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A responsabilidade pré-contratual por ruptura injustificada das negociações (Karina Nunes Fritz)

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A RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL POR RUPTURA INJUSTIFICADA
DAS NEGOCIAÇÕES
Revista dos Tribunais | vol. 883/2009 | p. 9 | Mai / 2009
Doutrinas Essenciais Obrigações e Contratos | vol. 4 | p. 149 - 198 | Jun / 2011
DTR\2009\330
Karina Nunes Fritz
Doutoranda na Humboldt Universidade de Berlim e LL.M (Universidade de Erlangen-Nürnberg),
Alemanha. Mestre em Direito Civil pela PUC-SP.
Área do Direito: Internacional; Civil
Resumo: A responsabilidade pré-contratual por ruptura injustificada das negociações, superando o
pensamento tradicional, vem sendo gradativamente admitida pela doutrina e jurisprudência
brasileiras. Embora o legislador de 2002 não a tenha positivado no novo Código Civil, ela vem
recepcionada implicitamente via princípio da boa-fé objetiva, consagrado no art. 422. Por isso, sua
análise tem relevância prática, para contribuir para a difusão e reconhecimento do instituto, e teórica,
porque, como a experiência do direito alemão mostra, traz consigo profundas alterações no Direito
das Obrigações, consagrando um novo tipo de relação obrigacional.
Palavras-chave: Responsabilidade pré-contratual - Culpa in contrahendo - Rompimento injusto das
negociações - Boa-fé objetiva - Deveres de conduta - Deveres na fase negocial - Requisitos da
responsabilidade pré-contratual - Negociações preliminares - Certeza na celebração do contrato -
Violação da confiança - Dano pré-contratual - Relação obrigacional sem dever de prestação -
Vinculação especial
Abstract: The pre-contractual responsibility due to causeless abruption of negotiations is more and
more recognized by the prevailing opinion of the Brazilian doctrine and jurisprudence. The legislator
from 2002 did not foresee it explicitly, but it is accepted by the principle of bona fides in article 422.
Therefore the analyzes is relevant, as well as on a practical level for recognition and promulgation of
the legal institution, as well as on a theoretical level, since the culpa in contrahendo causes
considerable changes in the law of obligation, as the German experience shows.
Keywords: Pre-contractual responsibility - Abruption of negotiations - Bona fides - Good faith -
Culpa in contrahendo
Sumário:
- 1.Delimitação da figura: distinção do pré-contrato e da proposta - 2.A responsabilidade
pré-contratual no direito alemão - 3.A natureza jurídica da responsabilidade pré-contratual -
4.Requisitos da responsabilidade por ruptura injustificada das negociações - 5.Abordagem
jurisprudencial do tema no Brasil - 6.Conclusões - Bibliografia
Introdução
Há cerca de duas décadas, os tribunais brasileiros vêem paulatinamente reconhecendo a
necessidade de indenização de gastos realizados durante as negociações preparatórias de
contratos, quando uma das partes é vítima de abandono injustificado das tratativas. Esta
responsabilidade foi batizada pela ciência jurídica como responsabilidade pré-contratual, mais
conhecida na Alemanha pela terminologia latina culpa in contrahendo, difundida para o mundo desde
o famoso ensaio de Rudolf Von Jhering, de 1861, considerado historicamente o criador do instituto. 1
Contudo, a teoria de Jhering foi apenas o pontapé inicial para o aprofundamento científico, realizado
no decorrer do século XX pela jurisprudência alemã, de uma figura importantíssima, que provocaria
grandes alterações no Direito das Obrigações alemão e irradiaria seus efeitos sobre vários
ordenamentos jurídicos europeus e latino-americanos.
De fato, o antigo professor da pequena cidade de Göttingen, no norte da Alemanha, identificou a
ressarcibilidade de danos surgidos em decorrência da celebração de contrato nulo por violação de
um dever de cuidado, presente na fase de formação, que exige das partes (ou de uma delas) a
remoção de todos os óbices, materiais e jurídicos, à validade do negócio jurídico. Essa é
considerada atualmente, contudo, assim como o rompimento injustificado das tratativas, apenas uma
A responsabilidade pré-contratual por ruptura
injustificada das negociações
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das hipóteses da ampla figura da responsabilidade pré-contratual.
A responsabilidade in contrahendo é realmente uma figura bem mais ampla e não se limita a esses
dois casos de ocorrência. Essa responsabilidade surge sempre que durante a fase de preparação do
negócio jurídico uma das partes causa dano à outra em função da violação de um dever decorrente
da boa-fé objetiva, princípio consagrado no art. 422 do CC/2002, 2 do qual resultam os denominados
deveres de conduta ou deveres de consideração, conforme a terminologia adotada pelo Código Civil
alemão (BGB) depois da Reforma de Modernização do Direito das Obrigações, realizada em 2001.
Pode-se dizer, então, que a responsabilidade pré-contratual é uma responsabilidade pela violação
dos deveres da boa-fé objetiva durante o período de preparação do negócio jurídico. Esta afirmação
põe em relevo que o fundamento teórico da responsabilidade repousa na boa-fé objetiva,
correspondente à Treu und Glauben do direito alemão, pois a categoria geral dos deveres de
consideração decorre substancialmente do mandamento da lealdade.
O Código brasileiro não faz menção expressa à figura da responsabilidade pré-contratual, mas
constitui entendimento unânime na doutrina atualizada sua recepção implícita no referido art.422. O
tema não tem, entretanto, merecido a atenção devida da doutrina e da jurisprudência, o que se
comprova pelas poucas monografias sobre o tema e no frágil reconhecimento da figura nos tribunais
quando da concessão de indenizações por danos pré-contratuais, merecendo destaque o
vanguardismo da jurisprudência do Rio Grande do Sul. Inobstante o ostracismo, a figura da
responsabilidade pré-contratual é importantíssima tanto na teoria, como na prática. Por isso, o
presente artigo tem como objetivo investigar os requisitos específicos da responsabilidade por
ruptura injustificada das negociações, o caso mais freqüente de responsabilidade pré-contratual
admitido pela doutrina e jurisprudência brasileiras.
Esse estudo - deve-se frisar - restringe-se a um dos casos de responsabilidade pré-contratual
(rompimento imotivado das negociações), a qual surge quando uma das partes desperta na outra a
certeza de que o negócio será concluído e posteriormente, sem motivo justo, abandona as
conversações, comportamento considerado desleal, contrário ao dever de agir com lealdade e
consideração pelos bens e interesses do parceiro, ínsito na idéia de boa-fé objetiva. A análise é feita
de forma comparativa, tomando por base o direito alemão, berço do instituto, trazendo ainda o
contributo de vários autores, nacionais e europeus, que se dedicaram às inúmeras problemáticas
que giram em torno do assunto.
1. Delimitação da figura: distinção do pré-contrato e da proposta
Inicialmente, mostra-se imprescindível fazer uma delimitação do problema. A responsabilidade
pré-contratual não surge a partir da violação de um contrato preliminar ou pré-contrato, como uma
semelhança terminológica poderia sugerir. Isso porque o pré-contrato - consagrado no art. 462 do
CC/2002, cujo objeto consiste no dever de celebrar um contrato principal - é, assim como este,
verdadeiro negócio jurídico, cujo inadimplemento caracteriza-se como típica responsabilidade
contratual, 3 campo distinto da responsabilidade pré-contratual. Esta tem como cerne a violação de
deveres de consideração (e não de negócio jurídico) durante a fase negocial, entendida como o
período anterior de preparação do negócio, no qual as partes discutem acerca de um determinado
contrato, visando, ainda que vagamente, sua celebração. É o momento no qual há troca de
informações, buscando formar o juízo de conveniência e oportunidade sobre o negócio.
Essa fase é regulada, por um lado, pelo princípio da liberdade contratual, desdobramento da
autonomia privada, o qual assegura às partes o poder de celebrar ou não o contrato e, por outro,
pelo princípio da boa-fé objetiva, regra ética de conduta a impor aos envolvidos o dever de agir
corretamente, com lealdade e honestidade para com o parceiro, considerandonão apenas seus
interesses pessoais, mas ainda os interesses da contraparte.
A responsabilidade pré-contratual não decorre também da revogação da proposta. Como se sabe, o
contrato resulta da fusão de duas manifestações de vontade: proposta e aceitação. A proposta é
negócio jurídico receptício, cuja eficácia depende de aceitação. Por isso, precisa ser completa, clara
e inequívoca para que o negócio se forme mediante a simples aceitação, expressa ou tácita, da
contraparte. Muitos negócios jurídicos não se formam, entretanto, de modo tão simples, com a
aderência imediata a uma oferta. Freqüentemente, precede à conclusão dos contratos uma fase
negocial, na qual as partes discutem detalhadamente os pontos do futuro negócio. Esta fase pode se
iniciar mediante um simples convite a negociar ou quando, seguido a uma proposta, surge não a
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injustificada das negociações
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aceitação, mas uma contraproposta, a qual abre espaço para discussões e negociações.
Negociação e oferta são momentos distintos do processo de formação dos contratos: aquela diz
respeito à fase negocial, que se estende desde o contato inicial até a apresentação da proposta em
sentido técnico, momento a partir do qual as partes entram na fase decisória, cujo termo final se dá
com a aceitação e conclusão do negócio. As duas figuras constituem, portanto, realidades jurídicas
distintas. Negociação é uma situação jurídica caracterizada pela discussão acerca de determinado
negócio jurídico, na qual uma parte apresenta à outra suas idéias e proposições, vulgarmente
chamadas de proposta, sendo de sua essência o debate acerca das cláusulas do futuro contrato. Já
a oferta ou proposta em sentido técnico é negócio jurídico unilateral sobre o qual não cabe mais
nenhuma discussão, tão-somente aceitação ou recusa, sendo esta sua característica essencial. Por
isso, diz o art. 431 do CC/2002 que a aceitação fora do prazo, com adições, restrições ou
modificações equivale a nova proposta (contraproposta).
As distinções entre ambas as figuras, realizadas na doutrina brasileira, devem, entretanto, ser vistas
com parcimônia. A maioria dos autores 4 aponta como traço distintivo entre proposta e negociação o
caráter da obrigatoriedade presente na primeira e ausente na segunda, a transmitir a idéia que as
negociações seriam destituídas de "força obrigatória", seriam a "fase da não obrigatoriedade". Esta
assertiva deve ser compreendida com ressalvas. De fato, a obrigatoriedade da oferta vem
estampada no art. 427 do CC/2002, segundo o qual "a proposta de contrato obriga o proponente, se
o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso".
Com isso se diz que feita a oferta, o proponente fica à ela vinculado, sendo obrigado a mantê-la em
todos os seus termos, salvo as exceções previstas no artigo 427 do CC/2002.
Já a fase das negociações é destituída dessa obrigatoriedade, pois as partes não ficam vinculadas
inexoravelmente às suas propostas negociais como o policitante do art. 427 do CC/2002, podendo,
no decorrer das conversações, modificar suas proposições iniciais no intuito de convencer o parceiro
a celebrar o acordo final. Isso, no entanto, não pode conduzir ao entendimento de que as
negociações são destituídas de vinculação e configuram um campo de não obrigatoriedade, no qual
não surgem deveres, nem responsabilidade para os envolvidos. A fase pré-contratual é sim dotada
de normatividade: nela incide o princípio da boa-fé objetiva como limite imanente ao poder de
autonomia privada e de ação das partes, criando uma gama de deveres específicos de conduta com
o fim de conferir eticidade à relação e evitar lesão a bens ou interesses dos envolvidos.
Por isso, surge já nesse momento os ditos deveres de consideração, previstos expressamente na
Alemanha no § 241 II do BGB, 5 a exprimir a necessária lealdade e solidariedade que devem existir
no comércio jurídico. A observância desses deveres tem caráter obrigatório, conferindo
normatividade ao momento anterior ao negócio jurídico e justificando a imposição de
responsabilidade pré-contratual em caso de violação. Desta forma, não assiste razão à doutrina
pátria quando afirma que as negociações não criam direitos e deveres para os envolvidos. Ao invés
de afirmar que as negociações não têm força obrigatória, melhor seria falar que elas não são
inalteráveis como a proposta em sentido técnico.
Durante a fase negocial surge, de acordo com as circunstâncias de cada caso concreto, uma série
de deveres deduzidos a partir do princípio da boa-fé objetiva. Os mais freqüentes são os deveres de
proteção ou cuidado, de lealdade, colaboração para o atingimento do fim das negociações,
informação e esclarecimento acerca de todos os pontos relevantes para a formação do
convencimento do parceiro acerca da conveniência do negócio e de sigilo acerca de informações
recebidas em função das conversações, especialmente daquelas potencialmente lesivas.
Esses exemplos não devem ser interpretados exaustivamente, pois nem todos os deveres de
conduta surgem inexoravelmente em todas as situações, mas dependem das circunstâncias da
situação concreta. 6 Não obstante, os deveres de consideração acompanham as partes enquanto o
contato entre elas criar a possibilidade de lesão à esfera jurídica da outra. Por isso, afirma Karl
Larenz que eles surgem com o contato negocial, transpassam o negócio jurídico e continuam a
irradiar efeitos na fase pós-contratual até que findo o risco de lesão. 7
Antes de adentrar na análise dos requisitos específicos da responsabilidade por rompimento
injustificado das negociações, mostra-se proveitoso compreender como a figura geral da
responsabilidade pré-contratual é tratada em seu berço dogmático: o direito alemão. Isso permitirá
ao leitor traçar ao final um paralelo entre a prática brasileira e a alemã, o que certamente permitirá
uma autocrítica da experiência brasileira e contribuirá para o aprofundamento do tema entre nós.
A responsabilidade pré-contratual por ruptura
injustificada das negociações
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2. A responsabilidade pré-contratual no direito alemão
A figura da culpa in contrahendo na Alemanha possui um âmbito normativo significativamente mais
extenso do que em outros países que, por influência do BGB, recepcionaram este instituto jurídico.
Ao contrário do admitido no Brasil, onde essa responsabilidade diz respeito, via de regra, a
problemas surgidos apenas durante as negociações preliminares, no sistema jurídico alemão a
responsabilidade abrange também uma fase anterior às negociações, na qual as partes se
encontram em uma situação de contato negocial. Com a reforma do Código alemão em 2001, o
legislador consagrou pela primeira vez a figura da responsabilidade pré-contratual no § 311, por meio
do acréscimo do inc. II do BGB, que contém a seguinte redação, in verbis:
"§ 311 Relação obrigacional jurídico-negocial e semelhante à jurídico-negocial.
(1) Para o surgimento de uma relação obrigacional através de negócio jurídico, assim como para a
alteração do conteúdo de uma relação obrigacional, é necessário um contrato entre os partícipes,
enquanto a lei não contiver outra determinação.
(2) Uma relação obrigacional, com os deveres decorrentes do § 241, inc. 2, surge ainda através:
1. do início de negociações contratuais;
2. da preparação de um contrato, através do qual uma parte, com vistas a uma eventual relação
negocial, permite à outra parte a possibilidade de atuar sobre seus direitos, bens jurídicos e
interesses, ou confia-lhe os mesmos;
3. de contatos semelhantes aos negociais.
(3) Uma relação obrigacional, com os deveres decorrentes do § 241 alínea 2, pode surgir ainda para
pessoas que não deverão ser parte no contrato. Tal relação obrigacional surge especialmente
quando o terceiro toma para si confiança, em medida considerável, e, com isso, influencia
significativamente as negociações contratuais ou a conclusão do contrato." 8
Uma leitura rápida desse riquíssimo dispositivo permite retirarlogo uma interessante conclusão: a lei
expressamente considera que o contato negocial, estabelecido entre as partes em função da
preparação do negócio jurídico, gera uma relação jurídica obrigacional, algo bem distinto do que
ocorre no Brasil, onde essa situação sequer é vista pela doutrina majoritária como uma relação
jurídica, posto que as negociações "não criam vínculo jurídico" entre as partes. 9 Entretanto, no
direito alemão a situação é diferente. Como claramente coloca Thomas Lapp, a principal
conseqüência jurídica decorrente do § 311 II do BGB é o surgimento na fase pré-contratual de uma
relação jurídica obrigacional com a incidência dos deveres de consideração decorrentes da boa-fé
objetiva. "Estando presente os pressupostos do inc. 2, existe já uma relação obrigacional, antes e
mesmo sem a conclusão do contrato. Isso fundamenta todos os direitos e obrigações vinculados a
uma relação obrigacional. Com isso, tem-se em vista especialmente os deveres laterais do § 241,
inc. 2 do BGB, o dever de consideração aos direitos, bens jurídicos e interesses da outra parte. Em
havendo dano resultante da violação destes deveres laterais da relação obrigacional, surge a
pretensão à indenização" (trad. livre), diz o autor. 10
Isso puxa uma segunda dedução: a de que o conceito de relação obrigacional na Alemanha é bem
mais amplo do que no Brasil. A relação obrigacional não é compreendida apenas como um vínculo
jurídico em função do qual o credor tem o direito de exigir o cumprimento de um dever de prestação
do devedor, como herdado do direito romano há milênios. A relação obrigacional não tem como
objeto apenas um dever de prestação, tenha ele nascido a partir de um negócio jurídico ou de ação
ilícita. Existem relações obrigacionais sem dever de prestação, como é o caso da estabelecida entre
as partes durante a fase de preparação do contrato. Aqui, surge uma relação obrigacional especial,
marcada pela presença exclusiva dos deveres de consideração, deduzidos da boa-fé objetiva, a qual
vem sendo denominada relação obrigacional sem dever de prestação ou vinculação especial, 11
correspondente ao vernáculo alemão Sonderverbindung.
Extrapola a finalidade deste artigo uma análise sobre a teoria da obrigação, o que será objeto de
investigação futura. Por enquanto, deve-se ter em mente que o § 311 II do BGB diz expressamente
que na fase negocial surge entre as partes uma relação obrigacional semelhante àquela decorrente
do negócio jurídico.
A responsabilidade pré-contratual por ruptura
injustificada das negociações
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Como pressupostos de incidência, a norma prevê três situações básicas: negociações (alínea 1),
preparação do negócio (alínea 2) e contatos semelhantes aos negociais (alínea 3). A distinção entre
as três situações é fluida, como adverte Larenz 12 e a inclusão da figura dos contatos semelhantes
aos negociais representa um elastecimento do campo de aplicação da culpa in contrahendo.
Sinteticamente, a distinção entre as hipóteses centra-se na finalidade do contato. Quando o contato
é estabelecido com vistas à discussão e eventual conclusão de determinado negócio jurídico tem-se
as negociações preliminares propriamente ditas (§ 311 II 1). Quando, entretanto, o contato é mantido
apenas com a finalidade de levantar informações acerca de um negócio, havendo no momento
apenas uma intenção, vaga e incerta, de eventualmente celebrar um contrato, está-se em momento
anterior às negociações, precisamente na fase de preparação do contrato (§ 311 II 2). A alínea 3
contempla a ainda desconhecida figura dos contatos semelhantes aos negociais, a qual tem
provocado acalorados debates entre os alemães.
Uma análise da estrutura do § 311 II do BGB revela claramente três níveis de contato negocial
estabelecidos nas alíneas 1 a 3, sendo o primeiro, as negociações, o mais próximo do contrato,
enquanto os outros dois - preparação do contrato e contatos semelhantes aos negociais -
distanciam-se, na seqüência, da figura do negócio jurídico. A contrário, partindo da última para a
primeira figura, tem-se uma aproximação gradativa ao negócio jurídico, com o estreitamento
progressivo do contato negocial. O dispositivo mostra fundamentalmente que a fase pré-contratual
não se limita às negociações preliminares, como concebido no Brasil, mas abrange um momento
anterior a elas, quando se está diante de contatos negociais.
2.1 Negociações preliminares: § 311 II 1 BGB
A mais clara das figuras da responsabilidade pré-contratual do BGB são as negociações preliminares
, caracterizadas, como adiante exposto, pela discussão entre as partes com vistas à eventual
celebração de um negócio jurídico específico. A negociação é, via de regra, um processo complexo,
muitas vezes duradouro, no qual o intenso contato aumenta o risco de dano para os envolvidos,
razão pela qual essa situação é jurisdicizada por meio do surgimento da vinculação especial, a qual
constitui um tipo de relação obrigacional marcado pela presença exclusiva de deveres de
consideração - sem deveres de prestação, portanto, os quais só surgem com o negócio jurídico.
Ainda quando esse processo transcorra de forma simples e rápida, isso não exime os envolvidos da
observância dos deveres de conduta decorrentes da boa-fé objetiva, os quais podem ter maior ou
menor intensidade de acordo com as circunstâncias do caso concreto. Assim, exemplificativamente,
mesmo que as conversações para a compra e venda de um veículo transcorram rapidamente, surge
para o vendedor o dever de informar plenamente o comprador acerca de todas as condições
materiais (problemas nos freios no carro) e jurídicas (objeto dado em garantia do pagamento de uma
dívida) do automóvel, ao passo que para o comprador surge o dever de cuidado quando usa o
veículo para um test drive, a fim de não danificá-lo. A proximidade entre as partes e o aumento dos
riscos de dano daí resultante é que legitima a vinculação especial e a gama de deveres recíprocos
que se formam neste momento.
A grande crítica que a doutrina tem feito à alínea 1 do § 311 II do BGB é que não haveria distinção
para a figura da preparação do contrato, prevista na alínea 2 do mesmo dispositivo, posto que a
negociação nada mais é que uma preparação do contrato, com o que estaria englobada no fato
típico descrito na alínea 2, como colocam, dentre outros, Peter Krebs 13 e Lapp. 14 Ainda quando as
negociações possam ser deduzidas à partir da categoria geral da preparação do contrato, não se
pode olvidar a distinção entre as figuras e nem a intenção do legislador de proteger aquelas
situações nas quais as partes não chegaram realmente a discutir acerca do futuro contrato, quando o
contato estabelecido ainda não alcançou o estágio de negociação. Como observam
Fikentscher/Heinemann, 15 as conversações são uma forma especial e avançada de preparação
contratual, nas quais o estreito contato mantido faz com que a possibilidade de uma parte atuar na
esfera jurídica da outra seja bem maior que na fase anterior de preparação do contrato.
2.2 Preparação do contrato: § 311 II 2 BGB
A figura da preparação do contrato consiste em um contato com finalidade negocial, distinto das
negociações pela ausência de discussão acerca de um determinado negócio jurídico. É um contato
negocial marcado pela possibilidade de atuação sobre os direitos, bens e interesses da outra parte.
Exemplos típicos da figura são os simples contatos negociais e as sondagens, 16 realizados com
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injustificada das negociações
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intuito de descobrir se a parte teria eventualmente interesse na realização de um negócio conjunto,
de forma que somente após a comprovação desse interesse é que as conversações são
efetivamente iniciadas com vistas à concretização do empreendimento planejado.
Durante essas conversas iniciais surge já o dever de agir com lealdade, considerando os interesses
do parceiro; de proteger os bens do parceiro, entregues eventualmente para análise; de informar
correta e suficiente a contraparte; de esclarecer eventuaisquestionamentos; de guardar sigilo acerca
das informações recebidas etc. Aqui vale ainda a regra de que a existência e a intensidade desses
deveres de conduta dependem sempre das circunstâncias do caso concreto, ou seja, do objetivo do
contato estabelecido, do eventual negócio visado, das condições das partes, aqui entendidas
amplamente de forma a compreender aspectos de ordem pessoal, social, econômica e jurídica,
desde que relevantes.
2.3 Contatos semelhantes aos negociais: § 311 II 3 BGB
Essa é a mais polêmica das fontes da vinculação especial. Claus-Wilhelm Canaris, um dos
presidentes da Comissão de Reforma do BGB, em artigo sobre os principais pontos da alteração
legislativa de 2001, classifica como "relativamente obscura" a figura, mas ressalta a natureza de
cláusula geral do dispositivo como forma de recepcionar os casos não enquadráveis nem como
negociação, nem como preparação negocial. A norma teria, então, o papel de permitir a adaptação
do instituto da responsabilidade pré-contratual a situações novas e imprevistas. 17 A doutrina 18 se
divide em relação à função do § 311 II 3 do BGB como cláusula geral e sua aptidão para preencher
eventuais lacunas das alíneas 1 e 2. Unânime são as críticas ao dispositivo, considerado vago e
impreciso. 19 Inobstante a discussão, o papel da referida norma como hipótese de recepção parece
se impor.
Não existe ainda unanimidade acerca do traço essencial e característico da figura do contato
semelhante ao negocial. Dieter Schwab 20 define-a como um contato com finalidade negocial no mais
amplo sentido. Dirk Looschelders frisa a necessidade de que o contato tenha cunho negocial, isto é,
tenha como fim um negócio jurídico ou consista em uma ação semelhante a um negócio jurídico,
como no caso de alguém que pede informações descompromissadas a um profissional (ex.:
consultores financeiros) ou a um banco, situação assemelhada a uma consultoria. Nestes casos se
incluiriam ainda, segundo o autor, as situações de danos resultantes de contrato nulo. Dispensável
se mostra que as partes visem a conclusão de um negócio, podendo existir no momento a simples
intenção de obter informações. 21
A grande polêmica gira em torno da delimitação da figura para os contatos sociais simples, também
conhecidos como relações de cortesia, marcadas pela ausência de finalidade negocial, como, por
exemplo, um convite para jantar, o compromisso de cuidar do jardim do vizinho durante a viagem
dele ou de dar uma carona para o colega de trabalho. Estas situações estão exclusas do âmbito de
incidência do referido dispositivo, porque carentes de juridicidade, não consistindo em relações
jurídicas, mas em simples relações sociais. No Brasil, goza unanimidade o entendimento segundo o
qual as relações de favor ou de mera cortesia não vinculam juridicamente os envolvidos, não
gerando responsabilidade para aquele que causa dano à outra parte em função de realização
defeituosa ou de não realização do favor prometido. 22 Somente em casos excepcionais admite-se a
ressarcibilidade do dano sofrido de acordo com as regras da responsabilidade extracontratual,
previstas no art. 927 e ss . do CC/2002. 23 Exemplo típico é o caso do transporte de cortesia
(carona), no qual o transportador somente é obrigado a indenizar os danos causados ao
transportado quando age com dolo ou culpa grave, como tem decidido reiteradamente a
jurisprudência, de acordo com a Súmula 145 (MIX\2010\1398) do STJ. 24
Doutrina e jurisprudência alemã reconhecem existir, contudo, casos limites situados em uma zona
cinzenta entre o contato social simples e aquele direcionado, ainda que vagamente, para uma
finalidade negocial, os quais podem ser subsumidos a partir do § 311 II 3 do BGB e, desta forma,
fundamentar a responsabilidade pré-contratual de quem causa um dano a outrem em decorrência de
comportamento contrário à boa-fé objetiva. Estas situações, embora revestidas da aparência de
cordialidade, consistiriam na verdade em um contato negocial e provocariam o nascimento de uma
relação obrigacional com deveres de consideração, caracterizando-se como um contato semelhante
ao negocial.
Nessa linha de raciocínio, a jurisprudência alemã já considerou que o tratamento de um médico por
outro tem natureza contratual ainda quando os honorários médicos não foram cobrados por
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injustificada das negociações
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coleguismo e amizade, cabendo ao médico atuante observar os mandamentos da boa-fé objetiva,
como o dever de informar ao colega acerca de todos os riscos da doença, as opções menos sofridas
de tratamento etc. Do mesmo modo, a promessa de um transportador de emprestar, por cortesia,
para outra empresa transportadora um de seus motoristas foi vista como vinculante pelo BGH devido
à significação econômica do prometido para a empresa beneficiada, que tinha contratos de
transporte para executar e confiou na cessão do empregado. 25
O fornecimento de informações, sugestões ou conselhos por cortesia também é visto como um
contato negocial vinculativo, podendo gerar responsabilidade pré-contratual nos termos do § 311 II,
alíneas 2 ou 3, principalmente se o conselheiro é um especialista no assunto e o conselho tem
relevância financeira para o beneficiário.
Finalizando, conclui-se que o contato negocial estabelecido durante a fase de preparação do negócio
jurídico faz surgir entre as partes uma relação obrigacional especial, marcada pela presença
exclusiva de deveres de conduta decorrentes da boa-fé objetiva, princípio ético-jurídico que
transforma a situação negocial em uma vinculação especial. A violação destes deveres justifica a
imposição do dever de indenizar, com o que se deduz que o cerne da responsabilidade
pré-contratual consiste na violação, na fase negocial, de um dos deveres oriundos da boa-fé objetiva.
3. A natureza jurídica da responsabilidade pré-contratual
Afirmar que durante as negociações se forma uma relação obrigacional especial com os deveres
decorrentes da boa-fé objetiva, a denominada Sonderverbindung, conduz o jurista a outra
problemática: a da natureza jurídica da responsabilidade pré-contratual. Não se pode negar, nesta
linha de raciocínio, a natureza jurídica contratual da responsabilidade pré-contratual. 26 Isso se
explica em função do vínculo obrigacional surgido entre as partes neste momento e pelo fato da
situação negocial estar mais próxima do negócio jurídico do que daquelas situações de ausência de
contato, típicas dos direitos absolutos, nas quais há apenas o dever geral de não causar dano a
outrem (neminem laedere).
Esses casos são marcados pela generalidade, porque obrigam todas as pessoas, e pela ausência de
contato, pois o dever de não lesar não pressupõe uma relação jurídica anterior entre as "partes"
(titular e coletividade). Ao contrário, a relação jurídica só surge com do dano, quando também ocorre
a determinação do sujeito (devedor) sobre o qual vai recair o dever de ressarcimento. Antes, porém,
via de regra, não há qualquer relação jurídica. Outro traço essencial dessas situações é o conteúdo
negativo do dever do neminem laedere, o qual se cumpre por meio de uma abstenção e não requer
uma conduta positiva do destinatário, como os deveres de consideração, os quais exigem
essencialmente uma atividade da parte: agir com lealdade, colaborar, informar, esclarecer, proteger,
cuidar etc.
Os deveres decorrentes da boa-fé objetiva têm, portanto, conteúdo imanentemente positivo e se
caracterizam pela relatividade, isto é, por serem dirigidos a pessoas determinadas (parceiro
negocial). Isso significa dizer que eles pressupõem necessariamente uma relação jurídica entre as
partes, que surge independentemente de ter havido dano ou não. Este, aliás, não é pressuposto da
vinculação especial, como o é nas relações obrigacionais derivadas de ação ilícita. Na fase negocial,
decisivo para a formação do vínculo obrigacional é apenas o contato negocial e não o dano. Estas
características dos deveres de conduta colocam a situação negocial entre as situações de ausênciade contato (vida em sociedade) e de contato intenso (ex: negócio jurídico), transformando-a em uma
posição intermediária que, entretanto, mais se aproxima de uma situação de intensa normatividade,
daí a razão da carga de deveres surgidos neste momento.
A questão não é, contudo, pacífica. Reconhecendo o caráter peculiar das situações negociais,
autores de peso, como Canaris e Dieter Medicus, 27 defendem que a responsabilidade pré-contratual
configura, em essência, um terceiro gênero de responsabilidade civil, posicionado entre as
responsabilidades contratual e extracontratual. Por isso, essa responsabilidade mereceria ser tratada
de forma especial, isto é, ter um sistema próprio de regras. Esta posição - de todo lógica,
considerando as peculiaridades da situação pré-contratual - esbarra em um obstáculo prático: a
necessidade de se elaborar legislativamente um sistema de regras específico para esse tipo de
responsabilidade. Isso, em se admitindo sua natureza excepcional, o que não é pacífico. Enquanto a
idéia não é amadurecida pela ciência jurídica, os casos de responsabilidade pré-contratual são
disciplinados, na Alemanha, pelas regras da responsabilidade contratual.
A responsabilidade pré-contratual por ruptura
injustificada das negociações
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Essa é uma distinção significativa quanto ao tratamento do tema entre o sistema jurídico brasileiro e
alemão, pois aqui se atribui à responsabilidade pré-contratual uma natureza jurídica extracontratual,
sendo disciplinada consequentemente pelas regras da responsabilidade delitual. Em síntese
apertada, este pensamento vem embasado em dois argumentos.
O primeiro é que, durante a fase negocial, não há contrato, logo não se pode falar em
responsabilidade contratual. O segundo é que os deveres de conduta incidentes nesse momento
decorreriam do princípio geral do neminem laedere, 28 que impõe o dever genérico de não lesar
injustamente alguém, cuja violação dá ensejo ao nascimento da responsabilidade extracontratual.
Estes argumentos, a rigor, não se sustentam dogmaticamente.
Se é certo que na fase negocial não há um vínculo contratual entre as partes, também o é que existe
entre elas um vínculo obrigacional em razão do qual surgem os deveres de conduta que elas são
obrigadas a observar, sob pena de responsabilidade. Entretanto, determinante para a imposição da
responsabilidade contratual é a existência de vínculo obrigacional prévio, a impor deveres
obrigacionais aos envolvidos. Existindo, pois, entre as partes na fase de preparação do negócio um
vínculo obrigacional, formando, como visto, uma relação obrigacional especial marcada pela
presença exclusiva de deveres de consideração (obrigações), tem-se todos os pré-requisitos para se
atribuir natureza contratual à responsabilidade pré-contratual.
A segunda linha argumentativa esbarra no fato de que os deveres de consideração, sendo deveres
relativos a pessoas determinadas, de conteúdo genuinamente positivo (exceção: dever de sigilo),
não podem decorrer substancialmente de um princípio generalíssimo como o neminem laedere que,
sem obrigar ninguém especificamente, vincula a todos. Estes deveres encontram, ao contrário, sua
razão de ser na boa-fé objetiva, que traduz o mandamento da lealdade no comércio jurídico.
Deve-se, portanto, concordar com Ruy Rosado de Aguiar Jr., 29 Carlyle Popp 30 e Antonio Junqueira
de Azevedo 31 que, percebendo as peculiaridades da situação negocial, atribuem à responsabilidade
pré-contratual uma natureza jurídica contratual.
4. Requisitos da responsabilidade por ruptura injustificada das negociações
A responsabilidade pré-contratual é, como visto, uma figura ampla e compreensiva de qualquer dano
resultante de ofensa ao princípio da boa-fé objetiva durante a fase negocial, de preparação do
negócio jurídico. O momento da violação dos deveres de consideração é importante para fixar os
limites da responsabilidade in contrahendo, pois quando a infringência lesiva ocorre durante a
execução do contrato, tem-se a denominada violação positiva do contrato, enquanto que sua lesão
depois da extinção do negócio configura a denominada responsabilidade pós-contratual.
No que diz respeito à hipótese aqui analisada, de responsabilidade por rompimento injustificado das
negociações, enquadrada na hipótese do § 311 II 1 do BGB, sua configuração requer alguns
pressupostos específicos, além da violação dos deveres de consideração. Assim, a doutrina tem
elencado os seguintes requisitos específicos para a configuração da responsabilidade pré-contratual
aqui abordada: existência de negociações, certeza na celebração do contrato e rompimento
injustificado. Como toda responsabilidade contratual, pressupõe culpa e dano. Este tem algumas
peculiaridades no que diz respeito à responsabilidade por rompimento injustificado, razão pela qual
será analisado ao final.
4.1 Negociações preliminares
O primeiro pressuposto para a configuração da responsabilidade por rompimento injustificado das
negociações é que tenha havido entre as partes conversações relativas a um determinado negócio
jurídico que aquelas pretendiam - ainda que vagamente - celebrar. As negociações são parte do
processo de formação dos contratos, o qual se decompõe em duas fases: a negocial, caracterizada
pela discussão acerca do futuro negócio, a qual se estende até o momento da formulação da
proposta, aqui entendida em sentido estrito, nos termos do art. 427 do CC/2002, e a decisória,
formada pelas duas declarações de vontade vinculantes, proposta e aceitação, quando se tem então
o acordo e o contrato formado. 32
É, como dito, na fase negocial que surge toda a problemática da responsabilidade pré-contratual,
especialmente da hipótese aqui analisada. Em função disso, é importante distinguir com Francesco
Messineo que, embora freqüentemente utilizados como sinônimos, os termos formação e conclusão
A responsabilidade pré-contratual por ruptura
injustificada das negociações
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do contrato designam eventos distintos: o primeiro equivale à fase negocial e representa todo o
processo desenvolvido com vistas à formação do juízo de conveniência e oportunidade acerca do
negócio, enquanto o segundo se refere à fase decisória, ao evento final desse processo. 33
As negociações preliminares são a fase na qual os interessados debatem e discutem o conteúdo do
futuro contrato com a finalidade de formar o juízo de conveniência do negócio, ou seja, concluir se
vale a pena para ambos celebrar o contrato ou não, quando, então, põem fim às conversações. Aduz
o ilustre mestre italiano, acima citado, que as negociações constituem ainda um estágio imaturo, no
qual as partes discutem um eventual e futuro contrato, sendo movidas não por uma vontade de
contratar, mas por uma vontade de discutir. 34 Em que pese a assertiva da afirmação, ela não pode
conduzir ao entendimento de que as negociações não têm como finalidade última o eventual
fechamento do contrato, pois, como destaca Larenz, 35 a fase negocial se caracteriza
especificamente por ter como fim a eventual conclusão de determinado negócio jurídico, sendo,
portanto, um processo teleológico, ou seja, um processo direcionado para uma determinada
finalidade.
Por isso, não se pode ter dúvidas de que, quando duas pessoas entram em negociações, fazem-no
de modo voluntário e com a plena consciência de estar em jogo, de fato, um processo capaz de
desaguar em um contrato, como atentamente coloca António Menezes Cordeiro. 36 Exatamente por
pressuporem as negociações o fim eventual da celebração do contrato é que se condena aquele
que, desde o início, não considera esta possibilidade e, não obstante, envolve o parceiro em
conversações inúteis, processo inevitavelmente dispendioso, 37 havendo aqui manifesta violação do
dever de lealdade.
A entrada em negociações se dá com o contato mantido entre as partes destinado à eventual
conclusão de um determinado contrato, sendo para tanto suficiente qualquer exteriorização do
pensamento, indiferente se resulta oral, por escrito, por meio eletrônico ou através de
comportamentoconcludente. 38 Necessário, porém, que haja um consentimento, como observa
Larenz, pois a entrada em negociações contratuais só começa quando o outro consente,
demonstrando que ele se interessa pela oferta ou pelo convite a negociar e quer melhor se informar
sobre o assunto. 39 As negociações podem ser verbais ou escritas, tendo estas a vantagem de
facilitarem não apenas a prova da existência das negociações, como também da confiança legítima
na celebração, um dos requisitos essenciais para a responsabilização.
Atualmente, é comum as partes, especialmente diante de contratos complexos ou de significativo
valor econômico, realizarem na fase negocial atos de diversas natureza jurídica, os quais podem ter
natureza negocial ou não. Os primeiros constituem verdadeiros negócios jurídicos na fase
pré-contratual como, por exemplo, o contrato preliminar, por via do qual as partes se comprometem a
celebrar posteriormente outro contrato (contrato principal), como ensina Caio Mário da Silva Pereira.
40 Os segundos são todos os instrumentos destinados a documentar as negociações como as
minutas e as cartas de intenção, 41 denominados genericamente de punctações. Dentre estes atos,
apenas os últimos têm relevância em tema de culpa in contrahendo, na medida em que a violação de
negócios jurídicos celebrados na fase negocial configura necessariamente responsabilidade
contratual e não responsabilidade pré-contratual.
Os instrumentos utilizados pelas partes para documentar as negociações e fixar os pontos já
acordados ganham relevância na medida em que contribuem para a formação da confiança legítima
na celebração. Estes acordos produzem como conseqüência primeira a prova da existência das
negociações e, além disso, são aptos a comprovar que a confiança surgida na contraparte acerca da
celebração do contrato foi legítima, justificada, pois amparada em dados objetivos, de forma que
qualquer pessoa naquela situação também confiaria que o negócio seria celebrado. Isso ocorre
porque esses acordos criam nas partes uma idéia de estabilidade, a qual contribui para que elas
tenham uma maior confiança que o resultado das negociações será positivo, como coloca Regis
Fichtner Pereira. 42
Embora dirigida à eventual conclusão do negócio, as negociações não implicam necessária
celebração do contrato, ainda quando finalizadas com êxito, pois, como esclarece Messineo, 43
mesmo seu resultado positivo não passa de um desenho ou projeto de contrato, carecendo de
acordo para se transformar em negócio jurídico perfeito e acabado. A grande questão que se coloca
é se das negociações pode surgir um dever de concluir o contrato, especialmente quando uma parte
dá para a outra, expressamente ou por meio de comportamento concludente, como certa a
A responsabilidade pré-contratual por ruptura
injustificada das negociações
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conclusão. Sobre este assunto reina grande divergência entre os autores, advogando alguns, em
determinadas circunstâncias, a obrigatoriedade da contratação. No Brasil, Popp defende que
surgindo entre as partes a confiança legítima que o contrato será celebrado, estágio no qual as
negociações já se encontram em fase avançada, em havendo rompimento, nasce para a contraparte
o direito à celebração do contrato, o qual já integraria a esfera jurídica do lesado. 44
Esse entendimento não reflete o pensamento majoritário, nem no Brasil, nem na Alemanha, onde
doutrina e jurisprudência 45 se posicionam contra uma obrigação de contrair. Parece claro que a
tutela da boa-fé objetiva e da confiança não pode conduzir a uma obrigação de celebrar o contrato,
pois isso constituiria, em última análise, uma anulação da própria liberdade contratual, que assegura
aos envolvidos o direito de só se vincularem de acordo com sua livre vontade, ressalvadas eventuais
hipóteses de imposição legal. Parecer ser mais apropriado concluir com C. Massimo Bianca que,
"muito pelo contrário, a presença de tal obrigação exclui a responsabilidade pré-contratual". 46
Aceitar o contrário seria admitir a impossibilidade de ruptura das negociações, o que contraria não
somente o princípio da liberdade contratual, mas também o próprio sentido das negociações -
formação do juízo de conveniência acerca do contrato - as quais não são aptas a gerar nenhum
dever de prestação, na medida em que o negócio jurídico só efetivamente se concretiza com o
acordo de vontade das partes. As negociações produzem apenas deveres de consideração para os
envolvidos, os quais são estruturalmente distintos do dever de prestação.
Deve-se ponderar também que uma obrigatoriedade de contratação conduziria a grave entrave no
comércio, pois as partes se sentiriam inseguras e temerosas de iniciar negociações, posto que, em
decorrência de eventual comportamento culposo, seriam obrigadas, mesmo contra a própria
vontade, a celebrar um contrato inconveniente ou indesejado. Mais razoável é, de fato, a imposição
de responsabilidade por danos decorrentes da ruptura.
4.2 A certeza na celebração do contrato
A maioria dos autores que admite a responsabilidade pré-contratual exige como elemento essencial
à sua configuração a confiança na conclusão do contrato, a qual constitui um dos bens jurídicos
protegidos nas negociações por meio da boa-fé objetiva, daí ter Francesco Benatti equacionado a
problemática com seguinte fórmula: responsabilidade pré-contratual = relação de confiança. Isso
porque a confiança encontra-se "implícita no próprio conceito de boa fé objectiva reconhecida
expressamente como norma dirigida à tutela da confiança de um sujeito na lealdade, na probidade,
na correcção de outro, com quem o primeiro entrou em relações negociais". 47
De início, deve-se, contudo, afastar qualquer interpretação subjetiva a respeito do significado do
termo confiança, pois quando se fala em confiança na celebração não se está referindo a um estado
psicológico de crença ou convicção de que o negócio será fechado, mas a uma situação que deve
ser objetivamente apurável. Por isso se diz que a confiança deve estar embasada em dados
concretos e objetivos, suscetíveis de comprovação, para que seja protegida em sede de
responsabilidade pré-contratual.
Fichtner Pereira endossa a idéia ao afirmar que "não se trata, portanto, de se verificar se o
contraente subjetivamente confiou na celebração do contrato, mas sim de verificar se ele tinha fortes
razões objetivas para confiar que o negócio jurídico que vinha sendo projetado iria se estabelecer". 48
Isso significa que na apuração desse elemento da responsabilidade, o juiz não deve perquirir se a
parte envolvida na negociação confiou intimamente que o contrato seria celebrado, mas sim se
qualquer homem médio, prudente e cauteloso, posto em idêntica situação, também daria como certa
a celebração, porque essa certeza ou foi dada expressamente pela contraparte ou resulta de
comportamento concludente ou exsurge da situação de negociação em si.
Se a análise das circunstâncias permitir concluir que um homem reto e honesto também daria como
certa a conclusão do contrato, tem-se aqui a inequívoca presença da confiança ou, no dizer de
Menezes Cordeiro, de uma situação de confiança. 49 A confiança ou - como enfaticamente têm
utilizado doutrina e jurisprudência alemãs mais recentes - a certeza na conclusão do contrato
depende da situação de negociação, ou seja, dos elementos objetivamente apuráveis como a
conduta e a qualidade dos partícipes, a duração, a complexidade e o andamento das conversações,
assim como a natureza, o objeto e os valores do negócio a ser celebrado. O ponto central do
problema é identificar o momento em que surge ou pode surgir uma situação de confiança apta a
gerar na contraparte a certeza na celebração do contrato, o que só pode ser apurado caso a caso
A responsabilidade pré-contratual por ruptura
injustificada das negociações
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pelo intérprete. Doutrina e jurisprudência alemãs têm fornecido alguns parâmetros utilizáveis na
verificação da legitimidade da confiança despertada na contraparte.
Inicialmente, deve-se considerar aqualidade das partes, ou seja, suas condições pessoais,
terminologia a ser entendida no mais amplo sentido, englobando aspectos pessoais, sociais, técnicos
e econômicos, pois, como alerta Mário Júlio de Almeida Costa, "haverá diferença se as negociações
decorrem entre simples particulares ou se nelas intervêm profissionais do respectivo ramo de
actividade económica". 50 Como regra geral pode-se dizer que havendo entre os partícipes um
desnível concreto, de forma que um esteja em posição de superioridade em relação ao outro, é
compreensível que para aquele em posição inferior a confiança na celebração do contrato surja mais
cedo do que para alguém acostumado a negociar ou que esteja atuando em sua área profissional,
principalmente se fatores outros colaboram para isso, como, por exemplo, a existência de acordo
sobre alguns pontos do futuro contrato. Havendo um desnível estrutural entre as partes é
compreensível que para a hipossuficiente a confiança na celebração do contrato apresente-se mais
cedo do que para aquele em melhor posição, o que encontra limite na imprudência. Distinta situação
se passa entre negociadores experientes, em igualdade de condições, pois estes sabem - ou devem
saber - que mesmo após entendimentos sobre importantes pontos do contrato planejado as
negociações ainda podem fracassar. Para esses se impõem critérios mais rigorosos para a
comprovação da confiança legítima na celebração.
Freqüentemente se afirma que a duração das negociações é parâmetro identificador do nascimento
da confiança, na medida em que esta aumenta proporcionalmente ao prolongamento no tempo das
negociações. Esta assertiva deve ser aceita com reservas, pois nem sempre o tempo gasto na fase
negocial contribuirá legitimamente para a formação da certeza do fechamento do contrato, como
corretamente alerta o Jürgen Basedow, 51 pois transcorrido, sem resposta, tempo razoável para uma
decisão, não pode a parte mais confiar legitimamente na conclusão do contrato. Isso faz o maior
sentido, porque se o tempo fosse efetivamente um fator decisivo para o surgimento da confiança,
esta seria ínsita e, de certo modo, presumida nas longas negociações, o que certamente não
procede. Por isso, os tribunais alemães têm reiteradamente afirmado que mesmo após longas
negociações as partes permanecem livres para encerrá-las se uma não despertou na outra a certeza
de que o contrato seria concluído, mesmo sem apresentar qualquer motivo para o rompimento.
Ao invés de se referir à duração das negociações, melhor seria assinalar que o progresso das
conversações contribui para a formação da confiança na celebração, pois à medida que as partes
vão acordando sobre os pontos do futuro contrato, mais forte se torna para elas a certeza de que as
negociações serão encerradas com sucesso. 52 O critério para se constatar o progresso das
negociações vem sendo auferido com base no acordo acerca dos pontos essenciais do contrato
planejado. A responsabilidade pré-contratual não pressupõe um entendimento sobre todos os pontos
do futuro contrato, mas tão-somente sobre os pontos essenciais, como enfatiza novamente
Basedow. 53
Essa orientação vem sendo confirmada por diversas decisões do Bundesgerichtshof (BGH), que tem
recusado pedidos de indenização por responsabilidade pré-contratual sob o fundamento de que não
tendo as partes acordado sobre pontos essenciais do contrato, não pode uma delas confiar
legitimamente na celebração do contrato. Exemplo recente tem-se em decisão prolatada em
07.12.2000, na qual o Tribunal negou ressarcimento de despesas realizadas durante as negociações
sob o argumento de que "os réus não deram à autora nenhum motivo para a confiança legítima de
que o contrato seria com certeza celebrado. Em nenhum momento foi obtido entre as partes tão
considerável consenso que a autora pudesse ter confiando na conclusão certa do contrato". 54
Esse entendimento tem encontrado eco na jurisprudência brasileira, como demonstra uma decisão
do TJRS, o qual - deve-se frisar - tem assumido uma posição vanguardista tanto em relação ao
tratamento da responsabilidade pré-contratual, como à compreensão do princípio da boa-fé objetiva
e seus desdobramentos no direito das obrigações. O caso versava sobre negociações entabuladas
para a compra e venda de um imóvel, de propriedade dos réus, que seria destinado à construção de
um edifício pela autora. Segundo o projeto, o acesso à garagem precisava ser viabilizado através de
terreno vizinho, fazendo com que a obtenção de servidão de passagem fosse ponto essencial do
contrato de compra e venda. Os condôminos do prédio vizinho não concordaram com a intenção da
autora e negaram tal servidão, fato que levou os réus a encerrar as negociações. A autora,
inconformada, moveu ação de indenização pedindo a restituição dos gastos realizados com a
elaboração do projeto e danos morais, os quais foram denegados em primeira e segunda instância.
A responsabilidade pré-contratual por ruptura
injustificada das negociações
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A decisão tem o seguinte acórdão:
"Apelação cível. Responsabilidade civil pré-contratual. Fundamento no princípio da boa-fé objetiva e
seus deveres anexos. Justa causa para a frustração negocial verificada. Inexistência do dever de
indenizar.
O contato entre as partes que pretendem realizar um negócio jurídico deve pautar-se em regras de
lealdade e confiança, assumindo primazia o princípio da boa-fé objetiva. Nesse passo, o vínculo de
confiança estabelecido entre o declarante e o destinatário da oferta pode configurar-se como fonte
de responsabilidade pré-contratual, ainda que não venha a ser perfectibilizado o negócio
futuramente, quando não observados os deveres anexos que decorrem da boa-fé objetiva.
No caso dos autos, as circunstâncias fáticas indicam que a impossibilidade de aperfeiçoamento do
contrato entre as partes ocorreu porquanto não foi possível se estabelecer um consenso acerca de
questão relevante do negócio, qual seja, a existência de uma servidão de passagem no imóvel
vizinho. Não se estabelecendo o acordo de vontades, não pode a frustração negocial ser atribuída
aos demandantes, os quais não deram causa à quebra das expectativas da autora com o negócio.
Ademais, o que se percebe é que a pressa da apelante para dar início às obras, por razões
particulares, constituiu o principal motivo dos prejuízos materiais que teve com o precoce andamento
do projeto." 55
A confiança legítima na celebração do negócio, a legitimar a responsabilização daquele que rompe
deslealmente as negociações, precisa ser apurada de acordo com as circunstâncias do caso
concreto, considerando-se, dentre outros fatores, a qualidade das partes, a real relação de força
entre elas e o estágio das negociações, sempre interpretando a situação concreta à luz dos padrões
éticos exigidos pela boa-fé objetiva. Isso significa: de acordo com aquilo que se pode esperar de
parceiros honestos, retos e que agem pensando e considerando os interesses do outro, ainda
quando isso implique certo sacrifício de seus interesses particulares.
4.3 Ruptura injustificada: violação da boa-fé objetiva
Questão que suscita divergências é a exigência de ruptura injustificada para a configuração da
responsabilidade pré-contratual. Ruptura injustificada é aquela "ilegítima, arbitrária, intempestiva,
sem justa causa, como um comportamento desleal", nas palavras de Almeida Costa. 56 Cabe
inicialmente reafirmar que, em princípio, as partes são livres para abandonar as negociações e não
precisam para tanto apresentar qualquer motivo, que, muitas vezes, nem será conveniente revelar,
seja para preservação de interesse próprio ou alheio. Pense-se, por exemplo, na hipótese em que
alguém inicia e, em seguida, rompe as negociações por se encontrar em dificuldades financeiras
impeditivas da assunção de obrigações ou ainda a situação na qual a parte rompe as negociações
por descobrir aspectos pessoais da contraparte, os quais abalaram a confiança nela depositada e
que, se revelados, podem lesar seus bens, direitos ou interesses. Seria extremamenteconstrangedor
e prejudicial se a parte fosse obrigada, pelo simples fato de ter entrado em negociações, a divulgar
tal situação. Por outro lado, a contraparte também precisa ser protegida no seu interesse em não ser
envolvida em negociações inúteis e dispendiosas.
O equilíbrio desse conflito de interesses é encontrado na regra segundo a qual as partes são, em
princípio, livres para romper as negociações sem apresentar qualquer motivo até o momento em que
entre elas surge a certeza na celebração do contrato. Daí em diante, quem pretende romper as
negociações deve apresentar para a outra um motivo justificável, pois esta é a conduta leal e
honesta exigida pelo mandamento da lealdade e esperada no comércio jurídico. A exigência de
motivo legítimo para o abandono das negociações não é aceito unanimemente pela doutrina,
havendo autores que sustentam sua irrelevância. 57 Entretanto, esse entendimento não prospera,
porque, como bem põe em relevo Fichtner Pereira, é a existência de um justo motivo que torna a
ruptura legítima e "livra a parte que encerrou as negociações de qualquer possibilidade de ser
responsabilizada por prejuízos em que a parte contrária possa ter incorrido". 58
Questão que causa controvérsia é o que vem a ser motivo justo, apto a eximir o agente do dever de
indenizar. Motivo justo é conceito jurídico indeterminado, ou seja, um conceito cujo conteúdo e
extensão são incertos, como define Karl Engisch 59 ou, no dizer de Rosa Nery e Nelson Nery Junior,
"são palavras ou expressões indicadas na lei, de conteúdo e extensão altamente vagos, imprecisos e
genéricos", 60 as quais devem ser preenchidas de acordo com o caso concreto pelo juiz. Em sede de
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injustificada das negociações
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responsabilidade pré-contratual, entende-se como motivo justo aquele em harmonia com a boa-fé
objetiva e, em tese, apto a justificar o abandono das negociações, ainda quando a certeza de que o
contrato seria concluído surgiu para uma das partes que, em função disso, realizou despesas
buscando a concretização do negócio.
A legitimidade do motivo alegado não deve ser buscada em uma valoração subjetiva e particular que
o próprio agente faz da razão para encerrar as negociações, vale dizer, não se deve examinar se
para o agente os motivos para o rompimento se apresentavam como legítimos e justos, em uma
interpretação subjetiva de sua ação. Na valoração da legitimidade dos motivos apresentados para o
abandono das negociações não há espaço para investigações subjetivas, impondo-se, ao contrário,
uma apreciação objetiva das razões alegadas. Ou seja, deve-se verificar se estas razões são
objetivamente aptas a justificar o rompimento naquela situação. "O problema da legitimidade da
ruptura não se reconduz, com efeito, à indagação sobre se o seu motivo determinante é ou não
justificado do ponto de vista da parte que a efectuou, mas, antes, importa averiguar se,
independentemente dessa valoração pessoal, ele pode assumir uma relevância objectiva e de per si
prevalente sobre a parte contrária", ensina Almeida Costa. 61
Portanto, sem razão J. Carvalho Santos, quando prega a desnecessidade de apresentação de um
motivo justo para o abandono das tratativas sob o argumento de que "o que a uma das partes parece
arbitrário pode à outra parecer legítimo". 62 Este raciocínio parte de uma ótica interna e exclusiva do
agente que pôs fim às conversações, o que não interessa para determinar sua eventual
responsabilidade. O importante é, ao contrário, averiguar se esses motivos, independentemente da
avaliação pessoal do agente, são objetivamente aptos a afastar a responsabilidade pré-contratual
daquele que abandona as negociações após dar como certa a celebração do negócio planejado. Isso
será apurado caso a caso observando conjuntamente dois critérios básicos: primeiro, o motivo em si
alegado e, segundo, a adequação do comportamento do autor da ruptura aos padrões de lealdade e
honestidade exigidos pela boa-fé objetiva.
As opiniões divergem em relação ao que vem a ser motivo justo. No Brasil, Popp sustenta que
surgindo a confiança legítima na celebração do contrato, o rompimento já se presume ilegítimo,
acabando, em última análise, a desconsiderar o motivo alegado em função da existência de uma
situação de confiança. 63 Na Alemanha, Peter Gottwald também adota uma posição extremada. Para
o autor, apenas uma alteração na base do negócio seria motivo suficiente para legitimar o abandono
das tratativas. 64 As duas opiniões pecam pelo exagero. A teoria da responsabilidade pré-contratual,
por lidar essencialmente com a proporcionalidade entre os princípios da boa-fé objetiva e da
liberdade contratual, precisa encontrar um ponto de equilíbrio na conciliação dos interesses. Neste
sentido se direciona doutrina e jurisprudência, sobretudo na Alemanha, onde se realiza uma análise
conjunta do motivo alegado e do comportamento da parte em relação a esse motivo.
Algumas situações têm sido elencadas como aptas, em tese, a constituir justo motivo para a
interrupção das negociações, as quais têm caráter apenas ilustrativo, pois o motivo justo só é
encontrado no caso concreto. Tem-se inicialmente como exemplo a ausência de acordo acerca de
pontos do futuro contrato, o que é, sem maiores dificuldades, compreendida como causa
legítimadora para o abandono das negociações, digam estes pontos respeito a elementos essenciais
ou secundários do contrato planejado, sobre os quais as partes manifestaram a intenção de
livremente decidir.
Do mesmo modo é a modificação superveniente das circunstâncias das negociações, ou seja, a
alteração da base negocial, de modo a tornar a continuação das conversações um excessivo ônus
para uma ou para ambas as partes. Essas alterações podem se referir, por exemplo, a questões de
natureza jurídica, técnica ou econômica, sobre pontos já fixados ou ainda não acordados, em função
das quais a parte acaba concluindo pela inconveniência do negócio.
Outra causa legítima para o abandono das conversações foi dada pelo Tribunal da cidade de
Rostock, na Alemanha, que declarou, em caso julgado em 2002, consistir a suspeita de corrupção
um motivo legítimo para o rompimento das negociações, afastando a responsabilidade pré-contratual
por despesas realizadas durante as tratativas daquele que abandona as conversações em razão de
suspeita de práticas ilegais pela contraparte. 65
Outra causa legítima para o abandono das negociações é o recebimento de melhor proposta por
terceiro. O dever de lealdade, decorrente da boa-fé objetiva, não impede que negociações paralelas
sejam travadas acerca de um mesmo objeto desde que à contraparte seja dado conhecimento deste
A responsabilidade pré-contratual por ruptura
injustificada das negociações
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fato. Nestas situações, as partes devem agir com máxima cautela, informando reciprocamente
acerca de sua real disposição de concluir o contrato a fim de evitar que o parceiro crie falsas
expectativas sobre a situação e, com isso, realize despesas com vistas à celebração do negócio
jurídico que, de outra forma, não faria, o que legitimaria o dever de indenizar.
Se entre as partes já foi acordada a celebração do contrato e uma delas recebe proposta mais
vantajosa, deve, como entende Almeida Costa, 66 comunicar tal fato imediatamente à contraparte
para que esta decida se aceita contratar nas condições apresentadas pelo concorrente ou não. Em
não aceitando, configura-se como legítimo o abandono das negociações, exceto se entre as partes
existia pacto de exclusividade. Nesta hipótese, percebe-se claramente a importância de se analisar
não apenas o motivo em si alegado (melhor proposta), mas também a conduta do agente sob a ótica
do princípio da boa-fé objetiva, pois se a parte não informa a outra acerca da negociação paralela
com terceiro ou não expõe com clareza suas reais possibilidades de concluir o contrato, permitindo
que se crie ou se fortaleça na outra a confiança na celebração, não poderá posteriormente, para
eximir-se de responsabilidade,alegar como justo motivo o recebimento de oferta negocial mais
vantajosa, embora isso configure, em tese, motivo justo para o abandono das negociações.
Isso se justifica na medida em que, no caso, há violação do dever de informação, em função do qual
a parte precisa comunicar à outra que negocia paralelamente com terceiro e também do dever de
agir com lealdade e honestidade para não despertar - ou evitar que se desperte - na contraparte a
certeza acerca do fechamento do negócio, em razão da qual esta realizou gastos ou, eventualmente,
deixou de concluir o mesmo contrato com outro parceiro comercial. O motivo apresentado, nesta
situação, não pode ser interpretado isoladamente, o que conduziria à justificação do rompimento,
mas deve ser analisado conjuntamente com a conduta assumida pelo agente, pois motivo legítimo é,
sobretudo, aquele em harmonia com a boa-fé objetiva.
A violação dos deveres de consideração decorrentes da boa-fé objetiva por uma das partes também
é motivo legítimo para o rompimento das negociações, pois aqui há, via de regra, a quebra da
necessária confiança que deve existir entre os potenciais futuros parceiros contratuais. Todos os
motivos elencados acima são, como dito, exemplos e não devem ser compreendidos
exaustivamente. Na realidade, qualquer motivo apresentado para justificar o abandono das
negociações não pode ser analisado isoladamente pelo juiz com o objetivo de verificar sua aptidão
para eximir o autor de responsabilização pelos danos provocados à contraparte. É fundamental ainda
confrontar o comportamento do agente com os padrões exigidos pela boa-fé objetiva, pois, como diz
Almeida Costa, "o critério será sempre o de a ruptura, de harmonia com as circunstâncias do caso
concreto, não se revelar intoleravelmente onfensiva do sentido ético-jurídico". 67
Deve-se observar que a parte deve comunicar imediatamente à contraparte o fato apto a legitimar o
rompimento das negociações para evitar que esta, confiando legitimamente na celebração, continue
trabalhando para isso e realizando gastos desnecessários. Isso é um imperativo do dever de
informar, decorrente da boa-fé objetiva e incidente durante todo o processo negocial. Se do atraso
derivar prejuízo para a contraparte, aquele que abandona as negociações pode responde
pré-contratualmente. 68 Johannes Wertenbruch enquadra acertadamente esses casos como omissão
de informação e, portanto, uma violação negativa do dever de informação, aqui mesclado com o de
lealdade. 69 Pode-se, então, concluir pela importância da parte de adequar seu comportamento aos
padrões impostos pelo mandamento da boa-fé objetiva, pois não se sujeita a responsabilidade quem
age com lealdade frente ao parceiro em relação ao justo motivo surgido para o rompimento das
negociações.
4.4 Dano
A responsabilidade pré-contratual pressupõe dano, assim como toda responsabilidade civil. A
questão que se coloca em termos de responsabilidade pré-contratual gira em torno de definir quais
os danos efetivamente ressarcíveis e se existem limites para este ressarcimento. Tradicionalmente
se diz que em sede de responsabilidade pré-contratual por ruptura injustificada das negociações é
cabível apenas a indenização do interesse negativo, vale dizer, do interesse da parte em não ser
envolvida em negociações inúteis e desleais, sem abranger o interesse positivo, equivalente às
vantagens auferidas pela parte com a conclusão e execução do negócio jurídico.
Remonta a Jhering a distinção entre interesse positivo e negativo, a qual vem sendo já há algum
tempo objeto de críticas e reanálises, como informa a professora Maria Paz Garcia Rubio, preferindo
a doutrina alemã recente falar em dano da confiança, equivalente à terminologia Vertrauensschaden.
A responsabilidade pré-contratual por ruptura
injustificada das negociações
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70 Este conceito, bem mais amplo e compreensivo, traduz a idéia de ressarcimento dos danos
sofridos por quem legitimamente confiou no comportamento da contraparte. Dano da confiança "é
aquele que o lesado evitaria se não tivesse confiado, sem culpa, que, durante as negociações, a
contraparte cumpriria com os deveres inerentes aos imperativos da boa-fé". 71
A ressarcibilidade apenas do interesse negativo é ponto controvertido em sede de responsabilidade
in contrahendo, sustentando alguns autores a possibilidade de ressarcimento também do interesse
positivo se o lesado comprovar que o contrato teria sido celebrado não fosse a violação do dever de
consideração pela contraparte. Essa idéia é defendida por Manfred Wolf, para quem se deve, em
princípio, indenizar apenas o interesse negativo, denominado pelo autor de interesse de confiança
(Vertrauensinteresse), ou seja, os gastos que o lesado não teria efetuado se não tivesse confiado na
celebração do contrato. Mas, em casos individuais, pode o ressarcimento compreender também o
interesse no cumprimento (Erfüllungsinteresse), pois a finalidade da indenização é colocar o lesado
na posição que ele se encontraria sem a violação do dever decorrente da boa-fé objetiva. 72 Este
entendimento é minoritário na Alemanha. Larenz defende o ressarcimento apenas do dano da
confiança, isto é, da lesão que a parte não teria sofrido se não tivesse sido vítima do procedimento
desleal da contraparte. 73
A jurisprudência alemã se inclina para a indenizabilidade do interesse negativo, como esclarece
Basedow: "o direito de indenização por culpa in contrahendo decorrente de rompimento das
negociações contratuais compreende, em princípio, apenas o interesse negativo, não, ao contrário, o
interesse positivo, porque o último resulta em obrigação de contrair por culpa in contrahendo". 74
Almeida Costa também abraça essa concepção, afirmando que a admissão da indenização do
interesse positivo poria em risco a própria existência da responsabilidade pré-contratual na medida
em que o ressarcimento não se fundamentaria no fato da ruptura injustificada das negociações, mas
na violação de um dever de celebração do contrato. 75
No Brasil, Fichtner Pereira também critica o ressarcimento do interesse positivo, alegando que isso
extrapolaria em muito a finalidade da própria responsabilidade pré-contratual, que é conceder uma
compensação adequada ao prejudicado pela frustração da realização de um negócio, compensação
que não guarda relação com o resultado que a parte obteria caso o contrato fosse celebrado. 76 Para
Messineo, o direito italiano também adota o princípio do ressarcimento do dano negativo, o qual
constitui não uma compensação pela não conclusão do contrato ou por aquilo que poderia resultar
do negócio, mas algo menos intenso, razão pela qual o montante do ressarcimento não pode superar
o interesse positivo, 77 sendo seguido por Massimo Bianca. 78
Como danos decorrentes da confiança incluem-se tanto o dano patrimonial (material), como o moral
(imaterial), visão compartilhada por diversos autores, dentre os quais Larenz, 79 Ruben e Gabriel
Stiglitz, 80 Almeida Costa, 81 Popp 82 e Fichtner Pereira. 83 Maristela Basso observa que nos casos de
ruptura injustificada das negociações o dano é essencialmente material, mas ressalva que "podem
ocorrer também aspectos psicológicos, ainda que, nesse caso, os danos sejam de difícil aferição. 84
Dano é todo prejuízo a bens juridicamente reconhecidos, na lição sempre precisa de Larenz. É,
portanto, qualquer lesão a bem ou interesse jurídico do sujeito, seja de natureza material ou
imaterial. Vale à pena recordar que o dano patrimonial tem caráter indenizatório, porque objetiva
retornar a parte lesada pela ruptura ao status quo ante, reforçando a necessidade de comprovação
dos prejuízos efetivamente sofridos, ao passo que o dano extra-patrimonial tem caráter retributivo,
representando uma compensação pela dor moral sofrida.
No sistema jurídico brasileiro, a reparabilidade do dano moral encontra fundamento constitucional,
nos termos do art. 5.º, X, da CF/1988, e infra-constitucional, no art. 12 do CC/2002, o qual consagra
na lei civil a proteção dos direitos da personalidade. No quetoca à reparação do dano moral em
decorrência de ruptura injustificada das negociações, deve-se observar que embora em tese
plenamente reconhecida, é, na prática, de difícil caracterização, posto que meras frustrações ou
aborrecimentos pelo fracasso das tratativas fazem parte do risco que o contratante assume ao iniciar
um processo negocial, não devendo, portanto, configurar a dor moral ressarcível.
Por isso, coloca Popp que "não basta a mera ocorrência de aborrecimentos e preocupações
decorrentes do ilícito praticado. É indispensável que isto fuja ao âmbito comum, ou seja, que haja um
dano efetivo (...) No âmbito das negociações preliminares inúmeras situações podem gerar dano
extrapatrimonial, inclusive difamações ou calúnias impostas por uma parte à outra como decorrência
de desentendimentos entre elas ocorrido". 85 Necessário se revela que a ofensa moral seja
A responsabilidade pré-contratual por ruptura
injustificada das negociações
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significativa, vindo a atingir direitos da integridade moral do indivíduo, como a honra, imagem ou
nome, os quais compõem os direitos da personalidade. Cabe à parte demonstrar exatamente em que
consiste o dano moral, sua gravidade e a relação de causa e efeito com o fato do rompimento
ilegítimo das negociações para que possa ser ressarcida da dor sofrida.
O dano patrimonial, por seu turno, compõe-se tanto do dano emergente, como do lucro cessante,
regra que no sistema jurídico brasileiro vem consagrada no art. 402 do CC/2002. Dano emergente é
a efetiva perda patrimonial sofrida pelo lesado, enquanto lucro cessante é o que se deixou de ganhar
em decorrência do evento danoso ou, na lição sempre atual de Álvaro Villaça Azevedo, "é vantagem
patrimonial, que não chega a ingressar no patrimônio do que sofreu a lesão". 86
Em sede de responsabilidade por ruptura das conversações, o dano emergente constitui aquilo que a
parte gastou na preparação do contrato, enquanto que o lucro cessante é geralmente entendido
como a perda concreta de oportunidade negocial em função do envolvimento nas conversações.
Existem doutrinadores que defendem a exclusão dos lucros cessantes da indenização decorrente da
ruptura injustificada das tratativas por não verem uma relação de causalidade direta entre os lucros
cessantes e o abandono das negociações.
A corrente majoritária se posiciona a favor do ressarcimento do lucro cessante. Em termos de direito
brasileiro, isso se justifica não apenas por estar de acordo com o sistema de responsabilidade civil
consagrado no art. 927 do CC/2002, mas, principalmente, porque conforme a boa-fé objetiva. Aquele
que não abandona as negociações mesmo quando recebe uma proposta melhor - embora pudesse
legitimamente fazê-lo - assim procede por confiar que a contraparte se portará, como esperado, com
lealdade e retidão, como exigido pelo mandamento da boa-fé objetiva. Não pode, portanto, ficar no
prejuízo em função da conduta desleal da contraparte que rompe, sem motivo justo, as
conversações. Negar este raciocínio equivaleria a penalizar a parte que recebeu melhor proposta por
ter confiado que o parceiro negocial se comportaria com hombridade e retidão, apresentando pelo
menos um motivo justificável para desistir de celebrar o contrato dado já como certo. 87
A doutrina majoritária brasileira posiciona-se a favor do ressarcimento do lucro cessante, traduzido
na perda da oportunidade de contratar com terceiro, mas reflexos da teoria contrária foram sentidos
nas primeiras decisões jurisprudenciais, como atesta uma decisão do STF, datada de 22.12.1959. 88
Na Itália, Massimo Bianca também defende a ressarcibilidade do lucro cessante. Para ele, o lesado
tem direito ao ressarcimento tanto das despesas inutilmente gastas durante as tratativas, quanto
daquelas decorrentes da perda de uma favorável ocasião contratual, 89 sendo seguido pelos Stiglitz.
90
O lucro cessante deve, para ser indenizado, fundar-se na perda concreta de um negócio e não em
simples conjecturas, segundo Almeida Costa. 91 Para Garcia Rubio, o lucro cessante indenizável
"concretiza-se substancialmente na perda de outras oportunidades de contratar com um terceiro,
assim como as vantagens que delas derivariam, o que requer demonstrar a existência efetiva, e não
sustentada por meras conjecturas, dessas outras oportunidades negociais, prova sempre dificultosa".
92 A opinião majoritária condena a indenização de uma probalidade razoável de realização de um
negócio, defendida por Basso, 93 com apoio no direito francês, de acordo com o qual essa
probabilidade razoável é indenizável como a perte d'una chance.
O direito alemão não inclui a provável perda de uma chance dentro dos lucros cessantes, dos quais
fazem parte apenas os prejuízos decorrentes de uma perda negocial concreta, devidamente
comprovada. Restando comprovado que a parte efetivamente deixou de contratar com terceiro
acerca do mesmo objeto por ter a contraparte assegurado a conclusão do contrato, merece aquela
ser indenizada pelo prejuízo sofrido em decorrência do comportamento desleal desta que, inobstante
a garantia dada, abandonou sem justo motivo as negociações, violando dever de agir com lealdade e
consideração pelos interesses do parceiro.
Quanto aos danos emergentes, necessário é identificar as despesas realmente indenizáveis. Isso
envolve a polêmica questão sobre se ressarcíveis são todas as despesas realizadas desde o início
das negociações ou somente aquelas efetuadas a partir do momento em que a celebração é dada
como certa entre as partes, seja expressamente ou pelas circunstâncias. Doutrina e jurisprudência
alemãs têm defendido que nem todas as despesas realizadas durante as negociações são
indenizáveis, mas somente aquelas efetuadas depois do momento em que a parte pode
legitimamente confiar na conclusão do contrato.
A responsabilidade pré-contratual por ruptura
injustificada das negociações
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"O dever de indenização surge apenas quando uma parte interrompe as negociações sem motivo
justo, depois de ter despertado, de modo a si atribuível, na contraparte, a confiança na realização do
contrato (...); ela se limita aos gastos realizados depois do surgimento do fato de confiança", diz
Helmut Heinrichs. 94
Esse entendimento vem respaldado por diversas decisões do BGH, dentre as quais uma de
22.02.1989, na qual reformou parcialmente decisão do Tribunal de Justiça de Munique,
determinando a exclusão da verba indenizatória de determinados gastos realizados pelo autor da
ação sob o fundamento de que eles foram efetuados quando ainda não havia entre as partes a
certeza de que o contrato seria concluído. Dentre esses gastos, no caso citado, incluíam-se, por
exemplo, honorários advocatícios pela elaboração de minuta do contrato de compra e venda, custos
com a contratação de secretária e com a mudança e renovação do escritório do autor da ação, que
se sentiu prejudicado com o encerramento das negociações. 95
Como regra geral pode-se dizer que quem logo após o início das negociações, quando ainda inexiste
entre as partes a certeza da conclusão do negócio, realiza despesas consideráveis em função da
expectativa de celebrar o negócio, o faz por sua própria conta e risco, devendo arcar com elas, caso
as negociações fracassem. Estes gastos destinam-se, na maioria das vezes, a convencer a
contraparte acerca da conveniência e oportunidade do negócio, não sendo realizados em razão da
certeza dada na celebração. Por isso, diz Basedow que enquanto as partes ainda negociam, "em
princípio, cada uma age por seu próprio risco, quando, não obstante, já agora efetua despesas em
confiança à esperada conclusão do contrato. Para estes gastos não pode, conseqüentemente, exigir
indenização quando a outra parte interrompe as negociações posteriormente, ainda que
inesperadamente e sem motivo evidente". 96 Pode-se, então, concluir com Fichtner Pereira que "não
se trata, assim, de se indenizar os custos com toda a negociação, mas as despesas decorrentes da
conduta injurídica assumida pela parte, qual seja, a de, após incutir na

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