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Por acaso, você. S. Evans Copyright© 2023 S. Evans 1ª Edição Capa: L.A Designer Editorial Revisão: Miriã Menezes Diagramação: S. Evans Leitura crítica: Camila Rodrigues Leitura sensível: Maria Eduarda Pereira da Silva CONTEÚDO ADULTO Esta obra trata-se de uma ficção. Nomes, personagens e acontecimentos descritos foram produzidos através da imaginação da autora. Torna-se mera coincidência fatos que se referem à realidade. De acordo com a lei nº 9.610/98, dentro do artigo 184 do código penal brasileiro, torna-se crime cópia total ou parcial, por quaisquer meios existentes, sem prévia autorização da autora. NÃO RECOMENDADO PARA MENORES DE DEZOITO ANOS Essa obra contém: Sexo e nudez: Sexo explícito; indução ao ato sexual; masturbação. Linguagem: Linguagem imprópria e/ou pejorativa. ATENÇÃO ALERTA DE GATILHO Esse livro foi escrito com muito carinho, os temas abordados não foram aprofundados / descritos graficamente, para que gatilhos não fossem acionados, no entanto a obra CITA: violência obstétrica. O personagem principal da trama, Carlos Eduardo, passa por situação de racismo, e a obra foi submetida a uma leitura sensível sobre o tema . Edição Digital | Criado no Brasil Nota da autora Playlist Dedicatória Epígrafe Prólogo Parte I 1 - Por acaso, a infância. 2 - Por acaso, a adolescência 3 - Por acaso, a juventude. 4 - Por acaso, a primeira vez. 5 - Por acaso, a decepção. 6 - Por acaso, a rejeição. Parte 2 7 - Por acaso, a volta. 8 - Por acaso, ele. 9 - Por acaso, Henrique. 10 - Por acaso, o usurpador. 11 - Por acaso, a dona da porra toda. 12 - Por acaso, Belo Horizonte. 13 - Por acaso, o prazer. 14 - Por acaso, a reconexão. 15- Por acaso, o caos. 16 - Por acaso, a mamãe. 17 - Por acaso, o Dudu. 18 - Por acaso, a exposição. 19 - Por acaso, nós dois. 20 - Por acaso, o acidente. 21 - Por acaso, a selva. 22 - Por acaso, a utopia. 23 - Por acaso, a trégua. 24 - Por acaso, o pandemônio. 25 - Por acaso, os laços. 26 - Por acaso, o cabresto. 27 - Por acaso, a festa. 28 - Por acaso, o motivo. 29 - Por acaso, a confissão. 30 - Por acaso, a desconfiança. 31 - Por acaso, a bagunça. 32 - Por acaso, o aniversário. 33 - Por acaso, a consciência. 34 - Por acaso, a estranha. 35 - Por acaso, a demissão. 36 - Por acaso, a ligação. Parte 3 37 - Por acaso, a hipótese. 38 - Por acaso, a verdade. 39 - Por acaso, o filho. 40 - Por acaso, as lembranças. 41 - Por acaso, a simplicidade. 42 - Por acaso, o plano. 43 - Por acaso, o pedido. 44 - Por acaso, o amor. Epílogo Lua de mel em família. Agradecimentos Vem aí Sobre a autora Olá, leitora, como vai? Esse livro é um pouco diferente dos que eu geralmente trago, sei que disse isso em Seleção do Amor, mas é verdade. Desde que estou inserida no mundo dos romances nacionais, leio histórias incríveis, com ambientações fantásticas, hots de tirar o fôlego, e isso é divinamente maravilhoso. Mas sempre senti falta de livros que se passassem no quintal de casa, no meu caso, em MG. Quando Nicolas e Loren surgiram para mim, em Seleção do Amor, numa das cidades que mais amo no mundo, Ouro Preto, fiquei extasiada e animada do começo ao fim, porém ainda senti que fiquei devendo mais da performance mineira na literatura nacional, e aí surgiram o Cadu e a terrível Stella. Romances de segunda chance têm um lugar especial em meu coração, e uma cena revive em minha mente desde antes de eu ser uma escritora publicada. Essa cena tornou-se o prólogo desse livro — um pouco modificado, mas perfeito dentre as peculiaridades da história. Minha intenção não foi escrever um romance regionalista, porém alguns trejeitos, formas de falar, entre outros elementos precisaram estar dentro do texto, sempre sinalizados em itálico, para fazer sentindo na ambientação. Então, aqui, vocês terão um romance nacional do início ao fim, e mineiro em cem por cento. Da autora à ambientação total. Espero que gostem. Ao ler esse livro, espero que se lembrem que existem três versões da mesma história: a do Cadu, a da Stella e a sua — que pode te levar do amor ao ódio por diversos momentos da leitura, afinal esse é um livro friends to enemies to lovers. Sem mais delongas, gostaria de lhe deixar ciente: “Amores de Minas” é uma duologia oposta (sem obrigatoriedade do livro I ou ordem de leitura), se em “Seleção do Amor”, te entreguei meu amor, aqui estou entregando meu ódio, mas lembre-se que esses sentimentos andam lado a lado. Dito isso, espero você na última página! Boa leitura. Essa obra contém uma playlist disponível em plataforma digital, para acessar basta clicar aqui. https://open.spotify.com/playlist/2h2GpMWSaIHRjSNaQWmPhM?si=YWu4JL4GQ0qKMwHL7rFZUQ “O amor perguntou ao ódio: — Por que me odeias tanto? E o ódio respondeu: — Porque um dia muito te amei.” Autor desconhecido. Para todas as pessoas que precisam de uma segunda chance, seja ela qual for. “Te odeio Mas se ligar Eu vou na hora Eu jogo meu orgulho fora E ainda te imploro pra voltar (...) Eu não quero ir ai Mas eu vou Eu não quero te beijar Mas quando eu vi minha boca já beijou Eu não quero ir ai Mas eu vou Eu não quero te amar Mas quando eu a gente já se amou” Dennis DJ & Luan Santana Itaúna, Minas Gerais, Novembro de 2022. Abro a porta de seu escritório, no mesmo rompante que entrei nessa mansão, pouco me importando se estou molhando a porra do carpete importado, ou se a madeira será danificada por eu estar encharcado da chuva que me acompanhou de Belo Horizonte até aqui. Stella está trabalhando a essa hora, como sempre faz. Ela se assusta, pois, nesse horário e debaixo desse aguaceiro, todos os empregados já estão recolhidos. Quando percebe que sou eu, veste sua carapuça antiCarlos Eduardo, somado a isso tem sua melhor roupa de desdém. O caralho da camisola longa de seda rosa, com um robe da mesma cor por cima, através dos quais eu consigo ver os bicos dos seios da Diaba túrgidos e o colo arrepiado.Só de vê-la minha boca seca, meu coração dispara, juro que posso senti-la em cada mísera célula do meu corpo, e sempre foi assim, pois acredito que desde o dia que a conheci, amei-a em cada minuto da minha vida. — Carlos, diria que é um prazer ou simplesmente diria boa noite, mas já passamos dessa fase. São quase 23h, o que diabos você faz aqui, a essa hora? A contabilidade não entrou em contato com você? — Eu não estou aqui por isso. Vim resolver uma situação entre nós dois que já posterguei muito. — Bom, não tenho mais nada para tratar com você … se não está aqui pela demissão, então neste momento está invadindo a minha propriedade, posso chamar a polícia e… — ergo o envelope timbrado e lacrado pelo laboratório de análise, coloco-o em sua mesa. — Este envelope contém um teste de DNA que eu fiz com o Henrique. — Vejo-a prender a respiração e olhar-me de boca aberta. — Estou aqui, humildemente, Stella, te dando o benefício da dúvida. Você tem duas opções: me conta a verdade e eu não abro o envelope, nós dois sentaremos e conversaremos como dois adultos que somos, ou abrirei esse envelope e, dependendo do resultado, nós dois iremos à justiça e resolveremos isso perante um juiz. — Vejo-a respirar com mais rapidez, ela engole em seco e, teimosa como é, ergue o pescoço esguio, me olhando profundamente, fazendo com que mais uma vez me perca nesse mar de chocolate que são seus olhos. — O que me garante que você ainda não abriu esse envelope e está aqui para me chantagear? — Ela se levanta da cadeira e circula a mesa. — Não preciso do seu dinheiro, Stella. Ao contrário de você, não priorizo o valor da conta bancária, não dou valor a classe social ou a nenhum outro status. — Não ligo para isso que você está dizendo, ligo para caráter, e está aí uma coisa que você NÃO TEM, Carlos Eduardo — Stella altera o tom da voz. Ela já gritou muito comigo quando pagava meu salário, calei-me, mas agora não mais. Cada vez mais, minhas entranhas se reviram. Eu não acredito nisso. Porra, Stella, fala comigo! — Você não liga mesmo para isso, Stella? Não foi isso queaconteceu há dez anos! — altero o meu tom de voz, para igualar ao dela. — Como você diz que não tenho caráter? Como tem coragem de me acusar disso? Se esqueceu como eu sou? Caralho… já deveria ter aprendido isso, porra. — Você não me dá o benefício da dúvida para eu saber nada sobre quem é! — Puta que pariu, Stella! Você não vê o que está na sua frente? Quando cheguei aqui, eu tinha cinco anos e desde lá é só você, diaba, que toma conta da minha cabeça, e isso é ridículo, porque logo vou fazer trinta anos, caralho. Você foi meu primeiro tudo, Stella. Meu primeiro beijo, minha primeira mulher… Meu primeiro e único amor, Stella, sempre foi e sempre será você. É por isso que estou te pedindo, me fala a verdade, não deixe que um pedaço de papel me conte algo tão importante. — O que isso vai mudar na sua vida, Carlos Eduardo? — Depende, Stella, isso não é sobre mim, é sobre você. Porque, independente desse resultado, amo o Henrique, sendo ele biologicamente ou não meu filho. E eu amo você. O que mais preciso fazer para que entenda isso? — Ela me olha pelo que se parecem horas e a única coisa que muda em suas feições é uma lágrima que escorre por cada olho. Pego o envelope para abri-lo, mas suas mãos frias e trêmulas cobrem as minhas. — Por favor — ela diz tão baixo, que mal reconheço-a —, não abra esse envelope, eu vou te contar… Cadu Vieira Cinco anos — Carlinhos, filho — sinto meus ombros sacolejar, bocejo e abro os olhos —, já chegamos. Mamãe não consegue te carregar não, levanta. — Ôh Cida, não acorda o menino, posso levá-lo no colo. — Carece não, seu[1] Vicente, ele já é um hominho, né, filho? — Balanço a cabeça, ainda querendo dormir. — Venha, Cida, vou te levar até a casa, é simples, mas cês conseguem ter privacidade, a Lourdes pediu para eles pintarem e colocar roupa de cama limpa. Quando desço da caminhonete do moço sorridente, olho para um lado e vejo mato, do outro também, para trás e para frente, não está fazendo diferença. Piso em uma poça de lama e meu chinelo fica lá quando puxo o meu pé dela. Eca. — Você não pode andar aqui assim, vai ficar com as unha cheia de barro e cocô. — Procuro a voz que está falando comigo e em troca ganho uma gargalhada. — Aqui em cima. — Levanto a cabeça e sentada na janela da casa grandona que estou andando em volta, vejo uma menina. A menina mais linda que eu já vi. — Ah e vai pegar bichos de pé, muitos bichos de pé, não é nada legal tirá-los. — Stella, já falei para não sentar nas janelas! — O moço sorridente que trouxe a gente fala com a menina que revira os olhos e pula da janela, caindo na minha frente. — Cê num tem jeito! Vai acabar quebrano a perna de novo! — Já parei, papai! — Ela suspira, pega o chapéu que voou da sua cabeça com o salto que deu e o coloca na cabeça de novo. — Oi, eu sou a Stella. Como se chama? — Eduardo. — Stella estende a mão na minha frente, e espera que eu segure a dela. — É legal ter alguém para brincar morando aqui, vou te ensinar tudo que sei — ela começa falar e vai seguindo a minha frente. — Já montou cavalo? — Não. — Posso te mostrar, eu tenho um pônei, ele é mansinho. Daqui a pouco começa a dar jabuticaba, vamos no último galho pegar as maiores e mais doces. Quantos anos você tem, Eduardo? — Cinco. — Ótimo, eu tenho sete, sou muito mais experiente que você, então vou te ensinar tudo. Já tirou leite em uma vaca? — Não. — De onde você veio? — Belo Horizonte. — Ela faz uma careta e se estremece toda. — Eca, odeio lá. — Lá é muito legal. — Não é nada. Um monte de carro, barulho, não pode subir em árvore, não pode sair sozinho na rua, não tem nada de divertido lá. — Tem parque de diversão, shopping… — Eca. Quem gosta dessas coisas? — Eu gosto. — Dois meses aqui comigo e você vai esquecer isso tudo. A escola aqui é muito legal. Cadu 8 anos A escola é uma merda. Eu odeio a escola. Quero voltar para a antiga escola e minha mãe não deixa. A única pessoa que é legal comigo é a Stella. Mas a Stella é legal comigo desde o primeiro dia. Nós dois fazemos tudo juntos, vamos e voltamos da escola na mesma van. Quando chegamos em casa, depois do almoço, ela sempre me ajuda com o dever de casa. Eu acho a Stella muito inteligente. Depois disso, sempre buscamos alguma coisa para fazer juntos. Na época das frutas, sejam elas quais forem, manga ou jabuticaba, nós dois descemos para o pomar após o dever de casa e subimos nas árvores. Com Stella não tem jeito, sempre existe uma competitividade, e ela quase sempre ganha, pois é mais alta e mais experiente que eu. Nas raras vezes que pego a fruta maior e mais suculenta, sempre troco com ela, pois seus grandes olhos, que parecem ser duas jabuticabas, quando ainda não maduraram, me olham e fico hipnotizado por eles, quando cedo a vez, ela abre um sorriso grandão, e fico satisfeito com isso. Mas, na escola, Stella tem os amigos dela. Não entendo, a escola deveria ser legal, a antiga era, mas essa não. As crianças mal falam comigo, evitam o máximo que podem, a professora sempre tem que me colocar em um grupo, pois nunca sou escolhido espontaneamente. — Oi, Carlos. — Levanto a minha cabeça, que estava encostada nos meus joelhos enquanto acompanho as formiguinhas levarem uma folha maior do que elas de um lado para o outro, e vejo-a. Faço uma careta, pois odeio que me chame assim, mas Stella sempre ri da minha careta. Desculpa, vovô, mas esse nome é feio. — Oi, Stella. — O que você está fazendo sozinho no recreio? — Olho para seus amigos, que sempre estão com ela. Leonardo, que me faz odiar a escola um pouco mais, e Luiza. Dou de ombros e prefiro não responder. — Podem ir andando sem mim, alcanço vocês. — Stella, é dia de lermos o capítulo seis — Leonardo contrapõe. — E eu vou, mas chegarei depois. — Ela se senta do meu lado, e abre minha lancheira que ao meu lado. — Vamos ver o que a Cidinha colocou aqui… — O mesmo da sua, Stella, mamãe monta as lancheiras juntas. — Mas sempre acho que a sua está melhor, vamos comer. — Ela me empurra a vasilha com manga cortada. — Você deveria estar jogado bola, não é isso que meninos fazem? — Stella, você já olhou para mim? — Todos os dias, moramos juntos, lembra? — Pois é, então deveria saber porque eu não estou lá. Odeio essa escola. — Por que não está? Te vejo como você é. — Stella, eu sou o que tem mais cor aqui. Na minha outra escola não era assim, tinha pessoas de todos os jeitos. O uniforme era feio mesmo, cada um usava uma calça, eu podia ir de chinelo. Aqui não, até a minha calça e tênis tem que ser igual de todo mundo. Tudo aqui é tudo igual. Até as pessoas. Menos eu. — Carlos Eduardo, esse povo aqui é um bando de idiotas, é tudo cuzão… — Stella, seu pai vai te xingar muito se ouvir você falando palavrões. — Ele só vai saber se você contar… Mas voltando — ela pega minha manga e começa a comer —, eu fiz onze anos, isso te coloca três anos mais novo… — Eu vou fazer aniversário daqui a pouco, e voltaremos a ter dois anos de diferença… — Só escuta o que eu estou falando. Eles que perdem não tendo sua presença na vida deles. E você não precisa de mais ninguém, tem a mim, para sempre. E eu valho mais que todos eles juntos. Esses filhinhos de papai não sabem nada da vida. Se acham, mas é o pai deles quem paga essa escola, se não fosse assim, nem aqui estariam. — Stella, você sabe que é rica, certo? — Eu não, meu pai e minha mãe. Mamãe já falou isso. — Isso te coloca no mesmo pacote que eles, e piora para mim, pois é seu pai quem paga para eu estar aqui, minha mãe já falou, não posso nem perder pontos, pois é um favor o que seu pai faz. — Sabe o que eu acho? O que meu pai faz, ele faz porque quer, e se quer te dar de presente isso — ela rodopia o dedo —, aceite e faça bom uso. É o que minha mãe sempre diz, pelo menos. Quando alguém falar alguma coisa com você, manda vir falar comigo. — Eles vão me chamar de mariquinha. — Se eles não tem uma mulher boa e forte por trás deles, coitados. É o que minha mãe fala todos os dias com meu pai, e ele sempre diz que ela está certa. Hoje de manhã estavanascendo um bezerrinho, depois do almoço, me encontra no curral. Beijos. — Ela beija minha bochecha, e sempre que faz, sinto meu coração disparar. Cadu 10 anos — Stella, vamos! — Entro em seu quarto gritando, animado. Mas paro quando vejo-a deitada na cama. — Nasceu mais maritaquinhas no toco, a mamãe está lá alimentando elas! — Não vai dar. — Ela abre um olho só, mas está mais pálida do que costume. — Estou passando muito mal. — Uai, o que aconteceu? — Aproximo da cama, e coloco a mão na testa dela. — Eu menstruei mês passado, e esse mês tá doendo muito. — Há pouco dias a professora falou disso na aula, e não pareceu nem um pouco legal. — Vish, tadinha. — Passo as mãos nos cabelos longos dela, ela sempre gosta quando faço isso. — O que eu posso fazer para te ajudar? — Nada, sua mãe já me deu chá, e minha mãe foi na cidade comprar remédio. — Posso fazer carinho, carinho sempre ajuda, ainda mais que está frio. — Eu ligo a televisão do quarto dela, e levanto a coberta. — Anda, arreda pro canto. — Não, a gente já está grande para isso — reclama. — E desde quando isso é problema? Vaaaaaai, Stella, arreda! — Eu empurro ela para o canto e, sorrindo, me dá espaço. — Por que tá rindo? — Porque estou pensando que quando eu tiver um namorado, vou ter que colocar vocês dois na minha cama. — Ah… é só você namorar comigo. — Carlos, não dá, você poderia ser um irmão para mim. — Mas não sou, estamos muito longe disso. — É sim. — Não sou. — Aff — ela bufa como uma vaca selvagem —, não vou discutir com você. Estive pensando, já que não gosta do seu nome, juntei os dois e fiz um apelido legal. — Tenho medo disso, você tem um péssimo jeito para isso, colocou o nome do potro de Floquinho. — Ele parece um sorvete de flocos, mas é pequeno. — Ela me empurra com os ombros. — Mas hein, ouve só: Cadu, assim não te chamo de Carlos, mas a culpa é da sua mãe, não minha, e nem de Eduardo. Juntei os dois. — Cadu… Eu gostei disso. — Eu sou ótima em dar nome, assuma. Por horas ficamos ali, falando de várias coisas aleatórias. A noite chega, fazendo Stella se contorcer de dor, e nada do medicamento chegar. — Vou lá na cozinha ver se sua mãe já chegou. — Por favor, sinto que morrerei a qualquer momento. — Meu Deus, Stella, que exagero. Visto a blusa de frio e calço as pantufas dela, pois calçamos o mesmo número agora, e vou até a cozinha. Seu Vicente está sentado na grande mesa onde tomamos café todos juntos, e está chorando muito. Minha mãe colocou um copo na frente dele, está falando muito rápido e baixo, de forma que eu não consigo entender. — … Cê tem que falar com a menina Stella, seu Vicente, é a mãe dela. — Como? Como que eu vou falar com a Stella que a mãe dela foi buscar um medicamento e morreu? — Meu coração dispara no peito, no mesmo instante que lágrimas enchem meus olhos. Morreu? A dona Lourdes morreu? Como assim? Ela estava aqui agorinha. — Eu já tinha falado com ela, Cida, muitas vezes, que não era para deixar o carro aberto, que bicho entra, ainda mais no frio. — Seu Vicente bate com a mão na mesa de madeira, fazendo um barulho alto. — E agora, Cida? A Stella acabou de fazer treze anos, como que eu vou criar essa menina sozinha? Sem a Lourdes? — O senhor está muito nervoso, o que o Tião falou? — Disse que achou o Jipe jogado na margem da estrada, quando ele reconheceu o carro, correu para lá, e a Lourdes estava fria já, ele escutou o chocalho, mesmo assim tirou ela do carro. Lourdes nunca dirige descalça, tá sempre de bota, hoje fez isso, e a marca da desgraçada está lá no pé dela. E foi há horas, Cida, horas. — Mãe? A minha mãe? — Eu não escutei os passos de Stella, olho e vejo-a de meias, por isso levo um susto quando ouço seu arquejo dolorido. — A minha mãe morreu? — Tella, calma. — Vou até ela e a abraço. — Minha mãe morreu, Cadu? — ela agarra meu pescoço e solta o peso do corpo, levando ambos a escorregar pela parede até o chão frio. Seu choro doloroso é o barulho mais medonho que já ouvi na minha vida, até agora. Stella Macedo Dezesseis anos — O que você tanto olha nessa janela? — Luiza chama da cama, mas eu a ignoro. — Sério, Stella, você me chama aqui, pra quê? Pensei que iríamos finalmente falar dos seus amassos com o Léo na biblioteca semana retrasada. — Achou errado! Para mim, nem aconteceu, não estou entendendo o grande caso que está fazendo disso, Lu. — Uai, Stella… — Uai nada. — Stella, pelo amor de Deus, Leonardo Xavier, arrasta um caminhão de soja para você desde que éramos crianças. — Para mim pode arrastar o cafezal inteiro, está mais em alta agora, que não me interessa. — Fico nas pontas dos pés e forço a visão para enxergar melhor. — Eu nem vou perguntar como sabe o preço das safras. Você é estranha. Sorrio ao vê-lo no meio do pasto, sem camisa, rodando o laço no bezerro teimoso que meu pai comprou. A pele preta cintila de suor ao sol, os cabelos escuros estão bagunçados, do jeito que demonstra que ele trabalhou o dia todo, ou quase isso. Já lhe dei um chapéu, mas ele detesta, prefere ficar torrando no sol, a camisa está enfiada na cintura da calça jeans colada, e não sei se é certo eu ficar olhando-o, mas é o que eu faço. — Uau, quando foi que Cadu cresceu? Por que você não me contou desse… — Olha, olha, Luiza, não é pro seu bico, respeita ele, e para você é Carlos Eduardo. — Stella, ele está na oitava série[2]. — Eu sei a idade dele, e o que tem a ver? Prestatenção não é nada do que você está pensando. — Você não está babando no filho da empregada que é três anos mais novo que você? — A Cida não é empregada, é da família. E eu só estou com saudades, a gente não estuda mais na mesma escola, desde que meu pai cismou com esse trem de ensino integral pra ele, mal vejo-o em casa. E ele não é três anos mais novo, são dois, ele fez aniversário esse mês. — Stella… — a entonação já vem com a repreenda. — Que foi, trem? Me deixa. — Olha só, já que vai ficar olhando o menino pela janela, vou embora e você vai fazer esse projeto de biologia sozinha. — Beleza, eu coloco o seu nome. Já é de casa, pede ao Chico para te levar até sua porteira, beijo. — Você vai mesmo deixar que eu vá embora? — Sento-me na cama, e calço as botas com a maior agilidade. — Tchau, Luiza, amanhã te vejo no colégio. Pulo a janela como fazia quando criança, escorrego na grama morro abaixo, até parar na beira da cerca, de onde vejo-o concentrado em seu serviço. Meu pai e eu já falamos para Cida não fazer Cadu trabalhar na fazenda, mas vira e mexe vejo-o ajudando os meninos com alguma coisa ou então Aparecida pede para ele cortar lenha para ela cozinhar. Adoro chegar em casa nesses momentos. Cadu era menor do que eu quando chegou aqui e detestava o interior. Quando ele percebeu que podia ter mais liberdade aqui, passou a gostar um pouco mais. Ainda fica entediado na época de chuvas, mesmo que eu tenha pedido meu pai um videogame para jogarmos juntos, e aqui em casa tenha coisas que ele gosta, como computador, vez ou outra vejo a careta dele para a chuva ou para o barreiro que vira a fazenda, principalmente, quando desce da van escolar e já está escuro, fazendo com que se suje com a lama. Ele não gosta muito de frio. O verão sempre foi o período que mais aproveitamos nosso espaço. Afinal, sempre fugimos para nadar no açude ou no rio que passa atrás dos pastos da fazenda. Ficamos de castigo, várias vezes, porque saíamos sem avisar, nadávamos e arruinávamos todas nossas roupas. Até que decidimos um dia que nadar pelados era uma boa ideia, mas o entojado do vizinho, João Gomes Xavier, pai do Léo, pegou a gente nadando no poço dele e nos trouxe pelo pescoço, ainda dando um sermão de moralidade. Meu pai e a Cida ficaram tão bravos, que ficamos sem ver um ao outro por duas semanas inteiras. Minha mãe havia acabado de partir, picada por uma cobra cascavel, e aparentemente só o Cadu me consolava e entendia. Papai só deixou voltarmos a amizade pois prometemos não fazer mais isso, e eu fiquei adoentada, primeiro por sentir falta da minha mãe, e depois por ser proibida devê-lo. — Oi, sumido! — digo após assobiar para ele me ver. — Oi, Tella — diz, ofegante, puxando o bezerro turrão. — Não tem aula no curso hoje? — Não, mudei de módulo, agora as aulas são só três vezes por semana. — Não sei pra quê meu pai cismou com esse trem de escola integral para você — suspiro frustrada. — Uai, diz o seu Vicente que precisa de mim falando inglês, para quando eu crescer ir com ele ao Texas comprar búfalo. — Eu já falo inglês, não precisava disso, a gente vai junto, lembra? — Ele dá de ombros como quem diz, “tanto faz”. — Mas você tá gostando? — É difícil, mas acho que estou bem. — Se precisar de aulas, ou ajuda, me fala. — Pode deixar. — Vai demorar muito ainda? — pergunto quando vejo-o amarrando o bezerro no curral. — Não, vim ajudar o Tião, ele estava levando esses bezerros novos para o pasto de lá, mas esse fugiu e vim buscá-lo, o Chico estava arando a terra e pediu para deixar esse amarrado aqui. — Ah, sim. Maior calor, né? — puxo assunto vendo o suor escorrer pelo peito sem camisa. — Nada, daqui a pouco chove. — Podíamos nadar, o que acha? — Tella, a gente já passou dessa idade. — Uai, desaprendeu a nadar? — Não, mas é estranho. Tem uns três anos que não fazemos isso. — Então, está na hora de fazermos de novo. — Pulo a cerca, e começo atravessar o pasto. — Vamos, Cadu, antes que chova. — Você é impossível, sabia? Nunca aceita um não. — Ouço seus passos na braquiara barulhenta atrás de mim. — Não se estiver certa. Ansioso para o ensino médio? — Nem um pouco, e você? Já escolheu o curso da faculdade? — Nasci com ele escolhido, vou fazer administração. Aprender a gerir a fazenda, sabe como? — E você precisa de um diploma para isso? Já manda e desmanda em quase tudo aqui. — Mas estudar é importante, minha mãe gostaria que eu fizesse — dou de ombros — e também, a faculdade é perto, vou poder ficar na minha casa, gosto disso. — Hmm, já ouviu falar nas instituições federais? Parece ser maneiro, deve ser tipo a universidade em American Pie. — Hããã, valeu, mas não. — Gargalho dos seus olhos sonhadores. — Sem contar que é melhor deixar a vaga para quem não pode pagar uma outra instituição. — É, melhor deixar a vaga para mim. — Mas o papai vai pagar seus estudos, ele faz questão. Trouxe você e sua mãe da capital, nada mais justo. — Não viemos obrigados, mamãe fez uma escolha. — Mas você não gosta daqui. — Já me acostumei, acho que estranho agora seria voltar para Belo Horizonte. — É, mas ainda falta muito tempo. E se for para uma Federal, sabe que morrerei de saudades, certo? — Leonardo ficará muito satisfeito. — Wow, mas quem chamou o Leo para essa conversa? — Começo a descer o morro que dá acesso ao rio, com ele me seguindo. — Já te falei que somos amigos. — Ele acha que é seu dono. — Carlos Eduardo! Para com isso. O único homem que pode mandar em mim é um senhor que se chama José Vicente Macedo. E mesmo assim, tem que pedir com jeitinho. — Ouço seu riso e sei que ele está mexendo a cabeça descrente. — Você é demais, Tella. — Chegamos — anuncio enquanto me sento no chão, e começo a tirar minhas botas, meias, chapéu, cinto, para então chegar na blusa. Sem pestanejar arranco-a de pressa, e faço o mesmo com a calça. Corro até a beirada do rio, e me jogo dentro, mergulhando. Quando emerjo, vejo Cadu sentado ao lado das minhas roupas. — Vem logo, Cadu. — Acho melhor não… — pondera. — Por quê? — Eu não sabia que você usava sutiã… — Você está encabulado por que agora tenho peitos? — mordo os lábios, tentando segurar uma gargalhada, que logo rompe pelos meus lábios. — Essa é a parte mais legal do meu corpo, e você com vergonha? Por favor, continue. — Para com isso, Stella. — Pare você com isso, arranca essas botas e essa calça, anda logo. — Cadu suspira rendido, pois sabe que discutir é inútil, se levanta e tira as roupas, ficando só de cueca boxer preta. Péssima ideia essa minha. Afinal, não foi só eu quem ganhou peitos, Cadu não é mais o menino mais baixo, franzino e magro que chegou aqui com cinco anos. Consigo ver os braços ganhando forma e o peitoral sem pelos, me permite ver uma leve definição. Ele mergulha, e como sempre fazemos, antes de chegar à superfície, ele puxa minhas pernas, fazendo-me afundar novamente. Quando volto, ele espirra água na minha cara. Ignorando que não temos mais onze e treze anos, faço o mesmo de volta. Cadu é um péssimo perdedor, então quando puxo-o pelas pernas, ligeiramente ele passa a me fazer cócegas. — PARAAAAA — tento dizer entre risos e gargalhadas —, eu vou fazer xixi, e ele vai passar em você! — Eca, Tella, você não sabe brincar! — Cadu me segura pela cintura, percebo que não observei quando ele me passou na altura, passo minhas pernas em sua volta, e ficamos da mesma altura. É só assim que consigo parear nossos rostos. — O quê foi? — Nada. — Você está me olhando esquisita, com aquela cara que sempre deixava nós dois em maus lençóis. — Rio da sua observação, e passo a mão pelo seu rosto. — Estou só observando como a gente cresceu, está nascendo barba aqui. — Faço carinho em sua bochecha. — O quê você concluiu na sua observação? Vou ficar bonitão? — Você sempre foi bonito… — sinto sua bochecha esquentar em minha palma e sorrio. — Obrigado, eu acho… — Sinto saudades sua, é um porre chegar e ficar sozinha em casa. — Logo estaremos juntos na mesma escola. — Só por um ano. — Tranquilo como é, ele dá de ombros e sorri — Cadu, você já beijou alguém? — pergunto de repente. — Não. — Por quê? — Porque… Uai, Stella, não sei. — Ele gargalha. — Que pergunta estranha. Você já? — Algumas vezes… — Vejo-o fechar a cara e o aperto em minha cintura fica mais forte. — Posso te ensinar. — Stella… — Não será a primeira vez que te ensino algo… Somos amigos, não somos? — Somos. — Então. Sim ou não? — Sim — decide rápido. — Tudo bem, fecha os olhos, fazer isso de olho aberto é estranho. — Cadu segue minha instruções, sorrio indecisa, se ele é mais bonito com os olhos escuros me encarando ou com eles fechados, sério, respirando pesadamente. — Você deve retribuir, o que eu fizer, você repete, mas sem muita saliva, pelo amor de Deus, não me babe, e cuidado com os dentes. — Falo baixinho me aproximando. Selo nossos lábios castamente, começo dando beijinhos, para depois deslizar minha língua por seus lábios. Cadu cede espaço para mim, morosamente penetro sua boca com minha língua, até encostar na sua. Calmamente Cadu começa a retribuir o que faço com ele, de repente toma-me de forma afoita, fazendo com que nossos dentes se batam no percurso. — Desculpa! — Ei, tudo bem, não estamos com pressa, vamos de novo, podemos fazer quantas vezes você quiser. Dessa vez deixo que ele se aproxime, seus lábios largos e grossos brincam com os meus, me fazendo sorrir e antecipar o beijo que irei receber. Leve como o sereno toca a relva pela manhã, seus lábios me tocam, primeiro tímidos, depois com firmeza. Sua língua adentra minha boca, passeando lentamente por toda ela, seus braços se fecham em toda minha volta, apertando-me, cruzo as pernas com mais força. Uma de suas mãos passa a segurar minha cabeça e, como se pertencessem um ao outro, nossas bocas se beijam, como se falassem coisas não ditas entre nós. Cadu Vieira Dezoito anos Olho ansiosamente para o relógio no computador que parece zombar da minha cara. Finalmente meio-dia, aperto F5 no meu teclado, e como se fosse uma lesma, ele carrega lentamente a página, por malditos cinco minutos, para e dá erro de novo. Respiro fundo, fecho o navegador, abro, e finalmente a lista de aprovados abre. Sem perder tempo, aperto CTRL F, digito : Carlos Eduardo Vieira Neto. PASSEI! PORRA! Em décimo segundo lugar, está meu nome, seguido do meu CPF. A universidade precisava esperar até dia vinte e nove de dezembro para liberar essa lista? Saio do quarto que divido com a minha mãe correndo, e entro na casa grande. Procuro mamãe na cozinha, e a única coisa que acho é um bilhete com a caligrafia elegante de seu Vicente. Foram para a cidade fazer compra. Suspiro sorrindo,tentando guardar a alegria dentro de mim. Quando estou saindo, ouço a porta que separa a cozinha do restante da casa se abrir e vejo Stella. De pijama curto e rendado. O único adereço que usa é a gargantilha preta, com um cavalo pendurado, que ganhou de mim no seu último aniversário. Linda. Como sempre foi. Há dois anos ela está na universidade, desde então seu tempo se tornou escasso. Raras são as vezes que nos vemos. Quando ela não está estudando em seu quarto ou na universidade, está em uma festa ou qualquer coisa que os universitários ricos fazem. Stella faz parte da banda do seu curso, e compete no enduro equestre[3] pela Universidade de Itaúna. Quando não está estudando ou ensaiando, está treinando no espaço que seu pai criou para ela. Mas o fato é que desde quando, anos atrás, ela me beijou, que seus seios se espremeram em meu tórax, que suas coxas grossas rodearam a minha cintura, Stella nunca mais saiu da minha cabeça. Atormenta meus sonhos, dos mais gentis — os quais claramente são uma fantasia, pois estamos sorridentes e alegres, mais velhos um pouco, correndo ou nadando, às vezes nos casando e até mesmo com um bebê — aos mais quentes — Céus! Jamais imaginei que minha mente poderia ser pervertida a este ponto. Aos dezesseis anos descobri um site e quando sinto-me frustrado ou entediado, navego nele por algumas horas, o que não tem nada demais, o problema são os sonhos que eles me fazem ter a noite, em que revivo todas as cenas comigo e a Stella. Foram incontáveis as vezes que acordei com a cueca toda melada. E o pior, divido o quarto com a minha mãe. Mal processo meus pensamentos, Stella, oficialmente menor do que eu, me abraça e beija-me na bochecha. — Parece que faz séculos que não nos encontramos! — Agora a vida de universitária, competidora e cada vez mais maravilhosa, te ocupa demais, então, para mim sobraram as migalhas — digo sorrindo. — Para com isso, vou me sentir mal! — seus braços se fecham mais ao meu redor, e faço o mesmo com ela. — Estou oficialmente de férias! O que vamos fazer? — Não sei bem… Vim contar para minha mãe sobre o resultado da universidade. — Solto-a do abraço e mordo o lábio. — E aí? — Bom, minha nota para UFMG em Medicina Veterinária não deu… — Para de suspense! — Mas consegui entrar na UFV em Zootecnia… — Vejo-a franzir o cenho antes de me responder. — Não sei exatamente o que vou fazer, mas é uma universidade, e federal. — Nossa… Uau! São quase 300 km, eu diria que umas cinco horas de viagem. — Mais ou menos isso. — Vejo-a franzir as sobrancelhas, e olhar para o nada por alguns segundos. —Você não parece contente… — É claro que estou! — ela me empurra com o ombro — É só que me preparei para você morando na capital. São 85 km e pouco mais de uma hora. No próximo ano, irei fazer estágios aqui na fazenda, então precisarei ir a Belo Horizonte fazer os trâmites na contabilidade de lá, pensei que nos veríamos com frequência… — Tella, vai ser rapidinho, esse curso dura menos que o de medicina. — Quando você terá que ir? — Segunda semana de janeiro. — Tão perto? — Sim, eu solicitei alojamento quando fiz a inscrição. E tenho que procurar alguma coisa para trabalhar, sabe como é… Para me manter. — Cadu, papai disse que pagaria sua universidade — ela suspira —, precisa mesmo de todo esse desgaste? — Stella, o curso de Medicina Veterinária é mais caro que o seu de administração, seu pai custeou meus estudos até aqui, fiz inglês, e até preparatório para universidade… minha gratidão será algo que seu José Vicente e dona Lourdes, terão para sempre. Mas fiz dezoito anos, preciso começar a trilhar eu mesmo meu caminho. Construir algo futuramente. Você herdará toda a fazenda e os negócios que giram em torno dela, agronegócio, pecuária e lazer. Tudo será próspero, pois você é inteligente, conhece cada centímetro de terra daqui. Mas para mim as coisas não serão assim, então tenho que aproveitar minha juventude. — Uau, esse discurso todo me deixou com tesão. — STELLA! — O quê? É verdade, uai. Então será isso? Meu menino cresceu, irá morar com estranhos, dormir sob lençóis de origem duvidosa, colchões que têm porra até do Reitor da universidade, pois com certeza eles não trocam essas merdas. — Céus! Você acha que todo mundo só vai para a faculdade transar? — Vai por mim, é o que eles fazem. Acredita que à noite os zeladores até trancam as salas vazias lá na universidade? — Bom… Pelo menos tenho a certeza de que não sairei de lá virgem então. — Dou de ombros. — Ei, crianças, o que estão fazendo aqui? — Seu Vicente abre a porta, cheio de sacolas. — Estamos jogando conversa fora. Trouxe doce de leite? — Stella começa a remexer nas sacolas em busca do seu vício desde a infância. — Uai, mamãe não estava junto? — pergunto quando não a vejo entrando também. — Sua mãe foi guardar uns trem no chalé. — Beleza, vou lá. Até mais, Stella. Minha mãe estava igual pinto no lixo, ligou para vovó em Belo Horizonte e para minha madrinha que também mora na capital. Estou deitado na minha cama, quando sinto o celular vibrar debaixo do travesseiro, desbloqueio e vejo a SMS de Stella, pedindo para encontrá-la no celeiro. — Mãe, vou no celeiro com a Stella. — Leva a lanterna e guarda-chuva, cê sabe como é. — Já peguei! Desço cuidadosamente na grama molhada pelo sereno, e vejo uma luz fraca no celeiro ligada. Empurro a porta, e vejo-a sentada sobre um colchonete coberto com uma manta florida. — Você sabe que vai chover, certo? — Sim, por isso tranca a porta, você sabe que ela abre à toa. — Sim, senhora, dona Stella. — Faço o que ela pede, tiro as botas e ainda de meias sento ao seu lado. — Para que me chamou aqui? — Quero passar um tempo com você. — Ela encosta a cabeça no meu ombro. — Tella, eu não vou morrer, sabe? Ainda virei nos feriados e férias. — Promete? — Prometo — levanto meu dedinho para que ela enrole o seu no meu e sorrio. — Trouxe uma coisa para você. Presente. Fecha os olhos e abre a mão. — Essas coisas de fechar os olhos e abrir a mão com Stella, nunca foi coisa boa. A contra gosto faço o que ela pede. — Pode abrir. Mas que… — Isso é uma camisinha? — Lógico! — Stella! Meu Deus, você não conhece o limite? — Uai, foi você quem disse que era virgem hoje à tarde! — Onde você tirou isso? — Da minha bolsa, oras! — Você já… — só a possibilidade já estremece meu coração — Claro. — Mas é a confirmação que o parte em pedaços. — Tenho vinte anos, e esse é meio que um rito de passagem para a vida adulta, e como falei mais cedo, a faculdade proporciona coisas que nunca imaginamos viver na vida. — Hmm, valeu então. — Você está com aquela cara. — Qual cara? — Aquela que estava com vontade de perguntar alguma coisa quando eu te ajudava com o dever de casa. — Não é nada. — Claro que é, fala logo. — Foi com quem? — Com o Leo, mas só a primeira vez. — Claro! Stella é tão inteligente, como que foi perder a virgindade com o Leonardo Xavier? — Teve mais de um cara então? — Ah sim. — Que ótimo. — Não me olha com essa cara, olha o machismo. — Cara de tacho? Porque deve ser essa que devo estar fazendo. — Só os homens podem sair por aí pegando geral? — Eu não falei isso. — Mas deve ter pensado. Conheço bem vocês. Vai me dizer que eu sou a única mulher que você já beijou? — É! Claro que é, caralho! Que tipo de homem você pensa que eu sou, Stella? Ninguém nunca tocou meu coração e suspeito que nunca irá tocar. Isso é o que eu quero falar, mas acabo dizendo… — Claro que não. — Pois bem, sempre estou certa. Então vamos logo. — Ela descruza as pernas, e se senta no meu colo. — Vamos? Aonde exatamente? — Uai, vou te ensinar a comer uma mulher… Você ainda curte mulheres ou… — Eu sou hetero, Stella — respondo-a quando ela se silencia por alguns instantes. Mas como assim? — Me ensinar? — Claro, te ensinei a beijar na boca, agora vamos avançar. Vai por mim, nenhuma mulher sairá satisfeita se você masturbar a uretra dela. — Eu não estou te entendendo, Stella… — Vamos transar, Cadu. Se você quiser, claro… Nossa. Senhora. Ela não disse isso, não. Vamoslá, Deus, me faz acordar. Stella Macedo Vinte anos Estou sentada no colo de Cadu, e ele me observa como se eu tivesse criado chifres. — Cadu? — Merda, você falou mesmo o que eu pensei ter ouvido? — Sobre você perder a virgindade? — ele concorda — Sim! Sou sua amiga. Não quero que seja um idiota, entrou, saiu, gozou. Então estou me colocando à disposição para ser sua cobaia. A menos que não queira, e esteja guardando isso para uma namorada… — Não, eu só moro no interior, estudei num colégio elitista e fiz um total de zero amizades. — Pois bem, você pode começar me beijando e tirando minha roupa. — Cadu está estagnado. Tenho que fazer tudo por aqui? Coloco a mão na bainha de sua camisa e a tiro. Nossa… Quando nasceram esses quadradinhos? Consigo ver o elástico da cueca boxer e sorrio para ele. Inclino-me e começo a beijá-lo, primeiro castamente, para então adentrar sua boca com minha língua ávida, sentindo o gosto de pasta de dente, instantaneamente sinto-me abraçada por uma sensação que me aquece, como saudade e pertencimento, é estranho, mas completamente envolvente. Parecendo acordar do torpor, Cadu aperta minha cintura, como fez na tarde em que treinamos os beijos, força-me para baixo, esfregando minha boceta em seu pau, que aos poucos endurece embaixo de mim. Ergo minha camisa, ficando só de sutiã em sua frente. Vejo-o hipnotizado, sorrio, sem vergonha alguma, abro o sutiã — pois a raiva que eu passo quando homens tentam tirá-lo, não está escrita — e deixo meus seios desnudos à disposição dele. — Nossa… Meu Deus, Stella. — Sim, eu sei. Estão à sua disposição. Pode fazer o que quiser com eles… — Timidamente ele levanta as mãos, grandes mãos com veias proeminentes, e delicadamente roça meus mamilos túrgidos, começa como calmaria, antes que perceba, Cadu toma um em sua boca, passa a sugá-lo com fome, fazendo-me gemer audivelmente. Sinto sua língua envolvendo-o, lambendo sua volta, voltando ao mamilo, brincando com ele, subindo e descendo a língua, até colocá-lo sobre ela, fechar os dentes por cima e chupá-lo com fome. — Tem certeza de que nunca fez isso? — gemo segurando seus cabelos, impossibilitando de sair dali. Sinto seu sorriso e contra a minha vontade, ele se afasta. — Sou virgem, não idiota, tenho minha cota de fantasias sexuais, livros e vídeos. — Antes que eu crie uma resposta atrevida ao “sabe tudo”, ele passa a dar o mesmo tratamento ao outro seio. Até o momento nenhum cara deu muita importância a essa parte do meu corpo, estou eufórica, com a libido subindo cada vez mais, porque descobri que gosto bastante dos meus peitos sendo valorizados. Céus, eu sou uma safada! Estou recebendo uma mamada e gostando! Sinto seu pau totalmente, pelo menos acho que sim, rígido debaixo de mim. Abro minha fivela enquanto rebolo em seu colo. Delicadamente Cadu empurra meu tronco para trás até estarmos com ele em cima de mim. Seus dedos abrem o botão da minha calça jeans, e é só para tirá-la que se afasta. Minha calcinha pequena o faz sorrir — um sorriso perverso, que jamais imaginei no rosto do meu melhor amigo, não dirigido para mim. — Carlos parece perdido quando me vê quase completamente nua. Volto a agir, retirando eu mesma a calcinha. Vejo-o apertar o pau sobre o short e cueca. — O que você quer aprender? Você quer me chupar, me tocar, ou meter seu pau em mim? Pode escolher. — Eu quero tudo, Stella. — Venha, vamos trabalhar suas habilidades oral e de toque primeiro. — Abro minhas pernas, deixando que se aproxime. — Corre o dedo por ela, reconheça seu parque de diversões. Tremendo um pouco, vejo-o acariciar meus grandes lábios com seu indicador, a aspereza do seu dedo me estremece. Sinto-me ridícula, afinal, virgem aqui é ele. Calmamente, Cadu, afunda o polegar entre eles, primeiro explora um lado, do início até o períneo, sobe até o clitóris e repete no outro. Não sei se o que me excita é o toque, a curiosidade ou o reconhecimento que ele faz em minha vulva. Quando satisfeito, vejo-o colocar o dedo médio e o indicador em “V” nos lábios, para abri-los. Cadu admira-me, cuidadosamente se abaixa, deixando sua língua correr de cima para baixo. Grunho, ele me olha, e nego. — De novo, eu gosto de ser lambida. — Ele sorri e faz de novo, se demorando mais dessa vez. — O clitóris, dá atenção para ele. — Falo baixo, Cadu sobe o olhar, vejo-o estudando-me, buscando o que eu falei. Sua língua me toca de novo. — Mais para cima — guio —, subiu demais, desce um pouco… Isso, mais para o meio, aí, nesse lugar — quase grito, faço se assustar. — Desculpe, é só cuidar desse nervinho, está sentindo-o endurecido? — Milimetricamente vejo-o concordar com a língua parada. Sua língua desliza ali, sem se afastar muito, e fico perdida entre achar fofo — toda a atenção e cuidado com que ele me chupa — ou sentir tesão — pelo mesmo motivo. Sinto-a rodopiar e discordo, parece uma furadeira, vejo-o voltar a posição de antes, com mais calma, mais lentidão. É estranho pois estou lisonjeada por ser ouvida durante uma chupada. Quase como uma câmera lenta, sinto meu clitóris ser deliciosamente acariciado, de um lado para o outro, para cima e para baixo. Aprende rápido esse menino. O lisonjeio se estende quando meu grelo está sendo mais bem tratado por ele do que por mim mesma. — Trabalha com os dedos também, Cadu — falo baixinho —, pode meter enquanto me chupa. — O dedo da outra mão, junta-se ao oral, e antes que eu fale, ele espalha minha lubrificação por toda a minha boceta, e se estende ao períneo e ânus. Seu dedo médio pincela minha entrada, fazendo uma volta, lubrificando-se, para me penetrar. Ergo o quadril, ele me olha, e só balanço a cabeça, mostrando que estou gostando. Cadu começa a mover seu dedo sem deixar de me chupar, mas sinto a falta de mais. — Pode sugar com os lábios, é gostoso. Os dentes também, vagarosamente… — Ele faz o que peço, fazendo-me lubrificar mais a sua volta. Passo a mover meus quadris em sua direção, mostrando que quero mais. Mais de tudo que ele está fazendo-me sentir. Sinto irradiar uma corrente elétrica gostosa pelos meus pés, subindo pela pernas e coxas, se concentrando em minha boceta. Gozo. Estremecendo-me, gemendo, derramando em sua boca. Mal acredito. Nunca cheguei a um orgasmo com uma chupada. Impressionada, deixo o sorriso débil aparecer em meu rosto. — Foi bom? — Muito, muito bom. — Não está falando isso só para me agradar? — Faça-me o favor, nunca fui mulher disso. Está de parabéns. Nunca fez mesmo isso? — E quando eu menti para você? — ele dá de ombros — Posso ter treinado a língua em uma fruta ou outra, mas você nunca saberá. — Ew, sempre irei chupar uma laranja e lembrar de uma boceta, obrigada por isso. — Rimos da nossa insolência, ele deita- se do meu lado, apoia-se no braço e me admira. — Você é tão linda. — Ora! Obrigada. Você também é. Mas confesso que quero te ver pelado. — Viro-me para ele, empurro-o para que se deite no colchão, e puxo seu short e cueca, tudo junto. Minha Nossa Senhora das bocetas não alargadas. Que diabos é isso? — sinto que estou invocando entidades nas horas que não deveria, mas… — O que foi, Stella? — Nó… Por que você não me disse que é pauzudo? — Stella! — ele tenta se cobrir, mas seguro as mãos presas na lateral do corpo dele. — Ele é normal! — Vai por mim, né nada! — Robusto, pesado, veiudo, grosso, e fora da média. Esse é o pau de Cadu. A cabeça arroxeada, babando, faz eu querer chupá-lo, e sem pensar levo-o à minha boca. Sugo-o, limpando todo o líquido que está ali, ouço o barulho gutural da sua garganta e sorrio — Olha, não se acostume, eu não chupo ninguém, mas como foi atencioso com a sua boca em mim farei o mesmo com você. Sem esperar uma resposta, começo a chupá-lo de verdade. Acompanho sua veia com a língua, descanso-a nas bolas, engolindo uma, depois a outra, subo até o prepúcio, onde dou sugadas longas e ritmadas. — Não faz assim, vou gozar. — O quê? — Stella, existe uma diferença de punheta para boquete, sabia? — E se eu quiser que você goze na minha boca? — É só fazer isso de novo… — Diferente,ponho-o totalmente em minha boca, uma vez e na segunda sinto o jato quente. — Merda, desculpa, desculpa, rápido demais. — Vejo o desespero dele e sorrio. Levanto a cabeça, limpando os lábios com polegar. — Calma, Cadu, relaxa. Não estamos com pressa. — Deito ao seu lado, vendo-o constrangido esconder seu rosto de mim. — Para. Não se esconda. Somos amigos. — Não deixa de ser constrangedor. — Sabe qual a vantagem de se ter dezoito anos? — digo acariciado o pau falecido, que vagarosamente deixa uns espasmos na palma de minha mão. — Não, qual? — beijo sua boca, com bastante língua, barulho e saliva. Suas mãos me puxam para cima dele. Cadu tem um jeito de pegar-me pela cintura que desestabiliza-me. Adiamos minutos perdidos um na boca do outro, sinto-o relaxar, vagarosamente vou tirando meus lábios dos dele. — Que se recupera uma ereção bem rápido. — Aponto com a cabeça para sua ereção entre nós, e ele sorri satisfeito. — Vou deixar você por cima, para que consiga controlar, quando for demais, mas não se acostume, ainda irei cavalgar em seu pau, quem sabe em uma outra oportunidade. — Então teremos mais? — Pela sua chupada, você conseguiu uma segunda vez, se for bom me comendo, o número é negociável. Sabe como colocar uma camisinha? — Ensinam isso na aula de biologia — ele diz ultrajado. — Vamos nessa então, cowboy! — Vou engatinhando até onde os pacotes estão esquecidos. Vejo-o suspirar, olhando para minha bunda, seu pau erguido se mexe em minha direção. — Ainda chegaremos nessa parte, não seja afoito. — Pisco para ele. Abro o pacotinho e deixo o preservativo em sua mão. Observo-o apertar a ponta, e desenrolá-lo como se fizesse isso o tempo todo. — Ora, ora, quase um profissional. Venha, vamos tirar esse cabaço! — Meu Deus, Stella, você não consegue ser séria nem nesse momento? — Desculpa! Quer carinho? — Quero! — É sério? — Claro, é importante, poxa. — Vejo no seu rosto estampado como ele está falando sério. Faço minha melhor cara séria. — Desculpe. Venha, você por cima. — Ele morosamente estende todo o corpanzil sobre mim, fazendo-me ser envolvida por um calor gostoso, dando meu melhor sorriso de encorajamento. — Não precisa se segurar ou ser delicado, mas lembre-se que se for uma pessoa virgem, precisa estar atento. Pode vir. Calmamente, sinto sua cabeça robusta adentrando-me. Seguro em seus braços, olhando em seus olhos achocolatados, perco-me, e só volto ao momento, quando vejo-o morder a boca, percebo como estou cheia, minha boceta parece ter encolhido. — Nossa, é difícil controlar. — Respira fundo, pode ir com calma — Cadu assente, mas passa a se mover, primeiro devagar, levanto minha perna a sua cintura, fazendo-o gemer pois ele consegue se afundar mais em mim. Aproveito o espaço, e passo a massagear meu clitóris, seguindo o ritmo de suas estocadas, que não demoram muito estarem rápidas e profundas. Acelero o toque em mim, sabendo exatamente onde acariciar-me, onde gozo rápido. Sinto o calor inundar-me, percebo que Cadu gozou, pois ele desmonta-se em cima de mim, deixando espaço só para meu dedo mexer-se, mas como estou próxima, gozo, satisfeita e feliz. — Eu fiz de novo? — Relaxa, eu gozei. — Mesmo? — Sim. Entenda que é absolutamente normal. — Beijo os seus lábios, sorrindo, passeio com as mãos em suas costas suadas, e vejo um brilho diferente no seu olhar. — O que foi? Não gostou da sua primeira vez? — Gostei! Demais! Acho que não poderia ser melhor. — Servimos bem, para servir sempre. Você está me esmagando — rio, pois seu corpo, muito mais forte e mais alto, está relaxado sobre o meu. — Desculpe — ela rola para o lado, suspira e então para. Sentando assustado, olha para o meio das pernas. — O que foi? — A camisinha, ela sumiu. — Levanto-me na mesma hora, e vejo seu pau sem nada. A porra do calor, não foi orgasmo? — Merda, Cadu. — Levanto-me e não a vejo. — Onde essa porra, foi parar? — Será que ficou dentro de você? — Sua cara assustada me faz querer rir, mas o momento inapropriado. — Só pode ser! — deito-me e coloco o dedo buscando o preservativo idiota. Posso sentir a abertura endurecida, mas meus dedos não conseguem pinçá-la. — Está aqui, mas não consigo tirá- la. Você terá que fazer. — Céus! Mal acredito que isso está acontecendo. Cadu coloca a cabeça entre as minhas pernas, e dessa vez não está divertido. Sinto quando ele desliza o preservativo para fora de mim, e ergue-o na minha frente. Eu tento, juro, mas não consigo segurar a gargalhada. Carlos me olha como se eu tivesse um parafuso a menos. — Admita, foi engraçado. — Stella, não é engraçado, você pode engravidar! — Vou tomar uma pílula, relaxa. Agora já foi. Olha pelo lado bom, nenhum de nós tem alguma DST[4]. — Por que você sempre olha as coisas por outro ângulo? — Cadu se deita ao meu lado de novo. — Porque para aquilo que não tem remédio, remediado está. Sua mãe vive falando isso. Essas coisas podem acontecer. Nunca ocorreu comigo antes, mas ainda bem que foi com você. — Vou sentir saudades, Tella. — É só você ficar — abraço-o e suspiro, por hora cansada de todas nossas atividades coletivas. Beijo seu peito, e não sei quem adormece primeiro, ele ou eu. Cadu Vieira Dezoito anos Eu não posso me dar esse luxo, de voltar para casa no feriado prolongado, mas aqui estou, dentro do primeiro ônibus disponível para Itaúna. Achei que a faculdade seria ruim, como todos os anos em que estive na escola particular, mas, graças a Deus, não é um pesadelo. Meu colega de alojamento, Júlio, é um moço legal, de cara conseguimos organizar as tarefas e os gastos. Juntos dividimos a compra de mantimentos do mês. Por mais que tenha comida no refeitório, convenhamos, tem dias que não é tão gostosa assim e a porção é pouca para dois caras grandes. É menor ainda para Júlio, que cursa Educação Física, e come arroz e batata mais que tudo. No Carnaval, não consegui voltar para casa, as passagens estavam caríssimas. Sem contar que com a pausa da faculdade consegui um serviço extra durante os dias de folia. Depois desses dias, Sara, a dona do barzinho em frente ao campus, para quem trabalhei, me ofereceu um trabalho ali, e veio muito a calhar. Como não posso me comprometer com horários fixos, combinamos meia carga horária e meio salário, tudo informalmente, com acréscimo das gorjetas serem minhas. Não que estudantes deem muitas, mas salva o xerox. Minha mãe ainda manda uma ajuda, e espero que no próximo semestre não precise mais. Mas o fato é que nesse feriado é aniversário de Stella, não podia deixar de vir. Ela vai reclamar horrores pelo aniversário cair na sexta-feira santa — como ela faz sempre quando o aniversário cai nesse dia ou domingo de páscoa. — Minha mãe e o pai dela não nos permite que façamos comemorações neste dia, pois nos criaram dentro do catolicismo e são irredutíveis quanto a guarda desse dia. Mal posso acreditar que irei revê-la depois de três meses, é o maior tempo que passamos separados — antes disso foi quando o idiota do pai de Leonardo Xavier nos pegou nadando e nossos pais nos colocaram de castigo, mas voltaram atrás quando Stella adoeceu por isso e a perda recente da mãe na época — e as mensagens não aplacam a vontade que tenho dela. Quando deito em minha cama e fecho os olhos, ainda sinto seu corpo abraçado ao meu, o gosto do seu beijo e de sua boceta estão gravados em minha boca, a forma como nos encaixamos perfeitamente, como ela me engloba. Só espero durar mais dessa vez. Confesso que depois da nossa quarta transa consegui segurar mais, mas porra, ninguém havia me contado que era dificil não gozar. Quando visualizo o rosto de Stella em minha cabeça ou vejo sua foto em alguma rede social, meu coração parece que vai saltar pela boca. É ridículo isso! Decidi que dessa vez não passa. Faz anos que sinto-me assim. Eu não sei em qual momento foi, mas aos poucos venho percebendo que há muito tempo deixei de gostar dela, e passei a amá-la. O que agora nos complica um pouco, pois estou bem longe de casa, mas Stella é inteligente, daremos um jeito. Afinal, sei que ela sentealgo por mim. Não faz sentido nenhum toda aquela história de vou te ensinar… Desde quando se tem professora para essas coisas? É pensando nisso que fecho os meus olhos e aguardo as próximas duas horas, que é o restante do caminho até a rodoviária de Itaúna. Querer chegar de surpresa quando não se tem um carro — e mais importante uma habilitação — é bem complicado, mas aí me lembro que em Itaúna todo mundo conhece todo mundo, às vezes não me conhecem, mas sabem de quem sou filho. É o que basta. Sendo assim, não é difícil chegar de carona até a porteira na Vale dos Periquitos, dona Lourdes quando viva, colocou esse nome na fazenda, pois do lado esquerdo tem um morro onde várias aves botam e chocam seus ovos na primavera. Deixo minhas coisas afoitamente no chalé onde eu e minha mãe vivemos, ao fundo da casa principal, retiro o presente que comprei para Stella da mala, e vou a casa principal correndo. Quando cheguei não vi nenhum outro carro estacionado, além da picape de Stella, que ganhou de aniversário e me mandou fotos empolgadíssima, nem a caminhonete de seu Vicente, nem o carro que os empregados usam para os trâmites da fazenda. A casa está silenciosa, adentro-a até o corredor dos quartos, mas nada além de poucas luzes acessas. — Stella? — chamo baixinho, para não assustá-la caso esteja dormindo — Stella? — quando estou prestes a bater, a porta do quarto dela se abre, mas não é Stella quem sai dela, e sim Leonardo. De. Cueca. — Carlinhos — ele diz com desdenho, e só a cara dele me embrulha o estômago. — Não sabia que teria alguém em casa cedo assim. — O que você está fazendo aqui? — Uai… a Stella não te contou? — Me contou o quê? — Estamos juntos… Vocês se falam o tempo todo… pensei que soubesse. — Minha garganta se fecha, meu coração dispara, sinto minhas narinas arderem, mas respiro fundo. — Isso não é verdade, nós dois compartilhamos tudo — segredos, dos mais simples aos mais sórdidos, até mesmo as primeiras vezes. — Ou compartilhavam… Fala sério, Carlinhos, você é um pirralho ainda, Stella sempre te teve como um irmão mais novo. — Irmãos não beijam na boca ou transam, é o que quero responder, mas isso é tão nosso que parece errado compartilhar com esse cara. — Talvez não seja legal dividir com os mais novos detalhes… Íntimos. Deve ser por isso que ela não te contou. — Isso não é verdade — limito-me a respondê-lo. — Ah cara, só porque vocês se beijaram uma vez ou foderam? — A gente não fodeu… — A Stella faz isso o tempo todo, com vários caras, não se sinta especial por isso. — Respiro fundo e mordo o lábio, viro-me para sair, afinal não dá para ficar em paz com esse cara. — Quer dizer, ela fazia. Pois estamos sérios desde fevereiro, então… — Vocês o quê? — viro-me para ele de novo. — Você se mudar foi a melhor coisa que me aconteceu, deixou o caminho livre para que eu tomasse o devido espaço, então a pedi em namoro e ela aceitou. Stella sempre se segurou, pois eu e você não nos damos muito bem, mas agora já era…Não demoraremos muito a nos casar, obviamente. — A Stella vai fazer vinte e um anos, e ela já me disse que não se casará cedo e… — Eu sei, mas acabou que aconteceu. — O que aconteceu? Você? — Desdenho — pelo amor de Deus, ela… — O bebê. Ela também não te contou isso? — Que. Bebê? — encosto-me na parede para não cair. — O nosso — ele sorri —, vejo que vocês estão mesmo desconectados… Estamos no primeiro trimestre, decidimos que não contaremos para ninguém, mas pensei que pelo menos você ficaria sabendo… — Minha respiração está acelerada, mas não deixo-o perceber que ele está me afetando. — Você está mentindo. — Estou mentindo? Por que mentiria? Fala sério. Eu sou mentiroso ou você é iludido? Em que mundo você vive? Achou que a Stella ficaria com quem? Você? — ele ri, e me observa por um tempo, não digo nada, então ele prossegue — Achou mesmo que ela te escolheria… Então já respondeu minha pergunta, é um iludido. Cara, olha para você, preto, filho da empregada, mora de favor, essa é sua vida, tudo que você tem hoje é porque os Macedo te concederam, chega a ser hilário essa fantasia que criou. Cinderela só funciona para meninas, cara… E mesmo assim, ela era branca e loira. — Cada palavra de Leonardo atravessa minha mente, de tal forma, que por minutos perco a capacidade de devolver todas as ofensas que ele me faz. — Você já se olhou no espelho para falar da minha cor? — Leonardo é um homem pardo, de cabelo crespo, olhos escuros e muito bem apessoado. — E você sabe quantos dígitos tem na minha conta bancária? — Pegue seu dinheiro e enfie no seu cu, ou onde você bem entender. E agora eu vou conversar com a Stella, pois a conheço, ela não esconderia nada de mim. — Seu corpo bloqueia a porta do quarto que quero invadir, tamanha minha fúria. — Você não vai acordá-la! Minha mulher dormiu há pouco, ela está com enjoo. — Saia da minha frente agora ou vou esmurrar sua cara até você ficar irreconhecível. — Pode tentar a sorte. Venha — ele me desafia e cego pelo ódio parto para cima dele. Num instante estou me apoiando na parede para não cair, e no outro estou empurrando-o contra a porta, abrindo-a, caindo dentro do quarto dela. Nada! Eu não enxergo nada em minha frente, só o seu rosto bonito que quero estragar, deixá-lo vermelho. Ouço o primeiro estalo e não sei se é do nariz dele ou da minha mão, mas eu não paro, continuo. — CADU! CADU, PARA! — sinto o toque que conheço há anos, e isso me faz parar. Mal reparo a respiração arfante e nem sei diferenciar se o sangue é dele ou meu. — Que merda é essa Cadu? Você ficou louco? — ELE, É ELE QUEM FICOU! É VERDADE? — grito com ela. — O quê? Do que está falando? — Do bebê, porra! É verdade? — Você contou para ele? — ela se vira para ajudar Leonardo a se levantar. — Ele precisava saber! — Porra, Leo, falei que ia contar para ele! Você não me escuta nunca? Cadu, deixa eu explicar. — Explicar? Explicar? Você fodeu com tudo, Stella! — meu coração já não tem mais o ritmo acelerado de antes, afinal não sei se um quebrado em milhões de pedacinhos, pode sequer bater. — Você já teve sua confirmação! — Leonardo se coloca entre nós dois, ela nem mesmo tem coragem de olhar em meu rosto! — Stella — ela a abraça —, se acalma, você não pode passar por esse estresse. — Vai ser assim? Você não vai me dar chance de falar? — Sua voz chorosa, corta ainda mais meu coração, mas sinto que se eu amolecer agora, serei sempre capacho de um amor unilateral. Onde eu estava com a minha cabeça? Odeio ter que concordar com esse filho da puta, odeio, mas ele tem razão! Que conto de fadas foi esse que inventei? — Acho que seu amiguinho já disse tudo que tinha para falar! E adivinha? Não quero mais ouvir nada. De todas as pessoas do mundo, Stella, jamais imaginei que seria você a que eu mais desprezaria! Você me usou, você sempre soube, não é possível… Como pôde fazer isso comigo? — sinto meu choro preso começando a descer no meu rosto. — Você não tem o direito de acabar com a minha vida, Stella! Não tem! Acha que só porque tem dinheiro, pode fazer isso? Acabar com a minha vida? Esse bebê… — Carlos Eduardo, acho melhor você se acalmar e ponderar as coisas que está falando comigo. Uma coisa dita não pode ser retirada. — Ela fala, ainda sem me encarar. — É mesmo, Stella? Eu não ligo! Por mim pode ir, você, esse idiota, todos pro inferno. PESSOAS COMO VOCÊS SE MERECEM! — eu berro para eles. E o pior é que me corta mais o coração vê-los abraçados do que ela ter um filho dele. — O que você achou, cara? Que ela viveria com meio salário mínimo? Isso não paga nem a bota que ela usa! — Penso que a cara dele está pouco arrebentada, e parto para cima dele, o que me impede de seguir é Stella que se coloca entre nós. — SAIA DA PORRA DA MINHA FRENTE, STELLA! SAIA AGORA! — Ou o quê? Vai me socar também, você está sendo ridículo, para com isso. — Stella, ainda resta um resquício de respeito dentro de mim por você, então, SAIA DA MINHA FRENTE OU EU NÃO RESPONDO POR MIM. — Carlos? Por que você está gritando com a minha filha? — A voz de seu Vicenteecoa em minha cabeça tantas vezes que só quero acordar do pesadelo em que a mulher que amo está grávida de um idiota. — Ninguém vai me responder? — Não é nada, pai. — Vejo o medo estampado no rosto dela. — Uai, Stella, não me parece nada. — Parabéns, seu Vicente, o senhor será vovô — falo baixinho. — CARLOS EDUARDO! — Ela me repreende. Em outros tempos eu guardaria qualquer segredo dela, talvez até a ajudaria a esconder um corpo. — O quê você disse? — Sua filha, está grávida, não sabia? — Stella, o que ele está falando? — Pai, e-eu… — Quer saber? Eu estou de saco cheio. Vou embora. — Viro- me de costas, rumando para o quintal. — Ei! Espera aí! Eu ainda preciso falar com você. — A voz exigente de Stella me para. — Pois eu não preciso falar com você, Stella. — Sinto sua mão fria me tocar, incendiando-me sob sua palma, mas puxo o braço com força. — Stella, deixa, ele é um babaca. — Leonardo a puxa para si, fazendo meu sangue borbulhar mais ainda. — É, Stella, me deixe ir, escute seu cachorrinho, pois a coleira que você tinha em mim foi tirada há algum tempo, se precisar de um brinquedo novo, não tenho dúvidas de que Leonardo está mais do que disposto. — Carlos Eduardo, se você sair por essa porta, eu nunca mais irei olhar na sua cara. Está me ouvindo? — Foda-se, não me importo. Nesse momento não existe mais ninguém no mundo que tenha mais meu ódio do que você. — Quer saber? — ouço sua voz embargar — Leo, tem razão… Você está todo aprumado, se sentindo homem demais, ganhando trezentos reais por mês, e isso não paga mesmo nem a bota que eu uso! Não preciso de você, não preciso de ninguém, sou autossuficiente, não vou ficar rastejando por migalhas. — Sorrio com deboche para ela. — Migalhas? Quer falar de migalhas? Eu quem sempre vivi de migalhas, não só sua, como da sua família. Você sempre me teve na palma da sua mão, minha coleira sempre teve seu nome gravado, mas eu não quero mais isso. Acaba aqui. Realmente o que eu ganho é pouco, mas ao contrário de vocês, sempre precisei correr atrás das minhas coisas. Mas muito me admira, Stella, sempre estive ciente que você era filhinha de papai, mas agora ser uma… — CALA A BOCA. — Seu grito é tão alto que minha mãe aparece, segurando um pano de prato, com os olhos assustados. — Nem mais uma palavra, não quero ouvir sua voz, sou eu quem não quero mais saber de você. Espero que essa seja a última vez que ouço sua voz e vejo sua cara idiota. Eu odeio você. — Que bom que concordamos em alguma coisa. Até nunca mais. Jamais colocarei o pé nesse lugar, por Nossa Senhora, eu juro. Largo o caos instalado naquele corredor para trás, e agradeço a Deus por não ter desfeito a minha mala. Pego-a correndo, atravesso-a no meu corpo, e rapidamente penso em como sairei dessa fazenda no breu que está ao redor daqui. — Chico — bato na porta do senhor que me viu crescer, e mora no chalé ao lado de onde minha mãe mora e que fui criado — Chico, você está aí? Chico, abre por favor. — Oi, menino, tá com a mãe na forca? — Você pode me levar na rodoviária? — Gora, trem? Nem tem ôibus pra capitá sas hôra. — Sim, Chico, por favor, mando uma garrafa de cachaça de Viçosa. Mas eu preciso ir embora da fazenda agora. — Que bosta hein, Dudu — vejo-o afivelar o cinto, e pegar a chave da caminhonete rural que usa na fazenda —, vão bora trem. Só espero que mantenham o trabalho da minha mãe. A última coisa que vejo quando olho para trás, sobre a caçamba da caminhonete, é minha mãe, com as mãos na cabeça, o olhar desesperado e choroso partem o restante do meu coração. Eu volto para te buscar, mamãe. Stella Macedo Vinte anos Por milhares de vezes, é comum ver em filmes aquelas cenas onde algo terrível aconteceu e só é possível ouvir o zumbido. É algo bem clássico, que para mim só acontecia ali, mas vejo que quem criou esse momento, viveu exatamente minha vida neste determinado instante, pois é isso que está acontecendo comigo. Um zumbido estridente está bagunçando minha cabeça, fazendo com que ela rode e me deixe tonta. — Stella? — A voz rouca do meu pai é o que me tira do transe. — Minha fia, o que o Eduardo disse, é verdade? — Pai — minha garganta se fecha, tomada pelo choro — eu… — Seu Vicente, acho melhor vocês conversarem daqui a pouco, estamos todos muito agitados. Cida, traz um copo d'água pra todo mundo. — São os braços fortes de Leonardo que me erguem do chão e demoro segundos para perceber que fui posta em meu colchão novamente. Meu sono estava agitado desde o momento em que fechei os olhos, como vem sendo todos os dias, desde o maldito teste, mas ser acordada com dois homens embolados e sangrando no meu quarto é novidade. Vejo o nariz de Leonardo e não sei se quero um gelo para minimizar o sangramento ou socá-lo para que continue machucado. Léo não tinha esse direito. Como pôde? A decisão de contar para Cadu mal tinha sido digerida por mim. Quantas coisas eu ainda precisava entender para finalmente anunciar uma gravidez para um pai que mal saiu da adolescência? Quer dizer, eu me sinto adolescente ainda! De quem foi a decisão de nos tornarmos adultos aos dezoito? — Shh, calma, Stella, beba essa água. — Ele me entrega um copo e, ainda trêmula, forço-a pela minha garganta. — Por que você está de cueca? — pergunto quando percebo-o de roupas íntimas. Abril é um mês em que o outono dá as caras no interior. — Carlos Eduardo me pegou saindo do banheiro — ele abaixa-se e pega o short, vestindo-o. — Como está se sentido? — Péssima e com muita raiva! Como você pôde fazer isso, Leonardo? Você é a única pessoa que confidenciei essa gravidez. Nem a Luiza sabe. Porra, eu precisava contar para ele. EU! — Você já está de quase quatro meses, Stella, não ia falar nada? — Não se dá uma notícia dessas pelo telefone! — Stella, ele precisa saber, seu pai também. — Eu sei. Vou atrás dele para conversarmos… — Digo me levantando. — As coisas não podem ser assim. A gente se conhece a vida toda praticamente e estamos nervosos. — A mão de Léo me para e faz com que me sente na cama. — Calma, eu acho que você não pode fazer isso. — Por quê? — Léo estica as mãos e me entrega três notas de cem reais amassadas. — Eu estava discutindo com o pai do seu filho, porque quando contei sobre a sua gravidez, ele jogou trezentos reais, pedindo que te entregasse, para você “dar um jeito”, o chamei de idiota e o soquei, depois ele revidou. — Como…? Como assim? Olha Leonardo, se isso é uma brincadeira, é de péssimo gosto. — Desde quando eu iria brincar com você sobre essas coisas, Stella? Porra, é uma criança, sabe? Sei que em um primeiro momento você ficou em choque com a gestação, mas vejo em seus olhos que já ama essa criança, então… — Não, o Cadu não faria isso. Ele é um homem bom, correto… Eduardo não pode fazer isso, porque eu o amo. — Sinto muito, querida — Leo me puxa para seu abraço —, por você amar esse idiota. Alguns homens são assim, não sabem manter o tesouro que tem nas mãos. Mas você não precisa disso, estou aqui do seu lado. Porém acho que o entendo… — O quê? — Stella, olha para a realidade dele, e olha para a nossa realidade… Ele faz faculdade pública por um motivo, Eduardo não tem condições financeiras para custear os estudos, que dirá para ter um filho… — Porra, eu nem pensei nisso. — Serão fraldas, leite, roupas, planos de saúde, ele ganha meio salário mínimo, Stella, se ele abandonar a federal, mesmo que tranque por um tempo, em algum momento você ficará sozinha com esse bebê nos braços. Se ele sair da universidade que ele passou, o que será feito dele? E não diga que seu pai vai bancar isso, você é uma Macedo, ele não. — Léo, você não está me ajudando! — Meu coração dispara, e minha respiração se acelera a cada vez que Leonardo fala. Merda de pílula idiota, tinha que falhar na minha vez? Stella! Deus está ouvindo isso — ralho comigo mesma. — Desculpe, princesa, mas preciso que você pense com clareza neste momento, não só por você. Ele mal completou dezoito anos, nem mesmo sabe se é esse curso que quer seguir, você mesma disse, isso nos mostra aimaturidade dele. Pensa, é esse tipo de homem que quer ter ao seu lado? Ele não tem financeiro e nem emocional para estar com vocês nesse momento. Veja só como Carlos se comportou só com a notícia. — Quais as exatas palavras que ele usou? Sobre o dinheiro. — “Não quero saber dessa merda, vai estragar a minha vida e dê esse dinheiro para ela resolver tudo isso”. — Isso não se parece em nada com algo que meu Cadu diria. — Nã-ão — meu choro começa a ser copioso de novo, ao ponto de arder o nariz quando as lágrimas descem pesadas pelas minhas bochechas. — Não, meu bem, não fique assim. Só te contei isso para você saber quem está ao seu lado, não é para ficar pior. Eu estou do seu lado. — Eu não quero tirar esse bebê — começo a reviver o instante em que descobri que minha mãe faleceu. Até o momento esse tinha sido o pior dia da minha vida. Lembro-me de pensar que pelo menos um dia teria um filho ou filha para chamar de meu, e todo o amor que minha mãe não pôde me dar, eu daria a essa nova pessoa. E agora tenho alguém dentro de mim, e tenho a chance de poder amá-lo incondicionalmente, para sempre. Perder a mamãe muito cedo doeu e devastou-me de formas inexplicáveis, porém, a sugestão de perder um filho, e eu já considero esse feto um filho, poderia quebrar-me de uma forma que temo não haver paliativo existente que me faça ter vontade ou força de viver. — Você não precisa, pois não está sozinha. Estou aqui. Estarei para sempre ao seu lado, tenho certeza de que Luiza quer ser madrinha dessa criança. — E o que vou falar para meu pai? — Simples, vamos falar que eu sou o pai. — QUÊ? — Olha, Stella, não me anima nem um pouco ser uma muleta ou algo do tipo, mas você deve saber… Eu amo você uma vida toda e não existe nesse mundo limites para o que eu faria por você, agora vocês. — Eu não posso acabar com sua vida, está louco? Uma criança não é um adereço que você pode descartar depois. — Sei disso, eu tenho irmãos, lembra-se? Mas sou perdidamente apaixonado por você, sempre fui e não há nesse mundo uma mulher que possa me fazer feliz, se não você. — Léo, a gente não funciona assim… — Nós já transamos, Stella, sem contar que suas primeiras vezes são minhas, fui o primeiro homem que tocou sua boca e seu corpo. O certo é que eu me case com você. — Em que mundo você vive? — empurro-o — Não estamos na época dos nossos pais. Pelo amor de Nossa Senhora. — Stella, essa é uma cidade pequena. Todos vão falar de você, e eu não quero isso. — Adivinha? Não ligo, foda-se! Tenho coisas mais importantes para resolver hoje, eu tenho uma gestação de quase quatro meses, em cinco eu estarei parindo. — Eu ainda acho que a minha sugestão é a mais plausível. — Leonardo, eu não amo você. — O amor é superestimado, você ama o Carlos, já entendi, mas amo você, por dois, e o que amá-lo fez com você? Agora está desamparada e com um filho, Stella, você não é burra. Sem contar que com o passar do tempo você vai aprender a me amar como homem. Deixa eu fazer isso por você, Stella, por favor. — Você já imaginou quando essa criança nascer e se parecer com a Cida? Com o próprio Cadu? Você vai ser chamado de chifrudo. — Com sorte, a criança se parecerá com você, e se não, é algo para pensarmos ao longo do tempo. Mas até lá, vamos ter pensado em algo. Sem contar que nossa família tem dinheiro, em breve meu pai será candidato a prefeito, ninguém falará de nós. — Mas a Cida e meu pai não são burros, eles vão perceber! — Você acha que a empregada terá a audácia de questionar a patroa desse jeito? — Odeio quando ele fala assim da Cida. — Não fala assim dela. — Desculpa, tá ? Estou ficando nervoso. Deixe-me te ajudar, Stella, facilita. Quais as minhas opções? Deus, sou sempre temente a Ti, me ajude, espero que eu esteja tomando a decisão certa. — Eu acho que preciso pensar, Léo, não é algo que se decida de uma hora para outra. — Costumo pensar que para tudo na vida existem duas opções. Uma, você pode aceitar e montamos aqui e agora uma história sem furos, ou posso ir embora e você explica para o seu pai como se deitou com o menino que ele apadrinhou desde os cinco anos. Você nunca foi covarde, Stella. Decida-se. — Já pensou que Carlos Eduardo pode voltar aqui, todas férias e feriados? Já pensou o que ele vai fazer se vir a criança? — Isso é fácil, caso ele queira reivindicar algo, você vai seguir a mesma história, que o filho é meu. Se ele te pressionar, diga que abortou o bebê, e esse filho é meu. Vai ser a nossa palavra contra a dele. — Ele pode exigir um DNA. — E nós podemos pagar por uma resposta que nos beneficie, Stella. — Eu não posso tirar a paternidade dele assim, se ele voltar. Não entendo de leis, mas tenho quase certeza que caso falsifique um DNA, posso ser presa! Não vou me submeter a esse tipo de coisa. — Por isso estou falando que cuidarei de vocês, não precisará sujar suas mãos delicadas com isso, princesa. Você terá um homem de verdade ao seu lado. — Ele sabe fazer contas, se falarmos que esse bebê é seu, a criança deverá nascer prematura, e não sou médica, mas sei que não é recomendado engravidar logo após um aborto. — Você ainda tem esperanças que ele volte? — A mãe dele trabalha aqui! — Carlos não é homem o suficiente para voltar aqui, ele deixou dinheiro para um aborto, Stella. Mas, caso essa suposição sua, venha a tornar-se verdadeira, eu darei um jeito. — Não estou certa disso, Leonardo. — Uai, Stella, posso te levar a uma clínica, se for da sua vontade. Falamos para o seu pai que é mentira. — Essa opção, minimamente, faz-me suar frio. Prefiro morrer. — Mas, estarei aqui pelo que você precisar, na hora que precisar. Eu posso fazer isso, Stella. — Parece que você está me pressionando, e isso não está sendo bom para mim. Estou muito confusa , Léo. — Bem, você quem sabe. — Ele suspira pesadamente, e se levanta. — Não tenho mais nada o que fazer aqui. Sabe onde me encontrar. — Se fizermos isso, ficarei te devendo uma. Por mais ridículo que possa ser após tudo que vivenciei essa noite, ainda alegro-me em ter uma parte de Cadu comigo. E fazer um pacto desse tipo com Leonardo, parece-me errado, bastante errado. Tec, tec É o barulho que me acorda, levanto a cabeça para a penumbra que está o meu quarto, e custo a entender que alguém está batendo na minha janela. Será que Cadu voltou? Quando abro a janela, minha esperança se esvai, é só a Luiza. — Nossa, se eu soubesse que me ver te faria tão feliz, teria vindo mais cedo. — Desculpe — abro espaço para que ela pule e adentre o quarto. — E foi você quem me mandou uma mensagem, chamando- me. Eu estava em uma festa muito louca da faculdade — ela se joga na cama cansada —, com sexo em grupo. — Desculpe.— Deito-me ao seu lado. — Eu entrei, escondida de madrugada, contei sobre uma festa louca, com sexo louco e você pediu desculpas duas vezes. Vai me contar o que está pegando, ou terei que arrancar de você? Sua cara está péssima. Desembucha. Esse é o sinal que precisava. Eu falo tudo, tudo mesmo. Desde o primeiro beijo, como foi, todas as sensações, depois como as coisas passaram para um sentimento mais profundo, sobre meu receio dele ir para tão longe, e então minha proposta idiota sobre virgindade, e que visitamos o colchonete no celeiro mais vezes do que pretendia. E então, o teste positivo em fevereiro e essa noite, desde ele gritar horrores comigo, meu pai, Leonardo. Pela primeira vez na vida estou sendo detalhista. — Porra. — Olha só, Luiza, não é para você só falar isso. Só porra? Estou matracando há duas horas aqui. — E você não gritou de volta para o Cadu? — Não. — Isso não me parece em nada com você, Stella. De verdade. — Por quê? — Porque a minha Stella, não assistiria a vida dela se passando em frente aos seus olhos e não tomaria a frente.Você nunca foi uma coadjuvante apagada, que só está ali para preencher um espaço na cena. — Minha cabeça está explodindo há horas. — Eu deveria te dar um sermão por me esconder a gravidez, sou sua melhor amiga, não o idiota do Leonardo… — Eu estava desesperada! — Mas, só porquevocê está carregando meu afilhado, será poupada disso. — Obrigada. — Te desculpo, se me prometer que vai atrás de Cadu, nem que tenha que bater de porta em porta até achá-lo. Sem gritos, sem choros. — Ele disse que não quer me ver nunca mais, que atrapalhei a vida dele. — E você disse que o salário dele não paga sua bota. Cê foi mó escrota. — Está de qual lado? — O pau que dá em Chico, bate em Francisco, Stella. Estou do lado dos dois, de um amor que acompanho desde a infância. Vocês sempre se amaram. Não sei como isso tornou-se um amor romântico, mas isso não vem ao caso. O fato é que ambos falaram muitas coisas que conhecendo-os, pelo menos conhecendo você, tenho certeza de que foi no calor do momento. — Não queria falar aquilo, porra, sei que o Cadu vai conseguir muitas coisas ainda, e o valor da conta bancária dele não me importa, nem hoje e nem nunca. — Essa é a Stella que eu conheço. — Ela segura minha mão por cima das cobertas e então sorri. — Vou ser dindinha, meu Deus! — Sim, não existe pessoa melhor para esse cargo — alguns minutos se passam, e ficamos caladas. — Dormiu? — Não, estou pensando em umas coisas que me contou. Não é estranho essa história toda do Léo? — Como assim? — Cueca, Cadu, ele achar o Cadu… — Você não é amiga do Leo também? — Hmm.. sim. Mas a família deles é bem suja. Ainda não me esqueci que a Júlia cortou as cordas da minha cela na competição de hipismo. — Mas eles são irmãos, não farinha do mesmo saco. — Uma fruta não cai longe do pé, Stella. — Eu bocejo, fazendo com que ela também o faça. — Vamos dormir, amanhã é outro dia. Você vai atrás de Cadu, certo? Não seja a orgulhosa que conheço. E desfaça esse pacto do demônio com Leonardo. — Sim, para as duas coisas. Respiro fundo, com tanto sono, que não sei qual de nós duas adormece primeiro. A única certeza que eu tenho é que irei acordar cedo e ir até Viçosa. Cadu Vieira Itaúna, Minas Gerais, maio de 2022. Inspiro e expiro profundamente e quase sinto-me ser abraçado pelo cheiro do mato, a brisa de ar quente que só o centro- oeste mineiro consegue transmitir. Há mais ou menos vinte e três anos eu pisei aqui, ainda moleque, agarrado na saia da minha mãe. Mesmo pequeno, lembro- me de pensar “como saímos de Belo Horizonte para vir para o meio do nada, mãe?” Na época não entendia que minha mãe era viúva, tinha um filho pequeno para criar, e os serviços informais do meu pai não lhe concedeu uma pensão, nem algo do tipo. Não sabia o quão impactante era para ela trocar nossa casa de aluguel em um bairro humilde, mas bem quisto, por um barraco na periferia. Eu não entendia quando mamãe chorava no fim do mês, ou porque saíamos de um barraco para outro de uma periferia para outra, pois mais uma vez não conseguimos pagar o aluguel. Minha mãe tinha que fazer uma escolha: ou alimentar-me ou pagar nossa moradia. Quando uma senhora bonita e rica da zona sul ofereceu para ela um empego em sua fazenda, dona Cida não pensou duas vezes ao ouvir que não pagaríamos aluguel, alimentação e nem mesmo as despesas básicas de água e energia. Lourdes Dias, não sabe, mas ela foi nossa heroína sem capa. Mal consigo imaginar o que seria de nós se tivéssemos continuado na capital. Aqui eu tive a melhor educação, algo que minha mãe só cogitou me dar em sonhos. Estudei em escola particular, na mesma da filha de dona Lourdes e do seu José Vicente, eles custearam tudo, do uniforme à mensalidade, sem nunca descontar míseros centavos da minha mãe. No ensino médio, até mesmo um curso pré-vestibular o fazendeiro, na época já viúvo, pagou. E é graças a ajuda financeira dele, somado ao meu esforço, que entrei para uma das universidades mais conceituadas do país, a Universidade Federal de Viçosa. Tinha tudo para dar certo, a não ser pelo curso que eu tinha escolhido. Zootecnia. Brilhava-me os olhos aprender gerir o que na maioria das vezes seria o sustento de uma grande fazenda, porém foi um pouco tarde, quase no fim da graduação, que entendi que eu estava totalmente errado, mais uma vez, na minha vida. Mais do que fazer dinheiro em melhorias agropecuárias e genéticas, gosto de cuidar dos animais. E lá fui eu, abandonar o curso bem perto do fim, com o pé no capelo e beca, fazer de novo a prova e ingressar no curso de medicina veterinária. Até então foi sucesso. Percebi que sentia mais prazer em remover miíase do que calcular valor de sêmem ou óvulo. Eu sei, não é nada agradável para quem tem estômago fraco. Encontrei minha paixão, me formei, mudei-me para Belo Horizonte após a formatura, e comecei a trabalhar em uma das clínicas veterinárias mais conceituadas da cidade, na zona sul, bem no coração da Savassi. Um salário ótimo, ainda mais para mim, que nunca me importei com plantões noturnos, e até mesmo trocava com os colegas os fins de semana, fazendo uma renda extra que me permitiu comprar minha picape Strada 0km à vista. Era para eu me sentir feliz, bastante feliz. Mas o caso é que eu não estava. Nem um pouco, longe disso. Eu amo animais, isso não é discutível. Mas nada ali me desafiava. Estava cansado de tratar alergia alimentar, otite, depressão, insuficiência renal, gastrite, obesidade e erlichiose[5] nos cães e gatos da família rica. Meu trabalho voluntário em ONGs era o que mais me deixava animado nos últimos tempos. Uma vez questionei a Nicolas[6], meu melhor amigo, o que era felicidade. E lembro-me como se fosse hoje, o cara mais inteligente que conheci na minha vida, sorriu e respondeu: — É só um estado passageiro, Cadu. Poderia ser como água, em sua forma sólida nos polos, mas é como ela em estado gasoso, frágil, rápida e passageira. Essa é a felicidade, então cabe a nós aproveitarmos antes que termine de evaporar. Foi pensando nisso, no pequeno lapso que é a felicidade que decidi pedir conta, e aceitei o trabalho na Fazenda Vale dos Periquitos. Onde jurei nunca mais colocar os pés. Quando, aos dezoito anos, juntei a mala de mão com minhas roupas, não pensei que eu voltaria. Jamais imaginei que voltaria depois de tudo. Essa é a verdade. Mas é como fala aquela música, vai que bebereis. Aqui jazo eu, há vinte minutos rodando na estrada de chão batido, levantando a poeira vermelha atrás de mim, deixando minha picape branca pedindo socorro, um lava a jato e um esteticista automotivo. Aliso o banco de couro, sintético, e suspiro pesadamente. Itaúna modernizou tanto nos últimos anos. Quando era pequeno, lembro-me da primeira vista, não tinha um prédio, e para mim que estava acostumado com a capital, foi um baque significativo, e hoje, ao passar pelo centro, me senti em Belo Horizonte por alguns instantes. Mas foi por pouco tempo, minutos depois já é notável que estamos no interior. A calmaria, os carros parando na faixa de pedestre, sem um semáforo, deixando as pessoas atravessarem, idosos sentados às 11h da manhã na praça jogando dominó, os cumprimentos de cabeça e acenos de mão, deixa claro que todo mundo se conhece, e os que não se conhecem, com certeza sabe quem é seu pai, mãe ou algum parente seu. Eu nem sabia que sentia falta, até rever isso. Luan Santana chora no meu som, em uma versão mixada, enquanto absorvo a paisagem, e curto meus últimos minutos de paz e preparo minha áurea para rever a Demônia. Começo a já fazer minhas preces a Nossa Senhora Aparecida, pedindo que ela me abençoe, dobre minha paciência e… Que porra é essa? Misericórdia Mãezinha do céu, desculpa. Uma égua branca, linda, está pastando na margem da estrada, solta, sem nenhuma amarra. Estaciono bem próximo da cerca marginal, e desço do carro. Uma nuvem de poeira cobre meu vans old skool branco, fazendo-me rir ao lembrar de Nicolas falando que eu não combino com o campo. É Nickinho, talvez eu precise me adaptar. A fim de evitar um possível coice, aproximo-me da égua em sua lateral, e vocacionado para que ela me olhe. Sem vontade nenhuma, ela levanta a cabeça e me olha com desdém. Sua crina está trançada diversas vezes, presa com tererê colorido. Observo-a e percebo que se trata de uma MangalargaMarchador. Pura, aparentemente. — Ei, moça — chego mais perto dela, vendo se ela aceita meu toque, esticando a mão calmamente — o que você está fazendo aqui sozinha, hein? Você pode causar um acidente. — Toco-a, e ela inclina-se ao carinho. — Humm, você é carente, é? Onde está o seu dono, hein? — Olho a sela cara que está perfeitamente alinhada no dorso do animal. Passo a procurar algum indício a quem pertence, até que ouço o farfalhar da mata fechada ao meu lado. — Tira a mão da minha égua! — A voz arfante e altamente reconhecível, mesmo depois de tantos anos, faz meus pelos se arrepiarem de gastura. — A capital te deixou surdo? Eu mandei tirar as mãos da minha égua. — Uma vez foi perfeitamente audível, Stella. — Uai, o que tá esperando então? — Viro-me para sua voz, e estagno ao olhar seu rosto. Suas bochechas estão coradas, a única covinha que ela carrega do lado direito não está aparente, mas as sobrancelhas marcantes estão franzidas e o rosto tenso fazem a boca larga e de lábios grossos ficarem mais proeminentes. O cabelo longo demais, que na sombra parece ser preto, mas ao sol sei que é castanho, está bagunçado, mesmo sendo liso com leves ondulações, olho-a de cima abaixo e percebo que Stella Dias Macedo parece intocada pelo tempo. Ainda reconheço a moça de quase vinte e um anos que quebrou meu coração, na mulher de trinta e um anos parada na minha frente. As vestimentas também parecem não ter mudado nada, mas isso faz é tempo, desde que me lembro dela, é a mesma coisa: uma bota de montaria, que compraria todo meu guarda roupas com certeza, uma calça jeans skinny, às vezes — muito raramente — uma flare, um cinto largo, com a fivela oponente na frente, uma regata de cor clara na primavera e verão, que ela substitui pela camisa xadrez de flanela escura no outono e inverno. Na cabeça sempre tem um chapéu tradicionalmente branco, ou um boné com o brasão da Fazenda, raro são os momentos em que ela está com os cabelos soltos como agora, o que eu estranho. — Achei que você tinha ido estudar, mas voltou mais ignorante do que foi, não sabe o que é soltar uma égua, diabo? — Desculpe, eu… Quer dizer, desculpa nada! Eu estava tentando tirar a égua da estrada, preciso passar. — E tirou essa carteira onde, hein? Quer que eu tire o carro para você? As autoescolas de Belo Horizonte não ensinam a desviar de obstáculos? — Respiro pesadamente, engolindo a raiva que seca a minha garganta. Ela já está próxima a mim, e pega a guia da égua. — Não vou gastar meu tempo com você, Stella. Ótimo que chegou, tira a égua da estrada, e pronto… Vou seguir caminho. Aliás o que você estava fazendo no meio da mata? — Não sabia que te devo satisfação, e você pensa que tá indo onde? — Eu também não te devo satisfação nenhuma. — Olho-a de cima. Por mais que Stella tenha 1,70m, eu supero sua altura, em dezesseis centímetros.— Mas se quer tanto saber da minha vida, estou indo para a Vale dos Periquitos. — Sua boca se abre como quem irá começar uma briga, e minhas costas tencionam, pois sei o que essa boca é capaz, tanto para o prazer quanto para me destruir. — O que você está indo fazer na minha casa? — Uai, Stella, seu Vicente não te contou? Prazer, Carlos Eduardo, médico veterinário responsável pela Vale do Periquitos. — Sorrio de satisfação ao ver o choque em seu rosto. — O quê? Como assim? — Ela me mede de cima abaixo e balança a cabeça desacreditada. De repente começa uma crise de risos descabida, em segundos está gargalhando. — Não sabia que era comediante, Carlos, você tem futuro. — Eu odeio que me chame de Carlos, a Diaba sabe disso. — Não estou entendendo os risos, Stella. — Você se olhou no espelho hoje? — Várias vezes. — Pois deveria voltar, pois essas roupas de mauricinho, além de ridículas, não dão credibilidade nenhuma a essa história sem pé nem cabeça que está contando. Eu sou responsável por contratar e demitir, e você é a última pessoa que contrataria. Quer dizer, nem assim, eu mesma ingressaria na faculdade de medicina, me formaria, ao invés de deixar meus animais sob o seu cuidado. — Que bom que foi seu pai então que me contratou, eu odiaria ter que ver sua cara todos os dias. — Olha aqui, seu… — Dona Stella, seu chapéu e seu topper... — Um rapaz musculoso, vestido tipicamente como um peão da fazenda, porém um tanto desalinhado surge do lugar que ela saiu há pouco. Olho para seu cinto, percebo que ele está torto e com a fivela larga parcialmente aberta, fixo os olhos na regata, e posso ver o relevo dos bicos de seus seios. Como dois e dois são quatro percebo o que eu ainda não havia concluido. Stella estava transando na mata, com um cara que, por nomeá-la como dona Stella, deve ser funcionário na fazenda. Mordo o lábio, eu preciso do emprego, evitando que os dizeres mais esdrúxulos saiam da minha boca. — Você estava transando no meio do mato, Stella? — Não lhe diz respeito minha vida, Carlos. — Minha bile sobe à garganta e eu a engulo, mas isso não evita que sinta o gosto amargo na boca. — Mas estava sim, e você como o belo empata foda que é, veio mexer na minha égua. — Você não tem vergonha não? Stella, se você me escutou conversando com o animal, estava logo à margem da mata, e ainda… — E daí? — Quer saber? Você está certa. Foda-se. Só espero que no meio você tenha esfregado sua boceta num monte de aroeira[7], que se coce inteira, e… — Quem você pensa que é? Carlos… — um ônibus escolar se aproxima, trazendo a nuvem de poeira, para ao se aproximar de nós, e buzina. — Merda. — Oi, mãe — um garotinho coloca a cabeça para fora e balança o braço — posso descer aqui e ir de garupa? — Oi, amor, não a mamãe está trabalhando, desce em casa, a Cida está te esperando para o banho e almoço. Já vamos tirar o carro e a égua, Solange — ela sorri simpática para a motorista. — Tudo bem, dona Stella — a motorista sorri simpática. Pelo jeito, nada mudou por aqui. Stella tem tudo que quer, na hora que quer. E antes que Stella volte a bater boca comigo, viro de costas e entro no carro, dando partida, acelerando bastante para subir toda a poeira nela. Pelo retrovisor vejo ela montando na égua, e o peão logo atrás dela. Minha Nossa Senhora Aparecida, eu estava fazendo uma prece, me desculpa a interrupção, mas essa capeta me tira do sério. Me ajuda a aguentar essa mulher, pelo amor que a Senhora tem a mim. E pensar que nunca me esqueci desses olhos achocolatados. Stella Macedo Ainda estou tremendo quando desço da minha égua na porta de casa. Não, meu pai não faria isso comigo. Não é possível. — Valentino, guarda a Lua pra mim — falo entregando as rédeas da minha égua ao capataz que acabou de descer da minha garupa. Valentino é um homem bonito, tem trinta e cinco anos, e quando preciso de alívio sexual, grande parte das vezes, é ele quem me auxilia. Sua pegada é forte, as mãos são ásperas, e seu cabelo grande é um charme a parte. Às vezes tudo que uma mulher precisa é de um pau acima da média e um copo d’água. Mas na raiva que eu estou agora, nem se juntasse os paus de todos os peões da fazenda e o rio São Francisco todinho, me sentiria melhor. Como meu pai tem coragem de fazer isso comigo? E eu nem posso chamá-lo de fodido. Vejo a picape branca do idiota, e a vontade que tenho de jogar esterco nela, o que me reduziria a uma adolescente, é bem grade. Adentro a casa, virada no Jiraya, passo pela cozinha, e mal vejo a cara de Cida, não acho Henrique por perto, imagino que está no banho, sem pensar demais, arreganho a porta do escritório do meu pai. —... dir desculpas, eu não tinha o direito. — Ouço-o falando, sem se importar que estou parada feito um furacão — De toda forma, sei que já conversamos pelo telefone — ele e meu pai se falam pelo telefone? — e por e-mail — meu pai responde os e-mails dele? Porra, eu tenho que acessá-lo e responder os fornecedores, porque papai diz que “quem precisar de mim, deve me ligar” — mas gotaria de reforçar que sou enormemente grato por tudo que o senhor e a dona Lourdes fizeram por mim, e se hoje sou médico veterinário, foi porque vocêsinvestiram em uma excelente educação para mim. — Carece disso não, Carlos, ocê e sua mãe são da família. — Carlos está de costas para a porta, e meu pai está despojado, como uma galinha ao sol, em sua cadeira de couro, pernas cruzadas sem nenhuma preocupação. Bato meu pé no chão, esperando que eles me notem. — Pai — chamo, antes que ele resolva continuar batendo papo, como se tempo não fosse dinheiro —, bença — aproximo-me, e beijo sua careca. — Deus te abençoe, onde que cê tava? — Medindo terra com o Valentino. — Vejo Cadu balançar a cabeça em negativa e bufar como um boi bravo — ele nunca saberá que na minha cabeça ainda o chamo assim. — Voltou rápido, uai, mas ainda bem que chegou, contratei um médico veterinário, o último cê deu cabo nele. — Eu não. Ele. Matou. Meu. Touro. Procriador — estou cansada de repetir essa história. — Mas falei que ia contratar, já até entrevistei, pai. Joaquim começa amanhã. — Bom, depois que eu ligar e informar que o emprego é dele, mesmo que ele não me passe muita segurança. — Não tem problema, a fazenda é grande, precisa de mais de um, e Carlos conhece aqui como a palma da mão. E cê olhou o tal do biólogo pra cuidar da praga? — Sim, Luana começou ontem. — Bom, então não tem pendência, leva o Carlos para o Matheus, tem uma papelada lá pra registro e pega a documentação dele e manda pra Luiza em BH,e… — A gente pode conversar a sós antes? — interrompo-o, não quero discutir a demissão desse babaca na frente dele. Tenho ética. — Vou ver a minha mãe e descer as malas — Cadu se levanta, entendendo o recado. — Gracinha preparou o quarto de hóspedes pro cê, é do lado do quarto do Henrique, espero que goste. — Seu Vicente, não precisa disso, posso dormir com minha mãe, tranquilamente. — Claro que precisa, cê já é homem, não pode ficar dormindo com a sua mãe. No alojamento está cheio, e como cê é cria daqui, não tem problema ficar dentro de casa com nós. — Então muito obrigado. Vou deixá-los a sós. — Pode chamar Gracinha, ela te leva ao seu quarto, e fica à vontade. Bem-vindo de volta. — A porta mal se fecha, e já paro na frente do meu pai. — Como assim, você contratou o Carlos Eduardo, pai? — Uai, ainda não me aposentei, ainda sou dono dessa fazenda. Qual o problema? — Você não pode me delegar uma função e cuidar dela. Como vou dispensar o Joaquim agora? — Já falei pra contratar o menino, uai. — Dois veterinários? A documentação pede um. — Se a gente tivesse dois, não estávamos nessa peleja, Stella. — Por que tinha que ser o Carlos? Não conhece mais nenhum veterinário? Nessas bandas é o que mais tem. — Stella, não tenho que justificar minhas decisões procê. Eu tava tomando café esses dias, e a Cida tava no telefone, de vídeo, com o menino. Ouvi o papo deles — meu pai agora é fofoqueiro, era só o que me faltava mesmo. — O menino tava procurando um emprego e era questão de dias até cê espantá o coitado do médico, pois fui lá e fiz a proposta. Resolvido. Mas me diga, qual é o problema com o menino da Cida? Ele te fez alguma coisa? Quer me contar algo, fia? É sempre esse mesmo questionamento. Há dez anos eu ouço: Quer me contar alguma coisa? — Não tenho — digo firme —, mas não quero trabalhar com ele, eu o odeio. — Mas por quê? O que aconteceu? Cês não eram unha e carne, Stella? O Eduardo é um menino bom, confiável, generoso… — quem vê cara, não vê coração mesmo, céus! — Sempre pensei que ele seria meu genro. — Minha garganta seca na hora, e engasgo com uma lufada de ar — Do nada, ele é a pior pessoa do mundo? Eu me recuso a abrir essa caixinha de Pandora. — Não quero vê-lo. — Simples, deixe-o trabalhar, não interfira no serviço dele. Só apresenta ele o povo que precisa, e pronto. — Você o colocou para dormir no quarto do lado do meu. — E??? — suspiro frustrada e sento-me. Se eu sou teimosa, só tinha uma pessoa a quem puxar, e ela está bem na minha frente. Mamãe era tão maleável, pacifista. Mas aí eu tinha que puxar meu pai. E entrar numa queda de braço, ou no caso: poder, com ele é batalha perdida — Sabe, Stella, não tô convencido de que sei tudo que eu preciso sobre ocê e o Eduardo. — O que você precisa saber é que ele é um idota, egoísta, egocêntrico, sem nenhuma moral e não honra nem o pau que ele carrega no meio das pernas. — Minha fia, por que tanta raiva? Seu coração é muito duro, Stella, cê devia aprender a perdoar, sua mãe te ensinou isso. — Sorrio sem humor, e quero dar uma resposta malcriada, mas limito a lembrá-lo quem é meu pai. — Falou o homem que comprou a fazenda de herança de João Gomes Xavier, só porque ele beijou a sua namorada no ensino médio. No caso a minha mãe. — Sua gargalhada alta faz com que eu queira sorrir e quase esqueço que Cadu é o novo colaborador da fazenda. — Por isso eu disse: sua mãe te ensinou. Vai trabalhar, Stella, cê fala que tempo é dinheiro. — Vou ver o Henrique e já vou. — Levanto-me para seguir minha vida, mas paro de costas quando ouço-o de novo. — O seu problema Tella é achar que eu sou besta, e a Cida também. Boa tarde. Pronto. Voltou. A raiva todinha. Por que diabos esse trem tinha que voltar ? Inferno. Procuro Henrique no quarto e não o vejo. Vou até a cozinha, nada. Não acredito que esse menino já foi aprontar sem nem mesmo almoçar. — Cida, cadê Henrique? — Uai, sei não. Falei pra ele vim comer, preciso tampar as panelas. — Cida e essa mania de querer limpar a cozinha. Tenho vontade de rir toda vez que fala isso, pois sempre fica ensandecida quando a gente não almoça no horário que ela quer. — Já falei para corrigir esse menino, Cida, você e meu pai deixam Henrique fazer o que quer, por isso ele é assim. — Dona Stella, cê quer que eu faça o quê? — odeio vê-la me chamar assim — O menino é meu patrão tamém. — Ah pronto! Seu patrão? Pela madrugada, Cida, você trocou as fraldas dele! Henrique não manda nem na roupa que ele veste. Já tem nove anos que estou falando isso. — Mãe, mãe, mãe, mãe, mãe — um furacão entra na cozinha — mãe… — Que foi, trem? Desencarrilhou, foi? — sento-me esperando que ele venha até mim. — Cê sabia que o dotô novo é filho da Cida? Eu não sabia que ela tinha um filho! Ele é grandão e… — Dormiu comigo? — corto-o. — Desculpa. Bença, mãe. Mas ele… — Deus te abençoe. Já pediu a benção a Cida? Chegou parecendo que engoliu uma maritaca! — Já uai, deixa eu contar! — Henrique, acalme-se. Onde que você viu o Carlos? — Não vi, a Gracinha me contou. — Pelo jeito, não é só meu pai que vive de fofoca nessa casa. — Olha só, eu não quero saber de você em volta dele, ouviu bem? — Deus me livre desse desastre. Nós já fomos rejeitados uma vez, não precisamos de um superpai ativar aos quase dez anos. Como se ele fosse homem o suficiente para isso! Para todos os efeitos, eu tirei o filho dele. Ele mesmo pediu, certo? Calma, Stella, se acalma, só você conhece essa história. A outra pessoa que também sabe está morta e enterrada. Tem a Luiza também, mas essa de fato é sua amiga e está há quilômetros de distância. — Por quê, mãe? — É dona Stella, por quê? — Cida me questiona. Essa merda vai ser pior do que eu imaginava. Céus! A vontade que tenho de dar uma resposta atrevida chega a espumar minha boca, mas lembro que eu mesma escolhi omitir de meu pai e Cida — e da cidade inteira — sobre a verdadeira paternidade de Henrique. Sou mãe solo e pronto. Não que o mundo tenha sido legal e deixado Henrique minha cópia fiel. Obrigada, genética! — Contém ironia. Consigo ver claramente o sorriso de Cadu em meu filho, sem contar que o jeito que andam é igualzinho, pelo menos na infância, os olhos de chocolate derretido também. Mas acho que essas coisas são sutis demais para terceiros perceberem a semelhança. Porra, Carlos Eduardo, o que você veio fazer aqui? Há exatos dez anos eu vejo a pergunta não verbalizada permeando os lábios de Cida e papai sobre Henrique ser filho de Carlos, mas, Deus é bom, e nunca houve questionamentos diretos quanto a isso. Acho que tudo que envolveu meu trabalho de parto e o pós- operatório, os assustaram um pouco. Mas lembro-me de Cidaofegar assim que cheguei com um pacotinho azul em casa. Penso se ele recém-nascido parecia mais com Cadu. Bem que mamãe dizia: por vezes devemos ser gratos pela desgraça. — Porque eu tô falando. Tem serviço demais, tempo de menos, tanto que vamos ter dois médicos agora. Preciso exportar uma tonelada de Angus, preciso preparar a fazenda para os búfalos, não quero Henrique em volta, atrapalhando as coisas. Escutou, rapaz? — Mas, mãe, quando eu crescer, quero ser dotô também, já tenho que aprender, e… — E nada, Henrique, quando você tiver idade, vai entrar na faculdade e tirar seu diploma, até lá, você vai estudar conforme seu ano escolar, deixando para atrapalhar o serviço depois. Agora almoce, e se apressa, a natação começa às 15h, e o Bruno vem te pegar às 14h. — Mas eu não quero ir pra natação, mãe. — Eu não quero ir trabalhar, Henrique, mas preciso. Seu médico disse que é importante, então você vai. Agora, bora, almoço porque não pode nadar de barriga cheia. — Qualquer coisa que precisar, pode me chamar, de Gracinha mesmo — Ouço a voz feminina da auxiliar que Cida contratou para ajudá-la há alguns anos. Olho para trás e meu maior pesadelo vem se chocando bem na minha frente. — Carlos, que bom que já acabou — chamo sua atenção para mim —, tenho que te levar até o Matheus, imagino que possa conversar com sua mãe daqui a pouco. — Cadu traz consigo uma maleta de couro que parece pesada, um jaleco sobre os ombros, e um sorriso presunçoso que quero arrancar-lhe no tapa. — Sim, posso fazer isso depois. Até mais, moça. — Vejo-o olhá-la com discrição, mas ela percebe o mesmo e sorri derretida. — Vamos logo — apreço-o. — Relacionamentos são proibidos entre os colaboradores da minha fazenda — falo assim que estamos do lado de fora. — Ah sim, é uma exclusividade sua trepar com seus colaboradores. Já entendi. É bem ético. — Olha aqui! — viro-me para olhá-lo, e tenho que erguer a cabeça. Os olhos chocolates me encaram dizendo tantas coisas que por um momento eu me calo. Nossas bocas estão pareadas tomando o mesmo ar. — Acho bom você saber exatamente o seu lugar, meu pai pode ter te contratado, mas pouco me custa te demitir. — Esqueço-me como você fica irritada quando suas ordens são questionadas. Fique tranquila, não sou do tipo que está em busca de acalento. Se eu quiser uma boceta, sei o caminho. Mas me explica uma coisa, seu macho sabe que você está distribuindo? Onde está o seu cachorrinho de estimação, Leonardo? O relacionamento de vocês é aberto? Ou você meteu o pé nele também? Usou, abusou e jogou fora, foi? — Minha mão para na cara dele, antes que seu sorriso de merda se abra. — Leonardo morreu há anos, idiota! E lave sua boca para falar dele, ele foi mais homem do que você. Pelo menos foi homem para… — Calo a boca. Merda. Estou com tanta raiva dele que meu peito sobe e desce pesadamente. Não sei se ele faz isso por raiva de Carlos Eduardo ou da culpa que sinto pela morte do meu amigo. — Você deu um tapa na minha cara, Stella? — Vai dar o outro lado para eu bater também? Ou agora é covarde e vai revidar? — Eu não sou covarde, e… — Tá, vamos acreditar nisso. — Nunca bati em uma mulher, Stella, não em uma vestida. Não preciso que me apresente nada, eu me viro. Sempre fiz isso. Só vou te pedir uma coisa, até hoje vivi como se você não existisse, deletei você completamente da minha vida, foi como se nunca tivesse te conhecido ou que habitasse o mesmo planeta que eu, então é só ficar longe de mim, e realizar meu desejo. Não exista para mim. Carlos se vira, descendo em direção aos alojamentos, deixando-me plantada próximo a minha casa, com a mão ardendo. Odeio tanto ele. Por que você voltou, Carlos? Cadu Vieira Leonardo está morto. E minha cara está queimando com o tapa que recebi dela. — Ignoro isso, e volto a pensar no babaca mauricinho. Como assim? Morto? Quando foi isso? Como foi isso? Desde que saí dessa fazenda, naquela noite, eu nunca mais voltei. Sempre levava minha mãe até Viçosa. O bar onde trabalhei por alguns anos ainda tinha um quartinho nos fundos que alugava por uns dias quando minha mãe ia me visitar. Lembro dela ficar ensandecida naquela noite, demorei demais para chegar em meu alojamento. Mamãe sempre tentou falar comigo sobre como as coisas estavam, sobre a gestação de Stella, ou o namoro repentino com o babaca. Mas sempre a cortava, por fim, numa terceira vez em que tentou, eu lhe disse — com muito pesar — que se insistisse em radiar toda a história de amor de Stella para mim, preferiria não ligar mais para ela, e nem que fosse me visitar. Surtiu o efeito desejado. Não soube mais nada dessas bandas de cá. Nem se eles haviam se casado, se o bebê era menino ou menina, onde moravam… Nada. Foi assim por dez anos — mais ou menos, pois posso enganar a todos, mas por todo esse tempo ela orbitou minha cabeça, na base do ódio, mas ainda assim viveu aqui — e continuará assim. Pois sou um novo homem, aquele moleque franzino e ridiculamente apaixonado por uma mulher que não o merece, não existe mais. — Carlos? — uma voz rouca tira-me dos devaneios. Levanto a cabeça, me deparando com um homenzarrão, forte e em roupas de campo. Galocha, calça jeans, blusa de manga comprida, o cabelo escuro está em um corte samurai, sua pele é bronzeada pelo sol, e seu rosto não me é estranho. — Sim? — Sou Matheus, lembra-se de mim? — olho-o perdido — Filho do prefeito, ôh moço, a gente pegava a mesma van na escola! — Ah, sim! Meu Deus, quanto tempo! — Sim, você desapareceu! Eu sou o engenheiro agrônomo, responsável técnico pela fazenda. Seu Vicente me disse que você é o novo veterinário. — Sim, cheguei não tem nem duas horas. — E já passei raiva de atacar minha gastrite. — Vamos lá na minha sala, preciso te passar uma papelada! — Ele começa a caminhar para o estábulo, e o sigo. — Me conta, como está a capital? — Bom… Depois que preencho, carimbo e assino diversos papéis para Matheus, que mantém uma conversa alegre e tranquila, ele me leva para “conhecer” a fazenda, cada um sobre um cavalo que valem mais que nossos salários, com certeza. Muitas coisas mudaram. Houve melhoras na infraestrutura, aumentaram ainda mais os pastos, a plantação agora é diversa, de forma que a Vale dos Periquitos fornece hortaliças para cidade e grandes safras para a CEASA da região metropolitana de Belo Horizonte. Nos bovinos, além de leite, a fazenda fornece cortes nobres, como boi Angus, e pelo que entendi uma estrutura está sendo montada para receber espécimes de búfalos vindos do Texas. Os suínos também foram ampliados, e logo em frente existe um espaço grande destinado a frangos. Pelo que entendi, eles parecem estar sofrendo com perda de peso no setor de proteína, e isso deixa Matheus estressado, também existe uma praga no milharal que o irrita, e o fez pedir a contratação de uma especialista. Passando pela plantação, Matheus me apresenta à Luana, a bióloga está de luvas, coletando amostras nos indivíduos afetados por insetos, e isso me lembra Nicolas, mal cheguei aqui e só quero uma noite no balcão da The Jungle, para que possamos vomitar toda nossa semana um no outro. Se bem que, entomologia não é bem sua paixão, ele ama se debruçar em uma pilha de fósseis e descobrir coisas que deixaria Darwin e Lund orgulhosos. — Sentiu saudades daqui? — Matheus me pergunta quando vamos passeando de um pasto para outro num trote tranquilo. — Eu não sei bem — sorrio sem graça —, tenho muitas lembranças daqui, as últimas não foram… agradáveis. Mas na faculdade eu sempre lidei melhor com animais de grande porte, sempre que penso em fazer um mestrado, penso em algo voltado para o campo. Um dia, seu Vicente, ouviu minha conversa com a minha mãe, então fez a proposta. — Mas pelo menos você viveu fora daqui. Não me leva a mal, o interior é ótimo, o salário da Vale dos Periquitos é o que mais me faz ficar aqui. Mas com a sua profissão, você pode trabalhar em qualquer lugar. Não vejo destino para mim a não ser estar enfurnado em braquiárias, estrume e ração. — Mas você tem uma sala legal e com ar condicionado— brinco com ele. — Sim, dentro de um estábulo, amo o cheiro de cavalos — ele gargalha —, mas não posso reclamar, quando trabalhava para os Xavier, eu não tinha nada, nem dignidade, quase perdi meu registro. — Você trabalhou para concorrência? Que feio. — Uai moço, quantas fazendas dentro dos trâmites, que paga um RT, você acha que tem por aqui? Todo mundo sabe que seu Vicente é o homem que mais tem dinheiro e dignidade na região. — Mas você foi contratado pelo Xavier. — Isso foi só porque aqui tinha um, João Gomes Xavier quer concorrer a altura, mas é complicado, o cara sonega imposto, passa os fornecedores para trás, e tudo ele quer resolver com dinheiro, acredita que ele tentou barganhar com a vigilância sanitária? — Sério? — Sim. E nesse dia, eu fui até a documentação, juntei toda a minha papelada, computador, e mandei um contador entregar a minha carta de demissão. — Esse homem não tem hombridade nenhuma. — Nunca. Na verdade ninguém daquela família, pensa só, o primogênito morreu antes dos trinta, se isso não é castigo de Deus, não sei o que é. — Deus é amor, homem — rio da cara dele —, ele não castiga. — Mas cobra. — Quem deve tem que pagar. — Uma ideia me ocorre. Nada mais acalenta um mineiro, quando alguém dá corda pros casos que eles querem contar. — Mas aqui, do que ele morreu? — Ah, cada um fala uma coisa. Mas parece que ele discutiu com dona Stella, é isso que Gracinha me contou, ela tá aqui desde os dezoito anos, acho que foi na semana que começou a trabalhar que tudo aconteceu. Parece que estava chovendo muito, ele saiu daqui muito bravo, montou no lombo de um cavalo e foi-se embora. Mas aí, na curva pra porteira dele na estrada, um carro de farol apagado cacetou ele em cheio, morreu Leonardo e o cavalo. O trem foi tão feio, moço, que o velório foi de caixão fechado. — Um péssimo jeito de morrer. — Coitado do cavalo. — Era o tinhoso que dona Stella montava naquela competição estranha que participava. Era brabo o bicho. — É, lembro-me dele — um cavalo de pelagem castanha, que Stella chamava de Caramelo. Ela é péssima nisso! Pelo menos o filho teve sorte ao ser nomeado — Não precisa chamar Stella de dona, sabe que é da idade dela, né? — Mas você sabe que se eu chamá-la de Stella, Rubia, minha noiva, me trava no canivete — ele gargalha, rindo da própria noiva. — Tô brincando. Mas é costume, ela quem traz a folha de pagamento, assina o cheque, não somos mais só conhecidos, eu trabalho para ela. — A poderosa Stella. Antes que pense em mais alguma coisa para preencher o silêncio, um chiado se faz presente. — Matheus? — O bom rapaz, tira um rádio da cintura e aperta o botão. — Fala aí, fí. — Tô indo na prefeitura, preciso das guias de pagamentos para retirar o alvará. — Chego aí num tempo — ele responde —, vão subir? Amanhã a gente continua seu passeio. — Claro. Quando entregamos os cavalos usados para Tadeu, um peão novo e sorridente, vou com Matheus até sua sala para pegar minhas coisas. — Valentino, você vai me salvar! — Ele diz ao homem que estava com Stella embrenhado no mato. — Ah, esse é Cadu, ele é médico veterinário. Esse é Valentino, capataz da fazenda. — Conheci ele mais cedo — é o que eu digo. — Prazer, dotô. — Só balanço a cabeça em sua direção. Espero que eles resolvam seus assuntos, e logo menos o capataz sai com a pasta debaixo do braço. — Você acha que conseguimos algum espaço para que eu monte um pequeno ambulatório? Nada muito grande, é só caso eu precise. Não tinha um antes, e não vi um agora. — O outro veterinário tinha planos, mas a dona Stella pôs ele para correr antes dele começar a pensar. No celeiro tem uma sala que a gente guarda umas tralhas, que aliás Stella pediu para jogar fora, mas é sempre muito serviço, e desde que o veterinário foi embora há quase um mês, esse lugar virou um pandemônio. Não tenho ninguém que faça a limpeza imediata, mas posso resolver se me der uns quatro dias. — Não se preocupe com isso, eu mesmo faço. A internet pega lá? — Bem demais, é logo embaixo da antena. — Vou deixá-lo finalizar seu dia, e vejo o que posso fazer lá, parece que terei um colega, e acho que termos um lugar para nos reunirmos e alinharmos algumas coisas, será muito bom. — Fica à vontade, vou te dar um rádio — ele pega outro na gaveta pra mim — às vezes o sinal da operadora de celular falha. Deixa ele no baixo, é uma linha única, então só responda se chamarem seu nome. — Obrigado. — Bem-vindo. O mundo é estranho. Penso isso desde quando a dona Lourdes morreu. Um dia você está aqui, e no outro não está mais. Uma noite chuvosa, abri essa mesma porta, fiz coisas, na época, inimagináveis com Stella, encostados na mesma sala que agora farei um pequeno ambulatório. Tudo piora quando abro a porta, e pode ser imaginação minha, mas parece ser o mesmo colchonete em que nos perdemos nos corpos um do outro há dez anos. Deixo minha maleta com as coisas básicas que adquiri durante a graduação, e curta carreira em Belo Horizonte, parada ao lado dos fenos, começando a trabalhar. Existe tanta quinquilharia neste pequeno cômodo, que chega a ser engraçado. Tomo cuidado com escorpiões e cobras, e vou removendo as trenheiras. O silêncio passa a me incomodar, o colchonete que arrastei para a porta principal, começa a zombar de mim, então tiro o meu celular para colocar uma música ambiente. Em algum momento me ocorre que o antigo médico pode ter deixado alguma coisa, insumos são caros para serem descartados, mas quando chamo Matheus no rádio, ele diz que meu antecessor não deixou nenhuma herança a não ser os itens da empresa terceirizada, para coleta de material biológico. Que maravilha! Não sei quantas horas[8], mas o sol começa a se pôr. Estou suado, sem camisa e arruinei meu tênis branco. Resolvo tirar uma foto e enviar para Nicolas ter munições para me zoar quando nos reunirmos. — Oi! — uma voz infantil me distrai da digitação em minha tela. — Ei, carinha! — Ocê que é o novo dotô, né? — Você parece saber sobre mim, e não sei nada sobre você. — Sua risada infantil faz com que eu sorria levemente. — Eu sou Henrique, minha mãe nem pode sonhá que tô aqui — vejo familiaridade em seu rosto e um arrepio me faz estremecer —, ela disse pra eu ficar longe, e não te atrapalhar. Mas eu quero ser dotô dos bicho também, cê pode me ensinar? — Claro, será um prazer, quando você crescer, vai saber a importância de um estagiário! — digo isso sorrindo forçadamente. A pobre criança não tem culpa do pai ser um cuzão. Pai morto, alías. Cadu, você perdeu o pai cedo, lembre-se que merda é isso. Ralho comigo mesmo. — Mesmo? — seu sorriso faz meu coração acelerar. De onde veio isso? Parece que conheço esse sorriso. Óbvio! Ele é filho da Stella, acorda, Carlos Eduardo. — Sim! — Eu estudo de manhã, à tarde, segunda e quinta tenho natação, e tô livre todos os outros dias depois da lição. Acha que esses dias posso ser seu ajudante? — Com certeza, três dias de trabalho grátis! Rapidinho você estará me ajudando nos partos. — O que cê tá fazendo aí, hein? — a criatura pequena e curiosa, vem chegando mais perto, vendo o quartinho vazio agora. — Estou arrumando um lugar para trabalhar. — Hmm, qual o seu nome? — Carlos Eduardo, mas me chamam de Cadu. — O Eduardo da minha sala, eu chamo de Dudu, posso te chamar assim? — Bem… — não um apelido que goste, mas sendo só ele, acho que tudo bem — pode sim, mas é nosso segredo. — Essa é a mala com coisas de dotô? — ele especula, vendo a grande maleta fechada. Todas as crianças são um disparo de perguntas de assuntos não acabados? Meu Deus, Nicolas ainda é uma criança? — gargalho desse pensamento, e o pequeno, não tão pequeno assim, Henrique me olha como se tivesse três olhos. — É sim, quer ver? — Que maneiro! Eu quero! — Vamos lá, futuro doutor Henrique… Qual o sobrenome? — Henrique Dias Macedo — sem Xavier? Só “Dias Macedo” como a mãe? — Doutor Henrique Dias Macedo. Stella Macedo Essa segunda-feira não acaba? Parece que estou nela há 40h. Joaquim, o médico veterinário, pode começar amanhã bem cedo, graçasa Deus. Minha caixa de e-mails está zerada, nem acredito, mas nisso tudo perco a hora de ligar para o fazendeiro no Texas, com quem quero negociar compras de Búfalos e semên. Olho as horas, e acho estranho que Henrique não tenha vindo me chamar para o café da tarde. Fazemos isso todos os dias juntos. — Cida, Gracinha — chamo-as quando estão perdidas em conversa sobre uma massa de pão de queijo — Henrique não chegou? — olho pela janela da cozinha, e o carro está parado com Bruno limpando-o. — Sim, ele jogou as coisa, nem tomou banho, dona Stella — Gracinha diz —, colocou uma bota e rumou pro terreiro. — Merda — daqui de casa, consigo ver a fazenda fluindo normalmente, vou ao estábulo primeiro, pois proíbo que Henrique monte a cavalo, e ele passa horas admirando os animais, ajuda a escová-los às vezes. Lua mesmo, vive com um penteado diferente, feito pelas mãos do meu pequeno. Nada dele. Olho o curral, depois o chiqueiro, depois o pomar. Nada desse menino. Começo a ficar desesperada com o sol caindo no horizonte, tiro meu celular do bolso, e essa merda está sem sinal. Passos largos me fazem passar por trás do celeiro, e então ouço a gargalhada gostosa de Henrique. Algumas coisas são meu oásis, e elas geralmente têm a ver com Henrique. Vê-lo brincar sempre foi um bálsamo para mim. Poderia assisti-lo fazendo isso por horas incansáveis. Pé por pé, entro no celeiro, mas não preciso de muito para ver algo que remove todo o oxigênio de mim. Carlos e Henrique. Lado a lado. Henrique está sentado em cima de vários feixes de feno, Cadu está de costas, sem camisa, a calça é baixa e está mostrando o elástico da cueca. — Pera, pera! Respira no três — ele diz a Cadu, que fica quieto aguardando a contagem do meu filho. O que eles estão fazendo? — um, dois, três — teatralmente Carlos expira, e faz meu filho rir de novo. — O que eu tenho, doutor? — Muito sangue no coração, e alguns gases! — Cadu gargalha, levando Henrique a fazer o mesmo. Quando me aproximo, é que vejo que ele está com o estetoscópio auscultando o homem sem camisa que tem oito gominhos na barriga, e que eu bati no rosto há algumas horas. — Henrique? — A vontade que eu tenho é de gritar, como uma mãe louca. Céus! Por que tudo isso está acontecendo agora? Ouço o suspiro pesado do meu filho, e quando olha-me ele está com a mesma cara do pai quando chovia e éramos obrigados a ficar presos dentro da casa grande. — Ai, já sei! — Ele pula do feno, entrega o estetoscópio a Cadu — Obrigado, Dudu, foi muito legal. Desculpa atrapalhar seus trem. Qualquer dia eu volto. — Dudu? Que porra é essa? — Imagina, carinha, volte sim, na próxima vez vou ensiná-lo a aplicar injeção. — Vai ser demais! — Ele passa por mim, com a típica caminhada da vergonha, e nem me olha. Isso faz meu coração apertar um pouco, mas sinto que se relaxar com esse menino, ele tirará tudo de mim. Irônico, Stella. Não é isso que você faz com seu pai? — O que você pensa que está fazendo com meu filho? — digo assim que vejo Henrique subindo o pequeno morro para casa. Cadu coloca o estetoscópio no pescoço, talvez por hábito, e só é preciso que ele tire a calça para uma fantasia sexual completa. Merda! Isso que dá ter uma foda interrompida! Menos de doze horas depois, estou imaginando Carlos Eduardo pelado. Ele me ignora, e começa a guardar várias coisas dentro da maleta de couro. — Estou falando com você! — Pois eu não estou falando com você, Stella. — Aquele menino é meu filho! Não quero você perto dele, está me ouvindo? — Foi ele quem veio até mim. Queria que eu fizesse o quê? Ignorasse a criança? Rejeitasse Henrique? — Como se você fosse fazer alguma coisa diferente disso — resmungo. — O que você disse? — O que está fazendo? — O ataque é a melhor defesa. — Trabalhando. — Por que está desocupando essa sala? Quem deixou? — Porra, Stella! Dá um tempo! Eu preciso de um lugar para trabalhar, e não fiz da minha cabeça! O Matheus me deu essa ideia. Ele disse que você autorizou a limpeza, inclusive. — O seu lugar é entre os animais, verificando, fazendo seu trabalho, não preciso de um medicozinho de jaleco dentro de uma salinha, e… — PUTA QUE PARIU, VÉI! — Belo Horizonte entrou no sangue dele, agora ele fala gíria? — Você disse que não quer saber de mim, então me dá paz, deixe que do meu trabalho cuido eu. Se tiver alguma coisa para reclamar, fala com seu pai! Mimada. — Eu só vim atrás do meu filho… — Ótimo, a criança está bem, já foi para casa. Não quer que eu não chegue perto dele? Mantenha-o longe de mim, não vou maltratar uma criança, pelo amor de Deus. Mesmo que os pais dela sejam uns idiotas. — Olha só, pelo menos nisso tenho que concordar! — ele suspira, fecha a mala e me deixa ali, falando so-zi-nha. Não acredito nisso. Meu smart watch acende em meu braço, e vejo que ainda não são 18h de segunda-feira, e estou exausta. Ainda estou chocada que Carlos tenha me deixado falando sozinha. Perplexa, estou saindo do celeiro, até que um colchonete empoeirado caia, chamando minha atenção. Merda, esse colchão ainda existe? — O seu filho é tão legal, vó! — ouço a voz animada de Henrique durante o jantar. Ensinei-o desde pequeno a chamá-la assim, e Cida fica toda radiante. Para todos efeitos, aos terceiros, ela é quem ajudou meu pai a me criar, é como uma mãe para mim. — Ele me ensinou os barulhos do coração, e eu já sei quando é sangue e quando é bombeamento cardíaco, tem vezes que é gazes. Dudu é super inteligente, cê sabia disso, mãe? — É batimento, filho, e não, não sei muito sobre medicina veterinária — digo sem olhá-lo. — Hmm, bom que o Dudu sabe cuidar dos animais! Mãe, será que ele pode fazer um cavalo ficar mansinho pra mim? Por favor, mãe, já vou fazer dez anos! — A porta do inferno é aqui e agora. — Já conversamos sobre isso, e a resposta é não. — Dona Stella, cê monta antes de andá, deixa o menino — Cida intercede. — Não, Cida, nada de cavalos. — Deixa essa teimosa, Cida. Isso é pior que burro empacado. — Meu pai, grande intercessor do neto, entra em ação. — Henrique, eu quero ir dormir, termine sua janta. — Acho que é ocê quem precisa ir dormir, Stella. Eu coloco meu neto para dormir, vá. Sem mais nenhuma palavra, levanto-me e vou para o meu quarto. Carlos não se junta a nós para jantar, e é meu sonho realizado. Não que eu tenha conseguido jantar. É estranho como o tempo age na mente da gente. Há dez anos, uma hora dessa, faziam poucos dias da pior briga que eu já havia cogitado com Cadu, e então ele partiu me deixando sozinha, sem eira nem beira, com um filho dele na barriga. Sei disso tudo, vivi esse momento, mas com o passar dos anos, vejo que me esqueci de alguns detalhes. A forma que Eduardo nos chamou hoje de idiota, a raiva inflamada no olhar, lembrou-me do nojo que vi em seu rosto… Passei as últimas horas buscando em minha mente detalhes daquele dia, mas não faz sentindo suas últimas palavras essa tarde. O problema é que a gestação é um momento conturbado da vida da mulher, hormônios que nos desconcertam, principalmente, no primeiro trimestre. E depois ser acordada por dois homens se atracando e sangrando, desorienta qualquer um. Ainda assim… Não faz sentido. Óbvio que ele pensa que você tirou a criança dele, Stella. Ele deixou trezentos reais para você, lembra? — Recordo-me e sinto raiva de mim mesma por estar buscando justificativas para sua não paternidade. Mas Cadu sabe fazer contas, o aniversário de Henrique chegará em setembro, como será até lá? Foda-se, Stella! Ele não quis ser pai! Ele não tem direitos sobre seu filho, não mais. Mas meu filho pode querer um pai. Caralho! Acordo me sentindo péssima! Meu Deus, que noite horrível. Nem quando Henrique era recém-nascido, eu tive uma noite tão ruim assim de sono. Sonhos em um misto de pesadelos me atormentam desde que a inconsciência me tomou completamente. Piora quando antes de acordar, Cadu invadiu meu sono, e diversas imagens dele me comendo foram criadas pela minha mente perversa fazendo-me derramar em sua boca. Acordo excitada e puta da vida. Preciso resolverminhas questões sexuais, rápido. Quando meu celular desperta, já estou vestida e pronta para começar o dia. Mesmo que ainda sejam seis da manhã. Levanto Henrique, que enrola como todos os dias, mas diferente dos outros, realmente está mais cedo do que ele está acostumado. Tomo meu café, preto e sem açúcar, arrumo a lancheira de Henrique, o mesmo de todas as manhãs, com um diferencial, quando coloco meu filho na van escolar, percebo uma movimentação atípica na fazenda. Uma picape chega com vários drywalls, peões da fazenda ajudam a descarregar, em seguida chega um caminhão baú. Que merda é essa? Vou até o circo armado dentro do celeiro, que agora está limpo e organizado. Mal são sete horas da manhã. Vejo Matheus com uma prancheta, dando ordens, e Valentino ao seu lado com cara de poucos amigos. — Dia. — Dia, dona Stella — Matheus sorri simpático. Valentino só mexe na aba do chapéu. — Poderia me esclarecer que circo é esse, Matheus? — Uai, seu pai quem pediu para eu acompanhar uma pequena reforma. — Eu falei que ela não ia gostá — Valentino interfere no assunto. — Conheço ela, o médico não é bem-vindo aqui. — Mais respeito, Valentino — chamo sua atenção —, isso é para o Carlos? — Não sei, dona Stella, melhor perguntar para o seu Vicente. Marcho de volta para casa e acho meu pai na cozinha, proseando com a Cida. — Pai, que merda é aquela lá no celeiro? — Deus te abençoe, Stella, dormi bem. — Ignoro o puxão de orelha. — Eu tinha planos para aquele celeiro, pai, agora o senhor vai transformá-lo em uma hospital porque Carlos Eduardo quer bancar o médico aqui? Pela madrugada, faça-me o favor! — Vou deixar cês conversa — Cida dá um sorriso sem graça, e sai com uma xícara de café. — Ôh, Stella, cê vai acabá chateando a Aparecida, ela vai embora qualquer dia e não vai voltar … — Quando ele diz isso, sinto minha garganta fechar — Essa muié, te conhece desde quando cê era moleca, me ajudou te criar, cuida muito bem do seu filho, curou o umbigo, trocou fralda, te ajudou quando ele passava mal, cê nunca foi ingrata, minha fia, o que tá acontecendo com cê? — Desculpa, pai, eu só… levantei e vi aquela marmota lá no celeiro, e… — Não é pra mim que cê tem que pedir desculpa, não. Eduardo me disse que caso eu pudesse investir em um espaço mais adequado pra isolar o animal, se precisar, seria bom. Foi só isso. Gostei da ideia do menino, achei diferente. Já passou tanto médico aqui, ninguém nunca fez nada, nem sugestão. E ninguém tá usando aquele celeiro véio, desde quando mudamos os pastos ele ficou longe demais. — Pai, eu só acho que… — Bom dia — a voz rouca que me fez gozar em sonho entra na cozinha, usando uma camisa polo, sério, Carlos?, uma calça jeans clara, e um crocs. Merda, crocs? Já julgo a pessoa sem conhecer. — Bom dia, fio — meu pai o cumprimenta —, senta aí, cê fez o que eu pedi? — Sim — ele coloca uma folha na frente do meu pai, que começa analisar —, eu falei com o senhor ontem, são coisas básicas, que imaginei que aqui tinha, como teve um veterinário antes de mim, mas dá para trabalhar com isso no começo, depois colocaremos mais coisas de acordo com a necessidade da fazenda. Esses medicamentos, principalmente os de verme, seria bom comprar uma quantidade para estocar, deixei as receitas anexadas, já carimbei e assinei, os antibióticos deixei sem data, não sei quando vamos conseguir comprá-los, a receita tem validade. — Que eficiência! — Ah meu Deus, pagamos bem caro para ele trabalhar, pai! — Trabalhei numa fazenda de leite em Viçosa. — Será que deixou filhos lá também? — Vou precisar da papelada do outro médico, preciso ver as datas das vacinas, e outros dados dos animais. — Stella vai te mostrar onde é, e ela também vai providenciar essa lista procê. — Ah! Pronto, virei secretária do Carlos Eduardo, era só o que faltava. Meu pai me entrega a lista impressa do excel, e começo a lê-la. Vários tipos de agulhas e seringas, álcool, luvas — pra não sujar as mãozinhas dele, claro — e algumas outras coisas, — O pessoal deve terminar lá antes do meio-dia, falei pro Matheus que era pra comprar pronto, sabe como? — ele assente — agora senta, tem pão de sal[9] quentin, sua mãe passou café agora. Cê tamém, Stella. Depois daqui, cê olha os papel no escritório dela, Carlos. Ótimo, vamos prosear e contar casos da infância também. Cadu Vieira Quinze dias em que estou aqui, mas parece que são anos de retorno. Sinto-me exausto no fim do dia. Há tanto trabalho, que mal consigo ver minhas redes sociais, sair para beber ou mesmo conversar com Nicolas pelo celular. Stella deu um tempo, graças a Deus. Ou dei um tempo de Stella, essa colocação seria mais justa. Ela chega, eu saio. Ela vai, eu volto. Tem sido ótimo. Joaquim ter chegado é a segunda melhor coisa que me aconteceu aqui, a primeira foi o local que o seu Vicente construiu em uma semana. Mas pelo fato de ter Joaquim, ele pode lidar com Stella quando é preciso. Sem contar que conseguimos montar uma escala de plantões aos fins de semana, além de que ele é divertido, expansivo, e como mora na cidade, sempre traz fofocas e guloseimas. Joca, como gosta de ser chamado — afinal os pais aparentemente odeiam nomear os filhos —, tem minha idade, mas já se formou há alguns anos, pois entrou e terminou o mesmo curso, já fez sua pós, e me ensina coisas que não se aprende na universidade. A nossa sala ficou até grande, ganhamos um arquivo, uma mesa com computador e internet, um armário para insumos, uma mesa de inox para os pacientes e um ar-condicionado. E depois diz que dinheiro não compra felicidade, isso aqui é o quê? A parte de fora da nossa sala no celeiro virou baias para colocarmos animais em observação ou isolamento. Eu e Joaquim criamos um planejamento, onde mapeamos todos os animais da fazenda, incluindo os pets, descobri que Henrique quer montar um canil e um gatil, porque não justifica tantos por aqui. Rio, pois me lembro que ele calça uma bota, sempre por volta das 15h, e sai com seus fiéis escudeiros orbitando- o e desbravando a fazenda de cima a baixo. Às vezes ele nos visita, mas fica cabreiro na porta, imagino que vigiando a mãe, por vezes o encontro no estábulo penteando as crinas dos animais ou escovando-os. — Você nunca vai desistir de tentar usar jaleco? — Joaquim entra, com Tigrinho, um felino rajado sem raça definida de Henrique nas mãos. Essa criança é mesmo filho de Stella. — Jamais, é superchique! — ele gargalha, e coloca o animal na maca. — O que aconteceu? — Bicheira — ele suspira, já imaginando o sacrilégio que será cuidar do animal. Levanto-me e começo a colocar as coisas que ele vai precisar na bandeja e deposito ao seu lado — O que você tanto está fazendo nesse computador há dias? — Um plano alimentício para Angus e porcos, eles estão perdendo quilos. Matheus tinha reclamado, aí decidi fazer isso. — Isso aí eu nunca fiz. — Aprendi no curso de zootecnia que larguei — aperto para imprimir, quando Joaquim começa uma briga com o gato. Calço uma luva, e vou ajudá-lo. Olho a lesão, e essa merda está grande. — Parece ter muitos dias. — Sim, ele estava amuado perto do chiqueiro, quando o levantei, caíram várias larvas. Uma merda. Você segura? — ele pergunta quando termina de fazer a raspagem de pelos. — Prefiro remover — segurar um bichano não é para qualquer um. — Filho da… — Owww, minha mãe traz café todas as tardes. — Cida — ele completa. Preparo e aplico uma anestesia local, que acredito que servirá só para minha consciência, pois a lesão parece ser funda de forma que não será completamente indolor, pego uma pinça, passo a tirar as larvas e jogá-las no béquer com álcool. — Precisamos do plano de vacinação desses bichos, o IMA[10] liberou na portaria o planejamento da Febre Aftosa, e não sabemos como está a antirrábica. — O outro veterinário formou onde, hein? Não tem nada por aqui? — Ele parece ser filho do capataz dos Xavier. — Faço o som de vômito, e Joaquim sabe que não é pela miíase de Tigrinho. Com os dias juntos, descobri que Joca tem uma afeição igual ou menor do que a minha,se é possível, pelos Xavier, afinal Leonardo transou com uma de suas três irmãs, a mais nova, quando ela ainda era menor, dezesseis anos na época, e ele tinha vinte e dois anos, mas para evitar escândalo seus pais preferiram deixar para lá. O povo do interior tem umas manias estranhas. Imagino como foi terrível não meter a mão na cara de um idiota como esse, e olha que nem tenho irmãs. Ele tirou a virgindade de Stella. Obrigado, consciência! — Boa tarde, meus médicos preferidos! — Ouço a voz de Matheus, mas não o vejo pois estou de costas, sou grato por ele salvar minha mente. — Você não morre mais! Cadu acabou de falar de você, fez um plano alimentar para os animais. — Tá na impressora, Matheus. — Ele adentra o lugar, e senta-se na mesa, analisando o documento. — Oi, dotores! — a voz de Henrique toma a sala, que agora se tornou pequena — Meu Deus! O que o Tigrinho tá fazendo aqui? — ele diz enfiando-se entre mim e Joaquim. — Calma, garoto, são só uns bichinhos! — Joaquim o tranquiliza, mas vejo as lágrimas gordinhas preenchendo seus olhos. — Henrique, está tudo bem, estamos cuidando dele. — Se ele morrer, os filhotes da Abelhinha — a outra gatinha dele — vão nascer sem pai. É muito ruim não ter um pai, Dudu. — Merda menino, você vai me fazer chorar com larvas? — Olha só, Henrique, calma! — coloco a pinça dentro do béquer e lhe dou um par de luvas, ajudando-o a colocá-las. — Você mesmo vai cuidar do Tigrinho. — As lágrimas já desceram pelo seu rosto e foram absorvidas pelo colarinho da camisa. — Eu não sei fazer isso, e se eu matar ele? — Eu vou segurar sua mão. Venha — puxo a pequena escada com três degraus para que ele suba, coloco a pinça na mão dele, e a seguro para guiar o caminho. Sinto um calafrio quando olho nossas mãos juntas. Meu coração dispara, o ar parece rarefeito, meus pulmões não conseguem processar o oxigênio entrando e gás carbônico saindo. Vejo sua pele morena se arrepiar com meu toque, ele me olha absorto, e é como se Henrique me prendesse com um magnetismo na terra. Seus olhos de um castanho familiar, observam-me como se pudesse ver a minha alma. Saio do meu transe, balançando a cabeça, e volto a remover as larvas. Cada miado dolorido de Tigrinho, faz com que Henrique chore mais. Aos poucos livramos o animal dos terríveis parasitas, fazemos a assepsia, passo o medicamento na ferida que ficou aberta, e decido medicar por via oral também, pois o ferimento é muito grande. Quando terminamos, auxílio Henrique a descartar as luvas, e lavar as mãos, antes que eu pense em lhe dar os parabéns, ele me abraça pela cintura. — Obrigado, Dudu, eu vou levar Tigrinho para o meu quarto, vou cuidar direitinho dele, tá? — A mesma sensação de momentos anteriores retorna, e depois de alguns minutos sentindo esse estremecimento estranho, o suor corre pelas minhas costas. — Só o Cadu quem ganha abraço? — Joca brinca com ele — Fui eu quem achei Tigrinho — Henrique vai até ele, e o abraça também. — Posso levá-lo embora? — Claro, amanhã traga-o para uma nova consulta — Joaquim tira o gatinho da maca, Henrique sai carregando-o. — Cadu, isso aqui ficou muito bom! — Matheus me chama, fazendo com que eu volte à superfície terrestre — Vim para falarmos sobre a vacinação liberada hoje pelo IMA, preciso das quantidades e… O que diabos aconteceu aqui? Não faço a mínima noção de que horas são, mas julgando que Joaquim e Matheus foram embora há horas, já é um pouco tarde. A pequena reunião com Matheus durou mais do que eu esperava, de toda forma não consegui focar muito, pois a todo momento vinha a imagem do meu toque em Henrique. Matheus perguntou se eu consegui montar um plano alimentício para as vacas que vem produzindo menos leite, e como essa é a única parte do curso de zootecnia que realmente gostava, perco umas horas depois do meu horário ali na minha sala. Resolvo deixar os impressos na mesa dele, pois amanhã irei até Belo Horizonte com seu Vicente para comprar as vacinas e outras coisas que a fazenda precisa. Matheus, Luana, Joaquim e eu fizemos uma lista cada. Seu Vicente precisa de ir à contabilidade da capital, e nesse tempo farei algumas coisas pessoais. Estou saindo da sala de Matheus, quando escuto pés trôpegos correrem pelo estábulo, em seguida suspiros e remelexos, que me fazem fechar a porta e aguardar. — Valentino — ouço a voz de Stella suspirar — já te falei que não é para beijar minha boca! Inferno! — ela parece estressada. Mas a questão é: quando essa mulher não está estressada? — Stella… — Para você é: dona Stella. — Sério, vamos ficar nessa até quando? Tem dois anos que sou seu consolo ambulante, quando essa merda vai parar? — Está achando ruim de me comer? É só falar, arrumo outro em dois tempos! — Céus, estou igual uma velha mexeriqueira/tarada ouvindo atrás da porta. — Não é isso, mas porra, cê é bonita demais, gostosa demais… — quero abrir essa porta nesse exato momento — quero ser mais que isso, e… — E nada, Valentino, meus termos são esses. E é bom você não tocar nesse assunto, não quero mais receber aquelas mensagens suas, sério, para, meu celular é para uso pessoal, e nunca mais me mande chocolate, eu odeio chocolates. Estamos conversados? Se quiser continuar com isso, tem que ser nos meus termos. — Sabe, eu tô cansado docê fazê essas coisa comigo, dona Stella, vai ser assim sempre? Cê vai ser dona da porra toda, e eu capataz da sua fazenda. — E com muita sorte, o cara que me come às vezes, se quiser, ou eu acho outro. — Eu não posso te beijar, esse tempo todo, cê nunca me chupou, nem posso te chupar, e… — Epa, epa, epa. Pode parar, vai começar a fazer exigências? Sério, você mesmo disse, são dois anos e ainda não aprendeu? Para seu pau parar na minha boca, o mundo vai precisar dar muitas voltas, e não deixo você me chupar, porque você faz isso muito mal. — Aí, doeu em mim. — Desde quando esse médico voltou, cê tá assim, esquisita. — Quer saber de uma coisa? Acabei de perder toda a minha vontade de transar. Não espere receber mais nenhuma chamada minha. Passe bem, Valentino. O silêncio do lado de fora me deixa em dúvidas se eles estão se pegando, ou se foram embora. Meu relógio se acende ao mesmo tempo que meu celular sinaliza uma mensagem chegando. Merda. — Quem está aí? — a voz da dona da porra toda grita — Matheus? — ouço a fechadura rangir, e preparo-me para o embate. — O que caralhos você está fazendo aqui? — Eu estou trabalhando, você e seu amante quem deveriam buscar um lugar mais apropriado para a peripécia de vocês. — Você viu que nós entramos aqui, e continuou quieto para ouvir? O que é agora? É voyer também? — pego as folhas que estou segurando, e coloco na mão dela. Os olhos queimam em uma raiva que desconheço nela. Mas há muito tempo deixei de conhecê-la. Stella hoje está vestida diferente do de costume, vejo-a em um calça de montaria que marca todo seu quadril e coxas, nos pés está usando um sapato, não uma bota, a blusa social branca que cabem duas dela está amarrada próxima ao cós da calça, ela está sem chapéu, e o cabelo solto cai em ondas grossas e longas em suas costas, quase chegando na cintura. — Sério? Se arrumou para um encontro no estábulo? Sabe o quão patético isso é? — Não te devo satisfação da minha vida, ao contrário de você, que ainda não me explicou por que estava bisbilhotando, mas saiba que o dia em que eu me arrumar para alguém que não seja a mim mesma, ainda mais para um homem, pode ter certeza de que fui abduzida. — Não estava bisbilhotando, vim deixar isso e vocês entraram — aponto os papéis na mão dela — você está perdendo quase três dúzias de Angus por pedido, devido a uma perda de peso e a produção de leite caiu em dez mil litros no último mês, então estou tentando implementar uma dieta diferenciada nos animais. — Você não tem que fazer isso — ela começa a ler os papéis. — Eu sei — suspiro cansado. — E quem disse que isso vai resolver? — Ela arqueia a sobrancelha grossa para mim. — Bem, faça e depois compare. — O que quer em troca disso? O que você ganha com isso? — Na vida,Stella, nem sempre é sobre querer ou ganhar. — Belo discurso, hipócrita. Com Stella não tem jeito, é um passo para frente, dois milhões para trás. Sou tentado a respondê-la a altura, mas decido deixá-la falando sozinha. — Deixe as folhas para Matheus, obrigado. — Ei, eu não terminei de conversar com você. — Mas não tenho mais nada para falar com você. — Pois eu tenho, é para você ficar longe do meu filho. — Minha memória sobre mais cedo retorna, fazendo-me engolir em seco — Já falei com Henrique, mas quando ele parece me ouvir, você vem e o encanta cuidando do gatinho, sério isso, Carlos? — Eu estava cuidando do gato e ele chegou, preferiria que o animal morresse? Fiz um juramento sobre cuidar e salvar vidas, Stella, e não será você quem determinará quem são ou não meus pacientes. — Olha aqui… — Olha aqui você, quer ser dona da porra toda? Seja, foda- se, mas em mim não irá mandar. Aqui, nessa fazenda, eu recebo por serviço prestado, e farei isso da melhor forma possível, se precisarem de algo que possa contribuir, ficarei feliz em fazê-lo, e acabou. — Viro-me de costas, e saio, deixando-a plantada me olhando pelas costas. Olho em meu celular, o que me delatou a senhorita sou dona de tudo, e vejo uma foto de Henrique e Tigrinho deitados em uma cama grande, sorrio ao ver o quão fofos são, vendo televisão, embaixo um áudio. — Oi, Dudu, a vó Cida deixou eu copiar seu número, esse é meu celular, pode salvar meu número se quiser, tô cuidando direitinho do Tigrinho, a Abelhinha veio visitá essa tarde. Até amanhã, dotô. Vó Cida? Stella Macedo Minha parede zomba de mim, o que parece ser a milésima vez essa manhã. Há dias que só queria voltar no tempo, onde éramos eu e Henrique, sem precedentes do paradeiro de Carlos Eduardo no mundo. Mas alguém lá em cima não gosta de mim, aparentemente. Não basta ele ter retornado, Cadu tinha que ter voltado com update. Lembro-me que sempre o achei lindo, desde a infância, não houve um dia em que não o achei de uma beleza única. Na adolescência, ainda recordo-me do nosso beijo, ali ele já estava com corpo performando que seria um homem robusto e forte. Quando transamos pela primeira vez, e por diversas vezes nos dias que seguiram, sempre ficava acariciando-o, quando estávamos arfantes e cansados, criando memória muscular de como era tê-lo sob meu toque, mas então tudo deu errado. Nem nos meus sonhos mais improváveis, que me seguiram por anos — casamento, mais filhos, trabalhando juntos —, cogitei imaginar que Cadu seria como é aos vinte e oito anos. Céus! Tem sido um tormento. Vê-lo suado, sem camisa, e de estetoscópio arrepiou-me inteira, porém vê-lo de jaleco, cara fechada e o olhar de reprovação, o mesmo que ele sempre me deu quando eu desafiava em algo, molhou minha calcinha. Sério, qual o problema do meu corpo idiota? Reviver tudo isso pela manhã não é legal. Sinto meus seios pesados, os mamilos túrgidos e minha boceta molhada. Péssima hora para dormir sem calcinha. Fecho os olhos para voltar a dormir, mas a única lembrança são dos lábios grossos de Carlos Eduardo, que sempre enxergo em câmera lenta. É como uma droga. Viro-me de barriga para baixo, e abafo o grito de raiva no travesseiro. Ao invés de me sentir melhor, tenho a clara lembrança de como é sua língua curiosa, descobrindo-me em uma chupada lenta. Será que ele melhorou nesse aspecto? Isso não podemos saber, mas ele foi único que te fez gozar com uma chupada. Obrigada, memória! Rolo de barriga para cima, e suspiro. — Não acredito que farei isso. Vou me tocar pensando nele! — sussurro para mim mesma. Sem pensar demais, pois se não o objetivo, que é me aliviar, não será cumprido, deslizo minha mão pelos meus seios sob a camisola longa que estou vestindo. Passeio por eles, acariciando meus mamilos com o polegar, circulando-o calmamente, sinto minha pele arrepiar e continuo. Visualizo seu tanquinho suado, e isso faz minha boceta molhar mais. Calmamente ergo minha camisola até o quadril e deslizo uma mão pela minha barriga. Abro meus lábios vaginais e esfrego meu clitóris, com a imagem memorial dele entre minhas pernas, espalho minha lubrificação por toda parte, e não resisto em afundar o dedo, me penetrando. Entro e saio com o dedo, primeiro morosamente, fazendo movimentos circulares, sinto-me pouco preenchida, retiro o indicador e então banho o dedo médio também, pois a memória que tenho é de um pau grosso e veiudo a minha disposição. Esfrego meu clitóris, enquanto minha mão seca continua o passeio pelos meus peitos, merda, que delícia! Lembro-me da fome que ele tem por meus seios, e é como se sua língua atrevida estivesse chupando e lambendo esse pedaço de mim. Mais afoita do que comecei, introduzo dois dedos em mim, esfregando minha parede rugosa, o que me leva a elevar o quadril e rebolar em minha própria mão. A minha palma se esfrega deliciosamente meu clitóris endurecido e pedinte, meus quadris sentem falta do peso sobre mim, mas compenso isso acelerando o toque. Meu corpo superaquecido começa a suar, sinto a dormência gostosa subindo pelos meus dedinhos dos pés, pernas e coxas, para então a pressão deliciosa se acumular entre minhas pernas, fazendo-me arfar, gemer o nome dele, e fechar-me em volta de meus dedos. A sensação pós-orgasmo começa a passar por todo o meu corpo, percebo que estou apertando meu mamilo, e sorrio da minha própria estupidez. Dez anos, Stella! Um filho e um coração partido, o quê mais eu quero? A intenção era aliviar-me, não ficar puta. Que ódio de mim! De banho tomado, menos emputecida comigo mesma, começo a rotina de acordar Henrique e todo o ritual da manhã. Ao abrir a porta, eu espero tudo, principalmente Henrique dormindo e com preguiça como a maioria das vezes, mas a imagem que sou recebida é pior. Carlos está de costas para a porta, usando luvas, com a maleta aberta na cama. Fico estagnada encostada no batente da porta. — Bom dia, mãe, bença! — Henrique diz sem nem olhar na minha cara, concentrado em sabe-se lá o que Cadu está fazendo com Tigrinho. — Mãe? — Deus te abençoe. Do que se trata isso? — Fui acordar o Cadu, não briga com ele, mãe, por favor, eu quem fui lá, o Tigrinho tava chorando. — Henrique dá uma fungadinha, e merda. Sinto que virei uma pamonha desde a maternidade. — O que aconteceu? — pergunto, e Cadu sabe que é com ele. — Tinham muitas larvas, acabou sendo um ferimento muito fundo, e é incômodo. Mas já apliquei um remedinho e limpei de novo. — Mãe, posso faltar de aula? — Não, não mocinho, esqueceu a nota baixa em matemática? — Mas o Tigrinho tá doente, mãe! — Não, Henrique. — Mas eu não preciso de matemática, quero ser dotô igual o Dudu. Cadu, fala para minha mãe que cê não sabe matemática! — Carlos ri alto, e espero o momento que precisarei socá-lo logo pela manhã, bom que desconto minha raiva por tê-lo usado como fantasia para meu alívio. — E quem te disse que eu não estudei matemática? — Cadu começa a tirar as luvas, e fico olhando suas mãos grandes de veias proeminentes. — Ninguém precisou, mas pra mim é fácil, dotô, bicho não tem matemática. — Não que você tenha visto, mas precisa bastante dela. Eu só sei quanto de medicamento dar ao Tigrinho porque divido a quantidade do frasco pelos quilos que ele pesa. — Ele sorri e levanta a mão para Henrique bater. — Não gostei disso, Dudu — ele bate em sua mão, mas reclama. — Agora vou ter que ir pra escola, aff! Já tô indo pro banho, mãe. Vou pedir a vó Cida pra cuidar dele. — Henrique toma seu rumo para o banheiro em seu quarto, deixando Cadu e eu sozinhos. — Pensei que tivesse te falado para ficar longe do meu filho… — Aí, Stella, para. — Ele fecha a bolsa e vem em minha direção — Você está parecendo vitrola véia, desapega. A gente cria filho pro mundo. — Ele para do outro lado do batente sobrando um espaço mínimo entre nós, fazendo com que respiremos o mesmo ar. — Hoje acordei com Henrique puxando os meus pés, desesperado por causa do Tigrinho, queria que eu deixasse a criança ao léu? — Olho a boca dele se mexendo a cada palavra, e relembrodo meu pequeno interlúdio solitário. — Isso seria crueldade… — Exato, não dá para ter tudo que quer, Stella, ou sou um grande idiota com um ser inocente, que não tem culpa da mãe que tem, ou ignorarei sua falta de opção genética digna e serei minimamente educado com ele, aprenda isso. Bom dia. Pera, desde quando Cadu sabe algo sobre filhos? Quando chego com Henrique para o café, meu pai, Cida e Cadu estão servidos e conversando. Meu filho faz o ritual de beijos, abraços e bom dia. — Vou sentar com o Dudu hoje, mãe. — Existe um tempo na maternidade em que adquirimos sabedorias. Coisas como: vou tomar café vendo tevê, vou tomar leite com garfo entre outras artimanhas passam a ser ignoradas pelos nossos ouvidos. Quer compactuar com o seu pai? Faça Henrique. Sento-me perto de Cida, e tomo meu café em silêncio. Uma vez li um livro que tudo deu errado na vida da mocinha, só porque ela se masturbou de manhã[11], acho que passarei a fazer isso só a noite. — Tudo bem, Stella? — O quê, pai? — Você vai a Belo Horizonte com Carlos, preciso ir a Divinópolis. — Não posso ir à capital hoje, já programei meu dia, e… — E Luana precisa das coisas dela. Se continuar com os prejuízos do milho, nem sei se continuarei com a agricultura, está me parecendo desperdício de energia. — Merda, a ideia desse investimento foi minha. — Vou me arrumar. Cida, coloca Henrique na van, por favor. Boa aula, filho, não esqueça que hoje tem natação. Estou aguardando Cadu do lado da minha Dodge Ram 3500, e já estou com zero paciência, meu Deus. Vai ser uma viagem longa. Vejo-o parado na porta de casa, olhando de um lado para o outro, e então para o celular. Assobio para ele, e ergo os braços impaciente. Ele vem até mim, em uma vagareza que quase completo trinta e dois anos. — Pelo amor de Deus, não estou por sua conta. Vamos logo. — Stella — ele olha de mim, para meu bebê vinho, super imponente —, nós vamos nisso? — Sim. — Stella, de quem é essa picape? — Minha? — Stella… Porra — ele olha-a admirado, dando voltas —, desde quando você tem categoria C na carteira? — Desde de pouco depois do nascimento de Henrique, agora vamos. — Ele mal me escuta e continua babando no carro. — Anda logo, Carlos, é só um carro. — Stella, isso custa mais de meio milhão de reais — diz deslumbrado. Realmente, Tereza Cristina tem seu charme, sim ela tem um nome. — Eu sei, paguei cada centavo. — Abro a porta e espero que ele entre. — Porra, olha que tanto de botão! — Cadu extende a mão para começar a mexer. — Hey, criança, dá uma segurada. Não deixei você mexer na Tereza. — Posso dirigir? Você deu um nome para a caminhonete? — Tá doido? Você tem categoria C? E sim, eu dei. — Não, mas… — Ótimo, nem se tivesse. E pare de mexer nos botões. É a mesma coisa que falar: mexa nos botões. Por quase duas horas, Eduardo futrica todo o meu carro. Ele até mesmo coloca os bancos para aquecer, mesmo que o dia esteja em uma temperatura agradável. Percebo que ele adquiriu um gosto peculiar para músicas sertanejas remixadas, eca. Sertanejo tudo bem, mas que bosta de batida eletrônica é essa? Jamais deixarei que ele perceba meu sorriso, mas, porra, seguro várias gargalhadas com sua animação, quase me esqueço porque nos odiamos. Mas o carro parece um corte temporal, pois é só entrarmos no mercado fazendeiro, que as coisas desandam. Discordamos em tudo. Ele tem três listas enormes, e eu que pretendia estar em casa assim que Henrique chegasse da natação, começo a perceber que não será assim. Daqui tenho ainda umas duas horas dentro da contabilidade com Luiza, o que logo virará três horas, pois devo a ela uma visita e ela não será somente profissional. — Precisamos mesmo de todas essas doses de vacina antirrábica? — o questiono em frente ao vendedor. Já compramos uma lista de Matheus e Joaquim, agora estamos discutindo sobre a dele. Perdemos a paciência um com outro a partir do segundo item de Matheus. Cadu já está estressado, ligou para os meninos na fazenda por pelo menos cinco vezes, para cada. — Na verdade, tem que pedir uma dose a mais. — Por quê? — Para eu aplicar na sua bunda, quem sabe assim você fica mais tolerável. — O vendedor nos olha de boca aberta, e quando percebe que irei explodir, pede licença para atender um telefone que não ouvi tocar. — Qual é o seu problema? — digo entredentes. — Você! Você é a porra do meu problema! Eu poderia esperar seu pai amanhã, ou mandar Joaquim no meu lugar. Você o questionaria como está fazendo comigo? Sabe o que acho, Stella? Que já passamos da idade. Temos um problema? Que tal resolvermos? Vamos sentar, você diz tudo que quer, eu farei o mesmo e então chegaremos a algum lugar. Mas, porra, você já tem trinta e um anos, logo é meu aniversário e com vinte nove anos não é uma idade em que posso ficar brincando de gato e rato com você. — Sério, agora, neste exato momento nós vamos conversar? E o que aconteceu há dez anos será esquecido? — Quer saber? Com você não dá. Faça o que quiser com a lista. Vou ao shopping. Stella Macedo — Minha Nossa Senhora, você deveria ter me comprado uma pipoca antes de chegar, essa história é mais divertida do que eu imaginava. — Luiza, não existe nada de engraçado nisso. — Eu acho. — Ela gargalha — Quer dizer que Caduzinho é um homem formado e supergostoso! — Por que eu te conto as coisas? — Porque sou a sua única amiga. Mas eu já sabia disso tudo. — Como? Não te respondo há dois meses. — Verdade, você é uma péssima amiga. Mas estou falando do update do seu Cadu, ele… — Ele não é meu Cadu. — Enfim, como ia dizendo. Ele frequenta a mesma casa de swing que eu, a The Jungle. — Pera, você frequenta uma casa de swing? Quando ia me contar isso? E piora, ele também? — Stella, o que você queria ? Que eu anunciasse? E você não responde as minhas mensagens, esqueceu? Já tem um ano que comecei a frequentá-la. É uma casa superexclusiva, cheia de regras e tudo mais. Sabe, eu andava me sentindo muito frustrada sexualmente e ser pansexual é mais complicado do que você possa imaginar, o mundo não está minimamente preparado para nós — Luiza desabafa —, mas o fato é que existe uma liberdade sexual muito grande nesses ambientes. A primeira vez que eu o vi, achei que estava bêbada demais, mas então o vi outra vez. Pensei que se me aproximasse ele retrairia, então meio que me afastava quando o percebia lá. Não é um lugar que se encontra conhecidos e bate um papo como uma feira. — Tá, fia, acelera o aúdio — Lu sempre se apega a detalhes. — Comecei a percebê-lo mais. Ele vai, ia pelo menos, com certa frequência, sempre acompanhado de um cara mais novo, que aliás é uma delicinha e já tive a oportunidade de vê-lo em ação em um quarto, uma vez. Meu lado voyeur ficou extremamente satisfeito, sabia que podemos ter orgasmos por visualização? — Não sabia, Luiza — Saí com as pernas bambas depois de dois orgasmos, e um foi squirting, por masturbação, mas sem penetração. Foi sensacional — ela suspira, relembrando do seu momento. Só sinto inveja pelo squirting, proeza que só consegui sozinha com ajuda de um vibrador — No começo achei que eles fossem um casal, mas percebi que suas pulseiras demonstravam que ambos eram heterossexuais. — Você transou com o Cadu? — pergunto sem demostrar muito interesse, mas tendo bastante. — Tá doida? Ele é pai do meu afilhado — fala como se fosse óbvio. Anos se passaram e ela ainda insiste que ao longo dos tempos, eu deveria tê-lo procurado. Bem, até tentei, mas já era tarde demais. — Mas nós não somos um casal ou algo do tipo. — Ai, Stella, me poupe. — Ela cruza os braços sobre sua mesa. — Mas eu vi o pau dele, sem querer. Está de parabéns, amiga, por conseguir sentar naquilo — ela suspira, e eu neste momento estou perplexa. — É um belo pau. — Como assim, Luiza? — É uma casa de swing, Stella, as pessoas nem sempre transam em um espaço fechado, aliás, lá é onde elas menos transam. Foi há pouco tempo isso, como te falei, não o observo muito. Ele e o amigo gostoso estavam no bar, que aliás é bem legal, deveríamos ir lá, parecia que era sóuma cerveja e tal, mas tinham três mulheres, supergostosas, se pegando muuuuuito em uma mesa de frente para eles, e várias pessoas já estavam de olho nelas, querendo participar daquilo tudo, mas elas eram intimidantes. — Ela para de contar, que ódio. — E aí, Luiza? — E aí que os dois chegaram nelas. Se antes as pessoas já as observavam, toda a casa parou para ver o show deles. Foi uma das cenas mais excitantes que já presenciei, sério. Era mão naquilo, aquilo na mão e depois na boca. Teve uma hora que o amigo dele estava chupando uma, essa estava chupando o Cadu, ele chupando a outra que chupa a terceira, que chupava o amigo. Era uma centopeia de oral, sério — ela arfa —, só de lembrar me sobe um calor[12]. Você deveria vir um dia para visitarmos. — Claro, claro. Podemos ir aos negócios? — Prefiro sair pela culatra a continuar esse bate-papo, pois não tenho interesse NENHUM nas aventuras sexuais de Cadu. E daí que agora ele é um superdeus do sexo? Valentino tem um bom pau, e cabelos grandes que posso puxar enquanto cavalgo. Mas a gente bem que podia ter um remember com Carlos, né,Stella? Sentar direito nele, de uma forma inesquecível. — Agora, pronto. Minha boceta tem vontade própria. Obrigada, Luíza! — Você não quer falar primeiro sobre a volta dele e como se sente em relação a isso? — Não. — Stella, amiga, pensa nisso, pode ser uma segunda chance. Anteriormente tudo foi um grande fracasso. Mas as coisas mudam, Stella. — Lu, exatamente. As coisas mudam. Hoje em dia, porra, sou mãe solo, tenho minhas prioridades, que são outras, bem contrárias às dele, pode ter certeza. Sem contar que ele é médico recém-formado, com uma carreira em ascensão, que precisa gerir, sabe quanto que eu pago para Carlos Eduardo? É um salário muito bom, mas com experiência, e com uma recomendação do meu pai, ele pode rapidamente receber uma proposta indecente e ir embora, de novo. — Sim, recebi a documentação, alías você pode pagar mais. Sabe disso, certo? — provoca-me — O caso não é esse… — Luiza, o caso é esse. Somos duas pessoas completamente diferentes, nos objetivos e na vida. Ele usa crocs hoje em dia, sabia disso? — O que tem a ver isso, Stella? Muitos médicos usam. — Reviro os olhos para a defensora assídua de Carlos Eduardo. — Luiza, nós nunca combinamos, ainda lembro da cara dele a primeira vez na fazenda. Eu nem sei o que o fez voltar agora, e se ele decidir que não quer mais ficar no interior? Se eu contar sobre Henrique, ele decide vir para a capital? Vou ter que dividir a guarda, e… — Stella! Você está se ouvindo? Primeiro: peça igual não monta quebra cabeça, pelo contrário é inútil, segundo: se não conversar com ele, não saberá quais as intenções e motivos dele, nem os de agora e nem os do passado. E última coisa, que sei que você não gostará de ouvir, mas é necessário. É um pouco egoísta da sua parte tudo isso que falou de Henrique. Rique tem direito de ter um pai, Stella. — E se o pai não quiser ter um filho? — Se ele não quiser, lide com isso depois, mas de consciência limpa, o que você podia fazer, você fez. Mas, Tella, de verdade. Não faz sentido nenhum para mim tudo isso. Nunca fez. Lembra-se da conversa que tivemos quando me contou sobre a gravidez? Cadu não me parece alguém tão extremista a ponto das coisas terem seguido esse caminho. Porra, Stella, até você concordou comigo, e olha que você é cabeça dura. — Luiza! — Eu não estou mentindo. Sou sua amiga, não seu mop, não vou passar pano para tudo que você faz, e nem deixar que se afogue nesse poço de autopiedade, por favor, nós temos mais de trinta anos, somos gostosas, você é rica, eu ainda estou trabalho para ficar, sei quanto tem na sua conta e quanto tem investido, então por favor, vamos agir de acordo com nossa situação. — Ótimo que falamos disso, tempo é dinheiro, e não vim até aqui para ficarmos discutindo sobre minha não vida com Carlos Eduardo. — Sim, sua ingrata, vamos ao trabalho. Quantos milhões faturamos? O que não verbalizo para Luiza, é que, depois de tudo que vi e vivi, talvez não tenha sobrado espaço para mais nada, nem mesmo esperança. Cadu está de cara fechada e braços cruzados na volta. Ter conversado com Luiza só me fodeu, pois agora tenho imagens sujas de Carlos Eduardo, comigo. Eu sei, me toquei pensando nele, mas antes eram coisas normais, agora me pego fantasiando sobre coisas sórdidas. E antes fosse só as imagens sujas, com essas consigo lidar. Com certeza. O problema são os: “E se” que não pararam de rondar a minha cabeça, nem por um mísero segundo. Céus, estou ficando louca. — Tudo o que vocês pediram será entregue amanhã. — Tá vendo? Agora estou tentando minimizar a situação do nosso ocorrido mais cedo — Menos um item de Luana, parece que envolve uma substância que ela deve solicitar com o registro ou o Matheus. — Beleza. — Vai falar só isso? — Por que estou puxando assunto com esse idiota? Ah, porque antes de sair, Luiza insistiu que eu deveria conversar com Carlos, como duas pessoas normais. Mas existe um poço dentro de mim, que foi se enchendo de ressentimentos ao longo dos anos, e não sei se sou capaz disso, ser normal com Carlos Eduardo. Cheguei a conclusão que as coisas são como devem ser. Não acredito em segundas chances. Mas, se Lu está certa, e eu também, pois estava grávida e não doida, não seria uma segunda chance, seria uma primeira, certo? Stella, você está patética hoje, sério. — Não tenho mais nenhuma pendência com você. Eu só acho que deveria cuidar mais dos seus afazeres do que meter o bedelho nos serviços dos outros. É por isso, Luiza! — Quero gritar para ela me ouvir lá de Belo Horizonte. Porque ele voltou um cuzão! Esse não é o cara por quem me apaixonei e ansiei viver cada momento, dos pequenos aos grandes ao lado dele. Este não é o meu Cadu. — É meu trabalho, sabe quanto que custou tudo aquilo? — Uai, Stella, vocês são ricos, se querem comprar búfalos, manter uma fazenda funcionando, e tudo mais, tem que investir. — Me responde com ignorância. — Acho que está estressadinho porque buzinei para você na frente do shopping. — Ele estava parado lá, conversando com alguém, e eu não sou motorista dele. — Quem fez papel de idiota lá, foi você. — Está me chamando de idiota? — Ele dá de ombros. — Com quem estava conversando? — ele bufa, como um boi bravo. — E desde quando é da sua conta? — É da minha conta, pois eu estou dirigindo, e não sou sua motorista, que tinha que ficar esperando a sua boa vontade de terminar seu casinho, para depois virmos embora. Já estava tarde, e agora vamos chegar em casa depois das 20h. — Talvez um pouco menos, já que estou na estrada de terra para a fazenda, mas ainda tenho pelo menos dezoito quilômetros pela frente. — Pelo amor de Deus, Stella. Aquela era a Clarisse, dona do hospital que trabalhei, ela me viu, porque mora na região, e queria saber se eu havia voltado para a capital. A culpa de chegarmos tarde é sua. Você quem atrasou as compras e depois ficou quatro horas na contabilidade. E eu nem deveria estar me justificando para você, se ela era ou não um caso. Está com ciúmes? — Pela madrugada, me ajuda, Carlos Eduardo! — Digo com desdém — Que mundo fantasioso é esse que vive, ciúmes? De você? Se me lembro bem, mal conseguia meter por cinco minutos inteiros. Saiba que para eu pensar minimamente em repetir algo, precisaria pelo menos me fazer gozar de escorrer pelas coxas. — Primeira coisa que eu acho, chefinha, é que quem desdenha quer comprar, e segunda, não disse isso quando gemia meu nome e suas pernas tremiam em volta da minha cabeça. — E eu acho que você deveria calar a sua boca e voltar para BH, faz muito mais seu estilo de mauricinho. Tenho certeza de que lá tem mulheres que combinam mais com esse seu jeito de… — Tereza Cristina começa a diminuir a velocidade, olho o painel e vejo que o sinal de temperatura está aceso, e o de reserva também. Eu tenho certeza de que o tanque tinha bastante diesel. — Que porra, não, não, não. Merda! — O que foi? Vai começar com chilique agora, Stella? Jura? — Não sei. Essa merdaestá louca. Eu não dou chilique, Carlos! — Está dando um agora. Por que estamos parados no meio do nada, Stella? — O painel está acusando falta de combustível e alta temperatura. — Você esqueceu de abastecer? — Eu não esqueci, tá legal? Tenho certeza de que Valentino encheu o tanque, absoluta. No início da semana. — O capataz dirige a sua caminhonete? — Cala boca, Carlos Eduardo. — Forçar Tereza a ligar pode só aumentar o dano. Como eu não olhei isso enquanto dirigia? — Vou ligar para meu pai para buscar a gente. Pego meu celular, mas ele está descarregado. Que merda. Bufo estressada. — O que foi agora, Stella? — Você terá que ligar, meu celular acabou a bateria. — Você não tem carregador no carro? — Estava vendo eu carregar algum celular? Oh, não. Deve ser porque não tenho um. — Stella, esse carro custa mais dinheiro que eu consigo mensurar em minha conta bancária, nem sei se chegarei a ter esse valor em mãos um dia, e você está me dizendo que não tem um carregador que custa menos que cinquenta reais? — Eu estou falando que você deve ligar para o meu pai agora, e… — Stella, troquei meu celular no shopping, nesse momento o que eu tenho é inútil pois não configurei. — Como assim, Carlos? Como você faz uma idiotice dessas, contando com ovo no cu da galinha, e se eu me acidentasse? Nós estavamos a quilômetros de casa, ainda estamos, faltam dezoito quilômetros e… — Stella, cala a boca. — Eu não vou calar a boca não! Sério, nunca passou pela sua cabeça, mesmo que remotamente, que precisaríamos de um celular… — STELLA, PARA DE FALAR! — Ele grita comigo, virando- se de lado para mim, e eu faço o mesmo. — EU NÃO VOU PARAR, PORQUE VOCÊ NÃ… — Cadu pega-me pelo pescoço, e puxa minha boca para a sua. Sinto aquele zumbido no ouvido, sem processar o que aconteceu. A mão forte pressiona-me contra ele, sua língua exige espaço para dentro da minha boca, e quando cedo, é como se meu corpo encontrasse uma estabilidade perdida há muito tempo. É uma reconexão com uma Stella que sinto saudades, a Stella que pertenceu ao Cadu. Cadu Vieira Estou beijando Stella. Porra, eu estou mesmo fazendo isso. Suas mãos precisas me seguram próximo a ela, extinguindo qualquer espaço entre nós. Puxo-a para meu colo, ela vem, sem pestanejar, montando em mim, Stella corresponde ao meu ataque fervorosamente. Meu coração dispara, sinto meu corpo ficar totalmente estarrecido, é completamente estranho, mas ao mesmo tempo familiar. Parecemos nos encaixar perfeitamente como yin-yang. Minhas mãos percorrem seu corpo, como se fizesse isso todos os dias, como se fosse nosso costume — parece que elas não se esqueceram nem mesmo da textura sedosa de sua pele. Minha ereção começa a crescer em nosso meio, e temo que ela se afaste, espero isso a qualquer momento. Mas, Tella, rebola em meu colo quando a sente. O cheiro dela está na minha cabeça a porra do dia inteiro, e agora é como se eu estivesse dentro dela, pois sou tomado inteiramente por seu aroma adocicado. Os cabelos longos, que estão presos em uma trança, roçam em meus braços que a seguram fortemente, com uma mão, arranco o elástico da ponta e desfaço-a, fazendo as ondas pesadas cairem livremente, do jeito que eu amo. Porra, eu realmente amo essa Diaba. Como mascarei isso para mim mesmo? Perceber isso, faz as mesmas sensações de anos atrás retomarem-me por inteiro. É libertador. Sua língua quente circula calmamente meus lábios, e toca a minha de novo, sugando-a para sua boca, fazendo com que todos os meus pelos se arrepiem. Puxo sua blusa social de dentro da calça jeans, mas Stella é mais rápida e arranca a minha primeiro, ela observa meu corpo desnudo, passeia por ele com as unhas pintadas de nude, relembrando-me como nosso contraste é perfeito, e sempre amamos isso. Sorrio ao vê-la perdida em mim, os cílios grandes e pretos pousam como um leque em seu rosto. Começo a abrir sua camisa, devagar, com a boca salivando a cada pedaço de pele que aparece, mas aparentemente Stella tem pressa, pois ela mesma abre os botões pequenos, deixando o sutiã branco rendado à mostra. Acho que minha memória quanto a essa parte dela, não é tão fidedigna. Porra, eu sabia que ela era gostosa, mas a Dêmonia aparentemente é como vinho. Levo meus dedos ao sutiã delicado, percorro toda a costura roçando levemente em sua pele, Stella, inclina-se para meu toque e, sem querer, penso que, infelizmente, a qualquer momento, nosso torpor acabará, fazendo com que nós acordemos, se é que isso tudo é verdade. Abaixo o pano delicado e me deparo com algo inesperado, que me faz parar. A gargalhada delicada dela, faz com que eu volte a realidade. — Não esperava por isso? — Porra, Stella, você colocou piercing nos mamilos? — uma argolinha abraça cada um deles delicadamente. — Sim, você gostou? — Pra caralho! — Pode usar essa imagem para bater uma pensando em mim. — Você ainda tem dúvidas? — Começo a inclinar-me em sua direção, olhando seus olhos castanhos escuros, deixando claro minhas intenções — Mas antes disso vou te mamar lentamente, se esqueceu como eu gosto disso? — Sem melindre sugo o primeiro mamilo, sentindo o contraste da jóia fria com minha língua quente, puxo-a com meus dentes, fazendo-a deslizar em minha boca. Cacete, isso é uma delícia. Faço o mesmo com o outro mamilo e tenho certeza de que poderia fazer isso por horas sem cansar. Com fome dela, abocanho o máximo de seu seio, chupando, brincando com minha língua na pele lisa e sedosa de Stella. A Diaba desliza sobre meu colo, agarra meus cabelos curtos e geme, com vontade, afinal Tella nunca foi silenciosa. Agarro seu seio esquerdo com a mão, acariciando o mamilo túrgido com o polegar, lambo todo o espaço até seu seio direito, passando a deleitar-me nele também. Minha mão livre começa a deslizar pela barriga até o cós da calça jeans, onde sou detido pela fivela grossa do cinto. Sem enxergar direito, e com uma mão não consigo abri-lo. — Merda, Tella, por que insiste em usar essas coisas? — Afasto-me para soltá-lo, e é aí que acontece. Num rompante, ela sobe o sutiã e começa a fechar a blusa com rapidez. — Porra! Não, não, não — ela começa a balbuciar, ao mesmo tempo em que passa por cima do cambio, se jogando em seu banco e socando o volante. — O que foi, Stella? — Nada. — Stella, calma aí, não… — Eu não quero ouvir, Carlos Eduardo. — Mas, Stella, a gente… — A gente coisa nenhuma. Merda! Eu sou uma burra, burra, burra! — Cada palavra dita é um soco no volante. — A ideia de se entregar a mim é tão repugnante assim? — Olho-a embasbacado. — Eu não quero ouvir sua voz. — Stella, nós estávamos… — Nada, não existe nós. — É sério, Stella? — mordo meu lábio para evitar que eu grite com ela. — Cala a boca, preciso pensar em uma solução para sairmos daqui. — Não me mande calar a boca, eu odeio quando faz isso. — Tenho tanta vontade de socar-me, muita mesmo. — Então fica quieto — ela começa aumentar o tom de voz, e a raiva começa a me consumir. Visto minha camisa de volta, sentindo uma veia pulsar em minha testa devido a raiva que ela me causa. — Stella, se você gritar comigo, eu vou te dar um motivo para isso. — Você não ousaria. — Não ousaria o quê? Chupar sua boceta até você derramar em minha boca? Ou estapear sua bunda até que ela fique rosada e quente? Esses me parecem motivos melhores para você gritar. — Olho-a sério. Sua blusa claramente foi abotoada errada e ela esqueceu de colocar um botão em uma casinha, pois é bem visível o pedaço de pele sob o tecido da camisa e a renda do sutiã. Sua respiração sai arfante, e seu desejo está estampado em sua cara, que é o retrato da mais alta luxúria. Uma luz forte surge através do retrovisor central, e vem se aproximando, pareando com a caminhonete de Stella, o lado de fora só está iluminado pelos faróis dos carros. Merda, isso pode ser perigoso. A caminhonete azul para alinhada a de Stella, e percebo ser Seu Vicente. — Uai, o que cês dois tão fazeno parado nesse breu? — Tereza surtou — Stella toma a frente da resposta — ela acendeu umas luzes e simplesmenteparou de andar. — Uaaaai, mas como assim? Já te falei que precisa ficar cabreira com essa manutenção menina. Por que não ligou? — Celulares descarregados — respondo. — Vem, passa pra cá cêis dois, tranca a caminhonete, Stella, amanhã eu óio isso, minha fia. — Descemos em silêncio, antes de chegar à frente do carro, dou uma ajeitada discreta na calça, pois ainda continuo duro, mesmo que tenhamos parado de nos sarrar há alguns minutos. — Como foi na capital? Seu Vicente poderia nos matar, ser um serial killer, que não perceberia, pois todo o caminho de volta foi feito sem que eu note onde estamos. A chegada em casa foi silenciosa. Toda a fome de comida que eu sentia se esvaiu, e fui direto para o meu quarto. Merda, não consigo acreditar que realmente aconteceu. Como eu posso amá-la ainda? Depois de tudo o que aconteceu? Porra, ela teve um filho de outro cara, e… E daí, Carlos Eduardo? Foda-se. O Henrique é uma criança tão adorável, carinhosa, esperta… Mas você terá que amá-lo também, pois ele é parte da Stella. E eu não amo cada parte dela? Algum dia, deixei de amá-la? Olho no relógio, e já são duas da manhã, e eu não consigo dormir. Não, dá. Eu não posso dormir sem entender o que aconteceu conosco, em um momento estávamos brigando, no outro nos beijando — só de lembrar de seus seios rosados, da jóia prateada, meu pau se contrai — e depois brigando de novo. Tenho certeza de que não foi uma fantasia, todos os toques que dei a Stella foram bem recebidos e ela correspondeu. É por isso que bato em sua porta, só porque tenho que entender tudo o que aconteceu. — O que você está fazendo aqui? — ela sussurra arisca. Stella veste uma camisola longa, que agarra todas as curvas do seu corpo, deixando toda sua glória evidenciada. — Uai, Stella, precisamos conversar. — Não precisamos. Esquece isso, Carlos. — Como? Me explica, como vou esquecer? Stella… — suspiro — dentro daquele carro hoje, eu senti uma coisa que não sentia há muito tempo, algo que só senti com você. — Pois esqueça qualquer coisa que você acha que sentiu. — Você não sentiu nada? Jura? — ela só pode estar brincando — Porque para mim pareceu que você estava bem receptiva. — Você não sabe nada de mim, Carlos. — Stella… — Stella, nada. Seu tempo passou. Aceita isso. O tempo de acertamos foi em abril de 2012. — Do que você está falando, Stella? De quando eu cheguei como um idiota apaixonado, quando fui obrigado ao ouvir que meus trezentos reais não pagavam seu par de botas? — sussurro de volta. — Ah, é disso que você se lembra? — ela cruza os braços na frente do corpo. — Tem mais alguma coisa que deveria me lembrar? Além do Leonardo saindo de cueca do seu quarto? Além dele me falando de todos planos futuros? — Vejo sua boca se abrir com petulância, do mesmo jeito que sempre faz como vai partir para briga. Penso que poderá passar anos entre nós, mas reconhecerei todos seus trejeitos no primeiro segundo que meus olhos escaneá-la. — Do que você tá falando? — Aaaah, Stella! Como assim? Sabe muito bem, você estava presente! — Essas memórias são as piores da minha vida, poucas vezes eu as revivi, pois ainda dói saber que logo após nós dois, ela engravidou daquele estrume. — Não estou aqui para falar disso. Por favor, Stella, vamos falar de hoje. — Não temos nada para falar. Não bata em meu quarto de novo, não é porque eu fraquejei hoje, por alguns minutos, que ganhou um passe livre para me comer, não confunda as coisas. — Hoje foi uma fraquejada? Só isso? — Sim. Se achou que ia me comer, faça bom uso da prévia que te dei dos meus peitos, seja feliz batendo uma punheta. — Você é ridícula, e digo mais, é uma covarde. — Vai se ferrar, Carlos Eduardo. — Jamais pensei que te definiria assim. — O que você esperava? Hein? — Ela aponta o dedo no meu peito, petulante. — Que eu abrisse as pernas e falasse “me fode de novo, vamos repetir a dose, e quem sabe você me abandone de novo”. — Eu te abandonei? Eu? Você está se ouvindo? — Carlos… — seu sorriso debochado me irrita — vai me dizer que… — Mãe? Dudu? Por que cês tão brigando na porta do meu quarto? — a voz infantil e sonolenta de Henrique interrompe nosso embate caloroso. — Nós não estamos brigando, filho. — Cês parecem estar brigando. — Vem dormir com a mamãe, antes que perca o sono e a hora amanhã. — Não posso, tô cuidando do Tigrinho, o Joca fez o curativo hoje, cê demorou Dudu. — Desculpa, carinha, o trânsito estava ruim. — Traz o Tigrinho, venha logo, o chão está frio. Boa noite, Carlos. — Ela vira-se e me deixa plantado ali naquele corredor. Cadu Vieira Tap,tap,tap — Carlos, acorda! LEVANTA PORRA! — Perdi a hora? Puta que pariu, perdi a hora! Eu não ouvi o celular despertar. Tenho certeza de que configurei depois do banho de água fria que Stella me deu. Por que ela está batendo na minha porta escandalosamente às… 4h50? — CARLOS EDUARDO! Levanto-me enfurecido, porque só pode ser brincadeira, não tem base[13] um trem desse. — O que foi, Stella? São quatro da manhã! — Começo a reclamar, enquanto procuro uma calça de moletom. Num rompante a porta se abre, e uma Stella muito brava, me pega com as calças nos joelhos e sem cueca. — Porra, não pode esperar? — Ela fixa os olhos no meu pau endurecido, pois, sim, eu estava tendo um sonho com a Diaba me chupando. — O que está olhando? — Você estava… — a pergunta não precisa ser terminada, pois a reprovação está clara em sua face. — Eu estava dormindo, Stella — apresso-me em falar. — Não me interessa também. — Apesar de Stella não estar nem um pouco interessada, segundo o que ela disse, não deixa de olhar para o meu pau durante todo o momento. — Você veio para falar realmente alguma coisa ou para ficar olhando meu pau? — Seu rosto se aquece e eu não sei falar se é de raiva ou de vergonha. — Suponho que seja importante, afinal, todos na casa sabe que estamos acordados, então não é uma escapadinha para ser bem comida. — Vojo-a morder a bochecha, e por ela não gritar e me insultar, deve ser algo sério. — o Valentino veio me chamar. — Ah claro, o capataz — Aparentemente, alguns Angus estão estranhos, deitados sem reação, estão vivos, mas não sei o que é, fui até lá e… — Subo minha calça depressa, calço meu crocs, e apanho qualquer blusa de frio na gaveta, sem escutar o que ela veio me falar. — Da próxima vez é só falar que é uma emergência. Passo no celeiro, pego minha maleta e no caminho envio uma mensagem para Joca, que acorda cedo sempre. Mas chegando lá, decido ligar também, porra, não é um boi, são vários. — Puta que pariu, que merda é essa? — Pensei que você devesse me explicar, já que mudou a dieta dos meus animais. — Você está insinuando que eu fiz isso? — Que explicação você me daria? Hein? Sabia que o último veterinário foi demitido por muito menos? — Stella, eu sei trabalhar. — Então, me explica, já que você sabe o que está fazendo, me explica o que está acontecendo. — Se continuarmos discutindo como duas marmotas, talvez, eu tenha que fazer autópsia em vez de tratamento. Saia daqui, me deixa trabalhar e quando tiver uma resposta, te darei. — Eu quero uma resposta agora! — Ela cruza os braços, e bate o pé no chão petulantemente. — EU NÃO TENHO, PORRA! — Tá precisano de alguma coisa, dona Stella? — O cachorrinho dela aparece e se coloca entre nós dois, me encarando como um pinscher. — Ela está sim, talvez, você possa dar o que ela precisa. Só não faz gemendo meu nome, dona Stella. — Seu olhar congelado me observa como um gavião. — Você é um cuzão do caralho — Stella diz e sai, com seu cachorro a tira colo, deixando-me parado ali, no meio do caos instalado. — Carlos, Joaquim e Luana, vem almoçar. — A voz da minha mãe é o que me acorda do transe. — Quantas horas? — Joaquim, que tem olheiras enormes, pergunta lá do canto onde está ajoelhado, medicando um Angus. — Duas, e eu quero tampar as panelas. — Minha mãe diz como uma general, e vai embora do mesmo jeito que veio, do nada. — Olha, gente, vocês podem ir, sério — digo-lhes. — Eu vou ficar aqui na observação com eles. — Seu amigo está certo!— Luana grita ao fundo. Já não sei mais o que ela está falando. Minha última refeição foi ontem no almoço. Meu pé está brenhado[14] de fezes, que vazaram pelos furos da crocs, meu moletom Ralph Lauren está arruinado, não sei nem que dia é hoje. — Quem? — Nicolas — ela responde. — Cadê? — Não, ele está certo. Mais cedo, no auge do meu desespero, ele sugeriu algo, quando recusei sua chamada três vezes, Nick me enviou um áudio e quando respondi explicando o motivo da recusa, o cabeção disse que a forma mais fácil de contaminação em massa é através de água contaminada. Luana, chegou por volta das oito, e quando perguntei, ela disse “pouco provável… água corrente” e mais um tanto de coisas. — Eu nunca fui uma aluna aplicada em limnologia[15], nem me passou pela cabeça a ideia de a água aqui está contaminada, usamos água corrente para os animais, mas tenho um amigo na companhia de saneamento, enviei amostras e ele fez a testagem lá. — Ela parece exausta. — Aspectos biológicos, químicos e físicos comprometidos, ele está testando agora substâncias mais comuns, logo teremos respostas e uma visita. Desgraça pouca é bobagem, como se não bastassem os bovinos, próximo das sete da manhã, algumas aves começaram a vir a óbito. Infelizmente não conseguimos fazer nada para evitar o desastre iminente. Vendo a situação por um todo, agora faz todo o sentido tantos frangos mortos, por serem menores, a contaminação os mataram mais rápido. Já os angus, começaram a melhorar após lavagem estomacal, medicação e reidratação, ainda assim tivemos algumas baixas. — Me diz que não é a vigilância sanitária — Joca aparece do meu lado, descartando as luvas. — E da companhia de saneamento — completa. — Mais alguém? Companhia de luz? — pergunto com sarcasmo. — E do IBAMA — Luana diz com um sorriso de falsa animação. — Que ótimo — resmungo. — Gente, almoço — minha mãe grita no meio do quintal. — E quem vai contar para dona Onça? — Luana fala de repente. Minhas forças que já são poucas, se esvaem quando começo a rir da espontaneidade dela. Suas bochechas ficam vermelhas e, junto aos óculos grandes demais para o rosto delgado, emoldurado por um cortina de cabelos louros, me fazem perceber como ela é bonita. Os olhos são azuis claríssimos, parecem o mar de Paraty. — Desculpe. Ela me assusta. — Não se desculpe, querida, pode falar à vontade, em nenhum momento você mentiu — Joca nos olha enviesado, e já entendo. Se tem uma coisa que leio bem é o olhar de um homem que deseja uma mulher. — Joaquim é ótimo em lidar com a dona Onça, não se preocupe, pode voltar para seus insetos, já nos ajudou demais. — Tem certeza de que vocês não precisam de mais nada? Apesar do seu amigo ter sido mais útil que eu… — Tenho sim, e agradeço. Não leve para o coração, Nicolas pensa de um jeito estranho, nem ele mesmo sabe como o cérebro dele funciona. — Então eu vou indo, sabem como é, não sou efetiva, então quanto mais rápido terminar, mais rápido ganharei dinheiro. — Ela acena com timidez, e se retira. — Hmm, Joaquim Benício, gosta das tímidas? — Digo quando Luana já está chegando na cozinha da minha mãe, sim ela tomou posse do cômodo há anos. — Não sei do que está falando. — Posso levá-la para um chopp então? Não, espera… Expo Itaúna em quinze dias, esse seria um date legal… — Não enche, Cadu. — Vou chamá-la, a não ser que você chegue primeiro. — Vou passar o relatório e notícias para Stella. — Você deve ter um belo pau, se estiver intimidado pelo meu, podemos compará-los — grito quando ele sai. — Vai se fodeeeeeeer — ele canta desafinadamente enquanto sai. Folga, folga, folga. É esse o mode que meu cérebro acorda no sábado de manhã. Nem acredito que esse dia chegou, sinto-me adorável. Depois da discussão com Stella, ela me deu paz. Graças a Deus. Os animais foram envenenados por um pesticida para roedores. Como se todos os órgãos não fossem o suficiente, ainda tem a polícia ambiental investigando o caso. Com todo o trabalho que tivemos, estou moído de tantas formas diferentes, que não planejei minha folga, só visto-me — em um delicioso conjunto de moletom Hugo Boss, nos pés uma sapatilha Polo, passei um perfume Dior e pronto — para espairecer um pouco na cidade, talvez tomar o café e almoçar em um lugar que tenha asfalto me faça bem. Posso esticar para Divinópolis também. Será que lá eu consigo comprar uma crocs e um novo moletom, para substituir os que precisei jogar fora? É pensando nisso que destravo meu carro, mas um miado chama a minha atenção. Abelhinha, está solta e sua barriga grávida se arrasta no gramado molhado. Com medo dela ser atropelada, pego-a, a levo para a varanda, e volto aos planos. Quando saí de casa, estava tudo silencioso, nem mesmo a minha mãe fazia o café, o que é estranho para o interior às 7h30, mesmo no sábado. Quando a estrada de terra acaba, meu celular consegue sinal da operadora, e as notificações começam chegar desesperadamente. Ignoro-as por hora, e lembro-me que devo ir ao banco para fazer umas autorizações no caixa eletrônico, preciso comprar as coisas de higiene pessoal também. Irei aproveitar a paz para comprar um presente de aniversário para Nicolas, durante o café da manhã, pois o próximo fim de semana é aniversário dele, e… — Atchim! — não, eu não espirrei, de onde… — Atchim! — paro o carro na praça, olho para o banco de trás, e minha blusa — jogada há umas semanas ali atrás — se remexe, algo que não é normal, quando a puxo, meu coração gela. — Henrique? O que está fazendo aqui? — Oi, dotô, tudo bom? — Rique, Puta q… O que está fazendo aqui? Sua mãe vai nos matar. — E olha que ela fará isso com o olhar. — Eu vim na cidade, uai, com você. — Henrique, eu não vou voltar para casa tão cedo, e… Por que você veio a cidade? E como assim veio comigo? — Vim comprar um presente pra mamãe. O Bruno hoje está de folga. — Essa criança tem um motorista particular, o que veio fazer aqui? COMIGO? A Stella vai surtar. — Henrique, como você entrou no meu carro? E por que achou que isso seria uma boa ideia? — Uai, Dudu… Eu ouvi sua mãe falar que cê ia saí na folga, que é hoje. Deixei a Abelhinha te distrair, e aí entrei, foi fácil. — Tento segurar a vontade de rir, mas não me aguento. Repetidas memórias da minha infância na fazenda com sua mãe passam rapidamente em minha cabeça. Não foram poucas as vezes que fizemos isso, montamos um plano para aproveitarmos juntos o dia. — Henrique, nem vou para casa agora. Na verdade eu pretendia ir para Divinópolis… — Humm, ótimo, tem uma loja que a mamãe ama comprar perfume lá. — E como pretende pagar por isso? — Uai, no meu cartão de crédito. O vovô me deu um de presente. — Sua mãe sabe disso? — Céus, os ricos são insanos. — Óbvio que não, é um segredo, mas cê não vai contar, né? — Henrique, não posso te levar para uma outra cidade, eu não sou nada seu, posso ser preso por sequestro, ou qualquer coisa assim. Sua mãe vai ficar desesperada! — Hoje é dia de acordar tarde, ela não vai me procurar até as 9h. A gente pode fingir que sou seu filho! — Ele dá de ombros, como quem não se preocupa com nada nem ninguém. — Tá bom, como se isso fosse colar… — bufo — Nós não nos parecemos, em nada, e… — Vejo-o me olhar e torcer a cara. Duas linhas paralelas descem em seu rosto, assim que os lábios se findam, seus lábios e sobrancelhas são grossos, os olhos castanhos me lembram chocolate derretido, soam tão familiar que talvez… Cadu, acorda! — minha própria consciência ralha comigo, antes que eu termine o raciocínio. Mas, se Stella e eu tivéssemos um filho, como seria? A genética é uma gigante roleta de chances. Só em tons de pele, nossas chances são vinte e cinco por cento de chances para preto, branco, moreno ou pardo, além de… CADU! — O caso, Henrique, é só que não podemos fazer isso, e ponto. — Seu rostinho triste parece transformar meu coração em uma bola de gelo. Merda, estou ficando um frouxo desse menino! — Eu só queria alegrar a minha mamãe. — Henrique, você é um filho ótimo, tenho certeza que sua mãe é muito feliz com você. — Sei disso,é só que ninguém cuida da mamãe, sabe? Ela toma conta de tudo, o tempo todo. De mim, do vovô, da vó Cida. Ainda tem os moços e moças tudo que trabaia lá em casa… Eu queria que a mamãe tivesse um namorado, às vezes, ela parece bem sozinha e também seria legal ter um pai. Cê tem namorada, dotô? Cadu Vieira — Não, eu não tenho. — Já teve? — Hã… Sim, quer dizer, mais ou menos. — Quem era? — sua mãe. Bem, eu a considerava, quer dizer, estávamos quase lá, mas não tão lá assim. — Você não conhece. — Cê amava ela? — Amo ainda. — E por que não estão juntos? — É complicado, acho que você não entenderia. — Poderia tentar, minha mãe diz que sou inteligente. — Não duvido da sua inteligência, só é complicado. Eu a amo, mas tem muitos anos que as coisas se perderam, nem faz mais tanto sentido assim amá-la, sem contar que somos muito diferentes… Ela e eu tomamos decisões muito definitivas em nossas vidas, e… — Estou desabafando para uma criança de nove anos. Suspiro, e olho os idosos jogando dama na praça. Uma pequena mão fofa toca meu ombro largo e o acaricia. — Sabe, Dudu, meu avô costuma falar que os adultos são complicados, e acho que ele está certo. Se cê gosta dela, é só falar, uai. — E se ela não gostar de mim? — Pelo menos ela sabe. — Sorrio para ele e toda a inocência que o cerca. — Se ela não te quiser, cê pode namorar a mamãe. Acho que gosto docê. — Nossa Senhora, Henrique, nem eu, nem sua mãe somos prêmios de consolação — gargalho.— Acho que sua mãe ficaria muito brava se ouvisse isso. — Ia nada — ele dá de ombros — ela te olha do mesmo jeito que olha pras pulseiras escondida. — Que pulseira? — Mamãe tem duas pulseiras pretas, que ficam escondidas no porta-joias dela. Ela nunca usou, sabe? Mas às vezes vejo ela olhando pra elas por um tempão e ai ela balança a cabeça e guarda. Mas o jeitim que ela te olha é igual o das pulseiras. — Meu coração se acelera, por pouco quase não sai pela boca, tamanho desespero. — E como são as pulseiras, Henrique? — Pretas, com imãs, é legal de brincar. — TUM, TUM, TUM, TUM, TUM… Meu coração sairá correndo para longe do meu peito. Onde Stella arrumou essas pulseiras? Não me lembro de qual fim teve o seu presente daquele aniversário de vinte e um anos. Será que ela o achou e o guardou por todo esse tempo? — Tá bem, dotô? — Sim — engulo em seco —, vamos fazer o seguinte, estou morrendo de fome, nós vamos tomar café na padaria, eu te levo de volta para casa, e irei resolver minhas coisas. — Mas e o presente da mamãe? Não posso voltar para casa sem, é sério, Dudu. Tem uns dias no ano que mamãe fica triste. Ela odeia Ano-Novo, sempre deixa eu e o vovô sozinhos e dorme cedo, ela também não gosta do aniversário dela, e sei que quando as férias de julho acabam, ela fica muuuuito, muuuuuuito triste, mas não tá no dia dela estar triste, por favor, Dudu, vamos, eu só preciso comprar um presente pra deixar ela feliz. — Não acredito que vou fazer isso. — Está bem, — ele começa a comemorar — vou ligar para a sua mãe, e se ela concordar, levarei você comigo, mas só se Stella concordar. — Mas aí estragará a surpresa. — É isso, ou nada. — Ele bufa irritado, e mordo a boca para não rir. — Tá bem, então. — Depois do café, não quero ouvir os gritos dela de barriga vazia. — Ainda bem, né? Porque tô morrendo de fome. Stella não surtou, pois não atendeu o telefone. Consegui falar com seu Vicente, que gargalhou da peripécia do neto, e disse que tudo bem, se não fosse incomodo, poderia levar Henrique comigo. Como se eu tivesse opção. Henrique foi por todo caminho sentadinho, de cinto, cantando a plenos pulmões todas as músicas que tocavam na rádio, e ainda reclamou pois não tinha Shania Twain, até nisso Stella está incrustada no filho. — Gostei muito da sua roupa. Cê tá bonitão. — Obrigado, Henrique. — Posso ter uma dessas? — Com a cara que sua mãe me olha todas as vezes que repara minha roupa? — Ah, com certeza. — Ela vai adorar. — Podemos comprar hoje? — Bem, não sei se acharemos aqui, esse é um dos objetivos: comprar moletons, daqui a pouco o frio aperta. Mas, caso não achemos, sua mãe vai em Belo Horizonte, lá ela pode comprar para você. — É, ou você pode. Cê mora lá, né? — Sim, moro… Bem, por enquanto moro aqui, mas prefiro morar lá mesmo. — Meu aniversário está chegando, sabia? — como poderia me esquecer disso? — Falta muito para novembro. — Meu aniversário é setembro, uai. — setembro? — Tem certeza? — Ele nasceu prematuro? — Sim, nem dá pra fazer festa lá fora, sempre chove. Mamãe diz que é a chuva do meu nascimento, pois é primavera, e eu flori a vida dela, pra ser feliz, é uma coisa bonita de falar, né? — Sim, é sim. Mas ainda falta muito, de qualquer jeito. — Setembro? Nunca diga nunca, esse é meu novo lema da vida. Falei que nunca mais pisaria em Itaúna, especificamente na Vale dos Periquitos, e olha só onde estou trabalhando. Aí como se não bastasse isso, jurei esquecer Stella, menosprezá-la, nunca mais sequer pensar nela, no entanto, mesmo com toda a raiva que ela me fez passar essa semana, além dela me ignorar, só penso nos beijos dela, na forma como seus seios se encaixam em minhas mãos, e a porra dos piercings não saí da minha cabeça. Acabamos aí? Não. Achei que sentiria raiva de seu filho, afinal, indiretamente, ele existir deveria relembrar-me de quando tudo ruiu, mas aqui jazo eu, babando na cria dela, fazendo suas vontades, como uma massinha de modelar que Henrique aperta, puxa, e quando estiver cansado me guardará num pote com todas as marquinhas da palma de sua mão, igual sua mãe fez. E se acha que acabou por aí, você se engana. Pois jamais cogitei estar escolhendo um presente para ela novamente, e aqui estou. — Qual o estilo de perfume que vocês procuram? — A vendedora solícita pergunta quando Henrique já tomou frente e diz que quer um perfume de presente para a mãe. — Óia, moça, ela já usou esses todos… — Henrique começa a apontar os frascos na vitrine. A pouca variedade não parece agradar a criança. Se tivéssemos em BH… — Bem, isso reduz bastante as opções… — O desespero está estampado na cara dela, pois claramente ela quer atender uma compra de um perfume importado. — Como ela é? Talvez eu consiga ajudá-los em algo baseado nas características físicas e… emocionais dela. Sou ótima nisso. — Humm… A mamãe é a mulher mais linda do mundo, tem os cabelos maiores e cheirosos do universo, parece preto mas não é. Ela tem o sorriso grandão, e os olhos também são marrom, escurão… Já ouvi os pais dos meus amigos falando que ela é gostosa, e… — HENRIQUE! — Minha Nossa Senhora Aparecida. — Uai, mas é verdade. — Ele balança nossas mãos para frente e para trás. — Mas ela é ou não? Como a gente descobre essas coisas? — Rique, depois a gente conversa sobre isso… — Olho para a vendedora e sorrio sem graça. — Ajude-o papai, como a “mamãe” é? — Nós… — Não devo satisfação a pobre vendedora que só precisa bater uma meta — Stella é… — gostosa é uma boa descrição — intensa, sorridente, mas não muito — deveria sorrir mais, pois é a própria Afrodite quando faz isso —, é muito segura de si, cuidadosa, responsável, inteligente, muito inteligente — quer dizer, mais ou menos, é péssima em relacionamentos sexuais —, ela é uma das mulheres mais fortes e maravilhosas que conheci. — A vendedora me olha como uma personagem de mangá, com olhos grandes e brilhantes. — Nossa… Você a ama… — Eu não… — Mas bastava me dizer se ela é mais sensual, se estão buscando algo dentro das propostas que seu filho já trouxe, ou se vão ser ousados e buscarão uma sugestão contrária ao que já conhecem … — Ah sim, era isso. A vontade que tenho é de gritar a plenos pulmões que não sei, pois ela é impossível em reaproximações. — Ela é bastante… A primeira coisa que falou, ama doce de leite, e… — Nossa, por que não disse antes? Tenho algumas opções com notas de doce de leite. — Graças a Deus. Henrique está extremamente feliz com seu presente, o balança para frente e para trás, e narra como fará para entregá-lo. Faço tudo que programei para o dia com um Henriquemuito animado, fazendo perguntas sobre tudo que estou fazendo e por que estou fazendo. Houve vezes em que ele também foi meu estilista, aprovando ou reprovando roupas em lojas de departamentos. Joaquim está certo, não dá para ficar usando todas minhas roupas para trabalhar. Às 13h já acabei tudo, e meu estômago ronca alto. — Tá com verminho, dotô? — Hã, não…? — Ele gargalha alto. — Minha mãe sempre fala isso quando minha barriga faz esse barulho. — Ele dá de ombros, ainda segurando minha mão. — Vamos almoçar antes de irmos embora? — Posso comer besteira? — Você vai contar para sua mãe? — Não. — Mesmo? — Juro, juradinho, por favoooooor, é sábado. — Tudo bem, pode escolher o que você quiser. — Não sei para que falei isso, pois tenho que lidar com um Henrique bem animado, andando por toda a praça de alimentação de um shopping no sábado. Quando ele enfim decide, fazemos os pedidos e nos sentamos para comer — Tem certeza que vai comer tudo isso? — Lógico! Sabe quantas vezes ao ano venho no shopping, dotô? — Não, quantas? — Duas, no meu aniversário e no Natal. Mamãe não gosta desses trem, ela diz que não combina com isso — É a cara dela dizer isso. Rique começa a desembrulhar o hambúrguer e eu abro os sachês de ketchup e os coloco em sua frente, quando vou fazer o mesmo com o de mostarda, já calculando o gole no refrigerante porque odeio esse molho. — Eu odeio esse trem aí. — Ele aponta para minha mão. — Ainda bem, eu também. — Descarto na bandeja e começo a comer meu lanche em silêncio. — Pois é, por isso, posso comer besteira no dia do shopping — Henrique volta ao assunto anterior de boca cheia —, como é lá na capital? — Você nunca foi lá? — Não, quer dizer, fui pequenininho— ele fala como se fosse um adulto — Quando saio de férias, a gente viaja pra lugar que parece roça ou vamos para praia, sempre uma mais vazia. Já fui tamém naquele lugar de neve, pedi no aniversário do ano passado. — Que legal, nunca vi neve, sabia? — É superlegal! Mas me conta como é lá? Mamãe só fala que tem carros, buzinas, sirenes e muita gente. — Basicamente isso. É caótico, mas eu gosto. Posso te levar um dia, se sua mãe deixar. — Vou convencer ela, é só fazer um cafuné. — Então é assim que amansa a Onça? Por minutos ficamos concentrados em comer, até que ele sorri para mim. — Que legal, dotô, cê também é canhoto, como eu e o papai. — Seu pai? — Sim… Quer dizer, a mamãe falou, né? — Nunca prestei atenção nele, Henrique. — Uai, cê conheceu meu pai? — Porra, eu conheci? Esse menino não me lembra em nada aquele idiota. — Não. Esquece o que eu disse. Sua mãe fala muito do seu pai? — Bem pouco, queria que ela falasse mais. — O que ela fala? — Hmm… Que me pareço com ele — não, não se parece em nada —, que quando chove minha cara de tédio é igual, que nós andamos parecidos, somos canhotos e sorrimos iguais também. — Stella… Já falou o nome dele? — Estou mesmo interrogando uma criança? — Não, na minha identidade só tem o nome dela. Quando perguntei uma vez, ela disse que na hora certa eu ia saber, mas já passou um tempão. — Por que isso, Stella? — Mas sinto falta, sabe? É legal que o vovô vai no dia dos pais, mas queria ter o meu pai mesmo. — Lembro-me como é sentir essa sensação, não é nada legal. — E se… seu pai, estiver… — como perguntar sem ser mórbido? — no céu? — Ah… acho que ainda tem jeito, sabe? O Hugo da minha sala é adotado, e é muito feliz. Eu adotei a Abelhinha quando era um bêbe, ela sempre foi amada… então acho que pode acontecer o mesmo comigo. Sou fácil de amar, não sou? — a pergunta velada de uma aceitação iminente faz meu coração sangrar. — Você é a pessoa mais fácil de amar que eu conheço, Henrique. — Ele dá um sorriso alegre, e volta sua atenção para seu lanche. Quando esse período de trabalho acabar, porque ele vai acabar, vai doer pra caralho. Stella Macedo — Bom dia, Cida, tudo bem? — Oi, dona Stella, tá sim, dormiu bem? — Sim, e dormi demais, são mais de onze da manhã. — Cê precisa tira férias, menina, cê não é de ferro. Já te falei isso. — Mês que vem eu vou tirar, Cida, prometo. Junto com o Henrique. Falando nisso, cadê ele? — Acho que cê precisa de um tempo de mulher, com o tanto de dinheiro que cê tem, devia ir naqueles trem de SPA. — Rio da sua observação, um SPA parece uma ótima ideia — Não vi esse menino hoje, deve tá por aí com aquela renca de bicho. Vai tomá café, ou posso tirar a mesa? — Só um pretinho, sem açúcar. — Fiz broa de milho com queijo canastra, pão de queijo recheado com doce de leite e biscoito de polvilho. — Minha boca encheu de água, Cida. Que droga, você sabe que odeio fazer exercícios, mas você me obriga. — Ela coloca um pratinho na minha frente, com um tiquim de cada trem, e volta a mexer nas suas sagradas panelas. — E meu pai? — Tá no escritório com o doutor Xavier. — O que esse desgraçado está fazendo aqui? — E o que ele quer? — Não sei, dona Stella, só servi o café e saí. Ele disse que não quer ser incomodado. Doutor Xavier chegou com uma comitiva. — Nhé, nhé, nhé… doutor Xavier, por que você o chama assim, Cida? — Uai, o home não é adevogado? — Que advogado o quê?! Ele é mau-mau formado em direito, nem OAB ele tem, Cida, pela madrugada. Esse homem é um borra bosta. Doutor, Cida, é quem tem doutorado, nem seu filho é doutor, ele é Médico Veterinário! — Ela me olha por um instante, morde o lábio e desliga o fogão — Ôh Cida, desculpe, eu… — Porra, nem sei o que falar. — Carece de desculpa não, dona Stella. Num sei o que aconteceu entre cês dois. Um dia, Carlinhos e ocê eram unha e carne, num tempo o trem desandou todim. Ele não podia ouvir o seu nome, nem no telefone, e ocê parece ter esquecido da existência dele. Agora ficam aqui, os dois tinhosos, fazendo birra um pro otro, sem pensar em quem tá no meio, né? Cês agora não são mais a pessoa preferida um do otro no mundo. Tô cheia de coisa pra fazer, Gracinha tá de folga, a senhora me dá licença, se precisar, vô tá lá dentro arrumano os quarto. PORRA. PORRA. PORRA. Stella, você é uma cuzona. Sento-me na minha sala, deixando a porta bem aberta para saber quando o filho da puta do Xavier irá embora, pois quero conversar com meu pai sobre o valor que precisarei para comprar os búfalos. Mas a verdade é que existe um grande dilema, entre querer saber quando ele vai embora, para adiantar o trabalho da semana que vem, e não querer vê-lo nunca mais nem mesmo no repente. Existem pessoas muito ruins nesse mundo, mas João Gomes Xavier é cruel. Não sei porque papai insiste em manter a política da boa vizinhança com esse crápula. Ainda lembro-me da sua cara nojenta, visitando-me na maternidade, depois de horas de trabalho de parto e violência obstétrica. — Agora que meu filho se foi, vô reconhecer a criança como um Xavier, custear qualquer gasto, e requerer os direitos que cabia a ele. — Você pode tentar, conseguir são outros quinhentos. — Ele é um Xavier, meu filho me disse, eu faço questão. Serei o padrinho dele e o apresentarei como membro da nossa família, será um elo eterno. — Uai, faz o DNA. Se comprovar isso e o juiz determinar qualquer coisa, eu não vou contra a lei. — Cê vai preferir ficar mal falada na cidade, ao deixar a criança bem amparada, com memórias e laços de um Xavier, Stella? Cê é burra? — Se você insistir nesse teatro idiota, eu serei a mal falada e seu filho um corno, o que você prefere? — Stella, qualquer mulher se ajoelharia e agradeceria pela proposta que tô te fazendo, cê é doida? — Eu não sou qualquer mulher, e meu pai tem mais dinheiro do que você imagina, podemos muito bem lidar com qualquer coisa financeira. Nada faltará ao meu filho, principalmente amor. Agora desista disso. Se achou que eu ficaria intimidada ou mudaria meu posicionamento em um momento de fragilidade e desespero, está enganado. Vai embora. Balanço a cabeça, querendo dissipar as péssimas memórias que tenho daqueles três dias na maternidade, e passo a conferir meus e-mails no celular mesmo, com preguiça demais para ligar o computador hoje, na verdade, é cansaço, Cida está certa, voutirar férias. — Bom dia, fia, acordou tarde hoje… — Levanto o rosto e vejo-o encostado no batente da porta. — Bença, pai, ando cansada. Estava te procurando. O que o Diabo queria? — o sorriso debochado de meu pai está presente em seus lábios, sendo fortemente reprimido. — Deus te abençoe. Queria fazer a boa vizinhança da fofoca. Perguntou se precisamos de algo, se a polícia disse algo… Sabe como é. — Ele sabe que está falido? Tá mais para a gente socorrer ele do que o contrário. — Stella… Fia, deixa isso pra lá. Isso não é assunto de domínio público. — Dou de ombros e ignoro sua cara de falsa reprimenda. — Queria aproveitar o dia tranquilo, para conversarmos sobre o investimento dos búfalos, consegui um preço bom, mas acredito que se comprarmos no outono deles, conseguiremos uma queda no valor de mais uns três por cento, e… — Stella, não percebeu algo estranho hoje? — Ele entra no meu escritório, e senta-se na minha frente. — Não, o quê? — Cadê o Henrique? — Ah, isso? Não achei nenhum gato nem cachorro dentro de casa, ele deve estar por aí, deve chegar logo, louco de fome. — Meu pai gargalha, e acho estranho, ele sabe que Henrique fica o fim semana todo brincando na fazenda. — Tem alguma coisa que preciso saber? — Sim, mas não pode ficar brava. — As pessoas não podem falar isso para uma mãe, e esperar que as coisas fiquem bem. — Pai, cadê o Henrique? — pergunto baixo, devagar e temendo a resposta. — Tá em Divinópolis. — Meu coração para por um instante e então acelera. — Como o Henrique está em Divinópolis, pai? Como? Se eu e você estamos aqui? E por que o senhor está tão calmo? — Caralho! — Uai, fia… Cê credita, que o menino ouviu a Cida comentando que o Eduardo ia tá de folga hoje, ele colocou a gata pra distrair o menino, e entrou no carro dele? —O HENRIQUE FEZ O QUÊ? — PUTA QUE PARIU! Esse menino vai me infartar. — Falei pra não ficar brava. — Pai, o Henrique tem nove anos, o Carlos é um adulto, como deixou um menino tapeá-lo desse jeito? — As duas sobrancelhas grisalhas se elevam, e de novo o sorriso brinca em seus lábios. — Uai, Stella, cê não foi muito diferente. Já esqueceu de tudo que ocê e o Carlos fizeram comigo e com a Cida? Cês nadavam pelados, e isso não é nada comparado com as coisas que passei quando cê era moleca. — Pai, eu NUNCA entrei no carro de um estranho, e fui parar na cidade vizinha. — Verdade, cê engravidou e não me contou quem é o pai do seu filho, não tem comparação. — As palavras que nos assombram há dez anos saem tão francas, que fazem a minha garganta fechar. — Desculpa, fia, esquece que eu disse isso. Não sei o que deu em mim… — seu suspiro sai com pesar, ele olha profundamente em meus olhos. — Um pai só não quer ver o sofrimento nos oios da fia, Tella, espero que entenda. “Enfim, não briga com o menino. Eduardo não é nenhum estranho, cês cresceram juntos, e eu acho que Rique e o Eduardo precisam…— Ele se interrompe, e fico olhando-o. Precisam o quê, pai? — O menino que entrou no carro do Carlos, ele está bem, e é bom pra criança sair desse monte de terra vermelha, comer uns trem diferentes e ver gente. Eles foram ao shopping, Henrique gosta muito, e quase não temos tempo para levá-lo. Daqui a pouco eles tão aí.” Que ótimo, papai, agora me sinto uma péssima filha e uma mãe ruim, no mínimo. — É o que tenho vontade de responder. — Tá, eu não vou brigar com eles. — Cedo. Acho que não tenho forças para entrar em uma discussão que levantará tantas questões emocionais. Além do que mal me recuperei da minha última discussão com Carlos Eduardo. — Quer falar sobre os búfalos? — Sim, acho que posso ir lá, talvez no mês de setembro ou outubro, e… Às 15h eu já não me aguento mais, já sentei, deitei, levantei, dei uma volta na fazenda, a pé mesmo, já mexi com a Lua no estábulo, e Henrique não chega com Cadu. Tentei falar com Cadu, ligando para ele, para saber se já estavam vindo embora, mas sem sucesso, a voz robotizada de telefone fora da área de cobertura, foi o que me recepcionou. Um caos está instalado em minha cabeça e meu coração. Prometi ao meu pai não brigar com eles, mas quero tanto gritar na cara de Carlos Eduardo, e falar que ele não tem esse direito. Mas não posso fazer isso. Todas as atitudes dele até aqui me levam a entender que ele acha que o pai de Henrique é outra pessoa. E isso me lembra do dinheiro que ele deixou para o aborto, será que ele acha que eu seria capaz de colocar fim em uma gestação nossa? E por que ele não tocou nesse assunto até agora? Merda, Luiza está certa, eu deveria ter ido mais a fundo e… Ouço os cachorros de Henrique latindo, e os gatos curiosos subindo no parapeito da varanda, e quando olho para o morro da porteira, a picape branca dele vem descendo vagarosamente. A música pode ser ouvida aqui de baixo, céus! A picape estaciona no lugar de costume, e Carlos Eduardo é o primeiro a descer, vestido nessas péssimas roupas que vejo-o usando todos os dias, em seguida vejo-o abrir a porta de trás, e Henrique desce saltitando, alegre, sem nenhuma preocupação no mundo. Como é bom ser criança! — Mamãe! — ele corre e pula em mim, como se eu desse conta de pegá-lo ainda. — Oi, meu amor— beijo sua testa —, eu estava com saudades e preocupada, você não pode sair sem avisar. — Eu sei, o Dudu já falou isso, mas precisava muito comprar uma coisa. — Que coisa, Henrique? — Um presente! — ele me entrega uma sacola bonita e fica ao meu lado, aguardando ansiosamente que a abra. — Cê tá muito triste, mãe, não gosto de ver a senhora assim, nem tá no dia de ficar triste. — Estou? Meus olhos ardem, sinto uma ardência no nariz como um pré-choro. — Dia de ficar triste? — Arrã, tem dias que já te espero triste, mas ainda falta uns dias. — Merda, Henrique! — É impressão sua, filho, mamãe só tem trabalhado muito. — Não, cê sempre tá triste no seu aniversário, e depois das férias também, e não tá na hora do ano novo. — Como explicar para uma criança de nove anos que o pai me deixou no meu aniversário; em agosto, sempre sinto-me culpada pela morte de Leonardo; e há anos atrás, eu passei a noite de Ano-Novo cavalgando no pai dele? Carlos Eduardo nos observa atentamente, como se quisesse saber as respostas para os questionamentos de Henrique. Decido não me manter nesse assunto, e abro o presente desviando o foco da questão. — Meu Deus, filho! Muito obrigada! — Olho o vidro de perfume, e exagero na animação com o presente. Agora devo oitocentos reais a Carlos Eduardo, que maravilha. — Cê gostô mesmo? O Dudu me ajudou a escolhe, né, Cadu? — Sim — é a única palavra que sai da boca dele. — Já para o banho, rapaz, logo entro para termos nosso tempinho juntos, preciso falar com o Carlos Eduardo. — Cê não vai brigar com ele, né? Eu entrei no carro dele, mãe. — Não vou, filho, é só conversa de adulto — sorrio para confortá-lo —, leve meu presente e coloque em meu quarto, certo? — Tá bom! — Ele corre para as pernas de Cadu e as abraça, olhando-o debaixo — Muito, muito,muito obrigado, Dudu, me diverti demais, foi superlegal. — Imagina, vamos repetir qualquer dia, com autorização da sua mãe, claro. — Cadu acaricia sua cabeça, e me faz arrepiar observando a cena. — Cê vai deixar, né, mãe? — Vamos estudar isso, agora já para o banho! — Espero-o entrar, e viro-me para Carlos Eduardo — Quanto eu te devo? — Pelo quê? — Pelo perfume. — Nada, Henrique comprou. — Como uma criança tem dinheiro para um perfume daquele valor? — Ele suspira, e morde o lábio, contendo um sorriso. — Bem, eu não deveria te contar isso, mas Henrique tem um cartão de crédito, que seu pai deu, e passou o valor todo. — O quê? NÃO É POSSÍVEL! — Stella, calma — odeio quando me pedem calma —, não brigue com seu pai por causa disso, Henrique é o único neto, acredito que ele possa custear um mimo ao Rique, e… — O que aconteceu com todos os homens hoje, porra? Toda hora aparece um querendo me dizer o que fazer! Henrique é uma criança! Uma cri-an-ça! — sinto minha bochechas aquecerem de raiva — Um mimo é uma bola, não um cartão. — Se você brigar comeles, Henrique nunca mais irá confiar em mim, e… — E ele não tem mesmo! Pra que você está se envolvendo? Explica! Me explica, pois não faz sentido! Quando der na sua telha, você vai colocar essas roupas horríveis que está usando ultimamente numa mala, e em duas horas estará de volta a Belo Horizonte! Então não, meu filho não tem que confiar em você. — Ele que está segurando algumas sacolas do shopping, olha-me de cima abaixo, e balança a cabeça em descrença. — Quando foi que você se tornou essa pessoa? — No mesmo dia em que você me obrigou a ser. Vamos acabar com isso, já que não te devo nada pelo perfume — pois resolverei isso com meu pai que claramente precisa de uma intervenção e estabelecimentos de limites quanto a criação do meu filho. — Lembrou-se que ele devia almoçar? — Pelo amor de Deus, Stella, é óbvio. — A cara de descontentamento está estampada para mim de novo. — E ele mesmo pagou por isso? — Não, Stella — ele bufa irritado — E aliás ele quis fast food. — Lógico, ele é uma criança. Se ele estivesse aqui, comeria comida de verdade. — É fim de semana, deixa o menino, Stella. — É sobre o meu filho que estamos falando, mas não vou discutir isso com você. Quem determina o que é bom para ele, sou eu. Quanto eu te devo pelos gastos do Henrique? — Você acha que vou te cobrar um almoço que paguei para o seu filho? — Não quero te dever nada. Nem mesmo obrigação. — Vai se ferrar, Stella. — Cadu diz emputecido e me dá as costas como resposta. Um Henrique muito animado me aguarda de banho tomado, vestindo só uma cueca com desenhos do Flash, sentadinho na cama. Antes que eu pergunte como foi o dia, ele mesmo começa a narrar desde o momento em que distraiu Cadu com a gatinha grávida, e todos os detalhes do passeio com Carlos que, aparentemente, o fez se divertir bastante. — A moça achou que ele era meu pai, acredita mãe? — minha boca seca, e se não estivesse deitada em seu colo, recebendo um cafuné das mãozinhas mais gostosas do mundo, eu teria desmaiado. — Seria legal ter um pai como ele. Dudu é divertido, e eu o ajudei comprar roupas para trabalhar, sabia? Acho que Cadu pode ser um bom pretendente, ele presta muita atenção no cê, e te acha sensual, e mais um tanto de coisas legais, foi assim que a muié ajudou a gente com perfume. Por que cê não namora ele mãe? Ele é bonitão. — Filho, isso não é coisa para se falar. Carlos e eu não combinamos, e… — Ele disse que ama uma moça, e ela não gosta dele, então acho que a senhora podia amar o Cadu, cê sempre fala que coração de mãe é grande. E eu e ele combinamos muito mãe, a gente não come mostarda, e somos canhotos, até nossos verminhos combinam, cê acredita? — Olho-o, e seu sorriso faceiro está presente ali, o mesmo que surge quando ele está encantado e concentrado em me convencer a concordar com algo. — Não preciso de um namorado, filho, já tenho trabalho demais com você e seu avô, que te mima demais. — Uai, mãe, pode até ser verdade que cê não precisa de um namorado, mas acho que preciso de um pai. Mais alguém para nocautear a Stella hoje? Porra. Stella Macedo Olho o stand gigantesco que alugamos na feira de exposição, e sorrio, de um canto a outro, vendo o cartãozinho com telefone pessoal de Maria Magalhães, a maior fazendeira de leite do triângulo mineiro. Basta uma ligação na segunda pela manhã e, talvez, eu venda a maior quantidade de semen dos meus reprodutores, e uma recomendação dela, levará a uma possível exportação das células germinativas. Ver os negócios indo bem, depois de meses de trabalho árduo e desgraças desencadeadas pela fazenda, é muito gratificante. Todos os anos, a feira de exposição traz bons frutos para o meu negócio. Enquanto civis vêm assistir aos rodeios, aos shows, e comprar produtos artesanais locais, fazendeiros e grandes empresas fazem negócios por todos os cantos. Tiro sempre um dia para trazer Henrique, ele é apaixonado por essas festas, ainda mais onde tem a minifazenda. Um espaço específico para crianças com pequenos animais, onde eles tiram fotos e brincam com os bichinhos. Tudo bem, que depois é uma dor de cabeça, pois ele volta com vários argumentos de como ele quer montar a cavalo e praticar hipismo. Vez ou outra penso em considerar o seu pedido, mas só de pensar que ele pode cair, e acontecer com ele um acidente como o de Leonardo, me sobe um pânico, que antes de ir longe com a ideia, já desisto no começo. O mundo é estranho. Quando criança, eu era tão desinibida, nada me parava ou causava medo. Me livrava de todas as roupas e pulava em um rio, sem pensar na causa e consequência. Céus! Eu praticava enduro equestre na faculdade, como meu pai não surtou comigo? Hoje em dia, existe temor por qualquer atitude que eu tomo, é tão cansativo! Sempre estou em alerta. Quando vejo um rio no dia quente ao invés de pular sem reservas, sempre penso em serpentes que podem estar ali, verifico mais de uma vez o carro temente de acontecer o mesmo que com a minha mãe, os sapatos de Henrique são vasculhados com medo de escorpião, ou qualquer coisa que possa fazer mal ao meu filho. Anda sendo cansativo morar dentro da minha própria cabeça… Ultimamente venho ponderando todas e quaisquer atitudes ou ações que tenho tomado. Desde quando Cadu voltou, olho-o, e um filme se passa em minha cabeça. Por que crescemos e perdemos tudo, Eduardo? Suspiro, e observo as pessoas felizes ao meu redor, bebendo, dançando e se divertindo. Casais apaixonados se pegam pelos cantos, achando que ninguém está os vendo, mas com certeza muitas crianças serão frutos dessa noite. Queria fazer umas loucuras assim, ser por uma hora ou uma noite a Stella que tirou a virgindade de Carlos Eduardo, porque o amava. — Uai, você ainda sabe usar saia? — A voz que nunca esqueci, tira-me dos meus devaneios autodepreciativos. — Ninguém me avisou que minhas vestimentas deveriam ser aprovadas por você. — Olho-o parado ao meu lado, de calça jeans escura colada nas coxas grossas, nos pés a mesma sapatilha branca que meu filho me pede todos os dias, e eu quero matar Carlos por encorajá-lo a usar essas coisas ridículas, a camisa branca, por baixo da jaqueta, abraça e destaca os músculos dos peito e abdômen. Na orelha um brinco brilhante me chama a atenção, ele estava ali o tempo todo? — Você furou a orelha? — pergunto chocada. — Há muitos anos, ficou sexy? — Ele pisca para mim, e tenho certeza de que não deveria arrepiar-me com isso, mas é o que acontece. — É, ficou legal, mas como nunca percebi isso? — Eu não trabalho de brinco, existe uma coisa chamada segurança, sabia? — Não use isso perto de Henrique, pelo amor de Deus — reparo-o mais um pouco, e sim estou secando-o na cara dura, quando olho em sua mão, reviro os olhos — Mas, qualquer coisa que você veste ou faz de bom, é rapidamente cancelada por esse copo térmico em sua mão. Sério que veio a uma exposição e trouxe isso? — Mantém a cerveja gelada, e ajuda o meio ambiente. — É ridículo. Aliás, o que está fazendo aqui? — Você está linda, deveria se vestir assim mais vezes. Está vendo? É assim que elogiamos uma pessoa, suas palavras estavam muito ácidas, mas as considerarei um elogio. — Olho meu reflexo no inox do balcão de bebidas em minha frente, como se precisasse me lembrar que, diferente dos outros dias, estou usando um vestido longo preto e largo de mangas, as botas texanas brancas, combinam com meu chapéu e o cinto afivelado na cintura. — É uma festa, Stella, essas coisas não acontecem muito por aqui, sinto falta de diversão. — Então sua diversão é pesar a minha noite? — Ele abre o sorriso bonito, e dá de ombros, como Henrique, quando não tem argumentos. Ou seria o contrário? — Na verdade, eu vim com Matheus, sua noiva, Joaquim e Luana, mas eu estava de vela, aí resolvi dar uma volta, encher o copo de cerveja… — Vela? O Joaquim e a Luana estão… — não completo a frase, encarando-o de braços cruzados. — Stella, está querendo saber sobre as fofocas dos seus empregados? — ele gargalha. — Não vou te contar nada, sou parte do proletariado, não confabulo com os patrões.— Você não sabe guardar segredo, fala logo, está louco para contar. — Estou mesmo. — Mordo a bochecha para não rir — Eles querem muito se pegar, eu já estava ficando com tesão ao lado deles, mas a Luana é tímida, como Matheus e Rúbia estão quase se engolindo ao invés de ver o show, e eles ficavam dando risadinhas e conversando em sussurros um no ouvido do outro, resolvi dar uma desculpa e sair de perto, vai que ela está intimidada. — E não vai arrumar um rabo de saia para você hoje? — O rabo de saia que eu quero anda fingindo que eu não existo. — Algumas mulheres são inteligentes. Quem é a mulher que devo dar os parabéns? — Você — engulo em seco, e o olho. — Realmente eu sou uma mulher muito inteligente. — Gostosa também, mas isso você já sabe, correto? — Você deveria maneirar na cerveja, pois parece estar flertando comigo. — Esse é o segundo copo, então estou bem consciente do que estou fazendo. E sim, eu estou flertando com você. Ou já esqueceu que fui até o seu quarto, e me escorraçou de lá? — O que você queria? Que eu abrisse a porta, entregasse- me de novo, e depois no outro dia é como se nada acontecesse? Não quero mais ser seu depósito de porra, Carlos. — Quem está dizendo isso é você. Essas palavras nunca saíram da minha boca. Se tivesse deixado eu entrar, poderia te responder isso, mas nunca saberemos. — Não vou gastar minha energia com isso, Carlos. Já pegou sua cerveja, agora vai embora. — Estou bem confortável aqui. — Eu não estou. — Os incomodados que se retirem. — Não posso, porra. Estou trabalhando. — Acho que precisa de uma boa noite, regada a bastante pau — sussurra. — Você parece bem estressada, se quiser, farei isso para que se sinta melhor. — E quem vai me dar pau? Você? Não tenho lembranças tão significantes assim dele…Será que melhorou nisso? — ergo a sobrancelha para ele. — Cruella… — ele fecha os olhos em fenda, sorri e bebe da sua cerveja. — Esse apelido lhe cai melhor que dona Onça — meus funcionários me chamam assim? —, mas posso te garantir que muitas coisas mudaram nos últimos anos, se quiser uma prova, posso te dar. — Se você for esperar que eu te peça algo, morrerá na vontade. — Abro um sorriso largo, carregado de ironia. Ele me olha, então percorre o ambiente à nossa volta. — O que tem nessa tenda? — Ele aponta para a estrutura montada ao lado do stand da Vale dos Periquitos. — Uma exposição da John Deere, são tratores agrícolas que vão ser lançados amanhã. — Humm — Ele se aproxima do stand, e vejo-o bater no braço de Valentino, que há alguns minutos está nos observando — Ei, cara, guarda meu copo por favor, daqui a pouco eu pego aqui. — Ninguém aqui trabalha para você, sabia disso? — pergunto quando ele retorna. — Sim, mas não posso estar com as mãos ocupadas. E foi só um favorzinho. — Pra quê? — Para isso — sua mão forte adentra meus cabelos na nuca, com força e precisão, puxando minha cabeça para trás, Cadu beija- me com fome e violência. Sua língua quente invade-me, a outra mão se enrola em minha cintura ferreamente. Não existe uma célula minha que seja resistente a sua investida, então cedo e retribuo. Sinto-me ser conduzida, e pouco me importo onde estamos indo, minhas costas batem em algo, abro os olhos e vejo que Cadu nos trouxe para a tenda e, com certeza, não deveríamos estar aqui. — O que estamos fazendo? — Você disse que se eu for esperar você pedir, morrerei na vontade, e se existe uma coisa que não quero é passar vontade de te ter. — Suas mãos me prendem ao pneu gigante do trator, seu gosto misturado com a cerveja está em minha boca, que pede por mais dele, mas jamais admitirei isso.— Você é uma Diaba, que me atenta o tempo todo, Stella, nem dormindo tenho paz, pois meus sonhos são invadidos por esses olhos escuros, essa boca atrevida e, porra, seus peitos nublam minha mente o tempo todo. Já entendi que não admitirá que quer ser minha, mas precisa saber que posso te virar do avesso, isso não é só uma promessa. — Não acredito que vou fazer isso — sussurro, e puxo-o para minha boca de novo. Cadu não se faz de rogado, toma-me mais afoito, suas mãos começam a acariciar minhas coxas e sobem meu vestido. Minhas mãos deslizam sua jaqueta para fora, e com pressa puxam a camisa dele. Sou erguida em seus braços, sem tempo de apreciar a obra que Eduardo é sem camisa, sinto o frio do trator tocar minhas pernas desnudas, e percebo que estou sentada no assoalho da máquina, e ele está de pé em minha frente. — O que está fazendo? — Ah, Stella, eu vou te chupar, e quero sua boceta a minha disposição — ele abre minhas pernas, e ergue o vestido — sem calcinha? — Não uso quando estou de vestido, pode marcar. — Obrigado por desbloquear uma memória para mim — ele sorri e começa a beijar meus joelhos, mordiscando a parte interna das minhas coxas, indo em direção a minha virilha. Eu tenho tanta raiva do meu corpo traidor! Minha boceta já está molhada, aguardando que seja tomada por ele, mas Carlos parece não ter pressa nenhuma. Sorrindo, ele puxa meu pescoço para baixo, e volta a beijar minha boca. Suas mãos começam a abrir os botões frontais do vestido, expondo meus seios para ele que, sem parar o beijo, abaixa o sutiã e deixa seus polegares brincando em meus mamilos. Minhas unhas passeiam pelas suas costas largas e, com certeza, existem mais músculos ali do que me lembro. Eduardo passa sua barba curta em meu pescoço, fazendo- me gemer, e levar minha mão para o meio das minhas pernas. — Não, eu vou fazer isso — ele sussurra, afastando a minha mão, acariciando meus grandes lábios afundando o dedo entre eles, enquanto sua boca toma um seio em assalto, tudo ao mesmo tempo. Uma de minhas mãos se agarra ao volante da máquina, e a outra no estofado do assento, abro mais minhas pernas, o quanto consigo no espaço limitado, Cadu aproveita-se disso e adentra minha boceta com seu longo dedo grosso. Sua boca se afasta do meu seio, e gemo de frustração. Eduardo me empurra para trás com delicadeza, fazendo com que eu deite no chão do veículo, antes que eu reclame sua cabeça se abaixa entre minhas pernas, e sinto sua língua esfregar meu clitóris, enquanto seu dedo continua me penetrando. Merda, isso é tão bom! Sinto muita falta de uma chupada. A quem quero enganar? Senti falta da sua chupada. Ninguém nunca conseguiu fazer como ele faz. Seguro em seus cabelos como eu costumava fazer, ele mordisca meu lábio de um lado, lambe até o outro e repete a carícia. Passo a acariciar meus seios, brincando com os piercings, pois é um dos lugares que mais tenho sensibilidade. Cadu esfrega a parte frontal da minha vagina, fazendo com que eu rebole em sua boca e mãos. — Shhh, tá gemendo alto, Stella — estou? Sinto minhas pernas serem elevadas e postas sobre seus ombros — sonho com essas botas em volta do meu pescoço há dias. — Sonho realizado, agora me chupa. — sinto seu sorriso em meu monte púbico, e rapidamente ele volta sua língua endurecida para meu clitóris. Sinto seu dedo se curvar em minha boceta, deslizando na frente e atrás ao mesmo tempo. Enlouquecendo-me. Gemo alto, rebolando em sua boca, pedindo por mais, subindo e descendo. Sua mão livre estica-se sobre mim, e tampa minha boca. Sinto o calor subindo pelos meus pés, passando para pernas e coxas, concentrando-se no meio, onde Cadu morde, assopra e chupa meu grelo. Em sequência ao calor, vem o tremor, a contração da minha boceta em seu dedo, seguido do meu gozo pesado e fluido em sua boca. Cadu Vieira Tomo tudo que Stella me oferece, continuo estimulando-a, arrancando dela grunhidos altos,querendo seu último espasmo, e bebendo até a última gota de sua boceta. — Venha aqui, sinta o seu gosto na minha boca — Ergo uma Stella completamente mole, deitada no assoalho do trator, e a beijo com mais delicadeza, mas não menos fome que antes. Quando a vi, parada como uma linda cowgirl, perdida em pensamentos, meu coração e tesão falaram mais alto e conduziram minhas pernas até ela. Os últimos tempos têm sido difíceis, pois vivo em uma grande guerra interna. Meu cérebro, coração e pau, nãoconseguem chegar em um comum acordo. E quem me conduz são os dois últimos. Mesmo que Stella se intrometa sempre que pode em meu serviço, é nela que penso quando me visto para o trabalho. Ela parece ter desistido de tentar manter Henrique e eu longe um do outro, mas sempre me olha de rabo de olho, e um pouco de medo, quando estamos próximos. A dona da porra toda me ignora por dias, mas ouvir sua voz, mesmo que não direcionada a mim, faz os pelos do meu corpo se arrepiarem. Stella está em minha mente o dia todo, pois meus olhos teimam e a procuram o tempo inteiro, e todas as noites ela invade meus sonhos. Ela é o delicioso fruto proibido do meu paraíso. Seu cheiro foi a primeira coisa que me tomou por inteiro quando me aproximei essa noite, esperando ser escorraçado por ela, ele me invadiu e aqui estamos. Seu chapéu está caído próximo ao lugar que entramos, seu sutiã abaixado, os seios amostra, a boceta melada, ela está corada e deliciosamente descabelada, meu pau extremamente duro e dolorido. Não me recordo se um dia ela esteve mais linda que nesse momento. Piso na parte de trás das minhas sapatilhas, tirando-as, abro minha calça, tirando-a junto com a cueca, ficando completamente nu para ela. Despindo-me não só de roupas, mas de qualquer coisa que não seja dela. Tiro uma bota, depois a outra, as meias vão junto, sigo para o cinto largo, sutiã, desço a parte de cima de seu vestido, ergo-a em meu colo e arranco-o dela, deixando-o perdido próximo aos pedais do veículo, deixando-nos iguais. — Vem cá — ela se levanta, e me dá a mão para que eu suba no trator, empurrando-me para o assento, Stella senta-se em meu colo, encosta-se no volante, expondo os seios deliciosos para mim, como um banquete, e tenho fome. Passo a beijar seu abdômen, contorno o umbigo com a língua, minhas mãos descem em sua bunda, apertando-a, subo pelo seu corpo, passo a chupar a parte de baixo dos seus seios, mordendo em alguns lugares, passo aos mamilos que tem sido minha tentação física nos últimos tempos. Stella estica suas mãos em nosso meio, e passa a acariciar meu pau pedinte de atenção, espalhando sua lubrificação por toda a glande, fazendo meu coração acelerar no mesmo ritmo do seu toque. — Eu quero tanto te comer — sussurro em seu ouvido. A Diaba sorri, e passa a acelerar a masturbação em mim, fazendo minhas bolas se contraírem. Seu deslizar é firme e carinhoso ao mesmo tempo. Meu corpo reconhece o seu sempre que nos aproximamos, é como se ele fosse dela, como se servisse a ela. É estranhamente boa a sensação de pertencimento que sinto sob suas mãos. — Olha só, não é que você cresceu mesmo? Em outros tempos já teria sido banhada com a sua porra. — Sorri faceira, com o deboche escorrendo por cada palavra que diz. — Stella, você está provocando sem saber se aguenta… — Digo o mesmo para você — desafia-me. — Há uns minutos, você estava se derramando em minha boca, já esqueceu? — Eu só posso afirmar aquilo que eu sei. — Stella se abaixa, pega o celular dentro do vestido no chão, tira uma camisinha da case e me entrega — No momento só sei que sabe chupar minha boceta. — Abro o preservativo, coloco-o, e quando ela se ergue para sentar em mim, balanço a cabeça em negativa. — Você vai sentar em mim de costas, quero sua bunda a minha disposição. — Não costumo ceder a desejos masculinos, mas quero muito sentar em um pau agora — ela se levanta, e eu abro as pernas para que se encaixe em meu colo. Puxo-a pela cintura, fazendo-a sentar em meu pau, prendendo-a em mim, para que se acostume. — Não, Stella, você não precisa sentar em um pau, precisa sentar no meu pau, e vai cavalgar nele com força — bato em um lado da sua nádega, sentindo-o esquentar com a precisão e força que faço. Passo a mão na ignição do trator, e ligo-o, assustando-a que é pega de surpresa pelo barulho alto — E pode gemer o quão alto quiser, pois seus gemidos são meus, sua boceta é minha. Vo-cê é minha. Stella vira-se para trás, e quando penso que ela vai contestar-me, sua boca busca a minha com avidez, enfio meus dedos em seus cabelos, mantendo-a ali, a outra mão migra para seu grelo endurecido e melado, esfregando-o, fazendo com que ela rebole em meu colo. Tella mesma para o beijo, finalizando-o com beijinhos, coloca suas mãos no volante, ergue-se e se senta em mim, com força, esfregando-se na descida, enlouquecendo-me. Passo minhas mãos para seus seios, melando-os com sua própria lubrificação, deslizando os mamilos e suas joias entre meus dedos, e sinto-a estremecer. Passo a beijar suas costas suadas, seus cabelos fazem cócegas em meu rosto, mordisco em alguns lugares, ela continua subindo e descendo com maestria em meu colo Stella geme alto a ponto de obrigar-me a apertar o acelerador, buscando ocultar o seu barulho. Minha vontade é fazê-la quicar em mim a noite toda, mas desse jeito, com ela gemendo nessa altura, temo que alguém chegue, não que me importe com isso, mas não sei como Stella se sente… Se bem que não, não quero que ninguém a veja nua, esse privilégio é meu. Pelo menos nesse momento.O pensamento sombrio passa, e dói. Balanço a cabeça dispersando-o, e levo minha mão ao seu clitóris, banhando meus dedos em sua lubrificação. Vagarosamente passo a acariciá-la por trás, encharcando seu cuzinho, acariciando-o por fora em círculos morosos, minha outra mão migra para seu clitóris, explorando-o junto. — Porra, Cadu, que delícia! Mais, me dá mais disso! — Posso foder seu cu também, Stella? É isso que está me pedindo? — Sim! Faz isso. — Pede, Stella, não se contenha. — Me fode toda, Cadu. — Atendo o seu pedido, penetrando- a com meu polegar, esfregando meu pau pela parede fina que nos separa.— Caralho, hmmm — Stella para de se mexer, atiço-a circulando seu clitóris com o dedo médio e indicador. — Vai, Stella, não está se aguentando? Vai pedir arrego, Diaba? — Jamais. — Ela contrai a boceta, e sinto-me sem espaço. Porra, que delícia! Minhas bolas se contraem, o mesmo acontece com meu períneo. — Solta, Stella! Porra, eu vou gozar assim! — Ela ri com escárnio, mostrando quem está no controle, tiro meu dedo dela, e volto a acariciar seu cu bem na entrada, onde as terminações nervosas são mais sensíveis e, rapidamente, ela solta meu pau, e o maceta na decida, com força e precisão. Estremeço minha mão em seu grelo, com rapidez, e volto a penetrá-la por trás. Sinto seu esguicho longo derramar em nosso meio, mordo suas costas quando minha porra se despeja dentro dela, em jatos longos e espessos. — Stellaaa, hummm, que delícia! — Não paro de mexer meus dedos, até sentir o peso do relaxamento de todo o seu corpo sobre o meu. Nossas respirações errantes se completam, e não sei por quanto tempo ficamos ali, curtindo nosso silêncio, corpos suados e exaustos. — Foi bom para você? — digo quando com muito pesar, tiro as mãos dela, e desligo o trator. — Você nunca saberá. — Considerarei um sim, pois você teve um squirting. — Pense como quiser. — Ela dá de ombros. — Cruella — beijo seu ombro, e a abraço pela cintura —, senti falta disso. — Shh, fica calado, Eduardo! — Stella bate no meu braço, falando baixo, arranhando a garganta no percurso. — É assim que você trata quem te tratou muito bem? — Eu estou me sentindo muito bem nesse momento, se você começar a falar, vai me estressar, vamos brigar, e de nada vai valer esse momento, pois terei que procurar alguém que não me estresse para aliviar o estresse que você me causa. — Péssimo momento para esse comentário, Cruella. — Difícil achar alguém que não te estresse — ela gargalha e concorda. — Bem, eu gostaria de ter argumentos, mas não estou pensando muito agora. Por anos a fio tentei não me lembrar dela ou dos instantes que passamos juntos, e fingi que todos os momentos que me recordei de nós, não existiram. Mas, sempre que me deitava após o sexo, era dos braços dela que eu sentia falta, e consequentemente recordava-me que as coisas que aconteceram ali, não foram com ela, e quando esse clique acontecia em minha cabeça, era quando enchia minha cara para esquecer qualquerque fosse a estranha que estivesse comigo, e a vida de merda que teria sozinho. E eu ainda achei que não a amava. Que grande idiota. Ouço a música longe, e começo a rir. — Stella, você está ouvindo a música? — Não. — Presta atenção… — Stella levanta a cabeça. — É, Edson e Hudson? — pergunta animada. — Sim! — Não acredito! — diz gargalhando — Faz anos que não os ouço. — Não creio! o Edson é o seu crush da vida! Você disse que só entraria numa igreja um dia, se fosse com uma música deles. — Nossa! — Ela se levanta de meu colo, fazendo com que percamos nossa conexão, e isso me entristece, mesmo que meu pau já tenha amolecido há algum tempo. Instantaneamente, sinto falta do seu corpo me aquecendo. — Havia me esquecido completamente disso! — Lembro que você pegou pirraça quando estava na sétima série, pois queria dançar country e não quadrilha, e queria sua música preferida deles, que não era nem um estilo nem outro. — Gargalho ao lembrar que durante uma semana toda, dancei a mesma música com ela debaixo das mangueiras, e na última hora ela desistiu de dançar na festa junina, e a professora teve que dançar com Leonardo, que não ficou nada satisfeito. — Céus! Cadu, nem eu mesma me lembrava disso! Arreda, deixa eu me sentar também. — Pode ficar no meu colo. — Anda, menino, arreda.— Arrasto meu corpo para o lado, e ela se senta ao meu lado — Sua memória é muito boa! Sempre foi. — Verdade, mas não vejo isso como uma qualidade. — Lógico que é. Você nunca precisou estudar para provas. — Ah, mas ao mesmo tempo sempre me lembrei de coisas ruins, na mesma proporção. — Mas, você teve uma boa vida… Não? Se formou em Medicina Veterinária, era o seu sonho. — Foi só isso que eu conquistei, Stella. — Não, uai, presta atenção, tem seu carro, suas roupas de mauricinho ridículas, mas é um gosto caro, e… — Não tive você. — Ela me olha, erguendo a sobrancelha. — O que quer dizer com isso? — A única coisa que eu queria na vida, era ter você. Não precisava da faculdade ou de nenhum bem material. Mas nos perdemos no caminho. — Não nos perdemos, você me deixou no momento que mais precisei que estivesse ao meu lado, foi isso que aconteceu! — Stella, você gritou aos quatro ventos que meu salário não comprava nem a sua bota — digo baixinho —, mas agora eu consigo, Stella. — Cadu, eu não preciso de dinheiro, nunca precisei. — Do que você precisa, Stella? Me fala, por favor, só me fala. Farei o que for preciso, tudo o que eu sempre quis foi você. Desde a minha infância, sonhei com o dia que sua aliança teria meu nome gravado e… — Não dá, Cadu. Não é simples assim! — Ela se levanta e desce do trator, puxando o vestido pela cabeça — Não posso ignorar dez anos de ausência, e negligência da sua parte! Num livro ou filme, poderíamos nos acertar e sermos felizes para sempre, mas isso aqui é vida real, e nada mudou! Não porque nós transamos! — Você não vê, que foi mais que isso? — ela começa a calçar as botas, com agilidade e rapidez — Stella, quando estamos juntos, acontece uma coisa que só sinto com você e… — Carlos! Para! Eu tenho trinta e um anos! Não dá para continuar com isso, fantasia não enche barriga! — ela me olha estarrecida. — Você está certa, a melhor coisa que fazemos é não conversar. — Pelo menos nisso concordamos. — Ela vira-se de costas, como se nada tivesse acontecido, pega suas roupas em silêncio, se veste, vira-se calada, abaixa-se pegando seu chapéu na porta, e deixa-me ali, pelado, sozinho e no escuro. Como é possível te amar e te odiar, tudo junto, Diaba? Cadu Vieira — Ah, graças a Deus! — digo ao abrir a porta do pronto- socorro, e ver Nicolas, meu melhor, e talvez único, amigo deitado na emergência — Como você está? — Dolorido! — Ele dá de ombros, e tem a mesma expressão de quando eu o conheci. Não gosto disso. — Eu quero tanto te matar agorinha mesmo, Nicolas! Pode me explicar o que aconteceu? — Não pensei em muitas coisas quando recebi a ligação do pronto-socorro mais temido de Belo Horizonte dizendo que Nicolas Amaral tinha passado meu número como contato mais próximo e que há quase uma hora ele havia dado entrada no hospital vítima de um acidente de trabalho. Stella está passando o fim de semana de férias com Henrique em um parque aquático, graças a Deus, pois iria começar a fazer um milhão de questionamentos da veracidade do acidente e o motivo de eu ser chamado, e não um parente próximo, já que por muito menos ela contesta minhas decisões médicas. O tempo que gastei foi para avisar Seu Vicente, e pedir a Joaquim que cubra meu plantão no fim de semana, e irei recompensá-lo em breve. — Fui fazer uma consultoria esse fim de semana, quando acabei minha parte, fui ajudar o outro biólogo, acabei me distraindo e distanciando do mateiro, quando dei por mim pisei em uma fossa, uma bem funda, afundei-me e aí foi toda a comoção de segurança, bombeiros e etc. — Você? Distraído? Conta outra. — O fato é que conheço Nicolas há cinco anos. Nos conhecemos em uma festa da UFOP, eu estava bêbado tentando minimizar todo o caos que tinha se tornado minha vida aos quase vinte e três anos, faltava pouco para me formar, desisti do curso, dinheiro em baixa, a faculdade de medicina começaria em breve, estava tudo uma merda — e isso é elogio para a situação em que encontrava-me na época — e também queria perder a consciência para não me lembrar de Stella. Se eu estava bêbado, não sei qual definição de Nick, o menino estava péssimo, era um monte choroso e catarrento, sua namorada havia terminado com ele, de uma forma bem filha da puta, e pareceu boa ideia recorrer ao álcool, mesmo que anteriormente desconhecesse a cerveja ou qualquer coisa alcoólica. Mas a questão, é que nesses anos em que somos amigos, Nicolas, foi do inferno ao céu, porém jamais fez a linha “distraído”. Ele é uma das pessoas — se não a pessoa — mais inteligentes que conheço. Seu cérebro não funciona numa frequência normal, tanto que aos vinte e cinco anos, recém- feitos, meu irmão da vida, tem uma banca para defesa do doutorado marcada. Então, para ele se acidentar, algo está errado. — Vai me falar ou não, Alazão, o motivo de entrar para as estatísticas de acidente no trabalho? — Eu só quero sair daqui, pode ser? — Já ligou para seus pais? — Eles estão nos Estados Unidos, do que adianta? — Eu gostaria de saber se meu filho se acidentasse algum dia. — Não é nada demais, minha mãe está acostumada, e eu sou maior de idade, porra. — Nossa, alguém está bastante irritadiço… É só por que vou ter que lavar seu pau grande? Relaxa, cara, se você for carinhoso, posso até te bater uma punheta. — Vai se ferrar, Carlos Eduardo! — Beleza, sem punheta para você, vou atrás do seu médico, para saber se posso levar a boneca para casa. — A Loren[16] vai embora — Nicolas diz quando o acomodo em sua cama após seu banho. Ainda ficamos no pronto atendimento por mais três horas de observação e finalização dos exames de imagem. Na volta para casa ele ficou calado, vendo a cidade boêmia de sábado à noite passar pela janela do meu carro. Nick insistiu que poderia deixá-lo com Terezinha, governanta da casa que é mais velha que mamãe, e ele iria se virar. — Mas… Já sabíamos disso, certo? — Loren é uma inglesa que ele buscou no aeroporto, pouco antes de eu me mudar para o interior. A moça veio para fazer uma pesquisa por seis meses em Ouro Preto, a cidade em que ele passa a maior parte do seu tempo. — Sim. — O que tem então? — Nos tornamos amigos. — Uai, Alazão, tudo bem. A maioria das amizades hoje são feitas pela internet, e se mantém assim. Fico feliz em vê-lo criando novas amizades, ainda mais com uma mulher. Não vão se distanciar por causa disso. — Com o braço que não está imobilizado, ele coça a cabeça — não gosto dessa sua cara. Arreda pro canto. — Não quero dormir com você. — Está com medo de gamar em mim? — provoco-o — Anda logo. Quero saber o motivo dessa cara de cachorro que peidou na igreja. — Você não vai me julgar? — Vou. Mas preciso saber da fofoca. — Eu transei com a Loren. — Não — olho-o de boca aberta. — Levei-a naThe Jungle, as coisas esquentaram, e aconteceu. Mais de uma vez na verdade. — Porra, Nicolas! Qual o seu problema? — Falei para não me julgar. — E eu disse que iria. Não sabe manter o pau na calça, porra? O que aconteceu em abril não foi o suficiente? — Em abril, Nicolas, quase perdeu seu emprego e seu doutorado por causa de boceta, e agora lá vai ele, se estrepar de novo. Se bem que ele não parece estar com a inglesa só por sexo… Merda, garoto, vou ter que juntar seus pedaços de novo? — Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Loren, é… Diferente. — Tá vendo? Porraaaa, Nickinho! — Está de quatro pela britânica… Céus! Já trocou o café pelo chá com leite? — Estou falando sério, Cadu! — Eu sei cara, mas quantas vezes já te falei: se tem uma amizade entre um cara e uma mulher, mantenha pau e boceta longe um do outro. Nunca dá certo Nikinho, nunca! — Experiência própria, cara. — Porra, estou fodido, né? — ele suspira e fica olhando para o teto branco. — Pra caralho, amigo, pra caralho. Se eu pudesse voltar no tempo, só haveria uma coisa que não faria. Não aceitaria as aulas de beijo da Stella, e depois recusaria veemente sua proposta de perder a virgindade. Assim quem sabe, agora eu teria minha amiga, poderia tê-la ajudado a criar seu filho, trabalharíamos com amorosidade e minha vida seria cem por cento menos complicada. — A gente está fodido, certo? — Seu questionamento vem acompanhando de um suspiro carregado de frustração e desespero. Eu nunca contei a Nicolas toda a minha história de vida, mas sendo esperto como é, ele sabe que as palavras não ditas por mim, envolvem um amor complicado, uma mulher e um passado. Essa é uma das coisas que amo nele. Nick é fácil de lidar. Quer falar? Ele escuta. Não quer? Ele continua ali, mostrando-se disponível quando precisar. — Bem, beeeem, fodidos. — Dou bastante ênfase, pois na nossa— e estou me incluindo na situação ruim —, não tem como chegarmos ao felizes para sempre. — Que ótimo! — Suspiramos juntos como personagens de filmes clichês. Somos ridículos. E se eu arrumasse um outro emprego em alguma fazenda da região? Olho para minha tulipa cheia de cerveja, escorrendo espuma pelas laterais, encaro os petiscos tipicamente mineiros colocados em minha frente, mas ainda não os toquei. Aproveitei essa semana em Belo Horizonte, e fiz algumas coisas que precisava. De coisas importantes como emissão de novos receituários controlados, até repor minhas peças de roupas que ficaram arruinadas na fazenda. Nicolas está bem melhor, depois que eu busquei Loren no aeroporto para ele — ela precisou ir a embaixada em São Paulo resolver pendências de visto, e chegou na segunda —, o garoto parece ter sido tocado por um milagre, mesmo que tenha ficado de mal humor uns dias. Eles se olham com fome o tempo todo, e é engraçado ficar entre as olhadelas deles. Nick olha-a quando Loren está de costas para ele, concentrada em seu artigo científico, e ela faz o mesmo quando Nicolas está concentrado em estudos estranhos — como o fator decisivo do sexo das tartarugas é a temperatura ambiental e não um gameta determinante —, sei disso pois ele dissertou sobre o assunto por mais de uma hora durante o almoço. Decidi que hoje seu humor está ótimo, e deixei-os a sós, para que façam o que quer que estejam fazendo um com o outro. Agora estou aqui, sentado, sozinho na The Jungle, vendo minha cerveja esquentar, com um grande impasse rolando na minha cabeça. Existem vários assuntos que eu quero pensar, e estar com um casal envolto por energia sexual não estava ajudando. Não que aqui não a tenha, mas é só colocar a pulseira certa no braço e ninguém me incomodará — a casa funciona por um sistema de pulseiras altamente eficaz, e a que está em meu braço agora é como se dissesse: não estou aqui para transar, só vou chafurdar-me na cerveja e pateticidade — posso me afundar em meu poço de dúvidas e decisões que pensarei e, provavelmente, não tomarei, pois entre estar sozinho e triste, pelo jeito, prefiro ao lado dela, com pau esfolado por punheta e espumando de raiva. Eu amo meu trabalho e, finalmente, começo a me sentir realizado com ele, então voltar a trabalhar e morar em Belo Horizonte está fora de cogitação, mas meus embates com Stella andam me exaurindo tanto, mas tanto, que perdi a hora três vezes semana passada, mesmo com três despertadores. E eu gosto dela. A quem quero enganar? Eu a amo. Mas percebo que amor não é suficiente em algumas situações, e existem pessoas que pelo jeito não nasceram para ficarem juntas. Parecemos nos encaixar nos dois casos. Eu sei que ela sente algo por mim. Consigo sentir. Começou quando transamos a primeira vez, e depois nunca mais deixei de perceber toda a tensão das palavras não ditas e o tesão que irradia dos nossos corpos. Pensei que os anos separados fizessem com que os sentimentos se esvaíssem, mas pelo jeito entraram em dormência, e agora estão de volta com uma intensidade insuportável que se rompe em xingamentos, discussões, aí vem a tensão sexual, e depois a briga de novo. Falando assim parece que estamos vivendo em uma roda gigante que não tem parada final. Se eu arrumar um trabalho na região, poderei visitar minha mãe sempre — e depois desses meses essa é uma prioridade alta, afinal, ela não é eterna, infelizmente, sempre foi pai e mãe em uma única pessoa, e preciso aproveitá-la enquanto a tenho —, ter o trabalho que eu gosto, e ainda vez ou outra abastecer-me dos easter eggs de Stella, como um bom viciado. E tem Henrique, porra, eu amo aquela criança. E nem mesmo sabia que tinha jeito para isso, lidar com seres humanos mirins. E descobri que crianças são traiçoeiras. Um dia ele invadiu meu consultório por curiosidade, no outro meu quarto para cuidar do seu gatinho, depois meu carro para uma fuga com propósito, e agora sinto sua falta nos dias que está na natação. — Então quer dizer que é aqui que reside o tal Nicolas? — A voz que me leva do zero ao cem em milésimos de segundos, me assombra até no meu refúgio. — Hein, Carlos Eduardo? É aqui que está cuidando do seu amigo? — Olho para o banco ao meu lado, instantaneamente, fico paralizado. PORRA. Stella está usando um vestido sem alças colado ao seu corpo, paro os olhos em seus seios, e consigo ver uma pequena marcação dos piercings no tecido, os cabelos escuros estão com ondas definidas e pesadas, continuo escaneando seu corpo com meus olhos, ficando mais faminto conforme olho sua roupa que termina no meio das coxas torneadas que já prendeu minha cabeça algumas vezes, nos pés, uma sandália com tiras douradas, de salto fino e altíssimo. Foco minha atenção em seu rosto altamente sensual, a boca com lábios volumosos está vermelho sangue, os olhos estão marcados, ficando mais castanhos, se é possível. PUTA QUE PARIU. Meu pau repuxa, me lembrando que ele aprecia bastante a visão maravilhosa que a Diaba está me proporcionando. — Hein, Carlos Eduardo? — Ela joga sua carteira brilhante no balcão e vira-se de lado, olhando-me de cima abaixo. — E você está me espionando? Stella Macedo Desde a conversa com Cida dias antes, eu ansiava pelo meu tempo no SPA. Quando mencionei a Luiza minha vontade, ela mais que depressa se voluntariou para me acompanhar. Como uma pessoa que tem pouca paciência — Graças a Deus —, deixei em suas mãos que ela escolhesse o lugar, e o pacote que quisesse. Minha única exigência é que na primeira semana de férias do Henrique, eu viajaria com ele, só nós dois, para um lugar que quisesse. Fiquei quatro dias em um parque aquático em Goiás, descendo e subindo em toboáguas, ganhei vários hematomas, mas todos foram recompensados pelo sorriso de Henrique — que não deixou de mencionar um dia, nenhum sequer, o nome de Carlos Eduardo. E se eu não fosse adulta, racional e inteligente, diria que meu filho está vendendo Cadu para mim. Rique, se esforça há anos para me arrumar um namorado — sempre achei fofo, e ria sozinha de suas tentativas —, mas nunca se empenhou tanto, inclusive, replica frases com os dizeres: mamãe, ele te acha muito segura,cuidadosa, responsável, inteligente, muito inteligente uma das mulheres mais fortes e maravilhosas que conheceu. Quando questionei sobre isso, ele disse ter ouvido da própria boca de Eduardo no fatídico dia do presente, eu só queria chegar em casa, e tirar a limpo toda essa história e entender se Cadu estava usando propositalmente meu filho contra mim. Advinha minha surpresa ao retornar para casa, e encontrar só Joaquim na fazenda? Queria caçá-lo por muitos motivos, mas o olhar curioso e julgador de meu pai fez com que eu engolisse a raiva, e a descontei gritando em meu travesseiro à noite. E aí eu tinha dois dias em um SPA em Nova Lima, região metropolitana de Belo Horizonte, com Luiza. Hoje, quando saímos após o café da manhã, Lu, fez toda sua chantagem emocional comigo, que eu fico “muito ausente enfurnada naquele fim de mundo, com esterco e poeira” — palavras dela — e depois ainda veio dizendo que teve que mexer seus pauzinhos para que eu a acompanhasse a casa de swing, The Jungle, depois de muita insistência, concordei. Se arrependimento matasse, estaria mortinha agora, porque ela me arrastou para um salão de beleza cheio de peruas, no coração da zona sul belorizontina, por horas. Fizeram meu cabelo — cortaram alguns centímetros e eu quase chorei —, maquiagem, pintaram as unhas das mãos e dos pés — o que me fez sentir-me idiota por pagar, porque saí com elas lindas do SPA. Como se não bastasse, Luiza ainda me fez sentir-me uma perua completa comprando roupas — que talvez meu closet use mais que eu — em um shopping que as coisas valem o preço do conserto da Tereza Cristina. Uma pequena fortuna. E para quê? Enfiar meus doze mil reais gastos em massagens relaxantes, alimentação detox, e todos os procedimentos e compras que fiz nesses dias bem no meu cu. E estava tudo bem, cheguei a casa de swing, pedi um desses trem caros e coloridos para beber, a comida do lugar é tradicional da cozinha mineira gourmetizada, o que é ridículo, pois paguei cinco ou seis vezes mais nos petiscos do que eu pagaria em qualquer boteco. Pelo jeito, eu ando mesmo descompensada do juízo. Gastando dinheiro à toa. Depois de dar uma volta pelo lugar, e ficar admirada que exista uma parede de paus e peitos disponíveis, uma jaula de vidro aérea onde pode-se ver sexo grupal, suado e molhado — literalmente pois o vapor dos corpos fodendo geram aquelas goticulas pelo vidro e escorrem —, quartos que não ousei entrar, pois eu não enxergava absolutamente nada, sentei-me em um banqueta do bar para descançar os pés do salto maldito, enquanto Luiza conversava com um moço bem apessoado que lhe interessou, vi uma sombra que reconheço sem qualquer esforço. Cadu está usando uma calça preta hoje, justa, uma bota — graças a Deus — e um suéter sem estampas e botões, cor de areia, que combinam com o calçado. Aposto que está altamente cheiroso, com o mesmo perfume que me toma sempre que aproximo-me dele. A barba está aparente, o que é uma novidade, os cabelos parecem recém-cortados, do jeito que por cima fica mais alto, ele sempre faz nudread[17], e é gostoso de passar a mão. O maldito brinco que cisma de me atormentar está de volta, e agora está com um colar prateado e grosso combinando com ele. Porra, ele é gostoso demais para meu próprio bem! Stella, ele está em uma casa de swing, quando disse que estava cuidando do amigo. — Verdade consciência. Observo-o do outro lado do balcão, esperando o momento em que ele irá foder qualquer pessoa bem aqui, na frente de todos, na minha frente, para olhá-lo e talvez confrontá-lo aqui mesmo. Mas o contrário do que imaginei, ele só se senta, fica olhando para a bebida e comida em sua frente. Parece estar em um outro planeta. Será que o amigo morreu? Não, ele não seria baixo a esse ponto, por isso quando sento- me ao seu lado, não questiono um luto, indago a veracidade de seu motivo para estar em Belo Horizonte. — Ha. Ha. Ha. Acha mesmo que eu, Carlos Eduardo, iria gastar meu precioso e caro tempo em espionar você? — Uai, mas gastou vindo questionando meu direito de ir e vir, onde bem entender. — Você me obriga a isso, pois seu amigo não é nada seu, legalmente falando, então sair do seu emprego para cuidar desse assunto me dá o direito de descontar seus dias no trabalho. E imagine só minha surpresa ao encontrá-lo em uma casa de swing. Esquisito, é o mínimo, certo? — Ele continua olhando para meus peitos como se já não os conhecesse bem. — Intrigante mesmo, Stella, é você aqui. — Carlos vira-se para o lado em que estou sentada, colocando minhas pernas entre as dele. — Não te devo satisfação sobre o que faço da minha vida particular. — Justo. Faço das suas as minhas palavras. Certa vez você mesma me disse que não me contratou ou jamais me contrataria, não me lembro ao certo do que disse com tanta ênfase há alguns meses, e concordamos que seu pai e eu acertaríamos as coisas que precisássemos, então estar aqui hoje foi negociado com ele. — Olha só… — Mas como eu sou uma pessoa legalzinha, vou sanar as suas dúvidas — interrompe-me. — Meu amigo se chama Nicolas, tem vinte e cinco anos e seus pais estão nos Estados Unidos, ele sofreu um acidente no trabalho, ele é biólogo, e deu meu número para que eu viesse buscá-lo. Decidi não deixá-lo sozinho, mas a sua… namorada, chegou na segunda, e… — Então por que não voltou ao trabalho? — questiono. — Ela é britânica, não dirige aqui, e ainda fala em portugues e inglês quando fica nervosa, busquei-a no aeroporto e caso eles não precisem que eu os leve a Ouro Preto por esses dias, que é onde Nick mora grande parte do ano, voltarei amanhã para Itaúna. Mais alguma dúvida? Quer o número dele? As redes sociais? O número de registro no CRBio? — O deboche dele é o que me mata. — O que você está fazendo aqui, Eduardo? — Olho dentro dos olhos chocolates profundamente. — Senhor, a moça está te incomodando? — uma segurança se aproxima, vinda de algum lugar e corta nosso embate. Cadu não a olha, apenas sorri e nega. — Não, querida, está tudo bem, somos amigos de longa data. — Posso trocar suas pulseiras então? — Oferece. — Claro. — Não — falamos juntos. Ele ergue a sobrancelha para mim e morde a boca. — Senhorita, sem as pulseiras adequadas pedirei que se distanciem ou se retirem. — Cadu dá de ombros e suspiro irritada. A moça só está fazendo o serviço dela, Stella. — Desculpe-me, é minha primeira vez — digo-lhe. — Sem problemas, nomes? — ela tira seu celular do bolso, e aguarda. — Stella. S-T-E-L-L-A. Dias Macedo. — Ela assente, e sorri. — Qual pulseira, senhorita? — Vermelha — Carlos Eduardo responde antes que eu raciocine e me lembre o que isso significa. — Meu nome é Carlos Eduardo Vieira Neto. — A moça nos olha, e consigo ver mais do que profissionalismo em sua expressão. — O mesmo para mim. E peça a Michele um três, dois, quatro, por favor. — Vejo-a engolir em seco, e concordar. Com agilidade realiza as trocas das pulseiras, digitando em seu aparelho novamente. — Senhor Carlos Eduardo, a senhora Michele disse que não será possível. Sua amiga não é uma associada, e está registrada como visitante de uma outra pessoa. — Disse a ela meu nome? — Só um minutinho. — Observo toda a dinâmica do bar, vejo Luiza aos beijos com o cara com quem conversava e nem mesmo sei se percebeu minha ausência. — Ela disse que custará… — Só envie-me a conta. Obrigado. — Despreocupadamente Cadu pega sua cerveja e bebe. — Posso saber o que acabou de fazer? — Uai, está aqui dentro e não sabe como funciona? — Não venha com gracinhas para o meu lado, estou sem paciência. — Novidade… — ele bufa — pulseira vermelha, somos exclusivos. — É a minha vez de bufar e antes que eu fale, Cadu continua — três, dois, quatro é um código. Terceiro andar, quarto para dois e quatro, são o número de paredes, ou seja, ninguém poderá nos ver, e não veremos ninguém. — O que te faz pensar que iremos para um quarto juntos e a noite acabará conosco transando? — Ele coloca ambas as mãos nas minhas coxas expostas, inclina-se para frente, e traz sua boca para minha orelha exposta.— Não consigo ver nenhuma motivação da sua parte, em aproximar-se de mim, só para questionar meus motivos de estar aqui, ao invés de Itaúna, se não o seu desejo que meu pau esfole sua boceta sem dó, em um lugar que não precise se segurar — sussurra, em seguida morde meu lóbulo, fazendo todos meus pelos se arrepiarem, e meu clitóris pulsar. — E se não quisesse nada comigo hoje mesmo, teria se levantado quando a segurança chegou. Mas você não fez, sabe por quê, Stella? — Você sabe? — Sim. Você está curiosa. Quer saber o que me traz a este lugar, o que faço aqui. Posso arriscar que quer saber se fodo diferente neste ambiente. — Eu não tinha pensado nisso. E talvez ele saiba disso, e está instigando minha imaginação. Filho da puta. Pois conseguiu! — Conheço suas expressões. Conheço você. Conheço o seu corpo. Sua boceta agora está tão molhada, que suas coxas já estão úmidas e escorregadias, pois não está de calcinha, certo? — engulo a saliva — Mas sei que é orgulhosa, e por mais que queira me dar, não vai falar. Mas adivinhe? Eu não sou nem um pouco, então falo por nós. Quero te comer. Você mesma já disse que não funcionamos conversando, mas sabe também que funcionamos fodendo. Terceiro andar? — oferece-me. Isso é uma péssima ideia, Stella. P-É-S-S-I-M-A. Mas minha carne é tão fraca! — E se eu não quiser? — Ele sorri com deboche, bebe sua cerveja calmamente, volta com o copo para o balcão, e desliza os dedos lentamente, quase não me tocando, por meus braços, acolhe as minhas mãos que se tornam pequenas nas suas, acaricia meus dedos, como se tivesse esse costume, e o mais estranho é a familiaridade que sinto com esse gesto dele, pega a minha mão direita e a coloca diretamente em sua ereção robusta e extremamente dura, sem nenhuma hesitação, apertamos seu pau juntos. Quero tanto provar seu gosto em minha boca de novo! Faz anos desde o último boquete. E eu gosto disso. Porra, esse lugar, essas pessoas fodendo, todo esse calor e cheiro estão mexendo comigo. — Cruella, se não quisesse, já teríamos gritado um com o outro, você teria ameaçado o meu emprego, ou qualquer coisa do tipo. Vamos gastar nosso tempo suados e pedindo mais, depois podemos brigar. É a última vez que vou propor isso. Terceiro andar? Stella Macedo Mal passamos pela porta, e a língua ávida de Cadu está em minha boca, seu corpo prende o meu na porta, fazendo com que o ar me falte em segundos. Puxo seu suéter, e fico feliz por ele estar só com ele. Deslizo minha mão pelas costas largas, passo para frente, acariciando o peitoral desenhado, abaixando pelos quadradinhos do abdômen, abro seu cinto, e a calça em seguida. Suas mãos ansiosas já acharam meu zíper na lateral do vestido que cai como um amontoado em meus pés, ele se apoia nas mãos, e olha-me de cima, passando a língua pelos lábios grossos que fazem estrago pelo meu corpo. — Você deveria vir com um aviso de advertência para minha saúde. — Cadu tira as botas, meias e ele mesmo retira sua calça e cueca. Seu pau imponente chega ao seu umbigo, deixando uma teia fina de porra, fazendo com que minha boca salive. — Carlos? — Sim? — Podemos fazer um acordo? — a sobrancelha dele se ergue, e ele espera. — Podemos só fazer o que quisermos hoje? Sem conversas pós-sexo para discutirmos. Do mesmo jeito que todas as pessoas lá embaixo, nos entregaremos como dois desconhecidos. — Stella — um sorriso genuíno, sem deboche toma seu rosto —, a hora que você entender que sou seu para fazer o que quiser, e que realizarei todos seus desejos dos mais simples aos mais sórdidos, e parar de se intrometer em minhas decisões médicas, saberá o que é felicidade. Se é isso que você quer hoje, é isso que terá. É só me falar como quer. — Engulo toda a saliva que se forma em minha boca, meu grelo contrai e todos meus pelos se eriçam. Às vezes, a gente só precisa ser tratada com imoralidade. — Eu quero bruto, fundo, forte, sem carinho — Seus polegares começam a roçar em meus mamilos, e o sorriso safado, que desconhecia até poucos meses, surge ali. — Ou seja, você só quer ser bem comida. Seus desejos são uma ordem. Saindo daqui, passamos em uma farmácia e compramos um relaxante muscular para aliviar sua boceta e seu cuzinho, porque vou comê-lo hoje. — Meu coração dispara em antecipação, só com o mero sussurro dele. — Alguma objeção quanto a isso? — Por que ainda estamos falando? — logo sua boca volta para a minha, seus braços prendem os meus acima da cabeça. Com pequenos selinhos, ele deixa minha boca e migra para o pescoço, colo, ignora os meus seios, fazendo-me gemer frustrada. — Carlos! — Calma, está com pressa? — sorri sobre minha pele, solta minhas mãos, descendo com os lábios torturantemente lentos pelas minhas costelas, passando pelo umbigo, onde ele brinca com a língua, segue lambendo para baixo e para cima, olhando-me, Cadu, dá um beijo casto no monte vênus, sorrindo. Filho da puta! Calmamente — o que é um martírio para mim — pega minha perna direita, e apoia meus pés em sua coxa grossa, desabotoa minha sandália, e beija-a até o joelho, onde tem um hematoma que persiste. A pergunta silenciosa está explícita. — Parque aquático em Caldas Novas — sussurro. — Talvez devêssemos nadar juntos, assim você reaprende — pisca de um olho só, fazendo com que minha imaginação flutue para nós dois pelados e transando em um rio. Tão cedo volto a realidade, onde ele troca minhas pernas, e faz o mesmo caminho. Livre de tudo que nos atrapalha, Cadu gira-me fazendo com que meus seios se encostem na superfície da porta, e minhas nádegas a sua disposição. Os beijos terrivelmente eróticos começam nelas, e quando dá-se por satisfeito por eles, recebo mordidas curtas, às vezes, chupões, vez ou outra, uma lambida quente e molhada. — Abre as pernas para mim, Stella. — Não faço de rogada e sigo o pedido rapidamente, e ele mal perde tempo, dois dedos passam pela minha fenda molhada, espalhando lubrificação por toda minha boceta e, não contente, ele espalha por todo períneo e cu. — Cacete! — Gemo ou grunho, ainda não sei. — Ainda não — sinto o hálito quente bem próximo do meio, e antes que eu pense, sua língua está lambendo-me, e o dedo começando a fazer círculos em volta de meu clitóris. Nova modalidade definida, gosto de beijos gregos. Que caralho! Os movimentos deliciosos e costumeiros que minha boca conhece bem, agora são feitos tortuosamente em meu cu. Diria que são até mais ávidos. — Carlos, por favor! — peço frustrada por seu dedo só brincar em volta do meu grelo pulsante e pedinte. — Não se segure, aqui você pode gemer o tanto que quiser, Tella.— E é o que faço. Sua mão passeia, vagarosamente, sinto-a se fechando em volta do meus grandes lábios, uma pressão gostosa recaí sobre o clitóris, e entendo que ele está preso ao meio. Começando devagar, Cadu, movimenta a região para cima e para baixo, primeiro lento, como se estivesse se masturbando, fazendo-me molhar mais, e escorrer em suas mãos. Aos poucos ele toma mais velocidade, e quanto mais rápido ele toca-me, recebo linguadas precisas e fortes, de forma que só meu cu seja atingido por ela. Sem dar-me conta de onde vem, o orgasmo atinge-me brutalmente, fazendo minhas pernas se esquentarem, meu coração disparar, e quando sinto uma pontada de dor nos mamilos, percebo que estou os apertando, sem saber em qual momento comecei a fazê-lo. Noto que fui movida quando minhas costas tocam o colchão macio, e sinto o peso do seu corpo em mim. As mãos grandes acariciam meu cabelo, a boca úmida e quente beija em volta dos meus seios, deixando-me arrepiada, as mesmas mordiscadas que recebi na bunda, estão ali, quase como se ele pinçasse minha pele, os dentes vão para frente e para trás, enlouquecendo-me. Por vezes sinto uma pequena sucção, o que faz com que eu erga o tórax para ele, roçando meu mamilo em seu nariz. Quando sente-se satisfeito ao ver as marquinhas que ficam ali, tanto pela boca passando quanto pelo atrito da barba, ele começa a brincar com os piercings nos mamilos. Em um ele brinca com a boca, no outro com a mão. Mal me recupereide um orgasmo, e quero abrir as pernas para ele, de novo. Minha garganta arranha quando grunho com tesão ficando mais insuportável a cada chupada dele nos meus seios. — Merda, quero tanto seu pau — peço, começando a ver pontinhos brancos de olhos abertos. — Eu vou te dar… — ele levanta-se impaciente, correndo até a calça no chão, volta com os pacotinhos laminados, joga-os sobre o lençol, e antes que ele venha até mim, sento-me na beirada da cama, abro as pernas e o puxo para mim. Cadu é alto, a cama mais baixa que a média, de forma que fica na altura ideal para minha boca. Olho-o de baixo para cima, e pisco, do mesmo jeito que ele faz. Antes de abocanhá-lo e satisfazer minha vontade de chupá- lo, baixo seu pau rígido até meu mamilo, esfregando-me nele, fazendo que a gotinha quente se derrame ali, repetindo o mesmo do outro lado. Cadu nem pisca, as mãos grandes, envolvendo meu cabelo, fitando meus olhos seriamente. Quando sinto o espasmo da minha mão, puxo o seu pau, fazendo a teia fina com sua porra, esticar-se, e antes que caia, abocanho-o até um pouco depois do meio, masturbando o que fica de fora da minha boca. — Caralho, Diaba — o aperto torna-se mais firme em meus cabelos, onde ele puxa. Minha língua circula sua glande, pincela o óstio melado, e sugo-o, como um pequeno chupão para minha boca, para engoli-lo novamente. — Porra, Stella, calma! — Como não recebo ordem de ninguém, faço de novo, levo minha mão aos testículos, e massageio-os — Tella, por favor, para! — Ele grunhe e fica sexy assim, implorando. Sinto seus pelos arrepiados sob meu toque, e sorrio com seu pau na boca — Stella, Stella… Porra, você fica mais linda com meu pau na boca, mas pelo amor de Deus, quero comer sua boceta. Por favor! Ouvir seu pedido rouco, faz meu clitóris pulsar, e é só por isso que eu paro. Mas sei que qualquer dia desses, farei com que ele se derrame em mim, e o deglutirei completamente, jato por jato. Porra, qualquer dia? — Dispenso o pensamento errante, e Cadu aproveita-se disso, colocando-me de quatro na beirada da cama. Sinto o tapa antes de ouvi-lo, e estremeço sobre o toque bruto. — É assim que você quer, Stella? — gemo em resposta quando Cadu dá um aperto forte em minha bunda — responde, Stella, ou não saberei o que fazer! — Sim, caralho, assim. — O que mais você quer? Fala. — Seu pau, me fode, Cadu, bem forte! — clamo. Vejo-o esticar-se, ouço o barulho do laminado abrir, sinto-o pincelar seu pau, estou tão molhada que se escorregar para dentro de minha boceta é fácil, e ele o faz, sem cuidado, enterrando-se inteiro ali, enquanto seu tapa explode na minha coxa de um lado, esquentando-a, faz o mesmo na outra, e é mágico. Cadu entrega-se por inteiro para me comer, sem o mínimo de delicadeza, puxa-me pelo cabelo, surrando minha boceta com o pau, minha bunda e coxas com a mão. Fico extasiada ao imaginar-me toda vermelha, com os vergões da sua palma em mim. Firmo meu corpo, a fim de senti-lo duro quando entra e sai de mim. Seu corpo cobre o meu, sinto sua boca em meu ombro, beijando, e suas investidas tornam-se lentas, e quero matá-lo. — Cadu! — ele me ignora, pega outro saquinho, desce pelas minhas costas, arranhando-a com os dentes, rapidamente suas estocadas voltam a ser impiedosas, indo e vindo. Contraio minha boceta em sua volta, fazendo-o gemer mais alto que eu, em contrapartida recebo mais tapas, e um puxão de cabelo, desses pegos pela nuca, que me estremece e irradia um prazer extraordinário, dando início a onda orgástica. — Você queria ser bem comida, e estou fazendo isso — sinto o líquido gelado e espesso em meio a minha bunda, e mordo meus lábios, segurando o grito. — A melhor parte — a boca quente faz cócegas em minha orelha — é que hoje, você vai jorrar com meu pau bem no seu cuzinho, amanhã em cada movimento seu, vai se lembrar que te comi, Stella, e essa é uma realidade, não uma promessa. — Ele afasta-se, gira meu corpo, que não oferece nenhuma resistência, minhas costas batem no colchão, deito-me da forma certa, e sem tempo seu corpo cobre o meu — e eu farei isso, olhando na sua cara. Sem perder tempo, beijo sua boca com bastante língua, saliva, fazendo barulhos durante o ato. Rápido demais, ele se levanta e segura meus quadris, seu pau toca-me, primeiro subindo e descendo entre os grandes lábios, até chegar onde quer. Cadu me penetra, vagarosamente, torturando nós dois. Sei disso, pois sua respiração em minha boca, torna-se errante. Abro mais as pernas, e deixo que ele solte o quadril, enterrando fundo em minha bunda. Suas bolas tocam-me quando ele para por um momento, sentindo-me. Contemplo a sensação de estar completamente preenchida por ele. Carlos percebe quando relaxo, e retoma as estocadas, gemendo junto comigo, elevando a experiência sexual a um nível que não tive com mais ninguém. Uma mão migra para meu clitóris inchado e pulsante, esfregando-o com rapidez, penetrando minha boceta com dois dedos, sinto-o tocar seu pau através da fina parede que os separa. — Porra, Cadu! Mais! — Seu vocabulário hoje está bem restrito — ele sorri —, tê-la sob mim, maravilhosamente linda, como está agora, faz eu querer prolongar isso pela porra da noite inteira. — Eu te mato. Quero gozar! Me faz gozar! — peço ensandecida. Carlos fode tão bem — quando ficou tão bom nisso? — e não duvido que daria para ele a noite toda, mas a necessidade de gozar está gritando em minha cabeça. O orgasmo já veio e voltou tantas vezes, que sinto minha bexiga pesar. — Alguém já te enforcou? — Quê? Minha cara obviamente deixa claro que não, e vejo-o sorrindo. — Quer experimentar? — O cadenciamento das investidas, tanto na boceta quanto na bunda, minimiza. — É uma experiência utópica. — Não acho que isso seja uma boa — olho-o com certeza assustada — e se eu morrer? — ele gargalha roucamente, e sacode a cabeça. — Por mais tentador que seja — um sorriso brincalhão brinca em seus lábios —, jamais faria mal a você, Tella, e se não gostar eu paro, é só apertar minha mão, que paro. Confie em mim. — Minha consciência grita: não!, minha boceta pede: sim, pelo amor de Deus! — Não acredito que faremos isso — concordo temerosa. O sorriso dele é tão grande que cobre metade de seu rosto. Suas penetrações voltam a ser fortes, ritmadas, profundas. Seus dedos abandonam minha boceta, e antes que eu reclame, ele volta com três dedos me fodendo. Céus! Ele vai me arrombar! E puta que pariu, como é bom ser arrombada. Minha excitação é tanta, que não sei onde estou quando sou tomada pelo formigamento gostoso nas pernas, subindo lentamente, concentrando na junção delas, ao mesmo tempo que a mão livre de Cadu desliza pelos meus seios, para em minha clavícula, quando minha boceta se contraí em volta de seus dedos e meu cu em volta de seu pau, sinto o aperto firme do polegar em minha jugular, quando atinjo o orgasmo forte. Por poucos segundos, o ar me falta, ele relaxa a mão, e é como se meu corpo recebesse uma descarga elétrica, fazendo-me tremer inteira. Cadu tira os dedos de mim e soca seu pau fortemente em minha bunda, buscando o próprio orgasmo. Minha bexiga relaxa, ejaculando em jatos quentes, nesse momento, ele faz a mesma coisa, prendendo meu pescoço esguio com sua mão grande. Sinto meus olhos reviraram nas órbitas, meu corpo oscila sob a privação erótica do ar, dessa vez por mais tempo, quando solta- me, explodo em uma segunda onda orgástica, que leva-me para fora da superfície terrestre. Caralho, como vim parar aqui? Como se para isso? O corpo forte de Cadu, envolve-me, enquanto minha pulsação ainda está acelerada, beijos castos são dados em meu queixo, e boca. É como estar em casa. E sei que a partir daqui estou ferrada. Cadu Vieira Sinto seu corpo sob o meu, e é como se meus sonhos mais íntimos estivessem se realizando. Não me recordo se alguma vez meus orgasmos foram tão intensos. E o fato de Stella ser tão… presente, sexualmente, eleva meu prazer, de formas que eu nem consigo verbalizar. Ambos estamos terrivelmente calados, os únicos barulhos são das nossas respirações, indo e vindo.Quero levantar meu corpo e ver se ela está bem, e acordada, mas tenho medo de que quando eu fizer isso, todas as coisas comecem a dar errado. Com a Diaba, não é bom pecar pelo excesso. — Você está me esmagando. — Achei que estivesse dormindo. — Não duvido que eu possa, mas seu pau ainda está dentro de mim, e no momento, não está gostoso — sorrio, e rolo para o lado, removendo o preservativo e descartando em uma lixeira próxima a cama. Sem medo, como se fizéssemos isso sempre, trago seu corpo mole para o meu e a aconchego. Talvez ela esteja certa, e devamos não conversar nunca mais. Ficar para sempre assim com ela é um paraíso. E se eu tivesse que perder minha voz como A Pequena Sereia, aceitaria sem pensar duas vezes. — Eu aprendi a foder, Stella? — pergunto de olhos fechados, sinto que ela prende a respiração, e antes que os abra, ouço seu risinho. — Você nunca ouvirá qualquer coisa a respeito, não da minha boca — provoca-me. — Tudo bem — balanço os ombros, em seguida sinto uma mordida dela no lugar —, seus gritos já disseram todas as palavras que você se recusa a falar em alto e bom som. — Meu Deus! Pela madrugada! Carlos Eduardo, parece que não foram só as suas roupas que tiveram um upgrade, seu ego também. — Uai, se eu não me amar, quem vai? — O silêncio se instala por um momento, e um alfinete poderia ser ouvido se caísse. — Mas você poderia ter feito isso sem crocs e sapatilhas. Sério, são ridículas. — Tento segurar a gargalhada, mas não consigo. — É estiloso! Acho que você ama, de tanto que fala delas. — São horríveis, sério. — Falando em estilo, te falei que você está extremamente gostosa nessas roupas de madame da zona sul? — Se voltar a falar isso, juro que te dou uma joelhada entre as pernas. — Se fizer isso, não terá como cavalgar amanhã ou depois. — Carlos, já conversamos que isso não vai se repetir… É só por hoje. — Veremos. — Se quer acreditar nisso, fique firme na sua promessa, mas saiba que daqui para frente é só para trás, e logo menos estará sentando em mim de novo. Sabe, por quê? — Não, me diga. — Porque nenhum outro homem conseguirá te comer da mesma forma que eu faço. Você poderá sentar em qualquer pau, mas será o meu que imaginará te comendo. — Carlos Eduardo… — seu tom já traz aquela raiva começando a aflorar, como um Hulk nervoso. — Mas como eu ia dizendo — corto-a —, esse estilo de mulher da cidade grande, exalta o quão gostosa você consegue ser, e… — Eu não sou gostosa na fazenda? — Sua cabeça se ergue, bem séria. — Seu jeito brutona, de cowgirl, é um tesão também. Ando trabalhando com uma ereção que dura 24 horas. — Continue, meu ego não foi inflado o suficiente. — Até parece, você não precisa disso. — Não mesmo — Sua barriga ronca alto, e nos faz gargalhar. — Venha, vou levar você para comer alguma coisa. — Já te falei que nós só… — Transamos hoje e blá, blá, blá. Eu já entendi. Sabia que um estudo aponta que pessoas mal humoradas, e com tendências a repetir as coisas, são mais propensas a doenças degenerativas, como o Alzheimer? Venha, vou alimentar meu pequeno dragão, antes que me engula. — Não acredito que você disse mesmo isso… — Quando você disse que me traria para comer algo, não pensei em um fast food — começa a reclamar. — Stella, meu bem, são quase três da manhã, você não está em São Paulo, onde a cidade nunca dorme, tem que dar graças a Deus por aqui funcionar 24h. Sem contar que é tradicional, qualquer pessoa que está saindo ou saíra da noitada, passará aqui para comer. — Percebe-se — ela olha as pessoas de todas as idades, dos vestidos mais elegantes até os alternativos, que enchem o estabelecimento grande. — Já escolheu? — aponto para meu celular que está em suas mãos, e irei fazer o pedido. — Sim… — ela está terminando de digitar, quando meu celular faz barulho de mensagem — Hmm… Michele TJ, disse que você se esqueceu de pagar a taxa. — Merda, é verdade, responda-a que pode me enviar valor e código de pagamento. — Vai deixar que eu abra seu aplicativo de mensagens? — Puff, e daí? Não tem nada demais aí, pode revirá-lo se quiser ou qualquer outro. — Do que se trata isso? — ela aponta para o celular. — Não posso transar com uma pessoa que não é minha convidada, a The Jungle tem regras. A Michele é gerente lá, e acredito que tenha cedido porque sou eu. — Ela ergue as sobrancelhas, com todas as dúvidas em seus olhos escuros. — Alías, você deveria pagá-la, tem mais dinheiro do que eu — decido provocá-la, e funciona, pois ela gargalha. — Capaz! O dia que eu pagar para um cara me comer, faça uma intervenção psiquiátrica, pois estarei perto do surto. — Ela me entrega o celular para que escolha meu lanche, o que faço rapidamente, pois já decorei todo o cardápio. Quando levanto meus olhos, ela encara-me e abraça o próprio corpo com frio. Levanto do meu lado da mesa e sento-me ao seu, abraçando-a. Stella tenta sair, mas se é teimosa, sou teimoso e meio. Aos poucos ela relaxa. — Pergunte. — O quê? — Seus olhos estão gritando, Stella. Sei que quer perguntar alguma coisa, e eu não tenho nada a esconder. — Como você virou um… — ela para a pergunta. — Swinger? — Sim. — Bem, eu estava em um dia bosta — mais um dia que me odiava por te amar —, vim a um workshop, quando ainda cursava Zootecnia. Eram três dias, um fim de semana qualquer. Estava hospedado no mesmo lugar das palestras, a noite desci para uma cerveja e encontrei uma moça que me deu um panfleto, era a Michele. “A casa era nova, e estavam buscando clientes, com um desconto especial para fazer o nome. Sei lá a quantas eu estava bebendo e… — eu te vi, pelo menos minha cabeça projetou você naquele hall de hotel, é o que quero contar, mas me contenho — uma moça se aproximou — eufemismo, Sueli tinha quarenta e quatro anos —, nos interessamos um pelo outro, acabamos um pouco alterados, e pensamos, por que não? Quando chegamos lá, tinham bebidas grátis, e não foi uma boa ideia — só queria chafurdar no álcool e te esquecer —, acabei misturando as bebidas, e tudo voltou. Michele ficou desesperada. “Não faria bem um cliente morrer ou passar mal nos dias de estreia. Ela cuidou até que meu porre passasse, e acabamos ficando amigos. Os clientes que fizeram parte da inauguração ganharam um superdesconto por dois anos. Acabou virando um refúgio. Mas agora, não faz sentido manter minha mensalidade.” — Por quê? — Porque claramente não funcionou para mim, eu ainda te amo. — Mensalidade cara, moro a quilômetros daqui, entre outras coisas. — Humm, não pretende voltar a morar aqui? — Não sei do meu futuro, Stella, mas quando estamos chegando aos trinta, nossas prioridades mudam. — CADU! — o atendente mal humorado grita, avisando que o lanche está pronto. Quando deposito a bandeja cheia em nossa frente, Stella só reprova minha escolha com o olhar. — Você está parecendo o Henrique quando eu o levo para essas porcarias. Ele come mais do que pode, pois diz que vai demorar a voltar — gargalho. — E eu compartilho da mesma ideia. Tem dias que minha boca enche d’água por uma porcaria na fazenda, mas a distância até o shopping não vale a pena. Por isso vou comer dois sanduíches, duas batatas, o refri e o milkshake. — Começo a mastigar as batatas quentinhas, e acho que a única coisa que sinto falta daqui é isso, e o shopping. — Mas e você, me conta, como foi parar na The Jungle? — Luiza, né? — ela revira os olhos, como se fosse óbvio. Lembro-me vagamente dela, mas as duas não se desgrudavam. — E onde ela estava que não a vi? — sequer sabia que sua amiga frequentava a casa. — Achou uma boca para beijar, e adeus à noite das meninas. Mas ela já me procurou, avisei que estava bem, e logo chegaria na casa dela. Você terá que me deixar lá, eu fui no carro dela. — Sim, senhora. — Ela passa a comer, olhando os carros que transitam pela avenida larga, mas conhecendo-a, sei que muitas coisas se passam em sua cabeça, e nem em um milhão de anos ela compartilhará comigo. Não podemos viver essa trégua para sempre? Seria pedir demais? É tão bom tê-la encostada no meu corpo para aquecer-se.É tranquilo, quase mágico, nós dois sentados, compartilhando uma refeição, por menos saudável que seja, após uma rodada espetacular de sexo maravilhoso. Só quero viver a parte da história que vamos para casa, tomamos um banho juntos, vestiremos roupas combinadinhas, se bem que a Stella jamais faria isso, colocaremos Henrique no nosso meio e, com certeza, terão dois ou três animais, entre gatos e cachorros, dividindo a cama conosco. Pela manhã colocarei a mesa do café, e sentaremos juntos e compartilharemos qualquer banalidade uns com os outros. Futuramente poderemos dar irmãos ao Rique, e… E nada, pois essa realidade não me pertence. É do caralho, amá-la, desejá-la e não tê-la. A questão, é a teimosia de Stella, e nossa comunicação que foi tão fácil um dia, agora só conhece o lado odioso da conversação. Cadu Vieira A teimosia da Stella, não é uma questão, é um problema! Quando ela cisma com um trem, não há santo no céu ou na terra que a faça desistir de tal coisa. Bem que ela disse, naquela quinta feira — que na verdade era uma sexta, pois deixei-a na casa de Luiza quase às cinco da manhã — que quando ela saísse do meu carro, as coisas voltariam a ser como antes. Stella só esqueceu de mencionar que ela colocaria uma pitada a mais de inferno. Só isso. Pois é isso que está fazendo da minha vida. Um gigante e quente inferno! — Em toda e qualquer interpretação que se pode tirar dessa frase. Devo plantões a Joaquim, que uma hora dessas deve estar transando loucamente com Luana. Só sinto inveja. Não pela Luana, mas pelas transas. Quinze dias que voltamos e só existe trabalho em minha vida. Inocente, eu ainda a procurei quando cheguei em casa na sexta à noite, mas ela me ignorou, só passou por mim com uma camisola longa — e descobri que é meu maior fetiche agora —, colocou a melhor carranca na cara e me deu um esporro por ter batido na sua porta, de novo, e ainda teve a audácia de me perguntar se aprendi interpretação de texto, já que fiquei quase dez anos na universidade. Depois dessa, toda e qualquer oportunidade que temos, estamos nos estranhando. Mas ainda tem aquela vozinha em minha mente, que diz que eu devo me humilhar um pouco mais, insistir um pouco mais, pois já perdemos tempo demais. Sinceramente, não sei onde minha mente tira essas tramas, digna do horário nobre da tevê aberta. Algum dia tivemos algo para que eu perdesse? Eis a questão. Pois ultimamente vem parecendo que só eu estive envolvido em algo, da parte dela, as vezes parece algo meramente casual. Será que meus receptores de sentimentos não funcionam tão bem assim? Sinto aquela névoa gostosa que nos envolve antes de dormir, quando os olhos começam a pesar, e de repente estou em um alerta total, pois estão esmurrando minha porta, como se o ET de Varginha tivesse estacionado o disco voador no quintal.[18] — O que foi? — abro a porta, antes que quem quer que seja acorde a casa inteira. Meu humor piora quando vejo Valentino parado no batente. — Posso ajudar? — Dona Stella tá chamano no curral. — O que aconteceu? — Mimosa tá parindo. — Eu só precisava de um parto no meio da noite. — E quando começou? — Umas nove. — E só estão me chamando agora? — Dona Stella disse que ela mesma daria conta do recado. — Claro — digo vestindo uma blusa para o frio cortante lá fora —, ela é parteira de vacas também. Pega minha maleta no celeiro. — Não recebo orde sua. — Eu vou dar uma porrada nele, juro que vou, e não será bonito de se ver. Já tem tempos que quero isso mesmo. — Explica para dona Stella então que vou atrasar para buscar meu material de trabalho. — Saio do meu quarto e o deixo lá plantado, passo às pressas no celeiro, pego minhas coisas e desço no frio cortante na chegada de agosto. Os ventos são tão fortes, que zumbem quando passam por mim. A fim de evitar dissabores, entro no curral calado, abro a mala e calço as luvas. Valentino já está aqui com Stella, que está suja de terra e desgrenhada. — Hey, Mimosa — aproximo-me da minha paciente mais charmosa da fazenda —, o bebê está dando trabalho, hein. — Acaricio seu pelo malhado, e paro nas orelhas. — Vou ajudar você. — Não sabia que conversar com vaca ajudava no parto — a voz de Valentino me dá tanto nojo que quero atirar uma tesoura, com ponta bem afiada nele. — Valentino, deixa o médico trabalhar. — Sabe me falar quem é o pai? — Stella me olha com os olhos arregalados, e engole. — Essa foi inseminada — Valentino finalmente diz algo que preste. — Sabe por qual raça? — E o que isso importa? — esse chucro do caralho está me testando. — Muita coisa, eu preciso de um direcionamento, eliminar uma distorcia bovina por genética agiliza meu trabalho. — Não sei — dá de ombros. — Seria útil ter achado prontuários, sabe? — reclamo — E teria sido útil ter sido chamado quando a Mimosa entrou em trabalho de parto e permaneceu de pé! — Olho diretamente para ela — Você tem anos, ANOS, de fazenda, quando viu uma vaca parir de pé, Stella? — A adrenalina começa a fazer efeito, e sei disso pois a última parte da pergunta foi alta. E ambos me olham assustados. A vaca muge quando a toco no abdômen endurecido. Eu sou um veterinário de bosta mesmo! Céus! Quero chorar com gatinhos de bicheira e vacas em partos. — E você — aponto o dedo para Valentino, O Cuzão — deveria fazer o trabalho para qual é pago. Você não é cachorrinho da Stella! — sigo com o exame de toque, aproximando-me das mamas — É a porra do capataz da fazenda, caralho! É para ajudar na gestão dessa merda! Se a Mimosa começou o trabalho de parto às 21h, e na próxima hora não se deitou TINHA QUE TER IDO ME CHAMAR, estava esperando ela e o filhote morrerem? ESTAVA ESPERANDO STELLA AUTORIZAR QUE EU FAÇA A PORRA DO MEU TRABALHO? — Ei, Cadu.. — a voz dela começa, mas eu a paro. — Não quero saber, Stella, se eu perder qualquer paciente hoje, a culpa é sua, e desse capacho que você tem como capataz. Agora saiam os dois daqui, e me deixem trabalhar. É um clichê médico de seriados dizer: Ninguém morre no meu plantão. Mas é isso que fico murmurando em minha cabeça. — Você vai precisar de ajuda, ela não está bem! — Stella se prostra ao meu lado. — Você teria feito isso há três ou quatro horas atrás, se tivesse me chamado. — Cadu… — Quer ajudar? Liga para o Joaquim, e depois saia daqui. Quando Joaquim chega, minha cabeça está fervendo, e ele não demorou nem vinte minutos. — Por que eu sinto que essa cara é aquela que irá dizer: Legal, Joca, você chegou quase às duas sem horário para ir embora? — Põe as luvas e me diga você se alguém aqui vai embora. — Hey, posso entrar ? — A voz singela de Lua surge na pequena entrada do curral. — Entra aí, Lua, na verdade acho melhor ir se deitar com a minha mãe, ou no carro, vai demorar. Desculpe atrapalhar. — Imagina, ficarei aqui caso precisem de uma instrumentadora. — A fofa —namorada? — de Joaquim se aproxima e passa a mão em Mimosa. — Aiiiih, porra — Joaquim diz emputecido —, me fala que não é mastite. — Posso dizer, mas eu suspeitei do mesmo. — O que você já fez? — Precisamos fazer o parto primeiro, a dilatação está boa, falta romper a bolsa, era óbvio que alguma coisa estava errada! Acho melhor já fazer a retirada mecânica da placenta, para não dar mais sorte para o azar, e imediatamente entrar com antibiótico de amplo espectro seria mais assertivo agora. — Você sabe que vamos ter que parar a produção de leite, testar todas, e … — Fechar o pasto? Sei. — Porra. — Alguém tem que que contar para Cruella — resmungo. — Eu estou bem aqui! — Sua cara corada aparece na porta. — Ótimo! Já que ouviu já pode fazer uma força tarefa na sua fazenda. E comece com a contratação de auxiliares veterinários, e pode cobrir um plantão aí de mais uns cinco veterinários, pois nós dois não daremos conta. Vai precisar testar todos os pastos, se não achar nada vamos analisar as outras possibilidades. Você vai precisar de leite para os bezerros. Ah, e não se esqueça de demitir seu capataz, pois ele visivelmente não está fazendo o que ele é pago para fazer. Viro-me de costas, ignorando-ae focando no parto que tenho que realizar nos próximos minutos. — Quer fazer as honras? — Joaquim pergunta com um frasco de lubrificante nas mãos. — Claro, amo partos. Manda a ver. Às dez da manhã, sinto areia em meus olhos, tenho um tenis Dolce Gabbana arruinado, pois não prestei a atenção e calcei a primeira coisa disponível quando me chamaram, meus braços estão doendo pelo esforço que fiz durante o nascimento do bezerro, mas pelo menos não perdi nenhum paciente. O espaço que Stella recusava a me dar para trabalhar quando cheguei, está tomado de pessoas trabalhando para conter o pandemônio que tem nessa fazenda. Sério, parece uma praga. Já rezei para São Francisco de Assis e Nossa Senhora Aparecida, para o primeiro, orei para cuidar dos pacientes, e para segunda, para me dar forças de vencer o dia, e ainda nem chegou a hora do almoço. Deixei Joaquim liderando a tropa de médicos e auxiliares ali, e fiquei por conta de vir até as drogarias com meu receituário em branco, fazer o que os farmacêuticos odeiam: sentar-me despreocupadamente no balcão e fazer receitas em sua frente, e pela quantidade de animais, passei em quatro drogarias diferentes para suprir os antibióticos que faltam, e ainda fiz algo ilegal, pedido extra para ser entregue o mais rápido o possivel. O interior faz coisas impossíveis às vezes. — Vai mesmo ficar calado? — uma Stella, pasme: constrangida, pergunta enquanto dirige de volta para a Vale dos Periquitos, onde acabamos de passar a porteira. Ah sim, pois ela é dona da porra toda, incluindo alguns mil em reias que fez os comerciantes da pequena cidade felizes hoje. — Stella, minha cabeça está doendo — me automediquei a pouco para isso, mas sei que me sentirei assim a porra do dia todo. — Eu só queria me desculpar, tá legal? Fui negligente, e… — Eu não te desculpo, e sinta-se muito mal. Minha única satisfação é saber que você não pode gritar comigo e por a culpa em mim. De toda forma, logo passaremos por esse incômodo que causamos um no outro, vou pedir Joaquim ajuda hoje mesmo com um emprego em outro lugar, vou só controlar esse caos que está a sua fazenda. Mas saiba de uma coisa, o problema da Vale dos Periquitos é você e sua autossuficiência, a hora que entender que precisa sim de pessoas, as coisas vão melhorar. “Dias atrás eu disse que poderia ter tudo de mim, era só pedir e não interferir em minhas decisões médicas. No momento, só quero que não interfira no meu trabalho, e realizo o seu desejo de sumir da sua vida. Agora, você me dá licença, vou render Joaquim. — Desço da caminhonete idiota dela, e já vejo Valentino abrir sua porta. Babaca. — Fio, posso entrar? — ouço a voz doce da minha mãe e vejo-a parada no batente, e só quero o colo dela. — Pode, mãe! — Estou só de calça, com as pernas um pouco erguidas, para amenizar o cansaço. — Truxe uma vitamina de abacate com limão procê. O menino Joaquim também está aqui para tomar banho, o alojamento tá chei de gente, já vou até por mais lenha no fogão, e aumentar a janta. — Porra, a noite já caiu, esse dia está tão ambíguo que não posso definir se passou rápido ou lento. — Entra aí, Joca, fica a vontade, só não depila o saco com meu barbeador. — Não preciso disso, faço na cera, idiota. Desculpa, Cida. — ele entra arrancando a camisa suja, e quando passa pela minha mãe, beija a sua testa — a senhora não deve ser mãe desse trem. — Vai logo, antes de constipar! — Ela empurra-o, e senta na minha cama. — Cê tá bem, meu fio? — Sua pergunta cai como uma bigorna do Papa-Léguas em mim, meus olhos ardem, não sei se de sono ou lágrimas ou cansaço, mas possivelmente seja de tudo. Não, mamãe, não estou nada bem! Eu fiz uma bagunça na minha vida, e não é de hoje — isso é o que eu quero falar, mas quando se está mais próximo dos trinta do que dos vinte anos, não é justo preocupar nossos pais com nossas crises existenciais e da meia idade. — Me abraça, mãe? — peço, como o Cadu de cinco anos com medo da chuva. — Vem cá — ela coloca o copo na mesa de cabeceira, e sorri abrindo os braços. — Vai dar tudo certo, meu menino, cê vai ver. — A senhora vai ficar muito brava se eu for embora de novo? — Vou sentir saudade, né? Mas já me acostumei que a gente cria fio pro mundo. Só que cê tem que se perguntar é se ocê vai ficar bravo se for embora. Já tô mais perto de ir do que de ficar, e queria ter a certeza que cê tem tudo que quer. Porra, mãe. — Mãe, era só um conforto e descanso que eu queria, não uma consulta com um coach. — Sua risada gostosa, me acolhe, junto com o carinho no cabelo. — Uai, fio, sabe que a verdade dói. Meu quarto tá sempre aberto procê prosear comigo, agora tenho que ir, meu feijão tá no fogo. Recebo um beijinho acolhedor na testa, e um tapinha na bunda, como ela fazia comigo criança. — Ow, você não está pensando ir embora, não é? — Joaquim abre a porta de toalha — e me arruma uma roupa, e me dá uma cueca cara dessas que você usa, nova, bom que fica para quando for namorar. — Prefiro a amizade de Nicolas, nossos estilos extremos não permitem trocas de cuecas, mesmo as novas. — Não sei cara, mas é uma possibilidade. Inclusive ia te pedir umas dicas e ajuda. — Mas por que isso? — ele arranca a toalha sem pudor, me obrigando a virar de costas — Sei que está acontecendo um apocalipse zumbi ou as sete pragas do Egito aqui, mas o trabalho é muito bom, sem mencionar o salário... — Sei lá, me sinto exausto. Você acredita em Mercúrio retrógrado? — Que porra é essa, Cadu? — Sei lá, cara, só preciso de um motivo para entender todas as merdas que têm acontecido. Não sei o que me trouxe de volta aqui, nunca fui fã do interior, mas me sentia infeliz em BH, aí decidi voltar e tentar, mas claramente não combino com isso aqui. Já arruinei pelo menos três pares de sapatos, e o desgaste emocional do meu embate diário com a Stella, não está compensando mais. Quero ir embora, voltar para Belo Horizonte parece uma boa escolha, mas quero ficar perto da minha mãe. — Um rompante abre minha porta, e nem sei do que se trata, até Henrique se agarrar em minhas pernas. — Cê tá indo embora tamém, Cadu? Por favor, não vai. Cadu Vieira Joaquim nos olha, erguendo as sobrancelhas, se vira e volta para o banheiro em silêncio. — Ei, carinha, está tudo bem. Não precisa temer nada… — Eu cabei de ouvir cê querendo ir embora. A culpa é da mamãe? Eu converso com ela, mas por favor, não vai. Outro médico não vai deixar eu ser estagiário, e a gente combina muito. Não quero perder mais ninguém. — Rique — sento-me na cama e o abraço —, calma. Você não vai perder ninguém, e eu vou visitar sua vó Cida o tempo todo. — Mas não seremos vizinhos de quarto. — É, não seremos. — Vamos fazer um combinado então, o que você acha? Que virei pelo menos uma vez por mês, e faremos qualquer coisa que você quiser? — sua cabeça apoiada em meu peito, sacode-se em negação. — Cê tá falando isso agora, mas não vai ser verdade. Cê vai arrumar uma namorada, depois vai casar com ela, e ai vai ter seus bebês, e no fim não vai voltar. Pois tudo que é meu vai embora, de um jeito ou de outro. Minha vovó foi embora antes de eu nascer, o meu melhor amigo não vai voltar nas férias, a menina que eu gosto foi morar em Divinópolis e até meu pai foi embora. “E não adianta falar que não, se ele tivesse morrido, minha mãe tinha que ter me falado. E é ruim porque ninguém sabe dele, e ela não fala. — Não sei como descrever o que sinto enquanto eu acolho Rique nos meus braços. As sensações que ele me causa quando se aproxima estão sempre aqui, com o tempo achei que o melhor era me acostumar com elas, pois me trazem algo bom, que por mais que eu tente, não consigo definir o que é.” — Henrique, você já fez promessa de dedinho? — Puxo-o para que eu consiga ver seu rosto, e ele nega. — Pois bem, uma promessa de dedinho não pode ser quebrada, nunca, entende o que significa isso? — ele assente — Então agora, eu e você faremos uma promessa de dedinho, venha, me dá o seu — levanto minha mão esquerda, e ele faz o mesmo, e enroscamos nossos mindinhos — Eu te prometo,Henrique, que virei pelo menos um fim de semana por mês para te ver. Caso me mude de cidade ou trabalho. Isso ainda não está certo, tenho muitas coisas para fazer aqui. Juro. — Aperto meu dedo no dele, que sorri, mesmo quando uma lágrima solitária desce de cada olho. Desfazemos o enlace, e ele parece um pouco constrangido. — Essa promessa serve para tudo? — pergunta — Qualquer coisa. — Cê pode então ir no meu campeonato de natação no fim de semana? São dois dias! — Ele ergue o dedo para mim, e sorri faceiro. — Posso, me fala que horas vai competir — abraço seu dedinho, que some no meio do eu. — Sabe, Cadu, preciso melhorar minhas ideias. — Ele passa a mão no meu cabelo e sorri. — Que ideias? — Tô montando um plano. Quanto que cê calça? — Quarenta e dois. Que plano é esse? — Segredo, mas qualquer dia te conto. Queria conhecer meu pai, se ele se parecesse com você seria legal, e… — Rique? — aparentemente é dia da invasão ao quarto de Carlos Eduardo, pois Stella está parada na porta. Seus olhos percorrem a imagem que somos eu e seu filho, em um meio abraço, enquanto ele acaricia meu cabelo, mas tem lágrimas secando nos olhos. — Hmm? — ele não a olha, e continua traçando as voltas dos meus cachos curtos, não tão arrumados como costumo usar. — Gracinha está te procurando, tá na hora do banho. — Ele assente, sorri para mim, beija meu rosto e passa por ela em silêncio. Stella continua parada ali, me olha, sua boca abre e fecha, como se ela quisesse falar algo, mas não sabe por onde começar. Sou salvo pelo Joaquim, que abre a porta do banheiro enrolado na toalha, de novo. — Epá — ele se vira, voltando, mas antes dele fechar a porta, Stella bate ela mesma a porta, deixando a sensação horrível de coisas não ditas. Resolvo beber minha vitamina, enquanto Joca me encara e depois olha para a porta. — Pergunta, Joaquim, você está se contorcendo. — Vocês já se pegaram, né? — coloco o copo de lado, e começo a procurar uma roupa que sirva nele. — Por que dessa pergunta? — Nem precisa responder. É evidente. E não precisa ser um pouco esperto. É por isso que o capataz está rasgando o cu com a unha. — Ele começa a vestir as roupas que lhe entrego. — Tem quanto tempo? — Como assim? — Porra, Cadu, está parecendo aquele apresentador sensacionalista. Acompanha a pergunta, o assunto. Ou pare de fingir que não entendeu. — Não gosto de falar sobre isso. — Pronto, é só o que eu precisava ouvir. Mas, cara, às vezes só precisamos falar, só isso. — Suspiro, olho-o e concordo. — Podemos discutir os prognósticos agora que sabemos a real situação desse lugar? — Sim — ele entra no banheiro e ouço o barulho do meu desodorante Dior sendo espirrado, sem dó e nem piedade. Prefiro o Nicolas, com certeza, é a melhor amizade. — Vamos começar chamando minha avó para benzer aqui, e depois adicionaremos medicina a situação, porque, meu amigo, nossa situação é no mínimo caótica… Estar de volta a Barragem do Benfica depois de tantos anos é estimulante. De onde estou, vejo Henrique com a mesma toca de ontem, ele disse que é da sorte. Jamais pensei que poderia ficar tão empolgado com um campeonato infantil de natação. Rique não se deixa intimidar pelo frio, e como ontem dispara como um peixinho quando é autorizado. Ontem foram feitas as provas em equipe, ele levou o primeiro lugar no nado livre, terceiro no nado sincronizado, e segundo no estilo borboleta. Sua escola foi a que mais subiu ao ranking no 86º campeonato mineiro de natação sub 15. Hoje os atletas irão disputar pelas mesmas categorias, na modalidade solo. Stella o trouxe ontem, e hoje não parece ter ficado satisfeita quando ele pediu que eu viesse com ele. Mas eu não estou ligando para o que ela quer ou não. Na verdade, Stella, deveria ser grata por ter um médico veterinário como eu em sua fazenda. Meu senso de urgência aflorado evitou uma catástrofe quase irremediável em sua propriedade. Remover hectares de braquiária, tratar a terra e replantar era caro — e foi isso que Matheus sugeriu, pois a contaminação estava no pasto que estavam usando no momento —, mas imagino que seria mais barato que perder suas vacas procriadoras e leiteiras. Minha mãe e seu Vicente estão sentados na arquibancada mais acima, eu e a Cruella lado a lado em um lugar reservado para os pais — porque Henrique pediu ao avô que trocasse de lugar comigo hoje — e para o espanto de um total de zero pessoas, ela segue como se eu não existisse. Assobio e torço por Henrique, mesmo que ele não consiga ouvir. O menino é rápido, sai primeiro e chega primeiro no nado livre individual, e vejo que as outras modalidades o deixam mais lento, mas ainda consegue ficar entre os dez primeiros colocados, o que é muito bom, em uma competição com cem participantes de todos os lugares do estado. Enrolado no roupão ele vem até nós dois, com sua medalha no pescoço, por volta do meio-dia. — Cê viu só o tanto que eu nadei, Cadu? — Você foi demais, cara! — Levanto a mão para que ele bata — Um verdadeiro peixe! — abraço-o — Onde estão as barbatanas, me mostre! Qual é o seu segredo? — faço cócegas nele, que se contorce. — Não tenho, eu juro — diz entre remelexos, se aprumando quando o solto. Ele se joga nos braços da mãe e a beija na bochecha. — Ganhei uma medalha, mãe! — Mais uma para a coleção, campeão — vejo-a emocionada, abaixada para que fiquem da mesma altura. — Eu tenho tanto orgulho de você, Rique, te amo tanto — ela o aperta nos braços e algo que há muito tempo não vejo acontece, lágrimas saem de Cruella. Me seguro, contendo as minhas, que não sei de onde vieram. Engulo em seco. — Você é a melhor coisa que aconteceu na minha vida — ela diz afastando-o e passando a toalha onde a toca não protegeu seu cabelo —, sabe disso, né? — Henrique assente faceiro, e passa as mãos nas bochechas dela. — Ela sempre chora, Cadu — ele me olha, e sacode os ombros delgados —, é a melhor parte. Me sinto como uma criança — o que ele é, mas não o contradigo. — Henrique… — Stella o repreende, mas sorri. — Nós vamos comer no shopping, cê prometeu, lembra? — ele passa o dedo pelo nariz arrebitadinho dela, e me seguro para não rir. Toda criança faz isso? Tenta chantagear as pessoas com coisas fofas? — Eu lembro. Vai trocar de roupa, pegar a sua mala. — Cadu, vai com a gente, né? — ele olha dela para mim, e ambos os adultos parecem estar em uma sinuca de bico. — Se ele quiser, mas teremos que passar um carro para seu avô e a Cida. — ela dá de ombros, como quem não se importa. — Eles se recusam a trocar o almoço de domingo por lanches. — Vamos no carro do Cadu, é superlegal mamãe, cê tem que ver — ela conhece, carinha, mas não é um assunto apropriado. Pego Pingado, o bezerro de Mimosa — que claramente foi nomeado por Henrique — e tiro-o da balança, anoto os quilos e passo a medi-lo. Geralmente Joaquim e eu acompanhamos os novos indivíduos de forma menos específica, mas queremos ver se houve alterações consideráveis após o acometimento da mãe. Mas graças a Deus as coisas vêm acontecendo naturalmente, inclusive ele está uns quilos acima do esperado, e isso é bom, já que estamos amamentando-o com leite de outra fazenda, pois ainda faltam três dias de antibióticos para nossas pacientes, e ainda faremos os testes nas que foram submetidas ao tratamento mais longo, como Mimosa. — Ei, onde está seu estagiário? — Joca entra com os filhotes de Abelhinha em um cesto. — Não apareceu ainda. Quantas horas? — Duas, sua mãe falou para irmos almoçar, há umas duas horas, esqueci de avisar. — Obrigado por me causar uma hipoglicemia. — Com o tanto de gente nessa fazenda, acho melhor irmos para o pomar. Ainda bem que vão embora amanhã. — Credo, Joaquim — gargalho. — Uai, desde que eles chegaram, sua mãe nem fez mais pão de queijo e broa. — Passa fome — solto Pingado e deixo que vá até o monte de feno e se deite, e começo a passar os dados para o computador. — Oi, dotores, como tá meus netinhos? — Henrique chega colocando-se ao lado de Joaquim. — Muito bem, dia de vacina e remédio para vermes, vai ajudar? — Joca pergunta.— Não posso, minha mãe me colocou no inglês — ele revira os olhos — pelo menos é só uma vez na semana, mas sei que cês vão cuidar direitim deles. Vim só trazer um presente — levanto os olhos do meu computador e vejo que ele carrega uma sacola grande. — Procê — Rique coloca em cima da minha mesa. — Não é meu aniversário… — olho-o desconfiado, e sapeca como é dá de ombros. Abro a sacola, desembrulho uma caixa pesada, e percebo se tratar de uma das marcas que já vi Joaquim usando. Curioso abro a caixa e me deparo com um par de botas dessas de fazenda, masculina, estilosa, e de acordo com a caixa impermeável. E cara, bastante cara. Ouço o assobio de admiração do Joaquim, que examina os bichanos. — Cê gostô? — Nossa, Henrique, são lindas, mas não precisava… — A ideia de Stella gastando com dinheiro comigo não me atrai. — Precisava, cê tava reclamando com Joca que estragou seus sapatos, e acho que esse jeito agrada mais a mamãe. — A gargalhada estrondosa de Joca preenche toda a sala. — Eu te falei que tinha uma ideia. Assim não precisa mais ir embora por causa de estragar seus sapatos. — Rique… — fico sem palavras, acho que por segundos abro e fecho a boca, sem nenhum som sair — Obrigado, mas não posso aceitar. — Claro que pode, o vovô disse que cê pode, ele me ajudou. — Sinto alívio por seu Vicente estar envolvido nisso, não a Cruella. — Cê pode me pagar com aulas de montar a cavalo. Podemos começar amanhã? — Então não é um presente? — brinco com ele — É, mais ou menos. — Rique tira o celular do bolso, e faz uma careta, típica de adolescente, coisa que ele ainda não é. — Tenho que ir, minha mãe já chamou o Bruno para me levar até a cidade, depois eu volto. Tcha-au. Olho-o sumir pelo clarão da porta do celeiro, e balanço minha cabeça. — Mais um pouco, Henrique escreverá você e a Stella naqueles reality de relacionamentos. Não perderei um episódio. — Vai se foder. Henrique não está fazendo isso, está? Não, ele tem nove anos. — Hoje temos duas tarefas! — Henrique anuncia quando me acha nos estábulos. — É mesmo? — Sim, vamos gravar uma dancinha, igual as da internet. — Ele coloca um chapéu e uma fivela na minha mão, só de vê-las quero gargalhar, e mandar uma mensagem com as fotos para Nicolas, ele se divertirá — já separei a música. — E por que faremos isso? — Henrique tira sua camisa, e coloca uma camiseta cavadinha, está uma graça. — Fiz uma conta ontem, e achei uma trend, aquela de agroboy, quero fazer e ganhar mais likes que Murilo, ele está se achando. — E onde eu entro nisso? — Cê é bonitão, médico, mais velho, acho que se tirar a camisa ganho mais likes… — Então sou seu produto? — Ergo a sobrancelha para ele. — É só esse, eu juuuuuuro. — Eu não vou tirar a camisa. — Pode mostrar só a barriga então? — gargalho e nego. — Aff, tá bom, mas se sua cara bonita não resolver o próximo terá que ser sem. — Não era só um? Matheus escolhe esse momento para sair da sua sala, e vê que estou de chapéu e fivela grande. Sei que quer fazer uma piada, da mesma forma que fez quando me viu de bota uns dias atrás. — Math, vem, tem como cê filmar nós dois? — O que vão fazer? — Dancinha da internet. — Não perderia isso por nada! — ele arranca o rádio da cintura e chama Joaquim. Idiotas. Não sei depois de quantas tentativas consigo aprender os passinhos que Henrique já me ensina sem paciência, igualzinho a mãe dele. Matheus e Joaquim parecem não ter serviços em suas mesas, pois estão ali, rindo e filmando cada movimento desajeitado que faço. Por fim Henrique se dá por satisfeito, e somos aplaudidos pelos dois idiotas. — Agora podemos voltar para os princípios básicos da equitação? — minha plateia parece desanimada por isso, e nos deixa a sós. — Sim, já posso montar sozinho? — Não, senhor, estamos no básico ainda, se lembra? Passamos pela rédea há uns dois dias, e agora estou falando com ele sobre a anatomia do cavalo, onde estimulá-lo e como ele recebe um comando. — Alguma dúvida? — Só quero saber quando eu vou dar uma voltinha no Amendoim — que tem esse nome por causa do pelo castanho avermelhado, e lembra a casca da semente. — Por favor, Cadu, só ficar em cima, aqui mesmo. — Está bem, mas eu vou ficar aqui — já afirmo, pois Rique tem comportamentos aventureiros, igual a mãe — Vamos lá. — Mal o cavalo fica em pé, Stella adentra o estábulo estarrecida, e olha- nos de cima a baixo. Sua cara de pavor está estampada ao nos ver ali. — Henrique. Desça já desse cavalo — a voz fria e autoritária cortaria até titânio na forma que ela pronuncia as palavras. Mas ao mesmo tempo que a voz é assim, seus olhos parecem me incinerar vivo. Que porra foi agora? Cadu Vieira — Mas mãe… — Henrique tenta interceder, mas não obtém sucesso. — Henrique agora! — Rique bufa irritado, e antes que comece brigas e chorumelas, eu o desço do lombo de Amendoim, mas ao invés de apaziguar para Henrique e aguentar a ladainha dela sozinho — pois sei que alguém tem ouvir o que ela irá dizer —, o contrário acontece, Henrique ele desce e para em frente a mãe. — Por quê? Por que eu não posso aprender a montar? — ele a encara, de braços cruzados, e pés batendo no chão. — Só a senhora pode fazer tudo, só a senhora quem manda! É uma chatice isso, mamãe. Não quero aprender inglês, tô nem aí pra essa língua idiota! Eu quero aprender a montar cavalo! O Amendoim nunca nem trotou duro! Só porque seu amigo idiota morreu, não posso fazer nada! — Stella arranca o chapéu, e amarra o cabelo em um coque com ele mesmo. Vish, ela está muito puta. — Henrique, vamos lembrar quem é a mãe da relação? Se eu disser que não vai montar, você não vai! E acabou, sem choro nem vela. Agora você vai para o seu quarto, e me aguarde lá. Enquanto isso vai pensando nas suas atitudes! Eu não te criei assim não. — Por sua culpa o Cadu vai embora. Sua culpa! — HENRIQUE! — A voz potente dela assusta até mesmo os cavalos, que se agitam nas baias. Não sei vinda de onde, minha mãe aparece na porta do estábulo, com várias verduras folhosas na mão. — Uai, gente. Que gritaiada é essa? — Minha mãe me odeia, vó, ela deixa todo mundo ir embora. Não posso fazer nada! Só o que ela quer. — Henrique… — Calma, dona Stella — minha mãe acode, Rique — não briga com o menino, ele é criança. Vem meu, fio, obedece ela, depois cês se fala. — Henrique se agarra na saia da minha mãe, e vai reclamando com ela em direção a casa grande. — Stella… — STELLA NADA. CALA A BOCA, CADU. ESSA MERDA É CULPA SUA — ela vem até onde estou, e aponta o dedo na minha cara — HENRIQUE NUNCA ME DESOBEDECEU! NUNCA, E… — Deixe-me adivinhar, isso é culpa minha? — SIM. SUA. ÚNICA E EXCLUSIVAMENTE SUA. TUDO DE ERRADO QUE ACONTECEU NA MINHA VIDA, É SUA CULPA. — suas bochechas vermelhas, a deixam tão linda. Porra, não deveria ter esse tipo de pensamento bem quando ela está me acusando de coisas que não sei o que são. — Por anos, pelo menos dez, sinto-me culpada pela morte de Leonardo — ela suspira, os lábios ressecados, não sei se por sede ou raiva — quando na verdade a culpa é sua. Toda. Sua. — Aí você já está doida, né, Stella? Eu nem aqui estava! Que culpa eu tenho do idiota ser incosequente? A culpa nem mesmo é sua. De onde você tira esses trem? — Porque eu… — Ela suspira e então morde os lábios. — Você o quê? — Ela balança a cabeça, se vira e sai. Deixando-me parado, olhando para o nada. Como ela sempre faz. Mas não dessa vez. Vou atrás dela, e vejo-a correndo metros a frente. — STELLA! STELLA, ESPERAÍ. — Quando ouve a minha voz, ela aperta o passo, ganhando mais vantagem. Que porra. Eu passo a correr atrás dela, quando ela me vê, corre ainda mais. Que Diaba, abusada, teimosa! Qual o problema dela em abrir a porra da boca? — Tudo bem? — Joaquim me para, quando escuta meus gritos sem fôlego. — Não tá, tenho que resolver uma coisa. Onde tá indo com essa corda? — aponto para a mão dele, que carrega uma corda natural, ensacada, novinha. — Uai, vou pegar o Pingado. — Me dá isso — pego o trem da mão dele, e volto a correr. — Tá maluco, porra? — deixo-o plantado, sozinho, abroo plástico, e começo a fazer um laço. Já fiz muito isso, não se desaprende a domar bicho bravo. — STELLA! Espera, cacete! Você parou? Porque a Stella não. Ela continua descendo o pasto sem grama, me ignorando, achando que vou me cansar, e deixar para lá, como todas as vezes. Quando estamos longe o bastante da casa, e das pessoas trabalhando na fazenda, rodo o laço no ar e lanço, chegando bem perto dela. Caralho. Aproximo-me mais, e faço de novo, dessa vez acertando. — Que porra! — grita, se agitando — Me solta! Cê tá doido? — quanto mais ela se mexe, mas a puxo para mim — Eu não sou uma égua selvagem para você fazer isso comigo! Estou mandando me soltar, Carlos Eduardo! — paro em suas costas e a envolvo em meus braços. — Vai ficar quieta? Vamos conversar como gente? Ou ficaremos nessa briga idiota e confusa? — nossas respirações estão ofegantes com os esforços. — Eu não tenho mais nada para falar com você, só quero que suma da minha vida! De verdade, para nunca mais voltar. — Mas eu não vou, Stella — viro-a para meu peito e a aperto mais.— Não vou mesmo!!! Estou cansado de você me mandar embora, Tella. Você pode ser tudo, mas não é uma filha da puta, nunca foi. Ser egoísta e mesquinha também não está na sua índole! Então vamos, pelo amor de Deus, conversar! — Seus olhos chocolates fazem com que eu perca a linha lógica de raciocínio. Consigo ver o mundo através deles, e estão gritando para mim. — Eu não tenho nada pra falar, e… — Cala a boca! Cala. A. Boca. — Espremo meus lábios nos dela, segurando-a pela corda, mantendo-a firme em meu abraço. Sua resistência se rompe logo que introduzo minha língua em sua boca, suas mãos me puxam para si, e é como se ela estivesse em um dilema interno se me quer ou não. Stella morde meus lábios e isso excita-me pra caralho.. Espero que Stella me solte, e retalho-a, mordendo seus lábios, primeiro o de baixo, depois o de cima. Meu pau semiereto fica totalmente rígido quando ela solta um gemidinho rouco vindo do fundo de sua garganta.Solto seu cabelo do coque, dando duas voltas nele, puxo sua cabeça para trás, fazendo-a gemer. — Vamos conversar? — Não. Quero que me solte! — passo a lamber e mordiscar seu pescoço, — Se corpo está berrando por mim, Diaba — mordendo o mamilo por cima da camiseta preta que está usando, primeiro um lado, depois o outro — Vamos conversar? — repito. — Não, a gente… — desço a camiseta e sutiã, mordendo-a na aréola, brincando com o mamilo em minha língua, e o outro em meu polegar. — E agora? — sussurro. — Não! — Teimosa! — Grosso! Me solta, Cadu! — Mas você gosta! Principalmente do pau. — Me solta ou vou gritar! — Iço-a em meus ombros, a levo até atrás do bambuzal, e a amarro em um feixe deles. — Pode gritar! Vai, Stella! Esguela. — Você me amarrou nas árvores? — Sim. E só vai sair daí quando me explicar: por que você me disse aquelas coisas? — Pois vamos mofar aqui! — diz com petulância. — Pois, bem! Vamos fazer algo divertido enquanto isso? — tomo sua boca na minha de novo, e ela devolve o beijo, faminta, tanto quanto eu. Minhas mãos passeiam pelos seios desnudos, fazendo sua pele se arrepiar sob meu toque, deixando os mamilos pontiagudos, onde passo a dar mais atenção. Desço meu toque , chegando a cintura, passando para o quadril, toco a fivela, e a abro com fome. — Você ainda quer fugir e gritar? — pergunto a ela. — Só gritar — a Diaba sorri, deixando estampado o que quer de mim aqui. — Sabe o que estou prestes a fazer, certo? — assente, pisa em uma bota tirando-a, depois na outra. Ajoelho — e parece que ando fazendo bastante isso, metáforica e literalmente — abro seu jeans, desço a calça e calcinha, uma rendada que com certeza gostaria de ver enfiada até o talo em sua bunda. Olho-a despida da cintura para baixo, e uma ideia me ocorre. Passo a mão entre seus lábios, e ela escorrega tamanha a excitação dela. — Se eu te soltar, você vai fugir? — Estou querendo ser comida, Cadu, acha mesmo que vou? — solto-a do nó curto, tiro completamente sua camiseta e sutiã, e contemplo a beldade que Stella é parada nua em minha frente. — Alguém já te comeu duro amarrada? — Algo me diz que você será o primeiro. — Sim. Braços para baixo — ela faz o que eu peço. Encosto seu corpo contra o feixe de bambus de novo, e me abaixo minimamente — pisa nas minhas coxas para ficar na altura certa. — Sem entender, mas também sem contestar, Stella sobe, ficando minimamente mais alta — firma o corpo — segurando seu peso em minhas coxas, passo a corda abaixo dos seios, na segunda volta passo no meio deles, prendendo o lado direito pelo ombro, circulo o bambu e volto amarrando o esquerdo, em seguida prendendo os braços juntos ao corpo, como se ela usasse uma camiseta de cordas, aperto firmemente o nó e contemplo minha obra de arte. — Queria só que você pudesse se ver agora. — Vai ficar me olhando com essa cara de idiota, ou vai me comer? — Ela morde o lábio faceira, sabendo que terá o que quer, pois é sempre sobre ela. — Stella, Stella, você não tem jeito… — desço meu zíper e abaixo a cueca, meu pau salta feliz para ela, expelindo uma gota grossa de pré-gozo, deslizo minha mão de baixo para cima, masturbando-me em sua frente. — Cadu! — grunhe com fome — Anda, cacete. — passo a mão em minha calça, e não estou com celular nem carteira. — Me diz que você tem aquela camisinha no celular? — ela assente rápido, e mais que depressa pego o celular em sua calça, tiro o preservatio da case e coloco-o, aperto as coxas de Stella, abrindo-as para mim e enterrando-me afoitamente. — Porra, você é tão gostosa! Por quê? Por que foge de mim, se está sempre louca para me dar? — Acho que é você quem está louco para me comer. — Podemos concordar que ambos provocamos? — Depois que me comer, discutimos isso. — Stella contrai sua boceta em volta do meu pau, fazendo-me estremecer. Passo as mãos para trás, agarrando a sua bunda, tão forte quanto o necessário para marcá-la como minha, abrindo-a até encostar meu púbis em suas coxas grossas. Levo minha boca para o seio direito, e passo a mamá-lo ávido, esfregando-me em seu clitóris, sem arremeter meu pau em seu fundo como desejo. — Anda, Cadu. — Não estou com pressa. — Ela tenta se esfregar em mim, mas sem muito sucesso devido a amarração. Sorrio de seu esforço — Ah, Stella, o que te fode é sua curiosidade. Saio de dentro dela, e volto tão lentamente que a faço rosnar para mim. — Não sabia que era adepta a joguinhos, isso é uma delícia, posso correr atrás de você o dia todo, se é isso que deseja. — Afasto-me, saindo completamente, esfregando meu pau em seu clitóris endurecido e pedinte. — Faz tudo parte do seu jogo, né? Quer que eu me ajoelhe por você… — arremeto até o fundo, rebolando em seguida, fazendo meu pau circulá-la internamente. — Só que está jogando errado, pois é um prazer me prostrar diante de você. — Cadu, cala a boca e me come, porra! — Eu vou, calma. Só me responde uma coisa: você gosta de dar pra mim? — CADU! — Vai, responde. — Eu gosto de dar para você! Satisfeito? — Quase. Mais uma pergunta: com qual pau você sonha? Qual você gosta de quicar? Qual te deixa com água na boca? — O seu, o seu pau, porra, só me come. Pelo amor de Deus! — sorrio satisfeito e decido dar o que ela quer. Tomo sua boca na minha, entro e saio dela, rebolando quando meu púbis encontra suas coxas, faço isso tantas vezes que sinto-me enfraquecido, meu quadril estrala tamanho meu esforço, passo a mamar nela mais uma vez, pois sei que ela gosta. — Isso, porra, me come Cadu! — ela geme e rebola minimamente contra mim — estou tão perto! — Seguro-a só com uma mão e com a outra, esfrego seu grelo duro. — Olha só, está quicando como uma putinha em meu colo, que delícia! — Aperto mais a bunda, e trêmulo meu dedo nela — é assim que você gosta? De ser vadia? De ser comida? — Isso, sim, mais forte — faço o que ela pede, entregando- me nas arremetidas. Sinto a eletricidade subindo pelas minhas panturrilhas em direção às minhas coxas, minha bolas pesando deliciosamente, repuxando meu pau, levando-me ao gozo. Stellatenciona as costas e as pernas em volta de mim, dou atenção ao outro seio, tocando-lhe no clitóris em movimentos circulares afoitos, Tella goza em meus dedos e pau, me encharcando — isso, caralho, isso, Cadu… — ela diz alto, continuo com o toque, vendo-a arrepiar e estremecer sob meu toque e minha paixão. — Misericórdia, para, por favor! — dou-lhe dois tapinhas no clitóris e sonho com o dia que a farei gozar sob meu estetoscópio. Tella estremece, fazendo-me sorrir. — Sente-se melhor? — pergunto, soltando o nó, desfazendo o amarre. Deixo a corda cair no chão e a coloco em meu colo, sentando-me no chão. — Sim. Isso foi muito bom. — Na hora que quiser, sabe onde está meu quarto. — Não posso — ela diz, e antes que eu questione, Stella completa — não sei transar calada. — Verdade, terei que sufocá-la com o travesseiro. Não gosto quando briga comigo, sabia? — esfrego sua pele, tentando amenizar as marcas da corda. — Não ensine Henrique a montar. Na verdade, pare de mimá-lo, está pior que nosso pais — ela suspira de olhos fechados, e a cabeça encostada em meu ombro. Isso me lembra porque estávamos brigando, e antes de questioná-la, seu celular toca. Entrego-o a ela, e o nome de Joaquim está ali. — Oi, Joca. — estamos perto o suficiente, para que eu o ouça. — Dona Stella, o IMA acabou de chegar, e está procurando o RT, Cadu por acaso está próximo? O celular dele está aqui em cima. — Sim, estamos em reunião, já chegamos, oferece um cafezinho, que ele já chega. — Tá bom. — Reunião? — questiono-a, pegando sua camiseta e sutiã, ajudando-a a vestir. — Sim, de alinhamento. — Aos poucos as peças voltam a cobri-la, e ela admira as marcas nos braços — Você sabe que preciso da liberação deles para os búfalos, né? — Sim, senhora. Farei o que estiver ao meu alcance com eles. — Obrigada. — Não por isso. E saiba que seus agradecimentos comigo tem que ser pelada, e claro, depois que você me explicar do que se tratou aquela acusação. Stella Macedo A festa anual da Vale dos Periquitos é uma tradição há quarenta e dois anos. Meu pai, recém-formado na faculdade, na época, e casado há menos tempo ainda, herdou uma pequena fazenda leiteira beirando a falência. No primeiro ano de trabalho, ele e minha mãe foram juntos para o campo com os pouquíssimos empregados, fizeram o plantio de cana-de-açúcar, e a colheita pagou as dívidas, permitiu que comprassem mais uma dúzia de vacas e quatro reprodutores. Para comemorar, minha mãe fez um almoço para todos em um singelo agradecimento. No ano seguinte, com mais vacas e aumento de mão de obra, que os permitiu plantar duas vezes mais cana-de-açúcar, mamãe fez um almoço maior ainda, os colaboradores puderam levar as famílias, e foi assim, ano após ano que nasceu uma tradição. Em todo esse tempo, só houve uma vez em que a festa não aconteceu, no ano que mamãe faleceu. Desde os quinze anos, eu assumi por completo a organização dela, e vem sendo assim desde então. Esse ano, com o frio que nunca acaba, optei por fazê-la com uma fogueira, a partir do entardecer. Contratei cinco cozinheiras para ajudar a Cida, que só bufa e revira os olhos para elas a todo momento, afinal a festa durará dois dias ao invés de um, pois temos motivos dobrados para comemorar. Lembro-me de ser ainda moleca, e o sonho do meu pai era colocar búfalos nos pastos, mas ele não conseguiu. Trabalhar com gado importado é complicado, lembro-me que para trazer os Angus foi um Deus nos acuda. Parecia até um carma. Teve um dia que o alvará sumiu da minha mão na hora da visita de aprovação. Fiquei tão desesperada, que quase tive outro filho. O inspetor estava desistindo quando Henrique surgiu com o papel, na boca de Tigrinho. E agora, quase vinte anos depois do sonho de meu pai, Carlos Eduardo conseguiu, finalmente, a liberação para darmos início aos trâmites de compra. Por isso, esse ano a festa também mudou de data, ao invés de ser no próximo mês, porque mamãe sempre amou a primavera, será ainda em agosto. Minha mãe sempre foi supersticiosa, e nunca deixou que tomássemos decisões ou atitudes em agosto, ela dizia ser o mês do desgosto. Coitado do mês. E é estranho, pois foi nesse mês que Leonardo faleceu, e levou com ele toda a minha paz de espírito. Balanço a cabeça para dissipar esse pensamento mórbido. Enfim, setembro, após a festa de aniversário de Henrique, Cadu e eu iremos até o Texas para finalizar as compras dos benditos búfalos. Olho a equipe de decoração finalizando os detalhes, e longe, consigo ver Henrique brincando com os gatinhos, e arrastando Milk, que está prenha, e quase ganhando — a cadelinha sem raça definida que não faço a mínima ideia de onde Rique tirou, suspeito que ele tenha a pegado na estrada ou até mesmo na escola —, junto com ele. Parece que foi esses dias que cheguei com um pacotinho pequenininho enrolado, e agora ele já fica com raiva da mãe por causa das aulas de equitação. Sim, tem dois dias que ele só pede a bença ao acordar e dormir, e finge que não tem mãe. E eu nem posso reclamar, pois tem dois dias que fico horas na cidade com desculpas de estar ocupada com a festa, para não me encontrar com Cadu pela propriedade. Ou seja, Rique só está herdando. Uma péssima herança, aliás. Ele poderia ter pegado mais do pai, além do amor pelos animais. Durante todos os anos de afastamento de Cadu, sempre que me recordava dele, vinha em minha mente a imagem do Caduzinho, da inocência, da adolescência, do menino sempre disponível, carinhoso, paciente, gentil e alegre. Ainda existe muito disso nele, mas a inocência, com certeza foi-se embora. Minha boceta que o diga. Quando ele disse que eu precisaria de um relaxante muscular, ainda na casa de swing, pensei que era só o alterego dele falando mais alto, mas não. Precisei de uma cartela com quatro. A volta de BH até aqui, pareceu durar uma vida, não 1h30. Parecia que eu era uma sedentária que resolveu entrar na academia. Na noite seguinte, quando ele me procurou, precisei estabelecer o limite, pois primeiro não sou a puta dele, eu já estava certa de que aquela seria a última vez — até que ele me amarrou nos bambus —, e segundo, nem se eu quisesse — spoiler: queria muito — conseguiria transar, exceto a boca, todos meus orifícios estavam ardendo. O maldito ainda me perguntou se ele estava fodendo bem… Bem é pouco, mas ele não saberá disso. Olho para a marca da corda em meu braço, e tenho uma vontade enorme de passar uma borracha em dez anos, e fazer desse meu ponto de ignição. Entregando-me de corpo e alma a ele. E estaria tudo bem, se fossemos só eu e ele. Não posso obrigá-lo a assumir ou aceitar Henrique, não que isso pareça necessário, mas é um ponto importante. — Stella! — Cida aparece na porta da varanda, superbrava — vem cá, menina, num guento esse bando de estranha na minha cozinha! Às 22h, Bruno, motorista de Henrique, é o último a chegar com a esposa e a filhinha ainda de colo. Observo todos rindo, comendo e brincando, e sinto-me quase em plena felicidade, eu só precisava ser amorosamente resolvida, e que Henrique parasse com os típicos ataques pré-adolescentes e birrentos. Credo. Não preciso de nada, eu tenho mais que muita gente pode sonhar na vida. — Festa bonita — minha tentação particular toma forma do meu lado, me arrepiando dos pés a cabeça —, não mais que a dona, claro. — Está jogando charme para mim, Carlos Eduardo? — ele grunhe em desgosto por eu usar seu nome. — Não preciso disso, Stella Dias Macedo. — Uau, nome completo. Qual a bronca? — Que tal aquele elefante branco estacionado entre nós dois? Um que envolve acusações, e tal? — Pensei que estávamos falando sobre um jogo de cordas… Dá para enforcar com elas? — Ah, sim… Como uma boa vadia, você gostou né? — Seu sorriso safado se expande — Qualquer dia desses irei te enforcar com meu estetoscópio, será um tesão de assistir — a imagem dele sem camisa só com o aparato, molha minha boceta traidora. — Perdeu a língua? — Suponho que para isso acontecer, eu precisarei fazer algo… — Só me contar a verdade. — Suspiro, em um grande impasse— e deixar Henrique entrar na equitação. — Só de ouvir isso, meu coração dispara — e se preciso for, você entrará na terapia para isso. — O quê? — Que audácia! — Por favor, Stella, o menino está quase aguando de tanta vontade. Você quem me ensinou a montar, lembra? — ele me empurra com o cotovelo — “Oi, eu sou a Stella, tenho um pônei, blá, blá, blá… Levanta, Carlos Eduardo, só aprende a montar quem cai, Jucelino tem só meio metro de altura”— ele faz uma voz fina, imitando-me quando criança. — Eu não falava assim. — Antes fosse esse o problema. Você me montava, Stella, para aprender equilibrar, quem em sã consciência usa esse método? — Hoje em dia você vive pedindo que eu te monte. — Outros tempos, gatinha. Vai deixar Henrique aprender? — Não. — Eu pago. — O problema não é dinheiro. — O que é então? — Tantas coisas podem acontecer com ele, e… imaginar Henrique fazendo coisas que o coloque em risco, me causa uma ansiedade tremenda. Montado em um cavalo? Penso em quedas que darão um braço ou pernas quebrados, é o mínimo, minha mente é muito fértil para catástrofes. — Stella, acasos acontecem o tempo todo, infelizmente. Entendo que o acontecimento com Leonardo — ele faz uma careta ao dizer o nome — mudou seu ponto de vista em relação a isso. Sua mãe morreu picada por uma cobra, vamos exterminar todas do planeta? Não faz sentido, Stella. E no fundo você sabe que tenho razão. Desculpa, mas não dá para entender. — Há dez anos sinto-me culpada pela morte de Leonardo, imagine se algo acontece com meu filho? Como irei me sentir? Venho transferindo essa culpa de pessoa em pessoa, mas o que nunca admito é que a culpa é única e exclusivamente minha, eu nem mesmo confessei isso para ninguém, até agora. — E você quer falar? — concordo, sentindo minha garganta fechar. — Léo vinha insistindo para que eu ficasse com ele, chegou até mesmo falar sobre casamento — como vou contar essa história? —, ficar com Leonardo nunca esteve nos meus planos. Éramos confidentes, amigos… Não melhores amigos, mas de certa forma existia esse vínculo entre nós. Você sabe que eu sou teimosa… — Só um pouco, mas a culpa é do seu signo. Arianos são complicados. — Ele empurra meu ombro, e sorri. — Verdade, isso com certeza é culpa dos astros — suspiro. — Desde o momento em que descobri minha gravidez, passado o susto, desejei Henrique todos os dias. É estranho falar isso, e não estou romantizando, ser mãe é a coisa mais difícil da minha vida. Nunca sei se estou educando corretamente, se fui maleável ou rígida demais. É uma puta responsabilidade educar um ser humano, tão diferente e tão igual à gente… Certo e errado são coisas tão difíceis de julgar… Mas enfim — meu nariz arde, e sei que estou prestes a chorar —, o ponto não era esse. Leonardo tornou-se um pouco obcecado por mim, e… — Stella, ele sempre foi. Desde a infância, não vamos ser levianos. — Não, sempre fomos amigos — ele bufa e faz cara de bravo, ficando adorável. É a exata expressão que Henrique me faz. — Talvez para você tenha sido uma amizade, para ele? Leonardo tratava você como posse. Sempre deu para ver na cara dele, Stella. — Eu nunca dei qualquer indício disso para ele. — Você transou com ele. — Eu transei com muitas pessoas, Carlos! — uma senhora do bufê passa ao nosso lado, e me olha torto. Cadu segura o riso, e abaixa a cabeça. — O ponto não é esse. — Não, estamos discutindo suas decisões idiotas, e o motivo mais idiota ainda de você se culpar por algo que não podemos controlar. Todo mundo um dia morre, Stella, é o ciclo da vida, começo, meio e fim. Nascer, crescer e morrer. — Se está julgando minhas atitudes como idiotice, você sabe que se encaixa nelas, certo? — Nunca te achei muito inteligente. — Ele dá de ombros. — Foda-se, não dá para falar sério com você! — A senhorinha me olha de novo. — Vai ouvir ou não? — Prossiga com sua teoria idiota. — Suspiro, e fico dividida entre socá-lo ou matá-lo. — Estava no útlimo trimestre de gestação, quando ele — engulo — queria mesmo transar, só estar comigo não bastava. Veja bem, minha vida estava uma bagunça, tudo desandado, a faculdade complicando minha licença-maternidade, e não é porque meu pai tem dinheiro que sentia-me confortável em gastá-lo comprando as coisas de Henrique, sempre ficou claro para mim que meus pais são ricos, e eu teria tudo do melhor, mas isso não incluia viver às custas deles e ainda fazê-los criarem o neto. “Acho que fui e sou um pouco egoísta com Henrique. — O que não é uma mentira — sempre achei que se financeiramente eu fizesse tudo sozinha, ninguém poderia interferir ou opinar na criação dele. Enfim, eu tentei dar uma chance ao Léo, afinal, seria mãe em poucas semanas, logo viria o resguardo e ele dizia-se muito apaixonado. Não sei como, mas durante uma distração entre beijos, chamei-o por outro nome. — Que nome? — O seu. — O silêncio torna-se sepulcral, e olho para frente, sem coragem de olhar em seu rosto. Stella Macedo — Isso é… uau, eu acho — Cadu me olha estarrecido, e acho que naquela noite tive a mesma expressão em meu rosto. — Imagino que ele não tenha aceitado isso bem. Não sei porque sempre fui o que ele mais detestava na vida, podia ver o ódio nos olhos dele sempre que me olhava. — Ele ficou ensandecido — passo a dizer depois de uns minutos —, não foi bonito de se ver. Começou a chover atipicamente para agosto, falei para que ele ficasse, que iríamos conversar, mas Léo me ignorou, subiu no meu cavalo, o mesmo que eu competia, e você sabe que só obedecia a mim. Então aconteceu o acidente, levando-o a óbito. — E se sente culpada por isso? — Você não se sentiria? — Não. Se eu atropelar uma pessoa, bater o carro ou algo assim, talvez sentiria isso, mas se soubesse que a culpa era única e exclusivamente minha, no mais, foi uma fatalidade, e sinto muito por isso. O ideal da vida não é morrer cedo, mas pode acontecer, é uma incógnita que jamais será desvendada. Por isso Henrique não pode fazer aulas de equitação? — suspiro, e olho-o. — Também. — Tem mais coisas? — Bom, o parto do Henrique foi complicado. — Complicado quanto? — Bastante, complicado. Depois do acidente, fiquei muito agitada, e a médica me colocou de repouso absoluto. Sabíamos que eu não chegaria a trinta e sete semanas, mas ainda estava cedo. Mesmo seguindo à risca todas as recomendações médicas, comecei o trabalho de parto antes do esperado. Meu pai me levou até a maternidade de Divinópolis, eu achava que teria Henrique a caminho do hospital. Quando cheguei lá, não era plantão da minha médica, nem na cidade ela estava, na verdade, tinha ido atender em Belo Horizonte. Só me restou os plantonistas. “Nunca imaginei que viveria um pesadelo como aquele. Um dos momentos que deveria ser o mais marcante da minha vida, tornou-se um show de horror. Eles não permitiram que meu pai me acompanhasse, pois não era o pai do bebê, o que era ridículo pois a lei diz que eu tenho direito a um acompanhante, não determina qual. “Essa já foi uma coisa que me agitou mais. Só queria minha mãe comigo, só isso. Passado o stress de que eu estaria sozinha, tentei me acalmar, o que eu não precisava era de uma pressão alta para a anestesia. Já havia chegado há um tempo, e não vinha ninguém me preparar para o parto, achei estranho e fui até o posto de enfermagem me rastejando, e com dores. Quando questionei a enfermeira, ela disse-me que andasse pelo corredor para dilatar, e eu disse que não faria isso, pois optei por ter um parto por cesariana. “E aí o pesadelo foi só aumentando. Ela disse que meu médico optou por um parto normal, por ser melhor. Mas a questão é que o parto era meu, e eu não optei por isso. A decisão é da mãe. Minha médica já tinha concordado, estávamos acertadas com isso, me sentia mais segura assim. “Eu fiz um planejamento de parto. Era meu filho ali. Por mais de uma hora eu discuti com a enfermeira e depois com o médico, cheguei ao ponto de gritar tanto que a gestora do hospital desceu, tamanho meu escarcéu. “Porém isso só piorou a situação, minha pressão alterou, precisei me acalmar,mas não conseguia. Achei que Henrique e eu sairíamos dali mortos. A gestora perguntou sobre meu acompanhante, e quando disse que eles não deixaram meu pai entrar, percebi em seu rosto que ela não gostou. Porém me dar razão não seria bom para eles. Eu tinha vinte e um anos, eles pensavam que eu era desinformada, mas se enganaram. “De todo caso, estava disposta a me aquietar, ter meu filho e ir embora. A gestora chamou um outro médico do plantão, e solicitou uma cesárea. As coisas foram melhores com ele. Dr. Pedro se aproximou, se apresentou, perguntou sobre a gestação, até mesmo o sexo do bebê e o nome. Conduziu-me para o bloco, me ajudou a subir na maca, e disse que uma equipe faria os procedimentos iniciais para a cirurgia. “Ali, eu agradeci muito a Deus, pois o médico era um anjo. Porém a enfermeira que veio fazer o acesso, não pareceu satisfeita por me atender. Lembro-me como se fosse ontem os dizeres sarcásticos se quando fiz o bebê eu também havia feito um show de gritos. Respondi-lhe a altura, disse que era para perguntar para o seu marido — sorrio sem humor. “Ela me furou três vezes, desnecessariamente, pois foi o médico despontar, ela conseguiu acesso a veia. Já estava bastante cansada, de tudo, meu emocional e meu psicológico estavam pedindo arrego, optei por ficar quieta, com eles eu lidaria depois. “A cesariana foi rápida e sem complicações, mas até ela, foi literalmente um parto. Depois disso, de segurar meu filho no colo, tive uma quase certeza que não teria outro filho, então canalizei todo meu cuidado e energia nele. Sua mãe ficava louca comigo, ela deve ter te contado.” — Não, passei uma década sem ter notícias suas. — Por quê? — Todas as vezes que me lembrava de você, eu sofria. Então afastei-me e proibi minha mãe de comentar sobre. Nem mesmo sabia da morte de Leonardo, até você falar. — E o que isso diz sobre termos um filho juntos? — Eu sinto muitíssimo que tenha precisado passar por isso. — Processei o hospital, a enfermeira e o primeiro médico — dou de ombros — e ganhei. Fiz uma doação para uma casa de doulas comunitárias. — Por que isso não me surpreende? — Porque sou eu, nada que faço deve te surpreender. — Eu entendo o que você passou, e jamais conseguirei, nem em uma vida inteira, imaginar como é isso, e como se sentiu. Mas se passaram dez anos, Stella, não estou pedindo que você coloque seu filho no lombo de um cavalo arisco, sem supervisão para praticar um esporte violento. Você ama montar a cavalo, eu nem tanto, mas não sou referência, e o menino quer muito isso. Se sentir mais segura, pode você mesma ensiná-lo, ele não quer competir, quer montar, só isso. Por que você monta? — Porque gosto da sensação de liberdade, do vento na cara, da conexão com o animal. — Viu? Você nem mesmo precisou pensar em uma resposta. É algo que ama, e talvez seu filho queira compartilhar esse hobby com você. Entendo que tenha que zelar pelo Henrique, que ele é a coisa mais importante que você tem, mas ele precisa saber que é importante, que suas vontades têm valor, e que é respeitado como ser humano, Stella. Hoje ele tem nove anos, precisa de ter uma certa autonomia, entende? — suspiro indignada por estar recebendo conselhos dele. — Se eu falar que vou pensar, você vai me dar sossego? — Talvez, se falar que vai pensar, me contar do que estava falando, dançar comigo e me der um beijo. — Olho-o, desacreditada — Tá bom, sem beijo em público. — Vamos conversar, depois das festividades, e não vou dançar com você. — Por quê? — Porque nos odiamos, seria no mínimo suspeito. Brigamos o tempo todo. Não quero falação sobre minha vida pessoal pelos pastos a fora. — Você é impossível! — Ele passa seu braço, atrás de mim, e toca minha bunda. — Mas sou paciente, e… — Licença, Dona Stella, mas é a música que cê gosta, vão dançá? — Valentino surge do nada em nossa frente, nos surpreendendo, fazendo com que nos afastemos abruptamente. — Que susto, Valentino! Vamos sim. Dá licença, Carlos. — Deixo-o plantado ali, e vou até a pista com o capataz, quando olho para Cadu, sinto até meus ossos queimar, tamanha fúria. Danço com Valentino, e logo saio de seu abraço, passando a dançar com meu pai, depois com Bruno. Como um pouco, converso com algumas pessoas, em algum momento volto para a pista, e danço com Luana, e depois Henrique, que vem sobre protestos, mas ama fazer isso comigo. Vejo Cadu sentando na mesa com Joca, Luana, Matheus e a noiva. Ora ou outra, vejo-o dançar com elas, e uma vez com Cida, que ri e se diverte nos braços do filho. Quase uma da manhã estou exausta sentada próxima às últimas chamas da fogueira, e me despedindo de Tião e a filha, que agradecem pela festa, e friso que os aguardo para o almoço. Com o som mais baixo, as risadas animadas dos dois casais jovens se sobressaem. Olho-os e não vejo Cadu. — Oi, gente — aproximo-me —, estão gostando da festa? — Noooooó, demais da conta! — Joaquim responde, um pouco alto, espero que o outro veterinário esteja sóbrio. — Vocês viram o Cadu? — pergunto como quem não quer nada. — Uai, ele saiu tem um tempo, disse que ia no banheiro do estábulo — Luana observa —, devia ir atrás dele, Joaquim. — Eu vou, não se preocupem. Curtam a festa. O que diabos, ele foi fazer lá? A porta do estábulo está entreaberta, com um clarão que denuncia a luz ligada. Pé por pé, sigo até ele, fechando a porta atrás de mim. Ouço um soluço bêbado dele, falando… sozinho? Que ótimo! ambos veterinários estão bêbados. — Ai, Lua — não, com a minha égua. Outro soluço — eita, tô mal… — olho da esquina das baias, e vejo-o parcialmente encostado em Lua, que está deitada, alisando sua crina. — eu amo ela — meu coração dispara, e fico aguardando que ele complete seu monólogo —, e isso é idiotice, não me julga. Minha situação é tão feia, Luinha, que nem ligo do Rique ser filho do cuzão do Leonardo, crio o menino… “Quer dizer, ajudo a crescer né? O menino já tá grande — outro soluço. Quanto ele bebeu? — Posso esquecer tudo, que meses depois de eu ter perdido a virgindade, ela tenha transado e gemido o nome daquele filho da puta, e que ele tenha engravidado minha mulher — o quê? —, foda-se, passo pano pra ela, Lua, e o Rique é metade dela, se eu tiver só isso dela, fico feliz já. “Eu era um nada mesmo, se fosse pai do Henrique, como que ia criar o menino? Não tinha um tostão furado — ouço-o suspirar — que porra, só tinha dezoito anos na época. Mas queria ser pai dele. — Vejo-o levantar a cabeça e sorrir para égua — Henrique é um menino bom, carinhoso demais, não puxou a mãe, nem o pai babaca, de onde vem a doçura do menino? — De você, Cadu, de você! “É triste demais, Lua, amar alguém e não poder ter. É ridículo, porque só amei Stella, a vida toda, e agora? Me fodi. “Sua vida é boa, Lua, não sei se você fica triste por não ser racional, mas queria estar em seu lugar agora — ele suspira tristemente —, será que um dia, vou tê-la para mim, ou viverei sempre nesse limbo, buscando migalhas dela? “Eu, EUUU, eu, chamei ela pra dançar. Sabe o que ela fez, Lua? Me ignorou. Fingiu de égua. Cagou e andou pro meu pedido. Sem ofensas. Mas foi só aquele carrapato chegar que Stella foi, dançou com ele na minha frente, DEPOIS DE TER CONFESSADO QUE JÁ SENTIU ALGUMA COISA POR MIM. Foi isso que eu entendi, porque ela me chamaria estando com aquele merda? Parece até obra do desgraçado do destino. Perdi a menina uma vez, bem debaixo do meu nariz, e agora, veja, só. De novo esse caralho. “Até quando isso?” — ele se cala por completo, adentro o recinto, para saber se ele não dormiu, mas vejo-o que só se calou mesmo, continua alisando a crina trançada da égua. — Cadu, sobre o que você está falando? — Ele se assusta, e me olha. — Tô contando como minha vida é uma piada, e estou fazendo isso para uma égua, sou patético. Stella Macedo Sento-me em sua frente, encostada na divisória da baia, e espero que ele continue, mas só ouço os grilos, os remelexos dos cavalos, a música abafada e baixa. — Do que você estava falando, Cadu? — Já expliquei, de como sou patético. Masvocê já conhece essa história. Alías, você a protagonizou. — Ele dá de ombros — Sabemos como termina, eu não fico com a garota. Hoje só me lembrou disso, mas no passado perdi para um cara que tinha dinheiro, agora? Ser trocado pelo capataz derruba minha moral — Cadu soluça de novo. — Não que isso tenha a ver, salários, funções, graus de escolaridade… é só que vocês nem combinam… Não tem nada em comum. Bom, talvez seja o desempenho sexual dele, e… — Carlos, eu não sou sua para você me perder, e… — Sei disso. Não precisa me lembrar. Posso ficar em paz com meus devaneios bêbados? Só isso que estou pedindo, sei que aparentemente me atentar é sua atividade preferida, Diaba, mas só tenha piedade de um bêbado. Não é pedir muito, é? Cheguei aqui primeiro. — Não sou sua e de mais ninguém, além de mim mesma. — Ele suspira, e concorda. — Claro, você pode comprar suas botas sozinha. OUVIU ISSO, IDIOTA? ESCUTE BEM, LEONARDO CUZÃO XAVIER — Carlos grita olhando para cima. — ELA NUNCA FOI SUA, E AGORA VOCÊ TÁ MORTO. Depois de ter dado um filho para ela… MAS VOCÊ NEM ESTÁ AQUI! DESGRAÇADO. — Por que parece que não estou entendendo essa história? Minha mente anuviada de 21 anos não consegue se recordar dos detalhes daquela noite estranha. Que porra. Vamos lá, eu estava dormindo, acordei com ele socando Leonardo, que estava de cueca. Por que ele estava de cueca? — Cadu, do que você se lembra daquela noite? — De tudo. — Ele se apruma, ajeitando-se para ficar mais confortável na égua, que bufa por estarmos interrompendo seu sono. — Nunca esqueci nenhum momento ao seu lado, Cruella, por mais que tenha tentado. Passou-se anos e, em todos os lugares, meus olhos sempre buscaram por você… Porra, uma vez eu vi você. No mesmo dia que descobri a The Jungle. Não estava tão bêbado para transar mostrando meu pau para geral, sabe? Mas te vi, naquele hotel, linda como sempre. — Essa é a parte que conto que não era uma ilusão? — Então me conta o que você lembra daquela noite… — Cruella, tenha compaixão de mim. Não basta você esfregar macho na minha cara? — Não esfreguei ninguém! — Quero desatar a falar, mas me contenho. — Por favor, Cadu, me conta — peço, e dou um chutinho no pé dele. — Tá bem, o que é um peido para quem já está cagado? Eu lembro que não tinha dinheiro na época para ficar indo e voltando de Viçosa, mas era seu aniversário, então troquei uns turnos para ganhar mais gorjetas, e vim. Sabia que não poderíamos comemorar no dia, sabe como nossos pais são religiosos e estávamos na quaresma, então queria te dar o presente antes. Na verdade, o presente era um pretexto, estava doido de saudades de você. Cogitei até mesmo dizer para seu pai que queria voltar pra cá, só para ficar perto de você. Sei que ele não me negaria isso… “Mas uma coisa era ele me auxiliar quando eu era um moleque. Nessa época já ia fazer dezenove anos. Enfim, aproveitei que não vi os carros nas garagens, peguei o pretexto, e estava decidido a chegar, te tomar em meus braços, beijar sua boca, e dizer que te amava, pediria também que você me esperasse, que a faculdade passaria rápido — ele sorri, aquele sorriso que eu amo, e me olha, balançando a cabeça como quem dissipa um pensamento — mas aí tudo deu errado.” — meu coração dispara, sinto minha boca secar de pura adrenalina. — O que deu errado, Cadu? — Eu cheguei, te chamei, e quem abriu a porta foi Leonardo de cueca. — Que porta? — ele revira os olhos e me olha. — Do seu quarto. Quando perguntei de você, ele disse que estava dormido, pois estavam aproveitando que estavam sozinhos… — sua voz sai embargada, e vejo os olhos lacrimejarem — que estavam juntos, ainda perguntou se você não tinha me contado… Começamos uma discussão idiota sobre sermos amigos que compartilhavam tudo, e não me lembro dessa parte em detalhes, Stella, e acho que tentei tanto esquecer esse dia, que com passar dos anos as lembranças tornam-se embaçadas… só me lembro da porra do Leonardo falando, meu sangue fervendo, até que ele me disse que você estava grávida dele. — Dele? — Meu coração bate tão rápido que consigo ouvir cada pulsar em meus ouvidos. — Lógico, vocês estavam namorando, já contei essa parte. Não acreditei em nenhuma palavra que ele disse, pois eu amava você e minha Stella não faria isso. Sei que não fui o melhor dos amantes nas primeiras vezes, mas sei que curtiu tanto quanto eu. Insisti em conversar com você… — ele suspira — Aí ele jogou um monte de coisas na minha cara, sobre eu ser filho da empregada, preto, pobre… “Coisas que eu já sabia, tinha espelho em casa, não tenho problemas com a minha cor, pelo contrário a amo, e muito menos ligava ou liguei para a profissão da minha mãe, sempre disse às pessoas qual era, toda a vida foi um orgulho para nós dois que tenhamos conseguido tantas coisas, e na minha cabeça a situação financeira seria passageira, e foi. Sabe muito bem quanto ganho hoje em dia, e é um bom dinheiro. Sei que nunca teria, nem terei na verdade, o tanto de dinheiro que você tem em conta, mas a faculdade me dava uma perspectiva de uma vida confortável, pelo menos para comprar uma bota cara, vez ou outra… Enfim, fiquei furioso, parti para cima dele, e aí caímos no seu quarto. O resto você já sabe.” Não, não faz sentido nenhum essa porra, Leonardo me disse que Cadu deixou bem claro não querer o bebê. E o dinheiro que ele deixou para trás? Cadu está mesmo bêbado! — Mas e o dinheiro? — Que dinheiro? — Você deixou trezentos reais para o aborto. — Que aborto, Stella? Eu que bebo você quem fica tonta? — Cadu, Leonardo me entregou trezentos reais, que você deixou para que eu fizesse um aborto… — Stella, larga de ser teimosa! — Ele se irrita — eu ganhava isso por mês, como que deixaria todo meu salário para trás? Voltei para casa porque consegui trocar a passagem, e mesmo assim foi pelo atraso do ônibus que voltaria a Belo Horizonte — seu soluço alto me assusta, pois mesmo que eu esteja escutando-o, minha cabeça está girando, deixando-me tonta. — Mesmo que tivesse esse dinheiro, o que não era minha realidade, acha mesmo que eu, logo eu, pediria para que você fizesse isso? Nem se o filho fosse meu, aliás, preferia mil vezes que Henrique fosse meu, pelo menos teria certeza de que as coisas vividas por nós foram reais. Puta. Que. Pariu. Estou dormindo e esse momento é um sonho, algo entre isso e um pesadelo, pois todas as coisas que ele acabou de falar não são uma realidade, não a minha. Será que essas coisas que ele está falando são verdade? Não deve ser, ele está bêbado, tudo isso que ele está falando são delírios alcoólicos. Mas não dizem que os bêbados são sinceros? É dor de cotovelo pela rejeição da dança? Não, Stella, você conhece o Cadu, ele nunca brincaria ou distorceria algo tão sério assim. Mas e o Leonardo? Lembro-me que Luiza desconfiou imediatamente sobre tudo, isso… Ela tem memória de elefante. Preciso que ela refresque minha memória. Eu preciso pensar. Porque se isso que ele está falando for verdade… Porra, as coisas mudam completamente de sentido. Qual a motivação de Leonardo para mentir para mim? Nós éramos amigos, porra! A gente cresceu juntos, nós… Ele sabia! Leo sabia que eu estava apaixonada por Cadu, sabia que iria conversar com Carlos, falaria do bebê e dos meus sentimentos. Porra, Cadu sofreu racismo dentro da minha própria casa e eu permiti que isso acontecesse? — Então é isso, eu não fico com a garota no final. Pelo jeito independente de quantos finais a gente chegue… — Cadu começa a se movimentar, ficando de quatro — eita — ele diz quando sua perna escorrega e o desequilibra —, quase cai. Essa posição… — Cadu olha suas mãos e ri — tenho um amigo, Nicolas, prática pegging, falou que é bom. Nunca fiz isso, não tive vontade. Mas sou tão rendido por você, Diaba, que até meu cu eu te daria se pedisse. — Ele começa a gargalhar da própria piada, apoiando-se nos joelhos, usando Lua de apoio, e acaba escorregando no pelo liso. Ponho-me de pé, e passo a ajudá-lo. — Venha, vou te colocar na cama — e fazer essa história se encaixar em meu cérebro, nem quepara isso ele fique liquefeito. — Queria que você fosse pra cama comigo… Podemos pegar meu esteto, sei que ficou interessada. — Quem sabe quando você estiver em condições de comandar seu pau? — Ah, é só você me mostrar os piercings, eles fazem milagres… Quando você os colocou, hein? — Venha, Cadu, talvez você nem se lembre dessa resposta amanhã, ou hoje, não sei. — Verdade, sei que perguntarei outra hora. Pareço estar dentro de um déjà-vu, mas ao invés de noite, agora é dia. Estou no mesmo canto que o Cadu me abordou ontem, ainda sóbrio, porém, agora vejo-o sentado na grande mesa que fiz para todos almoçarmos juntos. Programei uma tenda grande, mesmo que seja inverno, para cobrir toda a extensão da mesa. Olho para meu celular, esperando que Luiza me responda. Liguei para ela algumas vezes, e enviei mensagens, mas nada, já estou começando a ficar preocupada. Vejo toda a cena em minha volta, sem realmente enxergá-la. O pessoal do buffet chega com as grandes travessas com comida para pôr a mesa, Henrique levanta do seu lugar, e vai até onde Cadu, de ressaca, está conversando com o mesmo grupo de ontem. Carlos desvia a atenção dos amigos, vira-se para Henrique, interagindo com ele. A cena causa-me uma ambiguidade que nunca senti na vida. Eu sempre fui uma pessoa decidida, então, sentir-me assim, é uma novidade. Rique gargalha de algo, em seguida abraça Cadu, e lhe entrega um embrulho… Um bem parecido com o que meu pai também ganhou, a lembrancinha de dia dos pais que ele produziu na escola. Sinto a lágrima que escorre pela minha bochecha, e a enxugo. Tantas possibilidades rondam minha mente nas últimas horas. Se deixei Henrique crescer sem um pai, como me perdoarei por isso? Quando Cadu abre o presente, sorri para Henrique e o abraça, ouço meu próprio som de choque com a cena. Conversam por uns minutos, até que Carlos aponta para mim, em seguida Rique corre em minha direção, e me abraça, encostando sua cabeça em meu abdômen. — Oi, meu amor, do que se trata isso? — Cadu disse que a senhora estava triste, e que um abraço cura tudo. Ainda tô bravo pelo cavalo, mas não consigo deixar de te amar. — Sorrio e beijo o topo de sua cabeça. — Ainda bem, fico feliz com isso. Você pode desculpar a mamãe por gritar? — Depende, posso ganhar o pônei que o Cadu comprará de presente de aniversário? — Carlos quem pediu para você me perguntar isso? — Henrique ri, e concorda. — Filho da… — Mamãe, não pode falar palavrão! — Cida, filho da Cida. Podemos conversar e estabelecer regras quanto a isso depois da festa? — Mas eu posso? Mãe, é um presente, Cadu disse que não posso recusar um presente, é falta de educação. — Estou perdoada? — Posso ganhar o pônei? — Você sabe que não podemos negociar desculpa com chantagem, certo? — Sim, mas Cadu disse que sempre funciona com você. — É, ele me conhece bem demais. Aparentemente eu que não o conheço. Stella Macedo Como todos os anos, meu pai faz um discurso rápido sobre como é importante esse momento, que minha mãe adoraria estar ali e compartilhar conosco todas as conquistas. A única diferença é que esse ano conseguimos de certa forma, consolidar nossa área médica melhorando a qualidade de vida e tratamento dos nossos animais, por isso agradeceu a Joaquim e Cadu, que recebeu um agradecimento a mais por conseguir a licença esperada há tanto tempo, ele tornou oficial a contratação de Luana, pois ela não só nos ajudou a conter a praga na plantação de milho, como melhorou a safra em treze por cento. A festividade segue até pouco depois da refeição, e logo todos começaram a se recolher, para passar o restinho de domingo em família, ou só fazer o quilo após o almoço[19]. — A senhora precisa de mim? — Valentino se encosta na árvore próxima, e me come de cima a baixo com os olhos. — Não, pode curtir sua folga, vou ficar por aqui mesmo, qualquer coisa eu cuido. — Matheus tá aí de plantão, num é isso que tô perguntando. — A última coisa que eu preciso agora é dele me rodeando. — E eu estou respondendo que não preciso. — Isso tudo é… — Não é nada, que porra, tô cheia de serviço. Não sabe o significado de não? — Mãe, mãaaaaae, mãaaaae, — Henrique surge enérgico, pulando em mim. — Passar bem — ele me diz rudemente, se vira e saí. — Calma filho, o que foi? — Meu vô disse que vai me levar para escolher meu presente de aniversário hoje, vou trocar de roupa, tá bom? VOU NO SHOPPING! — Seu avô é terrível, Henrique. Tome banho. — Mas mãe… — Olho-o com os olhos semiabertos, ele sorri moleque, e corre para se aprontar, abraçando meu pai que o encontra no meio do caminho. — Tella, vou aproveitar que tá cedo e levar o menino pra passear. — E estragá-lo, dando-lhe mais de um presente de aniversário, eu sei. Henrique veio todo serelepe me contar. Já que é assim, vou na gruta. As coisas estão tranquilas por aqui. — Não fica até tarde, sabe que lá é escuro. — Sim, pode deixar Seu Vicente. — Beijo seus cabelos grisalhos, e vou em direção ao meu carro, esperando que Nossa Senhora me dê uma luz diferente na vida. Não sei há quanto tempo estou olhando a imagem em minha frente sem conseguir descrever o que eu quero diante a proclamação da minha fé. O que eu quero, de verdade? Redenção? Solução? Bênção? Milagre? Minha mãe sempre me dizia quando íamos a missa, que deveria sempre chegar diante a igreja, santíssimo ou durante uma oração, prostrar-me e pedir o que eu precisava, pois nem sempre o que queremos será bom para nós. E estou há uma hora aqui, vendo a imaculada imagem de Nossa Senhora de Itaúna, tão serena, calma e benevolente, e não sei como ou o que pedir. Saio da gruta, aproveitando a tardezinha, e sento-me no primeiro banco, colocando meu chapéu ao meu lado, apoio meus cotovelos nos joelhos, e baixo a cabeça, buscando só acalmar meu coração. Passam-se minutos ou horas, até que sinto meu celular vibrar. Minha Nossa Senhora, uma pessoa não pode nem querer acertar as contas com o céu em paz. O nome da última pessoa que quero confrontar agora aparece. Cadu. Recuso a chamada, e volto a minha prece. O celular volta a vibrar. Oh demo… Desculpa! — Oi, Carlos Eduardo? — sussurro — estou na… — Stella, preciso de você aqui agora! — Ouço barulhos de fundo e mal consigo entendê-lo — O quê? Cadu estou na… — Fogo, Stella, corre pra cá! — Ouço algo parecendo sirenes, e meu coração dispara. — Onde está o Henrique? — Fico apática e não o respondo — STELLA! ONDE ESTÁ O HENRIQUE? — Com meu pai, eles estão em Divinópolis. — Tudo bem, agora preciso que você venha para casa, consegue dirigir? Onde você está? — Na gruta. Chego aí em uns minutos. Quando estou na estrada para a minha porteira, já consigo ver a fumaça subindo, mesmo faltando cerca de três quilômetros para chegar. O caminho que é relativamente curto, se prolonga pois a todo momento tenho que encostar para que os caminhões de bombeiros passem. Quando paro Tereza Cristina sem estacionar, vejo o caos diante dos meus olhos. Os bombeiros estão começando a tentar conter o fogo do milharal, que já chega na plantação de sojas, que é bem próximo de onde Cadu e Joaquim montaram o que eles nomearam de “Maternidade”, pois estão tratando e cuidando dos recém-nascidos lá. Vejo alguns colaboradores puxando baldes das cisternas, Cadu, Joaquim, Luana e Matheus, estão nas pontas jogando baldes de água para cima das chamas imensas, e parece ser um trabalho de formiguinha. Quando vou passar, o Tenente do corpo de bombeiros me para, e vejo bombeiros se aproximando de onde termina a corrente humana, e começam afastando todos. — A senhora é a proprietária daqui? — O Tenente que não conheço pergunta. — Sim… quer dizer o meu pai é, ele está fora, deve chegar a qualquer momento. — Tudo bem, preciso que a senhora e seus colaboradores se afastem das chamas e deixem minha equipe trabalhar. OK? — eu assinto. Da mesma forma que quero me movimentar e tirar Cadu de perto das chamas, pois ele é o primeiro, e um medo colossal me toma. Nunca desejei mal a ele, e agora, com que sei, jamais me perdoaria se algo de grave acontecessea vida dele, ainda mais comigo estando estagnada só vendo a desgraça diante dos meus olhos. — Stella? — Dante, o Sargento da Polícia Militar me chama. Morar em cidade pequena é todo mundo conhecer todo mundo — Como aconteceu isso? Preciso abrir um boletim de ocorrência. — Eu não sei, acabei de chegar, vim porque me ligaram. — Quem te ligou? — Cadu, o veterinário. — Preciso do relato dele. Quem é ele? — Aponto Cadu, que está sendo atendido pelo resgate do corpo de bombeiros, que coloca uma máscara de oxigênio nele. Apresso-me até lá, deixando Dante para trás. — Está tudo bem? — pergunto me aproximando. — Atendimento padrão, moça, ele estava frente a frente com a fumaça e alta temperatura — a bombeira passa uma manta térmica em volta dos ombros dele, e vejo o mesmo sendo repetido com todos que estavam presentes ali. — O que aconteceu? — pergunto assim que a bombeira termina, e passa ao próximo atendimento. Cadu está suado, tem fuligem no cabelo, e tosse antes de responder. — Eu estava na minha sala fazendo o planejamento para o pasto de búfalos. Foi tudo muito rápido… — ele sente falta de ar, tiro a máscara da mão dele, e coloco-a de volta na boca e nariz. — Respira, se acalma. — Tiro o que consigo de fuligem dele, mas não tenho muito sucesso, irá precisar de um banho. Cadu, pega a minha mão e afasta dele. — Stella, escuta o que eu vou falar — ele me puxa para baixo — Eu senti um cheiro muito forte de álcool, levantei da minha mesa, e quando cheguei na porta do celeiro, houve uma explosão. Isso não é fogo de cerrado[20] comum para agosto, alguém fez isso. — Cadu, isso é muito sério. Por que alguém faria isso? Movido a quê? — Você não consegue ver uma conexão com tudo isso? Você é inteligente. Outro dia Joaquim falou que iria trazer uma benzedeira pra cá. A gente riu, e passou… Mas se a gente for analisar, é estranho, Stella. Pensa. Praga nos milhos, as mastites por contaminação de pasto, ainda teve aquela desgraça da água envenenada, Stella, que quase matou os Angus, e alguns frangos vieram a óbito. — Cadu… — começo a pensar sobre, e relembro de cada vez que as coisas deram errado, porra… Ele pode estar muito certo. Há anos papai tenta comprar esses búfalos. E sempre algo dá errado. Meu Deus, se isso for verdade, caralho… Tem muito tempo isso. Não, não faz nenhum pouco de sentido, mas ao mesmo tempo faz todo sentido. Carlos tosse, e eu volto com a máscara para seu rosto. — Presta atenção, se isso é verdade, não é algo novo. Já era para estarmos reproduzindo e comercializando os búfalos, antes mesmo de termos ido para a faculdade. — Cadu tenta tirar minha mão, mas eu bato na dele — e se isso for verdade, alguém da fazenda está por trás disso. — Vejo seus olhos se arregalaram, e conhecendo-o, posso ver as engrenagens girando em sua cabeça. — Precisamos agir com inteligência, e calma. Talvez, aqui não seja o lugar apropriado para fazermos esse boletim. — Ele assente, e afasta a minha mão. — Mas Dante logo perguntará. O que vamos fazer? — Para Dante, falaremos que você irá amanhã prestar depoimento, e… — O Joaquim e a Luana também viram, eles estavam se ajeitando para irem para casa. Possivelmente Matheus também, ele saiu na porta do estábulo pouca coisa depois de mim. — Cadu demonstra cansaço. — Para de tirar a porra da máscara. Só escuta. Faremos então diferente, sentaremos nós cinco, meu pai não precisa saber, iremos entender o que aconteceu, no meu escritório a portas fechadas. Amanhã cedo, prestaremos o depoimento na polícia. Luana deve conhecer algum perito ambiental, e vou contratá-lo de forma particular para ser mais rápido que o laudo dos bombeiros, e saberemos se foi e qual foi o inflamável. Para todo o restante, diremos que é um fogo comum de cerrado que se descontrolou, entendeu? — ele concorda. Passo os meus olhos ao redor, vendo que os bombeiros trabalham ferreamente, mas o fogo se alastra com a ventania de agosto. Meu pessoal já está sendo atendido, vejo o carro do meu pai despontando na estrada, ao mesmo tempo que ouço os miados agudos. Cadu parece ouvir o mesmo que eu, pois levanta-se, e passa a procurar o barulho. Olho para a porta da maternidade, e vejo os filhotes de Abelhinha correndo. Porra, o que eles estão fazendo lá? A Mangueira que tem na porta está em chamas, ouço a voz de Henrique chamando-me, fazendo com que eu me lembre o quanto ele faz pelos filhotes. Sem pestanejar corro para a porta do lugar para pegá-los. — STELLA. PORRA STELLA, PARA. — Ouço os gritos de Cadu entre tosse. Tudo acontece muito rápido, adentro o cômodo, verificando quantos estão por ali, e vejo só três filhotinhos. Como eles vieram parar aqui? Cadê a mãe, e o restante? Coloco-os na minha blusa com o máximo de agilidade que consigo, quando estou saindo, sinto um calor muito próximo, e quando olho para cima, um galho grosso da Mangueira pegando fogo ameaça cair sobre mim. A cena, em câmera lenta, se desenrola em minha frente e ao invés de salvar os gatos, irei morrer com eles, é então que sinto um empurrão, lançando-me alguns passos a frente, fazendo-me cair. Tento proteger os filhotes, evitando cair por cima deles, torço o corpo e vejo uma sombra lá dentro, ao mesmo tempo que o galho que cairia em minha cabeça, atinge minhas coxas e abdômen expostos, e arde como o inferno. — Puta que pariu! — Cadu chega ao meu lado, puxando-me para trás pelas axilas — você está querendo morrer porra? Na frente do seu filho ainda? — Mãe? Eu quero minha mãe! — escuto longe a voz de Henrique. — Os gatinhos… — tento falar, e absorvendo o que aconteceu. Não estou doida, vi um vulto, senti o empurrão. — Eles estão aqui, mas é melhor não olhar sua barriga. Está sentindo dor? — Tá ardendo para um caralho! — quando termino de falar, a bombeira com uma cara nada feliz se aproxima, e me preparo para o esporro. Cadu Vieira — Posso entrar? — pergunto na porta de seu quarto. — Já tá com o corpo todo aqui dentro, Carlos Eduardo — ela resmunga. Conviver com Stella já não é fácil em dias normais, lidar com ela acamada é sinônimo de desgraça. — Tomou banho, trem? — Hurrum — grunhe — Fico só com a parte chata de cuidar de você então? Nada de banhar a paciente? — Tá fazendo isso porque quer, posso muito bem fazer sozinha. — Tem três dias que passo em seu quarto de manhã e de noite para fazer assepsia correta, aplicar a pomada antibiótica e acompanhar a evolução da queimadura que ela tem no abdômen e no início da coxa onde o galho a atingiu. — Se você fosse prudente, não estaria nessa cama. Larga de ser ignorante. Apruma o corpo, quanto antes eu acabar, mais rápido vou embora. — Revirando os olhos, se ajeita meio inclinada nos cinco travesseiros que minha mãe trouxe para ela, enquanto lavo as mãos e pego as coisas para começar meu trabalho. — Como está minha fazenda? — Tudo fluindo do jeito que dá. Hoje as coisas começaram a andar mais, as plantações já eram, mas, a produção de leite e bovinos está a todo vapor, o espaço dos búfalos está com a cerca completa, amanhã começam as instalações de cobertura, bebedouros e comedouros. — Calço as luvas e começo a fazer a limpeza do lugar, abaixando o elástico do short que está usando. — Eu devia estar acompanhando isso de perto. — E pegar uma infecção? Acho que você não quer uma. Quanto mais rápido sua cicatrização acontecer, mais rápido pode voltar ao trabalho. Precisamos começar a investigação sobre o incêndio. — Eu sei! Por isso essa queimadura idiota só atrapalha. — Stella, são só sete dias — digo analisando a ferida limpa, acompanhando a descamação completa da pele — e a cicatrização está ótima. Esses primeiros dias são essenciais para que se recupere. É incomodo ficar completamente vestida, o tecido em atrito com aqui iria te incomodar, atrapalhar a cicatrização e como já falei tem as infecções. — Achei que você era veterinário… — Uai, estou cuidando de uma vaca, não vejo diferença — sinto o vento do travesseiro passar por cima da minha cabeça quando abaixo para não ser atingido. Rindo começo a espalhar o antibiótico na ferida.— Não posso exercer medicina humana, mas sei como os mamíferos funcionam, então é só aplicar ciência. E qualquer um poderia cuidar disso, mas seu pai está surtado com burocracia, e minha mãe desmaia só de ver a pele rosada exposta. — Como eu mesma já disse, poderia cuidar disso. — Claro, com toda delicadeza que você tem. — Stella grunhe, e desiste. Na verdade tem três dias que desistiu de discutir comigo, seu pai e minha mãe. — Não era assim que me imaginei te passando pomada. — Você já pensou sobre isso? — Claro. Mas na ocasião era uma pomada para assaduras íntimas — pisco para ela. — CAR… — Oi, mamãe, cheguei com a comida! — Sou salvo por Henrique que entra com uma bandeja na mão. Com cuidado, ele a coloca sobre a cama de Stella, e se aproxima de mim — Oi, Dudu, como está nossa paciente hoje? — Mal-humorada. — Ôh mãezinha, não pode brigar com o médico, se não cê não sara — ele se aproxima e beija a bochecha dela, e é possível ver quando ela derrete nas mãos infantis dele —, como vou ter festa de aniversário assim? — É com isso que está preocupado? — ela pergunta beijando seu cabelo. — Não, né? — revira os olhos como ela faz — Quero minha mãe de volta, só isso. Hoje vou te contar uma história para dormir, vou lá no meu quarto pegar o tablet. Já posso trazer os filhotes, Dudu? — Henrique vem dormindo com a mãe todos os dias, porém é um sacrifício para ele dormir sem seus gatinhos e cachorros, mas a lesão ainda está aberta demais para ter contato com pelos. — Ainda não, quando puder te aviso. — Cê fica com ela, até eu tomar banho? — Claro, sua mãe vai adorar! — brinco com ele, ainda de cabeça abaixada terminando de cuidar da queimadura, até que sinto seus braços me rodearem, e um beijo na minha bochecha. — Obrigado por cuidar da minha rainha, Dudu, amo você! — Tão rápido quanto o toque chega, ele se vai, com um Henrique saltitante indo para o banho. Olho para Stella, e ela está tão estática que mal sei se ela respira. — O que foi? — Nada. — Stella… — Cadu, acho que estou com dor, pode me passar o medicamento e apagar a luz? — Claro — descarto as luvas, e lhe entrego o comprimido. — Amanhã de manhã quando passar não esquece seu passaporte, estou finalizando o planejamento da viagem para o Texas. — Sim, senhora. — Bom dia! — Joaquim me entrega uma caneca esmaltada e empurra a garrafa de café em minha direção. — Dia. — Que cara é essa de cachorro que peidou no velório do padre? — Torço a cara para ele. — Isso que você disse não é um ditado popular. — Mas esse contexto parece pior do que só soltar flatulências na igreja. Que desrespeito existe nisso? Enfim, abra seu coração menino, Carlos Eduardo. — Stella está estranha. — Meu amigo, a patroa é estranha. Seja específico. — Ela anda retraída, não está me atacando, estava doida para voltar a trabalhar, e agora que pode está enclausurada dentro daquela casa, não sai do escritório nem por reza braba, está realizando um sonho, que é produzir os búfalos e está extremamente quieta com isso, e não quer fazer a festa do Henrique. — Enumero nos dedos todas as formas que ela está esquisita. — E você está falando isso baseado em seu conhecimento específico em Stella Dias Macedo, que eu não sei exatamente de onde vem… — suspiro com a curiosidade dele velada de indiferença. — Você é um fofoqueiro. — Ah, sim… Eu. Você me atormentou até te contar sobre a Luana. — aponta o dedo para mim. Sorrio para ele, balanço a cabeça e ligo o computador em nossa mesa. Estou cansado, exausto na verdade. Sinto-me entalado, guardando dez anos de coisas que sinto por ela. Nem mesmo Nicolas, quem confio minha vida sabe dessa história. Tenho vontade de falar sobre isso com alguém. — Talvez Joaquim sirva. Tudo isso. O passado, o presente e até mesmo as projeções futuras. De uns tempos para cá vem sendo insuportável fingir que não tivemos e nem temos nada. Até porque nem mesmo sei se existe algo. Stella e eu somos resultado de uma constante explosão, e como bem sabemos, explosões não são seguras e duram segundos. Aqui não seria diferente. Somos raiva, tesão, depois mais raiva, sexo brutal, molhado, de gemidos altos demais, orgasmos sensacionais e aí mais raiva. Pois toda combustão é assim, rápida. Mas a queima é lenta. E é isso que sinto nesses últimos meses. Estou queimando a cada dia em sua presença constante. Nós — e essa palavra não deveria ser aplicada — parecemos ser atraídos um para o outro, nos orbitamos o tempo inteiro, mesmo quando não precisamos, parece que o universo anda conspirando para que nos encontremos. Seja para coisas importantes, como o incêndio na fazenda, ou coisas cotidianas, como nos entrever várias vezes ao dia por simplesmente passarmos um pelo outro. Mas o fato é que sinto-a distante, como se tivesse medo de mim. E isso anda me matando! O único risco que ofereço a ela, é de beijá-la longamente ou dá-la orgasmos maravilhosos. Será que ela está desconfiada de mim? Não, não faz sentido, as coisas estranhas nessa fazenda começaram a acontecer, aparentemente, quando éramos adolescentes ainda. — Não precisa falar, se não quer. Só quero que saiba que sou seu amigo e se precisar de conversar estarei aqui. — É complicado demais, Joaquim, é só isso. Stella foi meu primeiro tudo — começo a narrar — Foi a primeira mulher que fez meu coração acelerar, a primeira que beijei, foi a primeira mulher que transei, mas também foi a primeira que partiu meu coração. Pensei que dez anos seriam o suficiente para relevar tudo que passamos juntos. Afinal éramos jovens movidos pelos hormônios, afoitos pelas descobertas dos corpos que estavam mudando… Mas adivinhe só minha surpresa ao chegar aqui e ser recebido por uma avalanche de recordações e sentimentos esquecidos? É uma merda. Uma merda gigantesca! — Porra, Caduzinho, isso é… — Ridículo. — Sensacional. — Sensacional? — Cara, você não consegue ver a grandeza de tudo isso que me disse? Pior, não consegue ver onde estão agora? — Por favor, não faça metáforas indulgentes como a Márcia Sensitiva, fala logo, porra. — Cadu, em momento nenhum você relevou as coisas que viveram. Não consegue perceber? Para mim simplesmente parece que pegou todos seus sentimentos, fossem eles quais eram: amor, tesão, paixão, raiva e aparentemente um rancor, e encaixotou tudo. — Minha língua, Joca, fala ela por favor. — É como se tivesse se mudado, colocado uma caixa escrito “para doação”, mas de fato nunca tenha tomado as devidas providências para essa caixa, e ao longo dos anos, você só acumulou mais coisas nela, e agora precisa tomar uma decisão quanto a pilha de itens transbordando. Ou você doa essa merda e esquece que um dia teve essas coisas, ou abre a caixa, lava, limpa, separa de novo, e vai viver. — Vai pra porra, Joaquim, você e essa caixa. — Ele gargalha, sentando-se na maca. — O que você quer falar com todas essas coisas? — Cara, você não enxerga a magia? Não consegue ver a beleza nisso tudo? — Não, eu não consigo. — As coisas que você sente por ela são transcendentais. Pensa um pouco, quantas mulheres você teve depois dela? Quantas bocas beijou? Em quantas camas estranhas você acordou? — E daí? — E ainda assim você se sentiu incompleto. Ainda assim sentiu falta de algo. Estou errado? — Só cala a boca. — Ótimo, estou certo. E você está aqui e agora, o que te impede de tomar rédea dos seus sentimentos, e fazer dela sua para sempre? — Você está se ouvindo? Está parecendo Alex Hitch, O Conselheiro amoroso. — Sua gargalhada alta toma a sala, me fazendo acompanhá-lo. — Sou mais bonito que o Will Smith — pisca para mim —, mas não retiro nada que eu disse. Acho que sentindo tudo isso, você deveria escutar seu coração, organizar a bagunça de vocês e definir as coisas. Ou vai chegar aos quarenta anos de luto por tudo aquilo que vocês não tiveram? — Ouvir meu coração? — coloco o esteto no peito, e Joaquim mostra o dedo do meio para mim — ele diz tum-tum, Joaquim é um idiota. — Cadu… — Nem vem, chega desse papo de cartomante charlatona, pelo amor de Deus e Nossa Senhora, Joaquim. Ouçaseu coração, blá-blá-blá. O coração é um órgão, feito exclusivamente para bombear sangue ao corpo. E acabou. O máximo que podemos escutar são as bulhas cardíacas. Agora, vamos trabalhar. — É assim que eu gosto de ouvir. Pois o tombo é épico. Posso ser seu padrinho de casamento? — Não terá um casamento! E se tivesse, Nicolas está nessa fila antes de você. — Pode-se ter até seis padrinhos na cerimônia religiosa. — Cala a boca. Conhece alguém que organize festas de aniversário? — Tem a Thayná, filha da Margarida que faz salgado para a padaria do Gustavo, por quê? — Uai, se Stella não vai fazer a festa para o filho dela, eu faço. — Cadu… — Só me passa o contato dela, tá? Cadu Vieira Puta que pariu. Fazer uma festa dá um trabalho do caralho. Todas as mães vão direto para o céu, certo? Elas têm cadeira cativa lá? Quer dizer, as mães boas. Pois existem mães ruins. Porque se não forem, cara, é um pecado. Contratei a moça que Joaquim indicou, e meu celular não para. Quantidade de crianças; Cor do balão; Sabor do bolo; Decoração; Quantos brigadeiros? Beijinhos? Cajuzinhos? Alguma criança tem intolerância à lactose? É diabética? Alérgica a ovo? Estou nessa há quinze dias, quinze! E isso não é o pior… O aniversário é amanhã à tarde, e eu ainda não contei para Stella. Mas em minha defesa, Cruella está estranha. MUITO ESTRANHA. — Joaquim insiste em dizer que é porque ela sente o mesmo por mim, mas não sabe demonstrar. Como se fossemos inversos como no filme “Se Eu Fosse Você”. Cada coisa que tenho de ouvir. Ela não está nem mesmo brigando comigo. — CADU! — retiro o que eu disse. — Oi? — tiro o esteto do ouvido, e passo a acariciar o pelo caramelo de Milk, que dá sinais de trabalho de parto. — Carlos Eduardo, eu vou perguntar uma vez, o que porra é aquela caminhonete descendo com uma carrocinha acoplada? Me diz que não é o que estou pensando… — Não é o que está pensando. Bem, se estiver pensando que é um pônei, você está certa. — Eduardo, em que momento você me ouviu dizer: compra a porra do pônei? — A porra em nenhum momento, nem o pônei, mas quem cala consente, pensei que já estivesse certo isso. Até porque conversamos sobre aulas de equitação, achei que você estava esperando a chegada do pônei. — Você está pensando seguir uma carreira no stand up? Não vai dar certo! Porra, Carlos, eu acho que você gosta de ser xingado por mim, não tem condições! — ela coloca as mãos nos longos cabelos pretos que amo juntar, segurando-os para cima, começa a rodar no meio da minha sala. PUTA DA VIDA é o status atual dela. — Stella, essa seria uma boa hora para falar que amanhã às dezessete horas temos a festa de Henrique para recepcionar? — O QUÊ? — Qual é, Stella? Rique estava quase aguando pela festa, ele me contou que ama fazer aniversários. Poxa vida, não é como se ele fizesse dez anos todos os dias. — Carlos. Eduardo. Eu tenho um possível psicopata/inimigo que colocou fogo na fazenda, e você se programou para trazer quinze crianças pra cá? — São vinte e cinco. — PUTA. QUE. PARIU. — Ela coloca as mãos na cintura, e me olha de cima a baixo, e morde os lábios, numa clara demonstração que está se segurando para não gritar de novo. — Stella, calma, deixa eu te explicar… — Como você pôde fazer uma coisa dessas, Cadu? Por que diabos se meteu nisso? Tem como me responder qual é a sua motivação para isso? Henrique já teve inúmeras festas, ele poderia passar esse ano sem uma. E agora vou sair como a Cruella da história, pois eu disse não todas as malditas vezes que ele pediu a festa. — Preciso de uma motivação? — Precisa, Cadu! — Olha, Stella, sei que Henrique é seu filho, você já berrou isso aos quatro ventos, mas eu gosto da criança, o que posso fazer se seu filho é encantador? — Stella, solta os braços e continua me olhando, engolindo em seco. — Nunca tive uma festa de aniversário, você sabe disso, e ver a carinha dele por não ter também, partiu meu coração de manteiga. — Percebo quando a desarmo. Ela coça os olhos, esfrega as mãos no rosto, desistindo. — Ah, e tem policiais para tudo quanto é lado aqui, acho difícil alguém tentar algo agora. — Carlos, olha… Me fala o preço disso tudo, e… — Não foi nada, é presente. — Carlos, têm um pônei descendo da carrocinha, então por favor, não me irrita mais, e me fala o valor. — Ela aponta para o quintal, voltando a ficar vermelha de raiva. — Vamos começar a discutir sobre isso, sério mesmo? — Vamos, pois você claramente não tem senso! Eu sei quanto custa um pônei. Você… você tem menos juízo que meu pai! E ele deu um cartão de crédito para uma criança! Mas o que eu deveria esperar de você? Gasta seu salário nessas roupas ridículas, que custam um absurdo! Por favor, não vamos prolongar isso. Fala o valor! — aproximo-me dela, e deixo-a olhando para minha boca. — Talvez nem custe tão caro, a Thayná, a dona do bufê, me deu um desconto. — Um desconto? — Sim. — Eu faço festa com ela há anos, ela nunca me deu um cento de docinhos. — Sabe como é… Ela disse que sou muito bonito, achou impressionante meu trabalho como veterinário, ajudei ela com o parto da sua pinscher esses dias, e aí ela me deu um desconto. — Stella sacode a cabeça desacreditada. — Como é que é? Não acredito! Você trocou favores sexuais na festa do meu filho? — Estamos tão próximos que consigo sentir o calor de seu rosto, passo meu estetoscópio atrás de seu pescoço esguio e sorrio. — É, Luan Santana já falou: Se tu não pegar. Suas amiga' vão pegar. Se tu não beijar. Já tem fila pra beijar no teu lugar. Não concorda? — provoco. — CAR… — Puxo-a para mim com o esteto, adentro sua boca com avidez, fazendo-a ceder para minha fome, despejando todo o desejo que sinto por ela simplesmente existir. Quando ela se entrega, solto o esteto e a seguro pelo puxador da calça, não deixando nenhum espaço entre nossos corpos. Que saudade dessa boca. Mordo seus lábios grossos com pressão até ouvir um gemido baixo da sua boca, e quando meu pau começa a endurecer, me afasto, dando selinhos nela, por fim mordo seu queixo. — Eu não fiz isso. Parece que você não me conhece, Tella. Só existe uma pessoa que anda tendo meus beijos e outras coisas mais — pisco para ela, que balança a cabeça em descrença pela minha fala. — Se te faz mais feliz, e prolonga a sua vida, evitando um infarto por raiva, mais tarde vejo o valor total e te passo, metade do valor, vou pagar o restante. — Cadu… — fala tão contida que não parece minha Stella. — Não está aberto a discussão. — Mordo seu queixo bonito de novo, e ela dá um tapinha no ombro — Se você soubesse como fica mais linda e gostosa quando fica brava, e o quanto isso me deixa excitado, se controlaria mais, Diaba. — Olha Carlos, muita coisa está acontecendo agora, mas nós precisamos conversar o mais breve possível, e… — CADUUUUUUU, QUEM VAI… — Joaquim adentra nossa sala, gritando e Stella me afasta. — Desculpe, não queria atrapalhar, mas a moça quer saber quem vai assinar o recibo do pônei. — Eu vou lá, depois a gente continua. — Stella se apressa em sair, deixando-me com Joaquim, e quero enfiar meu estetoscópio no cu dele. — Cara, me desculpa, eu… — Quer me foder, me beija, Joaquim! Filho da…. — Ow, nada de falar das mães. Milk vai ou não colocar esses bebês para fora? — Ele se aproxima acariciando a cachorrinha. — Eu vou examinar o pônei, e ver o cartão de vacinação. Fica aqui com ela. — Arrã, sei muito bem onde você está querendo colocar sua injeção. Sabe em “Esposa de mentirinha” quando Adam Sandler entra naquele playground com os filhos de mentira? Sempre adorei essa parte, e ri horrores. Mas não é legal. Nenhum pouco. O desespero é palpável na minha cara, pois minha mãe chega até mim, e tira Rebeca, a filha de Gracinha, que tem dois anos, dos meus braços quando ela começa a se retorcer fazendo pirraça. E Henrique ainda não chegou com Stella. E a festa “começou” a menos de meia hora. Ontem após receber o pônei, só voltei a ver Stella a noite na mesa de jantar, logo depois só uma mensagem pedindo o valor e os dados bancários. Ouvi ela falandocom o pai sobre a festa antes de Henrique se juntar a nós na mesa, e Seu Vicente rindo, falou que já sabia, o rosnado de raiva dela me excitou. Seus dizeres sobre como estava se sentindo traída e péssima fez-me sentir um pouco mal, então combinamos de falar que ela ajudou em tudo, e era surpresa. O tema de cavalos fez a decoradora montar uma minifazenda na grande varanda da casa, e no terreiro colocamos um touro mecânico para as crianças. Gargalho sem perceber minha plateia. — Deu injeção, Cadu? — Joca debocha. — Vai se foder. — Owa! — Luana reprova meu linguajar, e aponta as crianças. Porra, acho que isso não foi legal. Ficamos em silêncio, pelo menos eu peço, mas ninguém obedece, são vinte e cinco crianças, pelo amor de Deus, aguardando Henrique chegar. No minuto que ele entra, todos gritam surpresa, e o faz dar um pulinho de susto. Henrique abraça a mãe, e lhe fala alguma coisa, ela responde algo que a faz chorar e engolir em seco, em seguida aponta para mim, e então sou seu alvo. Stella está linda, como sempre, usando uma calça jeans, bota de cowgirl branca, cinto marrom com uma fivela larga, um corset branco deixa as laterais do quadril à mostra, mas ao mesmo tempo elegantemente tapadas por um blazer caramelo, a pequena gravata com broche grande dão destaque ao seu pescoço esguio, e por fim seu chapéu branco, completa a boiadeira por quem quero ser domado, quem sabe mais tarde. — Dudu! — Ele pula em meus braços — Cê ajudou a mamãe! Nem acredito! Muito obrigado! Você é uma das melhores pessoas que ganhei na vida! — Beija minha bochecha extasiado, e antes que eu digira sua fala e responda, ele sai correndo animado para ver cada detalhe da decoração, o bolo, os cupcakes com cavalinhos por cima. Vejo Stella que foi parada por uma mãe de um colega da escola de Rique, e lhe entrega um presente, parando-a numa prosa. De onde está mira meus olhos, e sorri. Para. Mim. — Alguém vai ganhar uma cobaia para injeção hoje… — Luana, sério, case-se comigo, seu namorado é um c… idiota. — Lua gargalha, e nega o pedido. — Tem certeza? Eu sou um partido melhor. — Aih Cadu, acho que não consigo mais ficar sem ele. — Que péssimo para você! Sou mais bonito, mais inteligente, educado, tenho piadas melhores, com certeza — começo a listar minhas características marcantes, fazendo Joca torcer a cara, e Luana rir mais. — Valeu, Cadu, mas vou te dispensar. — Poxa, que triste será sua vida. — Se ela não quer, e ainda estiver disponível, sou a primeira da fila, Doutor. — Thayná, surgida das sombras, aparece, e se dispõe. Antes que eu me esquive, ouço o arranhar da garganta da Diaba. — Posso falar com você? Stella Macedo Olho para Cadu, que está abaixado conversando com meu filho, nosso filho, e minha garganta se fecha, ainda mais quando acabei de ouvir que posso namorar com ele, pois é um cara muito legal, e essas palavras foram ditas por Henrique. O filho da mãe, mesmo com essas roupas de mauricinho heterotop consegue ficar maravilhoso. A camisa branca de botões Hugo Boss se molda perfeitamente em seu tórax, e braços. A calça preta faz um contraste com o tênis branco. O jeito que o jeans caro contorna suas coxas grossas e marcam seu pau chega a ser erótica, ou só eu vejo isso? Eu com certeza não deveria prestar atenção nisso. Tânia me para, roubando-me a atenção da cena próxima dos dois abraçados, pergunta-me por que sumi do salão, e quero falar que mal tenho tempo de fazer minhas coisas no trabalho, quem dirá as unhas. Enquanto ela me inunda de trivialidades, minha mente explode, vendo a interação dos dois pelo canto do olho. Como irei contar a Cadu que o menino que ele se diz estar encantado, na verdade não é só filho da mulher que ele confessou amar bêbado? Que é filho dele também. E Henrique? Como vou falar que o homem está convivendo conosco todos os últimos meses na verdade é pai dele? E meu pai? E a Cida? Minha vida está uma bagunça, e em meio a caçada de soluções para resolver essa bola de neve que me enfiei no último mês, ainda preciso ser vigilante em todas as retaguardas, pois existe um louco pirotécnico à solta. Todas as vezes que revivo o incêndio, só me lembro do empurrão. Quem me tirou da frente do galho da mangueira? E como essa pessoa saiu de lá depois? Eu não estou louca. E para piorar o show de horrores que virou minha vida, ainda tenho uma viagem para fazer com Carlos Eduardo, não serão muitos dias e nem estaremos sozinhos, Matheus irá conosco, mas ainda assim, só de pensar que amanhã esse horário estaremos em São Paulo esperando um voo internacional programado para durar no mínimo quinze horas, é desesperador. Olho toda a varanda de casa, e meu coração tremula ainda mais. Cadu em quinze dias preparou uma festa para Henrique. A mesa principal tem um bolo onde tem um menino com cavalo, a placa por cima tem seu nome e idade gravados, a vela é um cavalinho da cor do pônei que Henrique ainda não viu. O painel segue o tema da festa, parece um painel de bang-bang, onde penduraram uns chapéus, ferraduras e mais cavalos. Até mesmo um playground foi montado. Ele nunca vai me perdoar! — Se ficar pequeno, ou grande demais, pode trocar na loja da Déborah. — Tânia me entrega o embrulho, trazendo-me de volta a realidade. — Muito obrigada, de verdade. — Júlia! — ela grita a filha que está no touro mecânico — volto já, Stella. Passo meu olho por todo salão, vendo Henrique contemplando toda a festa, sentindo meu nariz arder, e a garganta fechar, como um pré-choro. Porra, eu não choro. Procuro Cadu para agradecer por tudo, de novo, e encontro-o na mesa de sempre, com Joaquim e Luana, que ri de algo que os dois dizem. Procuro meu pai, e vejo-o com Cida no canto cochichando como os dois fofoqueiros que são. Estou quase chegando na mesa, quando vejo Thayná se aproximando de Cadu. Sério, moça, você deu trezentos reais de desconto por ele ser lindo? E eu não deveria ligar para isso, certo? O importante é o desconto. Mas por que me sinto agitada a cada passo sorridente que ela dá em sua direção? Porque trezentos reais é uma boa quantia. É isso. — Poxa, que triste será sua vida. — Ouço cadu provocando o casal. — Se ela não quer, e ainda estiver disponível, sou a primeira da fila, Doutor. — Thayná responde bem perto dele. Perto o bastante para tocar seu braço. — Posso falar com você? — digo-lhe, fazendo com que ele me veja. — Claro! — Sua cara de alívio é perceptível. — Arrumou outra fã? — sussurro quando nos afastamos. — A primeira suponho que seja você. — Pela madrugada, Carlos Eduardo! Se ajude. Não tem amor próprio? — Cruzo os braços, e olho, prestando atenção nos lábios grossos, sorrindo faceiro. — Pode falar, Tella, veio atrás de mim porque está com ciúmes da Thayná. — O ego do gato está em dia, o amor próprio... — Eu sei que sou gato — ele pisca para mim —, admite Cruella, vai, não vai doer. Admite que está com ciúmes e posso te aliviar na baia enquanto pegamos o pônei. — Cadu! Para com isso, as pessoas vão escutar! E eu não vim aqui para isso, vim agradecer. — Posso receber em boceta, numa boa. — Nossa Senhora, Cadu! Você está terrível! — piso no pé dele discretamente, manchando-o de vermelho terra, para que sossegue. — Aiiih, Diaba! — Eu estou tentando ser legal, mas você não está facilitando, que porra. — Só quero que saiba que não precisa de um convite para um agradecimento particular. E acho que estava com ciúmes. — Quer saber? Deixa pra lá…— Viro-me para sair, mas ele segura minha mão, e uma corrente elétrica atravessa-me, parando na minha calcinha. Sério, corpo? — Desculpe, vou deixar que fale, mas você está tão linda hoje, está meio impossível deixar minhas mãos longe de você, e minha boca longe da sua. — Será que ainda escutarei essas declarações quando contar a verdade? — Enfim, você estava certo, acho que seria uma judiação deixar o aniversário de Henrique passar em branco. O sorriso de animação dele, mais a declaração que ele fez, é para deixar qualquer mãe extremamente contente. Sabe como dizem: quem meu filho beija, minha boca