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DIREITO FALIMENTAR: RECUPERAÇÕES JUDICIAL E EXTRAJUDICIAL Eduardo Zaffari Noções gerais de Direito Falimentar Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Explicar a evolução do instituto da falência. � Descrever os títulos constitutivos no contexto do Direito Falimentar. � Identificar as fases do procedimento falimentar. Introdução As relações comerciais foram fundamentais para o desenvolvimento da sociedade ao longo do tempo, constituindo o crédito uma necessidade para o fomento empresarial. Entretanto o uso inadequado do crédito e a inexperiência de alguns empresários podem levá-los ao insucesso empresarial. Por essa razão, o Direito desenvolveu técnicas para a cobrança de valores devidos pelo comerciante, hoje reconhecido como empresário, ou até mesmo para tirá-lo do mercado. Neste capítulo você vai estudar a evolução da falência ao longo do tempo e suas fases, até o momento em que a preservação da empresa é o foco, em razão da sua função social. Você também vai ler sobre os requisitos necessários para o pedido de falência, quando o estado falimentar estiver caracterizado, assim como sobre as fases desse pro- cedimento, do início ao fim. 1 Evolução do instituto da falência Inicialmente, é importante perquirirmos e definirmos a expressão falência, o que norteará a investigação de seu desenvolvimento histórico e de estigmas consequentes. Atualmente, é voz corrente que a expressão advém da palavra fallere, que, na língua latina, significa “faltar”, “enganar” (REQUIÃO, 1995). Chagas afirma que a língua latina, por sua vez, tomou o termo do grego sphallein (CHAGAS, 2019). As Ordenações portuguesas, que por muito tempo vigoraram no Brasil, usavam a expressão “quebra”, o que foi repetido pelo Código Comercial de 1850. Não obstante, a doutrina e legislação posterior preferiu o signo “falência” e seus derivados (“falir”, “falimentar”, “falencial”, etc.) à expressão “quebrar”. Sendo assim, “falência” representa a falta de cumprimento de uma obrigação com alguém. Não por menos, Gladston Mamede recorda duas passagens que demonstram o estigma associado à expressão e ao instituto. A primeira delas consta no livro de William Shakespeare, O Mercador de Veneza, em que o protagonista Shylock reclama de um companheiro, afirmando que ele seria um mau companheiro de negócios que arranjei: um falido, um pródigo, que mal ousa mostrar a cabeça no Rialto; um mendigo que antes se apresentava tão vaidoso no mercado. A segunda passagem consta no livro O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas; nele, o personagem Morrel decide se matar quando descobre da falência (MAMEDE, 2019, p. 27). Ao longo do tempo, a falência causou embaraço e estigma de insucesso e fracasso. Recentemente, tem-se procurado atenuar essa concepção, uma vez que o insucesso empresarial é inerente ao risco. Algumas empresas terão sucesso, outras não, e não se pode estigmatizar aqueles que empreendem. Na Antiguidade, quando o devedor deixava de pagar o seu credor, a cobrança do crédito recaía sobre a pessoa do devedor, não sobre seu patrimônio. Rubens Requião afirmava que, na Índia, o Código de Manu prescrevia a possibilidade de o credor escravizar seu devedor, acrescendo 5% sobre o valor da dívida se confessasse o débito; se não confessasse, seria acrescido o dobro ao valor devido. Ainda, sendo o credor de casta superior, o pagamento seria realizado em prestações, de acordo com suas possibilidades. Os egípcios, segundo Requião, puderam, por pouco tempo, escravizar o devedor. Caso o devedor falecesse sem solver as suas dívidas, era admitido ao credor tomar o cadáver em penhor “a fim de privá-lo das honras fúnebres. Coagiam-se moralmente, dessa forma, os parentes e amigos a resgatar o cadáver, pagando-se a dívida.” (REQUIÃO, 1995, p. 3). Noções gerais de Direito Falimentar2 Na Grécia antiga, a legislação de um estadista grego acabou com a prisão, escravidão ou morte do devedor. Já os romanos fizeram a primeira legislação escrita de que se tem conhecimento baseada na legislação grega, prevendo a possibilidade de recair o débito sobre o corpo do inadimplente. Glads- ton Mamede transcreve parte da Lei das XII Tábuas, de aproximadamente 450 a.C., em que demonstra que os credores podiam dividir o corpo do devedor em tantos pedaços quantos fossem os credores, caso ninguém o resgatasse em feira pública (MAMEDE, 2019). Essa rigorosa possibilidade não perdurou, pois a Lex Poetelia Papiria (de 428 ou 441 a.C.) aboliu a execução sobre o corpo do devedor (CHAGAS, 2019). Em substituição, porém, foi instituído o chamado bonorum venditio, no qual os credores se apossavam dos bens do devedor e os alienavam a uma pessoa (que se assemelhava a um sucessor-herdeiro). Essa pessoa se obrigava a pagar aos credores determinado rateio, sob as ordens e o controle de um magistrado. Rubens Requião afirmava que esse procedimento influenciou os procedimentos modernos posteriormente adotados no Direito Falimentar contemporâneo. Rubens Requião, jurista paranaense falecido em 1997, escreveu, entre suas inúmeras obras, um clássico da literatura jurídica, o Curso de Direito Falimentar, cuja primeira edição data de 1975 e a última de 1997. Nesse clássico, há o melhor desenvolvimento histórico da execução universal da falência já publicado. Vale a pena aprofundar a sua pesquisa com esse clássico. No período medieval, a partir do século XIII, o Direito Comercial primi- tivo começa a formar um Direito Falimentar rigoroso a partir do concursum creditorum romano. Sem distinção entre o não comerciante e o comerciante, ambos recebiam a pena de infâmia e se sujeitavam às mesmas punições penais e civis. Na Idade Moderna, além da prisão, podiam sofrer chibatadas ou ainda ter arrancadas uma das orelhas, conforme lei inglesa de 1676. 3Noções gerais de Direito Falimentar É interessante notarmos como se dava o concurso de credores em muitas legislações da Idade Média. Na execução da sentença do devedor que se escondia, havia as chamadas missiones in possessionem, em que eram de- sapossados os bens do devedor mediante dois decretos. No primeiro decreto (primo decreto), determinava-se o desapossamento dos bens do devedor em favor dos credores (missio in bona); ainda nessa fase, o devedor poderia resgatar seus bens mediante o pagamento de seus débitos. Caso não o fizesse, era expedido um segundo decreto, a requerimento dos credores, momento em que era nomeado um curador bonorum, que passava a administrar os bens para a venda, com fundamento no decreto. O produto da venda era rateado entre os credores. Em regra, o credor que primeiro tomasse providências teria preferência no recebimento do valor, o que ocorria igualmente no Direito português. Apenas com a influência do Direito francês que se restabeleceu a igualdade entre os credores, conforme o princípio romano da par creditio creditorium — igualdade entre os credores (REQUIÃO, 1995). O Direito Falimentar brasileiro se forma a partir das Ordenações portu- guesas, que vigoraram no Brasil Colônia e até mesmo durante longo período no Brasil Império. Gladston Mamede recorda que, nas Ordenações Filipinas (século XVI), os comerciantes falidos eram considerados ladrões públicos (MAMEDE, 2019). Mas Requião recordava que o alvará de Marquês do Pombal de 1756, logo após o grande terremoto que destruiu Lisboa, em 1755, punia com grande severidade os comerciantes falidos que tivessem cometido ilícitos, mas isentava aqueles que apenas iam à bancarrota sem culpa (REQUIÃO, 1995). As empresas hoje ultrapassam a visão privatística e exercem uma função social, reco- nhecida pela doutrina e jurisprudência. Chama-se de função social da empresa a capacidade de gerar receita, empregos e desenvolvimento da comunidade. Tarcísio Teixeira afirma que esse princípio representa […] que a atividade empresarial é a fonte produtora de bens para a socie- dade como um todo, pela geração de empregos; pelodesenvolvimento da comunidade que está à sua volta; pela arrecadação de tributos; pelo respeito ao meio ambiente e aos consumidores; pela proteção ao direito dos acionistas minoritários, etc. (TEIXEIRA, 2019, p. 694). Noções gerais de Direito Falimentar4 Chagas refere que o instituto da falência teve três fases históricas: a primeira fase foi da Idade Antiga até a Idade Média, e o objetivo era punir o devedor; a segunda fase começa a partir da Revolução Francesa e se caracterizava pela proteção dos credores; e a terceira fase, que é a atual, caracteriza-se pela preservação da empresa (CHAGAS, 2019). Requião, em 1995, já dizia que “[...] vivemos, assim, em pleno terceiro estágio, no qual a falência passa a se preocupar com a permanência da empresa e não apenas com a sua liquidação judicial” (REQUIÃO, 1995, p. 11). O Código Comercial de 1850 apresentava, a partir de seu art. 797, a parte destinada às “quebras”, com extenso disciplinamento. Nele era prevista a instrução do processo de falência e a reunião dos credores em duas assem- bleias. Na primeira assembleia o juiz fazia um relatório exato sobre o estado da falência, com lista de credores e natureza dos créditos. Nomeava-se en- tão uma comissão para a verificação dos créditos. Na segunda assembleia, se não houvesse culpa ou fraude do falido, os credores deliberavam sobre a possibilidade da chamada concordata, benefício que visa à oportunizar a recuperação da empresa mediante fiscalização judicial e de seus credores. Entretanto, após inúmeros decretos que alteraram o Código Comercial nessa parte, com a necessidade de ajustar a legislação vigente ao Estado Novo, surge o Decreto nº. 7.661, de 21 de junho de 1945, norma que vigorou no Brasil até o advento da Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. O Decreto nº. 7.661/1945 reforçou os poderes do juiz, diminuiu os poderes dos credores e alterou a natureza jurídica da concordata (suspensiva e preventiva), tornando- -a um benefício concedido pelo Estado, não mais uma composição pactuada entre credores e falido. A Lei nº. 11.101/2005, conhecida como Lei de Recuperação e Falências, substituiu as concordatas pela recuperação judicial, visando ao saneamento da empresa em crise e apenas extinguindo a empresa quando ela não for mais economicamente viável. Tarcísio Teixeira afirma que “[…] a norma fornece condições para alcançar esse fim. Caso não seja possível a recuperação, a norma também contempla o instituto da falência como forma de liquidar a atividade empresarial, mas não é o seu escopo primordial” (TEIXEIRA, 2019, p. 692). 5Noções gerais de Direito Falimentar 2 Títulos constitutivos no Direito Falimentar Em certas ocasiões, a sociedade empresária não consegue superar a crise econômico-financeira, restando-lhe apenas a sua liquidação para que o pa- trimônio ativo do empresário ou sociedade seja alienado, de modo a, com os valores apurados, adimplir o passivo impago. Entretanto isso não significa, necessariamente, a extinção da empresa. Considerando-se que a sociedade é mais do que apenas a soma de seus bens físicos, pode ocorrer a liquidação de bens da empresa para o pagamento de seus débitos com a sua continuidade. Conforme afirma Mamede “[…] quem faliu foi o empresário ou a sociedade empresária, não a empresa, que é mero objeto (universalidade de fato e de direito, com existência dinâmica). Assim, a Lei 11.101/05 permite a preservação da empresa, apesar da insolvência do empresário ou sociedade empresária” (MAMEDE, 2019, p. 247). É importante compreendermos o chamado estado falimentar, que ca- racteriza a falência. Esse estado se caracteriza pela impossibilidade de se demonstrar, a priori, que o empresário ou sociedade não consegue saldar a totalidade dos compromissos financeiros. Para a caracterização desse estado, a lei prescreve certos elementos externos, quais sejam: a impontualidade no pagamento das obrigações, a existência de execução frustrada e a prática de certos atos falimentares, conforme descritos em lei. Examinemos cada um dos requisitos para a caracterização desse estado. Impontualidade A Lei nº. 11.101/2005 prescreve, no art. 94, I, que será decretada a falência do empresário ou sociedade que “[...] sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência” (BRASIL, 2005, documento on-line). Essa hipótese representa a impontualidade do falido. Isso significa que qualquer título executivo, judicial ou extrajudicial, nos termos do art. 786 do Código de Processo Civil, poderá ensejar a falência, não importando se Noções gerais de Direito Falimentar6 esses títulos forem de natureza diversa, a soma de diferentes títulos ou datas e/ou obrigações distintas. Em outras palavras, credores distintos podem reunir seus títulos, independentemente da origem, para ensejar o pedido de falência. Há, entretanto, a exigência do valor mínimo de 40 salários mínimos, como uma espécie de filtro para que não possa, qualquer valor, decretar a quebra. É uma espécie de valor de alçada, como refere Mamede (MAMEDE, 2019). É importante que o título seja líquido, certo e exigível, o que exclui a sentença judicial genérica (ainda não liquidada) e a prova escrita sem eficácia de título executivo, que poderá instruir a ação monitória. Para a instrução do pedido de falência, a sentença genérica deverá ser previamente liquidada e a monitória deverá previamente constituir título executivo. O título deverá estar vencido, ou seja, deverá ser exigível. São exceções que não caracterizam a impontualidade o inadimplemento de obrigações a título gratuito, como doações e premiações, ainda que reco- nhecidas por sentença judicial, ou garantias pessoais ou reais prestadas em favor de terceiros, pois se tratam de obrigações a título gratuito prestadas pelo empresário ou sociedade, não podendo servir de causa para a sua falência. Os tributos também não permitem o pedido de falência, conforme exclusão dos mesmos do juízo falimentar, nos termos do art. 187 do Código Tributário Nacional. Uma vez que os tributos não estão sujeitos ao juízo da falência, deverão ser cobrados por meio de executivo fiscal conforme Lei de Execuções Fiscais (BRASIL, 1980). 7Noções gerais de Direito Falimentar O Código Tributário Nacional (CTN) excluiu da falência o crédito do Fisco, o que sig- nifica que o empresário não tem como usar o processo falimentar como forma de reorganizar-se quando estiver inadimplente com tributos. Prescreve o art. 187 do CTN: A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento. Parágrafo único. O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas jurídicas de direito público, na seguinte ordem: I - União; II - Estados, Distrito Federal e Territórios, conjuntamente e pró rata; III - Municípios, conjuntamente e pró rata. (BRASIL, 1966, documento on-line). Execução frustrada A execução frustrada é a possibilidade prevista no art. 94, II, da Lei nº. 11.101/2005 de decretação de falência do empresário ou sociedade. Ou seja, será decretada a falência do “[...] executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal” (BRASIL, 2005, documento on-line). Ajuizada uma ação de execução em face do devedor, caso o devedor não pague, não deposite o valor, não nomeie bens em garantia ou não tenha bens a serem penhorados, poderá estar caracterizado o estado falimentar. Observe, entretanto, que, se o devedor embargar a execução sem nomear bens e forem recepcionados os embargos à execução, conforme possibilita o art. 914 do Código de Processo Civil, o pedido de falência não poderá ser instrumentalizado nos termos do art. 94, II, da Lei nº. 11.101/2005. Nesse caso, ocredor deverá aguardar o trânsito em julgado da sentença dos embargos para o ajuizamento do pedido de falência. O credor extrairá certidão do processo para o ajuizamento da ação de falência. Noções gerais de Direito Falimentar8 Atos falimentares A terceira hipótese que habilita o ajuizamento do pedido de falência e decre- tação da falência são os chamados atos de falência, prescritos no art. 94, III, da Lei nº. 11.101/2005 em diferentes alíneas. Vale transcrever os atos previstos e que determinam o estado falimentar: a) procede à liquidação precipitada de seus ativos ou lança mão de meio ruinoso ou fraudulento para realizar pagamentos; b) realiza ou, por atos inequívocos, tenta realizar, com o objetivo de retardar pagamentos ou fraudar credores, negócio simulado ou alienação de parte ou da totalidade de seu ativo a terceiro, credor ou não; c) transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo; d) simula a transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de burlar a legislação ou a fiscalização ou para prejudicar credor; e) dá ou reforça garantia a credor por dívida contraída anteriormente sem ficar com bens livres e desembaraçados suficientes para saldar seu passivo; f) ausenta-se sem deixar representante habilitado e com recursos suficientes para pagar os credores, abandona estabelecimento ou tenta ocultar-se de seu domicílio, do local de sua sede ou de seu principal estabelecimento; g) deixa de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida no plano de recuperação judicial. (BRASIL, 2005, documento on-line). Todos esses atos demonstram situações que trazem insegurança jurídica às relações empresariais, atentando à boa-fé e probidade. São indícios de que a sociedade empresária está insolvente e que as relações com outras sociedades serão prejudicadas, conforme prescreve Mamede: […] é preciso reconhecer que determinadas ações (comissivas ou omissivas) praticadas no exercício da empresa representam grande risco de solvabilidade — mesmo quando a empresa não esteja em situação de efetiva insolvência —, legitimando credores ou, mesmo, sócios que não estejam no exercício da administração societária, de recorrerem ao pedido de falência. (MAMEDE, 2019, p. 256). 9Noções gerais de Direito Falimentar Os parágrafos 3º, 4º e 5º do art. 94, da Lei nº. 11.101/2005 prescrevem que a impontu- alidade será comprovada mediante a apresentação do título de crédito protestado; a frustração da execução mediante a certidão cartorária referente ao processo cujo crédito restou impago; e os atos de falência por meio de qualquer espécie de prova, documental ou oral, que demonstre os atos denominados fraudulentos. 3 Fases do procedimento falimentar A doutrina não encontra consenso na divisão do processo falimentar em etapas, ou fases, mas é possível pode estabelecer três fases principais, as quais podem receber as seguintes denominações: fase pré-falimentar; fase falimentar; e fase pós-falimentar (ou reabilitação). Essas três fases comportam uma série de fatos e atos processuais, como veremos a seguir. Fase pré-falimentar A primeira fase da falência, a pré-falimentar, é aquela em que há o pedido de falência até a sua declaração. Os legitimados a requerer a falência são o próprio devedor, quando ele requerer a autofalência, os herdeiros, o cônjuge sobrevivente, o inventariante, o cotista ou acionista ou qualquer credor do empresário ou sociedade devedores. A legitimidade ativa vem prescrita no art. 97 da Lei nº. 11.101/2005. A ação, que deverá ser ajuizada no estabelecimento da sociedade, deverá ser instrumentalizada com uma série de documentos, se for requerida pelo próprio empresário devedor, quais sejam, conforme art. 105 da Lei nº. 11.101/2005: I - demonstrações contábeis referentes aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de: a) balanço patrimonial; b) demonstração de resultados acumulados; c) demonstração do resultado desde o último exercício social; d) relatório do fluxo de caixa; II - relação nominal dos credores, indicando endereço, importância, natureza e classificação dos respectivos créditos; Noções gerais de Direito Falimentar10 III - relação dos bens e direitos que compõem o ativo, com a respectiva esti- mativa de valor e documentos comprobatórios de propriedade; IV - prova da condição de empresário, contrato social ou estatuto em vigor ou, se não houver, a indicação de todos os sócios, seus endereços e a relação de seus bens pessoais; V - os livros obrigatórios e documentos contábeis que lhe forem exigidos por lei; VI - relação de seus administradores nos últimos 5 (cinco) anos, com os respectivos endereços, suas funções e participação societária. (BRASIL, 2005, documento on-line). Lembre-se de que, se não for o próprio devedor a requerer a falência, o autor da ação deverá apresentar documentos que comprovem a impontualidade, a execução frustrada e os atos fraudulentos. Se ajuizada a ação por terceiros (que não seja o devedor), este será citado para apresentar sua defesa no prazo de 10 dias, quando o processo irá para o juiz efetuar o julgamento do pedido. Para requerer a recuperação judicial e tentar se recuperar, o art. 48 da Lei nº. 11.101/2005 apresenta uma série de requisitos ao devedor, acompanhe: I - não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; II - não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recupe- ração judicial; III - não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo; IV - não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei. (BRASIL, 2005, documento on-line). Se a petição inicial do pedido de falência estiver corretamente instruída, o juiz poderá indeferir o pedido caso não haja razões suficientes para o decreto de falência. Entretanto, preenchidas a condições, o juiz decretará a falência, observando uma série de providências, que vêm prescritas no art. 99 da Lei nº. 11.101/2005. Conforme o art. 99, a sentença que decretar a falência do devedor: 11Noções gerais de Direito Falimentar I – conterá a síntese do pedido, a identificação do falido e os nomes dos que forem a esse tempo seus administradores; II – fixará o termo legal da falência, sem poder retrotraí-lo por mais de 90 (noventa) dias contados do pedido de falência, do pedido de recuperação judicial ou do 1º (primeiro) protesto por falta de pagamento, excluindo-se, para esta finalidade, os protestos que tenham sido cancelados; III – ordenará ao falido que apresente, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, relação nominal dos credores, indicando endereço, importância, natureza e classificação dos respectivos créditos, se esta já não se encontrar nos autos, sob pena de desobediência; IV – explicitará o prazo para as habilitações de crédito, observado o disposto no § 1º do art. 7º desta Lei; V – ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o falido, ressalvadas as hipóteses previstas nos §§ 1º e 2º do art. 6º desta Lei; VI – proibirá a prática de qualquer ato de disposição ou oneração de bens do falido, submetendo-os preliminarmente à autorização judicial e do Comitê, se houver, ressalvados os bens cuja venda faça parte das atividades normais do devedor se autorizada a continuação provisória nos termos do inciso XI do caput deste artigo; VII – determinará as diligências necessárias para salvaguardar os interesses das partes envolvidas, podendo ordenar a prisão preventiva do falido ou de seus administradores quando requerida com fundamento em provas da prática de crime definido nestaLei; VIII – ordenará ao Registro Público de Empresas que proceda à anotação da falência no registro do devedor, para que conste a expressão “Falido”, a data da decretação da falência e a inabilitação de que trata o art. 102 desta Lei; IX – nomeará o administrador judicial, que desempenhará suas funções na forma do inciso III do caput do art. 22 desta Lei sem prejuízo do disposto na alínea a do inciso II do caput do art. 35 desta Lei; X – determinará a expedição de ofícios aos órgãos e repartições públicas e outras entidades para que informem a existência de bens e direitos do falido; XI – pronunciar-se-á a respeito da continuação provisória das atividades do falido com o administrador judicial ou da lacração dos estabelecimentos, observado o disposto no art. 109 desta Lei; XII – determinará, quando entender conveniente, a convocação da assembleia- -geral de credores para a constituição de Comitê de Credores, podendo ainda autorizar a manutenção do Comitê eventualmente em funcionamento na recuperação judicial quando da decretação da falência; XIII – ordenará a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento, para que tomem conhecimento da falência. Parágrafo único. O juiz ordenará a publicação de edital contendo a íntegra da decisão que decreta a falência e a relação de credores. (BRASIL, 2005, documento on-line). Noções gerais de Direito Falimentar12 Fase falimentar A segunda fase, a falimentar, que se inicia logo após a decretação da falência por sentença, é o momento em que se inicia a alienação do ativo da falida para o pagamento do passivo. Nesta fase do processo, ganham especial relevo o administrador judicial, as assembleias de credores e o comitê de credores. O administrador judicial, que preferencialmente será um advogado, um eco- nomista, administrador de empresas, contador ou empresa especializada (art. 21, da Lei nº. 11.101/2005), tem a função de administrar a falência, prestar contas, verificar os créditos e apresentar relatórios mensais e final. Entretanto, recorda Mamede que, além de idoneidade para o desempenho da função, o administrador exerce um longo rio de atividades descritas no art. 22 da Lei nº. 11.101/2005. Aqui vale transcrever apenas algumas (MA- MEDE, 2019, p. 85): [...] fornecer, com presteza, todas as informações pedidas pelos credores interessados; exigir dos credores, do devedor ou seus administradores quais- quer informações; consolidar o quadro-geral de credores; requerer ao juiz convocação da assembleia-geral de credores nos casos previstos nesta Lei ou quando entender necessária sua ouvida para a tomada de decisões; contratar, mediante autorização judicial, profissionais ou empresas especializadas para, quando necessário, auxiliá-lo no exercício de suas funções; dentre outras inúmeras atividades. A competência da Assembleia de Credores vem prevista no art. 35, II, da Lei nº. 11.101/2005, e a competência do Comitê de Credores vem prevista no art. 27, I, da mesma lei. Nesta fase ainda se arrecadarão os bens e será feita avaliação deles, para a posterior alienação e satisfação dos créditos. Depois da assinatura do termo de compromisso pelo administrador judicial, ele irá efetuar a arrecadação dos bens e documentos da sociedade falida, com sua posterior avaliação para a venda (MAMEDE, 2019). Os bens serão alienados por leilão, pregão ou proposta 13Noções gerais de Direito Falimentar no processo, e o produto da venda do ativo se destinará ao pagamento dos credores, com estrita observância do art. 83 da Lei nº. 11.101/2005 (créditos trabalhistas, conforme limitação; créditos com garantia real, tributários, com privilégio especial, etc.). Fase pós-falimentar A terceira fase, pós-falimentar, também chamada de reabilitação, é considerada quando estiverem extintas as obrigações do falido pela satisfação de seus credores. Nesta última etapa, o falido ou sociedade falida pretende reverter o status que lhe havia atribuído a sentença que decretou a falência, inabilitando-o ao exercício empresarial. Rubens Requião afirmava que [...] a declaração da extinção das obrigações do falido é uma sentença, pre- cedida da sentença de encerramento da falência. Depois de atendidos os pressupostos necessários à declaração judicial, por sentença, é que o falido vê cessado seu estado de falência. Só, então, pode reiniciar, sem peias, sua atividade comercial renovada. (REQUIÃO, 1995, p. 339). O art. 158 da Lei de Recuperação e Falências prescreve que estarão extintas as obrigações do falido se houver: I – o pagamento de todos os créditos; II – o pagamento, depois de realizado todo o ativo, de mais de 50% (cinquenta por cento) dos créditos quirografários, sendo facultado ao falido o depósito da quantia necessária para atingir essa porcentagem se para tanto não bastou a integral liquidação do ativo; III – o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contado do encerramento da falência, se o falido não tiver sido condenado por prática de crime previsto nesta Lei; IV – o decurso do prazo de 10 (dez) anos, contado do encerramento da falên- cia, se o falido tiver sido condenado por prática de crime previsto nesta Lei. (BRASIL, 2005, documento on-line). O pedido do falido será autuado em apartado e será publicado edital em jornal de grande circulação, com prazo de 30 dias para eventual oposição, a partir do qual o juiz declarará extintas as obrigações do falido no prazo de 5 dias, habilitando-o ao comércio novamente. Noções gerais de Direito Falimentar14 BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Brasília, DF, 1966. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm. Acesso em: 8 jul. 2020. BRASIL. Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980. Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências. Brasília, DF, 1980. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6830.htm. Acesso em: 8 jul. 2020. BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Brasília, DF, 2005. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm. Acesso em: 8 jul. 2020. CHAGAS, E. E. das. Direito empresarial esquematizado. 6. ed. São Paulo: Saraiva Educa- ção, 2019. MAMEDE, G. Direito empresarial brasileiro: falência e recuperação de empresas. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2019. REQUIÃO, R. Curso de Direito Falimentar. São Paulo: Saraiva, 1995. 2 v. TEIXEIRA, T. Direito empresarial esquematizado: doutrina, jurisprudência e prática. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. Leituras recomendadas COELHO, F. U. Curso de Direito Comercial. 17. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. REQUIÃO, R. Curso de Direito Comercial. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. TOMAZETTE, M. Curso de direito empresarial: falência e recuperação de empresas. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2017. v. 3. Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. 15Noções gerais de Direito Falimentar
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