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A RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL POR RUPTURA INJUSTIFICADA DAS NEGOCIAÇÕES Revista dos Tribunais | vol. 883/2009 | p. 9 | Mai / 2009 Doutrinas Essenciais Obrigações e Contratos | vol. 4 | p. 149 - 198 | Jun / 2011 DTR\2009\330 Karina Nunes Fritz Doutoranda na Humboldt Universidade de Berlim e LL.M (Universidade de Erlangen-Nürnberg), Alemanha. Mestre em Direito Civil pela PUC-SP. Área do Direito: Internacional; Civil Resumo: A responsabilidade pré-contratual por ruptura injustificada das negociações, superando o pensamento tradicional, vem sendo gradativamente admitida pela doutrina e jurisprudência brasileiras. Embora o legislador de 2002 não a tenha positivado no novo Código Civil, ela vem recepcionada implicitamente via princípio da boa-fé objetiva, consagrado no art. 422. Por isso, sua análise tem relevância prática, para contribuir para a difusão e reconhecimento do instituto, e teórica, porque, como a experiência do direito alemão mostra, traz consigo profundas alterações no Direito das Obrigações, consagrando um novo tipo de relação obrigacional. Palavras-chave: Responsabilidade pré-contratual - Culpa in contrahendo - Rompimento injusto das negociações - Boa-fé objetiva - Deveres de conduta - Deveres na fase negocial - Requisitos da responsabilidade pré-contratual - Negociações preliminares - Certeza na celebração do contrato - Violação da confiança - Dano pré-contratual - Relação obrigacional sem dever de prestação - Vinculação especial Abstract: The pre-contractual responsibility due to causeless abruption of negotiations is more and more recognized by the prevailing opinion of the Brazilian doctrine and jurisprudence. The legislator from 2002 did not foresee it explicitly, but it is accepted by the principle of bona fides in article 422. Therefore the analyzes is relevant, as well as on a practical level for recognition and promulgation of the legal institution, as well as on a theoretical level, since the culpa in contrahendo causes considerable changes in the law of obligation, as the German experience shows. Keywords: Pre-contractual responsibility - Abruption of negotiations - Bona fides - Good faith - Culpa in contrahendo Sumário: - 1.Delimitação da figura: distinção do pré-contrato e da proposta - 2.A responsabilidade pré-contratual no direito alemão - 3.A natureza jurídica da responsabilidade pré-contratual - 4.Requisitos da responsabilidade por ruptura injustificada das negociações - 5.Abordagem jurisprudencial do tema no Brasil - 6.Conclusões - Bibliografia Introdução Há cerca de duas décadas, os tribunais brasileiros vêem paulatinamente reconhecendo a necessidade de indenização de gastos realizados durante as negociações preparatórias de contratos, quando uma das partes é vítima de abandono injustificado das tratativas. Esta responsabilidade foi batizada pela ciência jurídica como responsabilidade pré-contratual, mais conhecida na Alemanha pela terminologia latina culpa in contrahendo, difundida para o mundo desde o famoso ensaio de Rudolf Von Jhering, de 1861, considerado historicamente o criador do instituto. 1 Contudo, a teoria de Jhering foi apenas o pontapé inicial para o aprofundamento científico, realizado no decorrer do século XX pela jurisprudência alemã, de uma figura importantíssima, que provocaria grandes alterações no Direito das Obrigações alemão e irradiaria seus efeitos sobre vários ordenamentos jurídicos europeus e latino-americanos. De fato, o antigo professor da pequena cidade de Göttingen, no norte da Alemanha, identificou a ressarcibilidade de danos surgidos em decorrência da celebração de contrato nulo por violação de um dever de cuidado, presente na fase de formação, que exige das partes (ou de uma delas) a remoção de todos os óbices, materiais e jurídicos, à validade do negócio jurídico. Essa é considerada atualmente, contudo, assim como o rompimento injustificado das tratativas, apenas uma A responsabilidade pré-contratual por ruptura injustificada das negociações Página 1 das hipóteses da ampla figura da responsabilidade pré-contratual. A responsabilidade in contrahendo é realmente uma figura bem mais ampla e não se limita a esses dois casos de ocorrência. Essa responsabilidade surge sempre que durante a fase de preparação do negócio jurídico uma das partes causa dano à outra em função da violação de um dever decorrente da boa-fé objetiva, princípio consagrado no art. 422 do CC/2002, 2 do qual resultam os denominados deveres de conduta ou deveres de consideração, conforme a terminologia adotada pelo Código Civil alemão (BGB) depois da Reforma de Modernização do Direito das Obrigações, realizada em 2001. Pode-se dizer, então, que a responsabilidade pré-contratual é uma responsabilidade pela violação dos deveres da boa-fé objetiva durante o período de preparação do negócio jurídico. Esta afirmação põe em relevo que o fundamento teórico da responsabilidade repousa na boa-fé objetiva, correspondente à Treu und Glauben do direito alemão, pois a categoria geral dos deveres de consideração decorre substancialmente do mandamento da lealdade. O Código brasileiro não faz menção expressa à figura da responsabilidade pré-contratual, mas constitui entendimento unânime na doutrina atualizada sua recepção implícita no referido art.422. O tema não tem, entretanto, merecido a atenção devida da doutrina e da jurisprudência, o que se comprova pelas poucas monografias sobre o tema e no frágil reconhecimento da figura nos tribunais quando da concessão de indenizações por danos pré-contratuais, merecendo destaque o vanguardismo da jurisprudência do Rio Grande do Sul. Inobstante o ostracismo, a figura da responsabilidade pré-contratual é importantíssima tanto na teoria, como na prática. Por isso, o presente artigo tem como objetivo investigar os requisitos específicos da responsabilidade por ruptura injustificada das negociações, o caso mais freqüente de responsabilidade pré-contratual admitido pela doutrina e jurisprudência brasileiras. Esse estudo - deve-se frisar - restringe-se a um dos casos de responsabilidade pré-contratual (rompimento imotivado das negociações), a qual surge quando uma das partes desperta na outra a certeza de que o negócio será concluído e posteriormente, sem motivo justo, abandona as conversações, comportamento considerado desleal, contrário ao dever de agir com lealdade e consideração pelos bens e interesses do parceiro, ínsito na idéia de boa-fé objetiva. A análise é feita de forma comparativa, tomando por base o direito alemão, berço do instituto, trazendo ainda o contributo de vários autores, nacionais e europeus, que se dedicaram às inúmeras problemáticas que giram em torno do assunto. 1. Delimitação da figura: distinção do pré-contrato e da proposta Inicialmente, mostra-se imprescindível fazer uma delimitação do problema. A responsabilidade pré-contratual não surge a partir da violação de um contrato preliminar ou pré-contrato, como uma semelhança terminológica poderia sugerir. Isso porque o pré-contrato - consagrado no art. 462 do CC/2002, cujo objeto consiste no dever de celebrar um contrato principal - é, assim como este, verdadeiro negócio jurídico, cujo inadimplemento caracteriza-se como típica responsabilidade contratual, 3 campo distinto da responsabilidade pré-contratual. Esta tem como cerne a violação de deveres de consideração (e não de negócio jurídico) durante a fase negocial, entendida como o período anterior de preparação do negócio, no qual as partes discutem acerca de um determinado contrato, visando, ainda que vagamente, sua celebração. É o momento no qual há troca de informações, buscando formar o juízo de conveniência e oportunidade sobre o negócio. Essa fase é regulada, por um lado, pelo princípio da liberdade contratual, desdobramento da autonomia privada, o qual assegura às partes o poder de celebrar ou não o contrato e, por outro, pelo princípio da boa-fé objetiva, regra ética de conduta a impor aos envolvidos o dever de agir corretamente, com lealdade e honestidade para com o parceiro, considerandonão apenas seus interesses pessoais, mas ainda os interesses da contraparte. A responsabilidade pré-contratual não decorre também da revogação da proposta. Como se sabe, o contrato resulta da fusão de duas manifestações de vontade: proposta e aceitação. A proposta é negócio jurídico receptício, cuja eficácia depende de aceitação. Por isso, precisa ser completa, clara e inequívoca para que o negócio se forme mediante a simples aceitação, expressa ou tácita, da contraparte. Muitos negócios jurídicos não se formam, entretanto, de modo tão simples, com a aderência imediata a uma oferta. Freqüentemente, precede à conclusão dos contratos uma fase negocial, na qual as partes discutem detalhadamente os pontos do futuro negócio. Esta fase pode se iniciar mediante um simples convite a negociar ou quando, seguido a uma proposta, surge não a A responsabilidade pré-contratual por ruptura injustificada das negociações Página 2 aceitação, mas uma contraproposta, a qual abre espaço para discussões e negociações. Negociação e oferta são momentos distintos do processo de formação dos contratos: aquela diz respeito à fase negocial, que se estende desde o contato inicial até a apresentação da proposta em sentido técnico, momento a partir do qual as partes entram na fase decisória, cujo termo final se dá com a aceitação e conclusão do negócio. As duas figuras constituem, portanto, realidades jurídicas distintas. Negociação é uma situação jurídica caracterizada pela discussão acerca de determinado negócio jurídico, na qual uma parte apresenta à outra suas idéias e proposições, vulgarmente chamadas de proposta, sendo de sua essência o debate acerca das cláusulas do futuro contrato. Já a oferta ou proposta em sentido técnico é negócio jurídico unilateral sobre o qual não cabe mais nenhuma discussão, tão-somente aceitação ou recusa, sendo esta sua característica essencial. Por isso, diz o art. 431 do CC/2002 que a aceitação fora do prazo, com adições, restrições ou modificações equivale a nova proposta (contraproposta). As distinções entre ambas as figuras, realizadas na doutrina brasileira, devem, entretanto, ser vistas com parcimônia. A maioria dos autores 4 aponta como traço distintivo entre proposta e negociação o caráter da obrigatoriedade presente na primeira e ausente na segunda, a transmitir a idéia que as negociações seriam destituídas de "força obrigatória", seriam a "fase da não obrigatoriedade". Esta assertiva deve ser compreendida com ressalvas. De fato, a obrigatoriedade da oferta vem estampada no art. 427 do CC/2002, segundo o qual "a proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso". Com isso se diz que feita a oferta, o proponente fica à ela vinculado, sendo obrigado a mantê-la em todos os seus termos, salvo as exceções previstas no artigo 427 do CC/2002. Já a fase das negociações é destituída dessa obrigatoriedade, pois as partes não ficam vinculadas inexoravelmente às suas propostas negociais como o policitante do art. 427 do CC/2002, podendo, no decorrer das conversações, modificar suas proposições iniciais no intuito de convencer o parceiro a celebrar o acordo final. Isso, no entanto, não pode conduzir ao entendimento de que as negociações são destituídas de vinculação e configuram um campo de não obrigatoriedade, no qual não surgem deveres, nem responsabilidade para os envolvidos. A fase pré-contratual é sim dotada de normatividade: nela incide o princípio da boa-fé objetiva como limite imanente ao poder de autonomia privada e de ação das partes, criando uma gama de deveres específicos de conduta com o fim de conferir eticidade à relação e evitar lesão a bens ou interesses dos envolvidos. Por isso, surge já nesse momento os ditos deveres de consideração, previstos expressamente na Alemanha no § 241 II do BGB, 5 a exprimir a necessária lealdade e solidariedade que devem existir no comércio jurídico. A observância desses deveres tem caráter obrigatório, conferindo normatividade ao momento anterior ao negócio jurídico e justificando a imposição de responsabilidade pré-contratual em caso de violação. Desta forma, não assiste razão à doutrina pátria quando afirma que as negociações não criam direitos e deveres para os envolvidos. Ao invés de afirmar que as negociações não têm força obrigatória, melhor seria falar que elas não são inalteráveis como a proposta em sentido técnico. Durante a fase negocial surge, de acordo com as circunstâncias de cada caso concreto, uma série de deveres deduzidos a partir do princípio da boa-fé objetiva. Os mais freqüentes são os deveres de proteção ou cuidado, de lealdade, colaboração para o atingimento do fim das negociações, informação e esclarecimento acerca de todos os pontos relevantes para a formação do convencimento do parceiro acerca da conveniência do negócio e de sigilo acerca de informações recebidas em função das conversações, especialmente daquelas potencialmente lesivas. Esses exemplos não devem ser interpretados exaustivamente, pois nem todos os deveres de conduta surgem inexoravelmente em todas as situações, mas dependem das circunstâncias da situação concreta. 6 Não obstante, os deveres de consideração acompanham as partes enquanto o contato entre elas criar a possibilidade de lesão à esfera jurídica da outra. Por isso, afirma Karl Larenz que eles surgem com o contato negocial, transpassam o negócio jurídico e continuam a irradiar efeitos na fase pós-contratual até que findo o risco de lesão. 7 Antes de adentrar na análise dos requisitos específicos da responsabilidade por rompimento injustificado das negociações, mostra-se proveitoso compreender como a figura geral da responsabilidade pré-contratual é tratada em seu berço dogmático: o direito alemão. Isso permitirá ao leitor traçar ao final um paralelo entre a prática brasileira e a alemã, o que certamente permitirá uma autocrítica da experiência brasileira e contribuirá para o aprofundamento do tema entre nós. A responsabilidade pré-contratual por ruptura injustificada das negociações Página 3 2. A responsabilidade pré-contratual no direito alemão A figura da culpa in contrahendo na Alemanha possui um âmbito normativo significativamente mais extenso do que em outros países que, por influência do BGB, recepcionaram este instituto jurídico. Ao contrário do admitido no Brasil, onde essa responsabilidade diz respeito, via de regra, a problemas surgidos apenas durante as negociações preliminares, no sistema jurídico alemão a responsabilidade abrange também uma fase anterior às negociações, na qual as partes se encontram em uma situação de contato negocial. Com a reforma do Código alemão em 2001, o legislador consagrou pela primeira vez a figura da responsabilidade pré-contratual no § 311, por meio do acréscimo do inc. II do BGB, que contém a seguinte redação, in verbis: "§ 311 Relação obrigacional jurídico-negocial e semelhante à jurídico-negocial. (1) Para o surgimento de uma relação obrigacional através de negócio jurídico, assim como para a alteração do conteúdo de uma relação obrigacional, é necessário um contrato entre os partícipes, enquanto a lei não contiver outra determinação. (2) Uma relação obrigacional, com os deveres decorrentes do § 241, inc. 2, surge ainda através: 1. do início de negociações contratuais; 2. da preparação de um contrato, através do qual uma parte, com vistas a uma eventual relação negocial, permite à outra parte a possibilidade de atuar sobre seus direitos, bens jurídicos e interesses, ou confia-lhe os mesmos; 3. de contatos semelhantes aos negociais. (3) Uma relação obrigacional, com os deveres decorrentes do § 241 alínea 2, pode surgir ainda para pessoas que não deverão ser parte no contrato. Tal relação obrigacional surge especialmente quando o terceiro toma para si confiança, em medida considerável, e, com isso, influencia significativamente as negociações contratuais ou a conclusão do contrato." 8 Uma leitura rápida desse riquíssimo dispositivo permite retirarlogo uma interessante conclusão: a lei expressamente considera que o contato negocial, estabelecido entre as partes em função da preparação do negócio jurídico, gera uma relação jurídica obrigacional, algo bem distinto do que ocorre no Brasil, onde essa situação sequer é vista pela doutrina majoritária como uma relação jurídica, posto que as negociações "não criam vínculo jurídico" entre as partes. 9 Entretanto, no direito alemão a situação é diferente. Como claramente coloca Thomas Lapp, a principal conseqüência jurídica decorrente do § 311 II do BGB é o surgimento na fase pré-contratual de uma relação jurídica obrigacional com a incidência dos deveres de consideração decorrentes da boa-fé objetiva. "Estando presente os pressupostos do inc. 2, existe já uma relação obrigacional, antes e mesmo sem a conclusão do contrato. Isso fundamenta todos os direitos e obrigações vinculados a uma relação obrigacional. Com isso, tem-se em vista especialmente os deveres laterais do § 241, inc. 2 do BGB, o dever de consideração aos direitos, bens jurídicos e interesses da outra parte. Em havendo dano resultante da violação destes deveres laterais da relação obrigacional, surge a pretensão à indenização" (trad. livre), diz o autor. 10 Isso puxa uma segunda dedução: a de que o conceito de relação obrigacional na Alemanha é bem mais amplo do que no Brasil. A relação obrigacional não é compreendida apenas como um vínculo jurídico em função do qual o credor tem o direito de exigir o cumprimento de um dever de prestação do devedor, como herdado do direito romano há milênios. A relação obrigacional não tem como objeto apenas um dever de prestação, tenha ele nascido a partir de um negócio jurídico ou de ação ilícita. Existem relações obrigacionais sem dever de prestação, como é o caso da estabelecida entre as partes durante a fase de preparação do contrato. Aqui, surge uma relação obrigacional especial, marcada pela presença exclusiva dos deveres de consideração, deduzidos da boa-fé objetiva, a qual vem sendo denominada relação obrigacional sem dever de prestação ou vinculação especial, 11 correspondente ao vernáculo alemão Sonderverbindung. Extrapola a finalidade deste artigo uma análise sobre a teoria da obrigação, o que será objeto de investigação futura. Por enquanto, deve-se ter em mente que o § 311 II do BGB diz expressamente que na fase negocial surge entre as partes uma relação obrigacional semelhante àquela decorrente do negócio jurídico. A responsabilidade pré-contratual por ruptura injustificada das negociações Página 4 Como pressupostos de incidência, a norma prevê três situações básicas: negociações (alínea 1), preparação do negócio (alínea 2) e contatos semelhantes aos negociais (alínea 3). A distinção entre as três situações é fluida, como adverte Larenz 12 e a inclusão da figura dos contatos semelhantes aos negociais representa um elastecimento do campo de aplicação da culpa in contrahendo. Sinteticamente, a distinção entre as hipóteses centra-se na finalidade do contato. Quando o contato é estabelecido com vistas à discussão e eventual conclusão de determinado negócio jurídico tem-se as negociações preliminares propriamente ditas (§ 311 II 1). Quando, entretanto, o contato é mantido apenas com a finalidade de levantar informações acerca de um negócio, havendo no momento apenas uma intenção, vaga e incerta, de eventualmente celebrar um contrato, está-se em momento anterior às negociações, precisamente na fase de preparação do contrato (§ 311 II 2). A alínea 3 contempla a ainda desconhecida figura dos contatos semelhantes aos negociais, a qual tem provocado acalorados debates entre os alemães. Uma análise da estrutura do § 311 II do BGB revela claramente três níveis de contato negocial estabelecidos nas alíneas 1 a 3, sendo o primeiro, as negociações, o mais próximo do contrato, enquanto os outros dois - preparação do contrato e contatos semelhantes aos negociais - distanciam-se, na seqüência, da figura do negócio jurídico. A contrário, partindo da última para a primeira figura, tem-se uma aproximação gradativa ao negócio jurídico, com o estreitamento progressivo do contato negocial. O dispositivo mostra fundamentalmente que a fase pré-contratual não se limita às negociações preliminares, como concebido no Brasil, mas abrange um momento anterior a elas, quando se está diante de contatos negociais. 2.1 Negociações preliminares: § 311 II 1 BGB A mais clara das figuras da responsabilidade pré-contratual do BGB são as negociações preliminares , caracterizadas, como adiante exposto, pela discussão entre as partes com vistas à eventual celebração de um negócio jurídico específico. A negociação é, via de regra, um processo complexo, muitas vezes duradouro, no qual o intenso contato aumenta o risco de dano para os envolvidos, razão pela qual essa situação é jurisdicizada por meio do surgimento da vinculação especial, a qual constitui um tipo de relação obrigacional marcado pela presença exclusiva de deveres de consideração - sem deveres de prestação, portanto, os quais só surgem com o negócio jurídico. Ainda quando esse processo transcorra de forma simples e rápida, isso não exime os envolvidos da observância dos deveres de conduta decorrentes da boa-fé objetiva, os quais podem ter maior ou menor intensidade de acordo com as circunstâncias do caso concreto. Assim, exemplificativamente, mesmo que as conversações para a compra e venda de um veículo transcorram rapidamente, surge para o vendedor o dever de informar plenamente o comprador acerca de todas as condições materiais (problemas nos freios no carro) e jurídicas (objeto dado em garantia do pagamento de uma dívida) do automóvel, ao passo que para o comprador surge o dever de cuidado quando usa o veículo para um test drive, a fim de não danificá-lo. A proximidade entre as partes e o aumento dos riscos de dano daí resultante é que legitima a vinculação especial e a gama de deveres recíprocos que se formam neste momento. A grande crítica que a doutrina tem feito à alínea 1 do § 311 II do BGB é que não haveria distinção para a figura da preparação do contrato, prevista na alínea 2 do mesmo dispositivo, posto que a negociação nada mais é que uma preparação do contrato, com o que estaria englobada no fato típico descrito na alínea 2, como colocam, dentre outros, Peter Krebs 13 e Lapp. 14 Ainda quando as negociações possam ser deduzidas à partir da categoria geral da preparação do contrato, não se pode olvidar a distinção entre as figuras e nem a intenção do legislador de proteger aquelas situações nas quais as partes não chegaram realmente a discutir acerca do futuro contrato, quando o contato estabelecido ainda não alcançou o estágio de negociação. Como observam Fikentscher/Heinemann, 15 as conversações são uma forma especial e avançada de preparação contratual, nas quais o estreito contato mantido faz com que a possibilidade de uma parte atuar na esfera jurídica da outra seja bem maior que na fase anterior de preparação do contrato. 2.2 Preparação do contrato: § 311 II 2 BGB A figura da preparação do contrato consiste em um contato com finalidade negocial, distinto das negociações pela ausência de discussão acerca de um determinado negócio jurídico. É um contato negocial marcado pela possibilidade de atuação sobre os direitos, bens e interesses da outra parte. Exemplos típicos da figura são os simples contatos negociais e as sondagens, 16 realizados com A responsabilidade pré-contratual por ruptura injustificada das negociações Página 5 intuito de descobrir se a parte teria eventualmente interesse na realização de um negócio conjunto, de forma que somente após a comprovação desse interesse é que as conversações são efetivamente iniciadas com vistas à concretização do empreendimento planejado. Durante essas conversas iniciais surge já o dever de agir com lealdade, considerando os interesses do parceiro; de proteger os bens do parceiro, entregues eventualmente para análise; de informar correta e suficiente a contraparte; de esclarecer eventuaisquestionamentos; de guardar sigilo acerca das informações recebidas etc. Aqui vale ainda a regra de que a existência e a intensidade desses deveres de conduta dependem sempre das circunstâncias do caso concreto, ou seja, do objetivo do contato estabelecido, do eventual negócio visado, das condições das partes, aqui entendidas amplamente de forma a compreender aspectos de ordem pessoal, social, econômica e jurídica, desde que relevantes. 2.3 Contatos semelhantes aos negociais: § 311 II 3 BGB Essa é a mais polêmica das fontes da vinculação especial. Claus-Wilhelm Canaris, um dos presidentes da Comissão de Reforma do BGB, em artigo sobre os principais pontos da alteração legislativa de 2001, classifica como "relativamente obscura" a figura, mas ressalta a natureza de cláusula geral do dispositivo como forma de recepcionar os casos não enquadráveis nem como negociação, nem como preparação negocial. A norma teria, então, o papel de permitir a adaptação do instituto da responsabilidade pré-contratual a situações novas e imprevistas. 17 A doutrina 18 se divide em relação à função do § 311 II 3 do BGB como cláusula geral e sua aptidão para preencher eventuais lacunas das alíneas 1 e 2. Unânime são as críticas ao dispositivo, considerado vago e impreciso. 19 Inobstante a discussão, o papel da referida norma como hipótese de recepção parece se impor. Não existe ainda unanimidade acerca do traço essencial e característico da figura do contato semelhante ao negocial. Dieter Schwab 20 define-a como um contato com finalidade negocial no mais amplo sentido. Dirk Looschelders frisa a necessidade de que o contato tenha cunho negocial, isto é, tenha como fim um negócio jurídico ou consista em uma ação semelhante a um negócio jurídico, como no caso de alguém que pede informações descompromissadas a um profissional (ex.: consultores financeiros) ou a um banco, situação assemelhada a uma consultoria. Nestes casos se incluiriam ainda, segundo o autor, as situações de danos resultantes de contrato nulo. Dispensável se mostra que as partes visem a conclusão de um negócio, podendo existir no momento a simples intenção de obter informações. 21 A grande polêmica gira em torno da delimitação da figura para os contatos sociais simples, também conhecidos como relações de cortesia, marcadas pela ausência de finalidade negocial, como, por exemplo, um convite para jantar, o compromisso de cuidar do jardim do vizinho durante a viagem dele ou de dar uma carona para o colega de trabalho. Estas situações estão exclusas do âmbito de incidência do referido dispositivo, porque carentes de juridicidade, não consistindo em relações jurídicas, mas em simples relações sociais. No Brasil, goza unanimidade o entendimento segundo o qual as relações de favor ou de mera cortesia não vinculam juridicamente os envolvidos, não gerando responsabilidade para aquele que causa dano à outra parte em função de realização defeituosa ou de não realização do favor prometido. 22 Somente em casos excepcionais admite-se a ressarcibilidade do dano sofrido de acordo com as regras da responsabilidade extracontratual, previstas no art. 927 e ss . do CC/2002. 23 Exemplo típico é o caso do transporte de cortesia (carona), no qual o transportador somente é obrigado a indenizar os danos causados ao transportado quando age com dolo ou culpa grave, como tem decidido reiteradamente a jurisprudência, de acordo com a Súmula 145 (MIX\2010\1398) do STJ. 24 Doutrina e jurisprudência alemã reconhecem existir, contudo, casos limites situados em uma zona cinzenta entre o contato social simples e aquele direcionado, ainda que vagamente, para uma finalidade negocial, os quais podem ser subsumidos a partir do § 311 II 3 do BGB e, desta forma, fundamentar a responsabilidade pré-contratual de quem causa um dano a outrem em decorrência de comportamento contrário à boa-fé objetiva. Estas situações, embora revestidas da aparência de cordialidade, consistiriam na verdade em um contato negocial e provocariam o nascimento de uma relação obrigacional com deveres de consideração, caracterizando-se como um contato semelhante ao negocial. Nessa linha de raciocínio, a jurisprudência alemã já considerou que o tratamento de um médico por outro tem natureza contratual ainda quando os honorários médicos não foram cobrados por A responsabilidade pré-contratual por ruptura injustificada das negociações Página 6 coleguismo e amizade, cabendo ao médico atuante observar os mandamentos da boa-fé objetiva, como o dever de informar ao colega acerca de todos os riscos da doença, as opções menos sofridas de tratamento etc. Do mesmo modo, a promessa de um transportador de emprestar, por cortesia, para outra empresa transportadora um de seus motoristas foi vista como vinculante pelo BGH devido à significação econômica do prometido para a empresa beneficiada, que tinha contratos de transporte para executar e confiou na cessão do empregado. 25 O fornecimento de informações, sugestões ou conselhos por cortesia também é visto como um contato negocial vinculativo, podendo gerar responsabilidade pré-contratual nos termos do § 311 II, alíneas 2 ou 3, principalmente se o conselheiro é um especialista no assunto e o conselho tem relevância financeira para o beneficiário. Finalizando, conclui-se que o contato negocial estabelecido durante a fase de preparação do negócio jurídico faz surgir entre as partes uma relação obrigacional especial, marcada pela presença exclusiva de deveres de conduta decorrentes da boa-fé objetiva, princípio ético-jurídico que transforma a situação negocial em uma vinculação especial. A violação destes deveres justifica a imposição do dever de indenizar, com o que se deduz que o cerne da responsabilidade pré-contratual consiste na violação, na fase negocial, de um dos deveres oriundos da boa-fé objetiva. 3. A natureza jurídica da responsabilidade pré-contratual Afirmar que durante as negociações se forma uma relação obrigacional especial com os deveres decorrentes da boa-fé objetiva, a denominada Sonderverbindung, conduz o jurista a outra problemática: a da natureza jurídica da responsabilidade pré-contratual. Não se pode negar, nesta linha de raciocínio, a natureza jurídica contratual da responsabilidade pré-contratual. 26 Isso se explica em função do vínculo obrigacional surgido entre as partes neste momento e pelo fato da situação negocial estar mais próxima do negócio jurídico do que daquelas situações de ausência de contato, típicas dos direitos absolutos, nas quais há apenas o dever geral de não causar dano a outrem (neminem laedere). Esses casos são marcados pela generalidade, porque obrigam todas as pessoas, e pela ausência de contato, pois o dever de não lesar não pressupõe uma relação jurídica anterior entre as "partes" (titular e coletividade). Ao contrário, a relação jurídica só surge com do dano, quando também ocorre a determinação do sujeito (devedor) sobre o qual vai recair o dever de ressarcimento. Antes, porém, via de regra, não há qualquer relação jurídica. Outro traço essencial dessas situações é o conteúdo negativo do dever do neminem laedere, o qual se cumpre por meio de uma abstenção e não requer uma conduta positiva do destinatário, como os deveres de consideração, os quais exigem essencialmente uma atividade da parte: agir com lealdade, colaborar, informar, esclarecer, proteger, cuidar etc. Os deveres decorrentes da boa-fé objetiva têm, portanto, conteúdo imanentemente positivo e se caracterizam pela relatividade, isto é, por serem dirigidos a pessoas determinadas (parceiro negocial). Isso significa dizer que eles pressupõem necessariamente uma relação jurídica entre as partes, que surge independentemente de ter havido dano ou não. Este, aliás, não é pressuposto da vinculação especial, como o é nas relações obrigacionais derivadas de ação ilícita. Na fase negocial, decisivo para a formação do vínculo obrigacional é apenas o contato negocial e não o dano. Estas características dos deveres de conduta colocam a situação negocial entre as situações de ausênciade contato (vida em sociedade) e de contato intenso (ex: negócio jurídico), transformando-a em uma posição intermediária que, entretanto, mais se aproxima de uma situação de intensa normatividade, daí a razão da carga de deveres surgidos neste momento. A questão não é, contudo, pacífica. Reconhecendo o caráter peculiar das situações negociais, autores de peso, como Canaris e Dieter Medicus, 27 defendem que a responsabilidade pré-contratual configura, em essência, um terceiro gênero de responsabilidade civil, posicionado entre as responsabilidades contratual e extracontratual. Por isso, essa responsabilidade mereceria ser tratada de forma especial, isto é, ter um sistema próprio de regras. Esta posição - de todo lógica, considerando as peculiaridades da situação pré-contratual - esbarra em um obstáculo prático: a necessidade de se elaborar legislativamente um sistema de regras específico para esse tipo de responsabilidade. Isso, em se admitindo sua natureza excepcional, o que não é pacífico. Enquanto a idéia não é amadurecida pela ciência jurídica, os casos de responsabilidade pré-contratual são disciplinados, na Alemanha, pelas regras da responsabilidade contratual. A responsabilidade pré-contratual por ruptura injustificada das negociações Página 7 Essa é uma distinção significativa quanto ao tratamento do tema entre o sistema jurídico brasileiro e alemão, pois aqui se atribui à responsabilidade pré-contratual uma natureza jurídica extracontratual, sendo disciplinada consequentemente pelas regras da responsabilidade delitual. Em síntese apertada, este pensamento vem embasado em dois argumentos. O primeiro é que, durante a fase negocial, não há contrato, logo não se pode falar em responsabilidade contratual. O segundo é que os deveres de conduta incidentes nesse momento decorreriam do princípio geral do neminem laedere, 28 que impõe o dever genérico de não lesar injustamente alguém, cuja violação dá ensejo ao nascimento da responsabilidade extracontratual. Estes argumentos, a rigor, não se sustentam dogmaticamente. Se é certo que na fase negocial não há um vínculo contratual entre as partes, também o é que existe entre elas um vínculo obrigacional em razão do qual surgem os deveres de conduta que elas são obrigadas a observar, sob pena de responsabilidade. Entretanto, determinante para a imposição da responsabilidade contratual é a existência de vínculo obrigacional prévio, a impor deveres obrigacionais aos envolvidos. Existindo, pois, entre as partes na fase de preparação do negócio um vínculo obrigacional, formando, como visto, uma relação obrigacional especial marcada pela presença exclusiva de deveres de consideração (obrigações), tem-se todos os pré-requisitos para se atribuir natureza contratual à responsabilidade pré-contratual. A segunda linha argumentativa esbarra no fato de que os deveres de consideração, sendo deveres relativos a pessoas determinadas, de conteúdo genuinamente positivo (exceção: dever de sigilo), não podem decorrer substancialmente de um princípio generalíssimo como o neminem laedere que, sem obrigar ninguém especificamente, vincula a todos. Estes deveres encontram, ao contrário, sua razão de ser na boa-fé objetiva, que traduz o mandamento da lealdade no comércio jurídico. Deve-se, portanto, concordar com Ruy Rosado de Aguiar Jr., 29 Carlyle Popp 30 e Antonio Junqueira de Azevedo 31 que, percebendo as peculiaridades da situação negocial, atribuem à responsabilidade pré-contratual uma natureza jurídica contratual. 4. Requisitos da responsabilidade por ruptura injustificada das negociações A responsabilidade pré-contratual é, como visto, uma figura ampla e compreensiva de qualquer dano resultante de ofensa ao princípio da boa-fé objetiva durante a fase negocial, de preparação do negócio jurídico. O momento da violação dos deveres de consideração é importante para fixar os limites da responsabilidade in contrahendo, pois quando a infringência lesiva ocorre durante a execução do contrato, tem-se a denominada violação positiva do contrato, enquanto que sua lesão depois da extinção do negócio configura a denominada responsabilidade pós-contratual. No que diz respeito à hipótese aqui analisada, de responsabilidade por rompimento injustificado das negociações, enquadrada na hipótese do § 311 II 1 do BGB, sua configuração requer alguns pressupostos específicos, além da violação dos deveres de consideração. Assim, a doutrina tem elencado os seguintes requisitos específicos para a configuração da responsabilidade pré-contratual aqui abordada: existência de negociações, certeza na celebração do contrato e rompimento injustificado. Como toda responsabilidade contratual, pressupõe culpa e dano. Este tem algumas peculiaridades no que diz respeito à responsabilidade por rompimento injustificado, razão pela qual será analisado ao final. 4.1 Negociações preliminares O primeiro pressuposto para a configuração da responsabilidade por rompimento injustificado das negociações é que tenha havido entre as partes conversações relativas a um determinado negócio jurídico que aquelas pretendiam - ainda que vagamente - celebrar. As negociações são parte do processo de formação dos contratos, o qual se decompõe em duas fases: a negocial, caracterizada pela discussão acerca do futuro negócio, a qual se estende até o momento da formulação da proposta, aqui entendida em sentido estrito, nos termos do art. 427 do CC/2002, e a decisória, formada pelas duas declarações de vontade vinculantes, proposta e aceitação, quando se tem então o acordo e o contrato formado. 32 É, como dito, na fase negocial que surge toda a problemática da responsabilidade pré-contratual, especialmente da hipótese aqui analisada. Em função disso, é importante distinguir com Francesco Messineo que, embora freqüentemente utilizados como sinônimos, os termos formação e conclusão A responsabilidade pré-contratual por ruptura injustificada das negociações Página 8 do contrato designam eventos distintos: o primeiro equivale à fase negocial e representa todo o processo desenvolvido com vistas à formação do juízo de conveniência e oportunidade acerca do negócio, enquanto o segundo se refere à fase decisória, ao evento final desse processo. 33 As negociações preliminares são a fase na qual os interessados debatem e discutem o conteúdo do futuro contrato com a finalidade de formar o juízo de conveniência do negócio, ou seja, concluir se vale a pena para ambos celebrar o contrato ou não, quando, então, põem fim às conversações. Aduz o ilustre mestre italiano, acima citado, que as negociações constituem ainda um estágio imaturo, no qual as partes discutem um eventual e futuro contrato, sendo movidas não por uma vontade de contratar, mas por uma vontade de discutir. 34 Em que pese a assertiva da afirmação, ela não pode conduzir ao entendimento de que as negociações não têm como finalidade última o eventual fechamento do contrato, pois, como destaca Larenz, 35 a fase negocial se caracteriza especificamente por ter como fim a eventual conclusão de determinado negócio jurídico, sendo, portanto, um processo teleológico, ou seja, um processo direcionado para uma determinada finalidade. Por isso, não se pode ter dúvidas de que, quando duas pessoas entram em negociações, fazem-no de modo voluntário e com a plena consciência de estar em jogo, de fato, um processo capaz de desaguar em um contrato, como atentamente coloca António Menezes Cordeiro. 36 Exatamente por pressuporem as negociações o fim eventual da celebração do contrato é que se condena aquele que, desde o início, não considera esta possibilidade e, não obstante, envolve o parceiro em conversações inúteis, processo inevitavelmente dispendioso, 37 havendo aqui manifesta violação do dever de lealdade. A entrada em negociações se dá com o contato mantido entre as partes destinado à eventual conclusão de um determinado contrato, sendo para tanto suficiente qualquer exteriorização do pensamento, indiferente se resulta oral, por escrito, por meio eletrônico ou através de comportamentoconcludente. 38 Necessário, porém, que haja um consentimento, como observa Larenz, pois a entrada em negociações contratuais só começa quando o outro consente, demonstrando que ele se interessa pela oferta ou pelo convite a negociar e quer melhor se informar sobre o assunto. 39 As negociações podem ser verbais ou escritas, tendo estas a vantagem de facilitarem não apenas a prova da existência das negociações, como também da confiança legítima na celebração, um dos requisitos essenciais para a responsabilização. Atualmente, é comum as partes, especialmente diante de contratos complexos ou de significativo valor econômico, realizarem na fase negocial atos de diversas natureza jurídica, os quais podem ter natureza negocial ou não. Os primeiros constituem verdadeiros negócios jurídicos na fase pré-contratual como, por exemplo, o contrato preliminar, por via do qual as partes se comprometem a celebrar posteriormente outro contrato (contrato principal), como ensina Caio Mário da Silva Pereira. 40 Os segundos são todos os instrumentos destinados a documentar as negociações como as minutas e as cartas de intenção, 41 denominados genericamente de punctações. Dentre estes atos, apenas os últimos têm relevância em tema de culpa in contrahendo, na medida em que a violação de negócios jurídicos celebrados na fase negocial configura necessariamente responsabilidade contratual e não responsabilidade pré-contratual. Os instrumentos utilizados pelas partes para documentar as negociações e fixar os pontos já acordados ganham relevância na medida em que contribuem para a formação da confiança legítima na celebração. Estes acordos produzem como conseqüência primeira a prova da existência das negociações e, além disso, são aptos a comprovar que a confiança surgida na contraparte acerca da celebração do contrato foi legítima, justificada, pois amparada em dados objetivos, de forma que qualquer pessoa naquela situação também confiaria que o negócio seria celebrado. Isso ocorre porque esses acordos criam nas partes uma idéia de estabilidade, a qual contribui para que elas tenham uma maior confiança que o resultado das negociações será positivo, como coloca Regis Fichtner Pereira. 42 Embora dirigida à eventual conclusão do negócio, as negociações não implicam necessária celebração do contrato, ainda quando finalizadas com êxito, pois, como esclarece Messineo, 43 mesmo seu resultado positivo não passa de um desenho ou projeto de contrato, carecendo de acordo para se transformar em negócio jurídico perfeito e acabado. A grande questão que se coloca é se das negociações pode surgir um dever de concluir o contrato, especialmente quando uma parte dá para a outra, expressamente ou por meio de comportamento concludente, como certa a A responsabilidade pré-contratual por ruptura injustificada das negociações Página 9 conclusão. Sobre este assunto reina grande divergência entre os autores, advogando alguns, em determinadas circunstâncias, a obrigatoriedade da contratação. No Brasil, Popp defende que surgindo entre as partes a confiança legítima que o contrato será celebrado, estágio no qual as negociações já se encontram em fase avançada, em havendo rompimento, nasce para a contraparte o direito à celebração do contrato, o qual já integraria a esfera jurídica do lesado. 44 Esse entendimento não reflete o pensamento majoritário, nem no Brasil, nem na Alemanha, onde doutrina e jurisprudência 45 se posicionam contra uma obrigação de contrair. Parece claro que a tutela da boa-fé objetiva e da confiança não pode conduzir a uma obrigação de celebrar o contrato, pois isso constituiria, em última análise, uma anulação da própria liberdade contratual, que assegura aos envolvidos o direito de só se vincularem de acordo com sua livre vontade, ressalvadas eventuais hipóteses de imposição legal. Parecer ser mais apropriado concluir com C. Massimo Bianca que, "muito pelo contrário, a presença de tal obrigação exclui a responsabilidade pré-contratual". 46 Aceitar o contrário seria admitir a impossibilidade de ruptura das negociações, o que contraria não somente o princípio da liberdade contratual, mas também o próprio sentido das negociações - formação do juízo de conveniência acerca do contrato - as quais não são aptas a gerar nenhum dever de prestação, na medida em que o negócio jurídico só efetivamente se concretiza com o acordo de vontade das partes. As negociações produzem apenas deveres de consideração para os envolvidos, os quais são estruturalmente distintos do dever de prestação. Deve-se ponderar também que uma obrigatoriedade de contratação conduziria a grave entrave no comércio, pois as partes se sentiriam inseguras e temerosas de iniciar negociações, posto que, em decorrência de eventual comportamento culposo, seriam obrigadas, mesmo contra a própria vontade, a celebrar um contrato inconveniente ou indesejado. Mais razoável é, de fato, a imposição de responsabilidade por danos decorrentes da ruptura. 4.2 A certeza na celebração do contrato A maioria dos autores que admite a responsabilidade pré-contratual exige como elemento essencial à sua configuração a confiança na conclusão do contrato, a qual constitui um dos bens jurídicos protegidos nas negociações por meio da boa-fé objetiva, daí ter Francesco Benatti equacionado a problemática com seguinte fórmula: responsabilidade pré-contratual = relação de confiança. Isso porque a confiança encontra-se "implícita no próprio conceito de boa fé objectiva reconhecida expressamente como norma dirigida à tutela da confiança de um sujeito na lealdade, na probidade, na correcção de outro, com quem o primeiro entrou em relações negociais". 47 De início, deve-se, contudo, afastar qualquer interpretação subjetiva a respeito do significado do termo confiança, pois quando se fala em confiança na celebração não se está referindo a um estado psicológico de crença ou convicção de que o negócio será fechado, mas a uma situação que deve ser objetivamente apurável. Por isso se diz que a confiança deve estar embasada em dados concretos e objetivos, suscetíveis de comprovação, para que seja protegida em sede de responsabilidade pré-contratual. Fichtner Pereira endossa a idéia ao afirmar que "não se trata, portanto, de se verificar se o contraente subjetivamente confiou na celebração do contrato, mas sim de verificar se ele tinha fortes razões objetivas para confiar que o negócio jurídico que vinha sendo projetado iria se estabelecer". 48 Isso significa que na apuração desse elemento da responsabilidade, o juiz não deve perquirir se a parte envolvida na negociação confiou intimamente que o contrato seria celebrado, mas sim se qualquer homem médio, prudente e cauteloso, posto em idêntica situação, também daria como certa a celebração, porque essa certeza ou foi dada expressamente pela contraparte ou resulta de comportamento concludente ou exsurge da situação de negociação em si. Se a análise das circunstâncias permitir concluir que um homem reto e honesto também daria como certa a conclusão do contrato, tem-se aqui a inequívoca presença da confiança ou, no dizer de Menezes Cordeiro, de uma situação de confiança. 49 A confiança ou - como enfaticamente têm utilizado doutrina e jurisprudência alemãs mais recentes - a certeza na conclusão do contrato depende da situação de negociação, ou seja, dos elementos objetivamente apuráveis como a conduta e a qualidade dos partícipes, a duração, a complexidade e o andamento das conversações, assim como a natureza, o objeto e os valores do negócio a ser celebrado. O ponto central do problema é identificar o momento em que surge ou pode surgir uma situação de confiança apta a gerar na contraparte a certeza na celebração do contrato, o que só pode ser apurado caso a caso A responsabilidade pré-contratual por ruptura injustificada das negociações Página 10 pelo intérprete. Doutrina e jurisprudência alemãs têm fornecido alguns parâmetros utilizáveis na verificação da legitimidade da confiança despertada na contraparte. Inicialmente, deve-se considerar aqualidade das partes, ou seja, suas condições pessoais, terminologia a ser entendida no mais amplo sentido, englobando aspectos pessoais, sociais, técnicos e econômicos, pois, como alerta Mário Júlio de Almeida Costa, "haverá diferença se as negociações decorrem entre simples particulares ou se nelas intervêm profissionais do respectivo ramo de actividade económica". 50 Como regra geral pode-se dizer que havendo entre os partícipes um desnível concreto, de forma que um esteja em posição de superioridade em relação ao outro, é compreensível que para aquele em posição inferior a confiança na celebração do contrato surja mais cedo do que para alguém acostumado a negociar ou que esteja atuando em sua área profissional, principalmente se fatores outros colaboram para isso, como, por exemplo, a existência de acordo sobre alguns pontos do futuro contrato. Havendo um desnível estrutural entre as partes é compreensível que para a hipossuficiente a confiança na celebração do contrato apresente-se mais cedo do que para aquele em melhor posição, o que encontra limite na imprudência. Distinta situação se passa entre negociadores experientes, em igualdade de condições, pois estes sabem - ou devem saber - que mesmo após entendimentos sobre importantes pontos do contrato planejado as negociações ainda podem fracassar. Para esses se impõem critérios mais rigorosos para a comprovação da confiança legítima na celebração. Freqüentemente se afirma que a duração das negociações é parâmetro identificador do nascimento da confiança, na medida em que esta aumenta proporcionalmente ao prolongamento no tempo das negociações. Esta assertiva deve ser aceita com reservas, pois nem sempre o tempo gasto na fase negocial contribuirá legitimamente para a formação da certeza do fechamento do contrato, como corretamente alerta o Jürgen Basedow, 51 pois transcorrido, sem resposta, tempo razoável para uma decisão, não pode a parte mais confiar legitimamente na conclusão do contrato. Isso faz o maior sentido, porque se o tempo fosse efetivamente um fator decisivo para o surgimento da confiança, esta seria ínsita e, de certo modo, presumida nas longas negociações, o que certamente não procede. Por isso, os tribunais alemães têm reiteradamente afirmado que mesmo após longas negociações as partes permanecem livres para encerrá-las se uma não despertou na outra a certeza de que o contrato seria concluído, mesmo sem apresentar qualquer motivo para o rompimento. Ao invés de se referir à duração das negociações, melhor seria assinalar que o progresso das conversações contribui para a formação da confiança na celebração, pois à medida que as partes vão acordando sobre os pontos do futuro contrato, mais forte se torna para elas a certeza de que as negociações serão encerradas com sucesso. 52 O critério para se constatar o progresso das negociações vem sendo auferido com base no acordo acerca dos pontos essenciais do contrato planejado. A responsabilidade pré-contratual não pressupõe um entendimento sobre todos os pontos do futuro contrato, mas tão-somente sobre os pontos essenciais, como enfatiza novamente Basedow. 53 Essa orientação vem sendo confirmada por diversas decisões do Bundesgerichtshof (BGH), que tem recusado pedidos de indenização por responsabilidade pré-contratual sob o fundamento de que não tendo as partes acordado sobre pontos essenciais do contrato, não pode uma delas confiar legitimamente na celebração do contrato. Exemplo recente tem-se em decisão prolatada em 07.12.2000, na qual o Tribunal negou ressarcimento de despesas realizadas durante as negociações sob o argumento de que "os réus não deram à autora nenhum motivo para a confiança legítima de que o contrato seria com certeza celebrado. Em nenhum momento foi obtido entre as partes tão considerável consenso que a autora pudesse ter confiando na conclusão certa do contrato". 54 Esse entendimento tem encontrado eco na jurisprudência brasileira, como demonstra uma decisão do TJRS, o qual - deve-se frisar - tem assumido uma posição vanguardista tanto em relação ao tratamento da responsabilidade pré-contratual, como à compreensão do princípio da boa-fé objetiva e seus desdobramentos no direito das obrigações. O caso versava sobre negociações entabuladas para a compra e venda de um imóvel, de propriedade dos réus, que seria destinado à construção de um edifício pela autora. Segundo o projeto, o acesso à garagem precisava ser viabilizado através de terreno vizinho, fazendo com que a obtenção de servidão de passagem fosse ponto essencial do contrato de compra e venda. Os condôminos do prédio vizinho não concordaram com a intenção da autora e negaram tal servidão, fato que levou os réus a encerrar as negociações. A autora, inconformada, moveu ação de indenização pedindo a restituição dos gastos realizados com a elaboração do projeto e danos morais, os quais foram denegados em primeira e segunda instância. A responsabilidade pré-contratual por ruptura injustificada das negociações Página 11 A decisão tem o seguinte acórdão: "Apelação cível. Responsabilidade civil pré-contratual. Fundamento no princípio da boa-fé objetiva e seus deveres anexos. Justa causa para a frustração negocial verificada. Inexistência do dever de indenizar. O contato entre as partes que pretendem realizar um negócio jurídico deve pautar-se em regras de lealdade e confiança, assumindo primazia o princípio da boa-fé objetiva. Nesse passo, o vínculo de confiança estabelecido entre o declarante e o destinatário da oferta pode configurar-se como fonte de responsabilidade pré-contratual, ainda que não venha a ser perfectibilizado o negócio futuramente, quando não observados os deveres anexos que decorrem da boa-fé objetiva. No caso dos autos, as circunstâncias fáticas indicam que a impossibilidade de aperfeiçoamento do contrato entre as partes ocorreu porquanto não foi possível se estabelecer um consenso acerca de questão relevante do negócio, qual seja, a existência de uma servidão de passagem no imóvel vizinho. Não se estabelecendo o acordo de vontades, não pode a frustração negocial ser atribuída aos demandantes, os quais não deram causa à quebra das expectativas da autora com o negócio. Ademais, o que se percebe é que a pressa da apelante para dar início às obras, por razões particulares, constituiu o principal motivo dos prejuízos materiais que teve com o precoce andamento do projeto." 55 A confiança legítima na celebração do negócio, a legitimar a responsabilização daquele que rompe deslealmente as negociações, precisa ser apurada de acordo com as circunstâncias do caso concreto, considerando-se, dentre outros fatores, a qualidade das partes, a real relação de força entre elas e o estágio das negociações, sempre interpretando a situação concreta à luz dos padrões éticos exigidos pela boa-fé objetiva. Isso significa: de acordo com aquilo que se pode esperar de parceiros honestos, retos e que agem pensando e considerando os interesses do outro, ainda quando isso implique certo sacrifício de seus interesses particulares. 4.3 Ruptura injustificada: violação da boa-fé objetiva Questão que suscita divergências é a exigência de ruptura injustificada para a configuração da responsabilidade pré-contratual. Ruptura injustificada é aquela "ilegítima, arbitrária, intempestiva, sem justa causa, como um comportamento desleal", nas palavras de Almeida Costa. 56 Cabe inicialmente reafirmar que, em princípio, as partes são livres para abandonar as negociações e não precisam para tanto apresentar qualquer motivo, que, muitas vezes, nem será conveniente revelar, seja para preservação de interesse próprio ou alheio. Pense-se, por exemplo, na hipótese em que alguém inicia e, em seguida, rompe as negociações por se encontrar em dificuldades financeiras impeditivas da assunção de obrigações ou ainda a situação na qual a parte rompe as negociações por descobrir aspectos pessoais da contraparte, os quais abalaram a confiança nela depositada e que, se revelados, podem lesar seus bens, direitos ou interesses. Seria extremamenteconstrangedor e prejudicial se a parte fosse obrigada, pelo simples fato de ter entrado em negociações, a divulgar tal situação. Por outro lado, a contraparte também precisa ser protegida no seu interesse em não ser envolvida em negociações inúteis e dispendiosas. O equilíbrio desse conflito de interesses é encontrado na regra segundo a qual as partes são, em princípio, livres para romper as negociações sem apresentar qualquer motivo até o momento em que entre elas surge a certeza na celebração do contrato. Daí em diante, quem pretende romper as negociações deve apresentar para a outra um motivo justificável, pois esta é a conduta leal e honesta exigida pelo mandamento da lealdade e esperada no comércio jurídico. A exigência de motivo legítimo para o abandono das negociações não é aceito unanimemente pela doutrina, havendo autores que sustentam sua irrelevância. 57 Entretanto, esse entendimento não prospera, porque, como bem põe em relevo Fichtner Pereira, é a existência de um justo motivo que torna a ruptura legítima e "livra a parte que encerrou as negociações de qualquer possibilidade de ser responsabilizada por prejuízos em que a parte contrária possa ter incorrido". 58 Questão que causa controvérsia é o que vem a ser motivo justo, apto a eximir o agente do dever de indenizar. Motivo justo é conceito jurídico indeterminado, ou seja, um conceito cujo conteúdo e extensão são incertos, como define Karl Engisch 59 ou, no dizer de Rosa Nery e Nelson Nery Junior, "são palavras ou expressões indicadas na lei, de conteúdo e extensão altamente vagos, imprecisos e genéricos", 60 as quais devem ser preenchidas de acordo com o caso concreto pelo juiz. Em sede de A responsabilidade pré-contratual por ruptura injustificada das negociações Página 12 responsabilidade pré-contratual, entende-se como motivo justo aquele em harmonia com a boa-fé objetiva e, em tese, apto a justificar o abandono das negociações, ainda quando a certeza de que o contrato seria concluído surgiu para uma das partes que, em função disso, realizou despesas buscando a concretização do negócio. A legitimidade do motivo alegado não deve ser buscada em uma valoração subjetiva e particular que o próprio agente faz da razão para encerrar as negociações, vale dizer, não se deve examinar se para o agente os motivos para o rompimento se apresentavam como legítimos e justos, em uma interpretação subjetiva de sua ação. Na valoração da legitimidade dos motivos apresentados para o abandono das negociações não há espaço para investigações subjetivas, impondo-se, ao contrário, uma apreciação objetiva das razões alegadas. Ou seja, deve-se verificar se estas razões são objetivamente aptas a justificar o rompimento naquela situação. "O problema da legitimidade da ruptura não se reconduz, com efeito, à indagação sobre se o seu motivo determinante é ou não justificado do ponto de vista da parte que a efectuou, mas, antes, importa averiguar se, independentemente dessa valoração pessoal, ele pode assumir uma relevância objectiva e de per si prevalente sobre a parte contrária", ensina Almeida Costa. 61 Portanto, sem razão J. Carvalho Santos, quando prega a desnecessidade de apresentação de um motivo justo para o abandono das tratativas sob o argumento de que "o que a uma das partes parece arbitrário pode à outra parecer legítimo". 62 Este raciocínio parte de uma ótica interna e exclusiva do agente que pôs fim às conversações, o que não interessa para determinar sua eventual responsabilidade. O importante é, ao contrário, averiguar se esses motivos, independentemente da avaliação pessoal do agente, são objetivamente aptos a afastar a responsabilidade pré-contratual daquele que abandona as negociações após dar como certa a celebração do negócio planejado. Isso será apurado caso a caso observando conjuntamente dois critérios básicos: primeiro, o motivo em si alegado e, segundo, a adequação do comportamento do autor da ruptura aos padrões de lealdade e honestidade exigidos pela boa-fé objetiva. As opiniões divergem em relação ao que vem a ser motivo justo. No Brasil, Popp sustenta que surgindo a confiança legítima na celebração do contrato, o rompimento já se presume ilegítimo, acabando, em última análise, a desconsiderar o motivo alegado em função da existência de uma situação de confiança. 63 Na Alemanha, Peter Gottwald também adota uma posição extremada. Para o autor, apenas uma alteração na base do negócio seria motivo suficiente para legitimar o abandono das tratativas. 64 As duas opiniões pecam pelo exagero. A teoria da responsabilidade pré-contratual, por lidar essencialmente com a proporcionalidade entre os princípios da boa-fé objetiva e da liberdade contratual, precisa encontrar um ponto de equilíbrio na conciliação dos interesses. Neste sentido se direciona doutrina e jurisprudência, sobretudo na Alemanha, onde se realiza uma análise conjunta do motivo alegado e do comportamento da parte em relação a esse motivo. Algumas situações têm sido elencadas como aptas, em tese, a constituir justo motivo para a interrupção das negociações, as quais têm caráter apenas ilustrativo, pois o motivo justo só é encontrado no caso concreto. Tem-se inicialmente como exemplo a ausência de acordo acerca de pontos do futuro contrato, o que é, sem maiores dificuldades, compreendida como causa legítimadora para o abandono das negociações, digam estes pontos respeito a elementos essenciais ou secundários do contrato planejado, sobre os quais as partes manifestaram a intenção de livremente decidir. Do mesmo modo é a modificação superveniente das circunstâncias das negociações, ou seja, a alteração da base negocial, de modo a tornar a continuação das conversações um excessivo ônus para uma ou para ambas as partes. Essas alterações podem se referir, por exemplo, a questões de natureza jurídica, técnica ou econômica, sobre pontos já fixados ou ainda não acordados, em função das quais a parte acaba concluindo pela inconveniência do negócio. Outra causa legítima para o abandono das conversações foi dada pelo Tribunal da cidade de Rostock, na Alemanha, que declarou, em caso julgado em 2002, consistir a suspeita de corrupção um motivo legítimo para o rompimento das negociações, afastando a responsabilidade pré-contratual por despesas realizadas durante as tratativas daquele que abandona as conversações em razão de suspeita de práticas ilegais pela contraparte. 65 Outra causa legítima para o abandono das negociações é o recebimento de melhor proposta por terceiro. O dever de lealdade, decorrente da boa-fé objetiva, não impede que negociações paralelas sejam travadas acerca de um mesmo objeto desde que à contraparte seja dado conhecimento deste A responsabilidade pré-contratual por ruptura injustificada das negociações Página 13 fato. Nestas situações, as partes devem agir com máxima cautela, informando reciprocamente acerca de sua real disposição de concluir o contrato a fim de evitar que o parceiro crie falsas expectativas sobre a situação e, com isso, realize despesas com vistas à celebração do negócio jurídico que, de outra forma, não faria, o que legitimaria o dever de indenizar. Se entre as partes já foi acordada a celebração do contrato e uma delas recebe proposta mais vantajosa, deve, como entende Almeida Costa, 66 comunicar tal fato imediatamente à contraparte para que esta decida se aceita contratar nas condições apresentadas pelo concorrente ou não. Em não aceitando, configura-se como legítimo o abandono das negociações, exceto se entre as partes existia pacto de exclusividade. Nesta hipótese, percebe-se claramente a importância de se analisar não apenas o motivo em si alegado (melhor proposta), mas também a conduta do agente sob a ótica do princípio da boa-fé objetiva, pois se a parte não informa a outra acerca da negociação paralela com terceiro ou não expõe com clareza suas reais possibilidades de concluir o contrato, permitindo que se crie ou se fortaleça na outra a confiança na celebração, não poderá posteriormente, para eximir-se de responsabilidade,alegar como justo motivo o recebimento de oferta negocial mais vantajosa, embora isso configure, em tese, motivo justo para o abandono das negociações. Isso se justifica na medida em que, no caso, há violação do dever de informação, em função do qual a parte precisa comunicar à outra que negocia paralelamente com terceiro e também do dever de agir com lealdade e honestidade para não despertar - ou evitar que se desperte - na contraparte a certeza acerca do fechamento do negócio, em razão da qual esta realizou gastos ou, eventualmente, deixou de concluir o mesmo contrato com outro parceiro comercial. O motivo apresentado, nesta situação, não pode ser interpretado isoladamente, o que conduziria à justificação do rompimento, mas deve ser analisado conjuntamente com a conduta assumida pelo agente, pois motivo legítimo é, sobretudo, aquele em harmonia com a boa-fé objetiva. A violação dos deveres de consideração decorrentes da boa-fé objetiva por uma das partes também é motivo legítimo para o rompimento das negociações, pois aqui há, via de regra, a quebra da necessária confiança que deve existir entre os potenciais futuros parceiros contratuais. Todos os motivos elencados acima são, como dito, exemplos e não devem ser compreendidos exaustivamente. Na realidade, qualquer motivo apresentado para justificar o abandono das negociações não pode ser analisado isoladamente pelo juiz com o objetivo de verificar sua aptidão para eximir o autor de responsabilização pelos danos provocados à contraparte. É fundamental ainda confrontar o comportamento do agente com os padrões exigidos pela boa-fé objetiva, pois, como diz Almeida Costa, "o critério será sempre o de a ruptura, de harmonia com as circunstâncias do caso concreto, não se revelar intoleravelmente onfensiva do sentido ético-jurídico". 67 Deve-se observar que a parte deve comunicar imediatamente à contraparte o fato apto a legitimar o rompimento das negociações para evitar que esta, confiando legitimamente na celebração, continue trabalhando para isso e realizando gastos desnecessários. Isso é um imperativo do dever de informar, decorrente da boa-fé objetiva e incidente durante todo o processo negocial. Se do atraso derivar prejuízo para a contraparte, aquele que abandona as negociações pode responde pré-contratualmente. 68 Johannes Wertenbruch enquadra acertadamente esses casos como omissão de informação e, portanto, uma violação negativa do dever de informação, aqui mesclado com o de lealdade. 69 Pode-se, então, concluir pela importância da parte de adequar seu comportamento aos padrões impostos pelo mandamento da boa-fé objetiva, pois não se sujeita a responsabilidade quem age com lealdade frente ao parceiro em relação ao justo motivo surgido para o rompimento das negociações. 4.4 Dano A responsabilidade pré-contratual pressupõe dano, assim como toda responsabilidade civil. A questão que se coloca em termos de responsabilidade pré-contratual gira em torno de definir quais os danos efetivamente ressarcíveis e se existem limites para este ressarcimento. Tradicionalmente se diz que em sede de responsabilidade pré-contratual por ruptura injustificada das negociações é cabível apenas a indenização do interesse negativo, vale dizer, do interesse da parte em não ser envolvida em negociações inúteis e desleais, sem abranger o interesse positivo, equivalente às vantagens auferidas pela parte com a conclusão e execução do negócio jurídico. Remonta a Jhering a distinção entre interesse positivo e negativo, a qual vem sendo já há algum tempo objeto de críticas e reanálises, como informa a professora Maria Paz Garcia Rubio, preferindo a doutrina alemã recente falar em dano da confiança, equivalente à terminologia Vertrauensschaden. A responsabilidade pré-contratual por ruptura injustificada das negociações Página 14 70 Este conceito, bem mais amplo e compreensivo, traduz a idéia de ressarcimento dos danos sofridos por quem legitimamente confiou no comportamento da contraparte. Dano da confiança "é aquele que o lesado evitaria se não tivesse confiado, sem culpa, que, durante as negociações, a contraparte cumpriria com os deveres inerentes aos imperativos da boa-fé". 71 A ressarcibilidade apenas do interesse negativo é ponto controvertido em sede de responsabilidade in contrahendo, sustentando alguns autores a possibilidade de ressarcimento também do interesse positivo se o lesado comprovar que o contrato teria sido celebrado não fosse a violação do dever de consideração pela contraparte. Essa idéia é defendida por Manfred Wolf, para quem se deve, em princípio, indenizar apenas o interesse negativo, denominado pelo autor de interesse de confiança (Vertrauensinteresse), ou seja, os gastos que o lesado não teria efetuado se não tivesse confiado na celebração do contrato. Mas, em casos individuais, pode o ressarcimento compreender também o interesse no cumprimento (Erfüllungsinteresse), pois a finalidade da indenização é colocar o lesado na posição que ele se encontraria sem a violação do dever decorrente da boa-fé objetiva. 72 Este entendimento é minoritário na Alemanha. Larenz defende o ressarcimento apenas do dano da confiança, isto é, da lesão que a parte não teria sofrido se não tivesse sido vítima do procedimento desleal da contraparte. 73 A jurisprudência alemã se inclina para a indenizabilidade do interesse negativo, como esclarece Basedow: "o direito de indenização por culpa in contrahendo decorrente de rompimento das negociações contratuais compreende, em princípio, apenas o interesse negativo, não, ao contrário, o interesse positivo, porque o último resulta em obrigação de contrair por culpa in contrahendo". 74 Almeida Costa também abraça essa concepção, afirmando que a admissão da indenização do interesse positivo poria em risco a própria existência da responsabilidade pré-contratual na medida em que o ressarcimento não se fundamentaria no fato da ruptura injustificada das negociações, mas na violação de um dever de celebração do contrato. 75 No Brasil, Fichtner Pereira também critica o ressarcimento do interesse positivo, alegando que isso extrapolaria em muito a finalidade da própria responsabilidade pré-contratual, que é conceder uma compensação adequada ao prejudicado pela frustração da realização de um negócio, compensação que não guarda relação com o resultado que a parte obteria caso o contrato fosse celebrado. 76 Para Messineo, o direito italiano também adota o princípio do ressarcimento do dano negativo, o qual constitui não uma compensação pela não conclusão do contrato ou por aquilo que poderia resultar do negócio, mas algo menos intenso, razão pela qual o montante do ressarcimento não pode superar o interesse positivo, 77 sendo seguido por Massimo Bianca. 78 Como danos decorrentes da confiança incluem-se tanto o dano patrimonial (material), como o moral (imaterial), visão compartilhada por diversos autores, dentre os quais Larenz, 79 Ruben e Gabriel Stiglitz, 80 Almeida Costa, 81 Popp 82 e Fichtner Pereira. 83 Maristela Basso observa que nos casos de ruptura injustificada das negociações o dano é essencialmente material, mas ressalva que "podem ocorrer também aspectos psicológicos, ainda que, nesse caso, os danos sejam de difícil aferição. 84 Dano é todo prejuízo a bens juridicamente reconhecidos, na lição sempre precisa de Larenz. É, portanto, qualquer lesão a bem ou interesse jurídico do sujeito, seja de natureza material ou imaterial. Vale à pena recordar que o dano patrimonial tem caráter indenizatório, porque objetiva retornar a parte lesada pela ruptura ao status quo ante, reforçando a necessidade de comprovação dos prejuízos efetivamente sofridos, ao passo que o dano extra-patrimonial tem caráter retributivo, representando uma compensação pela dor moral sofrida. No sistema jurídico brasileiro, a reparabilidade do dano moral encontra fundamento constitucional, nos termos do art. 5.º, X, da CF/1988, e infra-constitucional, no art. 12 do CC/2002, o qual consagra na lei civil a proteção dos direitos da personalidade. No quetoca à reparação do dano moral em decorrência de ruptura injustificada das negociações, deve-se observar que embora em tese plenamente reconhecida, é, na prática, de difícil caracterização, posto que meras frustrações ou aborrecimentos pelo fracasso das tratativas fazem parte do risco que o contratante assume ao iniciar um processo negocial, não devendo, portanto, configurar a dor moral ressarcível. Por isso, coloca Popp que "não basta a mera ocorrência de aborrecimentos e preocupações decorrentes do ilícito praticado. É indispensável que isto fuja ao âmbito comum, ou seja, que haja um dano efetivo (...) No âmbito das negociações preliminares inúmeras situações podem gerar dano extrapatrimonial, inclusive difamações ou calúnias impostas por uma parte à outra como decorrência de desentendimentos entre elas ocorrido". 85 Necessário se revela que a ofensa moral seja A responsabilidade pré-contratual por ruptura injustificada das negociações Página 15 significativa, vindo a atingir direitos da integridade moral do indivíduo, como a honra, imagem ou nome, os quais compõem os direitos da personalidade. Cabe à parte demonstrar exatamente em que consiste o dano moral, sua gravidade e a relação de causa e efeito com o fato do rompimento ilegítimo das negociações para que possa ser ressarcida da dor sofrida. O dano patrimonial, por seu turno, compõe-se tanto do dano emergente, como do lucro cessante, regra que no sistema jurídico brasileiro vem consagrada no art. 402 do CC/2002. Dano emergente é a efetiva perda patrimonial sofrida pelo lesado, enquanto lucro cessante é o que se deixou de ganhar em decorrência do evento danoso ou, na lição sempre atual de Álvaro Villaça Azevedo, "é vantagem patrimonial, que não chega a ingressar no patrimônio do que sofreu a lesão". 86 Em sede de responsabilidade por ruptura das conversações, o dano emergente constitui aquilo que a parte gastou na preparação do contrato, enquanto que o lucro cessante é geralmente entendido como a perda concreta de oportunidade negocial em função do envolvimento nas conversações. Existem doutrinadores que defendem a exclusão dos lucros cessantes da indenização decorrente da ruptura injustificada das tratativas por não verem uma relação de causalidade direta entre os lucros cessantes e o abandono das negociações. A corrente majoritária se posiciona a favor do ressarcimento do lucro cessante. Em termos de direito brasileiro, isso se justifica não apenas por estar de acordo com o sistema de responsabilidade civil consagrado no art. 927 do CC/2002, mas, principalmente, porque conforme a boa-fé objetiva. Aquele que não abandona as negociações mesmo quando recebe uma proposta melhor - embora pudesse legitimamente fazê-lo - assim procede por confiar que a contraparte se portará, como esperado, com lealdade e retidão, como exigido pelo mandamento da boa-fé objetiva. Não pode, portanto, ficar no prejuízo em função da conduta desleal da contraparte que rompe, sem motivo justo, as conversações. Negar este raciocínio equivaleria a penalizar a parte que recebeu melhor proposta por ter confiado que o parceiro negocial se comportaria com hombridade e retidão, apresentando pelo menos um motivo justificável para desistir de celebrar o contrato dado já como certo. 87 A doutrina majoritária brasileira posiciona-se a favor do ressarcimento do lucro cessante, traduzido na perda da oportunidade de contratar com terceiro, mas reflexos da teoria contrária foram sentidos nas primeiras decisões jurisprudenciais, como atesta uma decisão do STF, datada de 22.12.1959. 88 Na Itália, Massimo Bianca também defende a ressarcibilidade do lucro cessante. Para ele, o lesado tem direito ao ressarcimento tanto das despesas inutilmente gastas durante as tratativas, quanto daquelas decorrentes da perda de uma favorável ocasião contratual, 89 sendo seguido pelos Stiglitz. 90 O lucro cessante deve, para ser indenizado, fundar-se na perda concreta de um negócio e não em simples conjecturas, segundo Almeida Costa. 91 Para Garcia Rubio, o lucro cessante indenizável "concretiza-se substancialmente na perda de outras oportunidades de contratar com um terceiro, assim como as vantagens que delas derivariam, o que requer demonstrar a existência efetiva, e não sustentada por meras conjecturas, dessas outras oportunidades negociais, prova sempre dificultosa". 92 A opinião majoritária condena a indenização de uma probalidade razoável de realização de um negócio, defendida por Basso, 93 com apoio no direito francês, de acordo com o qual essa probabilidade razoável é indenizável como a perte d'una chance. O direito alemão não inclui a provável perda de uma chance dentro dos lucros cessantes, dos quais fazem parte apenas os prejuízos decorrentes de uma perda negocial concreta, devidamente comprovada. Restando comprovado que a parte efetivamente deixou de contratar com terceiro acerca do mesmo objeto por ter a contraparte assegurado a conclusão do contrato, merece aquela ser indenizada pelo prejuízo sofrido em decorrência do comportamento desleal desta que, inobstante a garantia dada, abandonou sem justo motivo as negociações, violando dever de agir com lealdade e consideração pelos interesses do parceiro. Quanto aos danos emergentes, necessário é identificar as despesas realmente indenizáveis. Isso envolve a polêmica questão sobre se ressarcíveis são todas as despesas realizadas desde o início das negociações ou somente aquelas efetuadas a partir do momento em que a celebração é dada como certa entre as partes, seja expressamente ou pelas circunstâncias. Doutrina e jurisprudência alemãs têm defendido que nem todas as despesas realizadas durante as negociações são indenizáveis, mas somente aquelas efetuadas depois do momento em que a parte pode legitimamente confiar na conclusão do contrato. A responsabilidade pré-contratual por ruptura injustificada das negociações Página 16 "O dever de indenização surge apenas quando uma parte interrompe as negociações sem motivo justo, depois de ter despertado, de modo a si atribuível, na contraparte, a confiança na realização do contrato (...); ela se limita aos gastos realizados depois do surgimento do fato de confiança", diz Helmut Heinrichs. 94 Esse entendimento vem respaldado por diversas decisões do BGH, dentre as quais uma de 22.02.1989, na qual reformou parcialmente decisão do Tribunal de Justiça de Munique, determinando a exclusão da verba indenizatória de determinados gastos realizados pelo autor da ação sob o fundamento de que eles foram efetuados quando ainda não havia entre as partes a certeza de que o contrato seria concluído. Dentre esses gastos, no caso citado, incluíam-se, por exemplo, honorários advocatícios pela elaboração de minuta do contrato de compra e venda, custos com a contratação de secretária e com a mudança e renovação do escritório do autor da ação, que se sentiu prejudicado com o encerramento das negociações. 95 Como regra geral pode-se dizer que quem logo após o início das negociações, quando ainda inexiste entre as partes a certeza da conclusão do negócio, realiza despesas consideráveis em função da expectativa de celebrar o negócio, o faz por sua própria conta e risco, devendo arcar com elas, caso as negociações fracassem. Estes gastos destinam-se, na maioria das vezes, a convencer a contraparte acerca da conveniência e oportunidade do negócio, não sendo realizados em razão da certeza dada na celebração. Por isso, diz Basedow que enquanto as partes ainda negociam, "em princípio, cada uma age por seu próprio risco, quando, não obstante, já agora efetua despesas em confiança à esperada conclusão do contrato. Para estes gastos não pode, conseqüentemente, exigir indenização quando a outra parte interrompe as negociações posteriormente, ainda que inesperadamente e sem motivo evidente". 96 Pode-se, então, concluir com Fichtner Pereira que "não se trata, assim, de se indenizar os custos com toda a negociação, mas as despesas decorrentes da conduta injurídica assumida pela parte, qual seja, a de, após incutir na
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