o modo de educação dominante nas sociedades modernas, democráticas, a partir da escolarização obrigatória com uma organização específica organizada através de sistema de avaliação, níveis, diplomas, professores, professoras e outros profissionais especializados. Com a especialização das instituições de reprodução social e a separação da vida pública e privada, as famílias e lares passaram a se redefinir como local estritamente de reprodução física e psíquica, onde são gerados os primeiros sinais de afeto e de intimidade. Já as escolas, ficaram com o papel representar o lugar da educação pública onde se reproduz a cultura letrada, os valores sociopolíticos e da qualificação para o trabalho, assumindo funções econômicas e ideológicas. A escolarização cresceu num modo ordenado e especializado de educação, e tornou-se o contexto central do desenvolvimento individual das crianças e jovens, assumindo em seguida funções sociais e emocionais adicionais. Isso se deu na medida em que os pais e mães passaram a trabalhar fora de casa, sendo que cada vez mais se reduz suas intervenções e funções reprodutivas culturais e sociais. As responsabilidades da escola hoje vão além de simples transmissora de conhecimento científico. Sua função é muito mais ampla e profunda. Tem como tarefa intensa, educar a criança para que ela tenha uma vida plena e satisfatória, colaborando assim para melhoria da sociedade em questão. Hoje em dia, porém, a política educacional está se desenvolvendo numa ação para além da escola, formalizando-se na relação com a família através da esfera pública, especificando a contribuição educacional da mesma para o sucesso motivacional na educação. 35 Porém, o envolvimento dos pais na escola está sendo assimilado na conjuntura da atual tendência à descentralização da gestão educacional e melhoria da produtividade e qualidade escolar no sistema de ensino público (CARVALHO, 2000). Citando o autor Piaget (1972), Caetano (2004) enfatiza também essa questão afirmando que: Uma ligação estreita e continuada entre os professores e os pais leva, pois a muita coisamais que a uma informação mútua: este intercâmbio acaba resultando em ajuda recíproca e, frequentemente, em aperfeiçoamento real dos métodos. Ao aproximar a escola da vida ou das preocupações profissionais dos pais, e ao proporcionar, reciprocamente, aos pais um interesse pelas coisas da escola, chega-se até mesmo a uma divisão de responsabilidades (PIAGET 1972, p. 50). De acordo com Nogueira (2006), é preciso reconhecer que, de um modo geral, a ideia de “parceria” entre a família e a instituição escolar já se tornou uma espécie de “dogma” (SILVA, 2003, p. 27), de “categoria pública positiva de percepção do mundo social” que se dissemina rapidamente no espaço social, tendo obtido um amplo “sucesso discursivo”. Juntamente com o discurso, vimos também que uma série de dispositivos institucionais (campanhas, jornadas, contratos, profissionais especializados etc.) são criados, em geral pelo Estado, com vistas a instaurar e fomentar essa parceria (p.12). Partindo desse pressuposto, as propostas educacionais na escola e na família são diversas no que se referem aos seus objetivos, conteúdos e métodos, bem como as perspectivas e interações típicos a cada contexto. Contudo a escola deve reconhecer a importância da colaboração dos pais na história e no projeto escolar dos alunos e auxiliar as famílias a exercerem o seu papel na educação, na evolução e no sucesso profissional dos filhos e, concomitantemente, na transformação da sociedade. Carvalho (2000) discorre que: Enquanto a escola estimula e desenvolve uma perspectiva mais universal e ampliada do conhecimento científico, a família transmite valores e crenças e, como consequência, os processos de aprendizagem e desenvolvimento se estabelecem de uma maneira coordenada. Os benefícios de uma boa integração entre a família e a escola relacionam-se a possíveis transformações evolutivas nos níveis cognitivos, afetivos, sociais e de personalidade dos alunos (p.23). 36 Para que isto ocorra, é preciso apropriar-se de diferentes estratégias e formas para a implementação da relação família-escola, considerando o contexto cultural, isto é, as crenças, os valores e as peculiaridades dos ambientes sociais. Com isso pode- se entender que a integração do ambiente escolar e familiar não é uma tarefa fácil e não deve ser encarada de forma somente idealística. Os laços afetivos, alcançados e estabelecidos tanto na escola como na família permitem que os indivíduos lidem com conflitos, aproximações e situações oriundos destes vínculos, aprendendo a resolver os problemas de maneira conjunta ou separada. Dessen & Polonia (2007) informam que, apesar dos esforços, tanto da escola quanto da família, em promoverem ações de continuidade, há barreiras que geram descontinuidade e conflitos na integração. Uma das dificuldades na integração família- escola é que esta ainda não comporta, em seus espaços acadêmicos, sociais e de interação, os diferentes segmentos da comunidade e, por isso, não possibilita uma distribuição equitativa das competências e o compartilhar das responsabilidades (p.28). Reconhecer os processos que permeiam os dois contextos e suas inter- relações permitiria uma visão mais dinâmica do processo educacional e, certamente, intervenções mais precisas e efetivas, e uma ampla discussão de modelos de articulação entre esses dois agentes educacionais. Portanto, quando se fala em desempenho escolar, o ambiente familiar não deve ser relegado a segundo plano, mesmo quando se trata da educação formal, função considerada especificamente da escola, pois como se sabe o aprendizado tem início muito antes da vida escolar e sabe-se, também, que ao chegar à escola, a criança já traz consigo uma considerável gama de conhecimentos, embora diferenciados em função do meio no qual vive. A escola e a família, portanto, devem estreitar os laços, especialmente quando se trata de crianças com deficiência. Esse estreitamento se refere ao fato de que a ação educativa atualizada não deve se direcionar ao indivíduo à margem de suas necessidades sociais, econômicas e culturais, ou nos problemas concretos em que se encontra inserido, mas sim a um sujeito, constituído de direitos a uma cidadania concreta. Percebe-se desta forma que a interação família-escola se faz necessária, para que ambas percebam suas realidades e suas limitações, e busquem caminhos que 37 permitam e facilitem o entrosamento entre si, para o sucesso educacional do filho- aluno. Nesse sentido, é importante que família e escola saibam aproveitar os benefícios desse estreitamento de relações, pois isto irá resultar em princípios facilitadores da aprendizagem e formação social da criança. Diante de tudo o que foi exposto, pode-se refletir na seguinte pergunta: Quem é o principal interventor para que ocorra esse estreitamento da relação família-escola? Deve partir apenas da família e concomitantemente da escola? Acredito que o Estado por vias democráticas como também de políticas públicas deve intervir neste sentido buscando o desenvolvimento dos indivíduos e da sociedade procurando assegurar cada vez mais direito à qualidade e à igualdade de oportunidades educativas. 38 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA BRASIL. Câmara de Educação Básica. Resolução CNE/CEB nº. 2, de 11 de setembro de 2001. Institui Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. 2001a. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CEB0201.pdf>. Acesso em: 7 ago. 2018 BRASIL. Câmara de Educação Básica. Resolução nº. 4, de 2 de outubro de 2009. Institui Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial. 2009. Disponível em: <http://portal.mec.gov. br/dmdocuments/rceb004_09.pdf>. Acesso em: 7 ago. 2018. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/consti- tuicao/constituicao.htm>. Acesso em: 7 ago. 2018. BRASIL. Decreto nº. 5.296, de 2 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis nos 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que espe- cifica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. 2004b. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5296.htm>. Acesso em: 7 ago. 2018. BRASIL. Decreto nº. 5.626 de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. 2005b. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm>. Acesso em: 7 ago. 2018. BRASIL. Decreto nº. 6.571, de 17 de setembro de 2008. Dispõe sobre o Atendimento Educacional Especializado, regulamenta o parágrafo único do artigo 60 da lei n. 9.394, http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CEB0201.pdf http://portal.mec.gov/ http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/consti- http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5296.htm 39 de 20 de dezembro de 1996, e acrescenta dispositivo ao decreto n. 6.253, de 13 de novembro de 2007. 2008a. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/ decreto/d6571.htm>. Acesso em: 7 ago. 2018. BRASIL. Decreto nº. 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Regulamenta a Lei no 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências. 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3298.htm>. Acesso em: 7
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