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Por acaso, você.
S. Evans
Copyright© 2023 S. Evans
1ª Edição
Capa: L.A Designer Editorial
Revisão: Miriã Menezes
Diagramação: S. Evans
Leitura crítica: Camila Rodrigues
Leitura sensível: Maria Eduarda Pereira da Silva
 CONTEÚDO ADULTO
Esta obra trata-se de uma ficção. Nomes, personagens e
acontecimentos descritos foram produzidos através da imaginação
da autora. Torna-se mera coincidência fatos que se referem à
realidade.
De acordo com a lei nº 9.610/98, dentro do artigo 184 do código
penal brasileiro, torna-se crime cópia total ou parcial, por quaisquer
meios existentes, sem prévia autorização da autora.
NÃO RECOMENDADO PARA MENORES DE DEZOITO ANOS
Essa obra contém:
Sexo e nudez: Sexo explícito; indução ao ato sexual; masturbação.
Linguagem: Linguagem imprópria e/ou pejorativa.
ATENÇÃO ALERTA DE GATILHO
Esse livro foi escrito com muito carinho, os temas abordados não
foram aprofundados / descritos graficamente, para que gatilhos não
fossem acionados, no entanto a obra CITA: violência obstétrica.
O personagem principal da trama, Carlos Eduardo, passa por
situação de racismo, e a obra foi submetida a uma leitura sensível
sobre o tema .
Edição Digital | Criado no Brasil
Nota da autora
Playlist
Dedicatória
Epígrafe
Prólogo
Parte I
1 - Por acaso, a infância.
2 - Por acaso, a adolescência
3 - Por acaso, a juventude.
4 - Por acaso, a primeira vez.
5 - Por acaso, a decepção.
6 - Por acaso, a rejeição.
Parte 2
7 - Por acaso, a volta.
8 - Por acaso, ele.
9 - Por acaso, Henrique.
10 - Por acaso, o usurpador.
11 - Por acaso, a dona da porra toda.
12 - Por acaso, Belo Horizonte.
13 - Por acaso, o prazer.
14 - Por acaso, a reconexão.
15- Por acaso, o caos.
16 - Por acaso, a mamãe.
17 - Por acaso, o Dudu.
18 - Por acaso, a exposição.
19 - Por acaso, nós dois.
20 - Por acaso, o acidente.
21 - Por acaso, a selva.
22 - Por acaso, a utopia.
23 - Por acaso, a trégua.
24 - Por acaso, o pandemônio.
25 - Por acaso, os laços.
26 - Por acaso, o cabresto.
27 - Por acaso, a festa.
28 - Por acaso, o motivo.
29 - Por acaso, a confissão.
30 - Por acaso, a desconfiança.
31 - Por acaso, a bagunça.
32 - Por acaso, o aniversário.
33 - Por acaso, a consciência.
34 - Por acaso, a estranha.
35 - Por acaso, a demissão.
36 - Por acaso, a ligação.
Parte 3
37 - Por acaso, a hipótese.
38 - Por acaso, a verdade.
39 - Por acaso, o filho.
40 - Por acaso, as lembranças.
41 - Por acaso, a simplicidade.
42 - Por acaso, o plano.
43 - Por acaso, o pedido.
44 - Por acaso, o amor.
Epílogo
Lua de mel em família.
Agradecimentos
Vem aí
Sobre a autora
Olá, leitora, como vai?
Esse livro é um pouco diferente dos que eu geralmente trago, sei
que disse isso em Seleção do Amor, mas é verdade.
Desde que estou inserida no mundo dos romances nacionais, leio
histórias incríveis, com ambientações fantásticas, hots de tirar o
fôlego, e isso é divinamente maravilhoso. Mas sempre senti falta de
livros que se passassem no quintal de casa, no meu caso, em MG.
Quando Nicolas e Loren surgiram para mim, em Seleção do Amor,
numa das cidades que mais amo no mundo, Ouro Preto, fiquei
extasiada e animada do começo ao fim, porém ainda senti que fiquei
devendo mais da performance mineira na literatura nacional, e aí
surgiram o Cadu e a terrível Stella.
Romances de segunda chance têm um lugar especial em meu
coração, e uma cena revive em minha mente desde antes de eu ser
uma escritora publicada. Essa cena tornou-se o prólogo desse livro
— um pouco modificado, mas perfeito dentre as peculiaridades da
história.
Minha intenção não foi escrever um romance regionalista, porém
alguns trejeitos, formas de falar, entre outros elementos precisaram
estar dentro do texto, sempre sinalizados em itálico, para fazer
sentindo na ambientação.
Então, aqui, vocês terão um romance nacional do início ao fim, e
mineiro em cem por cento. Da autora à ambientação total. Espero
que gostem.
Ao ler esse livro, espero que se lembrem que existem três versões
da mesma história: a do Cadu, a da Stella e a sua — que pode te
levar do amor ao ódio por diversos momentos da leitura, afinal esse
é um livro friends to enemies to lovers.
Sem mais delongas, gostaria de lhe deixar ciente: “Amores de
Minas” é uma duologia oposta (sem obrigatoriedade do livro I ou
ordem de leitura), se em “Seleção do Amor”, te entreguei meu amor,
aqui estou entregando meu ódio, mas lembre-se que esses
sentimentos andam lado a lado.
Dito isso, espero você na última página!
Boa leitura.
Essa obra contém uma playlist disponível em plataforma digital, para
acessar basta clicar aqui.
https://open.spotify.com/playlist/2h2GpMWSaIHRjSNaQWmPhM?si=YWu4JL4GQ0qKMwHL7rFZUQ
“O amor perguntou ao ódio:
— Por que me odeias tanto?
E o ódio respondeu:
— Porque um dia muito te amei.”
Autor desconhecido.
Para todas as pessoas que precisam de uma segunda chance, seja
ela qual for.
“Te odeio
Mas se ligar
Eu vou na hora
Eu jogo meu orgulho fora
E ainda te imploro pra voltar
(...)
Eu não quero ir ai
Mas eu vou
Eu não quero te beijar
Mas quando eu vi minha boca já beijou
Eu não quero ir ai
Mas eu vou
Eu não quero te amar
Mas quando eu a gente já se amou”
Dennis DJ & Luan Santana
Itaúna, Minas Gerais, Novembro de 2022.
Abro a porta de seu escritório, no mesmo rompante que
entrei nessa mansão, pouco me importando se estou molhando a
porra do carpete importado, ou se a madeira será danificada por eu
estar encharcado da chuva que me acompanhou de Belo Horizonte
até aqui.
Stella está trabalhando a essa hora, como sempre faz.
Ela se assusta, pois, nesse horário e debaixo desse
aguaceiro, todos os empregados já estão recolhidos. Quando
percebe que sou eu, veste sua carapuça antiCarlos Eduardo,
somado a isso tem sua melhor roupa de desdém.
O caralho da camisola longa de seda rosa, com um robe da
mesma cor por cima, através dos quais eu consigo ver os bicos dos
seios da Diaba túrgidos e o colo arrepiado.Só de vê-la minha boca
seca, meu coração dispara, juro que posso senti-la em cada mísera
célula do meu corpo, e sempre foi assim, pois acredito que desde o
dia que a conheci, amei-a em cada minuto da minha vida.
— Carlos, diria que é um prazer ou simplesmente diria boa
noite, mas já passamos dessa fase. São quase 23h, o que diabos
você faz aqui, a essa hora? A contabilidade não entrou em contato
com você?
— Eu não estou aqui por isso. Vim resolver uma situação
entre nós dois que já posterguei muito.
— Bom, não tenho mais nada para tratar com você … se não
está aqui pela demissão, então neste momento está invadindo a
minha propriedade, posso chamar a polícia e… — ergo o envelope
timbrado e lacrado pelo laboratório de análise, coloco-o em sua
mesa.
— Este envelope contém um teste de DNA que eu fiz com o
Henrique. — Vejo-a prender a respiração e olhar-me de boca aberta.
— Estou aqui, humildemente, Stella, te dando o benefício da dúvida.
Você tem duas opções: me conta a verdade e eu não abro o
envelope, nós dois sentaremos e conversaremos como dois adultos
que somos, ou abrirei esse envelope e, dependendo do resultado,
nós dois iremos à justiça e resolveremos isso perante um juiz. —
Vejo-a respirar com mais rapidez, ela engole em seco e, teimosa
como é, ergue o pescoço esguio, me olhando profundamente,
fazendo com que mais uma vez me perca nesse mar de chocolate
que são seus olhos.
— O que me garante que você ainda não abriu esse
envelope e está aqui para me chantagear? — Ela se levanta da
cadeira e circula a mesa.
— Não preciso do seu dinheiro, Stella. Ao contrário de você,
não priorizo o valor da conta bancária, não dou valor a classe social
ou a nenhum outro status.
— Não ligo para isso que você está dizendo, ligo para
caráter, e está aí uma coisa que você NÃO TEM, Carlos Eduardo —
Stella altera o tom da voz. Ela já gritou muito comigo quando pagava
meu salário, calei-me, mas agora não mais.
Cada vez mais, minhas entranhas se reviram. Eu não
acredito nisso.
Porra, Stella, fala comigo!
— Você não liga mesmo para isso, Stella? Não foi isso queaconteceu há dez anos! — altero o meu tom de voz, para igualar ao
dela. — Como você diz que não tenho caráter? Como tem coragem
de me acusar disso? Se esqueceu como eu sou? Caralho… já
deveria ter aprendido isso, porra.
— Você não me dá o benefício da dúvida para eu saber nada
sobre quem é!
— Puta que pariu, Stella! Você não vê o que está na sua
frente? Quando cheguei aqui, eu tinha cinco anos e desde lá é só
você, diaba, que toma conta da minha cabeça, e isso é ridículo,
porque logo vou fazer trinta anos, caralho. Você foi meu primeiro
tudo, Stella. Meu primeiro beijo, minha primeira mulher… Meu
primeiro e único amor, Stella, sempre foi e sempre será você. É por
isso que estou te pedindo, me fala a verdade, não deixe que um
pedaço de papel me conte algo tão importante.
— O que isso vai mudar na sua vida, Carlos Eduardo?
— Depende, Stella, isso não é sobre mim, é sobre você.
Porque, independente desse resultado, amo o Henrique, sendo ele
biologicamente ou não meu filho. E eu amo você. O que mais
preciso fazer para que entenda isso? — Ela me olha pelo que se
parecem horas e a única coisa que muda em suas feições é uma
lágrima que escorre por cada olho. Pego o envelope para abri-lo,
mas suas mãos frias e trêmulas cobrem as minhas.
— Por favor — ela diz tão baixo, que mal reconheço-a —,
não abra esse envelope, eu vou te contar…
 
Cadu Vieira
Cinco anos
 
— Carlinhos, filho — sinto meus ombros sacolejar, bocejo e
abro os olhos —, já chegamos. Mamãe não consegue te carregar
não, levanta.
— Ôh Cida, não acorda o menino, posso levá-lo no colo.
— Carece não, seu[1] Vicente, ele já é um hominho, né, filho?
— Balanço a cabeça, ainda querendo dormir.
— Venha, Cida, vou te levar até a casa, é simples, mas cês
conseguem ter privacidade, a Lourdes pediu para eles pintarem e
colocar roupa de cama limpa.
Quando desço da caminhonete do moço sorridente, olho para
um lado e vejo mato, do outro também, para trás e para frente, não
está fazendo diferença.
Piso em uma poça de lama e meu chinelo fica lá quando
puxo o meu pé dela.
Eca.
— Você não pode andar aqui assim, vai ficar com as unha
cheia de barro e cocô. — Procuro a voz que está falando comigo e
em troca ganho uma gargalhada. — Aqui em cima. — Levanto a
cabeça e sentada na janela da casa grandona que estou andando
em volta, vejo uma menina. A menina mais linda que eu já vi. — Ah
e vai pegar bichos de pé, muitos bichos de pé, não é nada legal
tirá-los.
— Stella, já falei para não sentar nas janelas! — O moço
sorridente que trouxe a gente fala com a menina que revira os olhos
e pula da janela, caindo na minha frente. — Cê num tem jeito! Vai
acabar quebrano a perna de novo!
— Já parei, papai! — Ela suspira, pega o chapéu que voou
da sua cabeça com o salto que deu e o coloca na cabeça de novo.
— Oi, eu sou a Stella. Como se chama?
— Eduardo. — Stella estende a mão na minha frente, e
espera que eu segure a dela. 
— É legal ter alguém para brincar morando aqui, vou te
ensinar tudo que sei — ela começa falar e vai seguindo a minha
frente. — Já montou cavalo?
— Não.
— Posso te mostrar, eu tenho um pônei, ele é mansinho.
Daqui a pouco começa a dar jabuticaba, vamos no último galho
pegar as maiores e mais doces. Quantos anos você tem, Eduardo?
— Cinco.
— Ótimo, eu tenho sete, sou muito mais experiente que você,
então vou te ensinar tudo. Já tirou leite em uma vaca?
— Não.
— De onde você veio?
— Belo Horizonte. — Ela faz uma careta e se estremece
toda.
— Eca, odeio lá.
— Lá é muito legal.
— Não é nada. Um monte de carro, barulho, não pode subir
em árvore, não pode sair sozinho na rua, não tem nada de divertido
lá.
— Tem parque de diversão, shopping…
— Eca. Quem gosta dessas coisas?
— Eu gosto.
— Dois meses aqui comigo e você vai esquecer isso tudo. A
escola aqui é muito legal.
Cadu 8 anos
A escola é uma merda.
Eu odeio a escola.
Quero voltar para a antiga escola e minha mãe não deixa.
A única pessoa que é legal comigo é a Stella.
Mas a Stella é legal comigo desde o primeiro dia.
Nós dois fazemos tudo juntos, vamos e voltamos da escola
na mesma van. Quando chegamos em casa, depois do almoço, ela
sempre me ajuda com o dever de casa. Eu acho a Stella muito
inteligente. Depois disso, sempre buscamos alguma coisa para fazer
juntos.
Na época das frutas, sejam elas quais forem, manga ou
jabuticaba, nós dois descemos para o pomar após o dever de casa
e subimos nas árvores.
Com Stella não tem jeito, sempre existe uma competitividade,
e ela quase sempre ganha, pois é mais alta e mais experiente que
eu. Nas raras vezes que pego a fruta maior e mais suculenta,
sempre troco com ela, pois seus grandes olhos, que parecem ser
duas jabuticabas, quando ainda não maduraram, me olham e fico
hipnotizado por eles, quando cedo a vez, ela abre um sorriso
grandão, e fico satisfeito com isso.
Mas, na escola, Stella tem os amigos dela.
Não entendo, a escola deveria ser legal, a antiga era, mas
essa não.
As crianças mal falam comigo, evitam o máximo que podem,
a professora sempre tem que me colocar em um grupo, pois nunca
sou escolhido espontaneamente.
— Oi, Carlos. — Levanto a minha cabeça, que estava
encostada nos meus joelhos enquanto acompanho as formiguinhas
levarem uma folha maior do que elas de um lado para o outro, e
vejo-a. Faço uma careta, pois odeio que me chame assim, mas
Stella sempre ri da minha careta.
Desculpa, vovô, mas esse nome é feio.
— Oi, Stella. 
— O que você está fazendo sozinho no recreio? — Olho para
seus amigos, que sempre estão com ela. Leonardo, que me faz
odiar a escola um pouco mais, e Luiza. Dou de ombros e prefiro não
responder. — Podem ir andando sem mim, alcanço vocês.
— Stella, é dia de lermos o capítulo seis — Leonardo
contrapõe.
— E eu vou, mas chegarei depois. — Ela se senta do meu
lado, e abre minha lancheira que ao meu lado. — Vamos ver o que a
Cidinha colocou aqui…
— O mesmo da sua, Stella, mamãe monta as lancheiras
juntas.
— Mas sempre acho que a sua está melhor, vamos comer. —
Ela me empurra a vasilha com manga cortada. — Você deveria
estar jogado bola, não é isso que meninos fazem?
— Stella, você já olhou para mim?
— Todos os dias, moramos juntos, lembra?
— Pois é, então deveria saber porque eu não estou lá. Odeio
essa escola.
— Por que não está? Te vejo como você é.
— Stella, eu sou o que tem mais cor aqui. Na minha outra
escola não era assim, tinha pessoas de todos os jeitos. O uniforme
era feio mesmo, cada um usava uma calça, eu podia ir de chinelo.
Aqui não, até a minha calça e tênis tem que ser igual de todo
mundo. Tudo aqui é tudo igual. Até as pessoas. Menos eu.
— Carlos Eduardo, esse povo aqui é um bando de idiotas, é
tudo cuzão…
— Stella, seu pai vai te xingar muito se ouvir você falando
palavrões.
— Ele só vai saber se você contar… Mas voltando — ela
pega minha manga e começa a comer —, eu fiz onze anos, isso te
coloca três anos mais novo…
— Eu vou fazer aniversário daqui a pouco, e voltaremos a ter
dois anos de diferença…
— Só escuta o que eu estou falando. Eles que perdem não
tendo sua presença na vida deles. E você não precisa de mais
ninguém, tem a mim, para sempre. E eu valho mais que todos eles
juntos. Esses filhinhos de papai não sabem nada da vida. Se
acham, mas é o pai deles quem paga essa escola, se não fosse
assim, nem aqui estariam.
— Stella, você sabe que é rica, certo?
— Eu não, meu pai e minha mãe. Mamãe já falou isso.
— Isso te coloca no mesmo pacote que eles, e piora para
mim, pois é seu pai quem paga para eu estar aqui, minha mãe já
falou, não posso nem perder pontos, pois é um favor o que seu pai
faz.
— Sabe o que eu acho? O que meu pai faz, ele faz porque
quer, e se quer te dar de presente isso — ela rodopia o dedo —,
aceite e faça bom uso. É o que minha mãe sempre diz, pelo menos.
Quando alguém falar alguma coisa com você, manda vir falar
comigo.
— Eles vão me chamar de mariquinha.
— Se eles não tem uma mulher boa e forte por trás deles,
coitados. É o que minha mãe fala todos os dias com meu pai, e ele
sempre diz que ela está certa. Hoje de manhã estavanascendo um
bezerrinho, depois do almoço, me encontra no curral. Beijos. — Ela
beija minha bochecha, e sempre que faz, sinto meu coração
disparar.
Cadu 10 anos
— Stella, vamos! — Entro em seu quarto gritando, animado.
Mas paro quando vejo-a deitada na cama. — Nasceu mais
maritaquinhas no toco, a mamãe está lá alimentando elas!
— Não vai dar. — Ela abre um olho só, mas está mais pálida
do que costume. — Estou passando muito mal.
— Uai, o que aconteceu? — Aproximo da cama, e coloco a
mão na testa dela.
— Eu menstruei mês passado, e esse mês tá doendo muito.
— Há pouco dias a professora falou disso na aula, e não pareceu
nem um pouco legal.
— Vish, tadinha. — Passo as mãos nos cabelos longos dela,
ela sempre gosta quando faço isso. — O que eu posso fazer para te
ajudar?
— Nada, sua mãe já me deu chá, e minha mãe foi na cidade
comprar remédio.
— Posso fazer carinho, carinho sempre ajuda, ainda mais
que está frio. — Eu ligo a televisão do quarto dela, e levanto a
coberta. — Anda, arreda pro canto.
— Não, a gente já está grande para isso — reclama.
— E desde quando isso é problema? Vaaaaaai, Stella,
arreda! — Eu empurro ela para o canto e, sorrindo, me dá espaço.
— Por que tá rindo?
— Porque estou pensando que quando eu tiver um
namorado, vou ter que colocar vocês dois na minha cama.
— Ah… é só você namorar comigo.
— Carlos, não dá, você poderia ser um irmão para mim.
— Mas não sou, estamos muito longe disso.
— É sim.
— Não sou.
— Aff — ela bufa como uma vaca selvagem —, não vou
discutir com você. Estive pensando, já que não gosta do seu nome,
juntei os dois e fiz um apelido legal.
— Tenho medo disso, você tem um péssimo jeito para isso,
colocou o nome do potro de Floquinho.
— Ele parece um sorvete de flocos, mas é pequeno. — Ela
me empurra com os ombros. — Mas hein, ouve só: Cadu, assim não
te chamo de Carlos, mas a culpa é da sua mãe, não minha, e nem
de Eduardo. Juntei os dois.
— Cadu… Eu gostei disso.
— Eu sou ótima em dar nome, assuma.
Por horas ficamos ali, falando de várias coisas aleatórias. A
noite chega, fazendo Stella se contorcer de dor, e nada do
medicamento chegar.
— Vou lá na cozinha ver se sua mãe já chegou.
— Por favor, sinto que morrerei a qualquer momento.
— Meu Deus, Stella, que exagero.
Visto a blusa de frio e calço as pantufas dela, pois calçamos
o mesmo número agora, e vou até a cozinha.
Seu Vicente está sentado na grande mesa onde tomamos
café todos juntos, e está chorando muito. Minha mãe colocou um
copo na frente dele, está falando muito rápido e baixo, de forma que
eu não consigo entender.
— … Cê tem que falar com a menina Stella, seu Vicente, é a
mãe dela.
— Como? Como que eu vou falar com a Stella que a mãe
dela foi buscar um medicamento e morreu? — Meu coração dispara
no peito, no mesmo instante que lágrimas enchem meus olhos.
Morreu? A dona Lourdes morreu? Como assim?
Ela estava aqui agorinha.
— Eu já tinha falado com ela, Cida, muitas vezes, que não
era para deixar o carro aberto, que bicho entra, ainda mais no frio.
— Seu Vicente bate com a mão na mesa de madeira, fazendo um
barulho alto. — E agora, Cida? A Stella acabou de fazer treze anos,
como que eu vou criar essa menina sozinha? Sem a Lourdes?
— O senhor está muito nervoso, o que o Tião falou?
— Disse que achou o Jipe jogado na margem da estrada,
quando ele reconheceu o carro, correu para lá, e a Lourdes estava
fria já, ele escutou o chocalho, mesmo assim tirou ela do carro.
Lourdes nunca dirige descalça, tá sempre de bota, hoje fez isso, e a
marca da desgraçada está lá no pé dela. E foi há horas, Cida, horas.
— Mãe? A minha mãe? — Eu não escutei os passos de
Stella, olho e vejo-a de meias, por isso levo um susto quando ouço
seu arquejo dolorido. — A minha mãe morreu?
— Tella, calma. — Vou até ela e a abraço.
— Minha mãe morreu, Cadu? — ela agarra meu pescoço e
solta o peso do corpo, levando ambos a escorregar pela parede até
o chão frio.
Seu choro doloroso é o barulho mais medonho que já ouvi na
minha vida, até agora.
Stella Macedo
Dezesseis anos
 
— O que você tanto olha nessa janela? — Luiza chama da
cama, mas eu a ignoro. — Sério, Stella, você me chama aqui, pra
quê? Pensei que iríamos finalmente falar dos seus amassos com o
Léo na biblioteca semana retrasada.
— Achou errado! Para mim, nem aconteceu, não estou
entendendo o grande caso que está fazendo disso, Lu.
— Uai, Stella…
— Uai nada.
— Stella, pelo amor de Deus, Leonardo Xavier, arrasta um
caminhão de soja para você desde que éramos crianças.
— Para mim pode arrastar o cafezal inteiro, está mais em alta
agora, que não me interessa. — Fico nas pontas dos pés e forço a
visão para enxergar melhor.
— Eu nem vou perguntar como sabe o preço das safras.
Você é estranha.
Sorrio ao vê-lo no meio do pasto, sem camisa, rodando o laço
no bezerro teimoso que meu pai comprou.
A pele preta cintila de suor ao sol, os cabelos escuros estão
bagunçados, do jeito que demonstra que ele trabalhou o dia todo, ou
quase isso. Já lhe dei um chapéu, mas ele detesta, prefere ficar
torrando no sol, a camisa está enfiada na cintura da calça jeans
colada, e não sei se é certo eu ficar olhando-o, mas é o que eu faço.
— Uau, quando foi que Cadu cresceu? Por que você não me
contou desse…
— Olha, olha, Luiza, não é pro seu bico, respeita ele, e para
você é Carlos Eduardo.
— Stella, ele está na oitava série[2].
— Eu sei a idade dele, e o que tem a ver? Prestatenção não
é nada do que você está pensando.
— Você não está babando no filho da empregada que é três
anos mais novo que você?
— A Cida não é empregada, é da família. E eu só estou com
saudades, a gente não estuda mais na mesma escola, desde que
meu pai cismou com esse trem de ensino integral pra ele, mal vejo-o
em casa. E ele não é três anos mais novo, são dois, ele fez
aniversário esse mês.
— Stella… — a entonação já vem com a repreenda.
— Que foi, trem? Me deixa.
— Olha só, já que vai ficar olhando o menino pela janela, vou
embora e você vai fazer esse projeto de biologia sozinha.
— Beleza, eu coloco o seu nome. Já é de casa, pede ao
Chico para te levar até sua porteira, beijo.
— Você vai mesmo deixar que eu vá embora? — Sento-me
na cama, e calço as botas com a maior agilidade.
— Tchau, Luiza, amanhã te vejo no colégio.
Pulo a janela como fazia quando criança, escorrego na grama
morro abaixo, até parar na beira da cerca, de onde vejo-o
concentrado em seu serviço.
Meu pai e eu já falamos para Cida não fazer Cadu trabalhar
na fazenda, mas vira e mexe vejo-o ajudando os meninos com
alguma coisa ou então Aparecida pede para ele cortar lenha para
ela cozinhar.
Adoro chegar em casa nesses momentos.
Cadu era menor do que eu quando chegou aqui e detestava
o interior. Quando ele percebeu que podia ter mais liberdade aqui,
passou a gostar um pouco mais. Ainda fica entediado na época de
chuvas, mesmo que eu tenha pedido meu pai um videogame para
jogarmos juntos, e aqui em casa tenha coisas que ele gosta, como
computador, vez ou outra vejo a careta dele para a chuva ou para o
barreiro que vira a fazenda, principalmente, quando desce da van
escolar e já está escuro, fazendo com que se suje com a lama.
Ele não gosta muito de frio.
O verão sempre foi o período que mais aproveitamos nosso
espaço. Afinal, sempre fugimos para nadar no açude ou no rio que
passa atrás dos pastos da fazenda.
Ficamos de castigo, várias vezes, porque saíamos sem
avisar, nadávamos e arruinávamos todas nossas roupas. Até que
decidimos um dia que nadar pelados era uma boa ideia, mas o
entojado do vizinho, João Gomes Xavier, pai do Léo, pegou a gente
nadando no poço dele e nos trouxe pelo pescoço, ainda dando um
sermão de moralidade.
Meu pai e a Cida ficaram tão bravos, que ficamos sem ver um
ao outro por duas semanas inteiras. Minha mãe havia acabado de
partir, picada por uma cobra cascavel, e aparentemente só o Cadu
me consolava e entendia.
Papai só deixou voltarmos a amizade pois prometemos não
fazer mais isso, e eu fiquei adoentada, primeiro por sentir falta da
minha mãe, e depois por ser proibida devê-lo.
— Oi, sumido! — digo após assobiar para ele me ver.
— Oi, Tella — diz, ofegante, puxando o bezerro turrão.
— Não tem aula no curso hoje?
— Não, mudei de módulo, agora as aulas são só três vezes
por semana.
— Não sei pra quê meu pai cismou com esse trem de escola
integral para você — suspiro frustrada.
— Uai, diz o seu Vicente que precisa de mim falando inglês,
para quando eu crescer ir com ele ao Texas comprar búfalo.
— Eu já falo inglês, não precisava disso, a gente vai junto,
lembra? — Ele dá de ombros como quem diz, “tanto faz”. — Mas
você tá gostando?
— É difícil, mas acho que estou bem.
— Se precisar de aulas, ou ajuda, me fala.
— Pode deixar.
— Vai demorar muito ainda? — pergunto quando vejo-o
amarrando o bezerro no curral.
— Não, vim ajudar o Tião, ele estava levando esses bezerros
novos para o pasto de lá, mas esse fugiu e vim buscá-lo, o Chico
estava arando a terra e pediu para deixar esse amarrado aqui.
— Ah, sim. Maior calor, né? — puxo assunto vendo o suor
escorrer pelo peito sem camisa.
— Nada, daqui a pouco chove.
— Podíamos nadar, o que acha?
— Tella, a gente já passou dessa idade.
— Uai, desaprendeu a nadar?
— Não, mas é estranho. Tem uns três anos que não fazemos
isso. 
— Então, está na hora de fazermos de novo. — Pulo a cerca,
e começo atravessar o pasto. — Vamos, Cadu, antes que chova.
— Você é impossível, sabia? Nunca aceita um não. — Ouço
seus passos na braquiara barulhenta atrás de mim.
— Não se estiver certa. Ansioso para o ensino médio?
— Nem um pouco, e você? Já escolheu o curso da
faculdade?
— Nasci com ele escolhido, vou fazer administração.
Aprender a gerir a fazenda, sabe como?
— E você precisa de um diploma para isso? Já manda e
desmanda em quase tudo aqui.
— Mas estudar é importante, minha mãe gostaria que eu
fizesse — dou de ombros — e também, a faculdade é perto, vou
poder ficar na minha casa, gosto disso.
— Hmm, já ouviu falar nas instituições federais? Parece ser
maneiro, deve ser tipo a universidade em American Pie.
— Hããã, valeu, mas não. — Gargalho dos seus olhos
sonhadores. — Sem contar que é melhor deixar a vaga para quem
não pode pagar uma outra instituição.
— É, melhor deixar a vaga para mim.
— Mas o papai vai pagar seus estudos, ele faz questão.
Trouxe você e sua mãe da capital, nada mais justo.
— Não viemos obrigados, mamãe fez uma escolha.
— Mas você não gosta daqui.
— Já me acostumei, acho que estranho agora seria voltar
para Belo Horizonte.
— É, mas ainda falta muito tempo. E se for para uma Federal,
sabe que morrerei de saudades, certo?
— Leonardo ficará muito satisfeito.
— Wow, mas quem chamou o Leo para essa conversa? —
Começo a descer o morro que dá acesso ao rio, com ele me
seguindo. — Já te falei que somos amigos.
— Ele acha que é seu dono.
— Carlos Eduardo! Para com isso. O único homem que pode
mandar em mim é um senhor que se chama José Vicente Macedo.
E mesmo assim, tem que pedir com jeitinho. — Ouço seu riso e sei
que ele está mexendo a cabeça descrente.
— Você é demais, Tella.
— Chegamos — anuncio enquanto me sento no chão, e
começo a tirar minhas botas, meias, chapéu, cinto, para então
chegar na blusa. Sem pestanejar arranco-a de pressa, e faço o
mesmo com a calça.
Corro até a beirada do rio, e me jogo dentro, mergulhando.
Quando emerjo, vejo Cadu sentado ao lado das minhas roupas.
— Vem logo, Cadu.
— Acho melhor não… — pondera.
— Por quê?
— Eu não sabia que você usava sutiã…
— Você está encabulado por que agora tenho peitos? —
mordo os lábios, tentando segurar uma gargalhada, que logo rompe
pelos meus lábios. — Essa é a parte mais legal do meu corpo, e
você com vergonha? Por favor, continue.
— Para com isso, Stella.
— Pare você com isso, arranca essas botas e essa calça,
anda logo. — Cadu suspira rendido, pois sabe que discutir é inútil,
se levanta e tira as roupas, ficando só de cueca boxer preta.
Péssima ideia essa minha.
Afinal, não foi só eu quem ganhou peitos, Cadu não é mais o
menino mais baixo, franzino e magro que chegou aqui com cinco
anos.
Consigo ver os braços ganhando forma e o peitoral sem
pelos, me permite ver uma leve definição.
Ele mergulha, e como sempre fazemos, antes de chegar à
superfície, ele puxa minhas pernas, fazendo-me afundar novamente.
Quando volto, ele espirra água na minha cara.
Ignorando que não temos mais onze e treze anos, faço o
mesmo de volta.
Cadu é um péssimo perdedor, então quando puxo-o pelas
pernas, ligeiramente ele passa a me fazer cócegas.
— PARAAAAA — tento dizer entre risos e gargalhadas —, eu
vou fazer xixi, e ele vai passar em você!
— Eca, Tella, você não sabe brincar! — Cadu me segura pela
cintura, percebo que não observei quando ele me passou na altura,
passo minhas pernas em sua volta, e ficamos da mesma altura. É
só assim que consigo parear nossos rostos. — O quê foi?
— Nada.
— Você está me olhando esquisita, com aquela cara que
sempre deixava nós dois em maus lençóis. — Rio da sua
observação, e passo a mão pelo seu rosto.
— Estou só observando como a gente cresceu, está
nascendo barba aqui. — Faço carinho em sua bochecha.
— O quê você concluiu na sua observação? Vou ficar
bonitão?
— Você sempre foi bonito… — sinto sua bochecha esquentar
em minha palma e sorrio.
— Obrigado, eu acho…
— Sinto saudades sua, é um porre chegar e ficar sozinha em
casa.
— Logo estaremos juntos na mesma escola.
— Só por um ano. — Tranquilo como é, ele dá de ombros e
sorri — Cadu, você já beijou alguém? — pergunto de repente.
— Não.
— Por quê?
— Porque… Uai, Stella, não sei. — Ele gargalha. — Que
pergunta estranha. Você já?
— Algumas vezes… — Vejo-o fechar a cara e o aperto em
minha cintura fica mais forte. — Posso te ensinar.
— Stella…
— Não será a primeira vez que te ensino algo… Somos
amigos, não somos?
— Somos.
— Então. Sim ou não?
— Sim — decide rápido.
— Tudo bem, fecha os olhos, fazer isso de olho aberto é
estranho. — Cadu segue minha instruções, sorrio indecisa, se ele é
mais bonito com os olhos escuros me encarando ou com eles
fechados, sério, respirando pesadamente. — Você deve retribuir, o
que eu fizer, você repete, mas sem muita saliva, pelo amor de Deus,
não me babe, e cuidado com os dentes. — Falo baixinho me
aproximando.
Selo nossos lábios castamente, começo dando beijinhos,
para depois deslizar minha língua por seus lábios. Cadu cede
espaço para mim, morosamente penetro sua boca com minha
língua, até encostar na sua. Calmamente Cadu começa a retribuir o
que faço com ele, de repente toma-me de forma afoita, fazendo com
que nossos dentes se batam no percurso.
— Desculpa!
— Ei, tudo bem, não estamos com pressa, vamos de novo,
podemos fazer quantas vezes você quiser.
Dessa vez deixo que ele se aproxime, seus lábios largos e
grossos brincam com os meus, me fazendo sorrir e antecipar o beijo
que irei receber.
Leve como o sereno toca a relva pela manhã, seus lábios me
tocam, primeiro tímidos, depois com firmeza. Sua língua adentra
minha boca, passeando lentamente por toda ela, seus braços se
fecham em toda minha volta, apertando-me, cruzo as pernas com
mais força.
Uma de suas mãos passa a segurar minha cabeça e, como
se pertencessem um ao outro, nossas bocas se beijam, como se
falassem coisas não ditas entre nós.
Cadu Vieira
Dezoito anos
 
Olho ansiosamente para o relógio no computador que parece
zombar da minha cara.
Finalmente meio-dia, aperto F5 no meu teclado, e como se
fosse uma lesma, ele carrega lentamente a página, por malditos
cinco minutos, para e dá erro de novo.
Respiro fundo, fecho o navegador, abro, e finalmente a lista
de aprovados abre. Sem perder tempo, aperto CTRL F, digito :
Carlos Eduardo Vieira Neto.
PASSEI!
PORRA!
Em décimo segundo lugar, está meu nome, seguido do meu
CPF.
A universidade precisava esperar até dia vinte e nove de
dezembro para liberar essa lista?
Saio do quarto que divido com a minha mãe correndo, e entro
na casa grande. Procuro mamãe na cozinha, e a única coisa que
acho é um bilhete com a caligrafia elegante de seu Vicente. Foram
para a cidade fazer compra.
Suspiro sorrindo,tentando guardar a alegria dentro de mim.
Quando estou saindo, ouço a porta que separa a cozinha do
restante da casa se abrir e vejo Stella.
De pijama curto e rendado. O único adereço que usa é a
gargantilha preta, com um cavalo pendurado, que ganhou de mim
no seu último aniversário.
Linda.
Como sempre foi.
Há dois anos ela está na universidade, desde então seu
tempo se tornou escasso. Raras são as vezes que nos vemos.
Quando ela não está estudando em seu quarto ou na universidade,
está em uma festa ou qualquer coisa que os universitários ricos
fazem.
Stella faz parte da banda do seu curso, e compete no enduro
equestre[3] pela Universidade de Itaúna. Quando não está estudando
ou ensaiando, está treinando no espaço que seu pai criou para ela.
Mas o fato é que desde quando, anos atrás, ela me beijou,
que seus seios se espremeram em meu tórax, que suas coxas
grossas rodearam a minha cintura, Stella nunca mais saiu da minha
cabeça.
Atormenta meus sonhos, dos mais gentis — os quais
claramente são uma fantasia, pois estamos sorridentes e alegres,
mais velhos um pouco, correndo ou nadando, às vezes nos casando
e até mesmo com um bebê — aos mais quentes — Céus! Jamais
imaginei que minha mente poderia ser pervertida a este ponto. Aos
dezesseis anos descobri um site e quando sinto-me frustrado ou
entediado, navego nele por algumas horas, o que não tem nada
demais, o problema são os sonhos que eles me fazem ter a noite,
em que revivo todas as cenas comigo e a Stella. Foram incontáveis
as vezes que acordei com a cueca toda melada.
E o pior, divido o quarto com a minha mãe.
Mal processo meus pensamentos, Stella, oficialmente menor
do que eu, me abraça e beija-me na bochecha.
— Parece que faz séculos que não nos encontramos!
— Agora a vida de universitária, competidora e cada vez mais
maravilhosa, te ocupa demais, então, para mim sobraram as
migalhas — digo sorrindo.
— Para com isso, vou me sentir mal! — seus braços se
fecham mais ao meu redor, e faço o mesmo com ela. — Estou
oficialmente de férias! O que vamos fazer?
— Não sei bem… Vim contar para minha mãe sobre o
resultado da universidade. — Solto-a do abraço e mordo o lábio.
— E aí?
— Bom, minha nota para UFMG em Medicina Veterinária não
deu…
— Para de suspense!
— Mas consegui entrar na UFV em Zootecnia… — Vejo-a
franzir o cenho antes de me responder. — Não sei exatamente o
que vou fazer, mas é uma universidade, e federal.
— Nossa… Uau! São quase 300 km, eu diria que umas cinco
horas de viagem.
— Mais ou menos isso. — Vejo-a franzir as sobrancelhas, e
olhar para o nada por alguns segundos. —Você não parece
contente…
— É claro que estou! — ela me empurra com o ombro — É
só que me preparei para você morando na capital. São 85 km e
pouco mais de uma hora. No próximo ano, irei fazer estágios aqui
na fazenda, então precisarei ir a Belo Horizonte fazer os trâmites na
contabilidade de lá, pensei que nos veríamos com frequência…
— Tella, vai ser rapidinho, esse curso dura menos que o de
medicina.
— Quando você terá que ir?
— Segunda semana de janeiro.
— Tão perto?
— Sim, eu solicitei alojamento quando fiz a inscrição. E tenho
que procurar alguma coisa para trabalhar, sabe como é… Para me
manter.
— Cadu, papai disse que pagaria sua universidade — ela
suspira —, precisa mesmo de todo esse desgaste?
— Stella, o curso de Medicina Veterinária é mais caro que o
seu de administração, seu pai custeou meus estudos até aqui, fiz
inglês, e até preparatório para universidade… minha gratidão será
algo que seu José Vicente e dona Lourdes, terão para sempre. Mas
fiz dezoito anos, preciso começar a trilhar eu mesmo meu caminho.
Construir algo futuramente. Você herdará toda a fazenda e os
negócios que giram em torno dela, agronegócio, pecuária e lazer.
Tudo será próspero, pois você é inteligente, conhece cada
centímetro de terra daqui. Mas para mim as coisas não serão assim,
então tenho que aproveitar minha juventude.
— Uau, esse discurso todo me deixou com tesão.
— STELLA!
— O quê? É verdade, uai. Então será isso? Meu menino
cresceu, irá morar com estranhos, dormir sob lençóis de origem
duvidosa, colchões que têm porra até do Reitor da universidade,
pois com certeza eles não trocam essas merdas.
— Céus! Você acha que todo mundo só vai para a faculdade
transar?
— Vai por mim, é o que eles fazem. Acredita que à noite os
zeladores até trancam as salas vazias lá na universidade?
— Bom… Pelo menos tenho a certeza de que não sairei de lá
virgem então. — Dou de ombros.
— Ei, crianças, o que estão fazendo aqui? — Seu Vicente
abre a porta, cheio de sacolas.
— Estamos jogando conversa fora. Trouxe doce de leite? —
Stella começa a remexer nas sacolas em busca do seu vício desde
a infância.
— Uai, mamãe não estava junto? — pergunto quando não a
vejo entrando também.
— Sua mãe foi guardar uns trem no chalé.
— Beleza, vou lá. Até mais, Stella.
Minha mãe estava igual pinto no lixo, ligou para vovó em Belo
Horizonte e para minha madrinha que também mora na capital.
Estou deitado na minha cama, quando sinto o celular vibrar
debaixo do travesseiro, desbloqueio e vejo a SMS de Stella,
pedindo para encontrá-la no celeiro.
— Mãe, vou no celeiro com a Stella.
— Leva a lanterna e guarda-chuva, cê sabe como é.
— Já peguei!
Desço cuidadosamente na grama molhada pelo sereno, e
vejo uma luz fraca no celeiro ligada. Empurro a porta, e vejo-a
sentada sobre um colchonete coberto com uma manta florida.
— Você sabe que vai chover, certo?
— Sim, por isso tranca a porta, você sabe que ela abre à toa.
— Sim, senhora, dona Stella. — Faço o que ela pede, tiro as
botas e ainda de meias sento ao seu lado. — Para que me chamou
aqui?
— Quero passar um tempo com você. — Ela encosta a
cabeça no meu ombro.
— Tella, eu não vou morrer, sabe? Ainda virei nos feriados e
férias.
— Promete?
— Prometo — levanto meu dedinho para que ela enrole o seu
no meu e sorrio.
— Trouxe uma coisa para você. Presente. Fecha os olhos e
abre a mão. — Essas coisas de fechar os olhos e abrir a mão com
Stella, nunca foi coisa boa. A contra gosto faço o que ela pede. —
Pode abrir.
Mas que…
— Isso é uma camisinha?
— Lógico!
— Stella! Meu Deus, você não conhece o limite?
— Uai, foi você quem disse que era virgem hoje à tarde!
— Onde você tirou isso?
— Da minha bolsa, oras!
— Você já… — só a possibilidade já estremece meu coração
— Claro. — Mas é a confirmação que o parte em pedaços.
— Tenho vinte anos, e esse é meio que um rito de passagem para a
vida adulta, e como falei mais cedo, a faculdade proporciona coisas
que nunca imaginamos viver na vida.
— Hmm, valeu então.
— Você está com aquela cara.
— Qual cara?
— Aquela que estava com vontade de perguntar alguma
coisa quando eu te ajudava com o dever de casa.
— Não é nada.
— Claro que é, fala logo.
— Foi com quem?
— Com o Leo, mas só a primeira vez. — Claro! Stella é tão
inteligente, como que foi perder a virgindade com o Leonardo
Xavier?
— Teve mais de um cara então?
— Ah sim. — Que ótimo. — Não me olha com essa cara, olha
o machismo. — Cara de tacho? Porque deve ser essa que devo
estar fazendo. — Só os homens podem sair por aí pegando geral?
— Eu não falei isso.
— Mas deve ter pensado. Conheço bem vocês. Vai me dizer
que eu sou a única mulher que você já beijou? — É! Claro que é,
caralho! Que tipo de homem você pensa que eu sou, Stella?
Ninguém nunca tocou meu coração e suspeito que nunca irá tocar.
Isso é o que eu quero falar, mas acabo dizendo…
— Claro que não.
— Pois bem, sempre estou certa. Então vamos logo. — Ela
descruza as pernas, e se senta no meu colo.
— Vamos? Aonde exatamente?
— Uai, vou te ensinar a comer uma mulher… Você ainda
curte mulheres ou…
— Eu sou hetero, Stella — respondo-a quando ela se silencia
por alguns instantes. Mas como assim? — Me ensinar?
— Claro, te ensinei a beijar na boca, agora vamos avançar.
Vai por mim, nenhuma mulher sairá satisfeita se você masturbar a
uretra dela.
— Eu não estou te entendendo, Stella…
— Vamos transar, Cadu. Se você quiser, claro…
Nossa.
Senhora.
Ela não disse isso, não.
Vamoslá, Deus, me faz acordar.
Stella Macedo
Vinte anos
Estou sentada no colo de Cadu, e ele me observa como se
eu tivesse criado chifres.
— Cadu?
— Merda, você falou mesmo o que eu pensei ter ouvido?
— Sobre você perder a virgindade? — ele concorda — Sim!
Sou sua amiga. Não quero que seja um idiota, entrou, saiu, gozou.
Então estou me colocando à disposição para ser sua cobaia. A
menos que não queira, e esteja guardando isso para uma
namorada…
— Não, eu só moro no interior, estudei num colégio elitista e
fiz um total de zero amizades.
— Pois bem, você pode começar me beijando e tirando
minha roupa. — Cadu está estagnado.
Tenho que fazer tudo por aqui?
Coloco a mão na bainha de sua camisa e a tiro.
Nossa…
Quando nasceram esses quadradinhos?
Consigo ver o elástico da cueca boxer e sorrio para ele.
Inclino-me e começo a beijá-lo, primeiro castamente, para então
adentrar sua boca com minha língua ávida, sentindo o gosto de
pasta de dente, instantaneamente sinto-me abraçada por uma
sensação que me aquece, como saudade e pertencimento, é
estranho, mas completamente envolvente.
Parecendo acordar do torpor, Cadu aperta minha cintura,
como fez na tarde em que treinamos os beijos, força-me para baixo,
esfregando minha boceta em seu pau, que aos poucos endurece
embaixo de mim.
Ergo minha camisa, ficando só de sutiã em sua frente. Vejo-o
hipnotizado, sorrio, sem vergonha alguma, abro o sutiã — pois a
raiva que eu passo quando homens tentam tirá-lo, não está escrita
— e deixo meus seios desnudos à disposição dele.
— Nossa… Meu Deus, Stella.
— Sim, eu sei. Estão à sua disposição. Pode fazer o que
quiser com eles… — Timidamente ele levanta as mãos, grandes
mãos com veias proeminentes, e delicadamente roça meus mamilos
túrgidos, começa como calmaria, antes que perceba, Cadu toma
um em sua boca, passa a sugá-lo com fome, fazendo-me gemer
audivelmente.
Sinto sua língua envolvendo-o, lambendo sua volta, voltando
ao mamilo, brincando com ele, subindo e descendo a língua, até
colocá-lo sobre ela, fechar os dentes por cima e chupá-lo com fome.
— Tem certeza de que nunca fez isso? — gemo segurando
seus cabelos, impossibilitando de sair dali. Sinto seu sorriso e contra
a minha vontade, ele se afasta.
— Sou virgem, não idiota, tenho minha cota de fantasias
sexuais, livros e vídeos. — Antes que eu crie uma resposta atrevida
ao “sabe tudo”, ele passa a dar o mesmo tratamento ao outro seio.
Até o momento nenhum cara deu muita importância a essa
parte do meu corpo, estou eufórica, com a libido subindo cada vez
mais, porque descobri que gosto bastante dos meus peitos sendo
valorizados.
Céus, eu sou uma safada! Estou recebendo uma mamada e
gostando!
Sinto seu pau totalmente, pelo menos acho que sim, rígido
debaixo de mim. Abro minha fivela enquanto rebolo em seu colo.
Delicadamente Cadu empurra meu tronco para trás até estarmos
com ele em cima de mim. Seus dedos abrem o botão da minha
calça jeans, e é só para tirá-la que se afasta.
Minha calcinha pequena o faz sorrir — um sorriso perverso,
que jamais imaginei no rosto do meu melhor amigo, não dirigido
para mim. — Carlos parece perdido quando me vê quase
completamente nua.
Volto a agir, retirando eu mesma a calcinha.
Vejo-o apertar o pau sobre o short e cueca.
— O que você quer aprender? Você quer me chupar, me
tocar, ou meter seu pau em mim? Pode escolher.
— Eu quero tudo, Stella.
— Venha, vamos trabalhar suas habilidades oral e de toque
primeiro. — Abro minhas pernas, deixando que se aproxime. —
Corre o dedo por ela, reconheça seu parque de diversões.
Tremendo um pouco, vejo-o acariciar meus grandes lábios
com seu indicador, a aspereza do seu dedo me estremece. Sinto-me
ridícula, afinal, virgem aqui é ele. Calmamente, Cadu, afunda o
polegar entre eles, primeiro explora um lado, do início até o períneo,
sobe até o clitóris e repete no outro.
Não sei se o que me excita é o toque, a curiosidade ou o
reconhecimento que ele faz em minha vulva.
Quando satisfeito, vejo-o colocar o dedo médio e o indicador
em “V” nos lábios, para abri-los. Cadu admira-me, cuidadosamente
se abaixa, deixando sua língua correr de cima para baixo. Grunho,
ele me olha, e nego.
— De novo, eu gosto de ser lambida. — Ele sorri e faz de
novo, se demorando mais dessa vez. — O clitóris, dá atenção para
ele. — Falo baixo, Cadu sobe o olhar, vejo-o estudando-me,
buscando o que eu falei. Sua língua me toca de novo. — Mais para
cima — guio —, subiu demais, desce um pouco… Isso, mais para o
meio, aí, nesse lugar — quase grito, faço se assustar. — Desculpe,
é só cuidar desse nervinho, está sentindo-o endurecido? —
Milimetricamente vejo-o concordar com a língua parada.
Sua língua desliza ali, sem se afastar muito, e fico perdida
entre achar fofo — toda a atenção e cuidado com que ele me chupa
— ou sentir tesão — pelo mesmo motivo. Sinto-a rodopiar e
discordo, parece uma furadeira, vejo-o voltar a posição de antes,
com mais calma, mais lentidão. É estranho pois estou lisonjeada por
ser ouvida durante uma chupada.
Quase como uma câmera lenta, sinto meu clitóris ser
deliciosamente acariciado, de um lado para o outro, para cima e
para baixo.
Aprende rápido esse menino.
O lisonjeio se estende quando meu grelo está sendo mais
bem tratado por ele do que por mim mesma.
— Trabalha com os dedos também, Cadu — falo baixinho —,
pode meter enquanto me chupa. — O dedo da outra mão, junta-se
ao oral, e antes que eu fale, ele espalha minha lubrificação por toda
a minha boceta, e se estende ao períneo e ânus.
Seu dedo médio pincela minha entrada, fazendo uma volta,
lubrificando-se, para me penetrar.
Ergo o quadril, ele me olha, e só balanço a cabeça,
mostrando que estou gostando. Cadu começa a mover seu dedo
sem deixar de me chupar, mas sinto a falta de mais.
— Pode sugar com os lábios, é gostoso. Os dentes também,
vagarosamente… — Ele faz o que peço, fazendo-me lubrificar mais
a sua volta.
Passo a mover meus quadris em sua direção, mostrando que
quero mais. Mais de tudo que ele está fazendo-me sentir. Sinto
irradiar uma corrente elétrica gostosa pelos meus pés, subindo pela
pernas e coxas, se concentrando em minha boceta.
Gozo.
Estremecendo-me, gemendo, derramando em sua boca.
Mal acredito.
Nunca cheguei a um orgasmo com uma chupada.
Impressionada, deixo o sorriso débil aparecer em meu rosto.
— Foi bom?
— Muito, muito bom.
— Não está falando isso só para me agradar?
— Faça-me o favor, nunca fui mulher disso. Está de
parabéns. Nunca fez mesmo isso?
— E quando eu menti para você? — ele dá de ombros —
Posso ter treinado a língua em uma fruta ou outra, mas você nunca
saberá.
— Ew, sempre irei chupar uma laranja e lembrar de uma
boceta, obrigada por isso. — Rimos da nossa insolência, ele deita-
se do meu lado, apoia-se no braço e me admira.
— Você é tão linda.
— Ora! Obrigada. Você também é. Mas confesso que quero
te ver pelado. — Viro-me para ele, empurro-o para que se deite no
colchão, e puxo seu short e cueca, tudo junto.
Minha Nossa Senhora das bocetas não alargadas.
Que diabos é isso? — sinto que estou invocando entidades
nas horas que não deveria, mas…
— O que foi, Stella?
— Nó… Por que você não me disse que é pauzudo?
— Stella! — ele tenta se cobrir, mas seguro as mãos presas
na lateral do corpo dele. — Ele é normal!
— Vai por mim, né nada! — Robusto, pesado, veiudo, grosso,
e fora da média. Esse é o pau de Cadu. A cabeça arroxeada,
babando, faz eu querer chupá-lo, e sem pensar levo-o à minha
boca. Sugo-o, limpando todo o líquido que está ali, ouço o barulho
gutural da sua garganta e sorrio — Olha, não se acostume, eu não
chupo ninguém, mas como foi atencioso com a sua boca em mim
farei o mesmo com você.
Sem esperar uma resposta, começo a chupá-lo de verdade.
Acompanho sua veia com a língua, descanso-a nas bolas, engolindo
uma, depois a outra, subo até o prepúcio, onde dou sugadas longas
e ritmadas.
— Não faz assim, vou gozar.
— O quê?
— Stella, existe uma diferença de punheta para boquete,
sabia?
— E se eu quiser que você goze na minha boca?
— É só fazer isso de novo… — Diferente,ponho-o totalmente
em minha boca, uma vez e na segunda sinto o jato quente. —
Merda, desculpa, desculpa, rápido demais. — Vejo o desespero dele
e sorrio. Levanto a cabeça, limpando os lábios com polegar.
— Calma, Cadu, relaxa. Não estamos com pressa. — Deito
ao seu lado, vendo-o constrangido esconder seu rosto de mim. —
Para. Não se esconda. Somos amigos.
— Não deixa de ser constrangedor.
— Sabe qual a vantagem de se ter dezoito anos? — digo
acariciado o pau falecido, que vagarosamente deixa uns espasmos
na palma de minha mão.
— Não, qual? — beijo sua boca, com bastante língua,
barulho e saliva. Suas mãos me puxam para cima dele. Cadu tem
um jeito de pegar-me pela cintura que desestabiliza-me. Adiamos
minutos perdidos um na boca do outro, sinto-o relaxar,
vagarosamente vou tirando meus lábios dos dele.
— Que se recupera uma ereção bem rápido. — Aponto com
a cabeça para sua ereção entre nós, e ele sorri satisfeito. — Vou
deixar você por cima, para que consiga controlar, quando for
demais, mas não se acostume, ainda irei cavalgar em seu pau,
quem sabe em uma outra oportunidade.
— Então teremos mais?
— Pela sua chupada, você conseguiu uma segunda vez, se
for bom me comendo, o número é negociável. Sabe como colocar
uma camisinha?
— Ensinam isso na aula de biologia — ele diz ultrajado.
— Vamos nessa então, cowboy! — Vou engatinhando até
onde os pacotes estão esquecidos. Vejo-o suspirar, olhando para
minha bunda, seu pau erguido se mexe em minha direção. — Ainda
chegaremos nessa parte, não seja afoito. — Pisco para ele. Abro o
pacotinho e deixo o preservativo em sua mão. Observo-o apertar a
ponta, e desenrolá-lo como se fizesse isso o tempo todo. — Ora,
ora, quase um profissional. Venha, vamos tirar esse cabaço!
— Meu Deus, Stella, você não consegue ser séria nem nesse
momento?
— Desculpa! Quer carinho?
— Quero!
— É sério?
— Claro, é importante, poxa. — Vejo no seu rosto estampado
como ele está falando sério. Faço minha melhor cara séria.
— Desculpe. Venha, você por cima. — Ele morosamente
estende todo o corpanzil sobre mim, fazendo-me ser envolvida por
um calor gostoso, dando meu melhor sorriso de encorajamento. —
Não precisa se segurar ou ser delicado, mas lembre-se que se for
uma pessoa virgem, precisa estar atento. Pode vir.
Calmamente, sinto sua cabeça robusta adentrando-me.
Seguro em seus braços, olhando em seus olhos achocolatados,
perco-me, e só volto ao momento, quando vejo-o morder a boca,
percebo como estou cheia, minha boceta parece ter encolhido.
— Nossa, é difícil controlar.
— Respira fundo, pode ir com calma — Cadu assente, mas
passa a se mover, primeiro devagar, levanto minha perna a sua
cintura, fazendo-o gemer pois ele consegue se afundar mais em
mim. Aproveito o espaço, e passo a massagear meu clitóris,
seguindo o ritmo de suas estocadas, que não demoram muito
estarem rápidas e profundas. Acelero o toque em mim, sabendo
exatamente onde acariciar-me, onde gozo rápido.
Sinto o calor inundar-me, percebo que Cadu gozou, pois ele
desmonta-se em cima de mim, deixando espaço só para meu dedo
mexer-se, mas como estou próxima, gozo, satisfeita e feliz.
— Eu fiz de novo?
— Relaxa, eu gozei.
— Mesmo?
— Sim. Entenda que é absolutamente normal. — Beijo os
seus lábios, sorrindo, passeio com as mãos em suas costas suadas,
e vejo um brilho diferente no seu olhar. — O que foi? Não gostou da
sua primeira vez?
— Gostei! Demais! Acho que não poderia ser melhor.
— Servimos bem, para servir sempre. Você está me
esmagando — rio, pois seu corpo, muito mais forte e mais alto, está
relaxado sobre o meu.
— Desculpe — ela rola para o lado, suspira e então para.
Sentando assustado, olha para o meio das pernas.
— O que foi?
— A camisinha, ela sumiu. — Levanto-me na mesma hora, e
vejo seu pau sem nada. A porra do calor, não foi orgasmo?
— Merda, Cadu. — Levanto-me e não a vejo. — Onde essa
porra, foi parar?
— Será que ficou dentro de você? — Sua cara assustada me
faz querer rir, mas o momento inapropriado.
— Só pode ser! — deito-me e coloco o dedo buscando o
preservativo idiota. Posso sentir a abertura endurecida, mas meus
dedos não conseguem pinçá-la. — Está aqui, mas não consigo tirá-
la. Você terá que fazer. — Céus! Mal acredito que isso está
acontecendo.
Cadu coloca a cabeça entre as minhas pernas, e dessa vez
não está divertido. Sinto quando ele desliza o preservativo para fora
de mim, e ergue-o na minha frente.
Eu tento, juro, mas não consigo segurar a gargalhada.
Carlos me olha como se eu tivesse um parafuso a menos.
— Admita, foi engraçado.
— Stella, não é engraçado, você pode engravidar!
— Vou tomar uma pílula, relaxa. Agora já foi. Olha pelo lado
bom, nenhum de nós tem alguma DST[4].
— Por que você sempre olha as coisas por outro ângulo? —
Cadu se deita ao meu lado de novo.
— Porque para aquilo que não tem remédio, remediado está.
Sua mãe vive falando isso. Essas coisas podem acontecer. Nunca
ocorreu comigo antes, mas ainda bem que foi com você.
— Vou sentir saudades, Tella.
— É só você ficar — abraço-o e suspiro, por hora cansada de
todas nossas atividades coletivas. Beijo seu peito, e não sei quem
adormece primeiro, ele ou eu.
Cadu Vieira
Dezoito anos
 
Eu não posso me dar esse luxo, de voltar para casa no
feriado prolongado, mas aqui estou, dentro do primeiro ônibus
disponível para Itaúna.
Achei que a faculdade seria ruim, como todos os anos em
que estive na escola particular, mas, graças a Deus, não é um
pesadelo.
Meu colega de alojamento, Júlio, é um moço legal, de cara
conseguimos organizar as tarefas e os gastos. Juntos dividimos a
compra de mantimentos do mês. Por mais que tenha comida no
refeitório, convenhamos, tem dias que não é tão gostosa assim e a
porção é pouca para dois caras grandes. É menor ainda para Júlio,
que cursa Educação Física, e come arroz e batata mais que tudo.
No Carnaval, não consegui voltar para casa, as passagens
estavam caríssimas. Sem contar que com a pausa da faculdade
consegui um serviço extra durante os dias de folia.
Depois desses dias, Sara, a dona do barzinho em frente ao
campus, para quem trabalhei, me ofereceu um trabalho ali, e veio
muito a calhar. Como não posso me comprometer com horários
fixos, combinamos meia carga horária e meio salário, tudo
informalmente, com acréscimo das gorjetas serem minhas. Não que
estudantes deem muitas, mas salva o xerox. Minha mãe ainda
manda uma ajuda, e espero que no próximo semestre não precise
mais.
Mas o fato é que nesse feriado é aniversário de Stella, não
podia deixar de vir. Ela vai reclamar horrores pelo aniversário cair na
sexta-feira santa — como ela faz sempre quando o aniversário cai
nesse dia ou domingo de páscoa. — Minha mãe e o pai dela não
nos permite que façamos comemorações neste dia, pois nos
criaram dentro do catolicismo e são irredutíveis quanto a guarda
desse dia.
Mal posso acreditar que irei revê-la depois de três meses, é o
maior tempo que passamos separados — antes disso foi quando o
idiota do pai de Leonardo Xavier nos pegou nadando e nossos pais
nos colocaram de castigo, mas voltaram atrás quando Stella
adoeceu por isso e a perda recente da mãe na época — e as
mensagens não aplacam a vontade que tenho dela.
Quando deito em minha cama e fecho os olhos, ainda sinto
seu corpo abraçado ao meu, o gosto do seu beijo e de sua boceta
estão gravados em minha boca, a forma como nos encaixamos
perfeitamente, como ela me engloba.
Só espero durar mais dessa vez.
Confesso que depois da nossa quarta transa consegui
segurar mais, mas porra, ninguém havia me contado que era dificil
não gozar.
Quando visualizo o rosto de Stella em minha cabeça ou vejo
sua foto em alguma rede social, meu coração parece que vai saltar
pela boca.
É ridículo isso!
Decidi que dessa vez não passa.
Faz anos que sinto-me assim.
Eu não sei em qual momento foi, mas aos poucos venho
percebendo que há muito tempo deixei de gostar dela, e passei a
amá-la.
O que agora nos complica um pouco, pois estou bem longe
de casa, mas Stella é inteligente, daremos um jeito.
Afinal, sei que ela sentealgo por mim. Não faz sentido
nenhum toda aquela história de vou te ensinar… Desde quando se
tem professora para essas coisas?
É pensando nisso que fecho os meus olhos e aguardo as
próximas duas horas, que é o restante do caminho até a rodoviária
de Itaúna.
Querer chegar de surpresa quando não se tem um carro — e
mais importante uma habilitação — é bem complicado, mas aí me
lembro que em Itaúna todo mundo conhece todo mundo, às vezes
não me conhecem, mas sabem de quem sou filho.
É o que basta.
Sendo assim, não é difícil chegar de carona até a porteira na
Vale dos Periquitos, dona Lourdes quando viva, colocou esse nome
na fazenda, pois do lado esquerdo tem um morro onde várias aves
botam e chocam seus ovos na primavera.
Deixo minhas coisas afoitamente no chalé onde eu e minha
mãe vivemos, ao fundo da casa principal, retiro o presente que
comprei para Stella da mala, e vou a casa principal correndo.
Quando cheguei não vi nenhum outro carro estacionado,
além da picape de Stella, que ganhou de aniversário e me mandou
fotos empolgadíssima, nem a caminhonete de seu Vicente, nem o
carro que os empregados usam para os trâmites da fazenda. A casa
está silenciosa, adentro-a até o corredor dos quartos, mas nada
além de poucas luzes acessas.
— Stella? — chamo baixinho, para não assustá-la caso
esteja dormindo — Stella? — quando estou prestes a bater, a porta
do quarto dela se abre, mas não é Stella quem sai dela, e sim
Leonardo. De. Cueca.
— Carlinhos — ele diz com desdenho, e só a cara dele me
embrulha o estômago. — Não sabia que teria alguém em casa cedo
assim.
— O que você está fazendo aqui?
— Uai… a Stella não te contou?
— Me contou o quê?
— Estamos juntos… Vocês se falam o tempo todo… pensei
que soubesse. — Minha garganta se fecha, meu coração dispara,
sinto minhas narinas arderem, mas respiro fundo.
— Isso não é verdade, nós dois compartilhamos tudo —
segredos, dos mais simples aos mais sórdidos, até mesmo as
primeiras vezes.
— Ou compartilhavam… Fala sério, Carlinhos, você é um
pirralho ainda, Stella sempre te teve como um irmão mais novo. —
Irmãos não beijam na boca ou transam, é o que quero responder,
mas isso é tão nosso que parece errado compartilhar com esse
cara. — Talvez não seja legal dividir com os mais novos detalhes…
Íntimos. Deve ser por isso que ela não te contou.
— Isso não é verdade — limito-me a respondê-lo.
— Ah cara, só porque vocês se beijaram uma vez ou
foderam? — A gente não fodeu… — A Stella faz isso o tempo todo,
com vários caras, não se sinta especial por isso. — Respiro fundo e
mordo o lábio, viro-me para sair, afinal não dá para ficar em paz com
esse cara. — Quer dizer, ela fazia. Pois estamos sérios desde
fevereiro, então…
— Vocês o quê? — viro-me para ele de novo.
— Você se mudar foi a melhor coisa que me aconteceu,
deixou o caminho livre para que eu tomasse o devido espaço, então
a pedi em namoro e ela aceitou. Stella sempre se segurou, pois eu e
você não nos damos muito bem, mas agora já era…Não
demoraremos muito a nos casar, obviamente.
— A Stella vai fazer vinte e um anos, e ela já me disse que
não se casará cedo e…
— Eu sei, mas acabou que aconteceu.
— O que aconteceu? Você? — Desdenho — pelo amor de
Deus, ela…
— O bebê. Ela também não te contou isso?
— Que. Bebê? — encosto-me na parede para não cair.
— O nosso — ele sorri —, vejo que vocês estão mesmo
desconectados… Estamos no primeiro trimestre, decidimos que não
contaremos para ninguém, mas pensei que pelo menos você ficaria
sabendo… — Minha respiração está acelerada, mas não deixo-o
perceber que ele está me afetando.
— Você está mentindo.
— Estou mentindo? Por que mentiria? Fala sério. Eu sou
mentiroso ou você é iludido? Em que mundo você vive? Achou que
a Stella ficaria com quem? Você? — ele ri, e me observa por um
tempo, não digo nada, então ele prossegue — Achou mesmo que
ela te escolheria… Então já respondeu minha pergunta, é um
iludido. Cara, olha para você, preto, filho da empregada, mora de
favor, essa é sua vida, tudo que você tem hoje é porque os Macedo
te concederam, chega a ser hilário essa fantasia que criou.
Cinderela só funciona para meninas, cara… E mesmo assim, ela era
branca e loira. — Cada palavra de Leonardo atravessa minha
mente, de tal forma, que por minutos perco a capacidade de
devolver todas as ofensas que ele me faz.
— Você já se olhou no espelho para falar da minha cor? —
Leonardo é um homem pardo, de cabelo crespo, olhos escuros e
muito bem apessoado.
— E você sabe quantos dígitos tem na minha conta
bancária?
— Pegue seu dinheiro e enfie no seu cu, ou onde você bem
entender. E agora eu vou conversar com a Stella, pois a conheço,
ela não esconderia nada de mim. — Seu corpo bloqueia a porta do
quarto que quero invadir, tamanha minha fúria.
— Você não vai acordá-la! Minha mulher dormiu há pouco,
ela está com enjoo.
— Saia da minha frente agora ou vou esmurrar sua cara até
você ficar irreconhecível.
— Pode tentar a sorte. Venha — ele me desafia e cego pelo
ódio parto para cima dele.
Num instante estou me apoiando na parede para não cair, e
no outro estou empurrando-o contra a porta, abrindo-a, caindo
dentro do quarto dela.
Nada! Eu não enxergo nada em minha frente, só o seu rosto
bonito que quero estragar, deixá-lo vermelho.
Ouço o primeiro estalo e não sei se é do nariz dele ou da
minha mão, mas eu não paro, continuo.
— CADU! CADU, PARA! — sinto o toque que conheço há
anos, e isso me faz parar. Mal reparo a respiração arfante e nem sei
diferenciar se o sangue é dele ou meu. — Que merda é essa Cadu?
Você ficou louco?
— ELE, É ELE QUEM FICOU! É VERDADE? — grito com
ela.
— O quê? Do que está falando?
— Do bebê, porra! É verdade?
— Você contou para ele? — ela se vira para ajudar Leonardo
a se levantar.
— Ele precisava saber!
— Porra, Leo, falei que ia contar para ele! Você não me
escuta nunca? Cadu, deixa eu explicar.
— Explicar? Explicar? Você fodeu com tudo, Stella! — meu
coração já não tem mais o ritmo acelerado de antes, afinal não sei
se um quebrado em milhões de pedacinhos, pode sequer bater.
— Você já teve sua confirmação! — Leonardo se coloca entre
nós dois, ela nem mesmo tem coragem de olhar em meu rosto! —
Stella — ela a abraça —, se acalma, você não pode passar por esse
estresse.
— Vai ser assim? Você não vai me dar chance de falar? —
Sua voz chorosa, corta ainda mais meu coração, mas sinto que se
eu amolecer agora, serei sempre capacho de um amor unilateral.
Onde eu estava com a minha cabeça?
Odeio ter que concordar com esse filho da puta, odeio, mas
ele tem razão! Que conto de fadas foi esse que inventei?
— Acho que seu amiguinho já disse tudo que tinha para falar!
E adivinha? Não quero mais ouvir nada. De todas as pessoas do
mundo, Stella, jamais imaginei que seria você a que eu mais
desprezaria! Você me usou, você sempre soube, não é possível…
Como pôde fazer isso comigo? — sinto meu choro preso
começando a descer no meu rosto. — Você não tem o direito de
acabar com a minha vida, Stella! Não tem! Acha que só porque tem
dinheiro, pode fazer isso? Acabar com a minha vida? Esse bebê…
— Carlos Eduardo, acho melhor você se acalmar e ponderar
as coisas que está falando comigo. Uma coisa dita não pode ser
retirada. — Ela fala, ainda sem me encarar. 
— É mesmo, Stella? Eu não ligo! Por mim pode ir, você, esse
idiota, todos pro inferno. PESSOAS COMO VOCÊS SE MERECEM!
— eu berro para eles.
E o pior é que me corta mais o coração vê-los abraçados do
que ela ter um filho dele.
— O que você achou, cara? Que ela viveria com meio salário
mínimo? Isso não paga nem a bota que ela usa! — Penso que a
cara dele está pouco arrebentada, e parto para cima dele, o que me
impede de seguir é Stella que se coloca entre nós.
— SAIA DA PORRA DA MINHA FRENTE, STELLA! SAIA
AGORA!
— Ou o quê? Vai me socar também, você está sendo
ridículo, para com isso.
— Stella, ainda resta um resquício de respeito dentro de mim
por você, então, SAIA DA MINHA FRENTE OU EU NÃO
RESPONDO POR MIM.
— Carlos? Por que você está gritando com a minha filha? —
A voz de seu Vicenteecoa em minha cabeça tantas vezes que só
quero acordar do pesadelo em que a mulher que amo está grávida
de um idiota. — Ninguém vai me responder?
— Não é nada, pai. — Vejo o medo estampado no rosto dela.
— Uai, Stella, não me parece nada.
— Parabéns, seu Vicente, o senhor será vovô — falo
baixinho.
— CARLOS EDUARDO! — Ela me repreende. Em outros
tempos eu guardaria qualquer segredo dela, talvez até a ajudaria a
esconder um corpo.
— O quê você disse?
— Sua filha, está grávida, não sabia?
— Stella, o que ele está falando?
— Pai, e-eu…
— Quer saber? Eu estou de saco cheio. Vou embora. — Viro-
me de costas, rumando para o quintal.
— Ei! Espera aí! Eu ainda preciso falar com você. — A voz
exigente de Stella me para.
— Pois eu não preciso falar com você, Stella. — Sinto sua
mão fria me tocar, incendiando-me sob sua palma, mas puxo o
braço com força.
— Stella, deixa, ele é um babaca. — Leonardo a puxa para
si, fazendo meu sangue borbulhar mais ainda.
— É, Stella, me deixe ir, escute seu cachorrinho, pois a
coleira que você tinha em mim foi tirada há algum tempo, se
precisar de um brinquedo novo, não tenho dúvidas de que Leonardo
está mais do que disposto.
— Carlos Eduardo, se você sair por essa porta, eu nunca
mais irei olhar na sua cara. Está me ouvindo?
— Foda-se, não me importo. Nesse momento não existe mais
ninguém no mundo que tenha mais meu ódio do que você.
— Quer saber? — ouço sua voz embargar — Leo, tem
razão… Você está todo aprumado, se sentindo homem demais,
ganhando trezentos reais por mês, e isso não paga mesmo nem a
bota que eu uso! Não preciso de você, não preciso de ninguém, sou
autossuficiente, não vou ficar rastejando por migalhas. — Sorrio
com deboche para ela.
— Migalhas? Quer falar de migalhas? Eu quem sempre vivi
de migalhas, não só sua, como da sua família. Você sempre me
teve na palma da sua mão, minha coleira sempre teve seu nome
gravado, mas eu não quero mais isso. Acaba aqui. Realmente o que
eu ganho é pouco, mas ao contrário de vocês, sempre precisei
correr atrás das minhas coisas. Mas muito me admira, Stella,
sempre estive ciente que você era filhinha de papai, mas agora ser
uma…
— CALA A BOCA. — Seu grito é tão alto que minha mãe
aparece, segurando um pano de prato, com os olhos assustados. —
Nem mais uma palavra, não quero ouvir sua voz, sou eu quem não
quero mais saber de você. Espero que essa seja a última vez que
ouço sua voz e vejo sua cara idiota. Eu odeio você.
— Que bom que concordamos em alguma coisa. Até nunca
mais.
Jamais colocarei o pé nesse lugar, por Nossa Senhora, eu
juro.
Largo o caos instalado naquele corredor para trás, e
agradeço a Deus por não ter desfeito a minha mala. Pego-a
correndo, atravesso-a no meu corpo, e rapidamente penso em como
sairei dessa fazenda no breu que está ao redor daqui.
— Chico — bato na porta do senhor que me viu crescer, e
mora no chalé ao lado de onde minha mãe mora e que fui criado —
Chico, você está aí? Chico, abre por favor.
— Oi, menino, tá com a mãe na forca?
— Você pode me levar na rodoviária?
— Gora, trem? Nem tem ôibus pra capitá sas hôra.
— Sim, Chico, por favor, mando uma garrafa de cachaça de
Viçosa. Mas eu preciso ir embora da fazenda agora.
— Que bosta hein, Dudu — vejo-o afivelar o cinto, e pegar a
chave da caminhonete rural que usa na fazenda —, vão bora trem.
Só espero que mantenham o trabalho da minha mãe.
A última coisa que vejo quando olho para trás, sobre a
caçamba da caminhonete, é minha mãe, com as mãos na cabeça, o
olhar desesperado e choroso partem o restante do meu coração.
Eu volto para te buscar, mamãe.
 
Stella Macedo
Vinte anos
Por milhares de vezes, é comum ver em filmes aquelas cenas
onde algo terrível aconteceu e só é possível ouvir o zumbido. É algo
bem clássico, que para mim só acontecia ali, mas vejo que quem
criou esse momento, viveu exatamente minha vida neste
determinado instante, pois é isso que está acontecendo comigo.
Um zumbido estridente está bagunçando minha cabeça,
fazendo com que ela rode e me deixe tonta.
— Stella? — A voz rouca do meu pai é o que me tira do
transe. — Minha fia, o que o Eduardo disse, é verdade?
— Pai — minha garganta se fecha, tomada pelo choro —
eu…
— Seu Vicente, acho melhor vocês conversarem daqui a
pouco, estamos todos muito agitados. Cida, traz um copo d'água pra
todo mundo. — São os braços fortes de Leonardo que me erguem
do chão e demoro segundos para perceber que fui posta em meu
colchão novamente.
Meu sono estava agitado desde o momento em que fechei os
olhos, como vem sendo todos os dias, desde o maldito teste, mas
ser acordada com dois homens embolados e sangrando no meu
quarto é novidade.
Vejo o nariz de Leonardo e não sei se quero um gelo para
minimizar o sangramento ou socá-lo para que continue machucado.
Léo não tinha esse direito. Como pôde?
A decisão de contar para Cadu mal tinha sido digerida por
mim.
Quantas coisas eu ainda precisava entender para finalmente
anunciar uma gravidez para um pai que mal saiu da adolescência?
Quer dizer, eu me sinto adolescente ainda!
De quem foi a decisão de nos tornarmos adultos aos dezoito?
— Shh, calma, Stella, beba essa água. — Ele me entrega um
copo e, ainda trêmula, forço-a pela minha garganta.
— Por que você está de cueca? — pergunto quando
percebo-o de roupas íntimas. Abril é um mês em que o outono dá as
caras no interior.
— Carlos Eduardo me pegou saindo do banheiro — ele
abaixa-se e pega o short, vestindo-o. — Como está se sentido?
— Péssima e com muita raiva! Como você pôde fazer isso,
Leonardo? Você é a única pessoa que confidenciei essa gravidez.
Nem a Luiza sabe. Porra, eu precisava contar para ele. EU!
— Você já está de quase quatro meses, Stella, não ia falar
nada?
— Não se dá uma notícia dessas pelo telefone!
— Stella, ele precisa saber, seu pai também.
— Eu sei. Vou atrás dele para conversarmos… — Digo me
levantando. — As coisas não podem ser assim. A gente se conhece
a vida toda praticamente e estamos nervosos. — A mão de Léo me
para e faz com que me sente na cama.
— Calma, eu acho que você não pode fazer isso.
— Por quê? — Léo estica as mãos e me entrega três notas
de cem reais amassadas.
— Eu estava discutindo com o pai do seu filho, porque
quando contei sobre a sua gravidez, ele jogou trezentos reais,
pedindo que te entregasse, para você “dar um jeito”, o chamei de
idiota e o soquei, depois ele revidou.
— Como…? Como assim? Olha Leonardo, se isso é uma
brincadeira, é de péssimo gosto.
— Desde quando eu iria brincar com você sobre essas
coisas, Stella? Porra, é uma criança, sabe? Sei que em um primeiro
momento você ficou em choque com a gestação, mas vejo em seus
olhos que já ama essa criança, então…
— Não, o Cadu não faria isso. Ele é um homem bom,
correto… Eduardo não pode fazer isso, porque eu o amo.
— Sinto muito, querida — Leo me puxa para seu abraço —,
por você amar esse idiota. Alguns homens são assim, não sabem
manter o tesouro que tem nas mãos. Mas você não precisa disso,
estou aqui do seu lado. Porém acho que o entendo…
— O quê?
— Stella, olha para a realidade dele, e olha para a nossa
realidade… Ele faz faculdade pública por um motivo, Eduardo não
tem condições financeiras para custear os estudos, que dirá para ter
um filho… — Porra, eu nem pensei nisso. — Serão fraldas, leite,
roupas, planos de saúde, ele ganha meio salário mínimo, Stella, se
ele abandonar a federal, mesmo que tranque por um tempo, em
algum momento você ficará sozinha com esse bebê nos braços. Se
ele sair da universidade que ele passou, o que será feito dele? E
não diga que seu pai vai bancar isso, você é uma Macedo, ele não.
— Léo, você não está me ajudando! — Meu coração dispara,
e minha respiração se acelera a cada vez que Leonardo fala.
Merda de pílula idiota, tinha que falhar na minha vez?
Stella! Deus está ouvindo isso — ralho comigo mesma.
— Desculpe, princesa, mas preciso que você pense com
clareza neste momento, não só por você. Ele mal completou dezoito
anos, nem mesmo sabe se é esse curso que quer seguir, você
mesma disse, isso nos mostra aimaturidade dele. Pensa, é esse
tipo de homem que quer ter ao seu lado? Ele não tem financeiro e
nem emocional para estar com vocês nesse momento. Veja só
como Carlos se comportou só com a notícia.
— Quais as exatas palavras que ele usou? Sobre o dinheiro.
— “Não quero saber dessa merda, vai estragar a minha vida
e dê esse dinheiro para ela resolver tudo isso”. — Isso não se
parece em nada com algo que meu Cadu diria.
— Nã-ão — meu choro começa a ser copioso de novo, ao
ponto de arder o nariz quando as lágrimas descem pesadas pelas
minhas bochechas.
— Não, meu bem, não fique assim. Só te contei isso para
você saber quem está ao seu lado, não é para ficar pior. Eu estou
do seu lado.
— Eu não quero tirar esse bebê — começo a reviver o
instante em que descobri que minha mãe faleceu.
Até o momento esse tinha sido o pior dia da minha vida.
Lembro-me de pensar que pelo menos um dia teria um filho
ou filha para chamar de meu, e todo o amor que minha mãe não
pôde me dar, eu daria a essa nova pessoa.
E agora tenho alguém dentro de mim, e tenho a chance de
poder amá-lo incondicionalmente, para sempre.
Perder a mamãe muito cedo doeu e devastou-me de formas
inexplicáveis, porém, a sugestão de perder um filho, e eu já
considero esse feto um filho, poderia quebrar-me de uma forma que
temo não haver paliativo existente que me faça ter vontade ou força
de viver.
— Você não precisa, pois não está sozinha. Estou aqui.
Estarei para sempre ao seu lado, tenho certeza de que Luiza quer
ser madrinha dessa criança.
— E o que vou falar para meu pai?
— Simples, vamos falar que eu sou o pai.
— QUÊ?
— Olha, Stella, não me anima nem um pouco ser uma muleta
ou algo do tipo, mas você deve saber… Eu amo você uma vida toda
e não existe nesse mundo limites para o que eu faria por você,
agora vocês.
— Eu não posso acabar com sua vida, está louco? Uma
criança não é um adereço que você pode descartar depois.
— Sei disso, eu tenho irmãos, lembra-se? Mas sou
perdidamente apaixonado por você, sempre fui e não há nesse
mundo uma mulher que possa me fazer feliz, se não você.
— Léo, a gente não funciona assim…
— Nós já transamos, Stella, sem contar que suas primeiras
vezes são minhas, fui o primeiro homem que tocou sua boca e seu
corpo. O certo é que eu me case com você.
— Em que mundo você vive? — empurro-o — Não estamos
na época dos nossos pais. Pelo amor de Nossa Senhora.
— Stella, essa é uma cidade pequena. Todos vão falar de
você, e eu não quero isso.
— Adivinha? Não ligo, foda-se! Tenho coisas mais
importantes para resolver hoje, eu tenho uma gestação de quase
quatro meses, em cinco eu estarei parindo.
— Eu ainda acho que a minha sugestão é a mais plausível.
— Leonardo, eu não amo você.
— O amor é superestimado, você ama o Carlos, já entendi,
mas amo você, por dois, e o que amá-lo fez com você? Agora está
desamparada e com um filho, Stella, você não é burra. Sem contar
que com o passar do tempo você vai aprender a me amar como
homem. Deixa eu fazer isso por você, Stella, por favor.
— Você já imaginou quando essa criança nascer e se parecer
com a Cida? Com o próprio Cadu? Você vai ser chamado de
chifrudo.
— Com sorte, a criança se parecerá com você, e se não, é
algo para pensarmos ao longo do tempo. Mas até lá, vamos ter
pensado em algo. Sem contar que nossa família tem dinheiro, em
breve meu pai será candidato a prefeito, ninguém falará de nós.
— Mas a Cida e meu pai não são burros, eles vão perceber!
— Você acha que a empregada terá a audácia de questionar
a patroa desse jeito? — Odeio quando ele fala assim da Cida.
— Não fala assim dela.
— Desculpa, tá ? Estou ficando nervoso. Deixe-me te ajudar,
Stella, facilita.
Quais as minhas opções?
Deus, sou sempre temente a Ti, me ajude, espero que eu
esteja tomando a decisão certa.
— Eu acho que preciso pensar, Léo, não é algo que se
decida de uma hora para outra.
— Costumo pensar que para tudo na vida existem duas
opções. Uma, você pode aceitar e montamos aqui e agora uma
história sem furos, ou posso ir embora e você explica para o seu pai
como se deitou com o menino que ele apadrinhou desde os cinco
anos. Você nunca foi covarde, Stella. Decida-se.
— Já pensou que Carlos Eduardo pode voltar aqui, todas
férias e feriados? Já pensou o que ele vai fazer se vir a criança?
— Isso é fácil, caso ele queira reivindicar algo, você vai
seguir a mesma história, que o filho é meu. Se ele te pressionar,
diga que abortou o bebê, e esse filho é meu. Vai ser a nossa palavra
contra a dele.
— Ele pode exigir um DNA.
— E nós podemos pagar por uma resposta que nos beneficie,
Stella.
— Eu não posso tirar a paternidade dele assim, se ele voltar.
Não entendo de leis, mas tenho quase certeza que caso falsifique
um DNA, posso ser presa! Não vou me submeter a esse tipo de
coisa.
— Por isso estou falando que cuidarei de vocês, não
precisará sujar suas mãos delicadas com isso, princesa. Você terá
um homem de verdade ao seu lado.
— Ele sabe fazer contas, se falarmos que esse bebê é seu, a
criança deverá nascer prematura, e não sou médica, mas sei que
não é recomendado engravidar logo após um aborto.
— Você ainda tem esperanças que ele volte?
— A mãe dele trabalha aqui!
— Carlos não é homem o suficiente para voltar aqui, ele
deixou dinheiro para um aborto, Stella. Mas, caso essa suposição
sua, venha a tornar-se verdadeira, eu darei um jeito.
— Não estou certa disso, Leonardo.
— Uai, Stella, posso te levar a uma clínica, se for da sua
vontade. Falamos para o seu pai que é mentira. — Essa opção,
minimamente, faz-me suar frio. Prefiro morrer. — Mas, estarei aqui
pelo que você precisar, na hora que precisar. Eu posso fazer isso,
Stella.
— Parece que você está me pressionando, e isso não está
sendo bom para mim. Estou muito confusa , Léo.
— Bem, você quem sabe. — Ele suspira pesadamente, e se
levanta. — Não tenho mais nada o que fazer aqui. Sabe onde me
encontrar.
— Se fizermos isso, ficarei te devendo uma.
Por mais ridículo que possa ser após tudo que vivenciei essa
noite, ainda alegro-me em ter uma parte de Cadu comigo.
E fazer um pacto desse tipo com Leonardo, parece-me
errado, bastante errado.
Tec, tec
É o barulho que me acorda, levanto a cabeça para a
penumbra que está o meu quarto, e custo a entender que alguém
está batendo na minha janela.
Será que Cadu voltou?
Quando abro a janela, minha esperança se esvai, é só a
Luiza.
— Nossa, se eu soubesse que me ver te faria tão feliz, teria
vindo mais cedo.
— Desculpe — abro espaço para que ela pule e adentre o
quarto.
— E foi você quem me mandou uma mensagem, chamando-
me. Eu estava em uma festa muito louca da faculdade — ela se joga
na cama cansada —, com sexo em grupo.
— Desculpe.— Deito-me ao seu lado.
— Eu entrei, escondida de madrugada, contei sobre uma
festa louca, com sexo louco e você pediu desculpas duas vezes. Vai
me contar o que está pegando, ou terei que arrancar de você? Sua
cara está péssima. Desembucha.
Esse é o sinal que precisava.
Eu falo tudo, tudo mesmo.
Desde o primeiro beijo, como foi, todas as sensações, depois
como as coisas passaram para um sentimento mais profundo, sobre
meu receio dele ir para tão longe, e então minha proposta idiota
sobre virgindade, e que visitamos o colchonete no celeiro mais
vezes do que pretendia.
E então, o teste positivo em fevereiro e essa noite, desde ele
gritar horrores comigo, meu pai, Leonardo.
Pela primeira vez na vida estou sendo detalhista.
— Porra.
— Olha só, Luiza, não é para você só falar isso. Só porra?
Estou matracando há duas horas aqui.
— E você não gritou de volta para o Cadu?
— Não.
— Isso não me parece em nada com você, Stella. De
verdade.
— Por quê?
— Porque a minha Stella, não assistiria a vida dela se
passando em frente aos seus olhos e não tomaria a frente.Você
nunca foi uma coadjuvante apagada, que só está ali para preencher
um espaço na cena.
— Minha cabeça está explodindo há horas.
— Eu deveria te dar um sermão por me esconder a gravidez,
sou sua melhor amiga, não o idiota do Leonardo…
— Eu estava desesperada!
— Mas, só porquevocê está carregando meu afilhado, será
poupada disso.
— Obrigada.
— Te desculpo, se me prometer que vai atrás de Cadu, nem
que tenha que bater de porta em porta até achá-lo. Sem gritos, sem
choros.
— Ele disse que não quer me ver nunca mais, que atrapalhei
a vida dele.
— E você disse que o salário dele não paga sua bota. Cê foi
mó escrota.
— Está de qual lado?
— O pau que dá em Chico, bate em Francisco, Stella. Estou
do lado dos dois, de um amor que acompanho desde a infância.
Vocês sempre se amaram. Não sei como isso tornou-se um amor
romântico, mas isso não vem ao caso. O fato é que ambos falaram
muitas coisas que conhecendo-os, pelo menos conhecendo você,
tenho certeza de que foi no calor do momento.
— Não queria falar aquilo, porra, sei que o Cadu vai
conseguir muitas coisas ainda, e o valor da conta bancária dele não
me importa, nem hoje e nem nunca.
— Essa é a Stella que eu conheço. — Ela segura minha mão
por cima das cobertas e então sorri. — Vou ser dindinha, meu Deus!
— Sim, não existe pessoa melhor para esse cargo — alguns
minutos se passam, e ficamos caladas. — Dormiu?
— Não, estou pensando em umas coisas que me contou.
Não é estranho essa história toda do Léo?
— Como assim?
— Cueca, Cadu, ele achar o Cadu…
— Você não é amiga do Leo também?
— Hmm.. sim. Mas a família deles é bem suja. Ainda não me
esqueci que a Júlia cortou as cordas da minha cela na competição
de hipismo.
— Mas eles são irmãos, não farinha do mesmo saco.
— Uma fruta não cai longe do pé, Stella. — Eu bocejo,
fazendo com que ela também o faça. — Vamos dormir, amanhã é
outro dia. Você vai atrás de Cadu, certo? Não seja a orgulhosa que
conheço. E desfaça esse pacto do demônio com Leonardo.
— Sim, para as duas coisas.
Respiro fundo, com tanto sono, que não sei qual de nós duas
adormece primeiro.
A única certeza que eu tenho é que irei acordar cedo e ir até
Viçosa.
 
 
 
Cadu Vieira
Itaúna, Minas Gerais, maio de 2022.
Inspiro e expiro profundamente e quase sinto-me ser
abraçado pelo cheiro do mato, a brisa de ar quente que só o centro-
oeste mineiro consegue transmitir.
Há mais ou menos vinte e três anos eu pisei aqui, ainda
moleque, agarrado na saia da minha mãe. Mesmo pequeno, lembro-
me de pensar “como saímos de Belo Horizonte para vir para o meio
do nada, mãe?”
Na época não entendia que minha mãe era viúva, tinha um
filho pequeno para criar, e os serviços informais do meu pai não lhe
concedeu uma pensão, nem algo do tipo.
Não sabia o quão impactante era para ela trocar nossa casa
de aluguel em um bairro humilde, mas bem quisto, por um barraco
na periferia. Eu não entendia quando mamãe chorava no fim do
mês, ou porque saíamos de um barraco para outro de uma periferia
para outra, pois mais uma vez não conseguimos pagar o aluguel.
Minha mãe tinha que fazer uma escolha: ou alimentar-me ou pagar
nossa moradia.
Quando uma senhora bonita e rica da zona sul ofereceu para
ela um empego em sua fazenda, dona Cida não pensou duas vezes
ao ouvir que não pagaríamos aluguel, alimentação e nem mesmo as
despesas básicas de água e energia.
Lourdes Dias, não sabe, mas ela foi nossa heroína sem capa.
Mal consigo imaginar o que seria de nós se tivéssemos
continuado na capital.
Aqui eu tive a melhor educação, algo que minha mãe só
cogitou me dar em sonhos.
Estudei em escola particular, na mesma da filha de dona
Lourdes e do seu José Vicente, eles custearam tudo, do uniforme à
mensalidade, sem nunca descontar míseros centavos da minha
mãe. No ensino médio, até mesmo um curso pré-vestibular o
fazendeiro, na época já viúvo, pagou. E é graças a ajuda financeira
dele, somado ao meu esforço, que entrei para uma das
universidades mais conceituadas do país, a Universidade Federal
de Viçosa.
Tinha tudo para dar certo, a não ser pelo curso que eu tinha
escolhido. Zootecnia.
Brilhava-me os olhos aprender gerir o que na maioria das
vezes seria o sustento de uma grande fazenda, porém foi um pouco
tarde, quase no fim da graduação, que entendi que eu estava
totalmente errado, mais uma vez, na minha vida.
Mais do que fazer dinheiro em melhorias agropecuárias e
genéticas, gosto de cuidar dos animais.
E lá fui eu, abandonar o curso bem perto do fim, com o pé no
capelo e beca, fazer de novo a prova e ingressar no curso de
medicina veterinária.
Até então foi sucesso.
Percebi que sentia mais prazer em remover miíase do que
calcular valor de sêmem ou óvulo. Eu sei, não é nada agradável
para quem tem estômago fraco.
Encontrei minha paixão, me formei, mudei-me para Belo
Horizonte após a formatura, e comecei a trabalhar em uma das
clínicas veterinárias mais conceituadas da cidade, na zona sul, bem
no coração da Savassi.
Um salário ótimo, ainda mais para mim, que nunca me
importei com plantões noturnos, e até mesmo trocava com os
colegas os fins de semana, fazendo uma renda extra que me
permitiu comprar minha picape Strada 0km à vista.
Era para eu me sentir feliz, bastante feliz.
Mas o caso é que eu não estava. Nem um pouco, longe
disso.
Eu amo animais, isso não é discutível.
Mas nada ali me desafiava. Estava cansado de tratar alergia
alimentar, otite, depressão, insuficiência renal, gastrite, obesidade e
erlichiose[5] nos cães e gatos da família rica.
Meu trabalho voluntário em ONGs era o que mais me deixava
animado nos últimos tempos.
Uma vez questionei a Nicolas[6], meu melhor amigo, o que era
felicidade. E lembro-me como se fosse hoje, o cara mais inteligente
que conheci na minha vida, sorriu e respondeu:
— É só um estado passageiro, Cadu. Poderia ser como água,
em sua forma sólida nos polos, mas é como ela em estado gasoso,
frágil, rápida e passageira. Essa é a felicidade, então cabe a nós
aproveitarmos antes que termine de evaporar.
Foi pensando nisso, no pequeno lapso que é a felicidade que
decidi pedir conta, e aceitei o trabalho na Fazenda Vale dos
Periquitos.
Onde jurei nunca mais colocar os pés.
Quando, aos dezoito anos, juntei a mala de mão com minhas
roupas, não pensei que eu voltaria.
Jamais imaginei que voltaria depois de tudo. Essa é a
verdade.
Mas é como fala aquela música, vai que bebereis.
Aqui jazo eu, há vinte minutos rodando na estrada de chão
batido, levantando a poeira vermelha atrás de mim, deixando minha
picape branca pedindo socorro, um lava a jato e um esteticista
automotivo. Aliso o banco de couro, sintético, e suspiro
pesadamente.
Itaúna modernizou tanto nos últimos anos. Quando era
pequeno, lembro-me da primeira vista, não tinha um prédio, e para
mim que estava acostumado com a capital, foi um baque
significativo, e hoje, ao passar pelo centro, me senti em Belo
Horizonte por alguns instantes.
Mas foi por pouco tempo, minutos depois já é notável que
estamos no interior. A calmaria, os carros parando na faixa de
pedestre, sem um semáforo, deixando as pessoas atravessarem,
idosos sentados às 11h da manhã na praça jogando dominó, os
cumprimentos de cabeça e acenos de mão, deixa claro que todo
mundo se conhece, e os que não se conhecem, com certeza sabe
quem é seu pai, mãe ou algum parente seu.
Eu nem sabia que sentia falta, até rever isso.
Luan Santana chora no meu som, em uma versão mixada,
enquanto absorvo a paisagem, e curto meus últimos minutos de paz
e preparo minha áurea para rever a Demônia.
Começo a já fazer minhas preces a Nossa Senhora
Aparecida, pedindo que ela me abençoe, dobre minha paciência e…
Que porra é essa?
Misericórdia Mãezinha do céu, desculpa.
Uma égua branca, linda, está pastando na margem da
estrada, solta, sem nenhuma amarra.
Estaciono bem próximo da cerca marginal, e desço do carro.
Uma nuvem de poeira cobre meu vans old skool branco,
fazendo-me rir ao lembrar de Nicolas falando que eu não combino
com o campo.
É Nickinho, talvez eu precise me adaptar.
A fim de evitar um possível coice, aproximo-me da égua em
sua lateral, e vocacionado para que ela me olhe. Sem vontade
nenhuma, ela levanta a cabeça e me olha com desdém. Sua crina
está trançada diversas vezes, presa com tererê colorido. Observo-a
e percebo que se trata de uma MangalargaMarchador. Pura,
aparentemente.
— Ei, moça — chego mais perto dela, vendo se ela aceita
meu toque, esticando a mão calmamente — o que você está
fazendo aqui sozinha, hein? Você pode causar um acidente. —
Toco-a, e ela inclina-se ao carinho. — Humm, você é carente, é?
Onde está o seu dono, hein? — Olho a sela cara que está
perfeitamente alinhada no dorso do animal. Passo a procurar algum
indício a quem pertence, até que ouço o farfalhar da mata fechada
ao meu lado.
— Tira a mão da minha égua! — A voz arfante e altamente
reconhecível, mesmo depois de tantos anos, faz meus pelos se
arrepiarem de gastura. — A capital te deixou surdo? Eu mandei tirar
as mãos da minha égua.
— Uma vez foi perfeitamente audível, Stella.
— Uai, o que tá esperando então? — Viro-me para sua voz, e
estagno ao olhar seu rosto.
Suas bochechas estão coradas, a única covinha que ela
carrega do lado direito não está aparente, mas as sobrancelhas
marcantes estão franzidas e o rosto tenso fazem a boca larga e de
lábios grossos ficarem mais proeminentes.
O cabelo longo demais, que na sombra parece ser preto, mas
ao sol sei que é castanho, está bagunçado, mesmo sendo liso com
leves ondulações, olho-a de cima abaixo e percebo que Stella Dias
Macedo parece intocada pelo tempo. Ainda reconheço a moça de
quase vinte e um anos que quebrou meu coração, na mulher de
trinta e um anos parada na minha frente.
As vestimentas também parecem não ter mudado nada, mas
isso faz é tempo, desde que me lembro dela, é a mesma coisa: uma
bota de montaria, que compraria todo meu guarda roupas com
certeza, uma calça jeans skinny, às vezes — muito raramente —
uma flare, um cinto largo, com a fivela oponente na frente, uma
regata de cor clara na primavera e verão, que ela substitui pela
camisa xadrez de flanela escura no outono e inverno. Na cabeça
sempre tem um chapéu tradicionalmente branco, ou um boné com o
brasão da Fazenda, raro são os momentos em que ela está com os
cabelos soltos como agora, o que eu estranho.
— Achei que você tinha ido estudar, mas voltou mais
ignorante do que foi, não sabe o que é soltar uma égua, diabo?
— Desculpe, eu… Quer dizer, desculpa nada! Eu estava
tentando tirar a égua da estrada, preciso passar.
— E tirou essa carteira onde, hein? Quer que eu tire o carro
para você? As autoescolas de Belo Horizonte não ensinam a
desviar de obstáculos? — Respiro pesadamente, engolindo a raiva
que seca a minha garganta. Ela já está próxima a mim, e pega a
guia da égua.
— Não vou gastar meu tempo com você, Stella. Ótimo que
chegou, tira a égua da estrada, e pronto… Vou seguir caminho.
Aliás o que você estava fazendo no meio da mata?
— Não sabia que te devo satisfação, e você pensa que tá
indo onde?
— Eu também não te devo satisfação nenhuma. — Olho-a de
cima. Por mais que Stella tenha 1,70m, eu supero sua altura, em
dezesseis centímetros.— Mas se quer tanto saber da minha vida,
estou indo para a Vale dos Periquitos. — Sua boca se abre como
quem irá começar uma briga, e minhas costas tencionam, pois sei o
que essa boca é capaz, tanto para o prazer quanto para me destruir.
— O que você está indo fazer na minha casa?
— Uai, Stella, seu Vicente não te contou? Prazer, Carlos
Eduardo, médico veterinário responsável pela Vale do Periquitos. —
Sorrio de satisfação ao ver o choque em seu rosto.
— O quê? Como assim? — Ela me mede de cima abaixo e
balança a cabeça desacreditada. De repente começa uma crise de
risos descabida, em segundos está gargalhando. — Não sabia que
era comediante, Carlos, você tem futuro. — Eu odeio que me chame
de Carlos, a Diaba sabe disso.
— Não estou entendendo os risos, Stella.
— Você se olhou no espelho hoje?
— Várias vezes.
— Pois deveria voltar, pois essas roupas de mauricinho, além
de ridículas, não dão credibilidade nenhuma a essa história sem pé
nem cabeça que está contando. Eu sou responsável por contratar e
demitir, e você é a última pessoa que contrataria. Quer dizer, nem
assim, eu mesma ingressaria na faculdade de medicina, me
formaria, ao invés de deixar meus animais sob o seu cuidado.
— Que bom que foi seu pai então que me contratou, eu
odiaria ter que ver sua cara todos os dias.
— Olha aqui, seu…
— Dona Stella, seu chapéu e seu topper... — Um rapaz
musculoso, vestido tipicamente como um peão da fazenda, porém
um tanto desalinhado surge do lugar que ela saiu há pouco. Olho
para seu cinto, percebo que ele está torto e com a fivela larga
parcialmente aberta, fixo os olhos na regata, e posso ver o relevo
dos bicos de seus seios.
Como dois e dois são quatro percebo o que eu ainda não
havia concluido. Stella estava transando na mata, com um cara que,
por nomeá-la como dona Stella, deve ser funcionário na fazenda.
Mordo o lábio, eu preciso do emprego, evitando que os
dizeres mais esdrúxulos saiam da minha boca.
— Você estava transando no meio do mato, Stella?
— Não lhe diz respeito minha vida, Carlos. — Minha bile sobe
à garganta e eu a engulo, mas isso não evita que sinta o gosto
amargo na boca. — Mas estava sim, e você como o belo empata
foda que é, veio mexer na minha égua.
— Você não tem vergonha não? Stella, se você me escutou
conversando com o animal, estava logo à margem da mata, e
ainda…
— E daí?
— Quer saber? Você está certa. Foda-se. Só espero que no
meio você tenha esfregado sua boceta num monte de aroeira[7], que
se coce inteira, e…
— Quem você pensa que é? Carlos… — um ônibus escolar
se aproxima, trazendo a nuvem de poeira, para ao se aproximar de
nós, e buzina. — Merda.
— Oi, mãe — um garotinho coloca a cabeça para fora e
balança o braço — posso descer aqui e ir de garupa?
— Oi, amor, não a mamãe está trabalhando, desce em casa,
a Cida está te esperando para o banho e almoço. Já vamos tirar o
carro e a égua, Solange — ela sorri simpática para a motorista.
— Tudo bem, dona Stella — a motorista sorri simpática.
Pelo jeito, nada mudou por aqui.
Stella tem tudo que quer, na hora que quer.
E antes que Stella volte a bater boca comigo, viro de costas e
entro no carro, dando partida, acelerando bastante para subir toda a
poeira nela.
Pelo retrovisor vejo ela montando na égua, e o peão logo
atrás dela.
Minha Nossa Senhora Aparecida, eu estava fazendo uma
prece, me desculpa a interrupção, mas essa capeta me tira do sério.
Me ajuda a aguentar essa mulher, pelo amor que a Senhora
tem a mim.
E pensar que nunca me esqueci desses olhos achocolatados.
Stella Macedo
Ainda estou tremendo quando desço da minha égua na porta
de casa.
Não, meu pai não faria isso comigo.
Não é possível.
— Valentino, guarda a Lua pra mim — falo entregando as
rédeas da minha égua ao capataz que acabou de descer da minha
garupa.
Valentino é um homem bonito, tem trinta e cinco anos, e
quando preciso de alívio sexual, grande parte das vezes, é ele quem
me auxilia. Sua pegada é forte, as mãos são ásperas, e seu cabelo
grande é um charme a parte.
Às vezes tudo que uma mulher precisa é de um pau acima da
média e um copo d’água.
Mas na raiva que eu estou agora, nem se juntasse os paus
de todos os peões da fazenda e o rio São Francisco todinho, me
sentiria melhor.
Como meu pai tem coragem de fazer isso comigo?
E eu nem posso chamá-lo de fodido.
Vejo a picape branca do idiota, e a vontade que tenho de
jogar esterco nela, o que me reduziria a uma adolescente, é bem
grade.
Adentro a casa, virada no Jiraya, passo pela cozinha, e mal
vejo a cara de Cida, não acho Henrique por perto, imagino que está
no banho, sem pensar demais, arreganho a porta do escritório do
meu pai.
—... dir desculpas, eu não tinha o direito. — Ouço-o falando,
sem se importar que estou parada feito um furacão — De toda
forma, sei que já conversamos pelo telefone — ele e meu pai se
falam pelo telefone? — e por e-mail — meu pai responde os e-mails
dele? Porra, eu tenho que acessá-lo e responder os fornecedores,
porque papai diz que “quem precisar de mim, deve me ligar” — mas
gotaria de reforçar que sou enormemente grato por tudo que o
senhor e a dona Lourdes fizeram por mim, e se hoje sou médico
veterinário, foi porque vocêsinvestiram em uma excelente educação
para mim.
— Carece disso não, Carlos, ocê e sua mãe são da família.
— Carlos está de costas para a porta, e meu pai está despojado,
como uma galinha ao sol, em sua cadeira de couro, pernas
cruzadas sem nenhuma preocupação.
Bato meu pé no chão, esperando que eles me notem.
— Pai — chamo, antes que ele resolva continuar batendo
papo, como se tempo não fosse dinheiro —, bença — aproximo-me,
e beijo sua careca.
— Deus te abençoe, onde que cê tava?
— Medindo terra com o Valentino. — Vejo Cadu balançar a
cabeça em negativa e bufar como um boi bravo — ele nunca saberá
que na minha cabeça ainda o chamo assim.
— Voltou rápido, uai, mas ainda bem que chegou, contratei
um médico veterinário, o último cê deu cabo nele.
— Eu não. Ele. Matou. Meu. Touro. Procriador — estou
cansada de repetir essa história. — Mas falei que ia contratar, já até
entrevistei, pai. Joaquim começa amanhã. — Bom, depois que eu
ligar e informar que o emprego é dele, mesmo que ele não me
passe muita segurança.
— Não tem problema, a fazenda é grande, precisa de mais
de um, e Carlos conhece aqui como a palma da mão. E cê olhou o
tal do biólogo pra cuidar da praga?
— Sim, Luana começou ontem.
— Bom, então não tem pendência, leva o Carlos para o
Matheus, tem uma papelada lá pra registro e pega a documentação
dele e manda pra Luiza em BH,e…
— A gente pode conversar a sós antes? — interrompo-o, não
quero discutir a demissão desse babaca na frente dele. Tenho ética.
— Vou ver a minha mãe e descer as malas — Cadu se
levanta, entendendo o recado.
— Gracinha preparou o quarto de hóspedes pro cê, é do lado
do quarto do Henrique, espero que goste.
— Seu Vicente, não precisa disso, posso dormir com minha
mãe, tranquilamente.
— Claro que precisa, cê já é homem, não pode ficar
dormindo com a sua mãe. No alojamento está cheio, e como cê é
cria daqui, não tem problema ficar dentro de casa com nós.
— Então muito obrigado. Vou deixá-los a sós.
— Pode chamar Gracinha, ela te leva ao seu quarto, e fica à
vontade. Bem-vindo de volta. — A porta mal se fecha, e já paro na
frente do meu pai.
— Como assim, você contratou o Carlos Eduardo, pai?
— Uai, ainda não me aposentei, ainda sou dono dessa
fazenda. Qual o problema?
— Você não pode me delegar uma função e cuidar dela.
Como vou dispensar o Joaquim agora?
— Já falei pra contratar o menino, uai.
— Dois veterinários? A documentação pede um.
— Se a gente tivesse dois, não estávamos nessa peleja,
Stella.
— Por que tinha que ser o Carlos? Não conhece mais
nenhum veterinário? Nessas bandas é o que mais tem.
— Stella, não tenho que justificar minhas decisões procê. Eu
tava tomando café esses dias, e a Cida tava no telefone, de vídeo,
com o menino. Ouvi o papo deles — meu pai agora é fofoqueiro, era
só o que me faltava mesmo. — O menino tava procurando um
emprego e era questão de dias até cê espantá o coitado do médico,
pois fui lá e fiz a proposta. Resolvido. Mas me diga, qual é o
problema com o menino da Cida? Ele te fez alguma coisa? Quer me
contar algo, fia?
É sempre esse mesmo questionamento. Há dez anos eu
ouço: Quer me contar alguma coisa?
— Não tenho — digo firme —, mas não quero trabalhar com
ele, eu o odeio.
— Mas por quê? O que aconteceu? Cês não eram unha e
carne, Stella? O Eduardo é um menino bom, confiável, generoso…
— quem vê cara, não vê coração mesmo, céus! — Sempre pensei
que ele seria meu genro. — Minha garganta seca na hora, e
engasgo com uma lufada de ar — Do nada, ele é a pior pessoa do
mundo?
Eu me recuso a abrir essa caixinha de Pandora.
— Não quero vê-lo.
— Simples, deixe-o trabalhar, não interfira no serviço dele. Só
apresenta ele o povo que precisa, e pronto.
— Você o colocou para dormir no quarto do lado do meu.
— E??? — suspiro frustrada e sento-me. Se eu sou teimosa,
só tinha uma pessoa a quem puxar, e ela está bem na minha frente.
Mamãe era tão maleável, pacifista. Mas aí eu tinha que puxar meu
pai. E entrar numa queda de braço, ou no caso: poder, com ele é
batalha perdida — Sabe, Stella, não tô convencido de que sei tudo
que eu preciso sobre ocê e o Eduardo.
— O que você precisa saber é que ele é um idota, egoísta,
egocêntrico, sem nenhuma moral e não honra nem o pau que ele
carrega no meio das pernas.
— Minha fia, por que tanta raiva? Seu coração é muito duro,
Stella, cê devia aprender a perdoar, sua mãe te ensinou isso. —
Sorrio sem humor, e quero dar uma resposta malcriada, mas limito a
lembrá-lo quem é meu pai.
— Falou o homem que comprou a fazenda de herança de
João Gomes Xavier, só porque ele beijou a sua namorada no ensino
médio. No caso a minha mãe. — Sua gargalhada alta faz com que
eu queira sorrir e quase esqueço que Cadu é o novo colaborador da
fazenda.
— Por isso eu disse: sua mãe te ensinou. Vai trabalhar,
Stella, cê fala que tempo é dinheiro.
— Vou ver o Henrique e já vou. — Levanto-me para seguir
minha vida, mas paro de costas quando ouço-o de novo.
— O seu problema Tella é achar que eu sou besta, e a Cida
também. Boa tarde.
Pronto.
Voltou.
A raiva todinha.
Por que diabos esse trem tinha que voltar ?
Inferno.
Procuro Henrique no quarto e não o vejo. Vou até a cozinha,
nada.
Não acredito que esse menino já foi aprontar sem nem
mesmo almoçar.
— Cida, cadê Henrique?
— Uai, sei não. Falei pra ele vim comer, preciso tampar as
panelas. — Cida e essa mania de querer limpar a cozinha. Tenho
vontade de rir toda vez que fala isso, pois sempre fica ensandecida
quando a gente não almoça no horário que ela quer.
— Já falei para corrigir esse menino, Cida, você e meu pai
deixam Henrique fazer o que quer, por isso ele é assim.
— Dona Stella, cê quer que eu faça o quê? — odeio vê-la me
chamar assim — O menino é meu patrão tamém.
— Ah pronto! Seu patrão? Pela madrugada, Cida, você
trocou as fraldas dele! Henrique não manda nem na roupa que ele
veste. Já tem nove anos que estou falando isso.
— Mãe, mãe, mãe, mãe, mãe — um furacão entra na cozinha
— mãe…
— Que foi, trem? Desencarrilhou, foi? — sento-me esperando
que ele venha até mim.
— Cê sabia que o dotô novo é filho da Cida? Eu não sabia
que ela tinha um filho! Ele é grandão e…
— Dormiu comigo? — corto-o.
— Desculpa. Bença, mãe. Mas ele…
— Deus te abençoe. Já pediu a benção a Cida? Chegou
parecendo que engoliu uma maritaca!
— Já uai, deixa eu contar!
— Henrique, acalme-se. Onde que você viu o Carlos?
— Não vi, a Gracinha me contou. — Pelo jeito, não é só meu
pai que vive de fofoca nessa casa.
— Olha só, eu não quero saber de você em volta dele, ouviu
bem? — Deus me livre desse desastre.
Nós já fomos rejeitados uma vez, não precisamos de um
superpai ativar aos quase dez anos.
Como se ele fosse homem o suficiente para isso!
Para todos os efeitos, eu tirei o filho dele.
Ele mesmo pediu, certo?
Calma, Stella, se acalma, só você conhece essa história. A
outra pessoa que também sabe está morta e enterrada.
Tem a Luiza também, mas essa de fato é sua amiga e está
há quilômetros de distância.
— Por quê, mãe?
— É dona Stella, por quê? — Cida me questiona. Essa merda
vai ser pior do que eu imaginava. Céus!
A vontade que tenho de dar uma resposta atrevida chega a
espumar minha boca, mas lembro que eu mesma escolhi omitir de
meu pai e Cida — e da cidade inteira — sobre a verdadeira
paternidade de Henrique.
Sou mãe solo e pronto.
Não que o mundo tenha sido legal e deixado Henrique minha
cópia fiel.
Obrigada, genética! — Contém ironia.
Consigo ver claramente o sorriso de Cadu em meu filho, sem
contar que o jeito que andam é igualzinho, pelo menos na infância,
os olhos de chocolate derretido também. Mas acho que essas
coisas são sutis demais para terceiros perceberem a semelhança.
Porra, Carlos Eduardo, o que você veio fazer aqui?
Há exatos dez anos eu vejo a pergunta não verbalizada
permeando os lábios de Cida e papai sobre Henrique ser filho de 
Carlos, mas, Deus é bom, e nunca houve questionamentos diretos
quanto a isso. 
Acho que tudo que envolveu meu trabalho de parto e o pós-
operatório, os assustaram um pouco.
Mas lembro-me de Cidaofegar assim que cheguei com um
pacotinho azul em casa. Penso se ele recém-nascido parecia mais
com Cadu.
Bem que mamãe dizia: por vezes devemos ser gratos pela
desgraça.
— Porque eu tô falando. Tem serviço demais, tempo de
menos, tanto que vamos ter dois médicos agora. Preciso exportar
uma tonelada de Angus, preciso preparar a fazenda para os búfalos,
não quero Henrique em volta, atrapalhando as coisas. Escutou,
rapaz? 
— Mas, mãe, quando eu crescer, quero ser dotô também, já
tenho que aprender, e…
— E nada, Henrique, quando você tiver idade, vai entrar na
faculdade e tirar seu diploma, até lá, você vai estudar conforme seu
ano escolar, deixando para atrapalhar o serviço depois. Agora
almoce, e se apressa, a natação começa às 15h, e o Bruno vem te
pegar às 14h.
— Mas eu não quero ir pra natação, mãe.
— Eu não quero ir trabalhar, Henrique, mas preciso. Seu
médico disse que é importante, então você vai. Agora, bora, almoço
porque não pode nadar de barriga cheia.
— Qualquer coisa que precisar, pode me chamar, de
Gracinha mesmo — Ouço a voz feminina da auxiliar que Cida
contratou para ajudá-la há alguns anos. Olho para trás e meu maior
pesadelo vem se chocando bem na minha frente.
— Carlos, que bom que já acabou — chamo sua atenção
para mim —, tenho que te levar até o Matheus, imagino que possa
conversar com sua mãe daqui a pouco. — Cadu traz consigo uma
maleta de couro que parece pesada, um jaleco sobre os ombros, e
um sorriso presunçoso que quero arrancar-lhe no tapa.
— Sim, posso fazer isso depois. Até mais, moça. — Vejo-o
olhá-la com discrição, mas ela percebe o mesmo e sorri derretida.
— Vamos logo — apreço-o. — Relacionamentos são
proibidos entre os colaboradores da minha fazenda — falo assim
que estamos do lado de fora.
— Ah sim, é uma exclusividade sua trepar com seus
colaboradores. Já entendi. É bem ético.
— Olha aqui! — viro-me para olhá-lo, e tenho que erguer a
cabeça. Os olhos chocolates me encaram dizendo tantas coisas que
por um momento eu me calo. Nossas bocas estão pareadas
tomando o mesmo ar. — Acho bom você saber exatamente o seu
lugar, meu pai pode ter te contratado, mas pouco me custa te
demitir.
— Esqueço-me como você fica irritada quando suas ordens
são questionadas. Fique tranquila, não sou do tipo que está em
busca de acalento. Se eu quiser uma boceta, sei o caminho. Mas
me explica uma coisa, seu macho sabe que você está distribuindo?
Onde está o seu cachorrinho de estimação, Leonardo? O
relacionamento de vocês é aberto? Ou você meteu o pé nele
também? Usou, abusou e jogou fora, foi? — Minha mão para na
cara dele, antes que seu sorriso de merda se abra.
— Leonardo morreu há anos, idiota! E lave sua boca para
falar dele, ele foi mais homem do que você. Pelo menos foi homem
para… — Calo a boca. Merda. Estou com tanta raiva dele que meu
peito sobe e desce pesadamente.
Não sei se ele faz isso por raiva de Carlos Eduardo ou da
culpa que sinto pela morte do meu amigo.
— Você deu um tapa na minha cara, Stella?
— Vai dar o outro lado para eu bater também? Ou agora é
covarde e vai revidar?
— Eu não sou covarde, e…
— Tá, vamos acreditar nisso.
— Nunca bati em uma mulher, Stella, não em uma vestida.
Não preciso que me apresente nada, eu me viro. Sempre fiz isso.
Só vou te pedir uma coisa, até hoje vivi como se você não existisse,
deletei você completamente da minha vida, foi como se nunca
tivesse te conhecido ou que habitasse o mesmo planeta que eu,
então é só ficar longe de mim, e realizar meu desejo. Não exista
para mim.
Carlos se vira, descendo em direção aos alojamentos,
deixando-me plantada próximo a minha casa, com a mão ardendo.
Odeio tanto ele.
Por que você voltou, Carlos?
Cadu Vieira
Leonardo está morto.
E minha cara está queimando com o tapa que recebi dela. —
Ignoro isso, e volto a pensar no babaca mauricinho.
Como assim? Morto? Quando foi isso? Como foi isso?
Desde que saí dessa fazenda, naquela noite, eu nunca mais
voltei. Sempre levava minha mãe até Viçosa. O bar onde trabalhei
por alguns anos ainda tinha um quartinho nos fundos que alugava
por uns dias quando minha mãe ia me visitar. Lembro dela ficar
ensandecida naquela noite, demorei demais para chegar em meu
alojamento.
Mamãe sempre tentou falar comigo sobre como as coisas
estavam, sobre a gestação de Stella, ou o namoro repentino com o
babaca. Mas sempre a cortava, por fim, numa terceira vez em que
tentou, eu lhe disse — com muito pesar — que se insistisse em
radiar toda a história de amor de Stella para mim, preferiria não ligar
mais para ela, e nem que fosse me visitar.
Surtiu o efeito desejado.
Não soube mais nada dessas bandas de cá.
Nem se eles haviam se casado, se o bebê era menino ou
menina, onde moravam… Nada.
Foi assim por dez anos — mais ou menos, pois posso
enganar a todos, mas por todo esse tempo ela orbitou minha
cabeça, na base do ódio, mas ainda assim viveu aqui — e
continuará assim.
Pois sou um novo homem, aquele moleque franzino e
ridiculamente apaixonado por uma mulher que não o merece, não
existe mais.
— Carlos? — uma voz rouca tira-me dos devaneios.
Levanto a cabeça, me deparando com um homenzarrão, forte
e em roupas de campo. Galocha, calça jeans, blusa de manga
comprida, o cabelo escuro está em um corte samurai, sua pele é
bronzeada pelo sol, e seu rosto não me é estranho.
— Sim?
— Sou Matheus, lembra-se de mim? — olho-o perdido —
Filho do prefeito, ôh moço, a gente pegava a mesma van na escola! 
— Ah, sim! Meu Deus, quanto tempo!
— Sim, você desapareceu! Eu sou o engenheiro agrônomo,
responsável técnico pela fazenda. Seu Vicente me disse que você é
o novo veterinário.
— Sim, cheguei não tem nem duas horas. — E já passei
raiva de atacar minha gastrite.
— Vamos lá na minha sala, preciso te passar uma papelada!
— Ele começa a caminhar para o estábulo, e o sigo. — Me conta,
como está a capital?
— Bom…
Depois que preencho, carimbo e assino diversos papéis para
Matheus, que mantém uma conversa alegre e tranquila, ele me leva
para “conhecer” a fazenda, cada um sobre um cavalo que valem
mais que nossos salários, com certeza.
Muitas coisas mudaram. Houve melhoras na infraestrutura,
aumentaram ainda mais os pastos, a plantação agora é diversa, de
forma que a Vale dos Periquitos fornece hortaliças para cidade e
grandes safras para a CEASA da região metropolitana de Belo
Horizonte.
Nos bovinos, além de leite, a fazenda fornece cortes nobres,
como boi Angus, e pelo que entendi uma estrutura está sendo
montada para receber espécimes de búfalos vindos do Texas. Os
suínos também foram ampliados, e logo em frente existe um espaço
grande destinado a frangos.
Pelo que entendi, eles parecem estar sofrendo com perda de
peso no setor de proteína, e isso deixa Matheus estressado,
também existe uma praga no milharal que o irrita, e o fez pedir a
contratação de uma especialista.
Passando pela plantação, Matheus me apresenta à Luana, a
bióloga está de luvas, coletando amostras nos indivíduos afetados
por insetos, e isso me lembra Nicolas, mal cheguei aqui e só quero
uma noite no balcão da The Jungle, para que possamos vomitar
toda nossa semana um no outro. Se bem que, entomologia não é
bem sua paixão, ele ama se debruçar em uma pilha de fósseis e
descobrir coisas que deixaria Darwin e Lund orgulhosos.
— Sentiu saudades daqui? — Matheus me pergunta quando
vamos passeando de um pasto para outro num trote tranquilo.
— Eu não sei bem — sorrio sem graça —, tenho muitas
lembranças daqui, as últimas não foram… agradáveis. Mas na
faculdade eu sempre lidei melhor com animais de grande porte,
sempre que penso em fazer um mestrado, penso em algo voltado
para o campo. Um dia, seu Vicente, ouviu minha conversa com a
minha mãe, então fez a proposta.
— Mas pelo menos você viveu fora daqui. Não me leva a mal,
o interior é ótimo, o salário da Vale dos Periquitos é o que mais me
faz ficar aqui. Mas com a sua profissão, você pode trabalhar em
qualquer lugar. Não vejo destino para mim a não ser estar enfurnado
em braquiárias, estrume e ração.
— Mas você tem uma sala legal e com ar condicionado—
brinco com ele.
— Sim, dentro de um estábulo, amo o cheiro de cavalos —
ele gargalha —, mas não posso reclamar, quando trabalhava para
os Xavier, eu não tinha nada, nem dignidade, quase perdi meu
registro.
— Você trabalhou para concorrência? Que feio.
— Uai moço, quantas fazendas dentro dos trâmites, que paga
um RT, você acha que tem por aqui? Todo mundo sabe que seu
Vicente é o homem que mais tem dinheiro e dignidade na região.
— Mas você foi contratado pelo Xavier.
— Isso foi só porque aqui tinha um, João Gomes Xavier quer
concorrer a altura, mas é complicado, o cara sonega imposto, passa
os fornecedores para trás, e tudo ele quer resolver com dinheiro,
acredita que ele tentou barganhar com a vigilância sanitária?
— Sério?
— Sim. E nesse dia, eu fui até a documentação, juntei toda a
minha papelada, computador, e mandei um contador entregar a
minha carta de demissão.
— Esse homem não tem hombridade nenhuma.
— Nunca. Na verdade ninguém daquela família, pensa só, o
primogênito morreu antes dos trinta, se isso não é castigo de Deus,
não sei o que é.
— Deus é amor, homem — rio da cara dele —, ele não
castiga.
— Mas cobra.
— Quem deve tem que pagar. — Uma ideia me ocorre. Nada
mais acalenta um mineiro, quando alguém dá corda pros casos que
eles querem contar. — Mas aqui, do que ele morreu?
— Ah, cada um fala uma coisa. Mas parece que ele discutiu
com dona Stella, é isso que Gracinha me contou, ela tá aqui desde
os dezoito anos, acho que foi na semana que começou a trabalhar
que tudo aconteceu. Parece que estava chovendo muito, ele saiu
daqui muito bravo, montou no lombo de um cavalo e foi-se embora.
Mas aí, na curva pra porteira dele na estrada, um carro de farol
apagado cacetou ele em cheio, morreu Leonardo e o cavalo. O trem
foi tão feio, moço, que o velório foi de caixão fechado. — Um
péssimo jeito de morrer.
— Coitado do cavalo.
— Era o tinhoso que dona Stella montava naquela
competição estranha que participava. Era brabo o bicho.
— É, lembro-me dele — um cavalo de pelagem castanha,
que Stella chamava de Caramelo. Ela é péssima nisso! Pelo menos
o filho teve sorte ao ser nomeado — Não precisa chamar Stella de
dona, sabe que é da idade dela, né?
— Mas você sabe que se eu chamá-la de Stella, Rubia,
minha noiva, me trava no canivete — ele gargalha, rindo da própria
noiva. — Tô brincando. Mas é costume, ela quem traz a folha de
pagamento, assina o cheque, não somos mais só conhecidos, eu
trabalho para ela. — A poderosa Stella. Antes que pense em mais
alguma coisa para preencher o silêncio, um chiado se faz presente.
— Matheus? — O bom rapaz, tira um rádio da cintura e
aperta o botão.
— Fala aí, fí.
— Tô indo na prefeitura, preciso das guias de pagamentos
para retirar o alvará.
— Chego aí num tempo — ele responde —, vão subir?
Amanhã a gente continua seu passeio.
— Claro.
Quando entregamos os cavalos usados para Tadeu, um peão
novo e sorridente, vou com Matheus até sua sala para pegar minhas
coisas.
— Valentino, você vai me salvar! — Ele diz ao homem que
estava com Stella embrenhado no mato. — Ah, esse é Cadu, ele é
médico veterinário. Esse é Valentino, capataz da fazenda.
— Conheci ele mais cedo — é o que eu digo.
— Prazer, dotô. — Só balanço a cabeça em sua direção.
Espero que eles resolvam seus assuntos, e logo menos o
capataz sai com a pasta debaixo do braço.
— Você acha que conseguimos algum espaço para que eu
monte um pequeno ambulatório? Nada muito grande, é só caso eu
precise. Não tinha um antes, e não vi um agora.
— O outro veterinário tinha planos, mas a dona Stella pôs ele
para correr antes dele começar a pensar. No celeiro tem uma sala
que a gente guarda umas tralhas, que aliás Stella pediu para jogar
fora, mas é sempre muito serviço, e desde que o veterinário foi
embora há quase um mês, esse lugar virou um pandemônio. Não
tenho ninguém que faça a limpeza imediata, mas posso resolver se
me der uns quatro dias.
— Não se preocupe com isso, eu mesmo faço. A internet
pega lá?
— Bem demais, é logo embaixo da antena.
— Vou deixá-lo finalizar seu dia, e vejo o que posso fazer lá,
parece que terei um colega, e acho que termos um lugar para nos
reunirmos e alinharmos algumas coisas, será muito bom.
— Fica à vontade, vou te dar um rádio — ele pega outro na
gaveta pra mim — às vezes o sinal da operadora de celular falha.
Deixa ele no baixo, é uma linha única, então só responda se
chamarem seu nome.
— Obrigado.
— Bem-vindo.
O mundo é estranho. Penso isso desde quando a dona
Lourdes morreu.
Um dia você está aqui, e no outro não está mais.
Uma noite chuvosa, abri essa mesma porta, fiz coisas, na
época, inimagináveis com Stella, encostados na mesma sala que
agora farei um pequeno ambulatório.
Tudo piora quando abro a porta, e pode ser imaginação
minha, mas parece ser o mesmo colchonete em que nos perdemos
nos corpos um do outro há dez anos.
Deixo minha maleta com as coisas básicas que adquiri
durante a graduação, e curta carreira em Belo Horizonte, parada ao
lado dos fenos, começando a trabalhar.
Existe tanta quinquilharia neste pequeno cômodo, que chega
a ser engraçado. Tomo cuidado com escorpiões e cobras, e vou
removendo as trenheiras.
O silêncio passa a me incomodar, o colchonete que arrastei
para a porta principal, começa a zombar de mim, então tiro o meu
celular para colocar uma música ambiente.
Em algum momento me ocorre que o antigo médico pode ter
deixado alguma coisa, insumos são caros para serem descartados,
mas quando chamo Matheus no rádio, ele diz que meu antecessor
não deixou nenhuma herança a não ser os itens da empresa
terceirizada, para coleta de material biológico.
Que maravilha!
Não sei quantas horas[8], mas o sol começa a se pôr. Estou
suado, sem camisa e arruinei meu tênis branco. Resolvo tirar uma
foto e enviar para Nicolas ter munições para me zoar quando nos
reunirmos.
— Oi! — uma voz infantil me distrai da digitação em minha
tela.
— Ei, carinha!
— Ocê que é o novo dotô, né?
— Você parece saber sobre mim, e não sei nada sobre você.
— Sua risada infantil faz com que eu sorria levemente.
— Eu sou Henrique, minha mãe nem pode sonhá que tô aqui
— vejo familiaridade em seu rosto e um arrepio me faz estremecer
—, ela disse pra eu ficar longe, e não te atrapalhar. Mas eu quero
ser dotô dos bicho também, cê pode me ensinar?
— Claro, será um prazer, quando você crescer, vai saber a
importância de um estagiário! — digo isso sorrindo forçadamente.
A pobre criança não tem culpa do pai ser um cuzão. Pai
morto, alías.
Cadu, você perdeu o pai cedo, lembre-se que merda é isso.
Ralho comigo mesmo.
— Mesmo? — seu sorriso faz meu coração acelerar.
De onde veio isso? Parece que conheço esse sorriso.
Óbvio! Ele é filho da Stella, acorda, Carlos Eduardo.
— Sim!
— Eu estudo de manhã, à tarde, segunda e quinta tenho
natação, e tô livre todos os outros dias depois da lição. Acha que
esses dias posso ser seu ajudante?
— Com certeza, três dias de trabalho grátis! Rapidinho você
estará me ajudando nos partos.
— O que cê tá fazendo aí, hein? — a criatura pequena e
curiosa, vem chegando mais perto, vendo o quartinho vazio agora.
— Estou arrumando um lugar para trabalhar.
— Hmm, qual o seu nome?
— Carlos Eduardo, mas me chamam de Cadu.
— O Eduardo da minha sala, eu chamo de Dudu, posso te
chamar assim?
— Bem… — não um apelido que goste, mas sendo só ele,
acho que tudo bem — pode sim, mas é nosso segredo.
— Essa é a mala com coisas de dotô? — ele especula, vendo
a grande maleta fechada.
Todas as crianças são um disparo de perguntas de assuntos
não acabados?
Meu Deus, Nicolas ainda é uma criança? — gargalho desse
pensamento, e o pequeno, não tão pequeno assim, Henrique me
olha como se tivesse três olhos.
— É sim, quer ver?
— Que maneiro! Eu quero!
— Vamos lá, futuro doutor Henrique… Qual o sobrenome?
— Henrique Dias Macedo — sem Xavier? Só “Dias Macedo”
como a mãe?
— Doutor Henrique Dias Macedo.
Stella Macedo
Essa segunda-feira não acaba?
Parece que estou nela há 40h.
Joaquim, o médico veterinário, pode começar amanhã bem
cedo, graçasa Deus. Minha caixa de e-mails está zerada, nem
acredito, mas nisso tudo perco a hora de ligar para o fazendeiro no
Texas, com quem quero negociar compras de Búfalos e semên.
Olho as horas, e acho estranho que Henrique não tenha
vindo me chamar para o café da tarde. Fazemos isso todos os dias
juntos.
— Cida, Gracinha — chamo-as quando estão perdidas em
conversa sobre uma massa de pão de queijo — Henrique não
chegou? — olho pela janela da cozinha, e o carro está parado com
Bruno limpando-o.
— Sim, ele jogou as coisa, nem tomou banho, dona Stella —
Gracinha diz —, colocou uma bota e rumou pro terreiro.
— Merda — daqui de casa, consigo ver a fazenda fluindo
normalmente, vou ao estábulo primeiro, pois proíbo que Henrique
monte a cavalo, e ele passa horas admirando os animais, ajuda a
escová-los às vezes. Lua mesmo, vive com um penteado diferente,
feito pelas mãos do meu pequeno.
Nada dele.
Olho o curral, depois o chiqueiro, depois o pomar.
Nada desse menino.
Começo a ficar desesperada com o sol caindo no horizonte,
tiro meu celular do bolso, e essa merda está sem sinal.
Passos largos me fazem passar por trás do celeiro, e então
ouço a gargalhada gostosa de Henrique.
Algumas coisas são meu oásis, e elas geralmente têm a ver
com Henrique. Vê-lo brincar sempre foi um bálsamo para mim.
Poderia assisti-lo fazendo isso por horas incansáveis.
Pé por pé, entro no celeiro, mas não preciso de muito para
ver algo que remove todo o oxigênio de mim.
Carlos e Henrique.
Lado a lado.
Henrique está sentado em cima de vários feixes de feno,
Cadu está de costas, sem camisa, a calça é baixa e está mostrando
o elástico da cueca.
— Pera, pera! Respira no três — ele diz a Cadu, que fica
quieto aguardando a contagem do meu filho. O que eles estão
fazendo? — um, dois, três — teatralmente Carlos expira, e faz meu
filho rir de novo.
— O que eu tenho, doutor?
— Muito sangue no coração, e alguns gases! — Cadu
gargalha, levando Henrique a fazer o mesmo. Quando me aproximo,
é que vejo que ele está com o estetoscópio auscultando o homem
sem camisa que tem oito gominhos na barriga, e que eu bati no
rosto há algumas horas.
— Henrique? — A vontade que eu tenho é de gritar, como
uma mãe louca.
Céus! Por que tudo isso está acontecendo agora?
Ouço o suspiro pesado do meu filho, e quando olha-me ele
está com a mesma cara do pai quando chovia e éramos obrigados a
ficar presos dentro da casa grande.
— Ai, já sei! — Ele pula do feno, entrega o estetoscópio a
Cadu — Obrigado, Dudu, foi muito legal. Desculpa atrapalhar seus
trem. Qualquer dia eu volto. — Dudu? Que porra é essa?
— Imagina, carinha, volte sim, na próxima vez vou ensiná-lo
a aplicar injeção.
— Vai ser demais! — Ele passa por mim, com a típica
caminhada da vergonha, e nem me olha. Isso faz meu coração
apertar um pouco, mas sinto que se relaxar com esse menino, ele
tirará tudo de mim.
Irônico, Stella. Não é isso que você faz com seu pai?
— O que você pensa que está fazendo com meu filho? —
digo assim que vejo Henrique subindo o pequeno morro para casa.
Cadu coloca o estetoscópio no pescoço, talvez por hábito, e só é
preciso que ele tire a calça para uma fantasia sexual completa.
Merda! Isso que dá ter uma foda interrompida!
Menos de doze horas depois, estou imaginando Carlos
Eduardo pelado.
Ele me ignora, e começa a guardar várias coisas dentro da
maleta de couro.
— Estou falando com você!
— Pois eu não estou falando com você, Stella.
— Aquele menino é meu filho! Não quero você perto dele,
está me ouvindo?
— Foi ele quem veio até mim. Queria que eu fizesse o quê?
Ignorasse a criança? Rejeitasse Henrique?
— Como se você fosse fazer alguma coisa diferente disso —
resmungo.
— O que você disse?
— O que está fazendo? — O ataque é a melhor defesa.
— Trabalhando.
— Por que está desocupando essa sala? Quem deixou?
— Porra, Stella! Dá um tempo! Eu preciso de um lugar para
trabalhar, e não fiz da minha cabeça! O Matheus me deu essa ideia.
Ele disse que você autorizou a limpeza, inclusive.
— O seu lugar é entre os animais, verificando, fazendo seu
trabalho, não preciso de um medicozinho de jaleco dentro de uma
salinha, e…
— PUTA QUE PARIU, VÉI! — Belo Horizonte entrou no
sangue dele, agora ele fala gíria? — Você disse que não quer saber
de mim, então me dá paz, deixe que do meu trabalho cuido eu. Se
tiver alguma coisa para reclamar, fala com seu pai! Mimada.
— Eu só vim atrás do meu filho…
— Ótimo, a criança está bem, já foi para casa. Não quer que
eu não chegue perto dele? Mantenha-o longe de mim, não vou
maltratar uma criança, pelo amor de Deus. Mesmo que os pais dela
sejam uns idiotas.
— Olha só, pelo menos nisso tenho que concordar! — ele
suspira, fecha a mala e me deixa ali, falando so-zi-nha.
Não acredito nisso.
Meu smart watch acende em meu braço, e vejo que ainda
não são 18h de segunda-feira, e estou exausta.
Ainda estou chocada que Carlos tenha me deixado falando
sozinha.
Perplexa, estou saindo do celeiro, até que um colchonete
empoeirado caia, chamando minha atenção.
Merda, esse colchão ainda existe?
— O seu filho é tão legal, vó! — ouço a voz animada de
Henrique durante o jantar. Ensinei-o desde pequeno a chamá-la
assim, e Cida fica toda radiante. Para todos efeitos, aos terceiros,
ela é quem ajudou meu pai a me criar, é como uma mãe para mim.
— Ele me ensinou os barulhos do coração, e eu já sei quando é
sangue e quando é bombeamento cardíaco, tem vezes que é gazes.
Dudu é super inteligente, cê sabia disso, mãe?
— É batimento, filho, e não, não sei muito sobre medicina
veterinária — digo sem olhá-lo.
— Hmm, bom que o Dudu sabe cuidar dos animais! Mãe,
será que ele pode fazer um cavalo ficar mansinho pra mim? Por
favor, mãe, já vou fazer dez anos! — A porta do inferno é aqui e
agora.
— Já conversamos sobre isso, e a resposta é não.
— Dona Stella, cê monta antes de andá, deixa o menino —
Cida intercede.
— Não, Cida, nada de cavalos.
— Deixa essa teimosa, Cida. Isso é pior que burro
empacado. — Meu pai, grande intercessor do neto, entra em ação.
— Henrique, eu quero ir dormir, termine sua janta.
— Acho que é ocê quem precisa ir dormir, Stella. Eu coloco
meu neto para dormir, vá.
Sem mais nenhuma palavra, levanto-me e vou para o meu
quarto. Carlos não se junta a nós para jantar, e é meu sonho
realizado. Não que eu tenha conseguido jantar.
É estranho como o tempo age na mente da gente.
Há dez anos, uma hora dessa, faziam poucos dias da pior
briga que eu já havia cogitado com Cadu, e então ele partiu me
deixando sozinha, sem eira nem beira, com um filho dele na barriga.
Sei disso tudo, vivi esse momento, mas com o passar dos
anos, vejo que me esqueci de alguns detalhes.
A forma que Eduardo nos chamou hoje de idiota, a raiva
inflamada no olhar, lembrou-me do nojo que vi em seu rosto…
Passei as últimas horas buscando em minha mente detalhes
daquele dia, mas não faz sentindo suas últimas palavras essa tarde.
O problema é que a gestação é um momento conturbado da
vida da mulher, hormônios que nos desconcertam, principalmente,
no primeiro trimestre. E depois ser acordada por dois homens se
atracando e sangrando, desorienta qualquer um.
Ainda assim… Não faz sentido.
Óbvio que ele pensa que você tirou a criança dele, Stella.
Ele deixou trezentos reais para você, lembra? — Recordo-me
e sinto raiva de mim mesma por estar buscando justificativas para
sua não paternidade.
Mas Cadu sabe fazer contas, o aniversário de Henrique
chegará em setembro, como será até lá?
Foda-se, Stella! Ele não quis ser pai!
Ele não tem direitos sobre seu filho, não mais.
Mas meu filho pode querer um pai.
Caralho!
Acordo me sentindo péssima!
Meu Deus, que noite horrível.
Nem quando Henrique era recém-nascido, eu tive uma noite
tão ruim assim de sono.
Sonhos em um misto de pesadelos me atormentam desde
que a inconsciência me tomou completamente.
Piora quando antes de acordar, Cadu invadiu meu sono, e
diversas imagens dele me comendo foram criadas pela minha
mente perversa fazendo-me derramar em sua boca.
Acordo excitada e puta da vida.
Preciso resolverminhas questões sexuais, rápido.
Quando meu celular desperta, já estou vestida e pronta para
começar o dia. Mesmo que ainda sejam seis da manhã.
Levanto Henrique, que enrola como todos os dias, mas
diferente dos outros, realmente está mais cedo do que ele está
acostumado.
Tomo meu café, preto e sem açúcar, arrumo a lancheira de
Henrique, o mesmo de todas as manhãs, com um diferencial,
quando coloco meu filho na van escolar, percebo uma
movimentação atípica na fazenda.
Uma picape chega com vários drywalls, peões da fazenda
ajudam a descarregar, em seguida chega um caminhão baú.
Que merda é essa?
Vou até o circo armado dentro do celeiro, que agora está
limpo e organizado. Mal são sete horas da manhã. Vejo Matheus
com uma prancheta, dando ordens, e Valentino ao seu lado com
cara de poucos amigos.
— Dia.
— Dia, dona Stella — Matheus sorri simpático. Valentino só
mexe na aba do chapéu.
— Poderia me esclarecer que circo é esse, Matheus?
— Uai, seu pai quem pediu para eu acompanhar uma
pequena reforma.
— Eu falei que ela não ia gostá — Valentino interfere no
assunto. — Conheço ela, o médico não é bem-vindo aqui.
— Mais respeito, Valentino — chamo sua atenção —, isso é
para o Carlos?
— Não sei, dona Stella, melhor perguntar para o seu Vicente.
Marcho de volta para casa e acho meu pai na cozinha,
proseando com a Cida.
— Pai, que merda é aquela lá no celeiro?
— Deus te abençoe, Stella, dormi bem. — Ignoro o puxão de
orelha.
— Eu tinha planos para aquele celeiro, pai, agora o senhor
vai transformá-lo em uma hospital porque Carlos Eduardo quer
bancar o médico aqui? Pela madrugada, faça-me o favor!
— Vou deixar cês conversa — Cida dá um sorriso sem graça,
e sai com uma xícara de café.
— Ôh, Stella, cê vai acabá chateando a Aparecida, ela vai
embora qualquer dia e não vai voltar … — Quando ele diz isso, sinto
minha garganta fechar — Essa muié, te conhece desde quando cê
era moleca, me ajudou te criar, cuida muito bem do seu filho, curou
o umbigo, trocou fralda, te ajudou quando ele passava mal, cê
nunca foi ingrata, minha fia, o que tá acontecendo com cê?
— Desculpa, pai, eu só… levantei e vi aquela marmota lá no
celeiro, e…
— Não é pra mim que cê tem que pedir desculpa, não.
Eduardo me disse que caso eu pudesse investir em um espaço mais
adequado pra isolar o animal, se precisar, seria bom. Foi só isso.
Gostei da ideia do menino, achei diferente. Já passou tanto médico
aqui, ninguém nunca fez nada, nem sugestão. E ninguém tá usando
aquele celeiro véio, desde quando mudamos os pastos ele ficou
longe demais.
— Pai, eu só acho que…
— Bom dia — a voz rouca que me fez gozar em sonho entra
na cozinha, usando uma camisa polo, sério, Carlos?, uma calça
jeans clara, e um crocs. Merda, crocs? Já julgo a pessoa sem
conhecer.
— Bom dia, fio — meu pai o cumprimenta —, senta aí, cê fez
o que eu pedi?
— Sim — ele coloca uma folha na frente do meu pai, que
começa analisar —, eu falei com o senhor ontem, são coisas
básicas, que imaginei que aqui tinha, como teve um veterinário
antes de mim, mas dá para trabalhar com isso no começo, depois
colocaremos mais coisas de acordo com a necessidade da fazenda.
Esses medicamentos, principalmente os de verme, seria bom
comprar uma quantidade para estocar, deixei as receitas anexadas,
já carimbei e assinei, os antibióticos deixei sem data, não sei
quando vamos conseguir comprá-los, a receita tem validade.
— Que eficiência! — Ah meu Deus, pagamos bem caro para
ele trabalhar, pai!
— Trabalhei numa fazenda de leite em Viçosa. — Será que
deixou filhos lá também? — Vou precisar da papelada do outro
médico, preciso ver as datas das vacinas, e outros dados dos
animais.
— Stella vai te mostrar onde é, e ela também vai providenciar
essa lista procê. — Ah! Pronto, virei secretária do Carlos Eduardo,
era só o que faltava. Meu pai me entrega a lista impressa do excel,
e começo a lê-la. Vários tipos de agulhas e seringas, álcool, luvas —
pra não sujar as mãozinhas dele, claro — e algumas outras coisas,
— O pessoal deve terminar lá antes do meio-dia, falei pro Matheus
que era pra comprar pronto, sabe como? — ele assente — agora
senta, tem pão de sal[9] quentin, sua mãe passou café agora. Cê
tamém, Stella. Depois daqui, cê olha os papel no escritório dela,
Carlos.
Ótimo, vamos prosear e contar casos da infância também.
Cadu Vieira
Quinze dias em que estou aqui, mas parece que são anos de
retorno. Sinto-me exausto no fim do dia. Há tanto trabalho, que mal
consigo ver minhas redes sociais, sair para beber ou mesmo
conversar com Nicolas pelo celular.
Stella deu um tempo, graças a Deus.
Ou dei um tempo de Stella, essa colocação seria mais justa.
Ela chega, eu saio. Ela vai, eu volto. Tem sido ótimo.
Joaquim ter chegado é a segunda melhor coisa que me
aconteceu aqui, a primeira foi o local que o seu Vicente construiu
em uma semana. Mas pelo fato de ter Joaquim, ele pode lidar com
Stella quando é preciso. Sem contar que conseguimos montar uma
escala de plantões aos fins de semana, além de que ele é divertido,
expansivo, e como mora na cidade, sempre traz fofocas e
guloseimas. Joca, como gosta de ser chamado — afinal os pais
aparentemente odeiam nomear os filhos —, tem minha idade, mas
já se formou há alguns anos, pois entrou e terminou o mesmo curso,
já fez sua pós, e me ensina coisas que não se aprende na
universidade.
A nossa sala ficou até grande, ganhamos um arquivo, uma
mesa com computador e internet, um armário para insumos, uma
mesa de inox para os pacientes e um ar-condicionado.
E depois diz que dinheiro não compra felicidade, isso aqui é o
quê?
A parte de fora da nossa sala no celeiro virou baias para
colocarmos animais em observação ou isolamento.
Eu e Joaquim criamos um planejamento, onde mapeamos
todos os animais da fazenda, incluindo os pets, descobri que
Henrique quer montar um canil e um gatil, porque não justifica
tantos por aqui. Rio, pois me lembro que ele calça uma bota,
sempre por volta das 15h, e sai com seus fiéis escudeiros orbitando-
o e desbravando a fazenda de cima a baixo.
Às vezes ele nos visita, mas fica cabreiro na porta, imagino
que vigiando a mãe, por vezes o encontro no estábulo penteando as
crinas dos animais ou escovando-os.
— Você nunca vai desistir de tentar usar jaleco? — Joaquim
entra, com Tigrinho, um felino rajado sem raça definida de Henrique
nas mãos. Essa criança é mesmo filho de Stella.
— Jamais, é superchique! — ele gargalha, e coloca o animal
na maca. — O que aconteceu?
— Bicheira — ele suspira, já imaginando o sacrilégio que
será cuidar do animal. Levanto-me e começo a colocar as coisas
que ele vai precisar na bandeja e deposito ao seu lado — O que
você tanto está fazendo nesse computador há dias?
— Um plano alimentício para Angus e porcos, eles estão
perdendo quilos. Matheus tinha reclamado, aí decidi fazer isso. 
— Isso aí eu nunca fiz.
— Aprendi no curso de zootecnia que larguei — aperto para
imprimir, quando Joaquim começa uma briga com o gato. Calço
uma luva, e vou ajudá-lo. Olho a lesão, e essa merda está grande.
— Parece ter muitos dias.
— Sim, ele estava amuado perto do chiqueiro, quando o
levantei, caíram várias larvas. Uma merda. Você segura? — ele
pergunta quando termina de fazer a raspagem de pelos.
— Prefiro remover — segurar um bichano não é para
qualquer um.
— Filho da…
— Owww, minha mãe traz café todas as tardes.
— Cida — ele completa. Preparo e aplico uma anestesia
local, que acredito que servirá só para minha consciência, pois a
lesão parece ser funda de forma que não será completamente
indolor, pego uma pinça, passo a tirar as larvas e jogá-las no béquer
com álcool. — Precisamos do plano de vacinação desses bichos, o
IMA[10] liberou na portaria o planejamento da Febre Aftosa, e não
sabemos como está a antirrábica.
— O outro veterinário formou onde, hein? Não tem nada por
aqui?
— Ele parece ser filho do capataz dos Xavier. — Faço o som
de vômito, e Joaquim sabe que não é pela miíase de Tigrinho. Com
os dias juntos, descobri que Joca tem uma afeição igual ou menor
do que a minha,se é possível, pelos Xavier, afinal Leonardo transou
com uma de suas três irmãs, a mais nova, quando ela ainda era
menor, dezesseis anos na época, e ele tinha vinte e dois anos, mas
para evitar escândalo seus pais preferiram deixar para lá. O povo do
interior tem umas manias estranhas. Imagino como foi terrível não
meter a mão na cara de um idiota como esse, e olha que nem tenho
irmãs.
Ele tirou a virgindade de Stella.
Obrigado, consciência!
— Boa tarde, meus médicos preferidos! — Ouço a voz de
Matheus, mas não o vejo pois estou de costas, sou grato por ele
salvar minha mente.
— Você não morre mais! Cadu acabou de falar de você, fez
um plano alimentar para os animais.
— Tá na impressora, Matheus. — Ele adentra o lugar, e
senta-se na mesa, analisando o documento.
— Oi, dotores! — a voz de Henrique toma a sala, que agora
se tornou pequena — Meu Deus! O que o Tigrinho tá fazendo aqui?
— ele diz enfiando-se entre mim e Joaquim.
— Calma, garoto, são só uns bichinhos! — Joaquim o
tranquiliza, mas vejo as lágrimas gordinhas preenchendo seus
olhos.
— Henrique, está tudo bem, estamos cuidando dele.
— Se ele morrer, os filhotes da Abelhinha — a outra gatinha
dele — vão nascer sem pai. É muito ruim não ter um pai, Dudu. —
Merda menino, você vai me fazer chorar com larvas?
— Olha só, Henrique, calma! — coloco a pinça dentro do
béquer e lhe dou um par de luvas, ajudando-o a colocá-las. — Você
mesmo vai cuidar do Tigrinho. — As lágrimas já desceram pelo seu
rosto e foram absorvidas pelo colarinho da camisa.
— Eu não sei fazer isso, e se eu matar ele?
— Eu vou segurar sua mão. Venha — puxo a pequena
escada com três degraus para que ele suba, coloco a pinça na mão
dele, e a seguro para guiar o caminho.
Sinto um calafrio quando olho nossas mãos juntas.
Meu coração dispara, o ar parece rarefeito, meus pulmões
não conseguem processar o oxigênio entrando e gás carbônico
saindo.
Vejo sua pele morena se arrepiar com meu toque, ele me
olha absorto, e é como se Henrique me prendesse com um
magnetismo na terra. Seus olhos de um castanho familiar,
observam-me como se pudesse ver a minha alma.
Saio do meu transe, balançando a cabeça, e volto a remover
as larvas.
Cada miado dolorido de Tigrinho, faz com que Henrique
chore mais.
Aos poucos livramos o animal dos terríveis parasitas,
fazemos a assepsia, passo o medicamento na ferida que ficou
aberta, e decido medicar por via oral também, pois o ferimento é
muito grande.
Quando terminamos, auxílio Henrique a descartar as luvas, e
lavar as mãos, antes que eu pense em lhe dar os parabéns, ele me
abraça pela cintura.
— Obrigado, Dudu, eu vou levar Tigrinho para o meu quarto,
vou cuidar direitinho dele, tá? — A mesma sensação de momentos
anteriores retorna, e depois de alguns minutos sentindo esse
estremecimento estranho, o suor corre pelas minhas costas.
— Só o Cadu quem ganha abraço? — Joca brinca com ele —
Fui eu quem achei Tigrinho — Henrique vai até ele, e o abraça
também.
— Posso levá-lo embora?
— Claro, amanhã traga-o para uma nova consulta —
Joaquim tira o gatinho da maca, Henrique sai carregando-o.
— Cadu, isso aqui ficou muito bom! — Matheus me chama,
fazendo com que eu volte à superfície terrestre — Vim para
falarmos sobre a vacinação liberada hoje pelo IMA, preciso das
quantidades e…
O que diabos aconteceu aqui?
Não faço a mínima noção de que horas são, mas julgando
que Joaquim e Matheus foram embora há horas, já é um pouco
tarde.
A pequena reunião com Matheus durou mais do que eu
esperava, de toda forma não consegui focar muito, pois a todo
momento vinha a imagem do meu toque em Henrique.
Matheus perguntou se eu consegui montar um plano
alimentício para as vacas que vem produzindo menos leite, e como
essa é a única parte do curso de zootecnia que realmente gostava,
perco umas horas depois do meu horário ali na minha sala.
Resolvo deixar os impressos na mesa dele, pois amanhã irei
até Belo Horizonte com seu Vicente para comprar as vacinas e
outras coisas que a fazenda precisa. Matheus, Luana, Joaquim e eu
fizemos uma lista cada.
Seu Vicente precisa de ir à contabilidade da capital, e nesse
tempo farei algumas coisas pessoais.
Estou saindo da sala de Matheus, quando escuto pés
trôpegos correrem pelo estábulo, em seguida suspiros e remelexos,
que me fazem fechar a porta e aguardar.
— Valentino — ouço a voz de Stella suspirar — já te falei que
não é para beijar minha boca! Inferno! — ela parece estressada.
Mas a questão é: quando essa mulher não está estressada?
— Stella…
— Para você é: dona Stella.
— Sério, vamos ficar nessa até quando? Tem dois anos que
sou seu consolo ambulante, quando essa merda vai parar?
— Está achando ruim de me comer? É só falar, arrumo outro
em dois tempos! — Céus, estou igual uma velha
mexeriqueira/tarada ouvindo atrás da porta.
— Não é isso, mas porra, cê é bonita demais, gostosa
demais… — quero abrir essa porta nesse exato momento — quero
ser mais que isso, e…
— E nada, Valentino, meus termos são esses. E é bom você
não tocar nesse assunto, não quero mais receber aquelas
mensagens suas, sério, para, meu celular é para uso pessoal, e
nunca mais me mande chocolate, eu odeio chocolates. Estamos
conversados? Se quiser continuar com isso, tem que ser nos meus
termos.
— Sabe, eu tô cansado docê fazê essas coisa comigo, dona
Stella, vai ser assim sempre? Cê vai ser dona da porra toda, e eu
capataz da sua fazenda.
— E com muita sorte, o cara que me come às vezes, se
quiser, ou eu acho outro.
— Eu não posso te beijar, esse tempo todo, cê nunca me
chupou, nem posso te chupar, e…
— Epa, epa, epa. Pode parar, vai começar a fazer
exigências? Sério, você mesmo disse, são dois anos e ainda não
aprendeu? Para seu pau parar na minha boca, o mundo vai precisar
dar muitas voltas, e não deixo você me chupar, porque você faz isso
muito mal. — Aí, doeu em mim.
— Desde quando esse médico voltou, cê tá assim, esquisita.
— Quer saber de uma coisa? Acabei de perder toda a minha
vontade de transar. Não espere receber mais nenhuma chamada
minha. Passe bem, Valentino.
O silêncio do lado de fora me deixa em dúvidas se eles estão
se pegando, ou se foram embora.
Meu relógio se acende ao mesmo tempo que meu celular
sinaliza uma mensagem chegando.
Merda.
— Quem está aí? — a voz da dona da porra toda grita —
Matheus? — ouço a fechadura rangir, e preparo-me para o embate.
— O que caralhos você está fazendo aqui?
— Eu estou trabalhando, você e seu amante quem deveriam
buscar um lugar mais apropriado para a peripécia de vocês.
— Você viu que nós entramos aqui, e continuou quieto para
ouvir? O que é agora? É voyer também? — pego as folhas que
estou segurando, e coloco na mão dela. Os olhos queimam em uma
raiva que desconheço nela.
Mas há muito tempo deixei de conhecê-la.
Stella hoje está vestida diferente do de costume, vejo-a em
um calça de montaria que marca todo seu quadril e coxas, nos pés
está usando um sapato, não uma bota, a blusa social branca que
cabem duas dela está amarrada próxima ao cós da calça, ela está
sem chapéu, e o cabelo solto cai em ondas grossas e longas em
suas costas, quase chegando na cintura.
— Sério? Se arrumou para um encontro no estábulo? Sabe o
quão patético isso é?
— Não te devo satisfação da minha vida, ao contrário de
você, que ainda não me explicou por que estava bisbilhotando, mas
saiba que o dia em que eu me arrumar para alguém que não seja a
mim mesma, ainda mais para um homem, pode ter certeza de que
fui abduzida.
— Não estava bisbilhotando, vim deixar isso e vocês
entraram — aponto os papéis na mão dela — você está perdendo
quase três dúzias de Angus por pedido, devido a uma perda de
peso e a produção de leite caiu em dez mil litros no último mês,
então estou tentando implementar uma dieta diferenciada nos
animais.
— Você não tem que fazer isso — ela começa a ler os
papéis.
— Eu sei — suspiro cansado.
— E quem disse que isso vai resolver? — Ela arqueia a
sobrancelha grossa para mim.
— Bem, faça e depois compare.
— O que quer em troca disso? O que você ganha com isso?
— Na vida,Stella, nem sempre é sobre querer ou ganhar.
— Belo discurso, hipócrita.
Com Stella não tem jeito, é um passo para frente, dois
milhões para trás. Sou tentado a respondê-la a altura, mas decido
deixá-la falando sozinha.
— Deixe as folhas para Matheus, obrigado.
— Ei, eu não terminei de conversar com você.
— Mas não tenho mais nada para falar com você.
— Pois eu tenho, é para você ficar longe do meu filho. —
Minha memória sobre mais cedo retorna, fazendo-me engolir em
seco — Já falei com Henrique, mas quando ele parece me ouvir,
você vem e o encanta cuidando do gatinho, sério isso, Carlos?
— Eu estava cuidando do gato e ele chegou, preferiria que o
animal morresse? Fiz um juramento sobre cuidar e salvar vidas,
Stella, e não será você quem determinará quem são ou não meus
pacientes.
— Olha aqui…
— Olha aqui você, quer ser dona da porra toda? Seja, foda-
se, mas em mim não irá mandar. Aqui, nessa fazenda, eu recebo
por serviço prestado, e farei isso da melhor forma possível, se
precisarem de algo que possa contribuir, ficarei feliz em fazê-lo, e
acabou. — Viro-me de costas, e saio, deixando-a plantada me
olhando pelas costas.
Olho em meu celular, o que me delatou a senhorita sou dona
de tudo, e vejo uma foto de Henrique e Tigrinho deitados em uma
cama grande, sorrio ao ver o quão fofos são, vendo televisão,
embaixo um áudio.
— Oi, Dudu, a vó Cida deixou eu copiar seu número, esse é
meu celular, pode salvar meu número se quiser, tô cuidando
direitinho do Tigrinho, a Abelhinha veio visitá essa tarde. Até
amanhã, dotô.
Vó Cida?
Stella Macedo
Minha parede zomba de mim, o que parece ser a milésima
vez essa manhã.
Há dias que só queria voltar no tempo, onde éramos eu e
Henrique, sem precedentes do paradeiro de Carlos Eduardo no
mundo.
Mas alguém lá em cima não gosta de mim, aparentemente.
Não basta ele ter retornado, Cadu tinha que ter voltado com
update.
Lembro-me que sempre o achei lindo, desde a infância, não
houve um dia em que não o achei de uma beleza única. Na
adolescência, ainda recordo-me do nosso beijo, ali ele já estava
com corpo performando que seria um homem robusto e forte.
Quando transamos pela primeira vez, e por diversas vezes nos dias
que seguiram, sempre ficava acariciando-o, quando estávamos
arfantes e cansados, criando memória muscular de como era tê-lo
sob meu toque, mas então tudo deu errado.
Nem nos meus sonhos mais improváveis, que me seguiram
por anos — casamento, mais filhos, trabalhando juntos —, cogitei
imaginar que Cadu seria como é aos vinte e oito anos.
Céus! Tem sido um tormento.
Vê-lo suado, sem camisa, e de estetoscópio arrepiou-me
inteira, porém vê-lo de jaleco, cara fechada e o olhar de reprovação,
o mesmo que ele sempre me deu quando eu desafiava em algo,
molhou minha calcinha.
Sério, qual o problema do meu corpo idiota?
Reviver tudo isso pela manhã não é legal.
Sinto meus seios pesados, os mamilos túrgidos e minha
boceta molhada.
Péssima hora para dormir sem calcinha.
Fecho os olhos para voltar a dormir, mas a única lembrança
são dos lábios grossos de Carlos Eduardo, que sempre enxergo em
câmera lenta. É como uma droga.
Viro-me de barriga para baixo, e abafo o grito de raiva no
travesseiro.
Ao invés de me sentir melhor, tenho a clara lembrança de
como é sua língua curiosa, descobrindo-me em uma chupada lenta.
Será que ele melhorou nesse aspecto?
Isso não podemos saber, mas ele foi único que te fez gozar
com uma chupada.
Obrigada, memória!
Rolo de barriga para cima, e suspiro.
— Não acredito que farei isso. Vou me tocar pensando nele!
— sussurro para mim mesma.
Sem pensar demais, pois se não o objetivo, que é me aliviar,
não será cumprido, deslizo minha mão pelos meus seios sob a
camisola longa que estou vestindo.
Passeio por eles, acariciando meus mamilos com o polegar,
circulando-o calmamente, sinto minha pele arrepiar e continuo.
Visualizo seu tanquinho suado, e isso faz minha boceta
molhar mais.
Calmamente ergo minha camisola até o quadril e deslizo uma
mão pela minha barriga. Abro meus lábios vaginais e esfrego meu
clitóris, com a imagem memorial dele entre minhas pernas, espalho
minha lubrificação por toda parte, e não resisto em afundar o dedo,
me penetrando.
Entro e saio com o dedo, primeiro morosamente, fazendo
movimentos circulares, sinto-me pouco preenchida, retiro o
indicador e então banho o dedo médio também, pois a memória que
tenho é de um pau grosso e veiudo a minha disposição.
Esfrego meu clitóris, enquanto minha mão seca continua o
passeio pelos meus peitos, merda, que delícia!
Lembro-me da fome que ele tem por meus seios, e é como
se sua língua atrevida estivesse chupando e lambendo esse pedaço
de mim.
Mais afoita do que comecei, introduzo dois dedos em mim,
esfregando minha parede rugosa, o que me leva a elevar o quadril e
rebolar em minha própria mão.
A minha palma se esfrega deliciosamente meu clitóris
endurecido e pedinte, meus quadris sentem falta do peso sobre
mim, mas compenso isso acelerando o toque.
Meu corpo superaquecido começa a suar, sinto a dormência
gostosa subindo pelos meus dedinhos dos pés, pernas e coxas,
para então a pressão deliciosa se acumular entre minhas pernas,
fazendo-me arfar, gemer o nome dele, e fechar-me em volta de
meus dedos.
A sensação pós-orgasmo começa a passar por todo o meu
corpo, percebo que estou apertando meu mamilo, e sorrio da minha
própria estupidez.
Dez anos, Stella!
Um filho e um coração partido, o quê mais eu quero?
A intenção era aliviar-me, não ficar puta.
Que ódio de mim!
De banho tomado, menos emputecida comigo mesma,
começo a rotina de acordar Henrique e todo o ritual da manhã.
Ao abrir a porta, eu espero tudo, principalmente Henrique
dormindo e com preguiça como a maioria das vezes, mas a imagem
que sou recebida é pior.
Carlos está de costas para a porta, usando luvas, com a
maleta aberta na cama.
Fico estagnada encostada no batente da porta.
— Bom dia, mãe, bença! — Henrique diz sem nem olhar na
minha cara, concentrado em sabe-se lá o que Cadu está fazendo
com Tigrinho. — Mãe?
— Deus te abençoe. Do que se trata isso?
— Fui acordar o Cadu, não briga com ele, mãe, por favor, eu
quem fui lá, o Tigrinho tava chorando. — Henrique dá uma
fungadinha, e merda. Sinto que virei uma pamonha desde a
maternidade.
— O que aconteceu? — pergunto, e Cadu sabe que é com
ele.
— Tinham muitas larvas, acabou sendo um ferimento muito
fundo, e é incômodo. Mas já apliquei um remedinho e limpei de
novo.
— Mãe, posso faltar de aula?
— Não, não mocinho, esqueceu a nota baixa em
matemática?
— Mas o Tigrinho tá doente, mãe!
— Não, Henrique.
— Mas eu não preciso de matemática, quero ser dotô igual o
Dudu. Cadu, fala para minha mãe que cê não sabe matemática! —
Carlos ri alto, e espero o momento que precisarei socá-lo logo pela
manhã, bom que desconto minha raiva por tê-lo usado como
fantasia para meu alívio.
— E quem te disse que eu não estudei matemática? — Cadu
começa a tirar as luvas, e fico olhando suas mãos grandes de veias
proeminentes.
— Ninguém precisou, mas pra mim é fácil, dotô, bicho não
tem matemática.
— Não que você tenha visto, mas precisa bastante dela. Eu
só sei quanto de medicamento dar ao Tigrinho porque divido a
quantidade do frasco pelos quilos que ele pesa. — Ele sorri e
levanta a mão para Henrique bater.
— Não gostei disso, Dudu — ele bate em sua mão, mas
reclama. — Agora vou ter que ir pra escola, aff! Já tô indo pro
banho, mãe. Vou pedir a vó Cida pra cuidar dele. — Henrique toma
seu rumo para o banheiro em seu quarto, deixando Cadu e eu
sozinhos.
— Pensei que tivesse te falado para ficar longe do meu
filho…
— Aí, Stella, para. — Ele fecha a bolsa e vem em minha
direção — Você está parecendo vitrola véia, desapega. A gente cria
filho pro mundo. — Ele para do outro lado do batente sobrando um
espaço mínimo entre nós, fazendo com que respiremos o mesmo ar.
— Hoje acordei com Henrique puxando os meus pés, desesperado
por causa do Tigrinho, queria que eu deixasse a criança ao léu? —
Olho a boca dele se mexendo a cada palavra, e relembrodo meu
pequeno interlúdio solitário.
— Isso seria crueldade… 
— Exato, não dá para ter tudo que quer, Stella, ou sou um
grande idiota com um ser inocente, que não tem culpa da mãe que
tem, ou ignorarei sua falta de opção genética digna e serei
minimamente educado com ele, aprenda isso. Bom dia.
Pera, desde quando Cadu sabe algo sobre filhos?
Quando chego com Henrique para o café, meu pai, Cida e
Cadu estão servidos e conversando. Meu filho faz o ritual de beijos,
abraços e bom dia.
— Vou sentar com o Dudu hoje, mãe. — Existe um tempo na
maternidade em que adquirimos sabedorias. Coisas como: vou
tomar café vendo tevê, vou tomar leite com garfo entre outras
artimanhas passam a ser ignoradas pelos nossos ouvidos.
Quer compactuar com o seu pai? Faça Henrique.
Sento-me perto de Cida, e tomo meu café em silêncio.
Uma vez li um livro que tudo deu errado na vida da mocinha,
só porque ela se masturbou de manhã[11], acho que passarei a fazer
isso só a noite.
— Tudo bem, Stella?
— O quê, pai?
— Você vai a Belo Horizonte com Carlos, preciso ir a
Divinópolis.
— Não posso ir à capital hoje, já programei meu dia, e…
— E Luana precisa das coisas dela. Se continuar com os
prejuízos do milho, nem sei se continuarei com a agricultura, está
me parecendo desperdício de energia. — Merda, a ideia desse
investimento foi minha.
— Vou me arrumar. Cida, coloca Henrique na van, por favor.
Boa aula, filho, não esqueça que hoje tem natação.
Estou aguardando Cadu do lado da minha Dodge Ram 3500,
e já estou com zero paciência, meu Deus. Vai ser uma viagem
longa.
Vejo-o parado na porta de casa, olhando de um lado para o
outro, e então para o celular. Assobio para ele, e ergo os braços
impaciente.
Ele vem até mim, em uma vagareza que quase completo
trinta e dois anos.
— Pelo amor de Deus, não estou por sua conta. Vamos logo.
— Stella — ele olha de mim, para meu bebê vinho, super
imponente —, nós vamos nisso?
— Sim.
— Stella, de quem é essa picape?
— Minha?
— Stella… Porra — ele olha-a admirado, dando voltas —,
desde quando você tem categoria C na carteira?
— Desde de pouco depois do nascimento de Henrique, agora
vamos. — Ele mal me escuta e continua babando no carro. — Anda
logo, Carlos, é só um carro.
— Stella, isso custa mais de meio milhão de reais — diz
deslumbrado. Realmente, Tereza Cristina tem seu charme, sim ela
tem um nome.
— Eu sei, paguei cada centavo. — Abro a porta e espero que
ele entre.
— Porra, olha que tanto de botão! — Cadu extende a mão
para começar a mexer.
— Hey, criança, dá uma segurada. Não deixei você mexer na
Tereza.
— Posso dirigir? Você deu um nome para a caminhonete?
— Tá doido? Você tem categoria C? E sim, eu dei.
— Não, mas…
— Ótimo, nem se tivesse. E pare de mexer nos botões.
É a mesma coisa que falar: mexa nos botões.
Por quase duas horas, Eduardo futrica todo o meu carro. Ele
até mesmo coloca os bancos para aquecer, mesmo que o dia esteja
em uma temperatura agradável.
Percebo que ele adquiriu um gosto peculiar para músicas
sertanejas remixadas, eca. Sertanejo tudo bem, mas que bosta de
batida eletrônica é essa?
Jamais deixarei que ele perceba meu sorriso, mas, porra,
seguro várias gargalhadas com sua animação, quase me esqueço
porque nos odiamos.
Mas o carro parece um corte temporal, pois é só entrarmos
no mercado fazendeiro, que as coisas desandam.
Discordamos em tudo. Ele tem três listas enormes, e eu que
pretendia estar em casa assim que Henrique chegasse da natação,
começo a perceber que não será assim.
Daqui tenho ainda umas duas horas dentro da contabilidade
com Luiza, o que logo virará três horas, pois devo a ela uma visita e
ela não será somente profissional.
— Precisamos mesmo de todas essas doses de vacina
antirrábica? — o questiono em frente ao vendedor. Já compramos
uma lista de Matheus e Joaquim, agora estamos discutindo sobre a
dele.
Perdemos a paciência um com outro a partir do segundo item
de Matheus. Cadu já está estressado, ligou para os meninos na
fazenda por pelo menos cinco vezes, para cada.
— Na verdade, tem que pedir uma dose a mais.
— Por quê?
— Para eu aplicar na sua bunda, quem sabe assim você fica
mais tolerável. — O vendedor nos olha de boca aberta, e quando
percebe que irei explodir, pede licença para atender um telefone que
não ouvi tocar.
— Qual é o seu problema? — digo entredentes.
— Você! Você é a porra do meu problema! Eu poderia
esperar seu pai amanhã, ou mandar Joaquim no meu lugar. Você o
questionaria como está fazendo comigo? Sabe o que acho, Stella?
Que já passamos da idade. Temos um problema? Que tal
resolvermos? Vamos sentar, você diz tudo que quer, eu farei o
mesmo e então chegaremos a algum lugar. Mas, porra, você já tem
trinta e um anos, logo é meu aniversário e com vinte nove anos não
é uma idade em que posso ficar brincando de gato e rato com você.
— Sério, agora, neste exato momento nós vamos conversar?
E o que aconteceu há dez anos será esquecido?
— Quer saber? Com você não dá. Faça o que quiser com a
lista. Vou ao shopping.
Stella Macedo
— Minha Nossa Senhora, você deveria ter me comprado uma
pipoca antes de chegar, essa história é mais divertida do que eu
imaginava.
— Luiza, não existe nada de engraçado nisso.
— Eu acho. — Ela gargalha — Quer dizer que Caduzinho é
um homem formado e supergostoso!
— Por que eu te conto as coisas?
— Porque sou a sua única amiga. Mas eu já sabia disso tudo.
— Como? Não te respondo há dois meses.
— Verdade, você é uma péssima amiga. Mas estou falando
do update do seu Cadu, ele…
— Ele não é meu Cadu.
— Enfim, como ia dizendo. Ele frequenta a mesma casa de
swing que eu, a The Jungle.
— Pera, você frequenta uma casa de swing? Quando ia me
contar isso? E piora, ele também?
— Stella, o que você queria ? Que eu anunciasse? E você
não responde as minhas mensagens, esqueceu? Já tem um ano
que comecei a frequentá-la. É uma casa superexclusiva, cheia de
regras e tudo mais. Sabe, eu andava me sentindo muito frustrada
sexualmente e ser pansexual é mais complicado do que você possa
imaginar, o mundo não está minimamente preparado para nós —
Luiza desabafa —, mas o fato é que existe uma liberdade sexual
muito grande nesses ambientes. A primeira vez que eu o vi, achei
que estava bêbada demais, mas então o vi outra vez. Pensei que se
me aproximasse ele retrairia, então meio que me afastava quando o
percebia lá. Não é um lugar que se encontra conhecidos e bate um
papo como uma feira.
— Tá, fia, acelera o aúdio — Lu sempre se apega a detalhes.
— Comecei a percebê-lo mais. Ele vai, ia pelo menos, com
certa frequência, sempre acompanhado de um cara mais novo, que
aliás é uma delicinha e já tive a oportunidade de vê-lo em ação em
um quarto, uma vez. Meu lado voyeur ficou extremamente satisfeito,
sabia que podemos ter orgasmos por visualização? — Não sabia,
Luiza — Saí com as pernas bambas depois de dois orgasmos, e um
foi squirting, por masturbação, mas sem penetração. Foi
sensacional — ela suspira, relembrando do seu momento. Só sinto
inveja pelo squirting, proeza que só consegui sozinha com ajuda de
um vibrador — No começo achei que eles fossem um casal, mas
percebi que suas pulseiras demonstravam que ambos eram
heterossexuais.
— Você transou com o Cadu? — pergunto sem demostrar
muito interesse, mas tendo bastante.
— Tá doida? Ele é pai do meu afilhado — fala como se fosse
óbvio.
Anos se passaram e ela ainda insiste que ao longo dos
tempos, eu deveria tê-lo procurado.
Bem, até tentei, mas já era tarde demais.
— Mas nós não somos um casal ou algo do tipo.
— Ai, Stella, me poupe. — Ela cruza os braços sobre sua
mesa. — Mas eu vi o pau dele, sem querer. Está de parabéns,
amiga, por conseguir sentar naquilo — ela suspira, e eu neste
momento estou perplexa. — É um belo pau.
— Como assim, Luiza?
— É uma casa de swing, Stella, as pessoas nem sempre
transam em um espaço fechado, aliás, lá é onde elas menos
transam. Foi há pouco tempo isso, como te falei, não o observo
muito. Ele e o amigo gostoso estavam no bar, que aliás é bem legal,
deveríamos ir lá, parecia que era sóuma cerveja e tal, mas tinham
três mulheres, supergostosas, se pegando muuuuuito em uma mesa
de frente para eles, e várias pessoas já estavam de olho nelas,
querendo participar daquilo tudo, mas elas eram intimidantes. — Ela
para de contar, que ódio.
— E aí, Luiza?
— E aí que os dois chegaram nelas. Se antes as pessoas já
as observavam, toda a casa parou para ver o show deles. Foi uma
das cenas mais excitantes que já presenciei, sério. Era mão naquilo,
aquilo na mão e depois na boca. Teve uma hora que o amigo dele
estava chupando uma, essa estava chupando o Cadu, ele chupando
a outra que chupa a terceira, que chupava o amigo. Era uma
centopeia de oral, sério — ela arfa —, só de lembrar me sobe um
calor[12]. Você deveria vir um dia para visitarmos.
— Claro, claro. Podemos ir aos negócios? — Prefiro sair pela
culatra a continuar esse bate-papo, pois não tenho interesse
NENHUM nas aventuras sexuais de Cadu.
E daí que agora ele é um superdeus do sexo?
Valentino tem um bom pau, e cabelos grandes que posso
puxar enquanto cavalgo.
Mas a gente bem que podia ter um remember com Carlos,
né,Stella? Sentar direito nele, de uma forma inesquecível. — Agora,
pronto. Minha boceta tem vontade própria.
Obrigada, Luíza!
— Você não quer falar primeiro sobre a volta dele e como se
sente em relação a isso?
— Não.
— Stella, amiga, pensa nisso, pode ser uma segunda chance.
Anteriormente tudo foi um grande fracasso. Mas as coisas mudam,
Stella.
— Lu, exatamente. As coisas mudam. Hoje em dia, porra,
sou mãe solo, tenho minhas prioridades, que são outras, bem
contrárias às dele, pode ter certeza. Sem contar que ele é médico
recém-formado, com uma carreira em ascensão, que precisa gerir,
sabe quanto que eu pago para Carlos Eduardo? É um salário muito
bom, mas com experiência, e com uma recomendação do meu pai,
ele pode rapidamente receber uma proposta indecente e ir embora,
de novo.
— Sim, recebi a documentação, alías você pode pagar mais.
Sabe disso, certo? — provoca-me — O caso não é esse…
— Luiza, o caso é esse. Somos duas pessoas
completamente diferentes, nos objetivos e na vida. Ele usa crocs
hoje em dia, sabia disso?
— O que tem a ver isso, Stella? Muitos médicos usam. —
Reviro os olhos para a defensora assídua de Carlos Eduardo.
— Luiza, nós nunca combinamos, ainda lembro da cara dele
a primeira vez na fazenda. Eu nem sei o que o fez voltar agora, e se
ele decidir que não quer mais ficar no interior? Se eu contar sobre
Henrique, ele decide vir para a capital? Vou ter que dividir a guarda,
e…
— Stella! Você está se ouvindo? Primeiro: peça igual não
monta quebra cabeça, pelo contrário é inútil, segundo: se não
conversar com ele, não saberá quais as intenções e motivos dele,
nem os de agora e nem os do passado. E última coisa, que sei que
você não gostará de ouvir, mas é necessário. É um pouco egoísta
da sua parte tudo isso que falou de Henrique. Rique tem direito de
ter um pai, Stella.
— E se o pai não quiser ter um filho?
— Se ele não quiser, lide com isso depois, mas de
consciência limpa, o que você podia fazer, você fez. Mas, Tella, de
verdade. Não faz sentido nenhum para mim tudo isso. Nunca fez.
Lembra-se da conversa que tivemos quando me contou sobre a
gravidez? Cadu não me parece alguém tão extremista a ponto das
coisas terem seguido esse caminho. Porra, Stella, até você
concordou comigo, e olha que você é cabeça dura.
— Luiza!
— Eu não estou mentindo. Sou sua amiga, não seu mop, não
vou passar pano para tudo que você faz, e nem deixar que se
afogue nesse poço de autopiedade, por favor, nós temos mais de
trinta anos, somos gostosas, você é rica, eu ainda estou trabalho
para ficar, sei quanto tem na sua conta e quanto tem investido,
então por favor, vamos agir de acordo com nossa situação.
— Ótimo que falamos disso, tempo é dinheiro, e não vim até
aqui para ficarmos discutindo sobre minha não vida com Carlos
Eduardo.
— Sim, sua ingrata, vamos ao trabalho. Quantos milhões
faturamos?
O que não verbalizo para Luiza, é que, depois de tudo que vi
e vivi, talvez não tenha sobrado espaço para mais nada, nem
mesmo esperança.
Cadu está de cara fechada e braços cruzados na volta.
Ter conversado com Luiza só me fodeu, pois agora tenho
imagens sujas de Carlos Eduardo, comigo.
Eu sei, me toquei pensando nele, mas antes eram coisas
normais, agora me pego fantasiando sobre coisas sórdidas.
E antes fosse só as imagens sujas, com essas consigo lidar.
Com certeza.
O problema são os: “E se” que não pararam de rondar a
minha cabeça, nem por um mísero segundo.
Céus, estou ficando louca.
— Tudo o que vocês pediram será entregue amanhã. — Tá
vendo? Agora estou tentando minimizar a situação do nosso
ocorrido mais cedo — Menos um item de Luana, parece que
envolve uma substância que ela deve solicitar com o registro ou o
Matheus.
— Beleza.
— Vai falar só isso? — Por que estou puxando assunto com
esse idiota?
Ah, porque antes de sair, Luiza insistiu que eu deveria
conversar com Carlos, como duas pessoas normais.
Mas existe um poço dentro de mim, que foi se enchendo de
ressentimentos ao longo dos anos, e não sei se sou capaz disso,
ser normal com Carlos Eduardo.
Cheguei a conclusão que as coisas são como devem ser.
Não acredito em segundas chances.
Mas, se Lu está certa, e eu também, pois estava grávida e
não doida, não seria uma segunda chance, seria uma primeira,
certo?
Stella, você está patética hoje, sério.
— Não tenho mais nenhuma pendência com você. Eu só
acho que deveria cuidar mais dos seus afazeres do que meter o
bedelho nos serviços dos outros.
É por isso, Luiza! — Quero gritar para ela me ouvir lá de Belo
Horizonte.
Porque ele voltou um cuzão!
Esse não é o cara por quem me apaixonei e ansiei viver cada
momento, dos pequenos aos grandes ao lado dele.
Este não é o meu Cadu.
— É meu trabalho, sabe quanto que custou tudo aquilo?
— Uai, Stella, vocês são ricos, se querem comprar búfalos,
manter uma fazenda funcionando, e tudo mais, tem que investir. —
Me responde com ignorância.
— Acho que está estressadinho porque buzinei para você na
frente do shopping. — Ele estava parado lá, conversando com
alguém, e eu não sou motorista dele.
— Quem fez papel de idiota lá, foi você.
— Está me chamando de idiota? — Ele dá de ombros. —
Com quem estava conversando? — ele bufa, como um boi bravo.
— E desde quando é da sua conta?
— É da minha conta, pois eu estou dirigindo, e não sou sua
motorista, que tinha que ficar esperando a sua boa vontade de
terminar seu casinho, para depois virmos embora. Já estava tarde, e
agora vamos chegar em casa depois das 20h. — Talvez um pouco
menos, já que estou na estrada de terra para a fazenda, mas ainda
tenho pelo menos dezoito quilômetros pela frente.
— Pelo amor de Deus, Stella. Aquela era a Clarisse, dona do
hospital que trabalhei, ela me viu, porque mora na região, e queria
saber se eu havia voltado para a capital. A culpa de chegarmos
tarde é sua. Você quem atrasou as compras e depois ficou quatro
horas na contabilidade. E eu nem deveria estar me justificando para
você, se ela era ou não um caso. Está com ciúmes?
— Pela madrugada, me ajuda, Carlos Eduardo! — Digo com
desdém — Que mundo fantasioso é esse que vive, ciúmes? De
você? Se me lembro bem, mal conseguia meter por cinco minutos
inteiros. Saiba que para eu pensar minimamente em repetir algo,
precisaria pelo menos me fazer gozar de escorrer pelas coxas.
— Primeira coisa que eu acho, chefinha, é que quem
desdenha quer comprar, e segunda, não disse isso quando gemia
meu nome e suas pernas tremiam em volta da minha cabeça.
— E eu acho que você deveria calar a sua boca e voltar para
BH, faz muito mais seu estilo de mauricinho. Tenho certeza de que
lá tem mulheres que combinam mais com esse seu jeito de… —
Tereza Cristina começa a diminuir a velocidade, olho o painel e vejo
que o sinal de temperatura está aceso, e o de reserva também. Eu
tenho certeza de que o tanque tinha bastante diesel. — Que porra,
não, não, não. Merda!
— O que foi? Vai começar com chilique agora, Stella? Jura?
— Não sei. Essa merdaestá louca. Eu não dou chilique,
Carlos!
— Está dando um agora. Por que estamos parados no meio
do nada, Stella?
— O painel está acusando falta de combustível e alta
temperatura.
— Você esqueceu de abastecer?
— Eu não esqueci, tá legal? Tenho certeza de que Valentino
encheu o tanque, absoluta. No início da semana.
— O capataz dirige a sua caminhonete?
— Cala boca, Carlos Eduardo. — Forçar Tereza a ligar pode
só aumentar o dano. Como eu não olhei isso enquanto dirigia? —
Vou ligar para meu pai para buscar a gente. 
Pego meu celular, mas ele está descarregado. Que merda.
Bufo estressada.
— O que foi agora, Stella?
— Você terá que ligar, meu celular acabou a bateria.
— Você não tem carregador no carro?
— Estava vendo eu carregar algum celular? Oh, não. Deve
ser porque não tenho um.
— Stella, esse carro custa mais dinheiro que eu consigo
mensurar em minha conta bancária, nem sei se chegarei a ter esse
valor em mãos um dia, e você está me dizendo que não tem um
carregador que custa menos que cinquenta reais?
— Eu estou falando que você deve ligar para o meu pai
agora, e…
— Stella, troquei meu celular no shopping, nesse momento o
que eu tenho é inútil pois não configurei.
— Como assim, Carlos? Como você faz uma idiotice dessas,
contando com ovo no cu da galinha, e se eu me acidentasse? Nós
estavamos a quilômetros de casa, ainda estamos, faltam dezoito
quilômetros e…
— Stella, cala a boca.
— Eu não vou calar a boca não! Sério, nunca passou pela
sua cabeça, mesmo que remotamente, que precisaríamos de um
celular…
— STELLA, PARA DE FALAR! — Ele grita comigo, virando-
se de lado para mim, e eu faço o mesmo.
— EU NÃO VOU PARAR, PORQUE VOCÊ NÃ… — Cadu
pega-me pelo pescoço, e puxa minha boca para a sua.
Sinto aquele zumbido no ouvido, sem processar o que
aconteceu.
A mão forte pressiona-me contra ele, sua língua exige espaço
para dentro da minha boca, e quando cedo, é como se meu corpo
encontrasse uma estabilidade perdida há muito tempo.
É uma reconexão com uma Stella que sinto saudades, a
Stella que pertenceu ao Cadu.
Cadu Vieira
Estou beijando Stella.
Porra, eu estou mesmo fazendo isso.
Suas mãos precisas me seguram próximo a ela, extinguindo
qualquer espaço entre nós.
Puxo-a para meu colo, ela vem, sem pestanejar, montando
em mim, Stella corresponde ao meu ataque fervorosamente.
Meu coração dispara, sinto meu corpo ficar totalmente
estarrecido, é completamente estranho, mas ao mesmo tempo
familiar. Parecemos nos encaixar perfeitamente como yin-yang.
Minhas mãos percorrem seu corpo, como se fizesse isso
todos os dias, como se fosse nosso costume — parece que elas não
se esqueceram nem mesmo da textura sedosa de sua pele. Minha
ereção começa a crescer em nosso meio, e temo que ela se afaste,
espero isso a qualquer momento.
Mas, Tella, rebola em meu colo quando a sente.
O cheiro dela está na minha cabeça a porra do dia inteiro, e
agora é como se eu estivesse dentro dela, pois sou tomado
inteiramente por seu aroma adocicado. Os cabelos longos, que
estão presos em uma trança, roçam em meus braços que a
seguram fortemente, com uma mão, arranco o elástico da ponta e
desfaço-a, fazendo as ondas pesadas cairem livremente, do jeito
que eu amo.
Porra, eu realmente amo essa Diaba. Como mascarei isso
para mim mesmo?
Perceber isso, faz as mesmas sensações de anos atrás
retomarem-me por inteiro.
É libertador.
Sua língua quente circula calmamente meus lábios, e toca a
minha de novo, sugando-a para sua boca, fazendo com que todos
os meus pelos se arrepiem. Puxo sua blusa social de dentro da
calça jeans, mas Stella é mais rápida e arranca a minha primeiro,
ela observa meu corpo desnudo, passeia por ele com as unhas
pintadas de nude, relembrando-me como nosso contraste é perfeito,
e sempre amamos isso.
Sorrio ao vê-la perdida em mim, os cílios grandes e pretos
pousam como um leque em seu rosto. Começo a abrir sua camisa,
devagar, com a boca salivando a cada pedaço de pele que aparece,
mas aparentemente Stella tem pressa, pois ela mesma abre os
botões pequenos, deixando o sutiã branco rendado à mostra.
Acho que minha memória quanto a essa parte dela, não é tão
fidedigna.
Porra, eu sabia que ela era gostosa, mas a Dêmonia
aparentemente é como vinho.
Levo meus dedos ao sutiã delicado, percorro toda a costura
roçando levemente em sua pele, Stella, inclina-se para meu toque e,
sem querer, penso que, infelizmente, a qualquer momento, nosso
torpor acabará, fazendo com que nós acordemos, se é que isso tudo
é verdade.
Abaixo o pano delicado e me deparo com algo inesperado,
que me faz parar. A gargalhada delicada dela, faz com que eu volte
a realidade.
— Não esperava por isso?
— Porra, Stella, você colocou piercing nos mamilos? — uma
argolinha abraça cada um deles delicadamente.
— Sim, você gostou?
— Pra caralho!
— Pode usar essa imagem para bater uma pensando em
mim.
— Você ainda tem dúvidas? — Começo a inclinar-me em sua
direção, olhando seus olhos castanhos escuros, deixando claro
minhas intenções — Mas antes disso vou te mamar lentamente, se
esqueceu como eu gosto disso? — Sem melindre sugo o primeiro
mamilo, sentindo o contraste da jóia fria com minha língua quente,
puxo-a com meus dentes, fazendo-a deslizar em minha boca.
Cacete, isso é uma delícia.
Faço o mesmo com o outro mamilo e tenho certeza de que
poderia fazer isso por horas sem cansar.
Com fome dela, abocanho o máximo de seu seio, chupando,
brincando com minha língua na pele lisa e sedosa de Stella.
A Diaba desliza sobre meu colo, agarra meus cabelos curtos
e geme, com vontade, afinal Tella nunca foi silenciosa.
Agarro seu seio esquerdo com a mão, acariciando o mamilo
túrgido com o polegar, lambo todo o espaço até seu seio direito,
passando a deleitar-me nele também.
Minha mão livre começa a deslizar pela barriga até o cós da
calça jeans, onde sou detido pela fivela grossa do cinto. Sem
enxergar direito, e com uma mão não consigo abri-lo.
— Merda, Tella, por que insiste em usar essas coisas? —
Afasto-me para soltá-lo, e é aí que acontece.
Num rompante, ela sobe o sutiã e começa a fechar a blusa
com rapidez.
— Porra! Não, não, não — ela começa a balbuciar, ao
mesmo tempo em que passa por cima do cambio, se jogando em
seu banco e socando o volante.
— O que foi, Stella?
— Nada.
— Stella, calma aí, não…
— Eu não quero ouvir, Carlos Eduardo.
— Mas, Stella, a gente…
— A gente coisa nenhuma. Merda! Eu sou uma burra, burra,
burra! — Cada palavra dita é um soco no volante.
— A ideia de se entregar a mim é tão repugnante assim? —
Olho-a embasbacado.
— Eu não quero ouvir sua voz.
— Stella, nós estávamos…
— Nada, não existe nós. 
— É sério, Stella? — mordo meu lábio para evitar que eu
grite com ela.
— Cala a boca, preciso pensar em uma solução para sairmos
daqui.
— Não me mande calar a boca, eu odeio quando faz isso. —
Tenho tanta vontade de socar-me, muita mesmo.
— Então fica quieto — ela começa aumentar o tom de voz, e
a raiva começa a me consumir. Visto minha camisa de volta,
sentindo uma veia pulsar em minha testa devido a raiva que ela me
causa.
— Stella, se você gritar comigo, eu vou te dar um motivo para
isso.
— Você não ousaria.
— Não ousaria o quê? Chupar sua boceta até você derramar
em minha boca? Ou estapear sua bunda até que ela fique rosada e
quente? Esses me parecem motivos melhores para você gritar. —
Olho-a sério. Sua blusa claramente foi abotoada errada e ela
esqueceu de colocar um botão em uma casinha, pois é bem visível
o pedaço de pele sob o tecido da camisa e a renda do sutiã.
Sua respiração sai arfante, e seu desejo está estampado em
sua cara, que é o retrato da mais alta luxúria.
Uma luz forte surge através do retrovisor central, e vem se
aproximando, pareando com a caminhonete de Stella, o lado de fora
só está iluminado pelos faróis dos carros.
Merda, isso pode ser perigoso.
A caminhonete azul para alinhada a de Stella, e percebo ser
Seu Vicente.
— Uai, o que cês dois tão fazeno parado nesse breu?
— Tereza surtou — Stella toma a frente da resposta — ela
acendeu umas luzes e simplesmenteparou de andar.
— Uaaaai, mas como assim? Já te falei que precisa ficar
cabreira com essa manutenção menina. Por que não ligou?
— Celulares descarregados — respondo.
— Vem, passa pra cá cêis dois, tranca a caminhonete, Stella,
amanhã eu óio isso, minha fia. — Descemos em silêncio, antes de
chegar à frente do carro, dou uma ajeitada discreta na calça, pois
ainda continuo duro, mesmo que tenhamos parado de nos sarrar há
alguns minutos. — Como foi na capital?
Seu Vicente poderia nos matar, ser um serial killer, que não
perceberia, pois todo o caminho de volta foi feito sem que eu note
onde estamos.
A chegada em casa foi silenciosa.
Toda a fome de comida que eu sentia se esvaiu, e fui direto
para o meu quarto.
Merda, não consigo acreditar que realmente aconteceu.
Como eu posso amá-la ainda? Depois de tudo o que
aconteceu?
Porra, ela teve um filho de outro cara, e…
E daí, Carlos Eduardo? Foda-se.
O Henrique é uma criança tão adorável, carinhosa, esperta…
Mas você terá que amá-lo também, pois ele é parte da Stella.
E eu não amo cada parte dela?
Algum dia, deixei de amá-la?
Olho no relógio, e já são duas da manhã, e eu não consigo
dormir.
Não, dá. Eu não posso dormir sem entender o que aconteceu
conosco, em um momento estávamos brigando, no outro nos
beijando — só de lembrar de seus seios rosados, da jóia prateada,
meu pau se contrai — e depois brigando de novo. Tenho certeza de
que não foi uma fantasia, todos os toques que dei a Stella foram
bem recebidos e ela correspondeu.
É por isso que bato em sua porta, só porque tenho que
entender tudo o que aconteceu.
— O que você está fazendo aqui? — ela sussurra arisca.
Stella veste uma camisola longa, que agarra todas as curvas do seu
corpo, deixando toda sua glória evidenciada.
— Uai, Stella, precisamos conversar.
— Não precisamos. Esquece isso, Carlos.
— Como? Me explica, como vou esquecer? Stella… —
suspiro — dentro daquele carro hoje, eu senti uma coisa que não
sentia há muito tempo, algo que só senti com você.
— Pois esqueça qualquer coisa que você acha que sentiu.
— Você não sentiu nada? Jura? — ela só pode estar
brincando — Porque para mim pareceu que você estava bem
receptiva.
— Você não sabe nada de mim, Carlos.
— Stella…
— Stella, nada. Seu tempo passou. Aceita isso. O tempo de
acertamos foi em abril de 2012.
— Do que você está falando, Stella? De quando eu cheguei
como um idiota apaixonado, quando fui obrigado ao ouvir que meus
trezentos reais não pagavam seu par de botas? — sussurro de
volta.
— Ah, é disso que você se lembra? — ela cruza os braços na
frente do corpo.
— Tem mais alguma coisa que deveria me lembrar? Além do
Leonardo saindo de cueca do seu quarto? Além dele me falando de
todos planos futuros? — Vejo sua boca se abrir com petulância, do
mesmo jeito que sempre faz como vai partir para briga. Penso que
poderá passar anos entre nós, mas reconhecerei todos seus
trejeitos no primeiro segundo que meus olhos escaneá-la.
— Do que você tá falando?
— Aaaah, Stella! Como assim? Sabe muito bem, você estava
presente! — Essas memórias são as piores da minha vida, poucas
vezes eu as revivi, pois ainda dói saber que logo após nós dois, ela
engravidou daquele estrume. — Não estou aqui para falar disso. Por
favor, Stella, vamos falar de hoje.
— Não temos nada para falar. Não bata em meu quarto de
novo, não é porque eu fraquejei hoje, por alguns minutos, que
ganhou um passe livre para me comer, não confunda as coisas.
— Hoje foi uma fraquejada? Só isso?
— Sim. Se achou que ia me comer, faça bom uso da prévia
que te dei dos meus peitos, seja feliz batendo uma punheta.
— Você é ridícula, e digo mais, é uma covarde.
— Vai se ferrar, Carlos Eduardo.
— Jamais pensei que te definiria assim.
— O que você esperava? Hein? — Ela aponta o dedo no meu
peito, petulante. — Que eu abrisse as pernas e falasse “me fode de
novo, vamos repetir a dose, e quem sabe você me abandone de
novo”.
— Eu te abandonei? Eu? Você está se ouvindo?
— Carlos… — seu sorriso debochado me irrita — vai me
dizer que…
— Mãe? Dudu? Por que cês tão brigando na porta do meu
quarto? — a voz infantil e sonolenta de Henrique interrompe nosso
embate caloroso.
— Nós não estamos brigando, filho.
— Cês parecem estar brigando.
— Vem dormir com a mamãe, antes que perca o sono e a
hora amanhã.
— Não posso, tô cuidando do Tigrinho, o Joca fez o curativo
hoje, cê demorou Dudu.
— Desculpa, carinha, o trânsito estava ruim.
— Traz o Tigrinho, venha logo, o chão está frio. Boa noite,
Carlos. — Ela vira-se e me deixa plantado ali naquele corredor.
Cadu Vieira
Tap,tap,tap
— Carlos, acorda! LEVANTA PORRA! — Perdi a hora? Puta
que pariu, perdi a hora! Eu não ouvi o celular despertar. Tenho
certeza de que configurei depois do banho de água fria que Stella
me deu. Por que ela está batendo na minha porta
escandalosamente às… 4h50? — CARLOS EDUARDO!
Levanto-me enfurecido, porque só pode ser brincadeira, não
tem base[13] um trem desse.
— O que foi, Stella? São quatro da manhã! — Começo a
reclamar, enquanto procuro uma calça de moletom. Num rompante
a porta se abre, e uma Stella muito brava, me pega com as calças
nos joelhos e sem cueca. — Porra, não pode esperar? — Ela fixa os
olhos no meu pau endurecido, pois, sim, eu estava tendo um sonho
com a Diaba me chupando. — O que está olhando?
— Você estava… — a pergunta não precisa ser terminada,
pois a reprovação está clara em sua face.
— Eu estava dormindo, Stella — apresso-me em falar.
— Não me interessa também. — Apesar de Stella não estar
nem um pouco interessada, segundo o que ela disse, não deixa de
olhar para o meu pau durante todo o momento.
— Você veio para falar realmente alguma coisa ou para ficar
olhando meu pau? — Seu rosto se aquece e eu não sei falar se é de
raiva ou de vergonha. — Suponho que seja importante, afinal, todos
na casa sabe que estamos acordados, então não é uma
escapadinha para ser bem comida. — Vojo-a morder a bochecha, e
por ela não gritar e me insultar, deve ser algo sério.
— o Valentino veio me chamar. — Ah claro, o capataz —
Aparentemente, alguns Angus estão estranhos, deitados sem
reação, estão vivos, mas não sei o que é, fui até lá e… — Subo
minha calça depressa, calço meu crocs, e apanho qualquer blusa de
frio na gaveta, sem escutar o que ela veio me falar.
— Da próxima vez é só falar que é uma emergência.
Passo no celeiro, pego minha maleta e no caminho envio
uma mensagem para Joca, que acorda cedo sempre. Mas
chegando lá, decido ligar também, porra, não é um boi, são vários.
— Puta que pariu, que merda é essa?
— Pensei que você devesse me explicar, já que mudou a
dieta dos meus animais.
— Você está insinuando que eu fiz isso?
— Que explicação você me daria? Hein? Sabia que o último
veterinário foi demitido por muito menos?
— Stella, eu sei trabalhar.
— Então, me explica, já que você sabe o que está fazendo,
me explica o que está acontecendo.
— Se continuarmos discutindo como duas marmotas, talvez,
eu tenha que fazer autópsia em vez de tratamento. Saia daqui, me
deixa trabalhar e quando tiver uma resposta, te darei.
— Eu quero uma resposta agora! — Ela cruza os braços, e
bate o pé no chão petulantemente.
— EU NÃO TENHO, PORRA!
— Tá precisano de alguma coisa, dona Stella? — O
cachorrinho dela aparece e se coloca entre nós dois, me encarando
como um pinscher.
— Ela está sim, talvez, você possa dar o que ela precisa. Só
não faz gemendo meu nome, dona Stella. — Seu olhar congelado
me observa como um gavião.
— Você é um cuzão do caralho — Stella diz e sai, com seu
cachorro a tira colo, deixando-me parado ali, no meio do caos
instalado.
— Carlos, Joaquim e Luana, vem almoçar. — A voz da minha
mãe é o que me acorda do transe.
— Quantas horas? — Joaquim, que tem olheiras enormes,
pergunta lá do canto onde está ajoelhado, medicando um Angus.
— Duas, e eu quero tampar as panelas. — Minha mãe diz
como uma general, e vai embora do mesmo jeito que veio, do nada.
— Olha, gente, vocês podem ir, sério — digo-lhes. — Eu vou
ficar aqui na observação com eles. 
— Seu amigo está certo!— Luana grita ao fundo. Já não sei
mais o que ela está falando. Minha última refeição foi ontem no
almoço.
Meu pé está brenhado[14] de fezes, que vazaram pelos furos
da crocs, meu moletom Ralph Lauren está arruinado, não sei nem
que dia é hoje.
— Quem?
— Nicolas — ela responde.
— Cadê?
— Não, ele está certo. 
Mais cedo, no auge do meu desespero, ele sugeriu algo,
quando recusei sua chamada três vezes, Nick me enviou um áudio
e quando respondi explicando o motivo da recusa, o cabeção disse
que a forma mais fácil de contaminação em massa é através de
água contaminada. Luana, chegou por volta das oito, e quando
perguntei, ela disse “pouco provável… água corrente” e mais um
tanto de coisas.
— Eu nunca fui uma aluna aplicada em limnologia[15], nem
me passou pela cabeça a ideia de a água aqui está contaminada,
usamos água corrente para os animais, mas tenho um amigo na
companhia de saneamento, enviei amostras e ele fez a testagem lá.
— Ela parece exausta. — Aspectos biológicos, químicos e físicos
comprometidos, ele está testando agora substâncias mais comuns,
logo teremos respostas e uma visita.
Desgraça pouca é bobagem, como se não bastassem os
bovinos, próximo das sete da manhã, algumas aves começaram a
vir a óbito. Infelizmente não conseguimos fazer nada para evitar o
desastre iminente. Vendo a situação por um todo, agora faz todo o
sentido tantos frangos mortos, por serem menores, a contaminação
os mataram mais rápido. Já os angus, começaram a melhorar após
lavagem estomacal, medicação e reidratação, ainda assim tivemos
algumas baixas.
— Me diz que não é a vigilância sanitária — Joca aparece do
meu lado, descartando as luvas.
— E da companhia de saneamento — completa.
— Mais alguém? Companhia de luz? — pergunto com
sarcasmo.
— E do IBAMA — Luana diz com um sorriso de falsa
animação.
— Que ótimo — resmungo.
— Gente, almoço — minha mãe grita no meio do quintal.
— E quem vai contar para dona Onça? — Luana fala de
repente. Minhas forças que já são poucas, se esvaem quando
começo a rir da espontaneidade dela. Suas bochechas ficam
vermelhas e, junto aos óculos grandes demais para o rosto delgado,
emoldurado por um cortina de cabelos louros, me fazem perceber
como ela é bonita. Os olhos são azuis claríssimos, parecem o mar
de Paraty. — Desculpe. Ela me assusta.
— Não se desculpe, querida, pode falar à vontade, em
nenhum momento você mentiu — Joca nos olha enviesado, e já
entendo. Se tem uma coisa que leio bem é o olhar de um homem
que deseja uma mulher. — Joaquim é ótimo em lidar com a dona
Onça, não se preocupe, pode voltar para seus insetos, já nos ajudou
demais.
— Tem certeza de que vocês não precisam de mais nada?
Apesar do seu amigo ter sido mais útil que eu…
— Tenho sim, e agradeço. Não leve para o coração, Nicolas
pensa de um jeito estranho, nem ele mesmo sabe como o cérebro
dele funciona.
— Então eu vou indo, sabem como é, não sou efetiva, então
quanto mais rápido terminar, mais rápido ganharei dinheiro. — Ela
acena com timidez, e se retira.
— Hmm, Joaquim Benício, gosta das tímidas? — Digo
quando Luana já está chegando na cozinha da minha mãe, sim ela
tomou posse do cômodo há anos.
— Não sei do que está falando.
— Posso levá-la para um chopp então? Não, espera… Expo
Itaúna em quinze dias, esse seria um date legal…
— Não enche, Cadu.
— Vou chamá-la, a não ser que você chegue primeiro.
— Vou passar o relatório e notícias para Stella.
— Você deve ter um belo pau, se estiver intimidado pelo meu,
podemos compará-los — grito quando ele sai.
— Vai se fodeeeeeeer — ele canta desafinadamente
enquanto sai.
Folga, folga, folga.
É esse o mode que meu cérebro acorda no sábado de
manhã. Nem acredito que esse dia chegou, sinto-me adorável.
Depois da discussão com Stella, ela me deu paz.
Graças a Deus.
Os animais foram envenenados por um pesticida para
roedores. Como se todos os órgãos não fossem o suficiente, ainda
tem a polícia ambiental investigando o caso.
Com todo o trabalho que tivemos, estou moído de tantas
formas diferentes, que não planejei minha folga, só visto-me — em
um delicioso conjunto de moletom Hugo Boss, nos pés uma
sapatilha Polo, passei um perfume Dior e pronto — para espairecer
um pouco na cidade, talvez tomar o café e almoçar em um lugar que
tenha asfalto me faça bem.
Posso esticar para Divinópolis também.
Será que lá eu consigo comprar uma crocs e um novo
moletom, para substituir os que precisei jogar fora?
É pensando nisso que destravo meu carro, mas um miado
chama a minha atenção.
Abelhinha, está solta e sua barriga grávida se arrasta no
gramado molhado. Com medo dela ser atropelada, pego-a, a levo
para a varanda, e volto aos planos.
Quando saí de casa, estava tudo silencioso, nem mesmo a
minha mãe fazia o café, o que é estranho para o interior às 7h30,
mesmo no sábado.
Quando a estrada de terra acaba, meu celular consegue sinal
da operadora, e as notificações começam chegar
desesperadamente. Ignoro-as por hora, e lembro-me que devo ir ao
banco para fazer umas autorizações no caixa eletrônico, preciso
comprar as coisas de higiene pessoal também.
Irei aproveitar a paz para comprar um presente de aniversário
para Nicolas, durante o café da manhã, pois o próximo fim de
semana é aniversário dele, e…
— Atchim! — não, eu não espirrei, de onde… — Atchim! —
paro o carro na praça, olho para o banco de trás, e minha blusa —
jogada há umas semanas ali atrás — se remexe, algo que não é
normal, quando a puxo, meu coração gela.
— Henrique? O que está fazendo aqui?
— Oi, dotô, tudo bom?
— Rique, Puta q… O que está fazendo aqui? Sua mãe vai
nos matar. — E olha que ela fará isso com o olhar.
— Eu vim na cidade, uai, com você.
— Henrique, eu não vou voltar para casa tão cedo, e… Por
que você veio a cidade? E como assim veio comigo?
— Vim comprar um presente pra mamãe. O Bruno hoje está
de folga. — Essa criança tem um motorista particular, o que veio
fazer aqui? COMIGO? A Stella vai surtar.
— Henrique, como você entrou no meu carro? E por que
achou que isso seria uma boa ideia?
— Uai, Dudu… Eu ouvi sua mãe falar que cê ia saí na folga,
que é hoje. Deixei a Abelhinha te distrair, e aí entrei, foi fácil. —
Tento segurar a vontade de rir, mas não me aguento.
Repetidas memórias da minha infância na fazenda com sua
mãe passam rapidamente em minha cabeça. Não foram poucas as
vezes que fizemos isso, montamos um plano para aproveitarmos
juntos o dia.
— Henrique, nem vou para casa agora. Na verdade eu
pretendia ir para Divinópolis…
— Humm, ótimo, tem uma loja que a mamãe ama comprar
perfume lá.
— E como pretende pagar por isso?
— Uai, no meu cartão de crédito. O vovô me deu um de
presente.
— Sua mãe sabe disso? — Céus, os ricos são insanos.
— Óbvio que não, é um segredo, mas cê não vai contar, né?
— Henrique, não posso te levar para uma outra cidade, eu
não sou nada seu, posso ser preso por sequestro, ou qualquer coisa
assim. Sua mãe vai ficar desesperada!
— Hoje é dia de acordar tarde, ela não vai me procurar até as
9h. A gente pode fingir que sou seu filho! — Ele dá de ombros,
como quem não se preocupa com nada nem ninguém.
— Tá bom, como se isso fosse colar… — bufo — Nós não
nos parecemos, em nada, e… — Vejo-o me olhar e torcer a cara.
Duas linhas paralelas descem em seu rosto, assim que os lábios se
findam, seus lábios e sobrancelhas são grossos, os olhos castanhos
me lembram chocolate derretido, soam tão familiar que talvez…
Cadu, acorda! — minha própria consciência ralha comigo,
antes que eu termine o raciocínio.
Mas, se Stella e eu tivéssemos um filho, como seria?
A genética é uma gigante roleta de chances. Só em tons de
pele, nossas chances são vinte e cinco por cento de chances para
preto, branco, moreno ou pardo, além de…
CADU!
— O caso, Henrique, é só que não podemos fazer isso, e
ponto. — Seu rostinho triste parece transformar meu coração em
uma bola de gelo.
Merda, estou ficando um frouxo desse menino!
— Eu só queria alegrar a minha mamãe.
— Henrique, você é um filho ótimo, tenho certeza que sua
mãe é muito feliz com você.
— Sei disso,é só que ninguém cuida da mamãe, sabe? Ela
toma conta de tudo, o tempo todo. De mim, do vovô, da vó Cida.
Ainda tem os moços e moças tudo que trabaia lá em casa… Eu
queria que a mamãe tivesse um namorado, às vezes, ela parece
bem sozinha e também seria legal ter um pai. Cê tem namorada,
dotô?
Cadu Vieira
— Não, eu não tenho.
— Já teve?
— Hã… Sim, quer dizer, mais ou menos.
— Quem era? — sua mãe. Bem, eu a considerava, quer
dizer, estávamos quase lá, mas não tão lá assim.
— Você não conhece.
— Cê amava ela?
— Amo ainda.
— E por que não estão juntos?
— É complicado, acho que você não entenderia.
— Poderia tentar, minha mãe diz que sou inteligente.
— Não duvido da sua inteligência, só é complicado. Eu a
amo, mas tem muitos anos que as coisas se perderam, nem faz
mais tanto sentido assim amá-la, sem contar que somos muito
diferentes… Ela e eu tomamos decisões muito definitivas em nossas
vidas, e… — Estou desabafando para uma criança de nove anos.
Suspiro, e olho os idosos jogando dama na praça. Uma pequena
mão fofa toca meu ombro largo e o acaricia.
— Sabe, Dudu, meu avô costuma falar que os adultos são
complicados, e acho que ele está certo. Se cê gosta dela, é só falar,
uai.
— E se ela não gostar de mim?
— Pelo menos ela sabe. — Sorrio para ele e toda a inocência
que o cerca. — Se ela não te quiser, cê pode namorar a mamãe.
Acho que gosto docê.
— Nossa Senhora, Henrique, nem eu, nem sua mãe somos
prêmios de consolação — gargalho.— Acho que sua mãe ficaria
muito brava se ouvisse isso.
— Ia nada — ele dá de ombros — ela te olha do mesmo jeito
que olha pras pulseiras escondida.
— Que pulseira?
— Mamãe tem duas pulseiras pretas, que ficam escondidas
no porta-joias dela. Ela nunca usou, sabe? Mas às vezes vejo ela
olhando pra elas por um tempão e ai ela balança a cabeça e guarda.
Mas o jeitim que ela te olha é igual o das pulseiras. — Meu coração
se acelera, por pouco quase não sai pela boca, tamanho desespero.
— E como são as pulseiras, Henrique?
— Pretas, com imãs, é legal de brincar. — TUM, TUM, TUM,
TUM, TUM… Meu coração sairá correndo para longe do meu peito.
Onde Stella arrumou essas pulseiras?
Não me lembro de qual fim teve o seu presente daquele
aniversário de vinte e um anos.
Será que ela o achou e o guardou por todo esse tempo?
— Tá bem, dotô?
— Sim — engulo em seco —, vamos fazer o seguinte, estou
morrendo de fome, nós vamos tomar café na padaria, eu te levo de
volta para casa, e irei resolver minhas coisas.
— Mas e o presente da mamãe? Não posso voltar para casa
sem, é sério, Dudu. Tem uns dias no ano que mamãe fica triste. Ela
odeia Ano-Novo, sempre deixa eu e o vovô sozinhos e dorme cedo,
ela também não gosta do aniversário dela, e sei que quando as
férias de julho acabam, ela fica muuuuito, muuuuuuito triste, mas
não tá no dia dela estar triste, por favor, Dudu, vamos, eu só preciso
comprar um presente pra deixar ela feliz. — Não acredito que vou
fazer isso.
— Está bem, — ele começa a comemorar — vou ligar para a
sua mãe, e se ela concordar, levarei você comigo, mas só se Stella
concordar.
— Mas aí estragará a surpresa.
— É isso, ou nada. — Ele bufa irritado, e mordo a boca para
não rir.
— Tá bem, então.
— Depois do café, não quero ouvir os gritos dela de barriga
vazia.
— Ainda bem, né? Porque tô morrendo de fome.
Stella não surtou, pois não atendeu o telefone.
Consegui falar com seu Vicente, que gargalhou da peripécia
do neto, e disse que tudo bem, se não fosse incomodo, poderia
levar Henrique comigo.
Como se eu tivesse opção.
Henrique foi por todo caminho sentadinho, de cinto, cantando
a plenos pulmões todas as músicas que tocavam na rádio, e ainda
reclamou pois não tinha Shania Twain, até nisso Stella está
incrustada no filho.
— Gostei muito da sua roupa. Cê tá bonitão.
— Obrigado, Henrique.
— Posso ter uma dessas? — Com a cara que sua mãe me
olha todas as vezes que repara minha roupa?
— Ah, com certeza. — Ela vai adorar.
— Podemos comprar hoje?
— Bem, não sei se acharemos aqui, esse é um dos objetivos:
comprar moletons, daqui a pouco o frio aperta. Mas, caso não
achemos, sua mãe vai em Belo Horizonte, lá ela pode comprar para
você.
— É, ou você pode. Cê mora lá, né?
— Sim, moro… Bem, por enquanto moro aqui, mas prefiro
morar lá mesmo.
— Meu aniversário está chegando, sabia? — como poderia
me esquecer disso?
— Falta muito para novembro.
— Meu aniversário é setembro, uai. — setembro?
— Tem certeza? — Ele nasceu prematuro?
— Sim, nem dá pra fazer festa lá fora, sempre chove. Mamãe
diz que é a chuva do meu nascimento, pois é primavera, e eu flori a
vida dela, pra ser feliz, é uma coisa bonita de falar, né?
— Sim, é sim. Mas ainda falta muito, de qualquer jeito. —
Setembro?
Nunca diga nunca, esse é meu novo lema da vida.
Falei que nunca mais pisaria em Itaúna, especificamente na
Vale dos Periquitos, e olha só onde estou trabalhando. Aí como se
não bastasse isso, jurei esquecer Stella, menosprezá-la, nunca mais
sequer pensar nela, no entanto, mesmo com toda a raiva que ela
me fez passar essa semana, além dela me ignorar, só penso nos
beijos dela, na forma como seus seios se encaixam em minhas
mãos, e a porra dos piercings não saí da minha cabeça.
Acabamos aí?
Não.
Achei que sentiria raiva de seu filho, afinal, indiretamente, ele
existir deveria relembrar-me de quando tudo ruiu, mas aqui jazo eu,
babando na cria dela, fazendo suas vontades, como uma massinha
de modelar que Henrique aperta, puxa, e quando estiver cansado
me guardará num pote com todas as marquinhas da palma de sua
mão, igual sua mãe fez.
E se acha que acabou por aí, você se engana. Pois jamais
cogitei estar escolhendo um presente para ela novamente, e aqui
estou.
— Qual o estilo de perfume que vocês procuram? — A
vendedora solícita pergunta quando Henrique já tomou frente e diz
que quer um perfume de presente para a mãe.
— Óia, moça, ela já usou esses todos… — Henrique começa
a apontar os frascos na vitrine. A pouca variedade não parece
agradar a criança.
Se tivéssemos em BH…
— Bem, isso reduz bastante as opções… — O desespero
está estampado na cara dela, pois claramente ela quer atender uma
compra de um perfume importado. — Como ela é? Talvez eu
consiga ajudá-los em algo baseado nas características físicas e…
emocionais dela. Sou ótima nisso.
— Humm… A mamãe é a mulher mais linda do mundo, tem
os cabelos maiores e cheirosos do universo, parece preto mas não
é. Ela tem o sorriso grandão, e os olhos também são marrom,
escurão… Já ouvi os pais dos meus amigos falando que ela é
gostosa, e…
— HENRIQUE! — Minha Nossa Senhora Aparecida.
— Uai, mas é verdade. — Ele balança nossas mãos para
frente e para trás. — Mas ela é ou não? Como a gente descobre
essas coisas?
— Rique, depois a gente conversa sobre isso… — Olho para
a vendedora e sorrio sem graça.
— Ajude-o papai, como a “mamãe” é?
— Nós… — Não devo satisfação a pobre vendedora que só
precisa bater uma meta — Stella é… — gostosa é uma boa
descrição — intensa, sorridente, mas não muito — deveria sorrir
mais, pois é a própria Afrodite quando faz isso —, é muito segura
de si, cuidadosa, responsável, inteligente, muito inteligente — quer
dizer, mais ou menos, é péssima em relacionamentos sexuais —,
ela é uma das mulheres mais fortes e maravilhosas que conheci. —
A vendedora me olha como uma personagem de mangá, com olhos
grandes e brilhantes.
— Nossa… Você a ama…
— Eu não…
— Mas bastava me dizer se ela é mais sensual, se estão
buscando algo dentro das propostas que seu filho já trouxe, ou se
vão ser ousados e buscarão uma sugestão contrária ao que já
conhecem … — Ah sim, era isso.
A vontade que tenho é de gritar a plenos pulmões que não
sei, pois ela é impossível em reaproximações.
— Ela é bastante… A primeira coisa que falou, ama doce de
leite, e…
— Nossa, por que não disse antes? Tenho algumas opções
com notas de doce de leite. — Graças a Deus.
Henrique está extremamente feliz com seu presente, o
balança para frente e para trás, e narra como fará para entregá-lo.
Faço tudo que programei para o dia com um Henriquemuito
animado, fazendo perguntas sobre tudo que estou fazendo e por
que estou fazendo. Houve vezes em que ele também foi meu
estilista, aprovando ou reprovando roupas em lojas de
departamentos.
Joaquim está certo, não dá para ficar usando todas minhas
roupas para trabalhar.
Às 13h já acabei tudo, e meu estômago ronca alto.
— Tá com verminho, dotô?
— Hã, não…? — Ele gargalha alto.
— Minha mãe sempre fala isso quando minha barriga faz
esse barulho. — Ele dá de ombros, ainda segurando minha mão.
— Vamos almoçar antes de irmos embora?
— Posso comer besteira?
— Você vai contar para sua mãe?
— Não.
— Mesmo?
— Juro, juradinho, por favoooooor, é sábado.
— Tudo bem, pode escolher o que você quiser. — Não sei
para que falei isso, pois tenho que lidar com um Henrique bem
animado, andando por toda a praça de alimentação de um shopping
no sábado. Quando ele enfim decide, fazemos os pedidos e nos
sentamos para comer — Tem certeza que vai comer tudo isso?
— Lógico! Sabe quantas vezes ao ano venho no shopping,
dotô?
— Não, quantas?
— Duas, no meu aniversário e no Natal. Mamãe não gosta
desses trem, ela diz que não combina com isso — É a cara dela
dizer isso. Rique começa a desembrulhar o hambúrguer e eu abro
os sachês de ketchup e os coloco em sua frente, quando vou fazer o
mesmo com o de mostarda, já calculando o gole no refrigerante
porque odeio esse molho. — Eu odeio esse trem aí. — Ele aponta
para minha mão.
— Ainda bem, eu também. — Descarto na bandeja e começo
a comer meu lanche em silêncio.
— Pois é, por isso, posso comer besteira no dia do shopping
— Henrique volta ao assunto anterior de boca cheia —, como é lá
na capital?
— Você nunca foi lá?
— Não, quer dizer, fui pequenininho— ele fala como se fosse
um adulto — Quando saio de férias, a gente viaja pra lugar que
parece roça ou vamos para praia, sempre uma mais vazia. Já fui
tamém naquele lugar de neve, pedi no aniversário do ano passado.
— Que legal, nunca vi neve, sabia?
— É superlegal! Mas me conta como é lá? Mamãe só fala
que tem carros, buzinas, sirenes e muita gente.
— Basicamente isso. É caótico, mas eu gosto. Posso te levar
um dia, se sua mãe deixar.
— Vou convencer ela, é só fazer um cafuné. — Então é
assim que amansa a Onça? Por minutos ficamos concentrados em
comer, até que ele sorri para mim. — Que legal, dotô, cê também é
canhoto, como eu e o papai.
— Seu pai?
— Sim… Quer dizer, a mamãe falou, né?
— Nunca prestei atenção nele, Henrique.
— Uai, cê conheceu meu pai? — Porra, eu conheci? Esse
menino não me lembra em nada aquele idiota.
— Não. Esquece o que eu disse. Sua mãe fala muito do seu
pai?
— Bem pouco, queria que ela falasse mais.
— O que ela fala?
— Hmm… Que me pareço com ele — não, não se parece em
nada —, que quando chove minha cara de tédio é igual, que nós
andamos parecidos, somos canhotos e sorrimos iguais também.
— Stella… Já falou o nome dele? — Estou mesmo
interrogando uma criança?
— Não, na minha identidade só tem o nome dela. Quando
perguntei uma vez, ela disse que na hora certa eu ia saber, mas já
passou um tempão. — Por que isso, Stella? — Mas sinto falta,
sabe? É legal que o vovô vai no dia dos pais, mas queria ter o meu
pai mesmo. — Lembro-me como é sentir essa sensação, não é
nada legal. 
— E se… seu pai, estiver… — como perguntar sem ser
mórbido? — no céu?
— Ah… acho que ainda tem jeito, sabe? O Hugo da minha
sala é adotado, e é muito feliz. Eu adotei a Abelhinha quando era
um bêbe, ela sempre foi amada… então acho que pode acontecer o
mesmo comigo. Sou fácil de amar, não sou? — a pergunta velada
de uma aceitação iminente faz meu coração sangrar.
— Você é a pessoa mais fácil de amar que eu conheço,
Henrique. — Ele dá um sorriso alegre, e volta sua atenção para seu
lanche.
Quando esse período de trabalho acabar, porque ele vai
acabar, vai doer pra caralho.
Stella Macedo
— Bom dia, Cida, tudo bem?
— Oi, dona Stella, tá sim, dormiu bem?
— Sim, e dormi demais, são mais de onze da manhã.
— Cê precisa tira férias, menina, cê não é de ferro. Já te falei
isso.
— Mês que vem eu vou tirar, Cida, prometo. Junto com o
Henrique. Falando nisso, cadê ele?
— Acho que cê precisa de um tempo de mulher, com o tanto
de dinheiro que cê tem, devia ir naqueles trem de SPA. — Rio da
sua observação, um SPA parece uma ótima ideia — Não vi esse
menino hoje, deve tá por aí com aquela renca de bicho. Vai tomá
café, ou posso tirar a mesa?
— Só um pretinho, sem açúcar.
— Fiz broa de milho com queijo canastra, pão de queijo
recheado com doce de leite e biscoito de polvilho.
— Minha boca encheu de água, Cida. Que droga, você sabe
que odeio fazer exercícios, mas você me obriga. — Ela coloca um
pratinho na minha frente, com um tiquim de cada trem, e volta a
mexer nas suas sagradas panelas. — E meu pai?
— Tá no escritório com o doutor Xavier. — O que esse
desgraçado está fazendo aqui?
— E o que ele quer?
— Não sei, dona Stella, só servi o café e saí. Ele disse que
não quer ser incomodado. Doutor Xavier chegou com uma comitiva.
— Nhé, nhé, nhé… doutor Xavier, por que você o chama
assim, Cida?
— Uai, o home não é adevogado?
— Que advogado o quê?! Ele é mau-mau formado em direito,
nem OAB ele tem, Cida, pela madrugada. Esse homem é um borra
bosta. Doutor, Cida, é quem tem doutorado, nem seu filho é doutor,
ele é Médico Veterinário! — Ela me olha por um instante, morde o
lábio e desliga o fogão — Ôh Cida, desculpe, eu… — Porra, nem sei
o que falar.
— Carece de desculpa não, dona Stella. Num sei o que
aconteceu entre cês dois. Um dia, Carlinhos e ocê eram unha e
carne, num tempo o trem desandou todim. Ele não podia ouvir o seu
nome, nem no telefone, e ocê parece ter esquecido da existência
dele. Agora ficam aqui, os dois tinhosos, fazendo birra um pro otro,
sem pensar em quem tá no meio, né? Cês agora não são mais a
pessoa preferida um do otro no mundo. Tô cheia de coisa pra fazer,
Gracinha tá de folga, a senhora me dá licença, se precisar, vô tá lá
dentro arrumano os quarto.
PORRA. PORRA. PORRA.
Stella, você é uma cuzona.
Sento-me na minha sala, deixando a porta bem aberta para
saber quando o filho da puta do Xavier irá embora, pois quero
conversar com meu pai sobre o valor que precisarei para comprar
os búfalos.
Mas a verdade é que existe um grande dilema, entre querer
saber quando ele vai embora, para adiantar o trabalho da semana
que vem, e não querer vê-lo nunca mais nem mesmo no repente.
Existem pessoas muito ruins nesse mundo, mas João Gomes
Xavier é cruel. Não sei porque papai insiste em manter a política da
boa vizinhança com esse crápula.
Ainda lembro-me da sua cara nojenta, visitando-me na
maternidade, depois de horas de trabalho de parto e violência
obstétrica.
— Agora que meu filho se foi, vô reconhecer a criança como
um Xavier, custear qualquer gasto, e requerer os direitos que cabia
a ele.
— Você pode tentar, conseguir são outros quinhentos.
— Ele é um Xavier, meu filho me disse, eu faço questão.
Serei o padrinho dele e o apresentarei como membro da nossa
família, será um elo eterno. 
— Uai, faz o DNA. Se comprovar isso e o juiz determinar
qualquer coisa, eu não vou contra a lei.
— Cê vai preferir ficar mal falada na cidade, ao deixar a
criança bem amparada, com memórias e laços de um Xavier, Stella?
Cê é burra?
— Se você insistir nesse teatro idiota, eu serei a mal falada e
seu filho um corno, o que você prefere?
— Stella, qualquer mulher se ajoelharia e agradeceria pela
proposta que tô te fazendo, cê é doida?
— Eu não sou qualquer mulher, e meu pai tem mais dinheiro
do que você imagina, podemos muito bem lidar com qualquer coisa
financeira. Nada faltará ao meu filho, principalmente amor. Agora
desista disso. Se achou que eu ficaria intimidada ou mudaria meu
posicionamento em um momento de fragilidade e desespero, está
enganado. Vai embora.
Balanço a cabeça, querendo dissipar as péssimas memórias
que tenho daqueles três dias na maternidade, e passo a conferir
meus e-mails no celular mesmo, com preguiça demais para ligar o
computador hoje, na verdade, é cansaço, Cida está certa, voutirar
férias.
— Bom dia, fia, acordou tarde hoje… — Levanto o rosto e
vejo-o encostado no batente da porta.
— Bença, pai, ando cansada. Estava te procurando. O que o
Diabo queria? — o sorriso debochado de meu pai está presente em
seus lábios, sendo fortemente reprimido.
— Deus te abençoe. Queria fazer a boa vizinhança da fofoca.
Perguntou se precisamos de algo, se a polícia disse algo… Sabe
como é.
— Ele sabe que está falido? Tá mais para a gente socorrer
ele do que o contrário.
— Stella… Fia, deixa isso pra lá. Isso não é assunto de
domínio público. — Dou de ombros e ignoro sua cara de falsa
reprimenda.
— Queria aproveitar o dia tranquilo, para conversarmos sobre
o investimento dos búfalos, consegui um preço bom, mas acredito
que se comprarmos no outono deles, conseguiremos uma queda no
valor de mais uns três por cento, e…
— Stella, não percebeu algo estranho hoje? — Ele entra no
meu escritório, e senta-se na minha frente.
— Não, o quê?
— Cadê o Henrique?
— Ah, isso? Não achei nenhum gato nem cachorro dentro de
casa, ele deve estar por aí, deve chegar logo, louco de fome. —
Meu pai gargalha, e acho estranho, ele sabe que Henrique fica o fim
semana todo brincando na fazenda. — Tem alguma coisa que
preciso saber?
— Sim, mas não pode ficar brava. — As pessoas não podem
falar isso para uma mãe, e esperar que as coisas fiquem bem.
— Pai, cadê o Henrique? — pergunto baixo, devagar e
temendo a resposta.
— Tá em Divinópolis. — Meu coração para por um instante e
então acelera.
— Como o Henrique está em Divinópolis, pai? Como? Se eu
e você estamos aqui? E por que o senhor está tão calmo? —
Caralho!
— Uai, fia… Cê credita, que o menino ouviu a Cida
comentando que o Eduardo ia tá de folga hoje, ele colocou a gata
pra distrair o menino, e entrou no carro dele?
—O HENRIQUE FEZ O QUÊ? — PUTA QUE PARIU! Esse
menino vai me infartar.
— Falei pra não ficar brava.
— Pai, o Henrique tem nove anos, o Carlos é um adulto,
como deixou um menino tapeá-lo desse jeito? — As duas
sobrancelhas grisalhas se elevam, e de novo o sorriso brinca em
seus lábios.
— Uai, Stella, cê não foi muito diferente. Já esqueceu de tudo
que ocê e o Carlos fizeram comigo e com a Cida? Cês nadavam
pelados, e isso não é nada comparado com as coisas que passei
quando cê era moleca.
— Pai, eu NUNCA entrei no carro de um estranho, e fui parar
na cidade vizinha.
— Verdade, cê engravidou e não me contou quem é o pai do
seu filho, não tem comparação. — As palavras que nos assombram
há dez anos saem tão francas, que fazem a minha garganta fechar.
— Desculpa, fia, esquece que eu disse isso. Não sei o que deu em
mim… — seu suspiro sai com pesar, ele olha profundamente em
meus olhos. — Um pai só não quer ver o sofrimento nos oios da fia,
Tella, espero que entenda.
“Enfim, não briga com o menino. Eduardo não é nenhum
estranho, cês cresceram juntos, e eu acho que Rique e o Eduardo
precisam…— Ele se interrompe, e fico olhando-o. Precisam o quê,
pai? — O menino que entrou no carro do Carlos, ele está bem, e é
bom pra criança sair desse monte de terra vermelha, comer uns
trem diferentes e ver gente. Eles foram ao shopping, Henrique gosta
muito, e quase não temos tempo para levá-lo. Daqui a pouco eles
tão aí.”
Que ótimo, papai, agora me sinto uma péssima filha e uma
mãe ruim, no mínimo. — É o que tenho vontade de responder.
— Tá, eu não vou brigar com eles. — Cedo. Acho que não
tenho forças para entrar em uma discussão que levantará tantas
questões emocionais. Além do que mal me recuperei da minha
última discussão com Carlos Eduardo.
— Quer falar sobre os búfalos?
— Sim, acho que posso ir lá, talvez no mês de setembro ou
outubro, e…
Às 15h eu já não me aguento mais, já sentei, deitei, levantei,
dei uma volta na fazenda, a pé mesmo, já mexi com a Lua no
estábulo, e Henrique não chega com Cadu.
Tentei falar com Cadu, ligando para ele, para saber se já
estavam vindo embora, mas sem sucesso, a voz robotizada de
telefone fora da área de cobertura, foi o que me recepcionou.
Um caos está instalado em minha cabeça e meu coração.
Prometi ao meu pai não brigar com eles, mas quero tanto
gritar na cara de Carlos Eduardo, e falar que ele não tem esse
direito.
Mas não posso fazer isso.
Todas as atitudes dele até aqui me levam a entender que ele
acha que o pai de Henrique é outra pessoa.
E isso me lembra do dinheiro que ele deixou para o aborto,
será que ele acha que eu seria capaz de colocar fim em uma
gestação nossa?
E por que ele não tocou nesse assunto até agora?
Merda, Luiza está certa, eu deveria ter ido mais a fundo e…
Ouço os cachorros de Henrique latindo, e os gatos curiosos
subindo no parapeito da varanda, e quando olho para o morro da
porteira, a picape branca dele vem descendo vagarosamente.
A música pode ser ouvida aqui de baixo, céus!
A picape estaciona no lugar de costume, e Carlos Eduardo é
o primeiro a descer, vestido nessas péssimas roupas que vejo-o
usando todos os dias, em seguida vejo-o abrir a porta de trás, e
Henrique desce saltitando, alegre, sem nenhuma preocupação no
mundo.
Como é bom ser criança!
— Mamãe! — ele corre e pula em mim, como se eu desse
conta de pegá-lo ainda.
— Oi, meu amor— beijo sua testa —, eu estava com
saudades e preocupada, você não pode sair sem avisar.
— Eu sei, o Dudu já falou isso, mas precisava muito comprar
uma coisa.
— Que coisa, Henrique?
— Um presente! — ele me entrega uma sacola bonita e fica
ao meu lado, aguardando ansiosamente que a abra. — Cê tá muito
triste, mãe, não gosto de ver a senhora assim, nem tá no dia de ficar
triste. — Estou? Meus olhos ardem, sinto uma ardência no nariz
como um pré-choro.
— Dia de ficar triste?
— Arrã, tem dias que já te espero triste, mas ainda falta uns
dias. — Merda, Henrique!
— É impressão sua, filho, mamãe só tem trabalhado muito.
— Não, cê sempre tá triste no seu aniversário, e depois das
férias também, e não tá na hora do ano novo. — Como explicar para
uma criança de nove anos que o pai me deixou no meu aniversário;
em agosto, sempre sinto-me culpada pela morte de Leonardo; e há
anos atrás, eu passei a noite de Ano-Novo cavalgando no pai dele?
Carlos Eduardo nos observa atentamente, como se quisesse
saber as respostas para os questionamentos de Henrique.
Decido não me manter nesse assunto, e abro o presente
desviando o foco da questão.
— Meu Deus, filho! Muito obrigada! — Olho o vidro de
perfume, e exagero na animação com o presente. Agora devo
oitocentos reais a Carlos Eduardo, que maravilha.
— Cê gostô mesmo? O Dudu me ajudou a escolhe, né,
Cadu?
— Sim — é a única palavra que sai da boca dele.
— Já para o banho, rapaz, logo entro para termos nosso
tempinho juntos, preciso falar com o Carlos Eduardo.
— Cê não vai brigar com ele, né? Eu entrei no carro dele,
mãe.
— Não vou, filho, é só conversa de adulto — sorrio para
confortá-lo —, leve meu presente e coloque em meu quarto, certo?
— Tá bom! — Ele corre para as pernas de Cadu e as abraça,
olhando-o debaixo — Muito, muito,muito obrigado, Dudu, me diverti
demais, foi superlegal.
— Imagina, vamos repetir qualquer dia, com autorização da
sua mãe, claro. — Cadu acaricia sua cabeça, e me faz arrepiar
observando a cena.
— Cê vai deixar, né, mãe?
— Vamos estudar isso, agora já para o banho! — Espero-o
entrar, e viro-me para Carlos Eduardo — Quanto eu te devo?
— Pelo quê?
— Pelo perfume.
— Nada, Henrique comprou.
— Como uma criança tem dinheiro para um perfume daquele
valor? — Ele suspira, e morde o lábio, contendo um sorriso.
 — Bem, eu não deveria te contar isso, mas Henrique tem um
cartão de crédito, que seu pai deu, e passou o valor todo.
— O quê? NÃO É POSSÍVEL!
— Stella, calma — odeio quando me pedem calma —, não
brigue com seu pai por causa disso, Henrique é o único neto,
acredito que ele possa custear um mimo ao Rique, e…
— O que aconteceu com todos os homens hoje, porra? Toda
hora aparece um querendo me dizer o que fazer! Henrique é uma
criança! Uma cri-an-ça! — sinto minha bochechas aquecerem de
raiva — Um mimo é uma bola, não um cartão.
— Se você brigar comeles, Henrique nunca mais irá confiar
em mim, e…
— E ele não tem mesmo! Pra que você está se envolvendo?
Explica! Me explica, pois não faz sentido! Quando der na sua telha,
você vai colocar essas roupas horríveis que está usando
ultimamente numa mala, e em duas horas estará de volta a Belo
Horizonte! Então não, meu filho não tem que confiar em você. — Ele
que está segurando algumas sacolas do shopping, olha-me de cima
abaixo, e balança a cabeça em descrença.
— Quando foi que você se tornou essa pessoa?
— No mesmo dia em que você me obrigou a ser. Vamos
acabar com isso, já que não te devo nada pelo perfume — pois
resolverei isso com meu pai que claramente precisa de uma
intervenção e estabelecimentos de limites quanto a criação do meu
filho. — Lembrou-se que ele devia almoçar?
— Pelo amor de Deus, Stella, é óbvio. — A cara de
descontentamento está estampada para mim de novo.
— E ele mesmo pagou por isso?
— Não, Stella — ele bufa irritado — E aliás ele quis fast food.
— Lógico, ele é uma criança. Se ele estivesse aqui, comeria
comida de verdade.
— É fim de semana, deixa o menino, Stella.
— É sobre o meu filho que estamos falando, mas não vou
discutir isso com você. Quem determina o que é bom para ele, sou
eu. Quanto eu te devo pelos gastos do Henrique?
— Você acha que vou te cobrar um almoço que paguei para o
seu filho?
— Não quero te dever nada. Nem mesmo obrigação.
— Vai se ferrar, Stella. — Cadu diz emputecido e me dá as
costas como resposta.
Um Henrique muito animado me aguarda de banho tomado,
vestindo só uma cueca com desenhos do Flash, sentadinho na
cama.
Antes que eu pergunte como foi o dia, ele mesmo começa a
narrar desde o momento em que distraiu Cadu com a gatinha
grávida, e todos os detalhes do passeio com Carlos que,
aparentemente, o fez se divertir bastante.
— A moça achou que ele era meu pai, acredita mãe? —
minha boca seca, e se não estivesse deitada em seu colo,
recebendo um cafuné das mãozinhas mais gostosas do mundo, eu
teria desmaiado. — Seria legal ter um pai como ele. Dudu é
divertido, e eu o ajudei comprar roupas para trabalhar, sabia? Acho
que Cadu pode ser um bom pretendente, ele presta muita atenção
no cê, e te acha sensual, e mais um tanto de coisas legais, foi assim
que a muié ajudou a gente com perfume. Por que cê não namora
ele mãe? Ele é bonitão.
— Filho, isso não é coisa para se falar. Carlos e eu não
combinamos, e…
— Ele disse que ama uma moça, e ela não gosta dele, então
acho que a senhora podia amar o Cadu, cê sempre fala que coração
de mãe é grande. E eu e ele combinamos muito mãe, a gente não
come mostarda, e somos canhotos, até nossos verminhos
combinam, cê acredita? — Olho-o, e seu sorriso faceiro está
presente ali, o mesmo que surge quando ele está encantado e
concentrado em me convencer a concordar com algo.
— Não preciso de um namorado, filho, já tenho trabalho
demais com você e seu avô, que te mima demais.
— Uai, mãe, pode até ser verdade que cê não precisa de um
namorado, mas acho que preciso de um pai.
Mais alguém para nocautear a Stella hoje?
Porra.
Stella Macedo
Olho o stand gigantesco que alugamos na feira de exposição,
e sorrio, de um canto a outro, vendo o cartãozinho com telefone
pessoal de Maria Magalhães, a maior fazendeira de leite do
triângulo mineiro. Basta uma ligação na segunda pela manhã e,
talvez, eu venda a maior quantidade de semen dos meus
reprodutores, e uma recomendação dela, levará a uma possível
exportação das células germinativas.
Ver os negócios indo bem, depois de meses de trabalho
árduo e desgraças desencadeadas pela fazenda, é muito
gratificante.
Todos os anos, a feira de exposição traz bons frutos para o
meu negócio. Enquanto civis vêm assistir aos rodeios, aos shows, e
comprar produtos artesanais locais, fazendeiros e grandes
empresas fazem negócios por todos os cantos.
Tiro sempre um dia para trazer Henrique, ele é apaixonado
por essas festas, ainda mais onde tem a minifazenda. Um espaço
específico para crianças com pequenos animais, onde eles tiram
fotos e brincam com os bichinhos.
Tudo bem, que depois é uma dor de cabeça, pois ele volta
com vários argumentos de como ele quer montar a cavalo e praticar
hipismo.
Vez ou outra penso em considerar o seu pedido, mas só de
pensar que ele pode cair, e acontecer com ele um acidente como o
de Leonardo, me sobe um pânico, que antes de ir longe com a ideia,
já desisto no começo.
O mundo é estranho. Quando criança, eu era tão desinibida,
nada me parava ou causava medo. Me livrava de todas as roupas e
pulava em um rio, sem pensar na causa e consequência. Céus! Eu
praticava enduro equestre na faculdade, como meu pai não surtou
comigo?
Hoje em dia, existe temor por qualquer atitude que eu tomo, é
tão cansativo!
Sempre estou em alerta. Quando vejo um rio no dia quente
ao invés de pular sem reservas, sempre penso em serpentes que
podem estar ali, verifico mais de uma vez o carro temente de
acontecer o mesmo que com a minha mãe, os sapatos de Henrique
são vasculhados com medo de escorpião, ou qualquer coisa que
possa fazer mal ao meu filho.
Anda sendo cansativo morar dentro da minha própria
cabeça… Ultimamente venho ponderando todas e quaisquer
atitudes ou ações que tenho tomado.
Desde quando Cadu voltou, olho-o, e um filme se passa em
minha cabeça.
Por que crescemos e perdemos tudo, Eduardo?
Suspiro, e observo as pessoas felizes ao meu redor,
bebendo, dançando e se divertindo. Casais apaixonados se pegam
pelos cantos, achando que ninguém está os vendo, mas com
certeza muitas crianças serão frutos dessa noite.
Queria fazer umas loucuras assim, ser por uma hora ou uma
noite a Stella que tirou a virgindade de Carlos Eduardo, porque o
amava.
— Uai, você ainda sabe usar saia? — A voz que nunca
esqueci, tira-me dos meus devaneios autodepreciativos.
— Ninguém me avisou que minhas vestimentas deveriam ser
aprovadas por você. — Olho-o parado ao meu lado, de calça jeans
escura colada nas coxas grossas, nos pés a mesma sapatilha
branca que meu filho me pede todos os dias, e eu quero matar
Carlos por encorajá-lo a usar essas coisas ridículas, a camisa
branca, por baixo da jaqueta, abraça e destaca os músculos dos
peito e abdômen. Na orelha um brinco brilhante me chama a
atenção, ele estava ali o tempo todo? — Você furou a orelha? —
pergunto chocada.
— Há muitos anos, ficou sexy? — Ele pisca para mim, e
tenho certeza de que não deveria arrepiar-me com isso, mas é o
que acontece.
— É, ficou legal, mas como nunca percebi isso?
— Eu não trabalho de brinco, existe uma coisa chamada
segurança, sabia?
— Não use isso perto de Henrique, pelo amor de Deus —
reparo-o mais um pouco, e sim estou secando-o na cara dura,
quando olho em sua mão, reviro os olhos — Mas, qualquer coisa
que você veste ou faz de bom, é rapidamente cancelada por esse
copo térmico em sua mão. Sério que veio a uma exposição e trouxe
isso?
— Mantém a cerveja gelada, e ajuda o meio ambiente.
— É ridículo. Aliás, o que está fazendo aqui?
— Você está linda, deveria se vestir assim mais vezes. Está
vendo? É assim que elogiamos uma pessoa, suas palavras estavam
muito ácidas, mas as considerarei um elogio. — Olho meu reflexo
no inox do balcão de bebidas em minha frente, como se precisasse
me lembrar que, diferente dos outros dias, estou usando um vestido
longo preto e largo de mangas, as botas texanas brancas,
combinam com meu chapéu e o cinto afivelado na cintura. — É uma
festa, Stella, essas coisas não acontecem muito por aqui, sinto falta
de diversão.
— Então sua diversão é pesar a minha noite? — Ele abre o
sorriso bonito, e dá de ombros, como Henrique, quando não tem
argumentos. Ou seria o contrário?
— Na verdade, eu vim com Matheus, sua noiva, Joaquim e
Luana, mas eu estava de vela, aí resolvi dar uma volta, encher o
copo de cerveja…
— Vela? O Joaquim e a Luana estão… — não completo a
frase, encarando-o de braços cruzados.
— Stella, está querendo saber sobre as fofocas dos seus
empregados? — ele gargalha. — Não vou te contar nada, sou parte
do proletariado, não confabulo com os patrões.— Você não sabe guardar segredo, fala logo, está louco para
contar.
— Estou mesmo. — Mordo a bochecha para não rir — Eles
querem muito se pegar, eu já estava ficando com tesão ao lado
deles, mas a Luana é tímida, como Matheus e Rúbia estão quase se
engolindo ao invés de ver o show, e eles ficavam dando risadinhas e
conversando em sussurros um no ouvido do outro, resolvi dar uma
desculpa e sair de perto, vai que ela está intimidada.
— E não vai arrumar um rabo de saia para você hoje?
— O rabo de saia que eu quero anda fingindo que eu não
existo.
— Algumas mulheres são inteligentes. Quem é a mulher que
devo dar os parabéns?
— Você — engulo em seco, e o olho.
— Realmente eu sou uma mulher muito inteligente.
— Gostosa também, mas isso você já sabe, correto?
— Você deveria maneirar na cerveja, pois parece estar
flertando comigo.
— Esse é o segundo copo, então estou bem consciente do
que estou fazendo. E sim, eu estou flertando com você. Ou já
esqueceu que fui até o seu quarto, e me escorraçou de lá?
— O que você queria? Que eu abrisse a porta, entregasse-
me de novo, e depois no outro dia é como se nada acontecesse?
Não quero mais ser seu depósito de porra, Carlos.
— Quem está dizendo isso é você. Essas palavras nunca
saíram da minha boca. Se tivesse deixado eu entrar, poderia te
responder isso, mas nunca saberemos.
— Não vou gastar minha energia com isso, Carlos. Já pegou
sua cerveja, agora vai embora.
— Estou bem confortável aqui.
— Eu não estou.
— Os incomodados que se retirem.
— Não posso, porra. Estou trabalhando.
— Acho que precisa de uma boa noite, regada a bastante
pau — sussurra. — Você parece bem estressada, se quiser, farei
isso para que se sinta melhor.
— E quem vai me dar pau? Você? Não tenho lembranças tão
significantes assim dele…Será que melhorou nisso? — ergo a
sobrancelha para ele.
— Cruella… — ele fecha os olhos em fenda, sorri e bebe da
sua cerveja. — Esse apelido lhe cai melhor que dona Onça — meus
funcionários me chamam assim? —, mas posso te garantir que
muitas coisas mudaram nos últimos anos, se quiser uma prova,
posso te dar.
— Se você for esperar que eu te peça algo, morrerá na
vontade. — Abro um sorriso largo, carregado de ironia. Ele me olha,
então percorre o ambiente à nossa volta.
— O que tem nessa tenda? — Ele aponta para a estrutura
montada ao lado do stand da Vale dos Periquitos.
— Uma exposição da John Deere, são tratores agrícolas que
vão ser lançados amanhã.
— Humm — Ele se aproxima do stand, e vejo-o bater no
braço de Valentino, que há alguns minutos está nos observando —
Ei, cara, guarda meu copo por favor, daqui a pouco eu pego aqui.
— Ninguém aqui trabalha para você, sabia disso? —
pergunto quando ele retorna.
— Sim, mas não posso estar com as mãos ocupadas. E foi
só um favorzinho.
— Pra quê?
— Para isso — sua mão forte adentra meus cabelos na nuca,
com força e precisão, puxando minha cabeça para trás, Cadu beija-
me com fome e violência. Sua língua quente invade-me, a outra
mão se enrola em minha cintura ferreamente. Não existe uma célula
minha que seja resistente a sua investida, então cedo e retribuo.
Sinto-me ser conduzida, e pouco me importo onde estamos
indo, minhas costas batem em algo, abro os olhos e vejo que Cadu
nos trouxe para a tenda e, com certeza, não deveríamos estar aqui.
— O que estamos fazendo?
— Você disse que se eu for esperar você pedir, morrerei na
vontade, e se existe uma coisa que não quero é passar vontade de
te ter. — Suas mãos me prendem ao pneu gigante do trator, seu
gosto misturado com a cerveja está em minha boca, que pede por
mais dele, mas jamais admitirei isso.— Você é uma Diaba, que me
atenta o tempo todo, Stella, nem dormindo tenho paz, pois meus
sonhos são invadidos por esses olhos escuros, essa boca atrevida
e, porra, seus peitos nublam minha mente o tempo todo. Já entendi
que não admitirá que quer ser minha, mas precisa saber que posso
te virar do avesso, isso não é só uma promessa.
— Não acredito que vou fazer isso — sussurro, e puxo-o para
minha boca de novo. 
Cadu não se faz de rogado, toma-me mais afoito, suas mãos
começam a acariciar minhas coxas e sobem meu vestido. Minhas
mãos deslizam sua jaqueta para fora, e com pressa puxam a
camisa dele.
Sou erguida em seus braços, sem tempo de apreciar a obra
que Eduardo é sem camisa, sinto o frio do trator tocar minhas
pernas desnudas, e percebo que estou sentada no assoalho da
máquina, e ele está de pé em minha frente.
— O que está fazendo?
— Ah, Stella, eu vou te chupar, e quero sua boceta a minha
disposição — ele abre minhas pernas, e ergue o vestido — sem
calcinha?
— Não uso quando estou de vestido, pode marcar.
— Obrigado por desbloquear uma memória para mim — ele
sorri e começa a beijar meus joelhos, mordiscando a parte interna
das minhas coxas, indo em direção a minha virilha.
Eu tenho tanta raiva do meu corpo traidor!
Minha boceta já está molhada, aguardando que seja tomada
por ele, mas Carlos parece não ter pressa nenhuma.
Sorrindo, ele puxa meu pescoço para baixo, e volta a beijar
minha boca. Suas mãos começam a abrir os botões frontais do
vestido, expondo meus seios para ele que, sem parar o beijo, abaixa
o sutiã e deixa seus polegares brincando em meus mamilos.
Minhas unhas passeiam pelas suas costas largas e, com
certeza, existem mais músculos ali do que me lembro.
Eduardo passa sua barba curta em meu pescoço, fazendo-
me gemer, e levar minha mão para o meio das minhas pernas.
— Não, eu vou fazer isso — ele sussurra, afastando a minha
mão, acariciando meus grandes lábios afundando o dedo entre eles,
enquanto sua boca toma um seio em assalto, tudo ao mesmo
tempo.
Uma de minhas mãos se agarra ao volante da máquina, e a
outra no estofado do assento, abro mais minhas pernas, o quanto
consigo no espaço limitado, Cadu aproveita-se disso e adentra
minha boceta com seu longo dedo grosso.
Sua boca se afasta do meu seio, e gemo de frustração.
Eduardo me empurra para trás com delicadeza, fazendo com
que eu deite no chão do veículo, antes que eu reclame sua cabeça
se abaixa entre minhas pernas, e sinto sua língua esfregar meu
clitóris, enquanto seu dedo continua me penetrando.
Merda, isso é tão bom! Sinto muita falta de uma chupada.
A quem quero enganar? Senti falta da sua chupada. Ninguém
nunca conseguiu fazer como ele faz.
Seguro em seus cabelos como eu costumava fazer, ele
mordisca meu lábio de um lado, lambe até o outro e repete a carícia.
Passo a acariciar meus seios, brincando com os piercings,
pois é um dos lugares que mais tenho sensibilidade.
Cadu esfrega a parte frontal da minha vagina, fazendo com
que eu rebole em sua boca e mãos.
— Shhh, tá gemendo alto, Stella — estou? Sinto minhas
pernas serem elevadas e postas sobre seus ombros — sonho com
essas botas em volta do meu pescoço há dias.
— Sonho realizado, agora me chupa. — sinto seu sorriso em
meu monte púbico, e rapidamente ele volta sua língua endurecida
para meu clitóris.
Sinto seu dedo se curvar em minha boceta, deslizando na
frente e atrás ao mesmo tempo. Enlouquecendo-me. Gemo alto,
rebolando em sua boca, pedindo por mais, subindo e descendo.
Sua mão livre estica-se sobre mim, e tampa minha boca.
Sinto o calor subindo pelos meus pés, passando para pernas
e coxas, concentrando-se no meio, onde Cadu morde, assopra e
chupa meu grelo. Em sequência ao calor, vem o tremor, a contração
da minha boceta em seu dedo, seguido do meu gozo pesado e
fluido em sua boca.
Cadu Vieira
Tomo tudo que Stella me oferece, continuo estimulando-a,
arrancando dela grunhidos altos,querendo seu último espasmo, e
bebendo até a última gota de sua boceta.
— Venha aqui, sinta o seu gosto na minha boca — Ergo uma
Stella completamente mole, deitada no assoalho do trator, e a beijo
com mais delicadeza, mas não menos fome que antes.
Quando a vi, parada como uma linda cowgirl, perdida em
pensamentos, meu coração e tesão falaram mais alto e conduziram
minhas pernas até ela.
Os últimos tempos têm sido difíceis, pois vivo em uma grande
guerra interna. Meu cérebro, coração e pau, nãoconseguem chegar
em um comum acordo. E quem me conduz são os dois últimos.
Mesmo que Stella se intrometa sempre que pode em meu
serviço, é nela que penso quando me visto para o trabalho. Ela
parece ter desistido de tentar manter Henrique e eu longe um do
outro, mas sempre me olha de rabo de olho, e um pouco de medo,
quando estamos próximos.
A dona da porra toda me ignora por dias, mas ouvir sua voz,
mesmo que não direcionada a mim, faz os pelos do meu corpo se
arrepiarem. Stella está em minha mente o dia todo, pois meus olhos
teimam e a procuram o tempo inteiro, e todas as noites ela invade
meus sonhos.
Ela é o delicioso fruto proibido do meu paraíso.
Seu cheiro foi a primeira coisa que me tomou por inteiro
quando me aproximei essa noite, esperando ser escorraçado por
ela, ele me invadiu e aqui estamos.
Seu chapéu está caído próximo ao lugar que entramos, seu
sutiã abaixado, os seios amostra, a boceta melada, ela está corada
e deliciosamente descabelada, meu pau extremamente duro e
dolorido. Não me recordo se um dia ela esteve mais linda que nesse
momento.
Piso na parte de trás das minhas sapatilhas, tirando-as, abro
minha calça, tirando-a junto com a cueca, ficando completamente nu
para ela. Despindo-me não só de roupas, mas de qualquer coisa
que não seja dela.
Tiro uma bota, depois a outra, as meias vão junto, sigo para o
cinto largo, sutiã, desço a parte de cima de seu vestido, ergo-a em
meu colo e arranco-o dela, deixando-o perdido próximo aos pedais
do veículo, deixando-nos iguais.
— Vem cá — ela se levanta, e me dá a mão para que eu
suba no trator, empurrando-me para o assento, Stella senta-se em
meu colo, encosta-se no volante, expondo os seios deliciosos para
mim, como um banquete, e tenho fome.
Passo a beijar seu abdômen, contorno o umbigo com a
língua, minhas mãos descem em sua bunda, apertando-a, subo pelo
seu corpo, passo a chupar a parte de baixo dos seus seios,
mordendo em alguns lugares, passo aos mamilos que tem sido
minha tentação física nos últimos tempos.
Stella estica suas mãos em nosso meio, e passa a acariciar
meu pau pedinte de atenção, espalhando sua lubrificação por toda a
glande, fazendo meu coração acelerar no mesmo ritmo do seu
toque.
— Eu quero tanto te comer — sussurro em seu ouvido. A
Diaba sorri, e passa a acelerar a masturbação em mim, fazendo
minhas bolas se contraírem. Seu deslizar é firme e carinhoso ao
mesmo tempo.
Meu corpo reconhece o seu sempre que nos aproximamos, é
como se ele fosse dela, como se servisse a ela.
É estranhamente boa a sensação de pertencimento que sinto
sob suas mãos.
— Olha só, não é que você cresceu mesmo? Em outros
tempos já teria sido banhada com a sua porra. — Sorri faceira, com
o deboche escorrendo por cada palavra que diz.
— Stella, você está provocando sem saber se aguenta…
— Digo o mesmo para você — desafia-me.
— Há uns minutos, você estava se derramando em minha
boca, já esqueceu?
— Eu só posso afirmar aquilo que eu sei. — Stella se abaixa,
pega o celular dentro do vestido no chão, tira uma camisinha da
case e me entrega — No momento só sei que sabe chupar minha
boceta. — Abro o preservativo, coloco-o, e quando ela se ergue
para sentar em mim, balanço a cabeça em negativa.
— Você vai sentar em mim de costas, quero sua bunda a
minha disposição.
— Não costumo ceder a desejos masculinos, mas quero
muito sentar em um pau agora — ela se levanta, e eu abro as
pernas para que se encaixe em meu colo.
Puxo-a pela cintura, fazendo-a sentar em meu pau,
prendendo-a em mim, para que se acostume.
— Não, Stella, você não precisa sentar em um pau, precisa
sentar no meu pau, e vai cavalgar nele com força — bato em um
lado da sua nádega, sentindo-o esquentar com a precisão e força
que faço. Passo a mão na ignição do trator, e ligo-o, assustando-a
que é pega de surpresa pelo barulho alto — E pode gemer o quão
alto quiser, pois seus gemidos são meus, sua boceta é minha. Vo-cê
é minha.
Stella vira-se para trás, e quando penso que ela vai
contestar-me, sua boca busca a minha com avidez, enfio meus
dedos em seus cabelos, mantendo-a ali, a outra mão migra para seu
grelo endurecido e melado, esfregando-o, fazendo com que ela
rebole em meu colo.
Tella mesma para o beijo, finalizando-o com beijinhos, coloca
suas mãos no volante, ergue-se e se senta em mim, com força,
esfregando-se na descida, enlouquecendo-me.
Passo minhas mãos para seus seios, melando-os com sua
própria lubrificação, deslizando os mamilos e suas joias entre meus
dedos, e sinto-a estremecer. 
Passo a beijar suas costas suadas, seus cabelos fazem
cócegas em meu rosto, mordisco em alguns lugares, ela continua
subindo e descendo com maestria em meu colo
Stella geme alto a ponto de obrigar-me a apertar o
acelerador, buscando ocultar o seu barulho.
Minha vontade é fazê-la quicar em mim a noite toda, mas
desse jeito, com ela gemendo nessa altura, temo que alguém
chegue, não que me importe com isso, mas não sei como Stella se
sente… Se bem que não, não quero que ninguém a veja nua, esse
privilégio é meu.
Pelo menos nesse momento.O pensamento sombrio passa, e
dói.
Balanço a cabeça dispersando-o, e levo minha mão ao seu
clitóris, banhando meus dedos em sua lubrificação.
Vagarosamente passo a acariciá-la por trás, encharcando seu
cuzinho, acariciando-o por fora em círculos morosos, minha outra
mão migra para seu clitóris, explorando-o junto.
— Porra, Cadu, que delícia! Mais, me dá mais disso!
— Posso foder seu cu também, Stella? É isso que está me
pedindo?
— Sim! Faz isso.
— Pede, Stella, não se contenha.
— Me fode toda, Cadu. — Atendo o seu pedido, penetrando-
a com meu polegar, esfregando meu pau pela parede fina que nos
separa.— Caralho, hmmm — Stella para de se mexer, atiço-a
circulando seu clitóris com o dedo médio e indicador.
— Vai, Stella, não está se aguentando? Vai pedir arrego,
Diaba?
— Jamais. — Ela contrai a boceta, e sinto-me sem espaço.
Porra, que delícia! Minhas bolas se contraem, o mesmo acontece
com meu períneo.
— Solta, Stella! Porra, eu vou gozar assim! — Ela ri com
escárnio, mostrando quem está no controle, tiro meu dedo dela, e
volto a acariciar seu cu bem na entrada, onde as terminações
nervosas são mais sensíveis e, rapidamente, ela solta meu pau, e o
maceta na decida, com força e precisão.
Estremeço minha mão em seu grelo, com rapidez, e volto a
penetrá-la por trás.
Sinto seu esguicho longo derramar em nosso meio, mordo
suas costas quando minha porra se despeja dentro dela, em jatos
longos e espessos.
— Stellaaa, hummm, que delícia! — Não paro de mexer
meus dedos, até sentir o peso do relaxamento de todo o seu corpo
sobre o meu.
Nossas respirações errantes se completam, e não sei por
quanto tempo ficamos ali, curtindo nosso silêncio, corpos suados e
exaustos.
— Foi bom para você? — digo quando com muito pesar, tiro
as mãos dela, e desligo o trator.
— Você nunca saberá.
— Considerarei um sim, pois você teve um squirting.
— Pense como quiser. — Ela dá de ombros.
— Cruella — beijo seu ombro, e a abraço pela cintura —,
senti falta disso.
— Shh, fica calado, Eduardo! — Stella bate no meu braço,
falando baixo, arranhando a garganta no percurso. 
— É assim que você trata quem te tratou muito bem?
— Eu estou me sentindo muito bem nesse momento, se você
começar a falar, vai me estressar, vamos brigar, e de nada vai valer
esse momento, pois terei que procurar alguém que não me estresse
para aliviar o estresse que você me causa. — Péssimo momento
para esse comentário, Cruella.
— Difícil achar alguém que não te estresse — ela gargalha e
concorda.
— Bem, eu gostaria de ter argumentos, mas não estou
pensando muito agora.
Por anos a fio tentei não me lembrar dela ou dos instantes
que passamos juntos, e fingi que todos os momentos que me
recordei de nós, não existiram. Mas, sempre que me deitava após o
sexo, era dos braços dela que eu sentia falta, e consequentemente 
recordava-me que as coisas que aconteceram ali, não foram com
ela, e quando esse clique acontecia em minha cabeça, era quando
enchia minha cara para esquecer qualquerque fosse a estranha
que estivesse comigo, e a vida de merda que teria sozinho.
E eu ainda achei que não a amava. Que grande idiota.
Ouço a música longe, e começo a rir.
— Stella, você está ouvindo a música?
— Não.
— Presta atenção… — Stella levanta a cabeça.
— É, Edson e Hudson? — pergunta animada.
— Sim!
— Não acredito! — diz gargalhando — Faz anos que não os
ouço.
— Não creio! o Edson é o seu crush da vida! Você disse que
só entraria numa igreja um dia, se fosse com uma música deles.
— Nossa! — Ela se levanta de meu colo, fazendo com que
percamos nossa conexão, e isso me entristece, mesmo que meu
pau já tenha amolecido há algum tempo. Instantaneamente, sinto
falta do seu corpo me aquecendo. — Havia me esquecido
completamente disso!
— Lembro que você pegou pirraça quando estava na sétima
série, pois queria dançar country e não quadrilha, e queria sua
música preferida deles, que não era nem um estilo nem outro. —
Gargalho ao lembrar que durante uma semana toda, dancei a
mesma música com ela debaixo das mangueiras, e na última hora
ela desistiu de dançar na festa junina, e a professora teve que
dançar com Leonardo, que não ficou nada satisfeito.
— Céus! Cadu, nem eu mesma me lembrava disso! Arreda,
deixa eu me sentar também.
— Pode ficar no meu colo.
— Anda, menino, arreda.— Arrasto meu corpo para o lado, e
ela se senta ao meu lado — Sua memória é muito boa! Sempre foi.
— Verdade, mas não vejo isso como uma qualidade.
— Lógico que é. Você nunca precisou estudar para provas.
— Ah, mas ao mesmo tempo sempre me lembrei de coisas
ruins, na mesma proporção.
— Mas, você teve uma boa vida… Não? Se formou em
Medicina Veterinária, era o seu sonho.
— Foi só isso que eu conquistei, Stella.
— Não, uai, presta atenção, tem seu carro, suas roupas de
mauricinho ridículas, mas é um gosto caro, e…
— Não tive você. — Ela me olha, erguendo a sobrancelha.
— O que quer dizer com isso?
— A única coisa que eu queria na vida, era ter você. Não
precisava da faculdade ou de nenhum bem material. Mas nos
perdemos no caminho.
— Não nos perdemos, você me deixou no momento que mais
precisei que estivesse ao meu lado, foi isso que aconteceu!
— Stella, você gritou aos quatro ventos que meu salário não
comprava nem a sua bota — digo baixinho —, mas agora eu
consigo, Stella.
— Cadu, eu não preciso de dinheiro, nunca precisei.
— Do que você precisa, Stella? Me fala, por favor, só me fala.
Farei o que for preciso, tudo o que eu sempre quis foi você. Desde a
minha infância, sonhei com o dia que sua aliança teria meu nome
gravado e…
 — Não dá, Cadu. Não é simples assim! — Ela se levanta e
desce do trator, puxando o vestido pela cabeça — Não posso
ignorar dez anos de ausência, e negligência da sua parte! Num livro
ou filme, poderíamos nos acertar e sermos felizes para sempre, mas
isso aqui é vida real, e nada mudou! Não porque nós transamos!
— Você não vê, que foi mais que isso? — ela começa a
calçar as botas, com agilidade e rapidez — Stella, quando estamos
juntos, acontece uma coisa que só sinto com você e…
— Carlos! Para! Eu tenho trinta e um anos! Não dá para
continuar com isso, fantasia não enche barriga! — ela me olha
estarrecida.
— Você está certa, a melhor coisa que fazemos é não
conversar.
— Pelo menos nisso concordamos. — Ela vira-se de costas,
como se nada tivesse acontecido, pega suas roupas em silêncio, se
veste, vira-se calada, abaixa-se pegando seu chapéu na porta, e
deixa-me ali, pelado, sozinho e no escuro.
Como é possível te amar e te odiar, tudo junto, Diaba?
Cadu Vieira
— Ah, graças a Deus! — digo ao abrir a porta do pronto-
socorro, e ver Nicolas, meu melhor, e talvez único, amigo deitado na
emergência — Como você está?
— Dolorido! — Ele dá de ombros, e tem a mesma expressão
de quando eu o conheci. Não gosto disso.
— Eu quero tanto te matar agorinha mesmo, Nicolas! Pode
me explicar o que aconteceu? — Não pensei em muitas coisas
quando recebi a ligação do pronto-socorro mais temido de Belo
Horizonte dizendo que Nicolas Amaral tinha passado meu número
como contato mais próximo e que há quase uma hora ele havia
dado entrada no hospital vítima de um acidente de trabalho.
Stella está passando o fim de semana de férias com
Henrique em um parque aquático, graças a Deus, pois iria começar
a fazer um milhão de questionamentos da veracidade do acidente e
o motivo de eu ser chamado, e não um parente próximo, já que por
muito menos ela contesta minhas decisões médicas. O tempo que
gastei foi para avisar Seu Vicente, e pedir a Joaquim que cubra meu
plantão no fim de semana, e irei recompensá-lo em breve.
— Fui fazer uma consultoria esse fim de semana, quando
acabei minha parte, fui ajudar o outro biólogo, acabei me distraindo
e distanciando do mateiro, quando dei por mim pisei em uma fossa,
uma bem funda, afundei-me e aí foi toda a comoção de segurança,
bombeiros e etc.
— Você? Distraído? Conta outra. — O fato é que conheço
Nicolas há cinco anos.
Nos conhecemos em uma festa da UFOP, eu estava bêbado
tentando minimizar todo o caos que tinha se tornado minha vida aos
quase vinte e três anos, faltava pouco para me formar, desisti do
curso, dinheiro em baixa, a faculdade de medicina começaria em
breve, estava tudo uma merda — e isso é elogio para a situação em
que encontrava-me na época — e também queria perder a
consciência para não me lembrar de Stella.
Se eu estava bêbado, não sei qual definição de Nick, o
menino estava péssimo, era um monte choroso e catarrento, sua
namorada havia terminado com ele, de uma forma bem filha da
puta, e pareceu boa ideia recorrer ao álcool, mesmo que
anteriormente desconhecesse a cerveja ou qualquer coisa alcoólica.
Mas a questão, é que nesses anos em que somos amigos,
Nicolas, foi do inferno ao céu, porém jamais fez a linha “distraído”.
Ele é uma das pessoas — se não a pessoa — mais inteligentes que
conheço. Seu cérebro não funciona numa frequência normal, tanto
que aos vinte e cinco anos, recém- feitos, meu irmão da vida, tem
uma banca para defesa do doutorado marcada.
Então, para ele se acidentar, algo está errado.
— Vai me falar ou não, Alazão, o motivo de entrar para as
estatísticas de acidente no trabalho?
— Eu só quero sair daqui, pode ser?
— Já ligou para seus pais?
— Eles estão nos Estados Unidos, do que adianta?
— Eu gostaria de saber se meu filho se acidentasse algum
dia.
— Não é nada demais, minha mãe está acostumada, e eu
sou maior de idade, porra.
— Nossa, alguém está bastante irritadiço… É só por que vou
ter que lavar seu pau grande? Relaxa, cara, se você for carinhoso,
posso até te bater uma punheta.
— Vai se ferrar, Carlos Eduardo!
— Beleza, sem punheta para você, vou atrás do seu médico,
para saber se posso levar a boneca para casa.
— A Loren[16] vai embora — Nicolas diz quando o acomodo
em sua cama após seu banho.
Ainda ficamos no pronto atendimento por mais três horas de
observação e finalização dos exames de imagem. Na volta para
casa ele ficou calado, vendo a cidade boêmia de sábado à noite
passar pela janela do meu carro. Nick insistiu que poderia deixá-lo
com Terezinha, governanta da casa que é mais velha que mamãe,
e ele iria se virar.
— Mas… Já sabíamos disso, certo? — Loren é uma inglesa
que ele buscou no aeroporto, pouco antes de eu me mudar para o
interior. A moça veio para fazer uma pesquisa por seis meses em
Ouro Preto, a cidade em que ele passa a maior parte do seu tempo.
— Sim.
— O que tem então?
— Nos tornamos amigos.
— Uai, Alazão, tudo bem. A maioria das amizades hoje são
feitas pela internet, e se mantém assim. Fico feliz em vê-lo criando
novas amizades, ainda mais com uma mulher. Não vão se distanciar
por causa disso. — Com o braço que não está imobilizado, ele coça
a cabeça — não gosto dessa sua cara. Arreda pro canto.
— Não quero dormir com você.
— Está com medo de gamar em mim? — provoco-o — Anda
logo. Quero saber o motivo dessa cara de cachorro que peidou na
igreja.
— Você não vai me julgar?
— Vou. Mas preciso saber da fofoca.
— Eu transei com a Loren.
— Não — olho-o de boca aberta.
— Levei-a naThe Jungle, as coisas esquentaram, e
aconteceu. Mais de uma vez na verdade.
— Porra, Nicolas! Qual o seu problema?
— Falei para não me julgar.
— E eu disse que iria. Não sabe manter o pau na calça,
porra? O que aconteceu em abril não foi o suficiente? — Em abril,
Nicolas, quase perdeu seu emprego e seu doutorado por causa de
boceta, e agora lá vai ele, se estrepar de novo.
Se bem que ele não parece estar com a inglesa só por
sexo… Merda, garoto, vou ter que juntar seus pedaços de novo?
— Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Loren, é…
Diferente. — Tá vendo? Porraaaa, Nickinho!
— Está de quatro pela britânica… Céus! Já trocou o café pelo
chá com leite?
— Estou falando sério, Cadu!
— Eu sei cara, mas quantas vezes já te falei: se tem uma
amizade entre um cara e uma mulher, mantenha pau e boceta longe
um do outro. Nunca dá certo Nikinho, nunca! — Experiência própria,
cara.
— Porra, estou fodido, né? — ele suspira e fica olhando para
o teto branco.
— Pra caralho, amigo, pra caralho.
Se eu pudesse voltar no tempo, só haveria uma coisa que
não faria.
Não aceitaria as aulas de beijo da Stella, e depois recusaria
veemente sua proposta de perder a virgindade.
Assim quem sabe, agora eu teria minha amiga, poderia tê-la
ajudado a criar seu filho, trabalharíamos com amorosidade e minha
vida seria cem por cento menos complicada.
— A gente está fodido, certo? — Seu questionamento vem
acompanhando de um suspiro carregado de frustração e desespero.
Eu nunca contei a Nicolas toda a minha história de vida, mas
sendo esperto como é, ele sabe que as palavras não ditas por mim,
envolvem um amor complicado, uma mulher e um passado.
Essa é uma das coisas que amo nele.
Nick é fácil de lidar. Quer falar? Ele escuta. Não quer? Ele
continua ali, mostrando-se disponível quando precisar.
— Bem, beeeem, fodidos. — Dou bastante ênfase, pois na
nossa— e estou me incluindo na situação ruim —, não tem como
chegarmos ao felizes para sempre.
— Que ótimo! — Suspiramos juntos como personagens de
filmes clichês. Somos ridículos.
E se eu arrumasse um outro emprego em alguma fazenda da
região?
Olho para minha tulipa cheia de cerveja, escorrendo espuma
pelas laterais, encaro os petiscos tipicamente mineiros colocados
em minha frente, mas ainda não os toquei.
Aproveitei essa semana em Belo Horizonte, e fiz algumas
coisas que precisava. De coisas importantes como emissão de
novos receituários controlados, até repor minhas peças de roupas
que ficaram arruinadas na fazenda.
Nicolas está bem melhor, depois que eu busquei Loren no
aeroporto para ele — ela precisou ir a embaixada em São Paulo
resolver pendências de visto, e chegou na segunda —, o garoto
parece ter sido tocado por um milagre, mesmo que tenha ficado de
mal humor uns dias.
Eles se olham com fome o tempo todo, e é engraçado ficar
entre as olhadelas deles. Nick olha-a quando Loren está de costas
para ele, concentrada em seu artigo científico, e ela faz o mesmo
quando Nicolas está concentrado em estudos estranhos — como o
fator decisivo do sexo das tartarugas é a temperatura ambiental e
não um gameta determinante —, sei disso pois ele dissertou sobre o
assunto por mais de uma hora durante o almoço.
Decidi que hoje seu humor está ótimo, e deixei-os a sós, para
que façam o que quer que estejam fazendo um com o outro.
Agora estou aqui, sentado, sozinho na The Jungle, vendo
minha cerveja esquentar, com um grande impasse rolando na minha
cabeça.
Existem vários assuntos que eu quero pensar, e estar com
um casal envolto por energia sexual não estava ajudando. Não que
aqui não a tenha, mas é só colocar a pulseira certa no braço e
ninguém me incomodará — a casa funciona por um sistema de
pulseiras altamente eficaz, e a que está em meu braço agora é
como se dissesse: não estou aqui para transar, só vou chafurdar-me
na cerveja e pateticidade — posso me afundar em meu poço de
dúvidas e decisões que pensarei e, provavelmente, não tomarei,
pois entre estar sozinho e triste, pelo jeito, prefiro ao lado dela, com
pau esfolado por punheta e espumando de raiva.
Eu amo meu trabalho e, finalmente, começo a me sentir
realizado com ele, então voltar a trabalhar e morar em Belo
Horizonte está fora de cogitação, mas meus embates com Stella
andam me exaurindo tanto, mas tanto, que perdi a hora três vezes
semana passada, mesmo com três despertadores.
E eu gosto dela.
A quem quero enganar? Eu a amo.
Mas percebo que amor não é suficiente em algumas
situações, e existem pessoas que pelo jeito não nasceram para
ficarem juntas. Parecemos nos encaixar nos dois casos.
Eu sei que ela sente algo por mim. Consigo sentir. Começou
quando transamos a primeira vez, e depois nunca mais deixei de
perceber toda a tensão das palavras não ditas e o tesão que irradia
dos nossos corpos. Pensei que os anos separados fizessem com
que os sentimentos se esvaíssem, mas pelo jeito entraram em
dormência, e agora estão de volta com uma intensidade
insuportável que se rompe em xingamentos, discussões, aí vem a
tensão sexual, e depois a briga de novo.
Falando assim parece que estamos vivendo em uma roda
gigante que não tem parada final.
Se eu arrumar um trabalho na região, poderei visitar minha
mãe sempre — e depois desses meses essa é uma prioridade alta,
afinal, ela não é eterna, infelizmente, sempre foi pai e mãe em uma
única pessoa, e preciso aproveitá-la enquanto a tenho —, ter o
trabalho que eu gosto, e ainda vez ou outra abastecer-me dos
easter eggs de Stella, como um bom viciado.
E tem Henrique, porra, eu amo aquela criança. E nem mesmo
sabia que tinha jeito para isso, lidar com seres humanos mirins.
E descobri que crianças são traiçoeiras.
Um dia ele invadiu meu consultório por curiosidade, no outro
meu quarto para cuidar do seu gatinho, depois meu carro para uma
fuga com propósito, e agora sinto sua falta nos dias que está na
natação.
— Então quer dizer que é aqui que reside o tal Nicolas? — A
voz que me leva do zero ao cem em milésimos de segundos, me
assombra até no meu refúgio. — Hein, Carlos Eduardo? É aqui que
está cuidando do seu amigo? — Olho para o banco ao meu lado,
instantaneamente, fico paralizado.
PORRA.
Stella está usando um vestido sem alças colado ao seu
corpo, paro os olhos em seus seios, e consigo ver uma pequena
marcação dos piercings no tecido, os cabelos escuros estão com
ondas definidas e pesadas, continuo escaneando seu corpo com
meus olhos, ficando mais faminto conforme olho sua roupa que
termina no meio das coxas torneadas que já prendeu minha cabeça
algumas vezes, nos pés, uma sandália com tiras douradas, de salto
fino e altíssimo.
Foco minha atenção em seu rosto altamente sensual, a boca
com lábios volumosos está vermelho sangue, os olhos estão
marcados, ficando mais castanhos, se é possível.
PUTA QUE PARIU.
Meu pau repuxa, me lembrando que ele aprecia bastante a
visão maravilhosa que a Diaba está me proporcionando.
— Hein, Carlos Eduardo? — Ela joga sua carteira brilhante
no balcão e vira-se de lado, olhando-me de cima abaixo.
— E você está me espionando?
Stella Macedo
Desde a conversa com Cida dias antes, eu ansiava pelo meu
tempo no SPA. Quando mencionei a Luiza minha vontade, ela mais
que depressa se voluntariou para me acompanhar. Como uma
pessoa que tem pouca paciência — Graças a Deus —, deixei em
suas mãos que ela escolhesse o lugar, e o pacote que quisesse.
Minha única exigência é que na primeira semana de férias do
Henrique, eu viajaria com ele, só nós dois, para um lugar que
quisesse.
Fiquei quatro dias em um parque aquático em Goiás,
descendo e subindo em toboáguas, ganhei vários hematomas, mas
todos foram recompensados pelo sorriso de Henrique — que não
deixou de mencionar um dia, nenhum sequer, o nome de Carlos
Eduardo.
E se eu não fosse adulta, racional e inteligente, diria que meu
filho está vendendo Cadu para mim. Rique, se esforça há anos para
me arrumar um namorado — sempre achei fofo, e ria sozinha de
suas tentativas —, mas nunca se empenhou tanto, inclusive, replica
frases com os dizeres: mamãe, ele te acha muito segura,cuidadosa,
responsável, inteligente, muito inteligente uma das mulheres mais
fortes e maravilhosas que conheceu.
Quando questionei sobre isso, ele disse ter ouvido da própria
boca de Eduardo no fatídico dia do presente, eu só queria chegar
em casa, e tirar a limpo toda essa história e entender se Cadu
estava usando propositalmente meu filho contra mim.
Advinha minha surpresa ao retornar para casa, e encontrar
só Joaquim na fazenda?
Queria caçá-lo por muitos motivos, mas o olhar curioso e
julgador de meu pai fez com que eu engolisse a raiva, e a descontei
gritando em meu travesseiro à noite.
E aí eu tinha dois dias em um SPA em Nova Lima, região
metropolitana de Belo Horizonte, com Luiza.
Hoje, quando saímos após o café da manhã, Lu, fez toda sua
chantagem emocional comigo, que eu fico “muito ausente enfurnada
naquele fim de mundo, com esterco e poeira” — palavras dela — e
depois ainda veio dizendo que teve que mexer seus pauzinhos para
que eu a acompanhasse a casa de swing, The Jungle, depois de
muita insistência, concordei.
Se arrependimento matasse, estaria mortinha agora, porque
ela me arrastou para um salão de beleza cheio de peruas, no
coração da zona sul belorizontina, por horas. Fizeram meu cabelo
— cortaram alguns centímetros e eu quase chorei —, maquiagem,
pintaram as unhas das mãos e dos pés — o que me fez sentir-me
idiota por pagar, porque saí com elas lindas do SPA.
Como se não bastasse, Luiza ainda me fez sentir-me uma
perua completa comprando roupas — que talvez meu closet use
mais que eu — em um shopping que as coisas valem o preço do
conserto da Tereza Cristina. Uma pequena fortuna.
E para quê?
Enfiar meus doze mil reais gastos em massagens relaxantes,
alimentação detox, e todos os procedimentos e compras que fiz
nesses dias bem no meu cu.
E estava tudo bem, cheguei a casa de swing, pedi um desses
trem caros e coloridos para beber, a comida do lugar é tradicional da
cozinha mineira gourmetizada, o que é ridículo, pois paguei cinco ou
seis vezes mais nos petiscos do que eu pagaria em qualquer
boteco.
Pelo jeito, eu ando mesmo descompensada do juízo.
Gastando dinheiro à toa.
Depois de dar uma volta pelo lugar, e ficar admirada que
exista uma parede de paus e peitos disponíveis, uma jaula de vidro
aérea onde pode-se ver sexo grupal, suado e molhado —
literalmente pois o vapor dos corpos fodendo geram aquelas
goticulas pelo vidro e escorrem —, quartos que não ousei entrar,
pois eu não enxergava absolutamente nada, sentei-me em um
banqueta do bar para descançar os pés do salto maldito, enquanto
Luiza conversava com um moço bem apessoado que lhe interessou,
vi uma sombra que reconheço sem qualquer esforço.
Cadu está usando uma calça preta hoje, justa, uma bota —
graças a Deus — e um suéter sem estampas e botões, cor de areia,
que combinam com o calçado. Aposto que está altamente cheiroso,
com o mesmo perfume que me toma sempre que aproximo-me dele.
A barba está aparente, o que é uma novidade, os cabelos parecem
recém-cortados, do jeito que por cima fica mais alto, ele sempre faz
nudread[17], e é gostoso de passar a mão. O maldito brinco que
cisma de me atormentar está de volta, e agora está com um colar
prateado e grosso combinando com ele.
Porra, ele é gostoso demais para meu próprio bem!
Stella, ele está em uma casa de swing, quando disse que
estava cuidando do amigo. — Verdade consciência.
Observo-o do outro lado do balcão, esperando o momento
em que ele irá foder qualquer pessoa bem aqui, na frente de todos,
na minha frente, para olhá-lo e talvez confrontá-lo aqui mesmo.
Mas o contrário do que imaginei, ele só se senta, fica
olhando para a bebida e comida em sua frente.
Parece estar em um outro planeta.
Será que o amigo morreu?
Não, ele não seria baixo a esse ponto, por isso quando sento-
me ao seu lado, não questiono um luto, indago a veracidade de seu
motivo para estar em Belo Horizonte.
— Ha. Ha. Ha. Acha mesmo que eu, Carlos Eduardo, iria
gastar meu precioso e caro tempo em espionar você?
— Uai, mas gastou vindo questionando meu direito de ir e vir,
onde bem entender.
— Você me obriga a isso, pois seu amigo não é nada seu,
legalmente falando, então sair do seu emprego para cuidar desse
assunto me dá o direito de descontar seus dias no trabalho. E
imagine só minha surpresa ao encontrá-lo em uma casa de swing.
Esquisito, é o mínimo, certo? — Ele continua olhando para meus
peitos como se já não os conhecesse bem.
— Intrigante mesmo, Stella, é você aqui. — Carlos vira-se
para o lado em que estou sentada, colocando minhas pernas entre
as dele.
— Não te devo satisfação sobre o que faço da minha vida
particular.
— Justo. Faço das suas as minhas palavras. Certa vez você
mesma me disse que não me contratou ou jamais me contrataria,
não me lembro ao certo do que disse com tanta ênfase há alguns
meses, e concordamos que seu pai e eu acertaríamos as coisas que
precisássemos, então estar aqui hoje foi negociado com ele.
— Olha só…
— Mas como eu sou uma pessoa legalzinha, vou sanar as
suas dúvidas — interrompe-me. — Meu amigo se chama Nicolas,
tem vinte e cinco anos e seus pais estão nos Estados Unidos, ele
sofreu um acidente no trabalho, ele é biólogo, e deu meu número
para que eu viesse buscá-lo. Decidi não deixá-lo sozinho, mas a
sua… namorada, chegou na segunda, e…
— Então por que não voltou ao trabalho? — questiono.
— Ela é britânica, não dirige aqui, e ainda fala em portugues
e inglês quando fica nervosa, busquei-a no aeroporto e caso eles
não precisem que eu os leve a Ouro Preto por esses dias, que é
onde Nick mora grande parte do ano, voltarei amanhã para Itaúna.
Mais alguma dúvida? Quer o número dele? As redes sociais? O
número de registro no CRBio? — O deboche dele é o que me mata.
— O que você está fazendo aqui, Eduardo? — Olho dentro
dos olhos chocolates profundamente.
— Senhor, a moça está te incomodando? — uma segurança
se aproxima, vinda de algum lugar e corta nosso embate. Cadu não
a olha, apenas sorri e nega.
— Não, querida, está tudo bem, somos amigos de longa data.
— Posso trocar suas pulseiras então? — Oferece.
— Claro.
— Não — falamos juntos. Ele ergue a sobrancelha para mim
e morde a boca.
— Senhorita, sem as pulseiras adequadas pedirei que se
distanciem ou se retirem. — Cadu dá de ombros e suspiro irritada.
A moça só está fazendo o serviço dela, Stella.
— Desculpe-me, é minha primeira vez — digo-lhe.
— Sem problemas, nomes? — ela tira seu celular do bolso, e
aguarda.
— Stella. S-T-E-L-L-A. Dias Macedo. — Ela assente, e sorri.
— Qual pulseira, senhorita?
— Vermelha — Carlos Eduardo responde antes que eu
raciocine e me lembre o que isso significa. — Meu nome é Carlos
Eduardo Vieira Neto. — A moça nos olha, e consigo ver mais do que
profissionalismo em sua expressão. — O mesmo para mim. E peça
a Michele um três, dois, quatro, por favor. — Vejo-a engolir em seco,
e concordar. Com agilidade realiza as trocas das pulseiras, digitando
em seu aparelho novamente.
— Senhor Carlos Eduardo, a senhora Michele disse que não
será possível. Sua amiga não é uma associada, e está registrada
como visitante de uma outra pessoa.
— Disse a ela meu nome?
— Só um minutinho. — Observo toda a dinâmica do bar, vejo
Luiza aos beijos com o cara com quem conversava e nem mesmo
sei se percebeu minha ausência. — Ela disse que custará…
— Só envie-me a conta. Obrigado. — Despreocupadamente
Cadu pega sua cerveja e bebe.
— Posso saber o que acabou de fazer?
— Uai, está aqui dentro e não sabe como funciona?
— Não venha com gracinhas para o meu lado, estou sem
paciência.
— Novidade… — ele bufa — pulseira vermelha, somos
exclusivos. — É a minha vez de bufar e antes que eu fale, Cadu
continua — três, dois, quatro é um código. Terceiro andar, quarto
para dois e quatro, são o número de paredes, ou seja, ninguém
poderá nos ver, e não veremos ninguém.
— O que te faz pensar que iremos para um quarto juntos e a
noite acabará conosco transando? — Ele coloca ambas as mãos
nas minhas coxas expostas, inclina-se para frente, e traz sua boca
para minha orelha exposta.— Não consigo ver nenhuma motivação da sua parte, em
aproximar-se de mim, só para questionar meus motivos de estar
aqui, ao invés de Itaúna, se não o seu desejo que meu pau esfole
sua boceta sem dó, em um lugar que não precise se segurar —
sussurra, em seguida morde meu lóbulo, fazendo todos meus pelos
se arrepiarem, e meu clitóris pulsar. — E se não quisesse nada
comigo hoje mesmo, teria se levantado quando a segurança
chegou. Mas você não fez, sabe por quê, Stella?
— Você sabe?
— Sim. Você está curiosa. Quer saber o que me traz a este
lugar, o que faço aqui. Posso arriscar que quer saber se fodo
diferente neste ambiente. — Eu não tinha pensado nisso. E talvez
ele saiba disso, e está instigando minha imaginação. Filho da puta.
Pois conseguiu! — Conheço suas expressões. Conheço você.
Conheço o seu corpo. Sua boceta agora está tão molhada, que suas
coxas já estão úmidas e escorregadias, pois não está de calcinha,
certo? — engulo a saliva — Mas sei que é orgulhosa, e por mais
que queira me dar, não vai falar. Mas adivinhe? Eu não sou nem um
pouco, então falo por nós. Quero te comer. Você mesma já disse
que não funcionamos conversando, mas sabe também que
funcionamos fodendo. Terceiro andar? — oferece-me.
Isso é uma péssima ideia, Stella. P-É-S-S-I-M-A.
Mas minha carne é tão fraca!
— E se eu não quiser? — Ele sorri com deboche, bebe sua
cerveja calmamente, volta com o copo para o balcão, e desliza os
dedos lentamente, quase não me tocando, por meus braços, acolhe
as minhas mãos que se tornam pequenas nas suas, acaricia meus
dedos, como se tivesse esse costume, e o mais estranho é a
familiaridade que sinto com esse gesto dele, pega a minha mão
direita e a coloca diretamente em sua ereção robusta e
extremamente dura, sem nenhuma hesitação, apertamos seu pau
juntos.
Quero tanto provar seu gosto em minha boca de novo! Faz
anos desde o último boquete. E eu gosto disso. 
Porra, esse lugar, essas pessoas fodendo, todo esse calor e
cheiro estão mexendo comigo.
— Cruella, se não quisesse, já teríamos gritado um com o
outro, você teria ameaçado o meu emprego, ou qualquer coisa do
tipo. Vamos gastar nosso tempo suados e pedindo mais, depois
podemos brigar. É a última vez que vou propor isso. Terceiro andar?
 
Stella Macedo
Mal passamos pela porta, e a língua ávida de Cadu está em
minha boca, seu corpo prende o meu na porta, fazendo com que o
ar me falte em segundos.
Puxo seu suéter, e fico feliz por ele estar só com ele. Deslizo
minha mão pelas costas largas, passo para frente, acariciando o
peitoral desenhado, abaixando pelos quadradinhos do abdômen,
abro seu cinto, e a calça em seguida. Suas mãos ansiosas já
acharam meu zíper na lateral do vestido que cai como um
amontoado em meus pés, ele se apoia nas mãos, e olha-me de
cima, passando a língua pelos lábios grossos que fazem estrago
pelo meu corpo.
— Você deveria vir com um aviso de advertência para minha
saúde. — Cadu tira as botas, meias e ele mesmo retira sua calça e
cueca. Seu pau imponente chega ao seu umbigo, deixando uma teia
fina de porra, fazendo com que minha boca salive. 
— Carlos?
— Sim?
— Podemos fazer um acordo? — a sobrancelha dele se
ergue, e ele espera. — Podemos só fazer o que quisermos hoje?
Sem conversas pós-sexo para discutirmos. Do mesmo jeito que
todas as pessoas lá embaixo, nos entregaremos como dois
desconhecidos.
— Stella — um sorriso genuíno, sem deboche toma seu rosto
—, a hora que você entender que sou seu para fazer o que quiser, e
que realizarei todos seus desejos dos mais simples aos mais
sórdidos, e parar de se intrometer em minhas decisões médicas,
saberá o que é felicidade. Se é isso que você quer hoje, é isso que
terá. É só me falar como quer. — Engulo toda a saliva que se forma
em minha boca, meu grelo contrai e todos meus pelos se eriçam.
Às vezes, a gente só precisa ser tratada com imoralidade.
— Eu quero bruto, fundo, forte, sem carinho — Seus
polegares começam a roçar em meus mamilos, e o sorriso safado,
que desconhecia até poucos meses, surge ali.
— Ou seja, você só quer ser bem comida. Seus desejos são
uma ordem. Saindo daqui, passamos em uma farmácia e
compramos um relaxante muscular para aliviar sua boceta e seu
cuzinho, porque vou comê-lo hoje. — Meu coração dispara em
antecipação, só com o mero sussurro dele. — Alguma objeção
quanto a isso?
— Por que ainda estamos falando? — logo sua boca volta
para a minha, seus braços prendem os meus acima da cabeça.
Com pequenos selinhos, ele deixa minha boca e migra para o
pescoço, colo, ignora os meus seios, fazendo-me gemer frustrada.
— Carlos!
— Calma, está com pressa? — sorri sobre minha pele, solta
minhas mãos, descendo com os lábios torturantemente lentos pelas
minhas costelas, passando pelo umbigo, onde ele brinca com a
língua, segue lambendo para baixo e para cima, olhando-me, Cadu,
dá um beijo casto no monte vênus, sorrindo.
Filho da puta!
Calmamente — o que é um martírio para mim — pega minha
perna direita, e apoia meus pés em sua coxa grossa, desabotoa
minha sandália, e beija-a até o joelho, onde tem um hematoma que
persiste. A pergunta silenciosa está explícita.
— Parque aquático em Caldas Novas — sussurro.
— Talvez devêssemos nadar juntos, assim você reaprende —
pisca de um olho só, fazendo com que minha imaginação flutue para
nós dois pelados e transando em um rio.
Tão cedo volto a realidade, onde ele troca minhas pernas, e
faz o mesmo caminho.
Livre de tudo que nos atrapalha, Cadu gira-me fazendo com
que meus seios se encostem na superfície da porta, e minhas
nádegas a sua disposição. Os beijos terrivelmente eróticos
começam nelas, e quando dá-se por satisfeito por eles, recebo
mordidas curtas, às vezes, chupões, vez ou outra, uma lambida
quente e molhada.
— Abre as pernas para mim, Stella. — Não faço de rogada e
sigo o pedido rapidamente, e ele mal perde tempo, dois dedos
passam pela minha fenda molhada, espalhando lubrificação por
toda minha boceta e, não contente, ele espalha por todo períneo e
cu.
— Cacete! — Gemo ou grunho, ainda não sei.
— Ainda não — sinto o hálito quente bem próximo do meio, e
antes que eu pense, sua língua está lambendo-me, e o dedo
começando a fazer círculos em volta de meu clitóris.
Nova modalidade definida, gosto de beijos gregos.
Que caralho!
Os movimentos deliciosos e costumeiros que minha boca
conhece bem, agora são feitos tortuosamente em meu cu. Diria que
são até mais ávidos.
— Carlos, por favor! — peço frustrada por seu dedo só
brincar em volta do meu grelo pulsante e pedinte.
— Não se segure, aqui você pode gemer o tanto que quiser,
Tella.— E é o que faço.
Sua mão passeia, vagarosamente, sinto-a se fechando em
volta do meus grandes lábios, uma pressão gostosa recaí sobre o
clitóris, e entendo que ele está preso ao meio. Começando devagar,
Cadu, movimenta a região para cima e para baixo, primeiro lento,
como se estivesse se masturbando, fazendo-me molhar mais, e
escorrer em suas mãos.
Aos poucos ele toma mais velocidade, e quanto mais rápido
ele toca-me, recebo linguadas precisas e fortes, de forma que só
meu cu seja atingido por ela. Sem dar-me conta de onde vem, o
orgasmo atinge-me brutalmente, fazendo minhas pernas se
esquentarem, meu coração disparar, e quando sinto uma pontada
de dor nos mamilos, percebo que estou os apertando, sem saber
em qual momento comecei a fazê-lo.
Noto que fui movida quando minhas costas tocam o colchão
macio, e sinto o peso do seu corpo em mim. As mãos grandes
acariciam meu cabelo, a boca úmida e quente beija em volta dos
meus seios, deixando-me arrepiada, as mesmas mordiscadas que
recebi na bunda, estão ali, quase como se ele pinçasse minha pele,
os dentes vão para frente e para trás, enlouquecendo-me. Por vezes
sinto uma pequena sucção, o que faz com que eu erga o tórax para
ele, roçando meu mamilo em seu nariz.
Quando sente-se satisfeito ao ver as marquinhas que ficam
ali, tanto pela boca passando quanto pelo atrito da barba, ele
começa a brincar com os piercings nos mamilos. Em um ele brinca
com a boca, no outro com a mão.
Mal me recupereide um orgasmo, e quero abrir as pernas
para ele, de novo.
Minha garganta arranha quando grunho com tesão ficando
mais insuportável a cada chupada dele nos meus seios.
— Merda, quero tanto seu pau — peço, começando a ver
pontinhos brancos de olhos abertos.
— Eu vou te dar… — ele levanta-se impaciente, correndo até
a calça no chão, volta com os pacotinhos laminados, joga-os sobre
o lençol, e antes que ele venha até mim, sento-me na beirada da
cama, abro as pernas e o puxo para mim.
Cadu é alto, a cama mais baixa que a média, de forma que
fica na altura ideal para minha boca. Olho-o de baixo para cima, e
pisco, do mesmo jeito que ele faz.
Antes de abocanhá-lo e satisfazer minha vontade de chupá-
lo, baixo seu pau rígido até meu mamilo, esfregando-me nele,
fazendo que a gotinha quente se derrame ali, repetindo o mesmo do
outro lado.
Cadu nem pisca, as mãos grandes, envolvendo meu cabelo,
fitando meus olhos seriamente. Quando sinto o espasmo da minha
mão, puxo o seu pau, fazendo a teia fina com sua porra, esticar-se,
e antes que caia, abocanho-o até um pouco depois do meio,
masturbando o que fica de fora da minha boca.
— Caralho, Diaba — o aperto torna-se mais firme em meus
cabelos, onde ele puxa. Minha língua circula sua glande, pincela o
óstio melado, e sugo-o, como um pequeno chupão para minha boca,
para engoli-lo novamente. — Porra, Stella, calma! — Como não
recebo ordem de ninguém, faço de novo, levo minha mão aos
testículos, e massageio-os — Tella, por favor, para! — Ele grunhe e
fica sexy assim, implorando. Sinto seus pelos arrepiados sob meu
toque, e sorrio com seu pau na boca — Stella, Stella… Porra, você
fica mais linda com meu pau na boca, mas pelo amor de Deus,
quero comer sua boceta. Por favor!
Ouvir seu pedido rouco, faz meu clitóris pulsar, e é só por
isso que eu paro. Mas sei que qualquer dia desses, farei com que
ele se derrame em mim, e o deglutirei completamente, jato por jato.
Porra, qualquer dia? — Dispenso o pensamento errante, e
Cadu aproveita-se disso, colocando-me de quatro na beirada da
cama.
Sinto o tapa antes de ouvi-lo, e estremeço sobre o toque
bruto.
— É assim que você quer, Stella? — gemo em resposta
quando Cadu dá um aperto forte em minha bunda — responde,
Stella, ou não saberei o que fazer!
— Sim, caralho, assim.
— O que mais você quer? Fala.
— Seu pau, me fode, Cadu, bem forte! — clamo.
Vejo-o esticar-se, ouço o barulho do laminado abrir, sinto-o
pincelar seu pau, estou tão molhada que se escorregar para dentro
de minha boceta é fácil, e ele o faz, sem cuidado, enterrando-se
inteiro ali, enquanto seu tapa explode na minha coxa de um lado,
esquentando-a, faz o mesmo na outra, e é mágico.
Cadu entrega-se por inteiro para me comer, sem o mínimo de
delicadeza, puxa-me pelo cabelo, surrando minha boceta com o
pau, minha bunda e coxas com a mão.
Fico extasiada ao imaginar-me toda vermelha, com os
vergões da sua palma em mim.
Firmo meu corpo, a fim de senti-lo duro quando entra e sai de
mim. Seu corpo cobre o meu, sinto sua boca em meu ombro,
beijando, e suas investidas tornam-se lentas, e quero matá-lo.
— Cadu! — ele me ignora, pega outro saquinho, desce pelas
minhas costas, arranhando-a com os dentes, rapidamente suas
estocadas voltam a ser impiedosas, indo e vindo.
Contraio minha boceta em sua volta, fazendo-o gemer mais
alto que eu, em contrapartida recebo mais tapas, e um puxão de
cabelo, desses pegos pela nuca, que me estremece e irradia um
prazer extraordinário, dando início a onda orgástica.
— Você queria ser bem comida, e estou fazendo isso — sinto
o líquido gelado e espesso em meio a minha bunda, e mordo meus
lábios, segurando o grito. — A melhor parte — a boca quente faz
cócegas em minha orelha — é que hoje, você vai jorrar com meu
pau bem no seu cuzinho, amanhã em cada movimento seu, vai se
lembrar que te comi, Stella, e essa é uma realidade, não uma
promessa. — Ele afasta-se, gira meu corpo, que não oferece
nenhuma resistência, minhas costas batem no colchão, deito-me da
forma certa, e sem tempo seu corpo cobre o meu — e eu farei isso,
olhando na sua cara.
Sem perder tempo, beijo sua boca com bastante língua,
saliva, fazendo barulhos durante o ato. Rápido demais, ele se
levanta e segura meus quadris, seu pau toca-me, primeiro subindo e
descendo entre os grandes lábios, até chegar onde quer.
Cadu me penetra, vagarosamente, torturando nós dois. Sei
disso, pois sua respiração em minha boca, torna-se errante. Abro
mais as pernas, e deixo que ele solte o quadril, enterrando fundo em
minha bunda. Suas bolas tocam-me quando ele para por um
momento, sentindo-me. Contemplo a sensação de estar
completamente preenchida por ele.
Carlos percebe quando relaxo, e retoma as estocadas,
gemendo junto comigo, elevando a experiência sexual a um nível
que não tive com mais ninguém.
Uma mão migra para meu clitóris inchado e pulsante,
esfregando-o com rapidez, penetrando minha boceta com dois
dedos, sinto-o tocar seu pau através da fina parede que os separa.
— Porra, Cadu! Mais!
— Seu vocabulário hoje está bem restrito — ele sorri —, tê-la
sob mim, maravilhosamente linda, como está agora, faz eu querer
prolongar isso pela porra da noite inteira.
— Eu te mato. Quero gozar! Me faz gozar! — peço
ensandecida. Carlos fode tão bem — quando ficou tão bom nisso?
— e não duvido que daria para ele a noite toda, mas a necessidade
de gozar está gritando em minha cabeça. O orgasmo já veio e
voltou tantas vezes, que sinto minha bexiga pesar.
— Alguém já te enforcou? — Quê? Minha cara obviamente
deixa claro que não, e vejo-o sorrindo. — Quer experimentar? — O
cadenciamento das investidas, tanto na boceta quanto na bunda,
minimiza. — É uma experiência utópica.
— Não acho que isso seja uma boa — olho-o com certeza
assustada — e se eu morrer? — ele gargalha roucamente, e sacode
a cabeça.
— Por mais tentador que seja — um sorriso brincalhão brinca
em seus lábios —, jamais faria mal a você, Tella, e se não gostar eu
paro, é só apertar minha mão, que paro. Confie em mim. — Minha
consciência grita: não!, minha boceta pede: sim, pelo amor de Deus!
— Não acredito que faremos isso — concordo temerosa. O
sorriso dele é tão grande que cobre metade de seu rosto.
Suas penetrações voltam a ser fortes, ritmadas, profundas.
Seus dedos abandonam minha boceta, e antes que eu reclame, ele
volta com três dedos me fodendo.
Céus! Ele vai me arrombar!
E puta que pariu, como é bom ser arrombada.
Minha excitação é tanta, que não sei onde estou quando sou
tomada pelo formigamento gostoso nas pernas, subindo lentamente,
concentrando na junção delas, ao mesmo tempo que a mão livre de
Cadu desliza pelos meus seios, para em minha clavícula, quando
minha boceta se contraí em volta de seus dedos e meu cu em volta
de seu pau, sinto o aperto firme do polegar em minha jugular,
quando atinjo o orgasmo forte. Por poucos segundos, o ar me falta,
ele relaxa a mão, e é como se meu corpo recebesse uma descarga
elétrica, fazendo-me tremer inteira. Cadu tira os dedos de mim e
soca seu pau fortemente em minha bunda, buscando o próprio
orgasmo. Minha bexiga relaxa, ejaculando em jatos quentes, nesse
momento, ele faz a mesma coisa, prendendo meu pescoço esguio
com sua mão grande.
Sinto meus olhos reviraram nas órbitas, meu corpo oscila sob
a privação erótica do ar, dessa vez por mais tempo, quando solta-
me, explodo em uma segunda onda orgástica, que leva-me para
fora da superfície terrestre.
Caralho, como vim parar aqui?
Como se para isso?
O corpo forte de Cadu, envolve-me, enquanto minha
pulsação ainda está acelerada, beijos castos são dados em meu
queixo, e boca.
É como estar em casa. E sei que a partir daqui estou ferrada.
Cadu Vieira
Sinto seu corpo sob o meu, e é como se meus sonhos mais
íntimos estivessem se realizando.
Não me recordo se alguma vez meus orgasmos foram tão
intensos. E o fato de Stella ser tão… presente, sexualmente, eleva
meu prazer, de formas que eu nem consigo verbalizar.
Ambos estamos terrivelmente calados, os únicos barulhos
são das nossas respirações, indo e vindo.Quero levantar meu corpo
e ver se ela está bem, e acordada, mas tenho medo de que quando
eu fizer isso, todas as coisas comecem a dar errado.
Com a Diaba, não é bom pecar pelo excesso.
— Você está me esmagando.
— Achei que estivesse dormindo.
— Não duvido que eu possa, mas seu pau ainda está dentro
de mim, e no momento, não está gostoso — sorrio, e rolo para o
lado, removendo o preservativo e descartando em uma lixeira
próxima a cama.
Sem medo, como se fizéssemos isso sempre, trago seu
corpo mole para o meu e a aconchego.
Talvez ela esteja certa, e devamos não conversar nunca
mais. Ficar para sempre assim com ela é um paraíso. E se eu
tivesse que perder minha voz como A Pequena Sereia, aceitaria
sem pensar duas vezes. 
— Eu aprendi a foder, Stella? — pergunto de olhos fechados,
sinto que ela prende a respiração, e antes que os abra, ouço seu
risinho.
— Você nunca ouvirá qualquer coisa a respeito, não da
minha boca — provoca-me.
— Tudo bem — balanço os ombros, em seguida sinto uma
mordida dela no lugar —, seus gritos já disseram todas as palavras
que você se recusa a falar em alto e bom som.
— Meu Deus! Pela madrugada! Carlos Eduardo, parece que
não foram só as suas roupas que tiveram um upgrade, seu ego
também.
— Uai, se eu não me amar, quem vai? — O silêncio se instala
por um momento, e um alfinete poderia ser ouvido se caísse.
— Mas você poderia ter feito isso sem crocs e sapatilhas.
Sério, são ridículas. — Tento segurar a gargalhada, mas não
consigo.
— É estiloso! Acho que você ama, de tanto que fala delas.
— São horríveis, sério.
— Falando em estilo, te falei que você está extremamente
gostosa nessas roupas de madame da zona sul?
— Se voltar a falar isso, juro que te dou uma joelhada entre
as pernas.
— Se fizer isso, não terá como cavalgar amanhã ou depois.
— Carlos, já conversamos que isso não vai se repetir… É só
por hoje. — Veremos.
— Se quer acreditar nisso, fique firme na sua promessa, mas
saiba que daqui para frente é só para trás, e logo menos estará
sentando em mim de novo. Sabe, por quê?
— Não, me diga.
— Porque nenhum outro homem conseguirá te comer da
mesma forma que eu faço. Você poderá sentar em qualquer pau,
mas será o meu que imaginará te comendo.
— Carlos Eduardo… — seu tom já traz aquela raiva
começando a aflorar, como um Hulk nervoso.
— Mas como eu ia dizendo — corto-a —, esse estilo de
mulher da cidade grande, exalta o quão gostosa você consegue ser,
e…
— Eu não sou gostosa na fazenda? — Sua cabeça se ergue,
bem séria.
— Seu jeito brutona, de cowgirl, é um tesão também. Ando
trabalhando com uma ereção que dura 24 horas.
— Continue, meu ego não foi inflado o suficiente.
— Até parece, você não precisa disso.
— Não mesmo — Sua barriga ronca alto, e nos faz gargalhar.
— Venha, vou levar você para comer alguma coisa.
— Já te falei que nós só…
— Transamos hoje e blá, blá, blá. Eu já entendi. Sabia que
um estudo aponta que pessoas mal humoradas, e com tendências a
repetir as coisas, são mais propensas a doenças degenerativas,
como o Alzheimer? Venha, vou alimentar meu pequeno dragão,
antes que me engula.
— Não acredito que você disse mesmo isso…
 
— Quando você disse que me traria para comer algo, não
pensei em um fast food — começa a reclamar.
— Stella, meu bem, são quase três da manhã, você não está
em São Paulo, onde a cidade nunca dorme, tem que dar graças a
Deus por aqui funcionar 24h. Sem contar que é tradicional, qualquer
pessoa que está saindo ou saíra da noitada, passará aqui para
comer.
— Percebe-se — ela olha as pessoas de todas as idades,
dos vestidos mais elegantes até os alternativos, que enchem o
estabelecimento grande.
— Já escolheu? — aponto para meu celular que está em
suas mãos, e irei fazer o pedido.
— Sim… — ela está terminando de digitar, quando meu
celular faz barulho de mensagem — Hmm… Michele TJ, disse que
você se esqueceu de pagar a taxa.
— Merda, é verdade, responda-a que pode me enviar valor e
código de pagamento.
— Vai deixar que eu abra seu aplicativo de mensagens?
— Puff, e daí? Não tem nada demais aí, pode revirá-lo se
quiser ou qualquer outro.
— Do que se trata isso? — ela aponta para o celular.
— Não posso transar com uma pessoa que não é minha
convidada, a The Jungle tem regras. A Michele é gerente lá, e
acredito que tenha cedido porque sou eu. — Ela ergue as
sobrancelhas, com todas as dúvidas em seus olhos escuros. —
Alías, você deveria pagá-la, tem mais dinheiro do que eu — decido
provocá-la, e funciona, pois ela gargalha.
— Capaz! O dia que eu pagar para um cara me comer, faça
uma intervenção psiquiátrica, pois estarei perto do surto. — Ela me
entrega o celular para que escolha meu lanche, o que faço
rapidamente, pois já decorei todo o cardápio. Quando levanto meus
olhos, ela encara-me e abraça o próprio corpo com frio.
Levanto do meu lado da mesa e sento-me ao seu,
abraçando-a. Stella tenta sair, mas se é teimosa, sou teimoso e
meio. Aos poucos ela relaxa.
— Pergunte.
— O quê?
— Seus olhos estão gritando, Stella. Sei que quer perguntar
alguma coisa, e eu não tenho nada a esconder.
— Como você virou um… — ela para a pergunta.
— Swinger?
— Sim.
— Bem, eu estava em um dia bosta — mais um dia que me
odiava por te amar —, vim a um workshop, quando ainda cursava
Zootecnia. Eram três dias, um fim de semana qualquer. Estava
hospedado no mesmo lugar das palestras, a noite desci para uma
cerveja e encontrei uma moça que me deu um panfleto, era a
Michele.
“A casa era nova, e estavam buscando clientes, com um
desconto especial para fazer o nome. Sei lá a quantas eu estava
bebendo e… — eu te vi, pelo menos minha cabeça projetou você
naquele hall de hotel, é o que quero contar, mas me contenho —
uma moça se aproximou — eufemismo, Sueli tinha quarenta e
quatro anos —, nos interessamos um pelo outro, acabamos um
pouco alterados, e pensamos, por que não? Quando chegamos lá,
tinham bebidas grátis, e não foi uma boa ideia — só queria
chafurdar no álcool e te esquecer —, acabei misturando as bebidas,
e tudo voltou. Michele ficou desesperada.
“Não faria bem um cliente morrer ou passar mal nos dias de
estreia. Ela cuidou até que meu porre passasse, e acabamos
ficando amigos. Os clientes que fizeram parte da inauguração
ganharam um superdesconto por dois anos. Acabou virando um
refúgio. Mas agora, não faz sentido manter minha mensalidade.”
— Por quê? — Porque claramente não funcionou para mim,
eu ainda te amo.
— Mensalidade cara, moro a quilômetros daqui, entre outras
coisas.
— Humm, não pretende voltar a morar aqui?
— Não sei do meu futuro, Stella, mas quando estamos
chegando aos trinta, nossas prioridades mudam.
— CADU! — o atendente mal humorado grita, avisando que o
lanche está pronto.
Quando deposito a bandeja cheia em nossa frente, Stella só
reprova minha escolha com o olhar.
— Você está parecendo o Henrique quando eu o levo para
essas porcarias. Ele come mais do que pode, pois diz que vai
demorar a voltar — gargalho.
— E eu compartilho da mesma ideia. Tem dias que minha
boca enche d’água por uma porcaria na fazenda, mas a distância
até o shopping não vale a pena. Por isso vou comer dois
sanduíches, duas batatas, o refri e o milkshake. — Começo a
mastigar as batatas quentinhas, e acho que a única coisa que sinto
falta daqui é isso, e o shopping. — Mas e você, me conta, como foi
parar na The Jungle?
— Luiza, né? — ela revira os olhos, como se fosse óbvio.
Lembro-me vagamente dela, mas as duas não se desgrudavam.
— E onde ela estava que não a vi? — sequer sabia que sua
amiga frequentava a casa.
— Achou uma boca para beijar, e adeus à noite das meninas.
Mas ela já me procurou, avisei que estava bem, e logo chegaria na
casa dela. Você terá que me deixar lá, eu fui no carro dela.
— Sim, senhora. — Ela passa a comer, olhando os carros
que transitam pela avenida larga, mas conhecendo-a, sei que
muitas coisas se passam em sua cabeça, e nem em um milhão de
anos ela compartilhará comigo. 
Não podemos viver essa trégua para sempre? Seria pedir
demais?
É tão bom tê-la encostada no meu corpo para aquecer-se.É
tranquilo, quase mágico, nós dois sentados, compartilhando uma
refeição, por menos saudável que seja, após uma rodada
espetacular de sexo maravilhoso.
Só quero viver a parte da história que vamos para casa,
tomamos um banho juntos, vestiremos roupas combinadinhas, se
bem que a Stella jamais faria isso, colocaremos Henrique no nosso
meio e, com certeza, terão dois ou três animais, entre gatos e
cachorros, dividindo a cama conosco. Pela manhã colocarei a mesa
do café, e sentaremos juntos e compartilharemos qualquer
banalidade uns com os outros. Futuramente poderemos dar irmãos
ao Rique, e…
E nada, pois essa realidade não me pertence.
É do caralho, amá-la, desejá-la e não tê-la.
A questão, é a teimosia de Stella, e nossa comunicação que
foi tão fácil um dia, agora só conhece o lado odioso da
conversação. 
Cadu Vieira
A teimosia da Stella, não é uma questão, é um problema!
Quando ela cisma com um trem, não há santo no céu ou na
terra que a faça desistir de tal coisa.
Bem que ela disse, naquela quinta feira — que na verdade
era uma sexta, pois deixei-a na casa de Luiza quase às cinco da
manhã — que quando ela saísse do meu carro, as coisas voltariam
a ser como antes.
Stella só esqueceu de mencionar que ela colocaria uma
pitada a mais de inferno.
Só isso.
Pois é isso que está fazendo da minha vida.
Um gigante e quente inferno! — Em toda e qualquer
interpretação que se pode tirar dessa frase.
Devo plantões a Joaquim, que uma hora dessas deve estar
transando loucamente com Luana. Só sinto inveja. Não pela Luana,
mas pelas transas.
Quinze dias que voltamos e só existe trabalho em minha vida.
Inocente, eu ainda a procurei quando cheguei em casa na
sexta à noite, mas ela me ignorou, só passou por mim com uma
camisola longa — e descobri que é meu maior fetiche agora —,
colocou a melhor carranca na cara e me deu um esporro por ter
batido na sua porta, de novo, e ainda teve a audácia de me
perguntar se aprendi interpretação de texto, já que fiquei quase dez
anos na universidade.
Depois dessa, toda e qualquer oportunidade que temos,
estamos nos estranhando.
Mas ainda tem aquela vozinha em minha mente, que diz que
eu devo me humilhar um pouco mais, insistir um pouco mais, pois já
perdemos tempo demais.
Sinceramente, não sei onde minha mente tira essas tramas,
digna do horário nobre da tevê aberta.
Algum dia tivemos algo para que eu perdesse? Eis a questão.
Pois ultimamente vem parecendo que só eu estive envolvido em
algo, da parte dela, as vezes parece algo meramente casual. Será
que meus receptores de sentimentos não funcionam tão bem
assim?
Sinto aquela névoa gostosa que nos envolve antes de dormir,
quando os olhos começam a pesar, e de repente estou em um alerta
total, pois estão esmurrando minha porta, como se o ET de Varginha
tivesse estacionado o disco voador no quintal.[18]
— O que foi? — abro a porta, antes que quem quer que seja
acorde a casa inteira. Meu humor piora quando vejo Valentino
parado no batente. — Posso ajudar?
— Dona Stella tá chamano no curral.
— O que aconteceu?
— Mimosa tá parindo. — Eu só precisava de um parto no
meio da noite.
— E quando começou?
— Umas nove.
— E só estão me chamando agora?
— Dona Stella disse que ela mesma daria conta do recado.
— Claro — digo vestindo uma blusa para o frio cortante lá
fora —, ela é parteira de vacas também. Pega minha maleta no
celeiro.
— Não recebo orde sua. — Eu vou dar uma porrada nele,
juro que vou, e não será bonito de se ver. Já tem tempos que quero
isso mesmo.
— Explica para dona Stella então que vou atrasar para
buscar meu material de trabalho. — Saio do meu quarto e o deixo lá
plantado, passo às pressas no celeiro, pego minhas coisas e desço
no frio cortante na chegada de agosto. Os ventos são tão fortes, que
zumbem quando passam por mim.
A fim de evitar dissabores, entro no curral calado, abro a
mala e calço as luvas. Valentino já está aqui com Stella, que está
suja de terra e desgrenhada.
— Hey, Mimosa — aproximo-me da minha paciente mais
charmosa da fazenda —, o bebê está dando trabalho, hein. —
Acaricio seu pelo malhado, e paro nas orelhas. — Vou ajudar você.
— Não sabia que conversar com vaca ajudava no parto — a
voz de Valentino me dá tanto nojo que quero atirar uma tesoura,
com ponta bem afiada nele.
— Valentino, deixa o médico trabalhar.
— Sabe me falar quem é o pai? — Stella me olha com os
olhos arregalados, e engole.
— Essa foi inseminada — Valentino finalmente diz algo que
preste.
— Sabe por qual raça?
— E o que isso importa? — esse chucro do caralho está me
testando.
— Muita coisa, eu preciso de um direcionamento, eliminar
uma distorcia bovina por genética agiliza meu trabalho.
— Não sei — dá de ombros.
— Seria útil ter achado prontuários, sabe? — reclamo — E
teria sido útil ter sido chamado quando a Mimosa entrou em trabalho
de parto e permaneceu de pé! — Olho diretamente para ela — Você
tem anos, ANOS, de fazenda, quando viu uma vaca parir de pé,
Stella? — A adrenalina começa a fazer efeito, e sei disso pois a
última parte da pergunta foi alta. E ambos me olham assustados.
A vaca muge quando a toco no abdômen endurecido.
Eu sou um veterinário de bosta mesmo! Céus! Quero chorar
com gatinhos de bicheira e vacas em partos.
— E você — aponto o dedo para Valentino, O Cuzão —
deveria fazer o trabalho para qual é pago. Você não é cachorrinho
da Stella! — sigo com o exame de toque, aproximando-me das
mamas — É a porra do capataz da fazenda, caralho! É para ajudar
na gestão dessa merda! Se a Mimosa começou o trabalho de parto
às 21h, e na próxima hora não se deitou TINHA QUE TER IDO ME
CHAMAR, estava esperando ela e o filhote morrerem? ESTAVA
ESPERANDO STELLA AUTORIZAR QUE EU FAÇA A PORRA DO
MEU TRABALHO?
— Ei, Cadu.. — a voz dela começa, mas eu a paro.
— Não quero saber, Stella, se eu perder qualquer paciente
hoje, a culpa é sua, e desse capacho que você tem como capataz.
Agora saiam os dois daqui, e me deixem trabalhar.
É um clichê médico de seriados dizer: Ninguém morre no
meu plantão. Mas é isso que fico murmurando em minha cabeça.
— Você vai precisar de ajuda, ela não está bem! — Stella se
prostra ao meu lado.
— Você teria feito isso há três ou quatro horas atrás, se
tivesse me chamado.
— Cadu…
— Quer ajudar? Liga para o Joaquim, e depois saia daqui.
Quando Joaquim chega, minha cabeça está fervendo, e ele
não demorou nem vinte minutos.
— Por que eu sinto que essa cara é aquela que irá dizer:
Legal, Joca, você chegou quase às duas sem horário para ir
embora?
— Põe as luvas e me diga você se alguém aqui vai embora.
— Hey, posso entrar ? — A voz singela de Lua surge na
pequena entrada do curral.
— Entra aí, Lua, na verdade acho melhor ir se deitar com a
minha mãe, ou no carro, vai demorar. Desculpe atrapalhar.
— Imagina, ficarei aqui caso precisem de uma
instrumentadora. — A fofa —namorada? — de Joaquim se aproxima
e passa a mão em Mimosa.
— Aiiiih, porra — Joaquim diz emputecido —, me fala que
não é mastite.
— Posso dizer, mas eu suspeitei do mesmo.
— O que você já fez?
— Precisamos fazer o parto primeiro, a dilatação está boa,
falta romper a bolsa, era óbvio que alguma coisa estava errada!
Acho melhor já fazer a retirada mecânica da placenta, para não dar
mais sorte para o azar, e imediatamente entrar com antibiótico de
amplo espectro seria mais assertivo agora.
— Você sabe que vamos ter que parar a produção de leite,
testar todas, e …
— Fechar o pasto? Sei.
— Porra.
— Alguém tem que que contar para Cruella — resmungo.
— Eu estou bem aqui! — Sua cara corada aparece na porta.
— Ótimo! Já que ouviu já pode fazer uma força tarefa na sua
fazenda. E comece com a contratação de auxiliares veterinários, e
pode cobrir um plantão aí de mais uns cinco veterinários, pois nós
dois não daremos conta. Vai precisar testar todos os pastos, se não
achar nada vamos analisar as outras possibilidades. Você vai
precisar de leite para os bezerros. Ah, e não se esqueça de demitir
seu capataz, pois ele visivelmente não está fazendo o que ele é
pago para fazer.
Viro-me de costas, ignorando-ae focando no parto que tenho
que realizar nos próximos minutos.
— Quer fazer as honras? — Joaquim pergunta com um
frasco de lubrificante nas mãos.
— Claro, amo partos. Manda a ver.
Às dez da manhã, sinto areia em meus olhos, tenho um tenis
Dolce Gabbana arruinado, pois não prestei a atenção e calcei a
primeira coisa disponível quando me chamaram, meus braços estão
doendo pelo esforço que fiz durante o nascimento do bezerro, mas
pelo menos não perdi nenhum paciente.
O espaço que Stella recusava a me dar para trabalhar
quando cheguei, está tomado de pessoas trabalhando para conter o
pandemônio que tem nessa fazenda.
Sério, parece uma praga.
Já rezei para São Francisco de Assis e Nossa Senhora
Aparecida, para o primeiro, orei para cuidar dos pacientes, e para
segunda, para me dar forças de vencer o dia, e ainda nem chegou a
hora do almoço.
Deixei Joaquim liderando a tropa de médicos e auxiliares ali,
e fiquei por conta de vir até as drogarias com meu receituário em
branco, fazer o que os farmacêuticos odeiam: sentar-me
despreocupadamente no balcão e fazer receitas em sua frente, e
pela quantidade de animais, passei em quatro drogarias diferentes
para suprir os antibióticos que faltam, e ainda fiz algo ilegal, pedido
extra para ser entregue o mais rápido o possivel. O interior faz
coisas impossíveis às vezes.
— Vai mesmo ficar calado? — uma Stella, pasme:
constrangida, pergunta enquanto dirige de volta para a Vale dos
Periquitos, onde acabamos de passar a porteira.
Ah sim, pois ela é dona da porra toda, incluindo alguns mil
em reias que fez os comerciantes da pequena cidade felizes hoje.
— Stella, minha cabeça está doendo — me automediquei a
pouco para isso, mas sei que me sentirei assim a porra do dia todo.
— Eu só queria me desculpar, tá legal? Fui negligente, e…
— Eu não te desculpo, e sinta-se muito mal. Minha única
satisfação é saber que você não pode gritar comigo e por a culpa
em mim. De toda forma, logo passaremos por esse incômodo que
causamos um no outro, vou pedir Joaquim ajuda hoje mesmo com
um emprego em outro lugar, vou só controlar esse caos que está a
sua fazenda. Mas saiba de uma coisa, o problema da Vale dos
Periquitos é você e sua autossuficiência, a hora que entender que
precisa sim de pessoas, as coisas vão melhorar.
“Dias atrás eu disse que poderia ter tudo de mim, era só pedir
e não interferir em minhas decisões médicas. No momento, só
quero que não interfira no meu trabalho, e realizo o seu desejo de
sumir da sua vida. Agora, você me dá licença, vou render Joaquim.
— Desço da caminhonete idiota dela, e já vejo Valentino abrir sua
porta.
Babaca.
— Fio, posso entrar? — ouço a voz doce da minha mãe e
vejo-a parada no batente, e só quero o colo dela.
— Pode, mãe! — Estou só de calça, com as pernas um
pouco erguidas, para amenizar o cansaço.
— Truxe uma vitamina de abacate com limão procê. O
menino Joaquim também está aqui para tomar banho, o alojamento
tá chei de gente, já vou até por mais lenha no fogão, e aumentar a
janta. — Porra, a noite já caiu, esse dia está tão ambíguo que não
posso definir se passou rápido ou lento.
— Entra aí, Joca, fica a vontade, só não depila o saco com
meu barbeador.
— Não preciso disso, faço na cera, idiota. Desculpa, Cida. —
ele entra arrancando a camisa suja, e quando passa pela minha
mãe, beija a sua testa — a senhora não deve ser mãe desse trem.
— Vai logo, antes de constipar! — Ela empurra-o, e senta na
minha cama. — Cê tá bem, meu fio? — Sua pergunta cai como uma
bigorna do Papa-Léguas em mim, meus olhos ardem, não sei se de
sono ou lágrimas ou cansaço, mas possivelmente seja de tudo.
Não, mamãe, não estou nada bem! Eu fiz uma bagunça na
minha vida, e não é de hoje — isso é o que eu quero falar, mas
quando se está mais próximo dos trinta do que dos vinte anos, não
é justo preocupar nossos pais com nossas crises existenciais e da
meia idade.
— Me abraça, mãe? — peço, como o Cadu de cinco anos
com medo da chuva.
— Vem cá — ela coloca o copo na mesa de cabeceira, e sorri
abrindo os braços. — Vai dar tudo certo, meu menino, cê vai ver.
— A senhora vai ficar muito brava se eu for embora de novo?
— Vou sentir saudade, né? Mas já me acostumei que a gente
cria fio pro mundo. Só que cê tem que se perguntar é se ocê vai
ficar bravo se for embora. Já tô mais perto de ir do que de ficar, e
queria ter a certeza que cê tem tudo que quer.
Porra, mãe.
— Mãe, era só um conforto e descanso que eu queria, não
uma consulta com um coach. — Sua risada gostosa, me acolhe,
junto com o carinho no cabelo.
— Uai, fio, sabe que a verdade dói. Meu quarto tá sempre
aberto procê prosear comigo, agora tenho que ir, meu feijão tá no
fogo.
Recebo um beijinho acolhedor na testa, e um tapinha na
bunda, como ela fazia comigo criança.
— Ow, você não está pensando ir embora, não é? —
Joaquim abre a porta de toalha — e me arruma uma roupa, e me dá
uma cueca cara dessas que você usa, nova, bom que fica para
quando for namorar. — Prefiro a amizade de Nicolas, nossos estilos
extremos não permitem trocas de cuecas, mesmo as novas.
— Não sei cara, mas é uma possibilidade. Inclusive ia te
pedir umas dicas e ajuda.
— Mas por que isso? — ele arranca a toalha sem pudor, me
obrigando a virar de costas — Sei que está acontecendo um
apocalipse zumbi ou as sete pragas do Egito aqui, mas o trabalho é
muito bom, sem mencionar o salário...
— Sei lá, me sinto exausto. Você acredita em Mercúrio
retrógrado?
— Que porra é essa, Cadu?
— Sei lá, cara, só preciso de um motivo para entender todas
as merdas que têm acontecido. Não sei o que me trouxe de volta
aqui, nunca fui fã do interior, mas me sentia infeliz em BH, aí decidi
voltar e tentar, mas claramente não combino com isso aqui. Já
arruinei pelo menos três pares de sapatos, e o desgaste emocional
do meu embate diário com a Stella, não está compensando mais.
Quero ir embora, voltar para Belo Horizonte parece uma boa
escolha, mas quero ficar perto da minha mãe. — Um rompante abre
minha porta, e nem sei do que se trata, até Henrique se agarrar em
minhas pernas.
— Cê tá indo embora tamém, Cadu? Por favor, não vai.
Cadu Vieira
Joaquim nos olha, erguendo as sobrancelhas, se vira e volta
para o banheiro em silêncio.
— Ei, carinha, está tudo bem. Não precisa temer nada…
— Eu cabei de ouvir cê querendo ir embora. A culpa é da
mamãe? Eu converso com ela, mas por favor, não vai. Outro médico
não vai deixar eu ser estagiário, e a gente combina muito. Não
quero perder mais ninguém.
— Rique — sento-me na cama e o abraço —, calma. Você
não vai perder ninguém, e eu vou visitar sua vó Cida o tempo todo.
— Mas não seremos vizinhos de quarto. — É, não seremos.
— Vamos fazer um combinado então, o que você acha? Que virei
pelo menos uma vez por mês, e faremos qualquer coisa que você
quiser? — sua cabeça apoiada em meu peito, sacode-se em
negação.
— Cê tá falando isso agora, mas não vai ser verdade. Cê vai
arrumar uma namorada, depois vai casar com ela, e ai vai ter seus
bebês, e no fim não vai voltar. Pois tudo que é meu vai embora, de
um jeito ou de outro. Minha vovó foi embora antes de eu nascer, o
meu melhor amigo não vai voltar nas férias, a menina que eu gosto
foi morar em Divinópolis e até meu pai foi embora.
“E não adianta falar que não, se ele tivesse morrido, minha
mãe tinha que ter me falado. E é ruim porque ninguém sabe dele, e
ela não fala. — Não sei como descrever o que sinto enquanto eu
acolho Rique nos meus braços. As sensações que ele me causa
quando se aproxima estão sempre aqui, com o tempo achei que o
melhor era me acostumar com elas, pois me trazem algo bom, que
por mais que eu tente, não consigo definir o que é.”
— Henrique, você já fez promessa de dedinho? — Puxo-o
para que eu consiga ver seu rosto, e ele nega. — Pois bem, uma
promessa de dedinho não pode ser quebrada, nunca, entende o que
significa isso? — ele assente — Então agora, eu e você faremos
uma promessa de dedinho, venha, me dá o seu — levanto minha
mão esquerda, e ele faz o mesmo, e enroscamos nossos mindinhos
— Eu te prometo,Henrique, que virei pelo menos um fim de semana
por mês para te ver. Caso me mude de cidade ou trabalho. Isso
ainda não está certo, tenho muitas coisas para fazer aqui. Juro. —
Aperto meu dedo no dele, que sorri, mesmo quando uma lágrima
solitária desce de cada olho. Desfazemos o enlace, e ele parece um
pouco constrangido.
— Essa promessa serve para tudo? — pergunta
— Qualquer coisa.
— Cê pode então ir no meu campeonato de natação no fim
de semana? São dois dias! — Ele ergue o dedo para mim, e sorri
faceiro.
— Posso, me fala que horas vai competir — abraço seu
dedinho, que some no meio do eu.
— Sabe, Cadu, preciso melhorar minhas ideias. — Ele passa
a mão no meu cabelo e sorri.
— Que ideias?
— Tô montando um plano. Quanto que cê calça?
— Quarenta e dois. Que plano é esse?
— Segredo, mas qualquer dia te conto. Queria conhecer meu
pai, se ele se parecesse com você seria legal, e…
— Rique? — aparentemente é dia da invasão ao quarto de
Carlos Eduardo, pois Stella está parada na porta. Seus olhos
percorrem a imagem que somos eu e seu filho, em um meio abraço,
enquanto ele acaricia meu cabelo, mas tem lágrimas secando nos
olhos.
— Hmm? — ele não a olha, e continua traçando as voltas dos
meus cachos curtos, não tão arrumados como costumo usar.
— Gracinha está te procurando, tá na hora do banho. — Ele
assente, sorri para mim, beija meu rosto e passa por ela em silêncio.
Stella continua parada ali, me olha, sua boca abre e fecha,
como se ela quisesse falar algo, mas não sabe por onde começar.
Sou salvo pelo Joaquim, que abre a porta do banheiro enrolado na
toalha, de novo.
— Epá — ele se vira, voltando, mas antes dele fechar a
porta, Stella bate ela mesma a porta, deixando a sensação horrível
de coisas não ditas. Resolvo beber minha vitamina, enquanto Joca
me encara e depois olha para a porta.
— Pergunta, Joaquim, você está se contorcendo.
— Vocês já se pegaram, né? — coloco o copo de lado, e
começo a procurar uma roupa que sirva nele.
— Por que dessa pergunta?
— Nem precisa responder. É evidente. E não precisa ser um
pouco esperto. É por isso que o capataz está rasgando o cu com a
unha. — Ele começa a vestir as roupas que lhe entrego. — Tem
quanto tempo?
— Como assim?
— Porra, Cadu, está parecendo aquele apresentador
sensacionalista. Acompanha a pergunta, o assunto. Ou pare de
fingir que não entendeu.
— Não gosto de falar sobre isso.
— Pronto, é só o que eu precisava ouvir. Mas, cara, às vezes
só precisamos falar, só isso. — Suspiro, olho-o e concordo.
— Podemos discutir os prognósticos agora que sabemos a
real situação desse lugar?
— Sim — ele entra no banheiro e ouço o barulho do meu
desodorante Dior sendo espirrado, sem dó e nem piedade. Prefiro o
Nicolas, com certeza, é a melhor amizade. — Vamos começar
chamando minha avó para benzer aqui, e depois adicionaremos
medicina a situação, porque, meu amigo, nossa situação é no
mínimo caótica…
Estar de volta a Barragem do Benfica depois de tantos anos é
estimulante. De onde estou, vejo Henrique com a mesma toca de
ontem, ele disse que é da sorte. Jamais pensei que poderia ficar tão
empolgado com um campeonato infantil de natação.
Rique não se deixa intimidar pelo frio, e como ontem dispara
como um peixinho quando é autorizado. Ontem foram feitas as
provas em equipe, ele levou o primeiro lugar no nado livre, terceiro
no nado sincronizado, e segundo no estilo borboleta. Sua escola foi
a que mais subiu ao ranking no 86º campeonato mineiro de natação
sub 15.
Hoje os atletas irão disputar pelas mesmas categorias, na
modalidade solo.
Stella o trouxe ontem, e hoje não parece ter ficado satisfeita
quando ele pediu que eu viesse com ele. Mas eu não estou ligando
para o que ela quer ou não.
Na verdade, Stella, deveria ser grata por ter um médico
veterinário como eu em sua fazenda. Meu senso de urgência
aflorado evitou uma catástrofe quase irremediável em sua
propriedade.
Remover hectares de braquiária, tratar a terra e replantar era
caro — e foi isso que Matheus sugeriu, pois a contaminação estava
no pasto que estavam usando no momento —, mas imagino que
seria mais barato que perder suas vacas procriadoras e leiteiras.
Minha mãe e seu Vicente estão sentados na arquibancada
mais acima, eu e a Cruella lado a lado em um lugar reservado para
os pais — porque Henrique pediu ao avô que trocasse de lugar
comigo hoje — e para o espanto de um total de zero pessoas, ela
segue como se eu não existisse.
Assobio e torço por Henrique, mesmo que ele não consiga
ouvir. O menino é rápido, sai primeiro e chega primeiro no nado livre
individual, e vejo que as outras modalidades o deixam mais lento,
mas ainda consegue ficar entre os dez primeiros colocados, o que é
muito bom, em uma competição com cem participantes de todos os
lugares do estado.
Enrolado no roupão ele vem até nós dois, com sua medalha
no pescoço, por volta do meio-dia.
— Cê viu só o tanto que eu nadei, Cadu?
— Você foi demais, cara! — Levanto a mão para que ele bata
— Um verdadeiro peixe! — abraço-o — Onde estão as barbatanas,
me mostre! Qual é o seu segredo? — faço cócegas nele, que se
contorce.
— Não tenho, eu juro — diz entre remelexos, se aprumando
quando o solto. Ele se joga nos braços da mãe e a beija na
bochecha. — Ganhei uma medalha, mãe!
— Mais uma para a coleção, campeão — vejo-a emocionada,
abaixada para que fiquem da mesma altura. — Eu tenho tanto
orgulho de você, Rique, te amo tanto — ela o aperta nos braços e
algo que há muito tempo não vejo acontece, lágrimas saem de
Cruella. Me seguro, contendo as minhas, que não sei de onde
vieram. Engulo em seco. — Você é a melhor coisa que aconteceu
na minha vida — ela diz afastando-o e passando a toalha onde a
toca não protegeu seu cabelo —, sabe disso, né? — Henrique
assente faceiro, e passa as mãos nas bochechas dela.
— Ela sempre chora, Cadu — ele me olha, e sacode os
ombros delgados —, é a melhor parte. Me sinto como uma criança
— o que ele é, mas não o contradigo.
— Henrique… — Stella o repreende, mas sorri.
— Nós vamos comer no shopping, cê prometeu, lembra? —
ele passa o dedo pelo nariz arrebitadinho dela, e me seguro para
não rir. Toda criança faz isso? Tenta chantagear as pessoas com
coisas fofas?
— Eu lembro. Vai trocar de roupa, pegar a sua mala.
— Cadu, vai com a gente, né? — ele olha dela para mim, e
ambos os adultos parecem estar em uma sinuca de bico.
— Se ele quiser, mas teremos que passar um carro para seu
avô e a Cida. — ela dá de ombros, como quem não se importa. —
Eles se recusam a trocar o almoço de domingo por lanches. 
— Vamos no carro do Cadu, é superlegal mamãe, cê tem que
ver — ela conhece, carinha, mas não é um assunto apropriado.
Pego Pingado, o bezerro de Mimosa — que claramente foi
nomeado por Henrique — e tiro-o da balança, anoto os quilos e
passo a medi-lo. Geralmente Joaquim e eu acompanhamos os
novos indivíduos de forma menos específica, mas queremos ver se
houve alterações consideráveis após o acometimento da mãe. Mas
graças a Deus as coisas vêm acontecendo naturalmente, inclusive
ele está uns quilos acima do esperado, e isso é bom, já que
estamos amamentando-o com leite de outra fazenda, pois ainda
faltam três dias de antibióticos para nossas pacientes, e ainda
faremos os testes nas que foram submetidas ao tratamento mais
longo, como Mimosa.
— Ei, onde está seu estagiário? — Joca entra com os filhotes
de Abelhinha em um cesto. 
— Não apareceu ainda. Quantas horas?
— Duas, sua mãe falou para irmos almoçar, há umas duas
horas, esqueci de avisar.
— Obrigado por me causar uma hipoglicemia.
— Com o tanto de gente nessa fazenda, acho melhor irmos
para o pomar. Ainda bem que vão embora amanhã.
— Credo, Joaquim — gargalho.
— Uai, desde que eles chegaram, sua mãe nem fez mais pão
de queijo e broa.
— Passa fome — solto Pingado e deixo que vá até o monte
de feno e se deite, e começo a passar os dados para o computador.
— Oi, dotores, como tá meus netinhos? — Henrique chega
colocando-se ao lado de Joaquim.
— Muito bem, dia de vacina e remédio para vermes, vai
ajudar? — Joca pergunta.— Não posso, minha mãe me colocou no inglês — ele revira
os olhos — pelo menos é só uma vez na semana, mas sei que cês
vão cuidar direitim deles. Vim só trazer um presente — levanto os
olhos do meu computador e vejo que ele carrega uma sacola
grande. — Procê — Rique coloca em cima da minha mesa.
— Não é meu aniversário… — olho-o desconfiado, e sapeca
como é dá de ombros. Abro a sacola, desembrulho uma caixa
pesada, e percebo se tratar de uma das marcas que já vi Joaquim
usando. Curioso abro a caixa e me deparo com um par de botas
dessas de fazenda, masculina, estilosa, e de acordo com a caixa
impermeável. E cara, bastante cara.
Ouço o assobio de admiração do Joaquim, que examina os
bichanos.
— Cê gostô?
— Nossa, Henrique, são lindas, mas não precisava… — A
ideia de Stella gastando com dinheiro comigo não me atrai.
— Precisava, cê tava reclamando com Joca que estragou
seus sapatos, e acho que esse jeito agrada mais a mamãe. — A
gargalhada estrondosa de Joca preenche toda a sala. — Eu te falei
que tinha uma ideia. Assim não precisa mais ir embora por causa
de estragar seus sapatos.
— Rique… — fico sem palavras, acho que por segundos abro
e fecho a boca, sem nenhum som sair — Obrigado, mas não posso
aceitar.
— Claro que pode, o vovô disse que cê pode, ele me ajudou.
— Sinto alívio por seu Vicente estar envolvido nisso, não a Cruella.
— Cê pode me pagar com aulas de montar a cavalo. Podemos
começar amanhã?
— Então não é um presente? — brinco com ele
— É, mais ou menos. — Rique tira o celular do bolso, e faz
uma careta, típica de adolescente, coisa que ele ainda não é. —
Tenho que ir, minha mãe já chamou o Bruno para me levar até a
cidade, depois eu volto. Tcha-au.
Olho-o sumir pelo clarão da porta do celeiro, e balanço minha
cabeça.
— Mais um pouco, Henrique escreverá você e a Stella
naqueles reality de relacionamentos. Não perderei um episódio.
— Vai se foder.
Henrique não está fazendo isso, está?
Não, ele tem nove anos.
— Hoje temos duas tarefas! — Henrique anuncia quando me
acha nos estábulos.
— É mesmo?
— Sim, vamos gravar uma dancinha, igual as da internet. —
Ele coloca um chapéu e uma fivela na minha mão, só de vê-las
quero gargalhar, e mandar uma mensagem com as fotos para
Nicolas, ele se divertirá — já separei a música.
— E por que faremos isso? — Henrique tira sua camisa, e
coloca uma camiseta cavadinha, está uma graça.
— Fiz uma conta ontem, e achei uma trend, aquela de
agroboy, quero fazer e ganhar mais likes que Murilo, ele está se
achando.
— E onde eu entro nisso?
— Cê é bonitão, médico, mais velho, acho que se tirar a
camisa ganho mais likes…
— Então sou seu produto? — Ergo a sobrancelha para ele.
— É só esse, eu juuuuuuro.
— Eu não vou tirar a camisa.
— Pode mostrar só a barriga então? — gargalho e nego. —
Aff, tá bom, mas se sua cara bonita não resolver o próximo terá que
ser sem. — Não era só um? Matheus escolhe esse momento para
sair da sua sala, e vê que estou de chapéu e fivela grande. Sei que
quer fazer uma piada, da mesma forma que fez quando me viu de
bota uns dias atrás. — Math, vem, tem como cê filmar nós dois?
— O que vão fazer?
— Dancinha da internet.
— Não perderia isso por nada! — ele arranca o rádio da
cintura e chama Joaquim. Idiotas.
Não sei depois de quantas tentativas consigo aprender os
passinhos que Henrique já me ensina sem paciência, igualzinho a
mãe dele.
Matheus e Joaquim parecem não ter serviços em suas
mesas, pois estão ali, rindo e filmando cada movimento desajeitado
que faço.
Por fim Henrique se dá por satisfeito, e somos aplaudidos
pelos dois idiotas. 
— Agora podemos voltar para os princípios básicos da
equitação? — minha plateia parece desanimada por isso, e nos
deixa a sós.
— Sim, já posso montar sozinho?
— Não, senhor, estamos no básico ainda, se lembra?
Passamos pela rédea há uns dois dias, e agora estou falando
com ele sobre a anatomia do cavalo, onde estimulá-lo e como ele
recebe um comando.
— Alguma dúvida?
— Só quero saber quando eu vou dar uma voltinha no
Amendoim — que tem esse nome por causa do pelo castanho
avermelhado, e lembra a casca da semente. — Por favor, Cadu, só
ficar em cima, aqui mesmo.
— Está bem, mas eu vou ficar aqui — já afirmo, pois Rique
tem comportamentos aventureiros, igual a mãe — Vamos lá. — Mal
o cavalo fica em pé, Stella adentra o estábulo estarrecida, e olha-
nos de cima a baixo. Sua cara de pavor está estampada ao nos ver
ali.
— Henrique. Desça já desse cavalo — a voz fria e autoritária
cortaria até titânio na forma que ela pronuncia as palavras. Mas ao
mesmo tempo que a voz é assim, seus olhos parecem me incinerar
vivo.
Que porra foi agora?
Cadu Vieira
— Mas mãe… — Henrique tenta interceder, mas não obtém
sucesso.
— Henrique agora! — Rique bufa irritado, e antes que
comece brigas e chorumelas, eu o desço do lombo de Amendoim,
mas ao invés de apaziguar para Henrique e aguentar a ladainha
dela sozinho — pois sei que alguém tem ouvir o que ela irá dizer —,
o contrário acontece, Henrique ele desce e para em frente a mãe.
— Por quê? Por que eu não posso aprender a montar? — ele
a encara, de braços cruzados, e pés batendo no chão. — Só a
senhora pode fazer tudo, só a senhora quem manda! É uma chatice
isso, mamãe. Não quero aprender inglês, tô nem aí pra essa língua
idiota! Eu quero aprender a montar cavalo! O Amendoim nunca nem
trotou duro! Só porque seu amigo idiota morreu, não posso fazer
nada! — Stella arranca o chapéu, e amarra o cabelo em um coque
com ele mesmo.
Vish, ela está muito puta.
— Henrique, vamos lembrar quem é a mãe da relação? Se
eu disser que não vai montar, você não vai! E acabou, sem choro
nem vela. Agora você vai para o seu quarto, e me aguarde lá.
Enquanto isso vai pensando nas suas atitudes! Eu não te criei assim
não.
— Por sua culpa o Cadu vai embora. Sua culpa!
— HENRIQUE! — A voz potente dela assusta até mesmo os
cavalos, que se agitam nas baias.
Não sei vinda de onde, minha mãe aparece na porta do
estábulo, com várias verduras folhosas na mão.
— Uai, gente. Que gritaiada é essa?
— Minha mãe me odeia, vó, ela deixa todo mundo ir embora.
Não posso fazer nada! Só o que ela quer.
— Henrique…
— Calma, dona Stella — minha mãe acode, Rique — não
briga com o menino, ele é criança. Vem meu, fio, obedece ela,
depois cês se fala. — Henrique se agarra na saia da minha mãe, e
vai reclamando com ela em direção a casa grande.
— Stella…
— STELLA NADA. CALA A BOCA, CADU. ESSA MERDA É
CULPA SUA — ela vem até onde estou, e aponta o dedo na minha
cara — HENRIQUE NUNCA ME DESOBEDECEU! NUNCA, E…
— Deixe-me adivinhar, isso é culpa minha?
— SIM. SUA. ÚNICA E EXCLUSIVAMENTE SUA. TUDO DE
ERRADO QUE ACONTECEU NA MINHA VIDA, É SUA CULPA. —
suas bochechas vermelhas, a deixam tão linda.
Porra, não deveria ter esse tipo de pensamento bem quando
ela está me acusando de coisas que não sei o que são.
— Por anos, pelo menos dez, sinto-me culpada pela morte de
Leonardo — ela suspira, os lábios ressecados, não sei se por sede
ou raiva — quando na verdade a culpa é sua. Toda. Sua.
— Aí você já está doida, né, Stella? Eu nem aqui estava! Que
culpa eu tenho do idiota ser incosequente? A culpa nem mesmo é
sua. De onde você tira esses trem?
— Porque eu… — Ela suspira e então morde os lábios.
— Você o quê? — Ela balança a cabeça, se vira e sai.
Deixando-me parado, olhando para o nada. Como ela sempre faz.
Mas não dessa vez.
Vou atrás dela, e vejo-a correndo metros a frente.
— STELLA! STELLA, ESPERAÍ. — Quando ouve a minha
voz, ela aperta o passo, ganhando mais vantagem.
Que porra.
Eu passo a correr atrás dela, quando ela me vê, corre ainda
mais.
Que Diaba, abusada, teimosa!
Qual o problema dela em abrir a porra da boca?
— Tudo bem? — Joaquim me para, quando escuta meus
gritos sem fôlego.
— Não tá, tenho que resolver uma coisa. Onde tá indo com
essa corda? — aponto para a mão dele, que carrega uma corda
natural, ensacada, novinha.
— Uai, vou pegar o Pingado.
— Me dá isso — pego o trem da mão dele, e volto a correr.
— Tá maluco, porra? — deixo-o plantado, sozinho, abroo
plástico, e começo a fazer um laço. Já fiz muito isso, não se
desaprende a domar bicho bravo.
— STELLA! Espera, cacete!
Você parou? Porque a Stella não.
Ela continua descendo o pasto sem grama, me ignorando,
achando que vou me cansar, e deixar para lá, como todas as vezes.
Quando estamos longe o bastante da casa, e das pessoas
trabalhando na fazenda, rodo o laço no ar e lanço, chegando bem
perto dela.
Caralho.
Aproximo-me mais, e faço de novo, dessa vez acertando.
— Que porra! — grita, se agitando — Me solta! Cê tá doido?
— quanto mais ela se mexe, mas a puxo para mim — Eu não sou
uma égua selvagem para você fazer isso comigo! Estou mandando
me soltar, Carlos Eduardo! — paro em suas costas e a envolvo em
meus braços.
— Vai ficar quieta? Vamos conversar como gente? Ou
ficaremos nessa briga idiota e confusa? — nossas respirações estão
ofegantes com os esforços.
— Eu não tenho mais nada para falar com você, só quero
que suma da minha vida! De verdade, para nunca mais voltar.
— Mas eu não vou, Stella — viro-a para meu peito e a aperto
mais.— Não vou mesmo!!! Estou cansado de você me mandar
embora, Tella. Você pode ser tudo, mas não é uma filha da puta,
nunca foi. Ser egoísta e mesquinha também não está na sua índole!
Então vamos, pelo amor de Deus, conversar! — Seus olhos
chocolates fazem com que eu perca a linha lógica de raciocínio.
Consigo ver o mundo através deles, e estão gritando para mim.
— Eu não tenho nada pra falar, e…
— Cala a boca! Cala. A. Boca. — Espremo meus lábios nos
dela, segurando-a pela corda, mantendo-a firme em meu abraço.
Sua resistência se rompe logo que introduzo minha língua
em sua boca, suas mãos me puxam para si, e é como se ela
estivesse em um dilema interno se me quer ou não. Stella morde
meus lábios e isso excita-me pra caralho..
Espero que Stella me solte, e retalho-a, mordendo seus
lábios, primeiro o de baixo, depois o de cima.
Meu pau semiereto fica totalmente rígido quando ela solta um
gemidinho rouco vindo do fundo de sua garganta.Solto seu cabelo
do coque, dando duas voltas nele, puxo sua cabeça para trás,
fazendo-a gemer.
— Vamos conversar?
— Não. Quero que me solte! — passo a lamber e mordiscar
seu pescoço,
— Se corpo está berrando por mim, Diaba — mordendo o
mamilo por cima da camiseta preta que está usando, primeiro um
lado, depois o outro — Vamos conversar? — repito.
— Não, a gente… — desço a camiseta e sutiã, mordendo-a
na aréola, brincando com o mamilo em minha língua, e o outro em
meu polegar.
— E agora? — sussurro.
— Não!
— Teimosa!
— Grosso! Me solta, Cadu!
— Mas você gosta! Principalmente do pau.
— Me solta ou vou gritar! — Iço-a em meus ombros, a levo
até atrás do bambuzal, e a amarro em um feixe deles.
— Pode gritar! Vai, Stella! Esguela.
— Você me amarrou nas árvores?
— Sim. E só vai sair daí quando me explicar: por que você
me disse aquelas coisas?
— Pois vamos mofar aqui! — diz com petulância.
— Pois, bem! Vamos fazer algo divertido enquanto isso? —
tomo sua boca na minha de novo, e ela devolve o beijo, faminta,
tanto quanto eu. 
Minhas mãos passeiam pelos seios desnudos, fazendo sua
pele se arrepiar sob meu toque, deixando os mamilos pontiagudos,
onde passo a dar mais atenção.
Desço meu toque , chegando a cintura, passando para o
quadril, toco a fivela, e a abro com fome.
— Você ainda quer fugir e gritar? — pergunto a ela.
— Só gritar — a Diaba sorri, deixando estampado o que quer
de mim aqui.
— Sabe o que estou prestes a fazer, certo? — assente, pisa
em uma bota tirando-a, depois na outra. Ajoelho — e parece que
ando fazendo bastante isso, metáforica e literalmente — abro seu
jeans, desço a calça e calcinha, uma rendada que com certeza
gostaria de ver enfiada até o talo em sua bunda. Olho-a despida da
cintura para baixo, e uma ideia me ocorre. Passo a mão entre seus
lábios, e ela escorrega tamanha a excitação dela. — Se eu te soltar,
você vai fugir?
— Estou querendo ser comida, Cadu, acha mesmo que vou?
— solto-a do nó curto, tiro completamente sua camiseta e sutiã, e
contemplo a beldade que Stella é parada nua em minha frente.
— Alguém já te comeu duro amarrada?
— Algo me diz que você será o primeiro.
— Sim. Braços para baixo — ela faz o que eu peço. Encosto
seu corpo contra o feixe de bambus de novo, e me abaixo
minimamente — pisa nas minhas coxas para ficar na altura certa. —
Sem entender, mas também sem contestar, Stella sobe, ficando
minimamente mais alta — firma o corpo — segurando seu peso em
minhas coxas, passo a corda abaixo dos seios, na segunda volta
passo no meio deles, prendendo o lado direito pelo ombro, circulo o
bambu e volto amarrando o esquerdo, em seguida prendendo os
braços juntos ao corpo, como se ela usasse uma camiseta de
cordas, aperto firmemente o nó e contemplo minha obra de arte. —
Queria só que você pudesse se ver agora.
— Vai ficar me olhando com essa cara de idiota, ou vai me
comer? — Ela morde o lábio faceira, sabendo que terá o que quer,
pois é sempre sobre ela.
— Stella, Stella, você não tem jeito… — desço meu zíper e
abaixo a cueca, meu pau salta feliz para ela, expelindo uma gota
grossa de pré-gozo, deslizo minha mão de baixo para cima,
masturbando-me em sua frente.
— Cadu! — grunhe com fome — Anda, cacete. — passo a
mão em minha calça, e não estou com celular nem carteira.
— Me diz que você tem aquela camisinha no celular? — ela
assente rápido, e mais que depressa pego o celular em sua calça,
tiro o preservatio da case e coloco-o, aperto as coxas de Stella,
abrindo-as para mim e enterrando-me afoitamente. — Porra, você é
tão gostosa! Por quê? Por que foge de mim, se está sempre louca
para me dar?
— Acho que é você quem está louco para me comer.
— Podemos concordar que ambos provocamos?
— Depois que me comer, discutimos isso. — Stella contrai
sua boceta em volta do meu pau, fazendo-me estremecer.
Passo as mãos para trás, agarrando a sua bunda, tão forte
quanto o necessário para marcá-la como minha, abrindo-a até
encostar meu púbis em suas coxas grossas. Levo minha boca para
o seio direito, e passo a mamá-lo ávido, esfregando-me em seu
clitóris, sem arremeter meu pau em seu fundo como desejo.
— Anda, Cadu.
— Não estou com pressa. — Ela tenta se esfregar em mim,
mas sem muito sucesso devido a amarração. Sorrio de seu esforço
— Ah, Stella, o que te fode é sua curiosidade. Saio de dentro dela, e
volto tão lentamente que a faço rosnar para mim. — Não sabia que
era adepta a joguinhos, isso é uma delícia, posso correr atrás de
você o dia todo, se é isso que deseja. — Afasto-me, saindo
completamente, esfregando meu pau em seu clitóris endurecido e
pedinte. — Faz tudo parte do seu jogo, né? Quer que eu me ajoelhe
por você… — arremeto até o fundo, rebolando em seguida, fazendo
meu pau circulá-la internamente. — Só que está jogando errado,
pois é um prazer me prostrar diante de você.
— Cadu, cala a boca e me come, porra!
— Eu vou, calma. Só me responde uma coisa: você gosta de
dar pra mim?
— CADU!
— Vai, responde.
— Eu gosto de dar para você! Satisfeito?
— Quase. Mais uma pergunta: com qual pau você sonha?
Qual você gosta de quicar? Qual te deixa com água na boca?
— O seu, o seu pau, porra, só me come. Pelo amor de Deus!
— sorrio satisfeito e decido dar o que ela quer.
Tomo sua boca na minha, entro e saio dela, rebolando
quando meu púbis encontra suas coxas, faço isso tantas vezes que
sinto-me enfraquecido, meu quadril estrala tamanho meu esforço,
passo a mamar nela mais uma vez, pois sei que ela gosta.
 — Isso, porra, me come Cadu! — ela geme e rebola
minimamente contra mim — estou tão perto! — Seguro-a só com
uma mão e com a outra, esfrego seu grelo duro.
— Olha só, está quicando como uma putinha em meu colo,
que delícia! — Aperto mais a bunda, e trêmulo meu dedo nela — é
assim que você gosta? De ser vadia? De ser comida?
— Isso, sim, mais forte — faço o que ela pede, entregando-
me nas arremetidas. Sinto a eletricidade subindo pelas minhas
panturrilhas em direção às minhas coxas, minha bolas pesando
deliciosamente, repuxando meu pau, levando-me ao gozo. Stellatenciona as costas e as pernas em volta de mim, dou atenção ao
outro seio, tocando-lhe no clitóris em movimentos circulares afoitos,
Tella goza em meus dedos e pau, me encharcando — isso, caralho,
isso, Cadu… — ela diz alto, continuo com o toque, vendo-a arrepiar
e estremecer sob meu toque e minha paixão. — Misericórdia, para,
por favor! — dou-lhe dois tapinhas no clitóris e sonho com o dia que
a farei gozar sob meu estetoscópio. Tella estremece, fazendo-me
sorrir.
— Sente-se melhor? — pergunto, soltando o nó, desfazendo
o amarre. Deixo a corda cair no chão e a coloco em meu colo,
sentando-me no chão.
— Sim. Isso foi muito bom.
— Na hora que quiser, sabe onde está meu quarto.
— Não posso — ela diz, e antes que eu questione, Stella
completa — não sei transar calada.
— Verdade, terei que sufocá-la com o travesseiro. Não gosto
quando briga comigo, sabia? — esfrego sua pele, tentando
amenizar as marcas da corda.
— Não ensine Henrique a montar. Na verdade, pare de
mimá-lo, está pior que nosso pais — ela suspira de olhos fechados,
e a cabeça encostada em meu ombro.
Isso me lembra porque estávamos brigando, e antes de
questioná-la, seu celular toca. Entrego-o a ela, e o nome de
Joaquim está ali.
— Oi, Joca. — estamos perto o suficiente, para que eu o
ouça.
— Dona Stella, o IMA acabou de chegar, e está procurando o
RT, Cadu por acaso está próximo? O celular dele está aqui em cima.
— Sim, estamos em reunião, já chegamos, oferece um
cafezinho, que ele já chega.
— Tá bom.
— Reunião? — questiono-a, pegando sua camiseta e sutiã,
ajudando-a a vestir.
— Sim, de alinhamento. — Aos poucos as peças voltam a
cobri-la, e ela admira as marcas nos braços — Você sabe que
preciso da liberação deles para os búfalos, né?
— Sim, senhora. Farei o que estiver ao meu alcance com
eles.
— Obrigada.
— Não por isso. E saiba que seus agradecimentos comigo
tem que ser pelada, e claro, depois que você me explicar do que se
tratou aquela acusação.
Stella Macedo
A festa anual da Vale dos Periquitos é uma tradição há
quarenta e dois anos.
Meu pai, recém-formado na faculdade, na época, e casado
há menos tempo ainda, herdou uma pequena fazenda leiteira
beirando a falência. No primeiro ano de trabalho, ele e minha mãe
foram juntos para o campo com os pouquíssimos empregados,
fizeram o plantio de cana-de-açúcar, e a colheita pagou as dívidas,
permitiu que comprassem mais uma dúzia de vacas e quatro
reprodutores. Para comemorar, minha mãe fez um almoço para
todos em um singelo agradecimento.
No ano seguinte, com mais vacas e aumento de mão de
obra, que os permitiu plantar duas vezes mais cana-de-açúcar,
mamãe fez um almoço maior ainda, os colaboradores puderam levar
as famílias, e foi assim, ano após ano que nasceu uma tradição.
Em todo esse tempo, só houve uma vez em que a festa não
aconteceu, no ano que mamãe faleceu.
Desde os quinze anos, eu assumi por completo a
organização dela, e vem sendo assim desde então.
Esse ano, com o frio que nunca acaba, optei por fazê-la com
uma fogueira, a partir do entardecer. Contratei cinco cozinheiras
para ajudar a Cida, que só bufa e revira os olhos para elas a todo
momento, afinal a festa durará dois dias ao invés de um, pois temos
motivos dobrados para comemorar.
Lembro-me de ser ainda moleca, e o sonho do meu pai era
colocar búfalos nos pastos, mas ele não conseguiu. Trabalhar com
gado importado é complicado, lembro-me que para trazer os Angus
foi um Deus nos acuda. Parecia até um carma. Teve um dia que o
alvará sumiu da minha mão na hora da visita de aprovação. Fiquei
tão desesperada, que quase tive outro filho. O inspetor estava
desistindo quando Henrique surgiu com o papel, na boca de
Tigrinho. 
E agora, quase vinte anos depois do sonho de meu pai,
Carlos Eduardo conseguiu, finalmente, a liberação para darmos
início aos trâmites de compra.
Por isso, esse ano a festa também mudou de data, ao invés
de ser no próximo mês, porque mamãe sempre amou a primavera,
será ainda em agosto. Minha mãe sempre foi supersticiosa, e nunca
deixou que tomássemos decisões ou atitudes em agosto, ela dizia
ser o mês do desgosto. Coitado do mês.
E é estranho, pois foi nesse mês que Leonardo faleceu, e
levou com ele toda a minha paz de espírito.
Balanço a cabeça para dissipar esse pensamento mórbido.
Enfim, setembro, após a festa de aniversário de Henrique,
Cadu e eu iremos até o Texas para finalizar as compras dos
benditos búfalos. 
Olho a equipe de decoração finalizando os detalhes, e longe,
consigo ver Henrique brincando com os gatinhos, e arrastando Milk,
que está prenha, e quase ganhando — a cadelinha sem raça
definida que não faço a mínima ideia de onde Rique tirou, suspeito
que ele tenha a pegado na estrada ou até mesmo na escola —,
junto com ele.
Parece que foi esses dias que cheguei com um pacotinho
pequenininho enrolado, e agora ele já fica com raiva da mãe por
causa das aulas de equitação.
Sim, tem dois dias que ele só pede a bença ao acordar e
dormir, e finge que não tem mãe. E eu nem posso reclamar, pois
tem dois dias que fico horas na cidade com desculpas de estar
ocupada com a festa, para não me encontrar com Cadu pela
propriedade.
Ou seja, Rique só está herdando. Uma péssima herança,
aliás.
Ele poderia ter pegado mais do pai, além do amor pelos
animais.
Durante todos os anos de afastamento de Cadu, sempre que
me recordava dele, vinha em minha mente a imagem do Caduzinho,
da inocência, da adolescência, do menino sempre disponível,
carinhoso, paciente, gentil e alegre. Ainda existe muito disso nele,
mas a inocência, com certeza foi-se embora. 
Minha boceta que o diga.
Quando ele disse que eu precisaria de um relaxante
muscular, ainda na casa de swing, pensei que era só o alterego dele
falando mais alto, mas não. Precisei de uma cartela com quatro. A
volta de BH até aqui, pareceu durar uma vida, não 1h30. Parecia
que eu era uma sedentária que resolveu entrar na academia. Na
noite seguinte, quando ele me procurou, precisei estabelecer o
limite, pois primeiro não sou a puta dele, eu já estava certa de que
aquela seria a última vez — até que ele me amarrou nos bambus —,
e segundo, nem se eu quisesse — spoiler: queria muito —
conseguiria transar, exceto a boca, todos meus orifícios estavam
ardendo.
O maldito ainda me perguntou se ele estava fodendo bem…
Bem é pouco, mas ele não saberá disso.
Olho para a marca da corda em meu braço, e tenho uma
vontade enorme de passar uma borracha em dez anos, e fazer
desse meu ponto de ignição. Entregando-me de corpo e alma a ele.
E estaria tudo bem, se fossemos só eu e ele.
Não posso obrigá-lo a assumir ou aceitar Henrique, não que
isso pareça necessário, mas é um ponto importante.
— Stella! — Cida aparece na porta da varanda, superbrava
— vem cá, menina, num guento esse bando de estranha na minha
cozinha!
Às 22h, Bruno, motorista de Henrique, é o último a chegar
com a esposa e a filhinha ainda de colo. Observo todos rindo,
comendo e brincando, e sinto-me quase em plena felicidade, eu só
precisava ser amorosamente resolvida, e que Henrique parasse
com os típicos ataques pré-adolescentes e birrentos.
Credo. Não preciso de nada, eu tenho mais que muita gente
pode sonhar na vida.
— Festa bonita — minha tentação particular toma forma do
meu lado, me arrepiando dos pés a cabeça —, não mais que a
dona, claro.
— Está jogando charme para mim, Carlos Eduardo? — ele
grunhe em desgosto por eu usar seu nome.
— Não preciso disso, Stella Dias Macedo.
— Uau, nome completo. Qual a bronca?
— Que tal aquele elefante branco estacionado entre nós
dois? Um que envolve acusações, e tal?
— Pensei que estávamos falando sobre um jogo de cordas…
Dá para enforcar com elas?
— Ah, sim… Como uma boa vadia, você gostou né? — Seu
sorriso safado se expande — Qualquer dia desses irei te enforcar
com meu estetoscópio, será um tesão de assistir — a imagem dele
sem camisa só com o aparato, molha minha boceta traidora. —
Perdeu a língua?
— Suponho que para isso acontecer, eu precisarei fazer
algo…
— Só me contar a verdade. — Suspiro, em um grande
impasse— e deixar Henrique entrar na equitação. — Só de ouvir
isso, meu coração dispara — e se preciso for, você entrará na
terapia para isso.
— O quê? — Que audácia!
— Por favor, Stella, o menino está quase aguando de tanta
vontade. Você quem me ensinou a montar, lembra? — ele me
empurra com o cotovelo — “Oi, eu sou a Stella, tenho um pônei, blá,
blá, blá… Levanta, Carlos Eduardo, só aprende a montar quem cai,
Jucelino tem só meio metro de altura”— ele faz uma voz fina,
imitando-me quando criança.
— Eu não falava assim.
— Antes fosse esse o problema. Você me montava, Stella,
para aprender equilibrar, quem em sã consciência usa esse
método?
— Hoje em dia você vive pedindo que eu te monte.
— Outros tempos, gatinha. Vai deixar Henrique aprender?
— Não.
— Eu pago.
— O problema não é dinheiro.
— O que é então?
— Tantas coisas podem acontecer com ele, e… imaginar
Henrique fazendo coisas que o coloque em risco, me causa uma
ansiedade tremenda. Montado em um cavalo? Penso em quedas
que darão um braço ou pernas quebrados, é o mínimo, minha mente
é muito fértil para catástrofes.
— Stella, acasos acontecem o tempo todo, infelizmente.
Entendo que o acontecimento com Leonardo — ele faz uma careta
ao dizer o nome — mudou seu ponto de vista em relação a isso.
Sua mãe morreu picada por uma cobra, vamos exterminar todas do
planeta? Não faz sentido, Stella. E no fundo você sabe que tenho
razão. Desculpa, mas não dá para entender.
— Há dez anos sinto-me culpada pela morte de Leonardo,
imagine se algo acontece com meu filho? Como irei me sentir?
Venho transferindo essa culpa de pessoa em pessoa, mas o que
nunca admito é que a culpa é única e exclusivamente minha, eu
nem mesmo confessei isso para ninguém, até agora.
— E você quer falar? — concordo, sentindo minha garganta
fechar.
— Léo vinha insistindo para que eu ficasse com ele, chegou
até mesmo falar sobre casamento — como vou contar essa história?
—, ficar com Leonardo nunca esteve nos meus planos. Éramos
confidentes, amigos… Não melhores amigos, mas de certa forma
existia esse vínculo entre nós. Você sabe que eu sou teimosa…
— Só um pouco, mas a culpa é do seu signo. Arianos são
complicados. — Ele empurra meu ombro, e sorri.
— Verdade, isso com certeza é culpa dos astros — suspiro.
— Desde o momento em que descobri minha gravidez, passado o
susto, desejei Henrique todos os dias. É estranho falar isso, e não
estou romantizando, ser mãe é a coisa mais difícil da minha vida.
Nunca sei se estou educando corretamente, se fui maleável ou
rígida demais. É uma puta responsabilidade educar um ser humano,
tão diferente e tão igual à gente… Certo e errado são coisas tão
difíceis de julgar… Mas enfim — meu nariz arde, e sei que estou
prestes a chorar —, o ponto não era esse. Leonardo tornou-se um
pouco obcecado por mim, e…
— Stella, ele sempre foi. Desde a infância, não vamos ser
levianos.
— Não, sempre fomos amigos — ele bufa e faz cara de
bravo, ficando adorável. É a exata expressão que Henrique me faz.
— Talvez para você tenha sido uma amizade, para ele?
Leonardo tratava você como posse. Sempre deu para ver na cara
dele, Stella.
— Eu nunca dei qualquer indício disso para ele.
— Você transou com ele.
— Eu transei com muitas pessoas, Carlos! — uma senhora
do bufê passa ao nosso lado, e me olha torto. Cadu segura o riso, e
abaixa a cabeça. — O ponto não é esse.
— Não, estamos discutindo suas decisões idiotas, e o motivo
mais idiota ainda de você se culpar por algo que não podemos
controlar. Todo mundo um dia morre, Stella, é o ciclo da vida,
começo, meio e fim. Nascer, crescer e morrer.
— Se está julgando minhas atitudes como idiotice, você sabe
que se encaixa nelas, certo?
— Nunca te achei muito inteligente. — Ele dá de ombros.
— Foda-se, não dá para falar sério com você! — A
senhorinha me olha de novo. — Vai ouvir ou não?
— Prossiga com sua teoria idiota. — Suspiro, e fico dividida
entre socá-lo ou matá-lo.
— Estava no útlimo trimestre de gestação, quando ele —
engulo — queria mesmo transar, só estar comigo não bastava. Veja
bem, minha vida estava uma bagunça, tudo desandado, a faculdade
complicando minha licença-maternidade, e não é porque meu pai
tem dinheiro que sentia-me confortável em gastá-lo comprando as
coisas de Henrique, sempre ficou claro para mim que meus pais são
ricos, e eu teria tudo do melhor, mas isso não incluia viver às custas
deles e ainda fazê-los criarem o neto.
“Acho que fui e sou um pouco egoísta com Henrique. — O
que não é uma mentira — sempre achei que se financeiramente eu
fizesse tudo sozinha, ninguém poderia interferir ou opinar na criação
dele. Enfim, eu tentei dar uma chance ao Léo, afinal, seria mãe em
poucas semanas, logo viria o resguardo e ele dizia-se muito
apaixonado. Não sei como, mas durante uma distração entre beijos,
chamei-o por outro nome.
— Que nome?
— O seu. — O silêncio torna-se sepulcral, e olho para frente,
sem coragem de olhar em seu rosto.
Stella Macedo
— Isso é… uau, eu acho — Cadu me olha estarrecido, e
acho que naquela noite tive a mesma expressão em meu rosto. —
Imagino que ele não tenha aceitado isso bem. Não sei porque
sempre fui o que ele mais detestava na vida, podia ver o ódio nos
olhos dele sempre que me olhava.
 — Ele ficou ensandecido — passo a dizer depois de uns
minutos —, não foi bonito de se ver. Começou a chover
atipicamente para agosto, falei para que ele ficasse, que iríamos
conversar, mas Léo me ignorou, subiu no meu cavalo, o mesmo que
eu competia, e você sabe que só obedecia a mim. Então aconteceu
o acidente, levando-o a óbito.
— E se sente culpada por isso?
— Você não se sentiria?
— Não. Se eu atropelar uma pessoa, bater o carro ou algo
assim, talvez sentiria isso, mas se soubesse que a culpa era única e
exclusivamente minha, no mais, foi uma fatalidade, e sinto muito por
isso. O ideal da vida não é morrer cedo, mas pode acontecer, é uma
incógnita que jamais será desvendada. Por isso Henrique não pode
fazer aulas de equitação? — suspiro, e olho-o.
— Também.
— Tem mais coisas?
— Bom, o parto do Henrique foi complicado.
— Complicado quanto?
— Bastante, complicado. Depois do acidente, fiquei muito
agitada, e a médica me colocou de repouso absoluto. Sabíamos que
eu não chegaria a trinta e sete semanas, mas ainda estava cedo.
Mesmo seguindo à risca todas as recomendações médicas,
comecei o trabalho de parto antes do esperado. Meu pai me levou
até a maternidade de Divinópolis, eu achava que teria Henrique a
caminho do hospital. Quando cheguei lá, não era plantão da minha
médica, nem na cidade ela estava, na verdade, tinha ido atender em
Belo Horizonte. Só me restou os plantonistas.
“Nunca imaginei que viveria um pesadelo como aquele. Um
dos momentos que deveria ser o mais marcante da minha vida,
tornou-se um show de horror. Eles não permitiram que meu pai me
acompanhasse, pois não era o pai do bebê, o que era ridículo pois a
lei diz que eu tenho direito a um acompanhante, não determina qual.
“Essa já foi uma coisa que me agitou mais. Só queria minha
mãe comigo, só isso. Passado o stress de que eu estaria sozinha,
tentei me acalmar, o que eu não precisava era de uma pressão alta
para a anestesia. Já havia chegado há um tempo, e não vinha
ninguém me preparar para o parto, achei estranho e fui até o posto
de enfermagem me rastejando, e com dores. Quando questionei a
enfermeira, ela disse-me que andasse pelo corredor para dilatar, e
eu disse que não faria isso, pois optei por ter um parto por
cesariana.
“E aí o pesadelo foi só aumentando. Ela disse que meu
médico optou por um parto normal, por ser melhor. Mas a questão é
que o parto era meu, e eu não optei por isso. A decisão é da mãe.
Minha médica já tinha concordado, estávamos acertadas com isso,
me sentia mais segura assim.
“Eu fiz um planejamento de parto. Era meu filho ali. Por mais
de uma hora eu discuti com a enfermeira e depois com o médico,
cheguei ao ponto de gritar tanto que a gestora do hospital desceu,
tamanho meu escarcéu.
“Porém isso só piorou a situação, minha pressão alterou,
precisei me acalmar,mas não conseguia. Achei que Henrique e eu
sairíamos dali mortos. A gestora perguntou sobre meu
acompanhante, e quando disse que eles não deixaram meu pai
entrar, percebi em seu rosto que ela não gostou. Porém me dar
razão não seria bom para eles. Eu tinha vinte e um anos, eles
pensavam que eu era desinformada, mas se enganaram.
“De todo caso, estava disposta a me aquietar, ter meu filho e
ir embora. A gestora chamou um outro médico do plantão, e
solicitou uma cesárea. As coisas foram melhores com ele. Dr. Pedro
se aproximou, se apresentou, perguntou sobre a gestação, até
mesmo o sexo do bebê e o nome. Conduziu-me para o bloco, me
ajudou a subir na maca, e disse que uma equipe faria os
procedimentos iniciais para a cirurgia.
“Ali, eu agradeci muito a Deus, pois o médico era um anjo.
Porém a enfermeira que veio fazer o acesso, não pareceu satisfeita
por me atender. Lembro-me como se fosse ontem os dizeres
sarcásticos se quando fiz o bebê eu também havia feito um show de
gritos. Respondi-lhe a altura, disse que era para perguntar para o
seu marido — sorrio sem humor.
“Ela me furou três vezes, desnecessariamente, pois foi o
médico despontar, ela conseguiu acesso a veia. Já estava bastante
cansada, de tudo, meu emocional e meu psicológico estavam
pedindo arrego, optei por ficar quieta, com eles eu lidaria depois.
“A cesariana foi rápida e sem complicações, mas até ela, foi
literalmente um parto. Depois disso, de segurar meu filho no colo,
tive uma quase certeza que não teria outro filho, então canalizei
todo meu cuidado e energia nele. Sua mãe ficava louca comigo, ela
deve ter te contado.”
— Não, passei uma década sem ter notícias suas.
— Por quê?
— Todas as vezes que me lembrava de você, eu sofria. Então
afastei-me e proibi minha mãe de comentar sobre. Nem mesmo
sabia da morte de Leonardo, até você falar. — E o que isso diz
sobre termos um filho juntos? — Eu sinto muitíssimo que tenha
precisado passar por isso.
— Processei o hospital, a enfermeira e o primeiro médico —
dou de ombros — e ganhei. Fiz uma doação para uma casa de
doulas comunitárias.
— Por que isso não me surpreende?
— Porque sou eu, nada que faço deve te surpreender.
— Eu entendo o que você passou, e jamais conseguirei, nem
em uma vida inteira, imaginar como é isso, e como se sentiu. Mas
se passaram dez anos, Stella, não estou pedindo que você coloque
seu filho no lombo de um cavalo arisco, sem supervisão para
praticar um esporte violento. Você ama montar a cavalo, eu nem
tanto, mas não sou referência, e o menino quer muito isso. Se sentir
mais segura, pode você mesma ensiná-lo, ele não quer competir,
quer montar, só isso. Por que você monta?
— Porque gosto da sensação de liberdade, do vento na cara,
da conexão com o animal.
— Viu? Você nem mesmo precisou pensar em uma resposta.
É algo que ama, e talvez seu filho queira compartilhar esse hobby
com você. Entendo que tenha que zelar pelo Henrique, que ele é a
coisa mais importante que você tem, mas ele precisa saber que é
importante, que suas vontades têm valor, e que é respeitado como
ser humano, Stella. Hoje ele tem nove anos, precisa de ter uma
certa autonomia, entende? — suspiro indignada por estar recebendo
conselhos dele.
— Se eu falar que vou pensar, você vai me dar sossego?
— Talvez, se falar que vai pensar, me contar do que estava
falando, dançar comigo e me der um beijo. — Olho-o, desacreditada
— Tá bom, sem beijo em público.
— Vamos conversar, depois das festividades, e não vou
dançar com você.
— Por quê?
— Porque nos odiamos, seria no mínimo suspeito. Brigamos
o tempo todo. Não quero falação sobre minha vida pessoal pelos
pastos a fora.
— Você é impossível! — Ele passa seu braço, atrás de mim,
e toca minha bunda. — Mas sou paciente, e…
— Licença, Dona Stella, mas é a música que cê gosta, vão
dançá? — Valentino surge do nada em nossa frente, nos
surpreendendo, fazendo com que nos afastemos abruptamente.
— Que susto, Valentino! Vamos sim. Dá licença, Carlos. —
Deixo-o plantado ali, e vou até a pista com o capataz, quando olho
para Cadu, sinto até meus ossos queimar, tamanha fúria.
Danço com Valentino, e logo saio de seu abraço, passando a
dançar com meu pai, depois com Bruno. Como um pouco, converso
com algumas pessoas, em algum momento volto para a pista, e
danço com Luana, e depois Henrique, que vem sobre protestos,
mas ama fazer isso comigo.
Vejo Cadu sentando na mesa com Joca, Luana, Matheus e a
noiva. Ora ou outra, vejo-o dançar com elas, e uma vez com Cida,
que ri e se diverte nos braços do filho.
Quase uma da manhã estou exausta sentada próxima às
últimas chamas da fogueira, e me despedindo de Tião e a filha, que
agradecem pela festa, e friso que os aguardo para o almoço.
Com o som mais baixo, as risadas animadas dos dois casais
jovens se sobressaem. Olho-os e não vejo Cadu.
— Oi, gente — aproximo-me —, estão gostando da festa?
— Noooooó, demais da conta! — Joaquim responde, um
pouco alto, espero que o outro veterinário esteja sóbrio.
— Vocês viram o Cadu? — pergunto como quem não quer
nada.
— Uai, ele saiu tem um tempo, disse que ia no banheiro do
estábulo — Luana observa —, devia ir atrás dele, Joaquim.
— Eu vou, não se preocupem. Curtam a festa.
O que diabos, ele foi fazer lá?
A porta do estábulo está entreaberta, com um clarão que
denuncia a luz ligada.
Pé por pé, sigo até ele, fechando a porta atrás de mim.
Ouço um soluço bêbado dele, falando… sozinho?
Que ótimo! ambos veterinários estão bêbados.
— Ai, Lua — não, com a minha égua. Outro soluço — eita, tô
mal… — olho da esquina das baias, e vejo-o parcialmente
encostado em Lua, que está deitada, alisando sua crina. — eu amo
ela — meu coração dispara, e fico aguardando que ele complete
seu monólogo —, e isso é idiotice, não me julga. Minha situação é
tão feia, Luinha, que nem ligo do Rique ser filho do cuzão do
Leonardo, crio o menino…
“Quer dizer, ajudo a crescer né? O menino já tá grande —
outro soluço. Quanto ele bebeu? — Posso esquecer tudo, que
meses depois de eu ter perdido a virgindade, ela tenha transado e
gemido o nome daquele filho da puta, e que ele tenha engravidado
minha mulher — o quê? —, foda-se, passo pano pra ela, Lua, e o
Rique é metade dela, se eu tiver só isso dela, fico feliz já.
“Eu era um nada mesmo, se fosse pai do Henrique, como
que ia criar o menino? Não tinha um tostão furado — ouço-o
suspirar — que porra, só tinha dezoito anos na época. Mas queria
ser pai dele. — Vejo-o levantar a cabeça e sorrir para égua —
Henrique é um menino bom, carinhoso demais, não puxou a mãe,
nem o pai babaca, de onde vem a doçura do menino? — De você,
Cadu, de você!
“É triste demais, Lua, amar alguém e não poder ter. É
ridículo, porque só amei Stella, a vida toda, e agora? Me fodi.
“Sua vida é boa, Lua, não sei se você fica triste por não ser
racional, mas queria estar em seu lugar agora — ele suspira
tristemente —, será que um dia, vou tê-la para mim, ou viverei
sempre nesse limbo, buscando migalhas dela?
“Eu, EUUU, eu, chamei ela pra dançar. Sabe o que ela fez,
Lua? Me ignorou. Fingiu de égua. Cagou e andou pro meu pedido.
Sem ofensas. Mas foi só aquele carrapato chegar que Stella foi,
dançou com ele na minha frente, DEPOIS DE TER CONFESSADO
QUE JÁ SENTIU ALGUMA COISA POR MIM. Foi isso que eu
entendi, porque ela me chamaria estando com aquele merda?
Parece até obra do desgraçado do destino. Perdi a menina uma vez,
bem debaixo do meu nariz, e agora, veja, só. De novo esse caralho.
“Até quando isso?” — ele se cala por completo, adentro o
recinto, para saber se ele não dormiu, mas vejo-o que só se calou
mesmo, continua alisando a crina trançada da égua.
— Cadu, sobre o que você está falando? — Ele se assusta, e
me olha.
— Tô contando como minha vida é uma piada, e estou
fazendo isso para uma égua, sou patético.
Stella Macedo
Sento-me em sua frente, encostada na divisória da baia, e
espero que ele continue, mas só ouço os grilos, os remelexos dos
cavalos, a música abafada e baixa.
— Do que você estava falando, Cadu?
— Já expliquei, de como sou patético. Masvocê já conhece
essa história. Alías, você a protagonizou. — Ele dá de ombros —
Sabemos como termina, eu não fico com a garota. Hoje só me
lembrou disso, mas no passado perdi para um cara que tinha
dinheiro, agora? Ser trocado pelo capataz derruba minha moral —
Cadu soluça de novo. — Não que isso tenha a ver, salários,
funções, graus de escolaridade… é só que vocês nem combinam…
Não tem nada em comum. Bom, talvez seja o desempenho sexual
dele, e…
— Carlos, eu não sou sua para você me perder, e…
— Sei disso. Não precisa me lembrar. Posso ficar em paz
com meus devaneios bêbados? Só isso que estou pedindo, sei que
aparentemente me atentar é sua atividade preferida, Diaba, mas só
tenha piedade de um bêbado. Não é pedir muito, é? Cheguei aqui
primeiro.
— Não sou sua e de mais ninguém, além de mim mesma. —
Ele suspira, e concorda.
— Claro, você pode comprar suas botas sozinha. OUVIU
ISSO, IDIOTA? ESCUTE BEM, LEONARDO CUZÃO XAVIER —
Carlos grita olhando para cima. — ELA NUNCA FOI SUA, E
AGORA VOCÊ TÁ MORTO. Depois de ter dado um filho para ela…
MAS VOCÊ NEM ESTÁ AQUI! DESGRAÇADO. — Por que parece
que não estou entendendo essa história?
Minha mente anuviada de 21 anos não consegue se recordar
dos detalhes daquela noite estranha. Que porra.
Vamos lá, eu estava dormindo, acordei com ele socando
Leonardo, que estava de cueca. Por que ele estava de cueca?
— Cadu, do que você se lembra daquela noite?
— De tudo. — Ele se apruma, ajeitando-se para ficar mais
confortável na égua, que bufa por estarmos interrompendo seu
sono. — Nunca esqueci nenhum momento ao seu lado, Cruella, por
mais que tenha tentado. Passou-se anos e, em todos os lugares,
meus olhos sempre buscaram por você… Porra, uma vez eu vi
você. No mesmo dia que descobri a The Jungle. Não estava tão
bêbado para transar mostrando meu pau para geral, sabe? Mas te
vi, naquele hotel, linda como sempre. — Essa é a parte que conto
que não era uma ilusão?
— Então me conta o que você lembra daquela noite…
— Cruella, tenha compaixão de mim. Não basta você
esfregar macho na minha cara?
— Não esfreguei ninguém! — Quero desatar a falar, mas me
contenho. — Por favor, Cadu, me conta — peço, e dou um chutinho
no pé dele.
— Tá bem, o que é um peido para quem já está cagado? Eu
lembro que não tinha dinheiro na época para ficar indo e voltando de
Viçosa, mas era seu aniversário, então troquei uns turnos para
ganhar mais gorjetas, e vim. Sabia que não poderíamos comemorar
no dia, sabe como nossos pais são religiosos e estávamos na
quaresma, então queria te dar o presente antes. Na verdade, o
presente era um pretexto, estava doido de saudades de você.
Cogitei até mesmo dizer para seu pai que queria voltar pra cá, só
para ficar perto de você. Sei que ele não me negaria isso…
“Mas uma coisa era ele me auxiliar quando eu era um
moleque. Nessa época já ia fazer dezenove anos. Enfim, aproveitei
que não vi os carros nas garagens, peguei o pretexto, e estava
decidido a chegar, te tomar em meus braços, beijar sua boca, e
dizer que te amava, pediria também que você me esperasse, que a
faculdade passaria rápido — ele sorri, aquele sorriso que eu amo, e
me olha, balançando a cabeça como quem dissipa um pensamento
— mas aí tudo deu errado.” — meu coração dispara, sinto minha
boca secar de pura adrenalina.
— O que deu errado, Cadu?
— Eu cheguei, te chamei, e quem abriu a porta foi Leonardo
de cueca.
— Que porta? — ele revira os olhos e me olha.
— Do seu quarto. Quando perguntei de você, ele disse que
estava dormido, pois estavam aproveitando que estavam
sozinhos… — sua voz sai embargada, e vejo os olhos lacrimejarem
— que estavam juntos, ainda perguntou se você não tinha me
contado… Começamos uma discussão idiota sobre sermos amigos
que compartilhavam tudo, e não me lembro dessa parte em
detalhes, Stella, e acho que tentei tanto esquecer esse dia, que com
passar dos anos as lembranças tornam-se embaçadas… só me
lembro da porra do Leonardo falando, meu sangue fervendo, até
que ele me disse que você estava grávida dele.
— Dele? — Meu coração bate tão rápido que consigo ouvir
cada pulsar em meus ouvidos.
— Lógico, vocês estavam namorando, já contei essa parte.
Não acreditei em nenhuma palavra que ele disse, pois eu amava
você e minha Stella não faria isso. Sei que não fui o melhor dos
amantes nas primeiras vezes, mas sei que curtiu tanto quanto eu.
Insisti em conversar com você… — ele suspira — Aí ele jogou um
monte de coisas na minha cara, sobre eu ser filho da empregada,
preto, pobre…
“Coisas que eu já sabia, tinha espelho em casa, não tenho
problemas com a minha cor, pelo contrário a amo, e muito menos
ligava ou liguei para a profissão da minha mãe, sempre disse às
pessoas qual era, toda a vida foi um orgulho para nós dois que
tenhamos conseguido tantas coisas, e na minha cabeça a situação
financeira seria passageira, e foi. Sabe muito bem quanto ganho
hoje em dia, e é um bom dinheiro. Sei que nunca teria, nem terei na
verdade, o tanto de dinheiro que você tem em conta, mas a
faculdade me dava uma perspectiva de uma vida confortável, pelo
menos para comprar uma bota cara, vez ou outra… Enfim, fiquei
furioso, parti para cima dele, e aí caímos no seu quarto. O resto
você já sabe.”
Não, não faz sentido nenhum essa porra, Leonardo me disse
que Cadu deixou bem claro não querer o bebê. E o dinheiro que ele
deixou para trás?
Cadu está mesmo bêbado!
— Mas e o dinheiro?
— Que dinheiro?
— Você deixou trezentos reais para o aborto.
— Que aborto, Stella? Eu que bebo você quem fica tonta?
— Cadu, Leonardo me entregou trezentos reais, que você
deixou para que eu fizesse um aborto…
— Stella, larga de ser teimosa! — Ele se irrita — eu ganhava
isso por mês, como que deixaria todo meu salário para trás? Voltei
para casa porque consegui trocar a passagem, e mesmo assim foi
pelo atraso do ônibus que voltaria a Belo Horizonte — seu soluço
alto me assusta, pois mesmo que eu esteja escutando-o, minha
cabeça está girando, deixando-me tonta. — Mesmo que tivesse
esse dinheiro, o que não era minha realidade, acha mesmo que eu,
logo eu, pediria para que você fizesse isso? Nem se o filho fosse
meu, aliás, preferia mil vezes que Henrique fosse meu, pelo menos
teria certeza de que as coisas vividas por nós foram reais.
Puta. Que. Pariu.
Estou dormindo e esse momento é um sonho, algo entre isso
e um pesadelo, pois todas as coisas que ele acabou de falar não
são uma realidade, não a minha.
Será que essas coisas que ele está falando são verdade?
Não deve ser, ele está bêbado, tudo isso que ele está falando são
delírios alcoólicos.
Mas não dizem que os bêbados são sinceros?
É dor de cotovelo pela rejeição da dança?
Não, Stella, você conhece o Cadu, ele nunca brincaria ou
distorceria algo tão sério assim.
Mas e o Leonardo?
Lembro-me que Luiza desconfiou imediatamente sobre tudo,
isso… Ela tem memória de elefante. Preciso que ela refresque
minha memória.
Eu preciso pensar.
Porque se isso que ele está falando for verdade…
Porra, as coisas mudam completamente de sentido.
Qual a motivação de Leonardo para mentir para mim? Nós
éramos amigos, porra! A gente cresceu juntos, nós…
Ele sabia! Leo sabia que eu estava apaixonada por Cadu,
sabia que iria conversar com Carlos, falaria do bebê e dos meus
sentimentos.
Porra, Cadu sofreu racismo dentro da minha própria casa e
eu permiti que isso acontecesse?
— Então é isso, eu não fico com a garota no final. Pelo jeito
independente de quantos finais a gente chegue… — Cadu começa
a se movimentar, ficando de quatro — eita — ele diz quando sua
perna escorrega e o desequilibra —, quase cai. Essa posição… —
Cadu olha suas mãos e ri — tenho um amigo, Nicolas, prática
pegging, falou que é bom. Nunca fiz isso, não tive vontade. Mas sou
tão rendido por você, Diaba, que até meu cu eu te daria se pedisse.
— Ele começa a gargalhar da própria piada, apoiando-se nos
joelhos, usando Lua de apoio, e acaba escorregando no pelo liso.
Ponho-me de pé, e passo a ajudá-lo.
— Venha, vou te colocar na cama — e fazer essa história se
encaixar em meu cérebro, nem quepara isso ele fique liquefeito.
— Queria que você fosse pra cama comigo… Podemos
pegar meu esteto, sei que ficou interessada.
— Quem sabe quando você estiver em condições de
comandar seu pau?
— Ah, é só você me mostrar os piercings, eles fazem
milagres… Quando você os colocou, hein?
— Venha, Cadu, talvez você nem se lembre dessa resposta
amanhã, ou hoje, não sei.
— Verdade, sei que perguntarei outra hora.
Pareço estar dentro de um déjà-vu, mas ao invés de noite,
agora é dia.
Estou no mesmo canto que o Cadu me abordou ontem, ainda
sóbrio, porém, agora vejo-o sentado na grande mesa que fiz para
todos almoçarmos juntos.
Programei uma tenda grande, mesmo que seja inverno, para
cobrir toda a extensão da mesa.
Olho para meu celular, esperando que Luiza me responda.
Liguei para ela algumas vezes, e enviei mensagens, mas nada, já
estou começando a ficar preocupada.
Vejo toda a cena em minha volta, sem realmente enxergá-la.
O pessoal do buffet chega com as grandes travessas com
comida para pôr a mesa, Henrique levanta do seu lugar, e vai até
onde Cadu, de ressaca, está conversando com o mesmo grupo de
ontem. Carlos desvia a atenção dos amigos, vira-se para Henrique,
interagindo com ele.
A cena causa-me uma ambiguidade que nunca senti na vida.
Eu sempre fui uma pessoa decidida, então, sentir-me assim,
é uma novidade.
Rique gargalha de algo, em seguida abraça Cadu, e lhe
entrega um embrulho… Um bem parecido com o que meu pai
também ganhou, a lembrancinha de dia dos pais que ele produziu
na escola.
Sinto a lágrima que escorre pela minha bochecha, e a
enxugo.
Tantas possibilidades rondam minha mente nas últimas
horas.
Se deixei Henrique crescer sem um pai, como me perdoarei
por isso?
Quando Cadu abre o presente, sorri para Henrique e o
abraça, ouço meu próprio som de choque com a cena.
Conversam por uns minutos, até que Carlos aponta para
mim, em seguida Rique corre em minha direção, e me abraça,
encostando sua cabeça em meu abdômen.
— Oi, meu amor, do que se trata isso?
— Cadu disse que a senhora estava triste, e que um abraço
cura tudo. Ainda tô bravo pelo cavalo, mas não consigo deixar de te
amar. — Sorrio e beijo o topo de sua cabeça.
— Ainda bem, fico feliz com isso. Você pode desculpar a
mamãe por gritar?
— Depende, posso ganhar o pônei que o Cadu comprará de
presente de aniversário?
— Carlos quem pediu para você me perguntar isso? —
Henrique ri, e concorda. — Filho da…
— Mamãe, não pode falar palavrão!
— Cida, filho da Cida. Podemos conversar e estabelecer
regras quanto a isso depois da festa?
— Mas eu posso? Mãe, é um presente, Cadu disse que não
posso recusar um presente, é falta de educação.
— Estou perdoada?
— Posso ganhar o pônei?
— Você sabe que não podemos negociar desculpa com
chantagem, certo?
— Sim, mas Cadu disse que sempre funciona com você.
— É, ele me conhece bem demais.
Aparentemente eu que não o conheço.
Stella Macedo
Como todos os anos, meu pai faz um discurso rápido sobre
como é importante esse momento, que minha mãe adoraria estar ali
e compartilhar conosco todas as conquistas. A única diferença é que
esse ano conseguimos de certa forma, consolidar nossa área
médica melhorando a qualidade de vida e tratamento dos nossos
animais, por isso agradeceu a Joaquim e Cadu, que recebeu um
agradecimento a mais por conseguir a licença esperada há tanto
tempo, ele tornou oficial a contratação de Luana, pois ela não só
nos ajudou a conter a praga na plantação de milho, como melhorou
a safra em treze por cento.
A festividade segue até pouco depois da refeição, e logo
todos começaram a se recolher, para passar o restinho de domingo
em família, ou só fazer o quilo após o almoço[19].
— A senhora precisa de mim? — Valentino se encosta na
árvore próxima, e me come de cima a baixo com os olhos.
— Não, pode curtir sua folga, vou ficar por aqui mesmo,
qualquer coisa eu cuido.
— Matheus tá aí de plantão, num é isso que tô perguntando.
— A última coisa que eu preciso agora é dele me rodeando.
— E eu estou respondendo que não preciso.
— Isso tudo é…
— Não é nada, que porra, tô cheia de serviço. Não sabe o
significado de não?
— Mãe, mãaaaaae, mãaaaae, — Henrique surge enérgico,
pulando em mim.
— Passar bem — ele me diz rudemente, se vira e saí.
— Calma filho, o que foi?
— Meu vô disse que vai me levar para escolher meu presente
de aniversário hoje, vou trocar de roupa, tá bom? VOU NO
SHOPPING!
— Seu avô é terrível, Henrique. Tome banho.
— Mas mãe… — Olho-o com os olhos semiabertos, ele sorri
moleque, e corre para se aprontar, abraçando meu pai que o
encontra no meio do caminho.
— Tella, vou aproveitar que tá cedo e levar o menino pra
passear.
— E estragá-lo, dando-lhe mais de um presente de
aniversário, eu sei. Henrique veio todo serelepe me contar. Já que é
assim, vou na gruta. As coisas estão tranquilas por aqui.
— Não fica até tarde, sabe que lá é escuro.
— Sim, pode deixar Seu Vicente. — Beijo seus cabelos
grisalhos, e vou em direção ao meu carro, esperando que Nossa
Senhora me dê uma luz diferente na vida.
Não sei há quanto tempo estou olhando a imagem em minha
frente sem conseguir descrever o que eu quero diante a
proclamação da minha fé.
O que eu quero, de verdade?
Redenção?
Solução?
Bênção?
Milagre?
Minha mãe sempre me dizia quando íamos a missa, que
deveria sempre chegar diante a igreja, santíssimo ou durante uma
oração, prostrar-me e pedir o que eu precisava, pois nem sempre o
que queremos será bom para nós.
E estou há uma hora aqui, vendo a imaculada imagem de
Nossa Senhora de Itaúna, tão serena, calma e benevolente, e não
sei como ou o que pedir.
Saio da gruta, aproveitando a tardezinha, e sento-me no
primeiro banco, colocando meu chapéu ao meu lado, apoio meus
cotovelos nos joelhos, e baixo a cabeça, buscando só acalmar meu
coração.
Passam-se minutos ou horas, até que sinto meu celular
vibrar.
Minha Nossa Senhora, uma pessoa não pode nem querer
acertar as contas com o céu em paz.
O nome da última pessoa que quero confrontar agora
aparece. Cadu.
Recuso a chamada, e volto a minha prece.
O celular volta a vibrar.
Oh demo… Desculpa!
— Oi, Carlos Eduardo? — sussurro — estou na…
— Stella, preciso de você aqui agora! — Ouço barulhos de
fundo e mal consigo entendê-lo
— O quê? Cadu estou na…
— Fogo, Stella, corre pra cá! — Ouço algo parecendo
sirenes, e meu coração dispara. — Onde está o Henrique? — Fico
apática e não o respondo — STELLA! ONDE ESTÁ O HENRIQUE?
— Com meu pai, eles estão em Divinópolis.
— Tudo bem, agora preciso que você venha para casa,
consegue dirigir? Onde você está?
— Na gruta. Chego aí em uns minutos.
Quando estou na estrada para a minha porteira, já consigo
ver a fumaça subindo, mesmo faltando cerca de três quilômetros
para chegar.
O caminho que é relativamente curto, se prolonga pois a todo
momento tenho que encostar para que os caminhões de bombeiros
passem.
Quando paro Tereza Cristina sem estacionar, vejo o caos
diante dos meus olhos. Os bombeiros estão começando a tentar
conter o fogo do milharal, que já chega na plantação de sojas, que é
bem próximo de onde Cadu e Joaquim montaram o que eles
nomearam de “Maternidade”, pois estão tratando e cuidando dos
recém-nascidos lá.
Vejo alguns colaboradores puxando baldes das cisternas,
Cadu, Joaquim, Luana e Matheus, estão nas pontas jogando baldes
de água para cima das chamas imensas, e parece ser um trabalho
de formiguinha.
Quando vou passar, o Tenente do corpo de bombeiros me
para, e vejo bombeiros se aproximando de onde termina a corrente
humana, e começam afastando todos.
— A senhora é a proprietária daqui? — O Tenente que não
conheço pergunta.
— Sim… quer dizer o meu pai é, ele está fora, deve chegar a
qualquer momento.
— Tudo bem, preciso que a senhora e seus colaboradores se
afastem das chamas e deixem minha equipe trabalhar. OK? — eu
assinto. Da mesma forma que quero me movimentar e tirar Cadu de
perto das chamas, pois ele é o primeiro, e um medo colossal me
toma.
Nunca desejei mal a ele, e agora, com que sei, jamais me
perdoaria se algo de grave acontecessea vida dele, ainda mais
comigo estando estagnada só vendo a desgraça diante dos meus
olhos.
— Stella? — Dante, o Sargento da Polícia Militar me chama.
Morar em cidade pequena é todo mundo conhecer todo mundo —
Como aconteceu isso? Preciso abrir um boletim de ocorrência.
— Eu não sei, acabei de chegar, vim porque me ligaram.
— Quem te ligou?
— Cadu, o veterinário.
— Preciso do relato dele. Quem é ele? — Aponto Cadu, que
está sendo atendido pelo resgate do corpo de bombeiros, que
coloca uma máscara de oxigênio nele.
Apresso-me até lá, deixando Dante para trás.
— Está tudo bem? — pergunto me aproximando.
— Atendimento padrão, moça, ele estava frente a frente com
a fumaça e alta temperatura — a bombeira passa uma manta
térmica em volta dos ombros dele, e vejo o mesmo sendo repetido
com todos que estavam presentes ali.
— O que aconteceu? — pergunto assim que a bombeira
termina, e passa ao próximo atendimento. Cadu está suado, tem
fuligem no cabelo, e tosse antes de responder.
— Eu estava na minha sala fazendo o planejamento para o
pasto de búfalos. Foi tudo muito rápido… — ele sente falta de ar, tiro
a máscara da mão dele, e coloco-a de volta na boca e nariz.
— Respira, se acalma. — Tiro o que consigo de fuligem dele,
mas não tenho muito sucesso, irá precisar de um banho. Cadu,
pega a minha mão e afasta dele.
— Stella, escuta o que eu vou falar — ele me puxa para baixo
— Eu senti um cheiro muito forte de álcool, levantei da minha mesa,
e quando cheguei na porta do celeiro, houve uma explosão. Isso
não é fogo de cerrado[20] comum para agosto, alguém fez isso.
— Cadu, isso é muito sério. Por que alguém faria isso?
Movido a quê?
— Você não consegue ver uma conexão com tudo isso? Você
é inteligente. Outro dia Joaquim falou que iria trazer uma benzedeira
pra cá. A gente riu, e passou… Mas se a gente for analisar, é
estranho, Stella. Pensa. Praga nos milhos, as mastites por
contaminação de pasto, ainda teve aquela desgraça da água
envenenada, Stella, que quase matou os Angus, e alguns frangos
vieram a óbito.
— Cadu… — começo a pensar sobre, e relembro de cada
vez que as coisas deram errado, porra… Ele pode estar muito certo.
Há anos papai tenta comprar esses búfalos. E sempre algo
dá errado.
Meu Deus, se isso for verdade, caralho… Tem muito tempo
isso.
Não, não faz nenhum pouco de sentido, mas ao mesmo
tempo faz todo sentido.
Carlos tosse, e eu volto com a máscara para seu rosto.
— Presta atenção, se isso é verdade, não é algo novo. Já era
para estarmos reproduzindo e comercializando os búfalos, antes
mesmo de termos ido para a faculdade. — Cadu tenta tirar minha
mão, mas eu bato na dele — e se isso for verdade, alguém da
fazenda está por trás disso. — Vejo seus olhos se arregalaram, e
conhecendo-o, posso ver as engrenagens girando em sua cabeça.
— Precisamos agir com inteligência, e calma. Talvez, aqui não seja
o lugar apropriado para fazermos esse boletim. — Ele assente, e
afasta a minha mão.
— Mas Dante logo perguntará. O que vamos fazer?
— Para Dante, falaremos que você irá amanhã prestar
depoimento, e…
— O Joaquim e a Luana também viram, eles estavam se
ajeitando para irem para casa. Possivelmente Matheus também, ele
saiu na porta do estábulo pouca coisa depois de mim. — Cadu
demonstra cansaço.
— Para de tirar a porra da máscara. Só escuta. Faremos
então diferente, sentaremos nós cinco, meu pai não precisa saber,
iremos entender o que aconteceu, no meu escritório a portas
fechadas. Amanhã cedo, prestaremos o depoimento na polícia.
Luana deve conhecer algum perito ambiental, e vou contratá-lo de
forma particular para ser mais rápido que o laudo dos bombeiros, e 
saberemos se foi e qual foi o inflamável. Para todo o restante,
diremos que é um fogo comum de cerrado que se descontrolou,
entendeu? — ele concorda.
Passo os meus olhos ao redor, vendo que os bombeiros
trabalham ferreamente, mas o fogo se alastra com a ventania de
agosto.
Meu pessoal já está sendo atendido, vejo o carro do meu pai
despontando na estrada, ao mesmo tempo que ouço os miados
agudos.
Cadu parece ouvir o mesmo que eu, pois levanta-se, e passa
a procurar o barulho.
Olho para a porta da maternidade, e vejo os filhotes de
Abelhinha correndo.
Porra, o que eles estão fazendo lá?
A Mangueira que tem na porta está em chamas, ouço a voz
de Henrique chamando-me, fazendo com que eu me lembre o
quanto ele faz pelos filhotes.
Sem pestanejar corro para a porta do lugar para pegá-los.
— STELLA. PORRA STELLA, PARA. — Ouço os gritos de
Cadu entre tosse.
Tudo acontece muito rápido, adentro o cômodo, verificando
quantos estão por ali, e vejo só três filhotinhos.
Como eles vieram parar aqui? Cadê a mãe, e o restante?
Coloco-os na minha blusa com o máximo de agilidade que consigo,
quando estou saindo, sinto um calor muito próximo, e quando olho
para cima, um galho grosso da Mangueira pegando fogo ameaça
cair sobre mim.
A cena, em câmera lenta, se desenrola em minha frente e ao
invés de salvar os gatos, irei morrer com eles, é então que sinto um
empurrão, lançando-me alguns passos a frente, fazendo-me cair.
Tento proteger os filhotes, evitando cair por cima deles, torço
o corpo e vejo uma sombra lá dentro, ao mesmo tempo que o galho
que cairia em minha cabeça, atinge minhas coxas e abdômen
expostos, e arde como o inferno.
— Puta que pariu! — Cadu chega ao meu lado, puxando-me
para trás pelas axilas — você está querendo morrer porra? Na
frente do seu filho ainda?
— Mãe? Eu quero minha mãe! — escuto longe a voz de
Henrique.
— Os gatinhos… — tento falar, e absorvendo o que
aconteceu.
Não estou doida, vi um vulto, senti o empurrão.
— Eles estão aqui, mas é melhor não olhar sua barriga. Está
sentindo dor?
— Tá ardendo para um caralho! — quando termino de falar, a
bombeira com uma cara nada feliz se aproxima, e me preparo para
o esporro.
Cadu Vieira
— Posso entrar? — pergunto na porta de seu quarto.
— Já tá com o corpo todo aqui dentro, Carlos Eduardo — ela
resmunga. Conviver com Stella já não é fácil em dias normais, lidar
com ela acamada é sinônimo de desgraça.
— Tomou banho, trem?
— Hurrum — grunhe
— Fico só com a parte chata de cuidar de você então? Nada
de banhar a paciente?
— Tá fazendo isso porque quer, posso muito bem fazer
sozinha. — Tem três dias que passo em seu quarto de manhã e de
noite para fazer assepsia correta, aplicar a pomada antibiótica e
acompanhar a evolução da queimadura que ela tem no abdômen e
no início da coxa onde o galho a atingiu.
— Se você fosse prudente, não estaria nessa cama. Larga de
ser ignorante. Apruma o corpo, quanto antes eu acabar, mais rápido
vou embora. — Revirando os olhos, se ajeita meio inclinada nos
cinco travesseiros que minha mãe trouxe para ela, enquanto lavo as
mãos e pego as coisas para começar meu trabalho.
— Como está minha fazenda?
— Tudo fluindo do jeito que dá. Hoje as coisas começaram a
andar mais, as plantações já eram, mas, a produção de leite e
bovinos está a todo vapor, o espaço dos búfalos está com a cerca
completa, amanhã começam as instalações de cobertura,
bebedouros e comedouros. — Calço as luvas e começo a fazer a
limpeza do lugar, abaixando o elástico do short que está usando.
— Eu devia estar acompanhando isso de perto.
— E pegar uma infecção? Acho que você não quer uma.
Quanto mais rápido sua cicatrização acontecer, mais rápido pode
voltar ao trabalho. Precisamos começar a investigação sobre o
incêndio.
— Eu sei! Por isso essa queimadura idiota só atrapalha.
— Stella, são só sete dias — digo analisando a ferida limpa,
acompanhando a descamação completa da pele — e a cicatrização
está ótima. Esses primeiros dias são essenciais para que se
recupere. É incomodo ficar completamente vestida, o tecido em
atrito com aqui iria te incomodar, atrapalhar a cicatrização e como já
falei tem as infecções.
— Achei que você era veterinário…
— Uai, estou cuidando de uma vaca, não vejo diferença —
sinto o vento do travesseiro passar por cima da minha cabeça
quando abaixo para não ser atingido. Rindo começo a espalhar o
antibiótico na ferida.— Não posso exercer medicina humana, mas
sei como os mamíferos funcionam, então é só aplicar ciência. E
qualquer um poderia cuidar disso, mas seu pai está surtado com
burocracia, e minha mãe desmaia só de ver a pele rosada exposta.
— Como eu mesma já disse, poderia cuidar disso.
— Claro, com toda delicadeza que você tem. — Stella
grunhe, e desiste. Na verdade tem três dias que desistiu de discutir
comigo, seu pai e minha mãe. — Não era assim que me imaginei te
passando pomada.
— Você já pensou sobre isso?
— Claro. Mas na ocasião era uma pomada para assaduras
íntimas — pisco para ela.
— CAR…
— Oi, mamãe, cheguei com a comida! — Sou salvo por
Henrique que entra com uma bandeja na mão. Com cuidado, ele a
coloca sobre a cama de Stella, e se aproxima de mim — Oi, Dudu,
como está nossa paciente hoje?
— Mal-humorada.
— Ôh mãezinha, não pode brigar com o médico, se não cê
não sara — ele se aproxima e beija a bochecha dela, e é possível
ver quando ela derrete nas mãos infantis dele —, como vou ter festa
de aniversário assim?
— É com isso que está preocupado? — ela pergunta
beijando seu cabelo.
— Não, né? — revira os olhos como ela faz — Quero minha
mãe de volta, só isso. Hoje vou te contar uma história para dormir,
vou lá no meu quarto pegar o tablet. Já posso trazer os filhotes,
Dudu? — Henrique vem dormindo com a mãe todos os dias, porém
é um sacrifício para ele dormir sem seus gatinhos e cachorros, mas
a lesão ainda está aberta demais para ter contato com pelos.
— Ainda não, quando puder te aviso.
— Cê fica com ela, até eu tomar banho?
— Claro, sua mãe vai adorar! — brinco com ele, ainda de
cabeça abaixada terminando de cuidar da queimadura, até que sinto
seus braços me rodearem, e um beijo na minha bochecha.
— Obrigado por cuidar da minha rainha, Dudu, amo você! —
Tão rápido quanto o toque chega, ele se vai, com um Henrique
saltitante indo para o banho.
Olho para Stella, e ela está tão estática que mal sei se ela
respira.
— O que foi?
— Nada.
— Stella…
— Cadu, acho que estou com dor, pode me passar o
medicamento e apagar a luz?
— Claro — descarto as luvas, e lhe entrego o comprimido.
— Amanhã de manhã quando passar não esquece seu
passaporte, estou finalizando o planejamento da viagem para o
Texas.
— Sim, senhora.
— Bom dia! — Joaquim me entrega uma caneca esmaltada e
empurra a garrafa de café em minha direção.
— Dia.
— Que cara é essa de cachorro que peidou no velório do
padre? — Torço a cara para ele.
— Isso que você disse não é um ditado popular.
— Mas esse contexto parece pior do que só soltar
flatulências na igreja. Que desrespeito existe nisso? Enfim, abra seu
coração menino, Carlos Eduardo.
— Stella está estranha.
— Meu amigo, a patroa é estranha. Seja específico.
— Ela anda retraída, não está me atacando, estava doida
para voltar a trabalhar, e agora que pode está enclausurada dentro
daquela casa, não sai do escritório nem por reza braba, está
realizando um sonho, que é produzir os búfalos e está
extremamente quieta com isso, e não quer fazer a festa do
Henrique. — Enumero nos dedos todas as formas que ela está
esquisita.
— E você está falando isso baseado em seu conhecimento
específico em Stella Dias Macedo, que eu não sei exatamente de
onde vem… — suspiro com a curiosidade dele velada de
indiferença.
— Você é um fofoqueiro.
— Ah, sim… Eu. Você me atormentou até te contar sobre a
Luana. — aponta o dedo para mim. Sorrio para ele, balanço a
cabeça e ligo o computador em nossa mesa.
Estou cansado, exausto na verdade.
Sinto-me entalado, guardando dez anos de coisas que sinto
por ela. Nem mesmo Nicolas, quem confio minha vida sabe dessa
história.
Tenho vontade de falar sobre isso com alguém. — Talvez
Joaquim sirva.
Tudo isso. O passado, o presente e até mesmo as projeções
futuras.
De uns tempos para cá vem sendo insuportável fingir que não
tivemos e nem temos nada.
Até porque nem mesmo sei se existe algo.
Stella e eu somos resultado de uma constante explosão, e
como bem sabemos, explosões não são seguras e duram
segundos.
Aqui não seria diferente.
Somos raiva, tesão, depois mais raiva, sexo brutal, molhado,
de gemidos altos demais, orgasmos sensacionais e aí mais raiva.
Pois toda combustão é assim, rápida.
Mas a queima é lenta. E é isso que sinto nesses últimos
meses.
Estou queimando a cada dia em sua presença constante.
Nós — e essa palavra não deveria ser aplicada — parecemos
ser atraídos um para o outro, nos orbitamos o tempo inteiro, mesmo
quando não precisamos, parece que o universo anda conspirando
para que nos encontremos.
Seja para coisas importantes, como o incêndio na fazenda,
ou coisas cotidianas, como nos entrever várias vezes ao dia por
simplesmente passarmos um pelo outro.
Mas o fato é que sinto-a distante, como se tivesse medo de
mim.
E isso anda me matando!
O único risco que ofereço a ela, é de beijá-la longamente ou
dá-la orgasmos maravilhosos.
Será que ela está desconfiada de mim?
Não, não faz sentido, as coisas estranhas nessa fazenda
começaram a acontecer, aparentemente, quando éramos
adolescentes ainda.
— Não precisa falar, se não quer. Só quero que saiba que
sou seu amigo e se precisar de conversar estarei aqui.
— É complicado demais, Joaquim, é só isso. Stella foi meu
primeiro tudo — começo a narrar — Foi a primeira mulher que fez
meu coração acelerar, a primeira que beijei, foi a primeira mulher
que transei, mas também foi a primeira que partiu meu coração.
Pensei que dez anos seriam o suficiente para relevar tudo que
passamos juntos. Afinal éramos jovens movidos pelos hormônios,
afoitos pelas descobertas dos corpos que estavam mudando… Mas
adivinhe só minha surpresa ao chegar aqui e ser recebido por uma
avalanche de recordações e sentimentos esquecidos? É uma
merda. Uma merda gigantesca!
— Porra, Caduzinho, isso é…
— Ridículo.
— Sensacional.
— Sensacional?
— Cara, você não consegue ver a grandeza de tudo isso que
me disse? Pior, não consegue ver onde estão agora?
— Por favor, não faça metáforas indulgentes como a Márcia
Sensitiva, fala logo, porra.
— Cadu, em momento nenhum você relevou as coisas que
viveram. Não consegue perceber? Para mim simplesmente parece
que pegou todos seus sentimentos, fossem eles quais eram: amor,
tesão, paixão, raiva e aparentemente um rancor, e encaixotou tudo.
— Minha língua, Joca, fala ela por favor.
— É como se tivesse se mudado, colocado uma caixa escrito
“para doação”, mas de fato nunca tenha tomado as devidas
providências para essa caixa, e ao longo dos anos, você só
acumulou mais coisas nela, e agora precisa tomar uma decisão
quanto a pilha de itens transbordando. Ou você doa essa merda e
esquece que um dia teve essas coisas, ou abre a caixa, lava, limpa,
separa de novo, e vai viver.
— Vai pra porra, Joaquim, você e essa caixa. — Ele
gargalha, sentando-se na maca. — O que você quer falar com todas
essas coisas?
— Cara, você não enxerga a magia? Não consegue ver a
beleza nisso tudo?
— Não, eu não consigo.
— As coisas que você sente por ela são transcendentais.
Pensa um pouco, quantas mulheres você teve depois dela?
Quantas bocas beijou? Em quantas camas estranhas você
acordou?
— E daí?
— E ainda assim você se sentiu incompleto. Ainda assim
sentiu falta de algo. Estou errado?
— Só cala a boca.
— Ótimo, estou certo. E você está aqui e agora, o que te
impede de tomar rédea dos seus sentimentos, e fazer dela sua para
sempre?
— Você está se ouvindo? Está parecendo Alex Hitch, O
Conselheiro amoroso. — Sua gargalhada alta toma a sala, me
fazendo acompanhá-lo.
— Sou mais bonito que o Will Smith — pisca para mim —,
mas não retiro nada que eu disse. Acho que sentindo tudo isso,
você deveria escutar seu coração, organizar a bagunça de vocês e
definir as coisas. Ou vai chegar aos quarenta anos de luto por tudo
aquilo que vocês não tiveram?
— Ouvir meu coração? — coloco o esteto no peito, e
Joaquim mostra o dedo do meio para mim — ele diz tum-tum,
Joaquim é um idiota. 
— Cadu…
— Nem vem, chega desse papo de cartomante charlatona,
pelo amor de Deus e Nossa Senhora, Joaquim. Ouçaseu coração,
blá-blá-blá. O coração é um órgão, feito exclusivamente para
bombear sangue ao corpo. E acabou. O máximo que podemos
escutar são as bulhas cardíacas. Agora, vamos trabalhar.
— É assim que eu gosto de ouvir. Pois o tombo é épico.
Posso ser seu padrinho de casamento?
— Não terá um casamento! E se tivesse, Nicolas está nessa
fila antes de você.
— Pode-se ter até seis padrinhos na cerimônia religiosa.
— Cala a boca. Conhece alguém que organize festas de
aniversário?
— Tem a Thayná, filha da Margarida que faz salgado para a
padaria do Gustavo, por quê?
— Uai, se Stella não vai fazer a festa para o filho dela, eu
faço.
— Cadu…
— Só me passa o contato dela, tá?
Cadu Vieira
Puta que pariu.
Fazer uma festa dá um trabalho do caralho.
Todas as mães vão direto para o céu, certo? Elas têm cadeira
cativa lá?
Quer dizer, as mães boas. Pois existem mães ruins.
Porque se não forem, cara, é um pecado.
Contratei a moça que Joaquim indicou, e meu celular não
para.
Quantidade de crianças;
Cor do balão;
Sabor do bolo;
Decoração;
Quantos brigadeiros? Beijinhos? Cajuzinhos?
Alguma criança tem intolerância à lactose? É diabética?
Alérgica a ovo?
Estou nessa há quinze dias, quinze!
E isso não é o pior… O aniversário é amanhã à tarde, e eu
ainda não contei para Stella.
Mas em minha defesa, Cruella está estranha.
MUITO ESTRANHA. — Joaquim insiste em dizer que é
porque ela sente o mesmo por mim, mas não sabe demonstrar.
Como se fossemos inversos como no filme “Se Eu Fosse Você”.
Cada coisa que tenho de ouvir.
Ela não está nem mesmo brigando comigo.
— CADU! — retiro o que eu disse.
— Oi? — tiro o esteto do ouvido, e passo a acariciar o pelo
caramelo de Milk, que dá sinais de trabalho de parto.
— Carlos Eduardo, eu vou perguntar uma vez, o que porra é
aquela caminhonete descendo com uma carrocinha acoplada? Me
diz que não é o que estou pensando…
— Não é o que está pensando. Bem, se estiver pensando
que é um pônei, você está certa.
— Eduardo, em que momento você me ouviu dizer: compra a
porra do pônei?
— A porra em nenhum momento, nem o pônei, mas quem
cala consente, pensei que já estivesse certo isso. Até porque
conversamos sobre aulas de equitação, achei que você estava
esperando a chegada do pônei.
— Você está pensando seguir uma carreira no stand up? Não
vai dar certo! Porra, Carlos, eu acho que você gosta de ser xingado
por mim, não tem condições! — ela coloca as mãos nos longos
cabelos pretos que amo juntar, segurando-os para cima, começa a
rodar no meio da minha sala.
PUTA DA VIDA é o status atual dela.
— Stella, essa seria uma boa hora para falar que amanhã às
dezessete horas temos a festa de Henrique para recepcionar?
— O QUÊ?
— Qual é, Stella? Rique estava quase aguando pela festa,
ele me contou que ama fazer aniversários. Poxa vida, não é como
se ele fizesse dez anos todos os dias.
— Carlos. Eduardo. Eu tenho um possível psicopata/inimigo
que colocou fogo na fazenda, e você se programou para trazer
quinze crianças pra cá?
— São vinte e cinco.
— PUTA. QUE. PARIU. — Ela coloca as mãos na cintura, e
me olha de cima a baixo, e morde os lábios, numa clara
demonstração que está se segurando para não gritar de novo.
— Stella, calma, deixa eu te explicar…
— Como você pôde fazer uma coisa dessas, Cadu? Por que
diabos se meteu nisso? Tem como me responder qual é a sua
motivação para isso? Henrique já teve inúmeras festas, ele poderia
passar esse ano sem uma. E agora vou sair como a Cruella da
história, pois eu disse não todas as malditas vezes que ele pediu a
festa.
— Preciso de uma motivação?
— Precisa, Cadu!
— Olha, Stella, sei que Henrique é seu filho, você já berrou
isso aos quatro ventos, mas eu gosto da criança, o que posso fazer
se seu filho é encantador? — Stella, solta os braços e continua me
olhando, engolindo em seco. — Nunca tive uma festa de
aniversário, você sabe disso, e ver a carinha dele por não ter
também, partiu meu coração de manteiga. — Percebo quando a
desarmo. Ela coça os olhos, esfrega as mãos no rosto, desistindo.
— Ah, e tem policiais para tudo quanto é lado aqui, acho difícil
alguém tentar algo agora.
— Carlos, olha… Me fala o preço disso tudo, e…
— Não foi nada, é presente.
— Carlos, têm um pônei descendo da carrocinha, então por
favor, não me irrita mais, e me fala o valor. — Ela aponta para o
quintal, voltando a ficar vermelha de raiva.
— Vamos começar a discutir sobre isso, sério mesmo?
— Vamos, pois você claramente não tem senso! Eu sei
quanto custa um pônei. Você… você tem menos juízo que meu pai!
E ele deu um cartão de crédito para uma criança! Mas o que eu
deveria esperar de você? Gasta seu salário nessas roupas ridículas,
que custam um absurdo! Por favor, não vamos prolongar isso. Fala
o valor! — aproximo-me dela, e deixo-a olhando para minha boca.
— Talvez nem custe tão caro, a Thayná, a dona do bufê, me
deu um desconto.
— Um desconto?
— Sim.
— Eu faço festa com ela há anos, ela nunca me deu um
cento de docinhos.
— Sabe como é… Ela disse que sou muito bonito, achou
impressionante meu trabalho como veterinário, ajudei ela com o
parto da sua pinscher esses dias, e aí ela me deu um desconto. —
Stella sacode a cabeça desacreditada.
— Como é que é? Não acredito! Você trocou favores sexuais
na festa do meu filho? — Estamos tão próximos que consigo sentir o
calor de seu rosto, passo meu estetoscópio atrás de seu pescoço
esguio e sorrio.
— É, Luan Santana já falou: Se tu não pegar. Suas amiga'
vão pegar. Se tu não beijar. Já tem fila pra beijar no teu lugar. Não
concorda? — provoco.
— CAR… — Puxo-a para mim com o esteto, adentro sua
boca com avidez, fazendo-a ceder para minha fome, despejando
todo o desejo que sinto por ela simplesmente existir.
Quando ela se entrega, solto o esteto e a seguro pelo
puxador da calça, não deixando nenhum espaço entre nossos
corpos.
Que saudade dessa boca.
Mordo seus lábios grossos com pressão até ouvir um gemido
baixo da sua boca, e quando meu pau começa a endurecer, me
afasto, dando selinhos nela, por fim mordo seu queixo.
— Eu não fiz isso. Parece que você não me conhece, Tella.
Só existe uma pessoa que anda tendo meus beijos e outras coisas
mais — pisco para ela, que balança a cabeça em descrença pela
minha fala. — Se te faz mais feliz, e prolonga a sua vida, evitando
um infarto por raiva, mais tarde vejo o valor total e te passo, metade
do valor, vou pagar o restante.
— Cadu… — fala tão contida que não parece minha Stella.
— Não está aberto a discussão. — Mordo seu queixo bonito
de novo, e ela dá um tapinha no ombro — Se você soubesse como
fica mais linda e gostosa quando fica brava, e o quanto isso me
deixa excitado, se controlaria mais, Diaba.
— Olha Carlos, muita coisa está acontecendo agora, mas nós
precisamos conversar o mais breve possível, e…
— CADUUUUUUU, QUEM VAI… — Joaquim adentra nossa
sala, gritando e Stella me afasta. — Desculpe, não queria
atrapalhar, mas a moça quer saber quem vai assinar o recibo do
pônei.
— Eu vou lá, depois a gente continua. — Stella se apressa
em sair, deixando-me com Joaquim, e quero enfiar meu
estetoscópio no cu dele.
— Cara, me desculpa, eu…
— Quer me foder, me beija, Joaquim! Filho da….
— Ow, nada de falar das mães. Milk vai ou não colocar esses
bebês para fora? — Ele se aproxima acariciando a cachorrinha.
— Eu vou examinar o pônei, e ver o cartão de vacinação.
Fica aqui com ela.
— Arrã, sei muito bem onde você está querendo colocar sua
injeção.
Sabe em “Esposa de mentirinha” quando Adam Sandler entra
naquele playground com os filhos de mentira?
Sempre adorei essa parte, e ri horrores.
Mas não é legal.
Nenhum pouco.
O desespero é palpável na minha cara, pois minha mãe
chega até mim, e tira Rebeca, a filha de Gracinha, que tem dois
anos, dos meus braços quando ela começa a se retorcer fazendo
pirraça.
E Henrique ainda não chegou com Stella.
E a festa “começou” a menos de meia hora.
Ontem após receber o pônei, só voltei a ver Stella a noite na
mesa de jantar, logo depois só uma mensagem pedindo o valor e os
dados bancários.
Ouvi ela falandocom o pai sobre a festa antes de Henrique
se juntar a nós na mesa, e Seu Vicente rindo, falou que já sabia, o
rosnado de raiva dela me excitou. Seus dizeres sobre como estava
se sentindo traída e péssima fez-me sentir um pouco mal, então
combinamos de falar que ela ajudou em tudo, e era surpresa.
O tema de cavalos fez a decoradora montar uma minifazenda
na grande varanda da casa, e no terreiro colocamos um touro
mecânico para as crianças.
 
 
Gargalho sem perceber minha plateia.
— Deu injeção, Cadu? — Joca debocha.
— Vai se foder.
— Owa! — Luana reprova meu linguajar, e aponta as
crianças.
Porra, acho que isso não foi legal.
Ficamos em silêncio, pelo menos eu peço, mas ninguém
obedece, são vinte e cinco crianças, pelo amor de Deus,
aguardando Henrique chegar.
No minuto que ele entra, todos gritam surpresa, e o faz dar
um pulinho de susto.
Henrique abraça a mãe, e lhe fala alguma coisa, ela
responde algo que a faz chorar e engolir em seco, em seguida
aponta para mim, e então sou seu alvo.
Stella está linda, como sempre, usando uma calça jeans, bota
de cowgirl branca, cinto marrom com uma fivela larga, um corset
branco deixa as laterais do quadril à mostra, mas ao mesmo tempo
elegantemente tapadas por um blazer caramelo, a pequena gravata
com broche grande dão destaque ao seu pescoço esguio, e por fim
seu chapéu branco, completa a boiadeira por quem quero ser
domado, quem sabe mais tarde.
— Dudu! — Ele pula em meus braços — Cê ajudou a
mamãe! Nem acredito! Muito obrigado! Você é uma das melhores
pessoas que ganhei na vida! — Beija minha bochecha extasiado, e
antes que eu digira sua fala e responda, ele sai correndo animado
para ver cada detalhe da decoração, o bolo, os cupcakes com
cavalinhos por cima.
Vejo Stella que foi parada por uma mãe de um colega da
escola de Rique, e lhe entrega um presente, parando-a numa prosa.
De onde está mira meus olhos, e sorri.
Para. Mim.
— Alguém vai ganhar uma cobaia para injeção hoje…
— Luana, sério, case-se comigo, seu namorado é um c…
idiota. — Lua gargalha, e nega o pedido. — Tem certeza? Eu sou
um partido melhor.
— Aih Cadu, acho que não consigo mais ficar sem ele.
— Que péssimo para você! Sou mais bonito, mais inteligente,
educado, tenho piadas melhores, com certeza — começo a listar
minhas características marcantes, fazendo Joca torcer a cara, e
Luana rir mais.
— Valeu, Cadu, mas vou te dispensar.
— Poxa, que triste será sua vida.
— Se ela não quer, e ainda estiver disponível, sou a primeira
da fila, Doutor. — Thayná, surgida das sombras, aparece, e se
dispõe. Antes que eu me esquive, ouço o arranhar da garganta da
Diaba.
— Posso falar com você?
Stella Macedo
Olho para Cadu, que está abaixado conversando com meu
filho, nosso filho, e minha garganta se fecha, ainda mais quando
acabei de ouvir que posso namorar com ele, pois é um cara muito
legal, e essas palavras foram ditas por Henrique.
O filho da mãe, mesmo com essas roupas de mauricinho
heterotop consegue ficar maravilhoso. A camisa branca de botões
Hugo Boss se molda perfeitamente em seu tórax, e braços. A calça
preta faz um contraste com o tênis branco. O jeito que o jeans caro
contorna suas coxas grossas e marcam seu pau chega a ser
erótica, ou só eu vejo isso?
Eu com certeza não deveria prestar atenção nisso.
Tânia me para, roubando-me a atenção da cena próxima dos
dois abraçados, pergunta-me por que sumi do salão, e quero falar
que mal tenho tempo de fazer minhas coisas no trabalho, quem dirá
as unhas.
Enquanto ela me inunda de trivialidades, minha mente
explode, vendo a interação dos dois pelo canto do olho.
Como irei contar a Cadu que o menino que ele se diz estar
encantado, na verdade não é só filho da mulher que ele confessou
amar bêbado? Que é filho dele também.
E Henrique? Como vou falar que o homem está convivendo
conosco todos os últimos meses na verdade é pai dele?
E meu pai? E a Cida?
Minha vida está uma bagunça, e em meio a caçada de
soluções para resolver essa bola de neve que me enfiei no último
mês, ainda preciso ser vigilante em todas as retaguardas, pois
existe um louco pirotécnico à solta.
Todas as vezes que revivo o incêndio, só me lembro do
empurrão.
Quem me tirou da frente do galho da mangueira?
E como essa pessoa saiu de lá depois?
Eu não estou louca.
E para piorar o show de horrores que virou minha vida, ainda
tenho uma viagem para fazer com Carlos Eduardo, não serão
muitos dias e nem estaremos sozinhos, Matheus irá conosco, mas
ainda assim, só de pensar que amanhã esse horário estaremos em
São Paulo esperando um voo internacional programado para durar
no mínimo quinze horas, é desesperador.
Olho toda a varanda de casa, e meu coração tremula ainda
mais.
Cadu em quinze dias preparou uma festa para Henrique.
A mesa principal tem um bolo onde tem um menino com
cavalo, a placa por cima tem seu nome e idade gravados, a vela é
um cavalinho da cor do pônei que Henrique ainda não viu. O painel
segue o tema da festa, parece um painel de bang-bang, onde
penduraram uns chapéus, ferraduras e mais cavalos.
Até mesmo um playground foi montado.
Ele nunca vai me perdoar!
— Se ficar pequeno, ou grande demais, pode trocar na loja
da Déborah. — Tânia me entrega o embrulho, trazendo-me de volta
a realidade.
— Muito obrigada, de verdade.
— Júlia! — ela grita a filha que está no touro mecânico —
volto já, Stella.
Passo meu olho por todo salão, vendo Henrique
contemplando toda a festa, sentindo meu nariz arder, e a garganta
fechar, como um pré-choro.
Porra, eu não choro.
Procuro Cadu para agradecer por tudo, de novo, e encontro-o
na mesa de sempre, com Joaquim e Luana, que ri de algo que os
dois dizem.
Procuro meu pai, e vejo-o com Cida no canto cochichando
como os dois fofoqueiros que são.
Estou quase chegando na mesa, quando vejo Thayná se
aproximando de Cadu.
Sério, moça, você deu trezentos reais de desconto por ele ser
lindo?
E eu não deveria ligar para isso, certo?
O importante é o desconto.
Mas por que me sinto agitada a cada passo sorridente que
ela dá em sua direção?
Porque trezentos reais é uma boa quantia. É isso.
— Poxa, que triste será sua vida. — Ouço cadu provocando o
casal.
— Se ela não quer, e ainda estiver disponível, sou a primeira
da fila, Doutor. — Thayná responde bem perto dele. Perto o
bastante para tocar seu braço.
— Posso falar com você? — digo-lhe, fazendo com que ele
me veja.
— Claro! — Sua cara de alívio é perceptível.
— Arrumou outra fã? — sussurro quando nos afastamos.
— A primeira suponho que seja você.
— Pela madrugada, Carlos Eduardo! Se ajude. Não tem amor
próprio? — Cruzo os braços, e olho, prestando atenção nos lábios
grossos, sorrindo faceiro.
— Pode falar, Tella, veio atrás de mim porque está com
ciúmes da Thayná.
— O ego do gato está em dia, o amor próprio...
— Eu sei que sou gato — ele pisca para mim —, admite
Cruella, vai, não vai doer. Admite que está com ciúmes e posso te
aliviar na baia enquanto pegamos o pônei.
— Cadu! Para com isso, as pessoas vão escutar! E eu não
vim aqui para isso, vim agradecer.
— Posso receber em boceta, numa boa. 
— Nossa Senhora, Cadu! Você está terrível! — piso no pé
dele discretamente, manchando-o de vermelho terra, para que
sossegue.
— Aiiih, Diaba!
— Eu estou tentando ser legal, mas você não está facilitando,
que porra.
— Só quero que saiba que não precisa de um convite para
um agradecimento particular. E acho que estava com ciúmes.
— Quer saber? Deixa pra lá…— Viro-me para sair, mas ele
segura minha mão, e uma corrente elétrica atravessa-me, parando
na minha calcinha.
Sério, corpo?
— Desculpe, vou deixar que fale, mas você está tão linda
hoje, está meio impossível deixar minhas mãos longe de você, e
minha boca longe da sua. — Será que ainda escutarei essas
declarações quando contar a verdade?
— Enfim, você estava certo, acho que seria uma judiação
deixar o aniversário de Henrique passar em branco. O sorriso de
animação dele, mais a declaração que ele fez, é para deixar
qualquer mãe extremamente contente. Sabe como dizem: quem
meu filho beija, minha boca

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