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— t— p O FRUTO DO ESPÍRITO Pensamentos inspiradores que transformarão sua vida A Chave da Personalidade Cristã C h a rle s R . H em b rce r O FRUTO DO ESPÍRITO contém capítulos que são verdadeiras jóias da literatura evan gélica. Neles o leitor encontrará a chave da personalidade cristã. O autor, Charles R. Hembree, tem exercido os cargos de pastor, capelão, assistente social, e ministro de evangelização. Atualmente faz parte do pessoal de uma conhecida empresa especializada na área das comunicações. Den tre outros livros do mesmo autor figuram De voções de Cinco Minutos e Ilustrações Efica zes da Vida Diária. ISBN 0-8297-0852-9 FRUTO DO ESPÍRITO CHARLES R. HEMBREE Tradução de Adelina M. de Cerqueira Leite © Editora Vida ISBN 0-8297-0852-9 Categoria: Espírito Santo Traduzido do original em inglês: Fruits of the Spirit Copyright ® 1969 by Baker Book House Company Copyright ® 1978 by Editora Vida 1; impressão 1978 2; impressão 1986 Todos os direitos reservados na língua portuguesa por Editora Vida, Miami, Florida 33167 — E.U.A. Impresso no Brasil ÍNDICE 1. Iludidos por um milagre............................... 11 2. Uma árvore de adornos (Amor)................ 19 3. A sede da verdade (Alegria)....................... 37 4. Pior que a guerra (Paz)................................ 53 5. Os anos do gafanhoto (Longanimidade). 69 6. O toque suave (Benignidade)..................... 85 7. O tamborileiro diferente (Bondade).......... 103 8. Enquanto a igreja dorme (Fidelidade)..... 121 9. A forma do conteúdo (Mansidão)............ 139 10. Prisioneiro voluntário (Domínio Próprio). 155 11. Fortuna numa garrafa.................................. 171 A Papai, um pai e amigo. PREFÁCIO Conta uma fábula antiga de três mercadores que atravessavam o Deserto da Arábia. Viajando de noite para evitar o calor intenso, numa noite sem estrelas, passavam por um leito seco de rio quando uma voz nas trevas lhes ordenou que parassem. Exigiu que se abaixassem, apanhassem seixos do leito seco do rio e os metessem nos bolsos. Tendo obedecido â estranha ordem, foi-lhes dito para abandonarem o local e não se acamparem na quela vizinhança. Depois a voz misteriosa disse-lhes que pela manhã eles ficariam tanto alegres como tristes. Temerosos e confusos, obedecendo ao miste rioso intruso, eles viajaram noite a dentro. Quando amanheceu, os homens examinaram an siosos seus bolsos, e, em lugar dos seixos, como era de esperar, encontraram jóias preciosas. Ficaram realmente muito alegres e tristes. Alegres por terem apanhado jóias, porém tristes porque, já que haviam tido aquela oportunidade, não as apanharam em muito maior quantidade. Essa lenda expressa lindamente o que muitos sen tem sobre as riquezas inexauriveis da Palavra de Deus. Ficamos emocionados por termos absorvido o que possuímos, porém tristes por não termos absor vido muito mais. Especificamente encontro esse es tado em dois versículos dinâmicos em Gálatas: “Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio. Contra estas coisas não há lei” (5:22,23). Durante muitos anos li essas palavras, ponderei e até preguei sobre elas. Então, certo dia, na alvorada da iluminação espiritual de Deus, examinei-as cuida dosamente, em prece, e verifiquei não serem pala vras comuns, mas retratos fantásticos da verdade. Em lugar de meros seixos recheando o intelecto espiritual, elas eram jóias sem preço. Meu coração encheu-se de alegria intensa com essa iluminação, mas entristeceu-se por eu não ter antes apreciado mais profundamente seu valor. Muito se tem dito sobre o que constitui um cristão. Alguns podem enumerar-nos muitos ingredientes que se agregam para a formaçao de um uma perso nalidade cristã. A maioria pode afirmar-nos o que é não ser cristão. Contudo, nunca li claramente uma definição tão exata sobre a personalidade global cristã como nesses versículos aos Gálatas. É como se todos os princípios do Novo Testamento estivessem ali contidos. Cristo, convincentemente, condensou a 8 Fruto d o Espírito Prefácio 9 responsabilidade cristã em dois mandamentos: Amarás a Deus de todo o teu coração e ao próximo como a ti mesmo. Semelhantemente, Paulo de modo sucinto estabelece a personalidade cristã nes ses dois versículos aos Gálatas. Minha oração é que essas palavras, que há tanto tempo ouvimos e sobre as quais temos ponderado, subitamente se tomem vivas pela iluminação do Es pírito Santo de Deus em nossos espíritos. As jóias só são avaliadas como tais quando a luz dança sobre elas; igualmente, essas verdades inestimáveis só podem ser apreendidas quando o Espírito Santo de Deus nos conduz às suas profundezas. O propósito deste livro é encorajar os crentes a retirarem dos seus bolsos espirituais essas jóias sem preço e olharem de novo para elas à luz do Santo Espírito Divinal. Charles R. Hembree CAPÍTULO I ILUDIDOS POR UM MILAGRE Um pouco do inferno recaiu sobre o mundo por causa de duas pessoas acreditarem num falso pro feta. No seu brilhante livro, Nicolau e Alexandra, Robert K. Massie conta como o Czar e a Imperatriz da Rússia foram iludidos por um milagre e assim deixaram seu grande império reduzido a pó. Depois de muitos anos de ansiosa espera por um herdeiro ao trono russo, o Czar Nicolau II e sua esposa alemã, Federovna, foram abençoados com a vinda de um filho. Contudo, suas esperanças para o futuro foram cruelmente destroçadas seis semanas depois, quando os médicos descobriram que a criança sofria de hemofilia, uma moléstia incurável do sangue que podia matar a qualquer momento. Toda a sua curta vida teria de decorrer à sombra do terror, com a morte acompanhando sorrateira cada passo. Essa tragédia introduziu na família real um dos homens mais malvados que já houve. Por vezes seguidas o pequeno czaréviche esteve à beira da morte. Vendo-o a retorcer-se em dores cru- ciantes, os pais, desesperados, pediam aos médicos que fizessem alguma coisa, mas eles de nada valiam. Nessas ocasiões eles voltavam-se para Gregory Ras- putin, um místico religioso de credenciais duvidosas, mais tarde conhecido como o monge louco da Rús sia. Invariavelmente, ele orava pelo menino e sobre vinha uma melhora notável. Até hoje os médicos não sabem explicar como essas curas ocorriam, porém a história dá testemunho delas. Rasputin sempre ad vertia os pais de que o menino só vivería enquanto eles o ouvissem. O poder de Rasputin sobre a família real tomou-se tal que ele podia, com'uma palavra, obter a nomea ção ou demissão de qualquer funcionário do go verno. Nomeava ou demitia homens, baseando-se nas atitudes deles para com ele, antes que nas habili dades de tais homens. Conseqüentemente, todo o governo russo oscilava sob o conselho insensato desse homem mau. Sementes de revolta foram plantadas e regadas por descontentamento. Este ir rompeu com o assassínio da família real, guerra civil e a ascensão do comunismo. Alexandre Kerensky, figura de proa do governo durante aquele período desastroso, mais tarde consignou: “Sem Rasputin, não teria havido nenhum Lenin.” Os homens têm-se impressionado sempre com milagres e milagreiros. No caso dos governantes rus sos, pode-se facilmente compreender sua posição angustiante e perdoar-lhes seu trágico engano. 12 Fruto d o Espírito Contudo, à luz fria da história, pode-se também ava liar a grande tragédia que representou para o mundo o fato de esses dois olharem para a aparência ex- tema. Muito freqüentemente, os homens aprendem bem pouco com os erros dos outros. Presentemente, al guns ainda estão sendo arrastados pelo que é espe tacular. Jesus repercute o sentimento desta época quando diz: “Uma geração má e adúltera pede um sinal. . . ” (Mateus 12:39). Jesus nos ensinou haver algo mais significativo do que milagres, e coisas mais sublimes do que o espetacular. Ele não veio só para morrer, maspara mostrar-nos como viver, e viver na perspectiva adequada. No desenrolar do seu Sermão da Montanha, Cristo faz uma digressão para advertir sobre os falsos profetas que se apresentariam disfarçados em ove lhas. Ele nos dá, então, a fórmula perfeita para dis cernirmos quem é de Deus e quem é de Satanás: “Assim, pois, pelos seus frutos os conhecereis” (Mateus 7:20). É interessante observar que ele não disse: “Procurai grandes sinais, maravilhas, milagres ou o espetacular.” Antes, simplesmente disse que os homens serão julgados pelo que eles são, não pelo que fazem. Isso não diminui os milagres de Deus ou os dons do Espírito. Deus os emprega na sua soberana von tade para realizar seus últimos propósitos. Paulo faz uma lista desses dons, como a palavra da sabedoria, a do conhecimento, dons de curar, de operações de milagres, de profecia, de discernimento de espíritos, Iludidos por um Milagre 13 de variedade de línguas, capacidade para interpretá-las (1 Coríntios 12:8-10). Contudo, nunca a Bíblia diz podermos aferir a espiritualidade ou sin ceridade de um homem por esses dons. Os milagres podem ser imitados, bem como os dons. A história está cheia de casos verdadeiros disso. Os milagres de Moisés foram até certo ponto copiados pelos mágicos de Faraó. Durante séculos os videntes pseudo-religiosos têm curado e o falar em línguas tem sido imitado muitas vezes em adorações pagãs. S e o Cristianismo se baseasse nesses fatos como sua pedra angular, tratar-se-ia meramente de mais outra religião num mundo sufocado de reli giões. Mas Cristo invalidou para sempre essa apre ciação ao declarar: “Pelos seus frutos os conhece reis.” O fruto do Espírito nunca pode ser imitado. Trata-se do que uma pessoa é, não do que faz. Esse fruto exclui toda a ambição. Os dons são externos, mas o fruto é interno. Os milagres fenecem, porém o fruto permanece. O fruto do Espírito excede o orgu lho pessoal em qualquer coisa que realizamos ou que Deus faz através de nós. Nenhum homem da terra podería ou desejaria imitar o verdadeiro fruto do Espírito. Essas verdades não nos devem ser estranhas, já que Cristo no-las ensinou desde os primeiros mo mentos de sua vida terrena. Fica-se perplexo pela simplicidade chocante com que Cristo veio e pregou. Ele surgiu do terreno da obscuridade, pobreza e insignificância. Deus não escolheu um castelo, um 14 Fruto do Espírito rei, uma cidade importante, ou manchetes de jornal para anunciar a vinda de seu Filho, mas lançou-o no mundo despercebidamente, exceto para alguns pastores e suaves místicos. . . Mesmo o Reino que Cristo pregava asse melhava-se ao sal, à semente, ao fermento, à luz. Seus similares eram de fato verdadeiros porque o evangelho permeava, germinava, expandia-se e iluminava até que todos os outros pensamentos dos homens foram afastados para abrir caminho ao seu Reino. Toda a face da história foi modificada por esta sutil mas sobrenatural vinda do Rei dos reis e Senhor dos senhores. Na verdade, Cristo realizou muitos milagres e fez grandes obras. Contudo, ele censurou alguns que o seguiam só por causa de seus milagres e a outros disse francamente: “Não o contes a ninguém.” João declarou ter Jesus realizado muitas outras obras e sinais que nem foram registrados. Cristo não estava interessado em assombrar os homens com o seu poder, mas em salvá-los pelo seu sangue. Aqueles que Cristo ressuscitou dentre os mortos estão agora de novo mortos. Aqueles que ele curou foram há muito esquecidos na carne e só lembrados pela pala vra. Aqueles milagres e sua utilidade imediata estão agora perdidos, exceto como estímulos para lembrar que Cristo é o mesmo ontem, hoje e para sempre. Todavia, o Reino que ele pregou encheu de sua influência a terra toda, exatamente como ele disse que sucedería. As horas mais sombrias na história da igreja têm Iludidos por um Milagre 15 sido quando os homens acentuaram o espetacular para negligenciarem os frutos do Espírito. Armaram-se guerras em nome da Cruz. Homens foram assassinados pela sua discordância. Um líder negro militante, o falecido Malcolm X, culpou o Cris tianismo pelo ódio arraigado entre raças e chamou-o religião de homens brancos. Inda que estranho, ele admira a Cristo, porém acha que o Cristianismo deixou de seguir a Jesus, dando excessiva importân cia ao que é externo negligenciando a verdade intrínseca do Mestre. Talvez ele esteja com a razão. Pode ser que há tanto tempo procuramos aparentar retidão quanto ao que é externo que nos esquece mos de que Cristo é Senhor do coração, não do teatro. Nestes dias históricos é da maior importância re tomarmos às verdades que Cristo ensinou e viveu. Ataques têm sido e serão feitos contra a Igreja. Líde res indignados voltam um dedo acusador contra o Cristianismo e alegam sua inaplicabilidade. Jesus disse que viríam esses tempos. Mas nessa circunstân cia é vital termos perspectivas apropriadas. Um dos ataques mais recentes culpa o Cristia nismo pelo LSD. Um erudito da língua hebraica, John Marco Allegro, adverte: “A Igreja vai ser açoi tada como nunca antes porque. . . As raízes do Cristianismo jazem num culto de ingestão de drogas e o Novo Testamento é o artigo de fundo que o descreve.” Ele prosseguiu dizendo que os profetas do Antigo Testamento estavam sob o efeito de uma droga semelhante ao LSD quando tinham suas vi 16 Fruto do Espírito sões. A carga se acentua: “Aí está o falar em línguas. Seus sacerdotes e profetas eram traficantes de nar cóticos. 0 Novo Testamento foi um documento aco- bertador no intuito de circular entre grupos diversos naquele tempo, que estavam sob o ataque da orga nização romana.” Aqueles que conhecem Cristo e a palavra de Deus não ficarão quebrantados por tais ataques. A ver dade é que a mensagem do Novo Testamento tem pouco a ver com milagres ou sinais. A mensagem crucial de Cristo e as admoestações dos apóstolos diziam respeito ao homem interior e ao seu desen volvimento. 0 poder de Cristo não reside nos seus milagres, mas na sua mensagem. Vivemos agora em dias de falsos profetas. Hoje, “os inimigos do homem são os de sua própria casa”. A igreja está sendo atacada pelos seus próprios líde res descrentes, que têm as vestes de ovelhas da atividade intelectual. São tempos de provação em que devemos saber a que nos ater. Não o sabemos por milagres, mas pelo fruto. As portas do inferno não prevalecerão, mas é tempo de nos apoiarmos para o ataque e ficarmos firmes em nossa convicção de que Deus deseja a verdade no íntimo. É impor tante lembrar: . . . “surgirão falsos cristos e falsos profetas operando grandes sinais e prodígios para enganar, se possível, os próprios eleitos” (Mateus 24:24). Então, para nossas próprias vidas, a ad- moestação de Pedro às mulheres piedosas devia ser o princípio orientador: “Não seja o adomo das espo sas o que é exterior. . . seja porém o homem interior Iludidos por um Milagre 17 do coração, unido ao incorruptível de um espírito manso e tranqüilo, que é de grande valor diante de Deus” (1 Pedro 3:3-4). 18 Fruto d o Espírito UMA Ar v o r e CHEIA DE FITAS Warden Kenyon J. Scudder conta de um amigo em viagem num trem, ao lado de um jovem clara mente perturbado e ansioso. Afinal, o moço contou que era um presidiário de volta da prisão. Seu crime tinha envergonhado sua família, pobre mas briosa, e ninguém jamais o visitou ou lhe escreveu durante os anos da sua ausência. Ele esperava que eles não tivessem escrito por falta de cultura. Contudo, não estava certo de ter sido perdoado. O moço prosseguiu, explicando que queria facili tar a situação para eles. Por isso, lhes escrevera pe dindo que pusessem um sinal quando o trem pas sasse pelo sítio nas imediações da cidade. Se eles lhe tivessem perdoado e desejassem sua volta ao lar, teriam de amarrar uma fita branca na grande ma cieira perto da estrada. Se não o quisessem de volta, não fariam nada e ele ficaria no trem, iria parao oeste, e desaparecería para sempre. 2 À aproximação de sua cidade natal, o estado de tensão e desconforto do jovem aumentou ao ponto de não poder olhar. Seu amigo ofereceu-se para ficar de vigia e eles trocaram de lugar. Alguns minutos mais tarde ele colocou a mão no ombro do jovem presidiário e murmurou-lhe com a voz entrecortada: —Tudo bem. . . A árvore toda está cheia de fitas brancas. Mais tarde, esse amigo disse a Warden Scudder: “Senti como se tivesse testemunhado um milagre.” E tinha, mesmo. Há sempre algo milagroso acerca do amor profundo e permanente que transcende obstáculos e anula tendências naturais de orgulho e dor. Deve ter sido esse o momento quando o escritor de um cântico sentiu o mais profundo amor conhe cido dos mortais, ao registrar: Maravilhosa graça do amor que não se mede, ó graça que aos pecados e à culpa nossa ex cede, que do Calvário a encosta, em jactos rubros corre, é do Cordeiro o sangue, na cruz em que Ele morre. Então o poeta faz repercutir o belo refrão que ainda aguilhoa as almas mais insensíveis. Graça, graça, graça do divinal amor, graça do perdão 20 Fruto d o Espírito que alimpa o interior; graça, graça, graça, que advém de Deus, graça que é maior do que os pecados meus. O homem redimido pondera sobre o favor imere cido, o perdão e misericórdia de um Deus que nos salvou a despeito de fraquezas e maldades. Um mi nistro idoso estava no leito de morte quando seu fiel diácono disse: —Ah, pastor, o senhor está para receber sua re compensa. — Ah, não — replicou o pregador respirando com esforço — . Recompensa, não! Misericórdia! Davi conheceu essa graça ilimitada quando ex clamou: “Compadece-te de mim, ó Deus, segundo a tua benignidade; e, segundo a multidão das tuas misericórdias, apaga as minhas transgressões” (Salmo 51:1). Deus tem a sua árvore inteira ador nada de fitas brancas, a indicarem seu profundo desejo de perdoar e redimir o homem decaído e desobediente. Um amor tão admirável e divino traz em si uma tremenda responsabilidade porque é bidimensional. O amor não tem só uma dimensão vertical (o amor de Deus por nós e nosso a ele); tem também um aspecto horizontal (nosso amor pelos que nos cer cam). O perdão, diz Jesus, depende de nossa capa cidade de perdoar. Você será medido com a mesma medida que usa. Tão livremente como recebemos devemos dar. Assim, o fruto do Espírito é amor. Uma árvore cheia de fitas 21 O escritor de cada epístola da Bíblia dã ênfase à importância do amor horizontal. Paulo afirma: “O maior deles é o amor.” E, de novo: “O amor é o cumprimento da lei.” Pedro acrescenta: “Acima de tudo, porém, tende amor intenso uns para com os outros.” João declara: “Deus é amor” — e acres centa — “Nós sabemos que já passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos: aquele que não ama permanece na morte.” O amor, contudo, é uma palavra ampla. Para uns é aquela afeição adocicada e agoísta que sentimos na adolescência. Para outros é aquele amor simplório e frouxo de São Nicolau, que não pede disciplina al guma ou repressão. Outros o sentem como uma disciplina intransigente que não admite equívocos e muito menos sentimento humano. Contudo, é ne cessário definir a qualidade de amor que é o fruto do Espírito. Paulo esclarece de maneira convincente o con ceito do amor na sua carta aos Coríntios. Os ingre dientes do amor estão dentro de um invólucro e não numa lista da qual selecionamos alguns que nos agradam. Aquele que ama realmente está cheio de todas essas qualidades e as expressa para todos os que o cercam. O amor, diz Paulo, é paciente, é benigno, é generoso, humilde, cortês, altruísta, bem humorado, sem astúcia e sincero. O amor definido é o primeiro passo. O amor apli cado é o seguinte. Devemos ser cautelosos em não afirmarmos gratuitamente que amamos. Ao invés disso, precisamos analisar cuidadosamente tudo da 22 Fruto do Espírito vida, aplicando cada ideal de Paulo para verificarmos se realmente amamos. Geralmente, traz-nos poucos problemas amar nossos amigos e irmãos em Cristo. Todavia, há dois aspectos da vida sobre os quais freqüentemente passamos por alto ao considerar mos o amor ideal semelhante ao de Cristo: amor no lar e amor no mundo. Usando a medida de Paulo para o amor cristão, seria sábio medirmos nossas vidas nessas áreas para ver primeiro se amamos de fato. Os não divorciados — Amor no lar Durante uma batalha no Vietnã, dois jovens esta vam em meio a uma batalha, com balas espoucando em toda parte; estilhaços estourando sobre sua ca beças e, de vez em quando, uma granada explo dindo por perto. Um dos moços, aterrorizado com a situação, disse, ofegante: — Isto não é pavoroso? O outro replicou: —Ora, nem tanto. Só me faz lembrar de casa. Um renomado psiquiatra observou recentemente que enquanto um em cada três casamentos termina em divórcio, outro desses três pertence a um estado não matrimonial, mas simplesmente “não divor ciado”. O amor e a comunicação desapareceram, mas o casal continua junto por causa de pressões sociais, filhos, finanças ou alguma outra razão. Tragi camente, o lar degenera num campo de combate de direitos individuais, por vezes tumultuado, outras, silencioso, mas sempre tenso. O lar transforma-se Uma árvore cheia de fitas 23 meramente numa casa a que um agrupamento hu mano só comparece para comer e dormir junto. Dessa situação provêm os delinqüentes juvenis, neuróticos ou indivíduos piores. A infelicidade gera a infelicidade e os filhos de tais casamentos são fre- qüentemente tão caóticos como seus pais. Na qualidade de pastor tenho visto em lares cir cunstâncias semelhantes, onde ambos os cônjuges são membros da igreja e cada um acredita estar seguindo a Cristo. Invariavelmente, há profundos problemas espirituais, e é sem dúvida evidente que falta nessas vidas o fruto do Espírito. Um indica o outro, acusando-o de imaturidade espiritual, quando realmente ambos são culpados. É verdade que as maturidades individuais são de diferentes graus, mas apesar do desenvolvimento espiritual de um, isso não deveria determinar a reação de outro. Booker T. Washington disse: “Não permitirei que homem algum rebaixe minha alma até ao ódio.” A despeito da ação alheia, nossa reação deve refletir o fruto do Espírito. Contudo, seria prudente perguntar-nos, sem considerar a personalidade, defeitos ou fraque zas de nosso parceiro: “Será que eu expresso o fruto do Espírito no meu casamento? Sou paciente, ge neroso, humilde, cortês, altruísta, de bom gênio, sincero, apesar da ação ou reação de meu parceiro?’ ’ A maioria de nós teria de dar uma resposta nega tiva a essas questões. Sim, um tal amor é o fruto do Espírito. A menos que desesperemos, há um modo de cultivar o amor no lar. Deus tem oferecido alguns excelentes espedientes para empregarmos, até que o 24 Fruto do Espírito ideal do amor paire no lar como uma suave névoa. Eles são ativos e podem ser postos em prática. Pedro os anota na sua primeira epístola (1 Pedro 3). Após considerar a condição de mulher dizendo que deviam ser compassivas e submissas; os maridos honrados e amorosos, Pedro enumera algumas su gestões práticas para fazer surgir o amor vivificante. Elas parecem tão simples ainda que sejam muito profundas. “. . .Sede todos de igual ânimo. . . ” O problema mais comum do casamento é a falta de comunica ção. A comunicação surge quando temos um propó sito e um prazer. Conseqüentemente devemos ter ânimo idêntico. Os que estão unidos em Cristo são justamente assim: seu propósito e prazer são agradar a Cristo, preparar-se para a sua eternidade. Para estes, o casamento não é um fim em si mesmo, mas uma associação temporária que acarreta grande paz e alegria a um coração humano. Suas posses são real mente de Cristo e eles simplesmente as usam por certo tempo. Assim, a maioria dos problemas matri moniais dos outros são eliminados, não pela recusa em manobrá-los, mas porque os relega à suaprópria importância. Problemas financeiros, de educação de crianças, de sexo e de parentes são tratados com eficiência já que o propósito comum e alegria de ambos os parceiros são mantidos na mente. Essas I >essoas aprendem a amar profundamente porque os valores eternos têm a primazia. . .compadecidos. . .” A compaixão é definida como a compreensão consciente da infelicidade Uma árvore cheia de fitas 25 alheia, unida ao desejo de mitigá-la. Freqüente- m ente, os casais no ardor da discussão, concentram-se nas faltas de um para com o outro antes que no problema. Por essa razão, o problema original raramente se resolve, mas é juntado a outros, insolúveis, no inconsciente. Isso não leva a alívio, porém à frustração. É bom lembrar que a verdadeira definição de compaixão não é só compreender a desgraça dos outros, mas também desejar alijá-la. Cada um deveria empenhar-se por ser o primeiro a dar um sinal amistoso; o primeiro a anuir, o primeiro a sorrir, o primeiro a falar, o primeiro a perdoar. A força verdadeira é a habilidade e desejo de abater a muralha invisível entre um casal, erguida por mal- -entendidos. . .fratemalmente amigos. . . ” Como essas pala vras nos parecem estranhas! Contudo, quando se compreende que a parte nevrálgica da mensagem de Pedro é o apelo ao respeito de um para com o outro na relação matrimonial, essa expressão se esclarece. Maridos e mulheres têm a mesma afeição mútua como irmãos no Senhor? Como isso funciona? Não falamos desreipeitosamente com nosso irmão no Senhor, a fim de que não se ofenda. Cuidamos de não nos aproveitarmos dele, e estamos prontos a ir em seu auxílio quando estiver em dificuldade. Esforçamo-nos para que ele passe alegremente o tempo em nossa companhia e para lhe darmos uma impressão favorável. Tomamos cuidado para não nos exaltarmos em sua presença. Pedro encoraja os casais a terem o mesmo respeito 26 Fruto d o Espírito mútuo que mostram para com os irmãos e irmãs no Senhor. É fácil ver quão mais profundo, rico e total seria nosso amor conjugal se o praticássemos como amor fraterno. É lindo ver marido e mulher não só unidos pelo casamento como pelos laços da mais estreita amizade. “. . .misericordiosos. . .” A Nova Bíblia Inglesa traduz isto por “sede bondosos”. Deus não criou macho e fêmea psicologicamente idênticos porque cada um é o complemento do outro. Os homens sentem e pensam diversamente das mulheres e por vezes é difícil transpor essa brecha com delicadeza. Por muito que façamos nunca vamos mudar os pen samentos e ações do outro como são os nossos. Quando o tentamos, o resultado é uma profunda frustração e conflito interior. É quando chega a vez da bondade. Ser bondoso é aceitar a outra pessoa tal como é a amá-la assim. Alguém disse: “Gostamos de alguém porque; amamos alguém ainda que. ” Muito freqüentemente tenho visto pessoas que procuraram mudar toda a sua estrutura psicológica para agradar a seu parceiro, com o único resultado de ser rejeitado porque o outro não queria realmente o que ele pensava. A questão é que deveriamos empenhar-nos por ser melhores, mas nunca dife rentes. Defrontamo-nos com graves problemas quando procuramos transformar-nos naquilo que não somos. Seria de bom aviso lembrar: “Foi o Senhor quem nos fez, não nós.” É sábio o parceiro que compreende ser o seu companheiro um indiví duo que Deus criou não para ser forçado a curvar-se Uma árvore cheia de fitas 27 a um padrão desnaturado para satisfazer os desejos sórdidos do outro. Sendo bondosos podemos aprender a apreciar e amar aquela criatura humana, diferente, que Deus nos deu. “O amor,” disse um homem, “é o desejo apaixonado que há da parte de duas ou mais pessoas por produzirem juntas as con dições sob as quais cada qual possa ser, e expressar espontaneamente, seu verdadeiro eu; por produzi rem juntas um terreno intelectual e um clima em o cional nos quais cada um possa florescer, muito me lhor do que o faria sozinho.” “. . .humildes, não pagando mal por mal, ou injú ria por injúria; antes, pelo contrário, bendizendo... ” Eis aqui uma das chaves mais importantes para um casamento feliz. O matrimônio não é só escolher o parceiro certo, mas também tomar-se o par certo. Algumas esposas queixam-se de que seus maridos são corteses e atenciosos em público, porém gros seiros e egoístas em casa. Da mesma forma, os mari dos dizem que as esposas são graciosas e vivas na sociedade, mas mal-humoradas e descuidadas em casa. Pedro declara que a simples cortesia extensiva àqueles que nos cercam deveria manifestar-se sem pre no lar. Muitas vezes, se somos magoados pelo nosso par ceiro, queremos magoar como réplica. Quando ele nos fala asperamente, é grande a tentação de res ponder no mesmo tom. Contudo, Pedro fala de óleo sobre águas tumultuadas quando encoraja a prática do bem pelo mal e da brandura pela dureza. No casamento, mais do que em qualquer outra situação 28 Fruto d o Espírito na vida, deve haver o desejo de percorrer a segunda milha, oferecer a outra face. Temos de ser termosta tos, não termômetros, afetando o ambiente, e não somente o refletindo. “. . .Para que não se interrompam as vossas ora ções. . .” Aqui vai uma palavra de advertência. A pequena guerra na Coréia tragou tantas vidas quanto Hiroshima. Semelhantemente, as guerrilhas em nossos lares matam nossas famílias e destroçam nossas sociedades. Também as desavenças no lar impedem nosso acesso a Deus. Nossas preces podem ficar bloqueadas por falta de amor. Portanto, é imperativo, não só conveniente, que o fruto do Espírito, o amor, reine em nossos corações e lares, pelo temor de não podermos orar, obter perdão e por isso não possuirmos a vida eterna. O fruto do Espírito é o amor no lar. A corrida da morte — amor no mundo Vinte o oito carros roncavam pela curva, quando sobreveio um incidente. O carro do jovem David McDonald perdeu o controle quando ele se esfor çava por contomá-la; o corredor Eddie Sachs colidiu com outro, lateral, a duzentos e quarenta quilôme tros por hora. Uma explosão destroçou aço, borra cha e o fogo lavrou no ar a quinze metros. Um dos corredores morreu no local do desastre e o outro, duas horas depois, num hospital. Três mil pessoas presenciaram em tétrico silêncio e chocadas por tristeza quando a morte desceu sua mortalha sobre as atividades festivas. A corrida do Uma árvore cheia de fitas 29 Memorial Day de 1964 sofreu um atraso de cerca de uma hora e quarenta e cinco minutos, enquanto os mecânicos limpavam os destroços. Depois, a corrida prosseguiu. Muitos dos que viram mais tarde na televisão o desastre ou ouviram sua descrição notaram que a coisa mais significativa para eles foi o fato de a corrida continuar. Isso é um comentário sobre os nossos dias e nos faz ver a trágica verdade de que vivemos num mundo impessoal. A maioria de nós só cuida do que lhe diz respeito. A tristeza só permanece por um momento e retomamos à atividade da vida. William Cullen Bryant tão eloqüentemente escreveu: Os alegres vão rir quando tiveres partido, a solene ninhada de cuidados caminhará, e cada um, como antes, irá em busca de seu fantasma predileto. Embora estejamos cônscios de que a vida deve continuar e não pode parar com a perda de um ente amado, no entanto, somos feitos para compreender cada dia que como humanos parece que nos afasta mos mais um do outro. O supermercado substituiu o armazém da esquina. A tradicional farmácia onde o pessoal se encontrava é agora um centro comercial cheio de funcionários que não reconhecemos ou não queremos conhecer. Tomamo-nos números, esta tísticas, percentagens e brilhantes cartões de crédito. Uma razão da vida se ter tomado tão impossível é a alarmante explosão demográfica. Os peritos acre 30 Fruto do Espírito ditam que durante a permanência de Cristo o globo terrestre era habitado por cerca de duzentos e cin- qüenta milhões de pessoas. Lã por 1.600 A. D. esse número tinha dobrado.Em 1.900 tinha triplicado para um bilhão e meio. Então, em 1962 esse havia dobrado para quase três bilhões. Eles calculam que dentro dos próximos trinta anos a população terá dobrado novamente. A importância do indivíduo está decrescendo e continuará assim devido à explo são da população e da automatização. Aumentam com idêntica rapidez — ou mesmo mais depressa — os esgotamentos emocionais e mentais. Desde 1903 a proporção de doentes men tais em casas de saúde dobrou. Interrogados para darem uma resposta, os psicólogos dizem que é por que o indivíduo está perdendo sua identidade, sua importância. O mundo tomou-se tão impessoal que ele mesmo é levado à loucura. Os vizinhos inexistem. Os homens se encerram nas suas próprias ilhazinhas apertadas e não sabem como se haver com proble mas de uma sociedade impessoal. Recentemente, a imprensa relatou a história lanci nante de um jovem pai que se suicidou na cabina telefônica de uma tavema. Jam es Lee havia telefo nado para um jornal de Chicago e contado a um repórter que tinha mandado o relato de sua história num envelope de papel manilha. O repórter procurou desesperadamente descobrir de onde vinha o chamado, mas tarde demais. Quando a polícia chegou, o jovem estava caído na cabina, com um tiro na cabeça. Uma árvore cheia de fitas 31 Nos seus bolsos encontraram um desenho colo rido de criança, muito amassado e estragado. Nele estava escrito: “Por favor, deixe no bolso do meu paletó. Quero que seja enterrado comigo.” O dese nho fora assinado em letras infantis por sua filha loura, Shirley Lee, que havia morrido num incêndio, cinco meses antes. Lee ficou de tal forma abalado de tristeza que pedira a pessoas inteiramente estranhas que cuidassem do enterro da filha, para que ela pudesse ter um belo serviço fúnebre. Ele disse que não havia ninguém da família para estar presente, já que a mãe de Shirley morrera quando a criança tinha dois anos. Falando ao repórter antes de morrer, o pai de coração partido disse que perdera tudo o que pos suía na vida e se sentia muito só. Ele doou sua modesta fortuna para a igreja que Shirley freqüen- tava e disse: “Talvez dentro de dez ou vinte anos, alguém verá uma das placas e pensará em quem seria Shirley Ellen Lee e dirá: “Alguém deverá tê-la amado muito, muito.” O pai desesperado não su portou a solidão ou essa perda, e assim pôs fim à própria vida. Achou melhor morrer do que viver num mundo impessoal. Imediatamente, nossos corações se comovem com tal incidente e respondemos prontamente: “Eu teria demonstrado amor e ternura para com este homem.” Contudo, a verdade trágica é que essas criaturas solitárias não trazem marcas que as identifi quem. Dissimulam-se atrás de rostos inexpressivos, 32 Fruto d o Espírito barbas cerradas respingadas de cachaça e máscaras felizes tão falsas como as de um palhaço de circo. Estão fechadas na sua solidão porque não sabem como escapar daquela prisão. A única fuga que co nhecem está no fundo de uma garrafa, na ponta de uma rombuda agulha manchada de drogas, ou dentro de um revestimento reluzente de barbitúrico. Passamos por eles diariamente e na verdade não os vemos. Ou temos receio deles ou nos apavoramos com a sua aparência. Deixamos de ver a alma so litária interior. Poucos de nós sabemos como amar as multidões. Jesus podia contemplar uma multidão e sentir-se movido de compaixão por ela. Ele podia escalar à noite a encosta solitária, vendo a cidade adormecida e chorando por ela. O milagre do seu amor é que ele amava as multidões e os milhares ainda por nascer ao ponto de querer morrer por eles. Seu amor não se restringia ã dimensão do pequeno país judaico, mas transcendia todos os limites e idades. Conseqüente- mente, ele preenchia suas horas de andanças, tor nando as pessoas felizes e aliviando-as de suas pro fundas depressões. Mais tarde ele diria através de seu apóstolo que o fruto do espírito é o amor. O amor que é do Espírito deve relacionar-se com as nossas vidas. Se temos esse fruto, ele significa os nove elementos que Paulo menciona no seu capítulo sobre o amor. O amor, como Cristo tinha, não dis crimina raças ou rostos. Talvez pudéssemos orar para que Deus alargasse nossa visão ou grupo de pessoas pelas suas mais baixas expressões. Contudo, Uma árvore cheia de fitas 33 o amor real os avalia pelos seus mais altos ideais. O verdadeiro cristão não pode expressar nenhuma es pécie de intolerância, religiosa ou racial, quer seja silenciosa, sutil ou vocal. O amor verdadeiro, fruto do Espírito, é aquele que Cristo demonstrou para com a humanidade. Seguramente, é difícil ler acerca daqueles tão dis tantes e sentir afeição por eles. Só Deus pode ajudar-nos a desenvolver essa atitude. Contudo, en quanto aguardamos esse ideal podemos fazer algu mas coisas muito práticas onde quer que vivamos para pagar nossa dívida de amor à humanidade. Podemos zelar pelos corações partidos, ficar interes sados nos corações sofredores de outros, em lugar de nos ocultarmos em nossas vidas pequenas. Este é o primeiro passo. Assim, fatos despercebidos de cari dade e bondade são expressões naturais de amor. Você pode dar sem amar, mas não pode amar sem dar. Através do envolvimento pessoal no programa missionário de nossa igreja, de organizações de cari dade e missões evangelísticas, estendemos esse amor que Deus dá. Dedicar nossas vidas a atos de amor — foi isso que Jesus fez. E ao fazê-lo, cuidai de vos lembrardes deste pequeno poema: Ontem eu fiz um favor, pequeno ato de amor. . . O mundo inteiro chamei, que viu e fui elogiado. Foram-se todos, e em poeira vi meu ato transformado. 34 Fruto do Espírito Uma árvore cheia de fitas 35 Bem pequena cortesia hoje ocorreu-me fazer, depressa, sem ninguém ver, e depois disso fugi. . . Mas Alguém testemunhou, pois declaro que ao voltar àquele mesmo lugar floriam rosas ali. O fruto do Espírito é amor e ele abre as vias para todos os outros frutos vindouros. Como podemos ter alegria, paz, resignação ou os demais, sem pri meiro nos saturarmos desse mesmo amor que Cristo teve? Quando aprendemos a tê-lo e expressá-lo, há uma beleza que desce à vida como antes nunca a experimentamos. No belo poema “Sella” o poeta Bryant expressa este pensamento: Desde então seus dias eram feitos de calmas tarefas do bem no grande mundo. E em obediência os homens acolhiam suas palavras tão sábias, e viam de beleza a lei do amor envolver cuidados e aflições do dia a dia. 3 SEDE DA VERDADE O terror avassalou de flamas ardentes aquela manhã de abril de 1906, quando a crosta terrestre em São Francisco afundou destruindo a cidade. En quanto milhares de refugiados movidos pelo pânico esforçavam-se por abandonar a cidade em chamas, um homem de cabelos emaranhados, olhos arden tes, e de nariz de águia penetrava na cidade no único trem que chegou lá naquele dia. Ele era o famoso psicólogo William James, então com 64 anos e com o coração em mau estado. Durante as próximas doze horas Jam es meteu-se entre as volutas de chamas, edifícios destroçados e montes de cascalhos, com um caderno em punho, a perguntar ansiosamente aos habitantes em fuga: “Como você se sentiu quando o terremoto come çou?” “Que pensamentos lhe acudiram à mente?” indagava. “Seu coração bateu mais apressado?” Esta era a paixão compulsiva que tomou William James, um dos mais avançados cientistas de sua geração. Sua sede pela verdade levava-o a explorar, experimentar, mudar e crescer. Ele tinha uma curio sidade insaciável por aprender o que se relacionava com cada faceta da personalidade humana e com tudo sobre os grandes segredos da vida. Tragicamente, a diferença entre cientistas como William James e alguns religiosos é que o cientista admite abertamente não possuir toda a verdade e apaixonadamente a busca, ao passo que os segun dos ficam sentados presumidamente reivindicando ter a resposta a todos os problemas da vida. Por causa dessa atitude,alguns intelectuais têm consi derado a religião como ignorância arrogante que pouco lhes pode oferecer. Não é preciso ser um gênio para saber que há muitos problemas da vida sem resposta e mesmo Paulo admite “Porque agora vemos como em espelho, obscuramente.” Talvez seja tempo de compreendermos que o ver dadeiro religioso não é aquele que, sentado numa torre alta, derrama sabedoria como missangas de um colar rebentado, mas assemelha-se ao cientista, em busca apaixonada por novas visões interiores, ver- i dades e revelação. A única diferença é que o homem que conhece a Deus descobriu o caminho verda deiro a percorrer na sua busca. Mas é só o caminho e para aprender a verdade esse homem deve andar e pesquisar. Deus só nos coloca na direção certa, como se a um homem perdido se desse uma bússola no fundo da selva. Nela está o sentido certo da direção, mas ele deve abrir seu caminho de per si. 38 Fruto do Espírito Sede da verdade 39 A premissa é particularmente importante quando se chega a entender alegria como fruto do Espírito. Devemos ser realistas e reconhecer que há alguns cristãos sinceros que têm pouca alegria nas suas almas. E há aqueles que não são cristãos e contudo demostram verdadeiras explosões de alegria. Nossa sede pela verdade pode levamos a buscar a resposta a esse paradoxo. As observações que se seguem são meras sugestões que, espero, nos aproximem da declaração de Paulo: “O fruto do Espírito é alegria.” Elas não pretendem ser respostas exatas ou uma fórmula mágica. A alegria é semelhante a um poço de água potável. Não é suficiente saber que a água está ali ou mesmo perfurar o poço. Se o poço é para ser utilizado a água tem de vir à superfície. Os que conhecem Cristo encontraram a fonte da alegria, mas alguns não fize ram uso do poço e, portanto, sua alegria permanece encerrada. Por conseguinte, aqueles que não têm comunhão com Deus, freqüentemente sentem ex plosões de alegria, uma fusão com o universo, uma verdadeira inter-relação com a natureza, uma exul- tação do espírito. O psicólogo Abraão Maslow ob servou esses fatos em seus clientes e fez uma avalia ção, relatando “momentos de grande pavor; mo mentos da mais intensa felicidade ou mesmo arre- batamento, êxtase ou bem-aventurança” . Ele con cluiu que aquilo não era necessariamente uma expe riência religiosa, mas simplesmente uma expressão de boa saúde. Contudo, talvez esses momentos são aqueles em que Deus tenta passar através da arma ção do homem, expondo-o a uma vida mais ampla e rica. Há um rio A alegria costuma apresentar-se como algo ilusó rio que passa além do alcance do homem. A alegria é muito mais do que felicidade. É “exultação do espí rito”, segundo o dicionário, “satisfação; delícia, um estado de felicidade.” Como diz Ardis Whitman, “temor reverente e um sentimento de mistério são parte dela; assim são os sentimentos de humildade e gratidão. Subitamente damo-nos conta com acui dade de cada coisa vivente — cada folha, cada flor, cada nuvem, da flor de maio debruçada sobre o tanque, do corvo grasnando no topo das árvores” . O Professor Maslow disse: “Você não pode buscar ex pressamente tais momentos. Você deve ser sur preendido pela alegria.” Contudo, pode-se furar o reservatório e encontrar alegria contínua. Paulo diz: “O fruto do Espírito é alegria.” Nos primórdios da história do homem o salmista disse: “Há um rio, cujas correntes alegram a cidade de Deus.” Ele não só diz haver uma fonte, mas prossegue: “Tu me farás ver os caminhos da vida; na tua presença há plenitude de alegria, na tua destra delícias perpetuamente” (Salmo 16:11). Assim, aprendemos que a fonte da plenitude da alegria é a presença de Deus. É, pois, fácil ver por que o crente cheio do Espírito terá grande alegria. Deus está com ele e nele habita, de forma que há completa, contí nua e permanente alegria. 40 Fruto do Espírito Sede da verdade 41 Depois da Escritura identificar a verdadeira fonte de alegria, ela reafirma essa verdade muitas vezes. Uma característica peculiar à adoração judaica era a grande alegria. De fato, a reputação de alegria tinha se alastrado de tal forma que quando os babilônios capturaram Israel, eles os escarneciam dizendo: “Entoai-nos algum dos cânticos de Sião.” O livro de Atos fala-nos de pessoas cheias de alegria e do Espí rito Santo. Os redimidos criavam melodia em seus corações. Depois que a cidade samaritana recebeu a salvação, “Houve grande alegria naquela cidade” . Paulo fala sem fazer apologia: “Porque o reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça e paz, e alegria no Espírito Santo” (Romanos 14:17). Recentes descobertas arqueológicas encontraram cartas escritas por mártires durante aqueles primeiros três séculos de tentativa de seguir a Cristo. Na imi nência da morte um santo escreveu: “Num buraco escuro encontrei alegria; num lugar de amargura e morte encontrei repouso. Ao passo que outros cho ravam encontrei riso, onde outros temiam encontrei força. Quem acreditaria que num estado de miséria tenho tido grande prazer? que num canto solitário tenho tido gloriosa companhia e nas mais duras amarras perfeito repouso? Todas estas coisas Jesus me assegurou. Ele está comigo, conforta-me e me enche de alegria. Ele afasta de mim a amargura e me enche de força e consolação.” Eu estive na prisão em que Paulo ficou confinado justamente antes do seu martírio. Os muros eram frios, de pedras grosseiras, a masmorra tão úmida que provocava tremores no meio do dia. Só por um orifício pequeno entrava luz e ar. Não há aqueci mento e o teto é tão baixo que não pude ficar com o corpo erguido. Paulo ficou ali ao menos por dois anos e foi dali que escreveu sua última grande epís tola, 2 Timóteo. Ainda que agora fosse iluminada eletricamente, a pequena cela parecia apertar-me. Naquela noite li de novo a última carta ao jovem Timóteo. Não notei uma palavra de melancolia; antes, é um brado de triunfante regozijo. Paulo con clui: “Combatí o bom combate, completei a carreira, guardei a fé. Já agora a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará na quele dia” (4:7-8). Há uma alegria que transcende a preocupação, transpondo amuradas de circunstân cias, e repoucando através da morte. Paulo não fala de “arroubos de alegria” ou de “momentos em que ela perpassa por nós” , mas antes de uma constante, sempre presente, permanente exultação do espírito. “O fruto do Espírito é alegria.” Em João 7:38-39 encontramos a promessa de Jesus: “Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva. Isto ele disse com respeito ao Espírito que haviam de receber os que nele cressem; pois o Espírito até esse momento não fora dado, porque Jesus não havia sido glorificado. O doce aqui e agora A descrição precedente parece idealística; con tudo sabemos que há aqueles que atingiram essa permanente presença da alegria. Se é assim, por que 42 Fruto do Espírito Sede da verdade 43 vivemos tão abaixo do nível dessa alegria perma nente? Talvez seja porque freqüentemente nos pro gramamos para viver no doce porvir antes que no agora. Sir William Osler admoestava seus pacientes a viver em compartimentos centrados no dia, em luta com as frustrações e alegrias do agora. Longfellow adverte: No futuro não esperes. Deixa que o passado enterre seus mortos. Age, age no presente, teu coração dentro e Deus sobre a cabeça. É muito fácil emprestar do amanhã a luz do sol e desprezar as pequenas alegrias do presente, anteci pando outras mais intensas do amanhã. Pelo fato de nãò saborearmos as pequenas alegrias, os pequenos prazeres, as delícias do momento, perdemos muito da vida e de Deus. Jesus pede que sejamos fiéis nas coisas pequenas e Deus nos confiará muitas outras. Os cânticos infantis freqüentemente conseguem penetrar pela couraça da pretensão humana, ex pondo nossa fraqueza tal como é. O gato de Dick Whittington que foi a Londres ver a rainha éum exemplo típico. Bichano, bichano, que fizeste ali? Embaixo de sua cadeira um camundongo as sustei. Uma porção de pessoas são como aquele gato. No esplendor do palácio, na majestade da realeza, na beleza da pompa, o pobre gato só podia ver um camundongo. Nossas vidas se passam entre os es plendores da criação, ainda que muitas vezes nos enredamos na vida, erguendo vagamente nossos olhos para as glórias que nos cercam. Alguns encon traram a alegria de viver, mas um grande número se acomodou com a monotomia da existência. Com razão disse Robert Louis Stevenson: “Perder a ale gria é tudo perder.” Parece sempre haver razões legítimas para dei xarmos escapar as pequenas alegrias que nos cer cam. Certa noite eu acalentava minha filhinha para fazê-la dormir. Para minha frustração, ela estava in teressada em prosear. Eu queria que ela calasse e dormisse, porque precisava fazer muitas coisas. Tinha de preparar sermões, de escrever artigos, dar telefonadas e responder cartas urgentes. Intima- mente, ressenti-me dessa intrusão no meu tempo. Nesse instante ela ergueu os olhos e disse simples mente: “Papai, eu gosto de você.” Aquilo me feriu duramente. Quão insensível eu estava sendo! Ali estava uma das experiências mais preciosas e alegres da vida e eu desejava afastá-la, para poder “fazer coisas”. Murmurei uma prece, pedindo perdão a Deus, apertei minha filhinha junto a mim e desejei que aquele momento durasse para sempre. Um gigante relógio floral em São Luís tinha a inscrição: “As horas e as flores depressa fenecem.” Como era verdadeiro! O tempo é um inimigo que 44 Fruto do Espírito Sede da verdade 45 nos rouba os momentos fugazes porém sublimes de alegria que enchem os canais de nossas mentes, levando-nos para mais perto de Deus. Como Cristo curou o cego mendigo, freqüentemente precisamos dele para remover escamas de nossos olhos de forma a podermos reconhecer as pequenas alegrias e os momentos significativos que Deus traz para o nosso caminho cada dia. Helen Keller disse sabiamente: “Use seus olhos como se amanhã você fosse ferido de cegueira”. Ela, cega por tantos anos, disse que se tivesse só três dias de visão, no primeiro gostaria de ver as pessoas cuja bondade e camaradagem tinham tomado sua vida valiosa. Ela convocaria todos os seus amigos e fitaria longamente suas faces. Ela também fitaria o rosto de um nenê. Gostaria de ver os muitos livros que ha viam sido lidos por ela, e olhar os olhos dos seus cães fiéis e leais. Gostaria de fazer um longo passeio pela mata. No segundo dia, Helen Keller disse que se levan taria cedo para ver o amanhecer. Visitaria museus para aprender o progresso do homem. Também visitaria um museu de arte para verificar a alma do homem, estudando suas pinturas e esculturas. Então, à noite, iria ao teatro para ver a graça da grande bailarina Pavlova. No último dia voltaria a assistir ao amanhecer, para descobrir novas revelações de sua beleza. Então ela visitaria as cavernas dos homens, onde eles trabalha vam. Ficaria nos cantos das ruas movimentadas, procurando entender algo da vida diária das pessoas, fitando-as nas faces e lendo o que estava nelas es crito. Gostaria também de ver o sofrimento para sentir compaixão. Gostaria de dar um giro por Nova Iorque, vendo as favelas, as fábricas, os parques e crianças brincando. Na última noite ela gostaria de assistir a uma peça cômica para apreciar os reflexos da comédia no es pírito humano. A coisa interessante a notar é o seu desejo de ver as coisas comuns que nos cercam e desta grande mulher podemos aprender a usar nos sos olhos e ver o mundo em redor. Se pudéssemos aprender a ver o mundo de Deus, talvez pudéssemos aprender a ver a Deus, que na verdade é a fonte de toda a alegria. Oh, que Deus possa permear as nossas vidas até que nos conscientizemos plenamente dos flocos ma cios de neve, do tamborilar persistente da chuva, do sopro do vento. Precisamos lembrar-nos de que Deus não só nos promete encontrar-nos no seu santuário, mas que ele manifesta sua obra em toda a parte do mundo. “Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem , desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas” (Romanos 1 :20). Mas talvez você seja um dos que não apreciam particularmente os campos nevados e a água da chuva enchendo em redemoinho os canais. Talvez não fique emocionado com um passeio na floresta. A questão não é transformá-lo em amante da natureza, mas só levá-lo a abrir os olhos às maravilhas que 46 Fruto do Espírito Sede da verdade 47 Deus coloca em tomo de nós. Robert Frost podia admirar uma floresta e ficar inspirado a escrever grandes poesias. Semelhantemente, Carl Sandburg podia ver uma sombria e agitada Chicago e notar uma pura e rara beleza. Cada qual via a beleza em duas coisas diferentes, mas ambos ficavam inspira dos. Pablo Picasso pôde ver seu quadro de arte clássica, “A Cabeça do Touro”, numa bicicleta que brada. Michelangelo podia sentir Moisés querendo sair furioso de uma lasca de pedra. O importante não é nos emocionarmos com os que os outros fazem, mas com o que vemos. Os prisioneiros de guerra muitas vezes voltam re latando experiências terríveis durante seu cativeiro. Inevitavelmente, eles dizem que nunca aprenderam deveras a apreciar o alimento até se verem privados dele. Sempre me recordo de um prisioneiro que recebia por dia só um pedaço de queijo velho e pão. No seu diário ele anotou os sabores exóticos e os prazeres daquele alimento simples. Muitos de nós não sentimos alegria por que nunca aprendemos realmente a viver, a ver, a agir, a sentir o presente. Jesus nos pede que não nos preocupemos com o amanhã, mas só consideremos o hoje. Edna St. Vin- cent Millay exclamou: “ó mundo, eu não posso unir-me mais a ti.”S e na verdade vemos, sentimos, amamos, apreciamos deveras o que Deus nos deu, brotará em nós essa grande alegria. Um passeio com destino Contudo, a apreciação plena das delícias de hoje não é a resposta inteira. Se assim fosse, o humanista levaria sobre nós grande vantagem. Hã dias em que dores físicas nos impedem de apreciar melhor os prazeres que nos cercam. A tragédia imiscui-se em nossas vidas despercebidamente, arrebatando-nos alguém muito querido. As circunstâncias pesam sobre nós até que nossos olhos se cerram à espe rança. Deve haver alguma coisa mais profunda e significativa se a alegria tem de permanecer durante tempos aflitivos. Há, sim quando nos compenetra mos de que somos entidades para a eternidade. Cada um de nós tem seu caminho individual com o destino. Prisão, desastre e derrota não puderam vencer o inglês valoroso que nos últimos anos seria conhecido como “o homem do século”. Durante a guerra dos Boers, Winston Churchill ficou preso em Pretória, na África do Sul, de onde mais tarde escapou. Passaram-se anos e como chefe supremo do Almi- rantado, ele foi pessoalmente incriminado pelo cus toso desastre nos Dardanelos e forçado a demitir-se. Mesmo depois de dirigir com êxito sua nação durante outra guerra, seus concidadãos o derrotaram nas eleições. Contudo, ele permaneceu intrépido e ergueu-se de novo para ser o primeiro-ministro. Morreu como o homem mais estimado de sua gera ção. Para compreender o espírito indomável de Chur chill que o levou a erguer-se mais de uma vez das cinzas da adversidade, é necessário ler seus escritos. Falando da hora em que as circunstâncias da guerra o impeliram à liderança do mundo, ele disse: “Eu 48 Fruto d o Espírito Sede da verdade 49 estava consciente de um profundo senso de alívio. Afinal, tinha a autoridade de dar ordens em todas as paragens. Sentia como se caminhasse com o Destino e que toda minha vida passada não tinha sido senão um preparo para essa hora de provação.” Essas não são palavras ociosas de um líder egocêntrico, mas a convicção profunda de um homemque sentiu ter sido escolhido por Deus para salvar a Inglaterra. A história registra os resultados dessa convicção. Há homens que apreendem o fato de que andam com o destino. São os Churchills, Abraão Lincolns e Ben Gurions. O que esses homens sentem no ter reno temporal é só uma sombra do etemal. Todos os que estão em Cristo andam diariamente com o des tino. Aos dezoito anos Jeremias tremeu quando o dedo de Deus escreveu na sua alma: “Antes que eu te formasse no ventre materno, eu te conheci, e antes que saísses da madre, te consagrei e te constituí profeta às nações” (Jeremias 1:5). Os homens do destino sofrem os mesmos, e por vezes mais, reveses e frustrações que flagelam todos os homens. A diferença é que eles sabem que há um supremo esquema das coisas e um plano soberano. Portanto, as dores e problemas do presente não lhes parecem tão importantes. Eles mantêm seu espírito “Invicto”, em plena face da derrota. Com o humanos freqüentem ente interpre tamos mal o significado do destino. Para nós a vida toma-se um fim em si mesma e os sucessos ou fracassos de agora são considerados como fins contidos neles mesmos. Nossos problemas centralizam-se no fato de que perdemos nossa perspectiva. Quando a tragédia se abate, vem a morte, ou a derrota destrói nossas ambições, há a tentação de perder de vista o eterno. Contudo, foi essa visão do eterno a chave da grande alegria dos apóstolos. De acordo com a tradição, onze deles morreram mártires, só João tendo cer rado os olhos por morte natural. Paulo, falando por todos os apóstolos podia dizer: “Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória, acima de toda comparação, não atentando nós nas coisas que se vêem, mas nas que se não vêem; porque as que se vêem são temporais, e as que se não vêem são eternas (2 Coríntios 4:17-18). Sabemos que não vivemos para os mes quinhos setenta anos de vida terrena, porém somos criaturas da eternidade. Antes, nessa carta aos Coríntios, Paulo afirma que porque seus olhos estão no eterno, os problemas imediatos podem ser relegados aos seus próprios lugares. “Em tudo somos atribulados”, diz Paulo, “porém, não angustiados; perplexos, porém não destruídos (2 Coríntios 4 :8 e 9). Mas, para que me ramente não tenhamos por meta aquela vida eterna e “soframos” nesta, ele acrescenta: “Pois, na ver dade, os que estamos neste tabemáculo gememos angustiados, não por querermos ser despidos, mas revestidos, para que o mortal seja absorvido pela vida... É por isso que também nos esforçamos, quer presentes, quer ausentes, para lhe ser agradáveis” 50 Fruto do Espírito Sede da verdade 51 (5 :4 ,9 ). Paulo não era um santo sofredor, atordoando-se com a vida até que Deus o libertasse. Em lugar disso, era um filho de Deus, cheio de ale gria, de exuberância e vida, que não se deixava abater pelos reis, sacerdotes, cadeias ou açoites. Ele era um homem possuído pela alegria da presença de Deus. É de vital importância que o homem acredite no propósito fundamental da criação. Como um prega dor famoso certa vez observou: “Se a irreligiosidade fosse só descrença na religião, poderiam os enfrentá-la; mas em toda a irreligiosidade — redu zindo o universo em prótons e eléctrons, que leva à cegueira; sem Deus algum ou um propósito espiritual nele — não se trata só de descrença em religião, mas em descrença fundamental na própria vida.” Ele observou ainda que o resultado lógico de tal ceti cismo levava o povo a pensar: “De que vede afinal?” E o resultado psicológico seria o cinismo pessoal. Carl Yung, o notável psicólogo suíço, ouviu certa vez de um paciente: “S e ao menos eu soubesse que minha vida tinha algum significado e propósito, então, não haveria nenhuma estória tola sobre meus nervos.” A personalidade humana não pode flores cer sobre nenhuma idéia tão fútil acerca da vida. Assim, a semente da alegria é espalhada pelo Es pírito e quando reconhecemos a fonte da alegria, conservamos nosso espírito receptivo às suas, por vezes, muito suaves vozes nas coisas que nos cercam e mantemos nossa perspectiva recordando-nos de que somos criaturas do destino. A alegria aumentará 52 Fruto d o Espírito em nossas vidas até conhecermos a emoção não somente de momentos fragmentários de alegria, mas o rio que flui continuamente, esparzindo-se sobre as nossas vidas. Este é o fruto do Espírito de Paulo, a alegria. Finalmente, um lembrete: Nada há que eu possa dar-te que já não tenhas, Mas há muito em mim que, embora não possa dar-te, podes tomar. A tristeza do mundo é apenas sombra; Atrás dela, ao teu alcance, está a alegria: Toma-a, pois! 4 PIOR DO QUE A GUERRA Uma chuva de tiros espalhou na tarde ensolarada o sangue de um berlinense quando ele tentou atra vessar o muro infame. Durante quarenta e cinco minutos de agonia ele suplicou à polícia de Berlim Oriental que o retirasse do muro e lhe desse o so corro de um médico. Estoicamente eles permane ceram com as armas engatilhadas, enquanto o san gue do outro se esvaia. Essa é a paz de Berlim. Há muitas espécies de paz no mundo. Andando junto àquele muro de Berlim podia-se sentir os olhos dos guardas perfurarem suas costas. Há ali uma ten são terrível, uma questão política em muitos sentidos pior do que a guerra. Contudo, dir-se-ia haver au sência de guerra declarada e isso é um certo tipo de paz. Há também a paz de Auschwitz, a paz da morte. Hitler procurou fazer a paz com os judeus, exterminando-os nas suas pavorosas câmaras de gás — sua “solução final”. Também, há a paz da es cravidão e sujeição como os romanos forçaram seus súditos. A revista Decision recentemente disse que essa podia ser chamada a paz do Tibete: ‘ ‘A nação do Tibete foi completamente destituída de sua persona lidade em nossa geração pela China comunista sem que fosse feito um único protesto em frente a uma única embaixada. Há paz no Tibete, mas o tibetanos acabariam com ela se pudessem.” Há ainda a paz dos tranqüilizantes, do uísque, a paz dos viciados em narcóticos e bebidas alcoólicas. Há a paz dos encarcerados em instituições mentais e a dos prisioneiros que sofrem lavagem cerebral. A paz dos “hippies” com uma “viagem” através do LSD é outra espécie de paz. Mas como Winston Churchill disse com tanta propriedade: “Há muitas coisas piores do que a guerra. A escravidão é pior do que a guerra. A desonra é pior do que a guerra.” E a maioria da paz conhecida hoje no mundo é pior do que a guerra. Ou, na melhor das hipóteses, é indu zida artificial e temporariamente. Longfellow fez eco à nossa consternação há um século atrás: E em desespero a cabeça baixei: “Não há paz na terra” , assim declarei, “Por que o ódio é forte e zomba do canto de paz que à terra a boa vontade traz!” Parece termos razão de desesperar quando consi deramos que oitenta e cinco por cento de toda a 54 Fruto do Espírito história tratam de guerra. Na breve história dos Esta dos Unidos temos estado continuamente envolvidos em algum tipo de conflito. Mesmo a doação feita por John D. Rockfeller, de oito e meio milhões de dóla res, para promover as Nações Unidas parecem des perdiçados porque tensões ainda apertam a garganta do mundo. A contradição de Cristo Isaías com clara antecipação diz “. . .e o seu nome será: Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz” (Isaías 9:6). Todos os eruditos cristãos concordam em que esse verso se refere a Cristo, o Menino nascido e o Filho dado. Os anjos refletem esse pensamento, ao anunciarem aos pastores: “Glória a Deus nas maiores alturas, e paz na terra entre os homens” (Luc. 2:14). Os discípulos de Cristo esperavam o cumprimento dessas profe cias e eis que um dia ele os deixa abalados com uma idéia constemadora, contrária a tudo que eles tinham lido ou ouvido. Jesus disse: “Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada. Pois vim causar divisão entre o homem e seu pai; entre afilha e sua mãe e entre a nora e sua sogra. Assim os inimigos do homem serão os da sua própria casa” (Mateus 10:34-36). Uma compreensão superficial da paz levaria al guém a julgar que há contradição entre o que foi profetizado acerca de Jesus e o que ele disse. Con tudo, pesquisas acuradas procuram desvendar o mistério e lançar verdades profundas nos corações Pior do que a guerra 55 inquiridores. Deus disse a Jeremias: “Olha que hoje te constituo sobre as nações, e sobre os reinos, para arrancares e derribares, para destruíres e amainares, e também para edificares e para plantares (Jeremias 1:10). Aqui está a fórmula. Antes que a graça pura possa penetrar numa vida, deve haver a escavação, a limpeza, a destruição, pondo abaixo falsos ideais, deuses, atitudes e processos mentais. E essa mano bra, como Jesus predisse, causará tumulto e tensão. Jesus mais tarde esçlarece o tema, dizendo que uma roupa nova não é remendada com um pedaço de pano velho ou o vinho novo colocado em odres velhos. Portanto, antes que a paz possa vir deve haver a revolução do caráter que Jesus classificou como “novo nascimento” . A Escritura nos avisa e adverte que não podemos servir a dois senhores. Uma fonte não pode dar tanto água amarga como doce, e uma árvore só pod^1 produzir um tipo de. fruto. Paulo, com agudez, pergunta “. . .que socie dade pode haver entre a justiça e a iniqüidade? ou que comunhão da luz com as trevas? Que harmonia entre Cristo e o Maligno?. . . (2 Coríntios 6:14,15). Cristo ataca o problema, repara os danos nas mentes conturbadas, e as reconstrói e planta atitudes e ideais próprios. Só depois disso o homem de fato conhecerá a paz verdadeira. Paz não é só ausência de conflito, retirada, uma forçada tranquilidade psí quica, porém uma profunda “retidão” interior que se reflete exteriormente. O relato de Lucas sobre a mensagem dos anjos é mais propriamente interpre tada “Paz na terra entre os homens de boa vontade.” 56 Fruto do Espírito Cristo na verdade é o Príncipe da Paz pois os que o conhecem encontram no íntimo essa retidão e a boa vontade dela resultante. A história registra alguns fatos desse tipo de paz em ação: a atitude do Rei Alfredo para com os dinamarqueses em 878, a sim patia do Presidente Lincoln com o Sul, em 1865 e o tratamento dado aos japoneses pelo General Mac- Arthur em 1945. Isso é paz numa escala humana exercida por homens de “boa vontade” que tinham encontrado paz interior. Nos últimos tempos, quando vier o Reino de Cristo, o mundo verá essa paz em plena ação. Até lá podemos promover a paz adequada em nossas vidas e ser homens de boa vontade. Tiago nos lembra: “Ora, é em paz que se semeia o fruto da justiça, para os que promovem a paz” (Tiago 3:18). Paulo diz: “O fruto do Espírito é paz. ’ ’ A paz que Cristo dá não é só nas boas circunstâncias, ou como os estóicos que subjugavam seus sentimentos, ou como os epicuris- tas que não admitiam um pensamento doloroso, mas uma tranqüilidade absoluta presente em todas as circunstâncias e tensões. Num certo nível de profun didade o oceano permanece calmo apesar dos ven tos tempestuosos que varrem sua superfície ou fon tes que brotam vigorosas do fundo. Da mesma forma, há uma paz em Cristo que transcende dificul dades e ela é fruto do Espírito. Pior do que a guerra 57 Fazendo da paz um exercício Definir a paz de pouco adianta, já que o diagnós tico é quase sempre mais fácil do que a cura. Con tudo, a Bíblia não só fala da paz que passa desperce bida, como também oferece conselho prático acerca de como exercitar a paz na nossa vida diária. Essas sugestões são divulgadas desde o princípio da Bíblia até às visões triunfantes de João no apocalipse. Al gumas delas são de auxílio valioso. Conhecer a Deus. Assim como a fonte da verda deira alegria é Deus, também ele é a fonte da paz. O discurso eloqüente de Elifaz no livro de Jó aconselha: “Reconcilia-te, pois, com ele, e tem paz” (Jó 22:21). Paulo mais tarde esclarece o conceito de paz em Efésios 2 :14 : “Porque ele [ Cristo ] é e nossa paz. . .” Justiça e retidão só podem vir de Deus; assim, só pode haver paz no coração quando Cristo tem o pleno controle da vi^a. Amando a sua lei. O Salmista disse há séculos: “Grande paz têm os que amam a tua lei; para eles não há tropeço” (Salmo 119:165). Neste tempo de ceticismo é fácil desconsiderar, a Palavra de Deus e considerá-la como inaplicável. Contudo, as verdades eternas escondidas nelas ajudarão os que estão pre sos na trama de algum dilema. Um dia perguntaram ao Dr. Smiley Blanton, diretor da Fundação Norte- -Americana de Religião e Psiquiatria, se ele lia a Bíblia. Ele replicou: “Não somente leio como a es tudo. É o maior texto escrito sobre o comportamento humano jamais apresentado na íntegra. Se o povo unicamente absorvesse sua mensagem, grande nú 58 Fruto d o Espírito mero de nós, psiquiatras, fecharíamos nossos con sultórios e iríamos pescar.” Ele prossegue comen tando quão desassisado é não fazer uso da sabedoria destilada de 3 .000 anos. A Palavra de Deus nos afirma a “retidão” final das coisas e que tudo na verdade concorre para o bem. Ela determina princípios básicos para a paz, tais como: “por baixo de ti estende os braços eternos; ama a teu próximo como a ti mesmo; não vos in quieteis com o dia de amanhã; conhecereis a ver dade e a verdade vos libertará.” Paulo diz a Timóteo que a Escritura é proveitosa “a fim de que o homem de Deus seja perfeito. . ( 2 Timóteo 3:17). Há paz em amar e viver a sua Palavra. Uma familiaridade com a Palavra de Deus pode ajudar-nos a resolver nossos problemas, pois a Bíblia encerra muitos exemplos de homens do passado que tiveram pro blemas semelhantes, mas foram vitoriosos em sobrepujá-los. Pratique a paz. Paulo escreve aos Colossenses: “Seja a paz de Cristo o árbitro em vossos cora ções. . . (Colossenses 3:15). Para ter paz e retê-la devemos praticá-la. O psicólogo William James disse muito a respeito da verdade da admoestação. Ele foi um dos primei ros psicólogos a propor a teoria de que cada sensa ção, cada contacto com o mundo exterior deixa um traço permanente entre os dez bilhões de células cerebrais. Esses traços são permanentes e constan temente cumulativos, e a soma total deles constitui nossa personalidade e caráter. Ele prossegue acen Pior do que a guerra 59 tuando que qualquer coisa que façamos facilita a sua repetição. Isso porque as correntes elétricas regis tram tudo o que está acontecendo e abrem caminho entre as células cerebrais. Quanto mais freqüente- mente uma ação é realizada, tanto mais profundos e largos ficam esses caminhos. Jam es disse: “O homem que se acostumou diariamente a hábitos de atenção concentrada, volição energética e renúncia própria permanecerá como uma torre quando tudo se abate sobre ele e quando seus companheiros mortais mais fracos foram arrojados como palha pelo vento. Semeie uma ação e você colherá um hábito; semeie um hábito e ceifará um caráter; semeie um caráter e terá um destino.” Sua teoria foi ainda mais explícita quando ele disse: “Estamos tecendo nossos próprios fados, maus ou bons. Cada pequeno golpe de virtude ou vício deixa sua cicatriz, nem sempre pequenina. Assim como nos tomamostjêbados com tantos goles que tomamos separadamente, tomamo-nos santos, autoridades e peritos por muitos atos separados e horas de trabalho.” Em outras palavras, a paz pode descer às nossas vidas se deixarmos que ela governe nossas vidas e agirmos conscientemente sobre a paz que agora temos. A paz permanente, a de Cristo, dominará toda a nossa existência. Ficaremos calmos durante a tensão, imperturbáveis nas aflições, e re solutos ante o desastre. Essa foi a paz da mente, do coração e caráter que Jesus manifestou durante as horas angustiosas da prova no Calvário. 60 Fruto do Espírito Pior do que a guerra 61 A feitura do homem Algumas vezes é difícil conservar a mente e o coração calmos emtempos de tormenta. Contudo, se pudéssemos compreender que há um esquema superior de coisas e que Deus está promovendo algo muito mais valioso em nossas vidas, sobreviría a calma de espírito a despeito das circunstâncias. Deus procura fazer de nós homens. Nasceu na turbulência e luta do século quinze um dos maiores gênios que o mundo conheceu. Seu nome era Michelangelo Buonarroti, e ele foi mestre não só na pintura, mas na arquitetura, ciência e, sobretudo, na escultura. Ele sentia-se escolhido por Deus para arrancar da pedra grandes obras de arte que pareciam respirar com vida. Frequentemente Michelangelo dizia que a arte para ele não era ciência, mas “fazer homens.” Ele considerava a pedra uma prisão na qual viviam for mas vitais e seu desafio era “libertar a figura do mármore que a aprisiona” . Por causa desse gênio o mundo tem obras tão famosas como Davi, a Pietá, Moisés e Baco. O empenho de Michelangelo por libertar formas de suas pétreas prisões não é senão uma sombra do Grande Artista, Deus, e seu desejo de criar homens. Contudo, Deus faz o que artista algum podería fazer, pois não somente configura a forma do homem, mas sopra nele vida, e vida mais abundante. O Grande Escultor fala de esculpir a alma do homem “para serem conformes à imagem de seu Filho” (Rom. 8:29). Deus arrebata das pedras de nossa fragilidade humana e fragorosa insuficiência uma imagem vi brante ali aprisionada. Liberta-a pelo seu poder para viver para sempre na atmosfera regozijante de sua presença. Em vários lugares da Escritura há o retrato de Deus como Grande Artífice, trabalhando a sua criação, moldando-a e configurando-a até ficar satisfeito com o seu trabalho. Este retrato de Jeová devia ser o de Jó , quando escreveu: “As tuas mãos me plasmaram e me aperfeiçoaram , porém , agora, queres devorar-me. Lembra-te de que me formaste como em barro; e queres, agora, reduzir-me a pó?” (Jó 10:8-9). Para alguns essa imagem de Deus pode parecer absurda. Deus parece muito grande para trabalhar um bloco de bano ou se preocupar com a alma ínfima de um simples homem. Contudo, Paulo rea firma: “Estou plenamente certD de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao dia de Cristo Jesus” (Filipenses 1:6). Se o coração ainda duvida de seu interesse pessoal é só ler o cântico do salmista que insiste: “O que a mim me concerne o Senhor levará a bom termo; a tua miseri córdia, ó Senhor, dura para sempre; não desampa res as obras das tuas mãos” (Salmo 138:8). Isaías fala muito da grandeza e majestade de Deus. Fala das nações não sendo mais que uma gota no oceano comparadas ao poder e providência de Deus. Isaías viu a santidade de Deus como qualquer coisa tão sagrada que exclamou: “Ai de mim! Estou per dido! porque sou homem de lábios impuros.” Con 62 Fruto do Espírito tudo, esse mesmo profeta de língua como a prata disse que Deus escreveu na sua alma: “Acaso pode uma mulher esquecer-se do filho que ainda mama, de sorte que não se compadeça do filho do seu ventre? Mas ainda que esta viesse a se esquecer dele, eu, todavia, não me esquecerei de ti.” Para melhor acalmar uma nação frágil e esmorecida, Deus pros segue: “Eis que nas palmas das minhas mãos te gravei; os teus muros estão continuamente perante mim” (Isaías 49: 15-16). Deus é o Escultor por ex celência interessado na beleza de nossas vidas. Os escultores por vezes fracassam quando suas prisões de pedra se recusam a apresentar alguma parte essencial de seus prisioneiros. Michelangelo sentiu essa frustração quando esculpia São Mateus. Quando estava em meio, essa obra parecia sugerir a luta por se libertar. Todavia, Michelangelo não podia, malgrado seu esforço, libertá-la. Ele depôs seu instrumento, desanimado. Poder-se-ia pergun tar: “A figura não podia ser terminada de alguma forma? Não havia porventura material suficiente para isso?” Ele provavelmente podia ter terminado a estátua, porém não na forma que desejava e, nesse caso, o fracasso teria sido mais esmagador. Então ele parou. Michelangelo deixou muitas estátuas inaca badas, quatro das mais famosas são os Gigantes Cativos em Florença. Nesses trabalhos ele fracassou. É possível que a pedra de nossa vida seja tão estragada ou rija que Deus desista de nós no seu processo de esculpir? Jeremias responde a isso na parábola pungente do oleiro que está ocupado fa Pior do que a guerra 63 zendo vasos. Enquanto ele observava os dedos ágeis do artista, sobreveio uma crise: “Como o vaso, que o oleiro fazia de barro, se lhe estragou na mão, tomou a fazer dele outro vaso, segundo bem lhe pareceu.” Certo de que Jeremias compreendeu o significado, Deus disse de Israel: “.. .Não poderei eu fazer de vós como fez este oleiro? diz o Senhor; eis que como o barro na mão do oleiro, assim sois vós na minha mão” (Jeremias 18:4-6). Ao passo que alguns artistas fracassam por causa das deficiências de seu material, Deus não pode falhar, mas continuará a moldar vasos para o seu uso. Ele se empenha por vencer. Assim freqüente- mente provamos quão corrompidos somos. Davi o evidenciou, e Moisés certamente mostrou cada traço humano e terestre. Contudo, Deus pacientemente molda e toma esses vasos à sua semelhança. Davi podia orar confiantemente: “Compadece-te de mim, ó Deus, segundo a tua benignidade; e, segundo a multidão das tuas misericórdias, apaga as minhas transgressões” (Salmo 51:1). É uma grande fonte de paz ouvir o salmista cantar: “Leitibra-se de que eles são carne.” Se por um lado o pensamento de sermos esculpi dos por Deus e termos as nossas arestas aplainadas é agradável, por outro nos fere. Não somos pedras que suportam sem dor as pancadas do cinzel. Alguns golpes que recebemos tómam-nos melhores, mas nos ferem profundamente. O processo da libertação é em geral longo e pode manifestar-se como extre mamente difícil para nós. Não parecemos com 64 Fruto do Espírito preender por que determinada moléstia é para o nosso bem, ainda que a Palavra declara: “Ele me faz repousar.” O desapontamento tragando nossa am bição mata nossas esperanças e não sabíamos que nossos amigos cristãos poderíam ou quereríam ferir-nos tão duramente. Uma mulher, após perder seu ente amado exclamou: “Oh, eu queria nunca ter sido feita.” Sua amiga replicou sabiamente: “Você não está feita — está sendo feita. Isto é parte do processo.” Cada sucesso, cada fato e acontecimento faz parte do processo de escultura de Deus, e “S a bemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus” (Romanos 8:28). É verdade, mas ainda magoa. Em ocasiões como essas precisamos não só do sopro do Artista como do toque do Grande Médico. Um dos mais belos aspectos de Cristo é o de ele curando os homens enfermos. Note: Ele os tocava. Colocava suas mãos nos seus olhos, nas suas frontes febricitantes, nos seus membros claudicantes. E com esse toque vinha a cura, afastando não só a dor, mas a lembrança dela. Na última Ceia, ele lavou os pés de seus discípulos. Quantas vezes eles devem ter pen sado naquele momento, quando nos anos seguintes ansiavam pela sua volta. Cristo falou sobre o amor de seu Pai na história do filho pródigo. O pai tinha toda a razão de estar zan gado com os desatinos do rapaz. Ele tinha esperdi- çado sua fortuna e educação. Contudo, não o espe rou à porta com uma palavra fria de boas-vindas ou um aperto de mão relutante. Ao invés disso, obser Pior do que a guerra 65 vando ansiosamente, viu ao longe seu filho, correu, lançou-se aos seus braços e beijou-o. Esse é o toque de cura. Davi fala sobre esse toque no seu famoso salmo do pastor. “Refrigera-me a alma.” As ovelhas na Pales tina têm um instinto extraordinário de rebanho. Cada manhã elas partem em seu lugar particular na fila e assim se conservam. Contudo, por vezes du rante o calor do dia cada uma se afasta do seu lugar na fila e trota na direção do pastor para receber um afago na cabeça, uma fricção atrás da orelha.Satis feita porque o pastor a ama, a ovelha volta ao grupo com a sua alma refrigerada. Davi acrescenta clara mente nos versos finais: “Unges-me a cabeça com óleo.” À noite o pastor senta-se à porta do redil e examina cada ovelha que entra. Se alguma se feriu ou está machucada, ele toma do ungüento curativo e o despeja abundantemente sobre a ferida. Não ad mira que Davi exclamasse: “O meu cálice trans borda.” Não é sempre fácil ser feito homem por Deus. Contudo, aquele a quem ò Filho liberta, está real mente livre. Quando tivermos sido libertados da pri são da carne que nos encerra em frustração e fra casso, tomamo-nos as grandes peças de arte que Deus deseja de nós. E realmente aprendemos a viver! O Escultor-Mestre está trabalhando, e nossa oração deve ecoar como a de Paulo “. . .o qual se esforça sobremaneira, continuamente, por vós, nas orações, para que vos conserveis perfeitos e plena- 66 Fruto d o Espírito mente convictos em toda a vontade de Deus” (Co- lossenses 4:12). Quando a história final deste século for escrita, dir-se-á provavelmente que temos procurado mais e encontrado menos paz do que todas as gerações anteriores. Por vezes a paz é como acomodar gati- nhos numa cesta. Você acaba de colocar um dentro e outro salta fora. Em todo o mundo irrompem pontos de discórdia como bolhas pútridas expelindo violên cia e o pus de atrocidades humanas. A paz pessoal parece tão justa quanto ilusória. Os homens buscam a paz através de sua própria explo são — na bebedeira, nos excessos sexuais, drogas, e coisas que tais. Tragicamente, como o poeta persa Ornar Khayyam, eles saem pela mesma porta pela qual entraram. Nesta era, a voz da religião verda deira, vital, precisa soar como um chamado de cla rim, de forma a que os homens possam ver o Prín cipe da Paz. Pode-se ter paz, porém tem de ser a paz pura e permanente de Cristo. Só depois de obtermos uma paz assim podemos assimilar a última estrofe daquele famoso cântico de Natal de Longfellow: Então repicaram sinos mais alto e mais suave: “Deus não morreu nem dorme. Declinará o mal, e prevalacerá o bem com paz na terra, entre os homens” Pior do que a guerra 67 5 OS ANOS DO GAFANHOTO Por mais de vinte anos Robert Frost foi um fra casso. Costumava dizer que durante esse tempo ele era uma das muito poucas pessoas que se reconhe ciam como poeta. O mundo deplorou sua morte recente, e hoje ele é apontado como um dos maiores poetas norte-americanos. Seus poemas foram publi cados em vinte e dois idiomas e só a edição norte- -americana vendeu cerca de um milhão de exem plares. Por quatro vezes ele foi o vencedor do cobi çado Prêmio Pulitzer de poesia e recebeu provavel mente mais títulos honoríficos do que qualquer homem de letras. Robert Frost tinha trinta e nove anos antes de vender um volume.de poesia. Tinha estado a escre ver durante vinte anos e recebeu rejeição sem fim ao seu trabalho. Contudo, sua perseverança valeu e o mundo é mais sábio e rico por causa dela. O Dr. George Crane, eminente psiquiatra, recen temente registrou vários ingredientes para se atingir a culminância. Entre eles anotou o que se espera ver numa tal lista: talento, responsabilidade e devoção à tarefa. Então, surpreendentemente, ele disse que o vigor físico também é necessário. Ele argumenta que muitos homens não alcançam o ápice de suas aspira ções senão tarde na vida e que, portanto, a resistên cia é necessária. Ele citou Winston Churchill como exemplo ímpar. O que é verdade quanto ao físico também é cer tamente quanto ao espiritual. S e queremos alcançar o plano mais alto a que Deus nos quer levar, deve haver resistência espiritual ou vigor. Paulo chama a este fruto do Espírito, longanimidade, que é melhor definida como resistência em todas as situações. Cristo disse: “Aquele, porém, que perseverar até ao fim, esse será salvo.” O escritor da epístola aos He- breus apresentou essa verdade. “Porque nos temos tomado participantes de Cristo, se de fato guardar mos firme até ao fim a confiança (Hebreus 3:14). Mais tarde ele'observou que Cristo coloca a paz como resistência: “ . . . o qual em troca da alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz, não fazendo caso da ignomínia, e está assentado à destra do trono de Deus” (Hebreus 12:2). Na última década ergueu-se um tumulto acerca do “Cristianismo fácil.” Alguns declaravam que os pre gadores tinham tomado essa fé muito fácil, ao passo que outros replicavam que Cristo disse ser leve seu fardo e seu jugo suave. Ainda que pareçam ser para doxais, ambos os argumentos são corretos. É fácil 70 Fruto do Espírito deixar Cristo viver em você, mas há uma luta etema. Paulo ressalta: “Porque a nossa luta não é contra o sangue e a carne, e, sim, contra os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo te nebroso, contra as forças espirituais do mal nas re giões celestes” (Efésios 6:12). Na sua última carta a Timóteo, Paulo admoesta: “Participa dos meus so frimentos, como um bom soldado de Cristo Jesus” (2 Timóteo 2:3). É fácil servir a Cristo porque “. . . maior é aquele que está em vós do que aquele que está no mundo” (1 João 4:4). Mas é difícil por que, como Jesus disse a Pedro: “Eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como trigo” (Lucas 22:31). Levado ao desespero Sábio guerreiro, Satanás não se atém a grandes batalhas, mas investe em nossas pequenas lutas. Visto como esperamos alguma refrega grande, al guns repentinos ataques de seus quartéis, freqüen- temente desconsideramos a erosão dos contrafortes de nossas almas pelos seus repetidos ataques a pe quenas coisas. Uma mulher atribulada deu-me um dia um poema, sussurrando-me que ele descrevia o que lhe sucedera. Não conheço o autor, mas posso testificar quanto à verdade expressa. Pensava que se a derrota sobreviesse, seria em grande peleja, rude, definitiva, Os anos do gafanhoto 71 72 Fruto do Espírito com uma causa e um nome. E ela veio. Em escaramuças cotidianas, de pouca monta, não cogitei; e assim as costas lhes dei anos a fio, até que um dia um milhão de minúcias soltas contra mim se ergueu e me esmagou. Coisas pequeninas levam-nos ao desespero. Uma insolúvel frustração, ainda que pareça sem impor tância e tola, cresce até obstruir o caminho ante nós. Nessas ocasiões agimos e reagimos fora do caráter do testemunho cristão. Foi o que aconteceu a um rriinistro texano que estava programado para falar numa conferência. Ele corria, atrasado, porque seu despertador não havia funcionado. Na pressa de ganhar o tempo perdido, cortou-se quando se bar- beava. Então, verificou que suas calças não estavam passadas a ferro. Para piorar a situação, ao correr para seu carro, notou que um pneu se esvaziara. Aborrecido e, a essa altura de todo desorientado, o ministro afinal pôs-se a caminho em grande veloci dade. Correndo pela cidade, não notou um sinal de parada e passou à frente. Por obra do destino, havia por perto um guarda e a seguir ele ouviu o estrídulo de um apito. Pulando do seu carro, o agitado ministro disse asperamente: — Está bem, vamos, dê-me a notifica ção da multa. Hoje tudo saiu errado mesmo. O guarda aproximou-se e disse calmamente: — Senhor, eu costumava ter dias assim antes de me tomar cristão. É desnecessário dizer que o embaraçado ministro ficou envergonhado com a réplica do desconhecido e prosseguiu seu caminho pedindo perdão e orando para ter forças de corrigir sua atitude. Todos nós temos dias quando as coisas parecem não correr bem. Mesmo os cristãos não estão livres de tensões da vida que estraçalham nossos nervos. Cristo nunca prometeu liberdade da tensão, mas resistência na tensão. Se Satanás pode minar nossas forças nesses instantes de lutas, suas grandes bata lhas são desnecessárias. Ao considerarmos o relato do ministro do Texas nossas mentes se voltam para situações semelhantes em nossas vidas, quando fomos os perdedores numa dessas pequenas refregas espirituaiscom Satanás. Seria conveniente considerar o que pode ser feito para impedir uma derrota no futuro e resistir durante esses momentos tormentosos. Alguém esqueceu um hífen e isso custou ao go verno dos Estados Unidos cerca de 18 .000 ,000 de dólares. A revista “Seleções” registrou o incidente e desse que o hífen foi omitido ao serem transmitidas instruções a um computador que devia dirigir um foguete a Vênus. Um acervo de informações codificadas alimentou a máquina e guiou o foguete na primeira fase do vôo. Por um momento o computador e o foguete perde ram o contacto. Ainda que o foguete se desviasse Os anos do gafanhoto 73 e levemente do curso, um hífen — eles o chamam “barra” — nas instruções devia informar ao foguete que não se preocupasse. Não houve a barra e o foguete se alterou. O computador começou a enviar o rumo das direções que não eram certas, e o foguete teve de ser destruído. Comentando o incidente, o repórter disse: “Uma patética e, de forma acidental, uma história humana. O foguete foi aparelhado para uma viagem de 180.000.000 de milhas e desgovemou-se com o comprimento de um -. Eu gosto de pensar na oração como o hífen de nossas vidas. Ela não leva muito tempo. O tempo de nossas orações pode ser minutos ao invés de horas; pode preencher momentos casuais do dia. Contudo, esse pequeno hífen em nossas vidas é que nos diz para não nos preocuparmos, e por vezes soçobra- mos em frustração. O melhor tempo para orar sobre um assunto é quando ele o preocupa. Se o ministro tivesse empre gado seu tempo, assim que se levantou, para inserir o hífen da oração no seu dia, ele provavelmente teria tomado uma atitude bem diversa. Como se passa ram as coisas, uma agregou-se à outra até que ele explodiu. Se pudéssemos aprender o segredo do acesso instantâneo a Deus, nossa resistência durante a refrega seria muito maior. Há duzentos anos um monge que lavava vasilha mes e panelas num mosteiro deu-nos uma chave preciosa de como viver. O irmão Lawrence, que ficou muito conhecido não por causa de sua teologia 74 Fruto do Espírito brilhante, mas por viver tão plenamente como Cristo, escreveu um livrete, A Prática da Presença de Deus. Ele dizia: “O tempo do trabalho, para mim, não difere do tempo da oração; e no barulho e alarido de minha cozinha, enquanto várias pessoas estão falando ao mesmo tempo de coisas diferentes, eu me aposso de Deus em tão grande tranqüilidade como se estivesse ajoelhado num bendito sacra mento.” Então aqui está a chave: o acesso instantâneo. Precisamos comprender que Cristo está conosco em cada momento. Na iminência da frustração devemos volver-nos para ele em busca de sabedoria, força e graça. O escritor do cântico estava certo. Quanta paz esperdiçada, quanta dor sofrida em vão, só porque nós não levamos tudo a Deus em oração. Satanás não precisa ter êxito nas pequenas esca ramuças, se entregamos o controle de nossa vida àquele que venceu pela cruz e deseja tomar-nos vencedores pela nossa vida. A questão do por quê Talvez o maior teste de nossa resistência ocorra quando o sofrimento como que nos abate e somos tentados a propor a questão do “por quê?” Enfren tando em cheio a aflição, é difícil ver qualquer sen tido nas coisas que nos atingem e queremos questio Os anos do gafanhoto 75 nar a integridade de um Deus fiel. Contudo, esses1 momentos podem ser os mais significativos em nossa vida. O velho profeta Joel cita Deus: “Restituir-vos-ei1 os anos que foram consumidos pelo gafanhoto. . (Joel 2:25). Há anos na África do Sul em que os gafanhotos devastam a terra e comem a colheita. Eles vêm em hordas, obscurecendo o sol. Arrasada a colheita, segue-se um inverno duro. “Os anos consumidos pelo gafanhoto” são temidos e causam terror. Mas nos anos seguintes, a África do Sul obtém as mais abundantes colheias, porque os corpos dos gafa nhotos servem como fertilizante para as novas se mentes. E o ano do gafanhoto é recuperado por grandes colheitas em toda a terra. Isso serve como parábola para nossa vida. Há estações de grande angústia e tribulação que por vezes destróem toda a utilidade de nossa vida. Con tudo, a promessa é que Deus restaurará esses anos. do gafanhoto, se resistirmos. Ceifaremos se não de sanimarmos. Ainda que agora desconheçamos todos os “por quês” , podemos estar certos de que nossos tempos estão em suas mãos. Penso que há três ra zões para Deus permitir que seus santos sejam afligi dos e talvez possa ser de proveito considerá-las. A primeira é disciplina. Há muitos anos um homem perdeu sua esposa subitamente com um derrame cerebral. Mais tarde ele adoeceu por um ano e ficou incapacitado para se mover. Depois, não podia falar e sofreu outros ataques do coração. Não eia um homem mau ou descrente; antes, piedoso, 76 Fruto d o Espírito tendo dedicado sua vida ao ministério. Não obstante, Ezequiel sofria. Em meio ao sofrimento de seu cora ção ele citou Deus: “Estará firme o teu coração? Estarão fortes as tuas mãos, nos dias em que eu vier a tratar contigo? Eu, o Senhor, o disse e o farei” (Eze quiel 22:13, 14). Ezequiel compreendeu bem e co municou a Israel o fato de que as aflições vinham como disciplina. Sua própria vida era típica de como Deus podia tratar com uma nação rebelde. Ainda que Deus perdoou a cumplicidade de Davi acerca de Bate-Seba, seguiu-se um castigo. Seu filho ilegítimo morreu e a marca do sangue de guerra não se afastou de seu lar. O verdadeiro perdão é perdoar o pecador, porém não o pecado. O castigo deve seguir-se por causa de terem ferido a Deus, a amigos e ao próprio pecador. Pais fracos e ineficientes que criam filhos egoístas e odiosos são testemunhas trágicas de perdoar tanto o ofensor como a ofensa. Infelizmente, muitos não reconhecem a disciplina quando lhes é aplicada. Falando de Davi a Samuel, disse Deus: “Eu lhe serei por Pai e ele me será por filho; se vier a transgredir, castigá-lo-ei com varas de homens, e com açoites de filhos de homens.” Fre- qüentemente a disciplina vem em forma de doença, tristeza, ou algum grande desapontamento. Sem considerar se a aflição advém de problemas humanos ou de doenças, seria sábio o perguntar-se se é justo o castigo de Deus. Antes de nos ressentir mos de tal disciplina devíamos aceitá-la de bom grado e nos aperfeiçoarmos por causa dela. Leiamos estas palavras de Hebreus 12:5-13: “Filho meu, não Os anos do gafanhoto 77 menosprezes a correção que vem do Senhor, nem desmaies quando por ele és reprovado; porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo o filho a quem recebe. É para disciplina que perseverais (Deus vos trata como a filhos); pois, que filho há a quem o pai não corrige? Mas se estais sem correção, de que todos se têm tomado participantes, logõ sois bastardos e não filhos. Além disso, tínhamos os nos sos pais segundo a carne, que nos corrigiam e os respeitávamos; não havemos de estar em muito maior submissão ao Pai dos espíritos e então vivere mos? Pois eles nos corrigiam por pouco tempo, segundo melhor lhes parecia; Deus, porém, nos disciplina para aproveitamento, segundo sua santidade. Toda disciplina, com efeito, no momento não parece ser motivo de alegria, mas de tristeza; ao depois, entre tanto, produz fruto pacífico aos que têm sido por ela exercitados, fruto de justiça. Por isso, restabelecei as mãos descaídas e os joelhos trôpegos; e fazei cami nhos retos para os vossos pés, para que não se extravie o que é manco, antes seja curado” . A segunda razão pela qual Deus permite que ocorra a aflição é o desenvolvimento. Não sucedeu muita coisa durante os oito anos de presidência de Jam es Monroe. As coisas corriam tão pacificamente que os historiadores apelidaram aquele período como a “era do bem-sentir” . Con tudo, Jam es Monroe não é considerado um dos grandes presidentes. Os historiadores concordam em que a marca de um grande presidente consiste na 78 Fruto do Espírito forma como ele reage em crises.Assim, Abraão Lin coln, George Washington, Woodrow Wilson e às vezes F.D. Roosevelt são registrados como grandes presidentes. É estranho, mas verdade, que a tragé dia, a tensão e as provações trazem à tona o que há de melhor nos homens. Perguntaram certa vez a Henry Ford o nome de seu melhor amigo. O grande magnata replicou: “Meu melhor amigo é aquele que extrai de mim o melhor.” O cristão sente ser Cristo seu melhor amigo. Todavia, muitas vezes, não compreendemos a implicação dessa amizade, seu pedido para tirar mos de nós o melhor que temos. Daí que sejamos afligidos pelo nosso desenvolvimento. Palavras estranhas aparecem no Salmo 119: “Foi-me bom ter eu passado pela aflição, para que aprendesse os teus decretos” (vers. 71). E, de novo: “Bem sei, ó Senhor, que os teus juízos são justos e que com fidelidade me afligiste” (vers. 75). Essas palavras não são rimas de um poeta alienado, mas o soluço sincero de um homem desejoso de uma apro ximação maior com Deus. Ele sabia que as aflições de Deus levavam os homens ao Criador. Paulo ar- gtiia: “. . . para o conhecer e o poder da sua ressurrei ção e a com unhão dos seus sofrim entos, conformando-me com ele na sua morte. . .” (Filip. 3:10). No reverente e alegórico Cântico de Salomão há um diálogo que fala muito do desenvolvimento na aflição. Falando à noiva, o amado diz: “Jardim fechado és tu, minha irmã, noiva minha; manancial Os anos do gafanhoto 79 recluso, fonte selada” (Cantares 4:12). Ele prosse gue dizendo que dentro do seu amor há especiarias de doce aroma. A noiva replica: “Levanta-te, vento norte, e vem tu, vento sul; assopra no meu jardim, para que se derramem os seus aromas” (v. 16). O cristão é um jardim fechado e muitas vezes a verda deira beleza espiritual só pode surgir quando ele se sujeita aos ventos da aflição. A oração de Cristo, bem como o pungente modelo que ele ensinou aos seus discípulos não eram pedi dos por piedade ou livramento, mas carregados de “Tua vontade seja feita” . Por vezes alguns apanham a idéia de que há líderes espirituais que renegariam santos de verdadeiro desenvolvimento, insistindo em que Deus os livraria se tivessem fé e persistência. Quão diversa é a atitude do que escreve em Provér bios 30 :8 “. . .dá-me o pão que me for necessário.” Dietrich Bonhoeffer, um mártir, muitas vezes antes de morrer disse: “Quando Cristo chama um homem ele o convida a vir e morrer. ” Muitos caem contritos aos pés da cruz, mas há outros que parecem na verdade estender-se na cruz e morrer com Cristo. Paulo era um desses. “Estou crucificado com Cristo; logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. . (Gálatas 2:19-20). Em outro livro ele ex plica o sofrimento daqueles santos escolhidos, di zendo: “.. .até agora temos chegado a ser considerados lixo do mundo, escória de todos” (1 Coríntios 4:13). A vida desses homens recorda-nos vivamente a beleza pura de uma vida sofredora. Deus manda de fato 80 Fruto do Espírito aflição para o desenvolvimento do caráter e da alma. Direção pode também ser considerada como uma razão pela qual Deus envia aflição. A alma de um jovem cativo era tomada de pro funda tristeza. Sua viagem até ao Egito era somente parte que o sofredor José teria de enfrentar durante seu longo e solitário exílio. Como podería saber da prisão que o aguardava, da traição por parte dos que tinha ajudado e da separação dos seus queridos? Se um homem foi jamais afligido, deve ter sido esse jovem filho de Jacó. À luz fria da história, pode-se ver a sabedoria da aflição. Se José não tivesse sido vendido como es cravo, uma nação não teria sido preservada. Se não tivesse sofrido assim, às mãos de seus irmãos, não teria conhecido a compaixão pelo sofrimento que demonstrou. Num retrospecto, desligados emocio nalmente, podemos ver bem como Deus usou bem a aflição para dirigir esta vida humana. Infelizmente não somos tão filosóficos acerca de nossa própria situação como ao tratarmos da de José. Nas paixões do presente, nas tormentas de nosso tempo, não podemos ver nenhum propósito sensível na aflição que nos atinge. Contudo, deve mos lembrar que atravessamos o vale da vida sem ver o caminho adiante. Há aquele que fica além desse vale e sabe o fim desde o princípio. Freqüen- temente ele nos leva ao encontro da aflição para que seu bem em vista possa ser realizado. Não admira que Jó dissesse: ‘ ‘Mas ele sabe o meu caminho; se ele me provasse, sairía eu como o ouro” (Jó 23:10). Os anos do gafanhoto 81 A história está cheia daqueles que não têm obser vado a direção de Deus na aflição. Saul recusou-se a receber a aflição como direção e perdeu a unção e o reino. Mais tarde, Salomão, homem de tão grande promessa, desviou seus ouvidos dos rumores da afli ção e anos depois extraviou-se de Deus. Ele tinha tudo para o fazer feliz, mas em certo momento per deu o contacto com Deus. Deus lidou com ele por meio da aflição, mas ele fracassou em corresponder a ela. Deve ser no seu desespero que ele escreveu: “Melhor é a mágoa do que o riso, porque com a tristeza do rosto se faz melhor o coração” (Eclesiastes 7:3). O poeta disse sabiamente: “O caminho da cruz conduz ao lar.” As cruzes conjuram imagens de sa crifício e sofrimento. Deus não promete bancos es tofados ou pistas de corrida carpetadas. Sua pro messa é para aqueles que vencem. Porque ele ama os seus escolhidos e deu-se a eles, guia-os muitas vezes com aflições. Esses caminhos não são sempre fáceis, porém são ainda assim os mais curtos para o lar. Após uma longa vida de aflição e aprendendo a depender diretamente da direção de Deus, Paulo escreve: “Porque a nossa leve e momentânea tribu tação produz para nós eterno peso de glória, acima de toda a comparação . . .” (2 Coríntios 4:17). O escritor de um hino diz: O caminho que eu trilhei mais perto de Deus levou-me, Embora me conduzisse 82 Fruto d o Espírito pelos portais da tristeza. Ainda que eu não tivesse esse caminho escolhido, em meu caminho eu podia ter perdido para sempre a alegria que me aguarda. Deus trata seu povo em aflições por meio da disci plina, do desenvolvimento e da direção. Tiago, que mais tarde foi levado à morte pelo Cristo que amava, disse: “Bem-aventurado o homem que suporta com perseverança a provação; porque, depois de ter sido aprovado, receberá a coroa da vida, a qual o Senhor prometeu aos que o amam” (Tiago 1:12). Antes que chorar quando sobrevêm as aflições em nossos ca minhos, ou nos tornarmos paranóicos espirituais quando somos abatidos por doenças, devemos lem -. brar que Deus cura as pessoas, não as doenças. As doenças são muitas vezes só sintomas e Ezequiel inquire se nossos corações podem ficar firmes quando Deus lida conosco. Devemos cantar com o escritor: Submisso estou à vontade daquele que me guia e que é certamente do amor revelação. Minh’alma se ergue sobre o mundo em que me movo e só conquisto onde me rendi. O homem que voltou A resistência de Davi havia atingido o limite ex tremo. Durante meses ele havia sido caçado através Os anos do gafanhoto 83 de desertos abrasantes por um rei malvado inclinado ao assassínio. Alquebrado de ossos, ele e seu grupo de gentalha chegaram ao seu campo e o encontra ram queimado e saqueado. Enquanto estavam afastados, suas famílias tinham sido raptadas e talvez assassinadas. No seu ódio exasperado eles voltaram-se contra Davi e falaram de o apedrejar. Se ele não os tivesse conduzido para longe na última missão, isso não teria sucedido. Nesse momento de angústia da alma a majestade do homem Davi surgiu. A Bíblia diz simplesmente: . .porém Davi se reanimou no Senhor seu Deus” (1 Samuel 30:6). Levado ao desespero e à beira do desastre, ele voltou vitorioso, sabendo que Deus que o conduzira antes não o desampararia agora. O resto do capítulo relata como, sob a direção de Deus, ele foi levado a recapturar todos os bens e as famílias. Não houve perda de vida. O fruto do Espírito é resistênciae isso nem sempre é fácil. Contudo, em nossos momentos de desespero seria bom recordar aquela figura solitária que há muitos anos cobrou ânimo no Senhor. Como Davi soube que viria a libertação, podemos ficar certos de que os nossos anos de gafanhotos serão recupera dos. Habacuque parece apreender o próprio pulsar do coração de Deus quando escreve sua mensagem: ‘‘Porque a visão ainda está para cumprir-se no tempo determinado, mas se apressa para o fim e não falhará; se tardar, espera-o, porque certamente virá, não tardará” (Habacuque 2:3). 84 Fruto d o Espírito 6 O TOQUE SUAVE O terror apertava a garganta do nativo enquanto ele agarrava seu filho moribundo e corria os três quilômetros de poeira esbraseante até ao Hospital Baragwanath, na África. Instintivamente, ele sabia que era tarde demais e, ali chegado, teve de voltar tristemente com seu filhinho frio nos braços. A criança morrera de gastroenterite e lágrimas eram derramadas no solo enquanto o pai, aos soluços, carregava a forma sem vida. Vusamazulu Mutwa fabricou o caixão tosco e pre parou seu filhinho para o enterro. Para um banto, é de vital importância um enterro adequado. Ser en terrado em sepultura desconhecida ou miserável é a maior desgraça que possa suceder a um banto em qualquer parte da África. Mas o banto não tem acesso a nenhum cemitério a menos que pertença a uma igreja reconhecida e o funeral seja presidido por um pastor. Uma conhecida autoridade disse: “A de terminação de ter um enterro adequado é uma razão forte de os nativos se voltarem para o Cristianismo.” Os pais, desolados, foram ter com seu pastor “cristão” , cuja igreja tinha sido freqüentada pela es posa durante muitos anos; o pai nunca aceitara a fé. Quando eles pediram o funeral, o pastor negou posi tivamente, sem dar razão para tal recusa. Mais tarde Mutwa escreveu com amargor: “Estranhamente, o pastor sabia exatamente o que estava fazendo co migo quando se recusou a enterrar meu filho, porque durante anos eu lhe havia explicado todas as leis e costumes dos bantos. Ele recusou simplesmente porque eu não era, com o resto de minha família, membro da sua igreja. Em razão dessa trágica experiência, Vusamazulu Mutwa escreveu um panfleto ferino sobre ‘ ‘Por que o Cristianismo fracassou na África” . Ele foi inserido no seu livro amargo A África é minha testemunha, em que acusa: “Delinqüentes são aqueles mesquinhos ditadores e sádicos que usam colarinhos brancos às avessas.” Todos nós, em pequena ou grande escala, temos sido queimados por uma religião rígida e farisaica que exige a observância de um código legal sem a compaixão humana. Jess Moody disse: “Deus nunca nos chamou para sermos juizes inflexíveis, metidos em vestes de honestidade. Estamos envolvidos num trabalho de redenção — não de investigação de super-retidão.” Ele prossegue dizendo: “Não deve 86 Fruto d o Espírito mos levar terror aos pecadores, mas o céu.” E a crítica de legalismo rígido não pode recair só sobre uma igreja ou organização. Mesmo os mais evangélicos podem tomar-se em sepulcros caiados que Jesus desmascarou com calor, mas com ira santa. Paulo estabelece a posição que devemos tomar ao dizer: “O fruto do Espírito é benignidade.” A que se assemelha Deus? Há sempre uma pergunta que eu faço a cada pessoa que vem ao meu escritório em busca de soluções para problemas que as afligem. A pergunta é: “Qual é a qualidade por excelência que mais o impressiona sobre Cristo?” Sem exceção eles dizem que é a compreensão, ou ternura, afabilidade ou bondade. Então eu lhes relembro que Jesus disse por duas vezes: “Se vós me tivésseis conhecido, conhe cerieis também a meu Pai. . .” (João 14:7). É verdade que o pregador “do inferno e do enxo fre” pode lançar sobre nós milhares de versículos da Escritura, expressando o juízo e castigo divinos. Deus disse formalmente a Ezequiel: “ .. .a alma que pecar, essa morrerá” (Ezequiel 18:4). Contudo, Deus tam bém disse: ‘ ‘Porque o pão de Deus é o que desce do céu e dá vida ao mundo” (João 6:33). O fato é que Deus lida com um homem na direção que este vai. O palrador e pecador impenitente morrerá. O coração que sinceramente perquire achará e será salvo. Antes que fôssemos sequer parte do mistério chamado “tempo” as linhas do combate já estavam traçadas. A rebelião de Satanás conquistou-lhe o abandono e O toque suave 87 o castigo eternos. Partilharemos dessa eternidade com qualquer dos senhores que escolhermos. Se servimos a Satanás sofreremos sua eternidade. Se servirmos a Cristo participaremos de sua glória eterna. Cristo não veio só para nos redimir, mas também dar-nos um retrato fiel da semelhança de Deus. Em todo o Antigo Testamento, os profetas falaram acerca de Deus e surgiram escritos íntimos das penas daqueles que conheceram à Deus em bases muito pessoais. Contudo, foi necessário que o Unigênito esclarecesse para sempre a benignidade de Deus. Jesus fez isso bem e a benignidade que manifestou ainda se espalha pelo mundo. Um dos mais pungentes retratos de Deus foi ofere cido por Isaías, setecentos anos antes de Cristo. No capítulo 40 Isaías parece estar numa montanha de profecia santa, vendo através de séculos o tempo do Rei que viría. Muito se diz sobre a majestade de Deus, sua força e poder absoluto. Então, encravado nesse capítulo sagrado encontram-se palavras que esbo çam o retrato de Deus: “Como pastor apascentará o seu rebanho; entre os seus braços recolherá os cor- deirinhos, e os levará no seio; as que amamentam, ele guirá mansamente” (Isaías 40:11). Davi, que buscava ardentemente o coração de Deus, deixou impresso no tempo o retrato de um Deus temo. Numa oração de louvor pela vida boa e abundante que levava, Davi exclama: “Pois contigo desbarato exércitos, com o meu Deus salto mura lhas” (2 Samuel 22:30). Então ele prossegue para 88 Fruto do Espírito dar a chave de qualquer sucesso na vida que tinha realizado. “Também me deste o escudo do teu sal vamento, e a tua clemência me engrandeceu” (2 Samuel 22:36). Houve um tempo na vida de Davi em que ele fracassou terrivelmente e por quaisquer padrões humanos devia ter sido acusado e ficar para sempre afastado da presença de Deus. Contudo, naquela conjuntura Deus lhe perdoou e o restaurou. É ver dade que sobreveio o castigo como de rigor, mas Davi pôde certamente testificar que Deus tinha sido clemente para com ele naquela tremenda queda humana. Deve ser nesse espírito que ele escreveu no seu salmo mais famoso: “ . . . a tua vara e o teu cajado me consolam” (Salmo 23:4). A vara era usada para afastar os animais selvagens que etacavam o reba nho, porém o cajado era para um fim bem diverso. Na extremidade do longo cajado havia um gancho bastante grande para ajustar ao peito da ovelha. Quando uma ovelha, saindo da trilha caía numa vala funda, o pastor não a deixava lá, mas alcançava-a com o cajado e a erguia. Davi sentiu-se erguido do seu pecado, uma volta firme e tema à trilha. Não admira que tivesse cantado: “Tua clemência me en grandeceu.” Mostre seu sentimento G.K. Chesterton disse certa vez: “O medo mais mesquinho é o medo do sentimentalismo.” Tantas vezes ocultamos nosso sentimento e ternura porque receamos ser chamados de “moles” ou “fracos” . Devemos recordar as palavras sábias de Ralph W. O toque suave 89 Sockman: “A benignidade é um traçò divino; nada é mais forte do que a benignidade, e nada é tão be nigno como a verdadeira força.” Esses homens estão só repetindo o que profetas e pregadores há muito têm dito. A Palavra de Deus nos admoesta a sermos benignos. Algumas palavras que os homens escrevem pare cem soar como verdades que eles aprenderam de uma experiência amarga. Penso sempre em Paulo e suas últimas palavras a um jovem ao qual amava profundamente na fé. Paulo desejava que Timóteo se elevasse mais do que ele e evitasse todas as arma dilhas em que ele caíra. Nesse espírito abre seu coração: “Ora, é necessário que oservo do Senhor não viva a contender, e, sim, deve ser brando para com todos.. .” (2 Timóteo 2:24). E então, a outro filho na fé escreve: “Lembra-lhes. . . que não difa mem a ninguém; nem sejam altercadores, mas cor datos, dando provas de toda cortesia para com todos os homens” (Tito 3:1,2). Não eram palavras fáceis para Paulo escrever, porque ele por natureza não era homem cordato. Sua mente, ao registrar essas pala vras, estava sem dúvida voltada para um dia que desejaria poder esquecer. Paulo e Bamabé tinham trabalhado juntos por muitos meses. Paulo devia muito a Bamabé porque fora esse homem fiel quem persuadira os líderes cristãos a darem a Paulo uma oportunidade. Então, um incidente infeliz fê-los separar-se para sempre. A história é familiar: Paulo insistia em que o jovem João Marcos não os acompanhasse em virtude de seu 90 Fruto d o Espírito primeiro afastamento. O tio Bamabé não concordou com esse argumento e ficou firme. A Bíblia diz: “Houve entre eles tal desavença que vieram a separar-se” (Atos 15:39). Talvez se Paulo fosse mais brando, mais benigno, nunca teria havido essa re frega entre dois homens de Deus. Certamente Paulo ficou triste, já que mais tarde ele pede a Marcos que se reúna a ele em Roma, “pois me é útil para o ministério” (2 Timóteo 4:11). É provável que Paulo se aborrecesse a vida toda com aquele fato, ao reco nhecer com horror ter sido capaz de agir de forma inteiramente contrária aos princípios cristãos. Desde então suas epístolas estão cheias de admoestações para sermos benignos. Paulo deve ter pranteado muito aqueles momentos de ira na sua vida. Outras igrejas aceitaram a advertência fervorosa de Paulo, e Tiago escreve aos novos cristãos: “A sabedoria, porém, lá do alto, é primeiramente pura; depois pacífica, indulgente, tratável, plena de miseri- córida e de bons frutos, imparcial, sem fingimento” (Tiago 3:17). É fácil ser duro, estrito e legal. Isso confere uma aparência de retidão que obscurece a visão dos ho mens e de certa forma pensamos ser por eles consi derados santos. Estamos só nos iludindo, porque eles, como o nativo africano, na verdade sentem que temos o coração duro e não parecemos nada cris tãos. Que coisa maravilhosa se pudéssemos dizer com Paulo: “. . .todavia nos tomamos dóceis entre vós, qual ama que acaricia os próprios filhos” (1 Tes- salonicenses 2:7). O toque suave 91 Alguns aceitam as admoestações para que sejam benignos e tratam os que os cercam com grande bondade, mas são impiedosamente cruéis para con sigo mesmos. Demonstram pouca compreensão no que concerne às suas próprias faltas. Na verdade poderiamos, como Paulo, sentir que não somos ab solutamente santos, mas não se deve deixar esse sentimento de indignidade afastar-nos do serviço efetivo para o Mestre. Alguns nunca se perdoaram de erros do passado ou de grandes pecados. Suas vidas são um tormento e abaixo da superfície há uma alma contorcida de agonia. Tom Anderson era um homem desse tipo. Durante anos Tom foi atormentado pela lem brança de sua participação numa fuga com outros, da qual resultou a morte de um de seus amigos. Perseguido por essa idéia, ele vagou de um emprego para outro e por fim se separou da esposa. Sua vida foi um fracasso total e ele dizia: “O pensamento de minha culpa fazia deter-me no meio de um aperto de mãos ou de um sorriso. Ele tomou-se uma barreira entre mim e minha esposa.” Mais tarde mudaram as notícias sobre Tom Ander son. Ele recuperou seu antigo emprego; sua esposa voltou e, realizado, estava feliz. Explicando o que sucedera Tom dizia: “Eu recebi a visita da pessoa que mais receava ver — a mãe do colega morto.” Ela disse: —Há anos, pela oração, descobri em meu coração que eu devia perdoar-lhe. Betty lhe perdoou. O 92 Fruto do Espírito mesmo fizeram seus amigos e empregadores. Deus lhe perdoou. — E depois de uma pausa, acrescentou: —Você é a única pessoa que não perdoou Tom Anderson. Quem você pensa ser para ficar contra o povo desta cidade e o Senhor Todo-poderoso? Tom disse a um amigo: “Fixei-a nos olhos e vi neles uma espécie de permissão para ser a pessoa que teria sido se seu filho estivesse vivo. Pela pri meira vez na minha vida adulta senti-me digno de amar e ser amado.” Não é só necessário perdoar e compreender os outros, mas devemos fazer isso para conosco mes mos. O poder destrutivo de um espírito que não se perdoa é esmagador. Pedro não se rendeu a isso por ter praguejado; Tomé por ter duvidado; nem Marcos por ter fugido. Eles foram dóceis para consigo mes mos e encontraram o poder criativo da auto- -aceitação e do autoperdão. Crescendo em benignidade Como qualquer outro fruto do Espírito, este tam bém deve crescer. Um homem não pode só decidir ser benigno. Essa é uma obra do Espírito em sua vida e quanto mais maduros ficarmos, tanto mais benig nos seremos. Contudo, há algumas coisas ativas que podemos fazer para cultivar a benignidade em nosso caráter. Reserve tempo para a ternura. Há uma história trágica sobre Lênin que persiste até aos nossos dias e revela muito do seu íntimo. Vladimir Ulyanov nasceu em 1870 em uma família que sofreria muitas tragé O toque suave 93 dias nos anos subseqüentes. Mais tarde ele usou o nome de Lênin para promover sua idéias revolu cionárias. Ele se envolveu no seu trabalho revolu cionário até perder quase toda a capacidade para a ternura humana. Os que o cercavam diziam que era um homem muito infeliz. Ainda que casado, Lênin deu pouco amor à sua esposa Krupskaya. Certa noite ela ergueu-se, exausta, de perto da mãe agonizante e pediu a Lênin, que escrevia sentado a uma mesa, para acordá-la se sua mãe precisasse dela. Lênin concordou e Krups kaya caiu no seu leito profundamente adormecida. Na manhã seguinte ela acordou e achou sua mãe morta e Lênin ainda escrevendo. Em desespero ela teve uma altercação com Lênin, que replicou: — Você me disse para acordá-la se sua mãe preci sasse de você. Ela morreu. Não necessitou de seu auxílio. É possível alguém lançar-se a uma causa, traba lho, distração ou esporte, ao ponto de não lhe sobrar tempo para a ternura. E às vezes a causa é deveras boa. Muitos dos norte-americanos se lembram de cantar o hino da Guerra Civil “O corpo de John Brown” . Contudo, poucos se lembram de que quando John Brown foi impelido pelo seu santo desejo de libertar os escravos, sua mulher e treze filhos morreram de fome atrás das montanhas. A história registra que nove de seus filhos morreram realmente de má nutrição e dois mais foram mortos nas suas emboscadas selvagens. Aí estava um homem dedicado a uma causa nobre, mas que não 94 Fruto do Espírito reservou tempo para demonstrar ternura para com a própria famíla. Poucos podem admirar homens desse calibre. Confronte esses homens com a vida de nosso Senhor. Homem algum antes ou até então tinha uma mensagem ou causa tão importante. Contudo, vemo-lo reservando tempo para ser bondoso para com as crianças que o rodeavam. Ele fala com uma mulher ao pé do poço e acende em seu coração uma chama que arde de alegria. Ele pára em lugar are noso, abaixando-se aos olhos dos religiosos, para ajudar uma mulher decaída a redimir seu conceito próprio aviltado e restaurar alguma dignidade a uma alma entristecida. Aquece-nos o coração pensarmos quanto tempo Jesus gastou sendo temo e benigno com o povo. O sentimento não pode viver numa atmosfera controlada por um relógio. Deve haver tempo para a ternura. Grandes figuras não só tinham coração para a ternura, como lhe reservaram tempo. Emie Pyle, o amado correspondente de guerra, nunca estava tão ocupado ou impressionado com sua agenda que não acudisse aos gritos de um sol dado ou escrevesse cartas aos familiares dos rapazes feridos. Elimine as guerras imaginárias. Uma coisa que destrói nossa benignidade e calma de espírito são as guerras imaginárias que se travam em nossas men tes. Nós cismamos com situações tensas entre vizi nhos,amigos, companheiros e replicamos: “Eu vou mesmo dizer isso a eles.” Cedendo a essa tentação, nossa beligerância imaginária de repente se toma O toque suave 95 muito real, perdemos toda a esperança de sermos cordatos e “fazemos aos outros antes que eles te nham ocasião de fazer algo a nós” A história clássica do “m acaco” ilustra melhor essas guerras ima ginárias. Um camarada descia uma estrada campestre uma noite, quando seu pneu furou. Ao abrir a caixa de ferramentas ele descobriu ter-se esquecido de reco locar o macaco da última vez que o usara. Olhou em tomo e, vendo à distância uma luz, pôs-se a andar naquela direção com a idéia de pedir emprestado um macaco na casa de um sitiante. Em imaginária conversação ele disse a si mesmo: — Eu só bato na porta, conto que estou atrapa lhado e peço que ele por favor me empreste um macaco. Estou certo de que vai ajudar-me. Ao caminhar, sempre pensando naquilo, nosso homem notou que a luz na casa se apagara. Ele pensou: —Agora ele foi para a cama e vai ficar zangado por eu ter de acordá-lo. Então, é melhor eu lhe oferecer um dólar. Prosseguindo sempre, imaginou então: — Que acontecerá se ele saiu e a mulher estiver sozinha? Ela vai ficar com medo de abrir a porta. É melhor eu oferecer cinco dólares. A essa altura o pobre homem estava tão transtor nado que gritou alto: — Cinco dólares! Está bem, mas nem um centavo a mais. Por que vocês querem roubar um homem? Então, junto à casa, ele bateu com força. Quando 96 Fruto d o Espírito o pobre sitiante abriu a janela e perguntou: — Quem é? — o desconhecido, zangado, berrou: — Você e a sua droga de macaco! Pode guardar essa porcaria! Muitas coisas com que nos defrontamos são ima ginárias e se aprendemos a fixar nossa mente em Cristo encontraremos perfeita paz. E dessa paz bro tará a benignidade de espírito que é fruto do Espírito. Jesus admoestou contra a criação de situações ima ginárias e a preocupação com o que haveriamos de dizer, ao declarar: “Quando, pois, vos levarem e vos entregarem, não vos preocupeis com o que haveis de dizer, ao declarar: “Quando, pois, vos levarem e vos entregarem, não vos preocupeis com o que haveis de dizer, mas o que vos for concedido naquela hora, isso falai; porque não sois vós os que falais, mas o Espírito Santo” (Marcos 13:11). Seja benigno em qualquer circunstância. Algures, quando menino, eu ouvi a história de um diácono que resolveu sair do “trem evangélico” o tempo suficiente para “surrar” um irmão que o ofendera. Diz a história que quando ele quis embarcar, o trem havia partido da estação. Nada sei sobre a veraci dade dessa história humorística, porém ela nos en- .coraja a sermos verdadeiros em todas as ocasiões. Por vezes é difícil ser benigno. Quando os nervos estão estilhaçados e as tensões nos atacam de forma dolorosa, é difícil sermos benignos. Contudo, nessas ocasiões temos de exercer a benignidade. Paulo le vava no seu corpo muitas marcas de sofrimento. Sem dúvida, ele nunca estava livre de dor e mesmo O toque suave 97 assim era benigno. Em tempos de doença, temos de exercer dupla vigilância sobre nós mesmos, a fim de que a dor não afaste a benignidade. Quando alguém galga um posto de autoridade vem com ele a tentação de se perder a amabilidade. Nero foi conhecido como bondoso antes de ser o imperador de Roma, mas depois de assumir esse posto, a tirania foi seu traço dominante. Nas ruas romanas ele conduzia seu carro em desatino, esma gando os que estavam no seu caminho, e besuntava de alcatrão os corpos de santos para à noite ilumina rem seu jardim. A prova de bondade genuína surge quando de repente atravessamos um tempo de poder e força. Penso freqüentemente em Lincoln que se recusou a dar ouvidos àqueles que instavam para que ele destruísse os sulistas. Senhor de todo o poder executivo, ele simplesmente se manteve firme exigindo que “não houvesse maldade para com nin guém e caridade para com todos”. Na verdade, a estrada do Calvário é mais longa para uns do que para outros. Alguns parecem ter nascido com uma natureza tema. Contudo, se alcan çarmos a semelhança de Cristo, deve seguir-se a crucificação do ego e o impulso para a benignidade. Quão freqüentemente só precisamos considerar-nos na presença de Deus e meditar intensamente no nosso Salvador, para que a ternura se derrame em nossas vidas. O felecido Powell Davies, de Was hington, D. G , escreveu: “Somos todos solitários sob as estrelas, todos estranhos e peregrinos aqui na terra.” Se pudéssemos compreender a urgente ne 98 Fruto d o Espírito cessidade da benignidade, então seríamos desafia dos a que o Espírito que habitava em Cristo se tome o guia de nossas vidas. Experimente o toque da ternura Na nossa era de mísseis teleguiados e homens extraviados temos a necessidade desesperada de aprender como partilhar a benignidade. Parece es tranho que numa época em que podemos alcançar a lua, emitir sinais a planetas longínquos e receber fotografias de satélites em órbita, temos grande difi culdade de comunicar ternura aos que nos rodeiam. O Dr. Smiley Blanton sugere que principiemos por aprender de novo o valor do toque de ternura. Esse médico eminente fala sobre o poder curativo de simplesmente tocar alguém que você ama. Atra vés disso, parece que uma virtude invisível sai do corpo de um e vai para o outro. O Dr. Blanton sugere que em passeio um braço seja passado um tomo da esposa e que se dêem as mãos à mesa, quando se dão graças. Há alguns anos aprendi a importância do toque. Depois de ter sido chamado para pastorear uma igreja onde pequenas tensões tinham criado divisões entre algumas pessoas, tentei sanar a dificuldade fazendo sermões sobre a unidade. Após meses de experiência, as tensões permaneciam e persistiam as altercações. Então, certa noite, simplesmente convi dei as pessoas a irem à frente. Pedi aos homens que pusessem seus braços em tomo, uns dos outros, o mesmo fizessem as mulheres e disse-lhes que eles se O toque suaue 99 amavam. Um tanto embaraçados, eles fizeram esse favor ao seu pastor e certamente alguns não puseram naquele gesto seu coração. Um velho resmungou, enquanto obedecia: “Há outros modos não tão tolos de demonstrar amor.” Contudo, aquilo funcionou. O simples toque de um com o outro, comunicando amor, começou a curar as feridas que havia tanto tempo supuravam. Anos após comovia-se meu coração ao ver e sentir o profundo amor entre os membros daquela congre gação. Eu não recomendaria esse processo como panacéa, mas hã algo de curativo no toque de ter nura. Um distinto juiz disse ter visto centenas de jovens delinqüentes e seus pais ante seu tribunal. Contudo, nunca em todos aqueles anos vira um pai tocar no seu filho, ou colocar sua mão nos seus ombros, ou dar qualquer demonstração física de amor. Confira isso com o pai do filho pródigo que, abraçado ao pescoço do filho, o beijou. Jesus usou o toque como comunicação. Colocava as mãos sobre os doentes, lavou os pés dos discípu los e afagou as criancinhas. Séculos antes, os babilô nios tinham usado o toque como parte da arte de curar. Nas suas memórias, a concertista de piano Marta Korwin fala de seu trabalho voluntário como enfermeira durante a Segunda Guerra Mundial. “Tarde da noite — ela escreveu — andando pelos arredores, dei com um soldado com a face mergu lhada num travesseiro. Ele soluçava e murmurava algo no travesseiro, de forma a não incomodar nin 100 Fruto d o Espírito guém. Olhei para minhas mãos e senti que podería ajudá-lo. Se eu podia transmitir harmonia através do piano, por que não o faria diretamente, sem instru mento algum? Quando tomei a cabeça do rapaz nas minhas mãos, ele agarrou-se a elas com tal força que pensei que suas unhas iam encravar-se na minha carne. Orei para que a harmonia do mundo me ajudasse a aliviar aquela dor. Seus soluços cessaram, suas mãos abandonaram-se e ele adormeceu.” Este é o poder do toque de ternura.Há tanta dureza no mundo que estou convencido de que a arremetida evangelística de maior alcance de nosso tempo advirá de um reavivamento da be- nignidade. Os homens respondem ao amor. Ainda sèrão necessárias pregações muito vigorosas, mas as almas de corações partidos, famintas, solitárias, per didas, buscam um Salvador e tantos necessitam de orientação, não de pronunciamento de condenação. Orientá-los com bondade os ajudaria a encontrar Cristo, o remédio para todos os problemas. A maio ria das pessoas fogem em pânico, quando, se sou bessem do amor e cuidado de Deus e que seu povo as ama e preocupa-se com o que lhes sucede, esque ceríam muitos receios infundados e aprederiam a viver. Num mundo frustrado em que tantos se dabatem deve haver alguém que lembre aos homens o que Jesus disse: “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu F 'ho unigênito, para que lodo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3:16). Sede benignos, porque cada O toque suave 101 um com que vos avistais está travando uma batalha. A verdadeira nobreza vem de um coração benigno. 102 Fruto do Espírito O TAMBORILEIRO DIFERENTE Os desenhos cômicos de George Clark muito fre quentemente revelam a natureza humana. Numa dessas recentes críticas ele mostra duas matronas gordas falando num chá sobre sua associação a um grêmio de dieta especial. Uma dizia: “Meu clube de emagrecimento é extraordinário. No Conjunto per demos dezenas de quilos. Contudo, nenhum deles era de fato meu.” Nesta agremiação humana fraterna muitas vezes gostamos de falar de grandes personalidades que se impõem pela sua bondade. Choramos quando o mundo perde um Tom Dooley ou Albert Schweitzer. Ficamos comovidos ao ouvir nomes como David Livingstone ou Paul Carlson. Tragicamente, muitas vezes pouco dessa bondade especial que eles tinham é nossa. Há uma certa casta de homens que não buscam fama ou fortuna e por vezes as evitam, mas em vão. 7 Eles conquistam a imaginação e afeição do mundo porque estão na trilha de ideais diferentes e têm mais altas convicções. Estão cheios de uma bondade difí cil de explicar mas muito evidente. Henry David Thoreau gastou longas horas pensando nesses ho mens. Thoreau, esse rude individualista da Nova Ingla terra do último século, foi certa vez encarcerado por se ter recusado a pagar um imposto eleitoral a um Estado que matinha a escravidão. Logo veio visitá-lo seu amigo íntimo Ralph Waldo Emerson, que espiou através das grades e perguntou: — Eh, Henry, que está você fazendo aí dentro? Thoreau replicou: — Não, Ralph, a pergunta é: Que está você fazendo aí fora? Mediante esta e outras experiências semelhantes, Thoreau defendeu sua posição e a de outros homens ao escrever: “Quando um homem não está mar chando no mesmo passo com seus companheiros talvez seja porque ouve um tambor diferente. Deixemo-lo marchar ao compasso da música que ouve, ainda que cadenciada ou distante.” Os críticos diziam de Woodrow Wilson: “Ele fala como Jesus Cristo.” Nenhuma homenagem maior podia ser prestada a um homem, mas não foi feita como cumprimento. Contudo, Wilson ouviu um tambor diferente e sua grande bondade abafou os escámios dos céticos. Há pouco tempo conversei com trinta jovens que se preparavam para resolver sobre suas profissões. 104 Fruto do Espírito Primeiro perguntei-lhes o que desejavam fazer na vida e depois, por quê? Suas respostas refletiram os sentimentos de nossa época e nenhuma delas estava isenta de motivos egoísticos. A maioria de suas deci sões baseavam-se em quanto dinheiro poderíam ga nhar ou quanta atenção receberíam. Então lhes pedi uma lista de homens que eles consideravam de fato grandes personalidades da história. Como era de esperar, escreveram os nomes de homens conhecidos pelo seu auto-sacrifício e serviço. Meu coração estava pesado porque ao passo que esses jovens compreendiam que a verdadeira grandeza reside na bondade, nenhum estava pronto a se sacrificar por esse ideal. Talvez, eu esteja sendo um pouco rude acerca desses jovens e devia confiar em que antes de eles fazerem sua decisão final para a vida reconheceríam a verdade expressa por Jesus que para se ganhar a vida deve-se perdê-la. Contudo, aquilo demonstra o fato de que muitos não têm bondade pessoal, e alguém pergunta por que tantos não possuem a coragem para a grandeza. A resposta, naturalmente, é que realizar o bem envolve luta contra disparidades opressivas e muitos acham que a peleja não vale a pena. Combatendo pela bondade Um jovem escreveu a um eminente clérigo, de clarando estar abandonando a religião para viver simplesmente de acordo com a lei áurea. Sua deci são baseava-se no fato de ter ele no colégio tomado O Tamborileiro Diferente 105 conhecimento de todo o mal no mundo e conside rado como um Deus bom podia permitir tanto sofri mento. O ministro replicou sabiamente: —Você é jovem e eu já estou na casa dos oitenta anos. Você escreve sobre uma vida boa como se pudesse soprar nas suas mãos e fazê-la surgir. Essa não foi minha experiência. Viver corretamente é um desafio! Envolve uma luta constante e por vezes devastadora contra a tentação. Custa autodisciplina, auto-sacrifício, autocontrole, coragem para recusar o conformismo e fazer frente às maldades comuns. Terminando sua resposta notável, o pregador es creveu: — Eu tenho visto muitas recuperações admiráveis de abismos morais —alcoolismo, vício, criminali dade, ou o que quer que seja —mas nunca vi uma que não envolvesse a recuperação da fé em Deus. O simples fato é que viver em pura bondade não é fácil. A bondade verdadeira requer vigor espiritual que excede mesmo a determinação de ser justo. George Washington Carver era um homem que tinha essa bondade especial. Nascido como escravo, Carver enfrentou enormes dificuldades para se edu car. Finalmente, após anos de esforços árduos ele terminou seu curso superior e o convidaram a aceitar um cargo na Universidade de Iowa. Era um emprego cobiçado, e nenhum outro negro havia jamais ocupado tão alto posto. Afinal ele podia descansar e fruir o conforto de sua sociedade. Os alunos na Universidade gostavam dele e prontamente 106 Fruto do Espírito O Tamborileiro Diferente 107 assistiam às suas aulas. Então chegou uma carta de Booker T. Washington pedindo ao jovem cientista que se juntasse a ele num sonho de educar negros do sul. Deixando sua posi ção confortável, foi para os algodoais crestados do sul a fim de viver e trabalhar entre seu povo faminto. Seguiram-se anos de sacrifício e injúrias, mas deva gar e com segurança essa grande alma salvou seu povo da morte certa pela fome e conferiu-lhes uma dignidade que os elevaria para sempre do nível da escravidão. Quando questionado sobre sua atuação brilhante, Carver sempre dizia que o bom Senhor lhe dera tudo. Ele recusou receber dinheiro para realizar suas descobertas, preferindo doá-las gratuitamente a quem as pedisse. Três presidentes reivindicaram sua amizade. Grandes indústrias disputaram seus servi ços e o próprio Thomas Edison ofereceu-lhe um belo laboratório novo e um ordenado anual de cem mil dólares. Quando Carver o recusou, os críticos co mentaram: —Se você tivesse todo esse dinheiro, podería aju dar o seu povo. Carver replicou simplesmente: — Se eu tivesse todo esse dinheiro, podería esque cer o meu povo. O epitáfio na sua sepultura confirma a alma sa grada desse grande homem: “Ele podia ter tido fama e fortuna, mas com elas não se importava. Encontrou felicidade e honra em servir ao mundo.” Ese tipo de bondade sempre tem alto preço. 108 Fruto d o Espírito O coração dividido Cada homem encontra sua potencialidade para um grande bem ou um grande mal. A história de Robert Louis Stevenson do bom Dr. Jeckyll e do monstrouso Sr. Hyde demonstra brilhantemente essas duas potencialidades. E, no momento em que pensamos atingir uma grande bondade, então o mal mostra seus dentes afiados àsnossas almas e parece-nos que retrocedemos. Contudo, deve-se lembrar que todos os homens, mesmo os grandes mencionados antes, tiveram o coração igualmente dividido. Como quer que Seja, eles aprenderam a manter à distância o mal e a cultivar o bem. Isso nos faz retomar à declaração de Paulo: “O fruto do Espí rito é bondade.” A divisão do coração foi reconhecida muito antes de Stevenson cogitar sobre sue interessante história ou Freud ter iniciado sua intrusão através da couraça da personalidade humana. Davi exclama há muitos anos: “Ensina-me, Senhor, o teu caminho, e andarei na tua verdade; dispõe-me o coração para só temer o teu nome” (Salmo 86:11). Davi ora para que seu coração esteja disposto para temer a Deus. Infelizmente, um coração pode estar disposto para desprezar o bem e cometer grandes males. Vimos isso na Alemanha nazista. Milhões de palavras têm sido e serão proferidas acerca daqueles horrores indizíveis, quando se manifestou a maior realização da tremenda capacidade do homem para o mal. Nossos corações ainda se confrangem quando lemos sobre aqueles milhares de pais que se ajoelha vam nus ao pé das sepulturas que haviam cavado, cobrindo com as mãos os olhos de seus filhos, ao passo que as pistolas alemãs detonavam sobre as suas nucas. Repugna-nos pensar nas experiências científicas dos nazistas injetando germes de tuber culose em crianças e vendo-as morrer. O genocídio foi tão monstruso que até o presente é-nos penoso ouvir sobre o horror de cinco milhões de mortos. Tomou-se então patente a extrema e absoluta de- pravação do homem e sua horrível capacidade para o mal. Todos nós temos visto homens aparente mente dedicados ao mal, com os corações dispostos a odiar a Deus e à bondade. Convictos de quão mau o homem pode ser, cla mamos a Deus para que nos tome bons. Nesse de sejo podemos encontrar a verdadeira bondade. John Bunyan, falando da viagem do Cristão à Cidade de Deus, diz que um desejo levará um homem a Deus, mesmo se 10.000 se oponham a isso; “sem o desejo tudo não passa de chuva sobre pedras.” Séculos depois de Davi, o apóstolo Tiago trataria do coração dividido nos termos mais duros: “De uma só boca procede bênção e maldição. Meus irmãos, não é conveniente que estas coisas sejam assim. Acaso pode a fonte jorrar do mesmo lugar o que é doce e o que é amargoso? Acaso, meus irmãos, pode a figueira produzir azeitonas, ou a videira figos? Tão pouco fonte de água salgada pode dar água doce” (Tiago 3:10-13). E ele disse também que a verda O Tamborileiro Diferente 109 deira sabedoria é pureza completa e bondade. Até aqui falamos sobre a grande bondade e a grande maldade. Contudo, devemos lembrar que o mais fundamental em ambas é primeiro serem dis seminadas em sementes cotidianas de bondade ou maldade. Nossos grandes atos não são senão exten sões dos pequenos e os hábitos que semeamos na primavera de nossa vida colhemos no outono. Aqueles homens não ficaram subitamente cheios de bondade ou maldade. Ao invés disso, foi na urdidura e trama de seus caracteres que eles esmagaram uma e cultivaram a outra. Contudo, é absolutamente ne cessário levarmos nossas considerações aos níveis mais baixos de nossas vidas e tratar com bondade as coisas mundanas. É fácil dizer que reagiremos com bondade quando alguém ousadamente ataca tudo que é sagrado. T o davia, a menos que estejamos interiormente muni dos de bondade, não suportaremos a carga de um ataque intrépido. A bondade nasce do Espírito de Deus, a fonte por excelência de toda a bondade, e só tem pleno governo de nossas vidas quando lhe con ferimos o controle. Nos anos recentes entramos na esfera do relati- vismo. O argumento é tão velho quanto o homem, mas apresenta-se hoje com novos títulos. Agora os teólogos estão falando sobre “ética situacional” ou “circunstancialismo” . Você pode ouvir os termos “eventualismo”, “contextualismo” ou “atualismo”. São palavras que descrevem a velha teoria de que todas as coisas são relativas. Ao invés de observar um 110 Fruto d o Espírito grupo de regras a pessoa deve esperar que a situação se apresente e então resolver o que é moral ou bom. Bons argumentos procedem de ambas as partes. Enquanto a guerra de palavras campeia, nós, leigos, ainda devemos tomar decisões determinando nosso destino, com respeito a que coisa é boa ou moral para ser feita. E merecemos algumas respostas dire tas a esse problema. Contudo, apesar do resultado do presente argumento, há alguns passos simples que podemos dar para nos assegurarmos de que estamos aniquilando o mal e cultivando o bem. Em que vamos confiar? Paulo observou que a lei foi dada para que sou béssemos quando não agimos bem com nós mes mos, com a sociedade e com Deus. O fato funda mental é que deve haver uma base para o julga mento ou cada homem é uma lei para si mesmo. O problema perigoso com as éticas situacionais foi o que se apresentou a Israel durante os juizes: “Na queles dias não havia rei em Israel: cada qual fazia o que achava mais reto” (Juizes 17:6). Contudo, antes foi registrado: “Então fizeram os filhos de Israel o que era mau perante o Senhor” (Juizes 2 :11). Aqui vemos expressa a idéia estonteante de que uma coisa pode ser justa aos nossos próprios olhos e contrária aos desejos de Deus. Na arrogância da mocidade, eu entrei para a fa culdade pensando saber muito mais do que os mais velhos. Nunca vou esquecer minha primeira aula de psicologia, quando o sábio mestre escreveu na lousa O Tamborileiro Diferente 111 32 perguntas e pediu que as respondéssemos. Eram questões simples que o senso comum resolvería. Havia perguntas como: “Gente de alto grau de inte ligência sofre mais de insanidade e entre eles a taxa de suicídio é superior à da população em geral?” Ousadamente coloquei um “sim” . Outra questão: “As crianças têm maior capacidade de aprender do que os adultos, com isso tomando a infância a ‘idade de ouro’ para a aprendizagem?” De novo arrogan temente escrevi “Certo” e pensei: “Faculdade é canja.” Contudo, para meu espanto, quando deram notas à prova vi que não só havia errado nessas duas respostas como em dezesseis outras. O professor disse à classe: — A primeira regra da psicologia é nunca confiar no seu bom senso. Mandou que buscássemos nos livros aquelas res postas e vimos de pronto quanto tínhamos a apren der. Há milhares de anos Deus advertiu contra a arro gância e autoconfiança, ao inspirar o escritor do pro vérbio a escrever: “Há caminho que ao homem parece direito, mas ao cabo dá em caminhos de morte” (Provérbios 14:12). As éticas circunstanciais podem ser muito precárias, porque, como Jeremias observou: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto, quem o conhecerá?” (Jeremias 17:9). Tudo isso nos leva à questão nevrálgica: “Em quem ou em que vamos confiar para obter bases para a verdade?” A multidão está errada. O argumento dos jovens: 112 Fruto d o Espírito “Todo o mundo está fazendo isto” é tão esfarrapado quanto soa. Nossa moralidade não pode ser instável como os modismos das massas. Há alguns séculos a multidão achava que os tomates envenenavam e também desaconselhavam os banhos por motivos de saúde. Disseram a Edison que sua lâmpada jamais funcionaria; a máquina para descaroçar o algodão foi ridicularizada nos seus estágios experimentais. As massas estão freqüentemente erradas e o argumento é tão elementar que não precisamos explorá-lo mais a fundo. Contudo, tomar posição contra a multidão não é fácil. É uma luta que manifesta nossa força ou fra queza. Na África do Sul o ambiente é de racismo e os negros sofrem humilhações dos habitantes brancos. Há pouco tempo um banto foi ao teatro comprar bilhetes para seu patrão branco. Havia só uma fila e depois de consultas disseram-lhe para entrar na fila dos brancos, ainda que na África do Sul isso seja proibido. De repente um jovem de cabelos pretos empurrou-o para fora da fila.A esse gesto insolente seguiram-se outros idênticos da parte de uma moci nha. Então um brutalhão de cabelos aparados rentes agarrou o nativo e o jogou na rua. O gerente do teatro disse-lhe que voltasse para a fila, mas ele foi novamente arremessado para fora. Então uma voz se fez ouvir clara sobre o tumulto das queixas. Um homem de cerca de cinqüenta anos, com as têmporas encanecidas e o colarinho aberto, vestido como lavrador, exclamou com voz O Tamborileiro Diferente 113 assustadora e autoritária: “Deixem esse rapaz na fila. Que é que há com vocês?” A multidão cedeu e o humilde nativo foi para o primeiro lugar. O lavrador sul-africano arriscou sua reputação e a desaprovação das massas, mas permaneceu firme. Isso é bondade. E custa caro. Confronte isso com as mocinhas de Indiana presas recentemente por furto em loja. Elas admitiram não necessitarem da mercadoria, mas roubaram porque muitos faziam o mesmo. Uma investigação revelou que elas não perceberam estar agindo mal, já que a multidão havia sancionado aquilo. As massas não podem determinar a moralidade. Por vezes ficamos a sós e se exercemos a bondade arriscamos a própria vida. Mas, para ser líder devemos tomar a van guarda. É triste o comentário sobre nossa geração, como o faz T.S. Elliott: “. . .os homens ocos . . . homens estofados, inclinando juntos as cabeças em- palhadas. Triste de ver!” Siga seus sentimentos. Outro problema com a ética circunstancial é a advertência para você seguir seus sentimentos. Os “hippies” começaram nessa base e na bondade determinada pelo que sentiam gostar de fazer. Todavia, seguir os sentimentos é tão enganoso quanto seguir as massas. O gigantesco avião a jato caiu como um pardal agonizante. Era tarde demais para o piloto usar o pára-quedas, e assim a massa de metal esmagou sua vítima ao mergulhar no campo lavrado. Soaram sirenes. Mulheres choravam. Homens trabalhavam inutilmente em tomo dos destroços re 114 Fruto d o Espírito torcidos. As autoridades começaram a recompor a história do acidente e diziam aos repórteres ansiosos ser uma vertigem a causa provável. Mais tarde, um oficial de Força Aérea explicou em termos leigos o que significava vertigem. Ele disse que por vezes as condições atmosféricas levam a confundir os pilotos. Eles perdem todo o sentido de direção e perspectiva. Podem mesmo sentir que estão de cabeça para baixo apesar de os instrumen tos indicarem perfeita normalidade. Ele disse que a maior tentação nessa circunstância é tomar o con trole nas próprias mãos e procurar endireitar o apa relho. Esse engano é muitas vezes fatal e foi prova velmente o que causou o desastre do avião a jato da força aérea. Sempre temos visto a tragédia de indivíduos que tentaram tomar nas mãos o controle de suas vidas e viver de acordo com seus sentimentos. E uma espé cie de vertigem que freqüentem ente induz à catástrofe. 0 caminho que parece certo termina de sastrosamente e o mundo tem testemunhado o fim lamentável dessa situação em vidas trágicas como as de Marilyn Monroe, Lorde Byron e Diana Barry- more. Procure homens mais sábios e palavras mais sábias. Há quem faça sua moralidade depender dos intelectuais deste mundo. Os filósofos tomaram-se guias para nossa sociedade a achamos que os de mais alta educação e de maior capacidade intelectual estão mais qualificados do que nós para pautar a moralidade. O Tamborileiro Diferente 115 Muito mais da metade dos componentes do alto comando de Hitler tinham excelente educação. A maioria havia recebido graus de mestrado e alguns os de doutorado. E certamente não podemos dizer que possuíam a sanidade mental para ajuizar o que era bom para eles e a sociedade. Por vezes, mesmo os mais educados são pervertidos. Naquela prova de psicologia mencionada previamente uma das per guntas do tipo falso-verdadeiro era: “Quando al guém estuda, sempre aproveita?” Nosso professor pôs em evidência: “O aprendizado é popularmente considerado em termos de aproveitamento. Mas mesmo que aprender realize essas mudanças de sejáveis, também pode causar efeitos opostos.” O estudo da moralidade de alguns dos maiores estu diosos atesta esse fato. Uma das histórias recentes, mais emocionante e chocante veio do sul. Um montanhês rústico deu seu coração a Cristo e iniciou a batalha de controlar seu temperamento impetuoso e linguajar baixo. Ele o conseguiu muitíssimo bem, mas então procurou seu pastor para fazer uma confissão. — Pastor — disse ele — , eu nunca mais tive uma pequena briga ou amaldiçoei desde que me tomei cristão. Mas por um triz eu não briguei e, se estiver errado, quero que o senhor e Deus me perdoem. Ouça o que aconteceu. Ontem fui ao consultório médico para fazer um pequeno curativo. Chegada a minha vez, encaminhava-me para lá, quando trou xeram um pretinho que havia sido atropelado por um carro. Um braço estava muito quebrado, ao 116 Fruto d o Espírito ponto de o osso sair da pele. 0 doutor olhou-o rapidamente e antão, voltando-se para mim, disse: — Entre, que eu já faço seu curativo. — Não — repliquei. Trate primeiro desse menino. Ele precisa ser socorrido e eu posso esperar. O médico retrucou: —Não, ele pode esperar. Eu volvi: — Não, eu posso esperar. Então o médico disse: —Você pensa que vou deixar um branco espe rando, enquanto trato de qualquer negrinho? — Pastor, prosseguiu o rústico montanhês, pode ser que minha resposta estivesse errada, mas eu disse: — O senhor trata já desse menino ou eu lhe dou uma tremenda surra. De certo a linguagem do camponês podería ter sido melhorada mas a sua atuação certamente não o podería. A verdade trágica desta história é que a educação não diminuiu o preconceito do médico, ao passo que um lavrador sem cultura era mais rico em bondade e amor. É claro como o cristal que a bon dade não aumenta com a educação. Esta pode tor nar o homem mais hábil e menos rude, mas o cora ção ainda é arrogante e odioso. Trivial porém verdadeiro Os pregadores tanto o repetem que a verdade quase se toma banal. Contudo, o fato perene é que a O Tamborileiro Diferente 117 única base da bondade é a Palavra de Deus. Numa era de relativismo e negação dos costumes passados, é da maior importância compreender que a estrutura da bondade não pode ser construída sem uma base. Portanto, Paulo diz que o fruto do Espírito é bondade —estabelecendo para sempre seu manancial e sus tento. Davi disse guardar a palavra de Deus no seu coração para não pecar contra ele. Todo o salmo 119 transborda de louvor por esse fundamento que con fere ilum inação, vida, orientação e verdade. Ignorando-o, mergulhamos no relativismo e suas falácias que qualquer um pode facilmente observar. Na década passada, muitas das instituições e tradi ções humanas passaram por exame rigoroso. Isto nem sempre é mau, mas há a tentação de lançá-las fora sem pesar seu valor e verificar sua necessidade. Seria bom lembrar que elas sobreviveram por serem úteis no seu conjunto à subsistência do homem. Recentemente, o funeral cristão sofreu idêntico ata que. Em muitos livros inteligentem ente escritos discutiu-se largam ente sobre a forma norte- -americana de morrer. Foram sugeridas reformas e apressadamente a maioria estava pronta a se des cartar por completo de qualquer idéia de funeral. Contudo, homens mais avisados fizeram pesquisas intensivas e descobriram o tremendo valor terapêu tico do serviço fúnebre como o método mais fácil e melhor de retirar amor do falecido para reinvesti-lo noutra pessoa ou causa. Vários livros de pesquisa têm surgido agora, clamando por uma nova aprecia 118 Fruto d o Espírito ção dessa instituição honrada pelo tempo. O Dr. Edgar N. Jackson diz: “Numa época em que prati camente toda a pesquisa objetiva e competente se dirige para uma direção, as recomendações com respeito a reformas na prática do funeral parecem não levar em conta ou ignorar essas investigações e abrirem seu caminho à parte, com umapesada carga de emoção e colapso da objetividade.” O que é verdadeiro para esta instituição é certa mente para todas as demais. Hoje, psiquiatras e psi cólogos estão ao lado do pregador na tentativa de mostrar o valor e a praticabilidade da sabedoria da Escritura dignificada pelo tempo. Não obstante, pa recemos dar um mergulho de cabeça, ignorando essa base da verdade. Mas sem ela vacilamos entre o certo e o errado até que o relativismo nos arruine. Ezequiel parecia com preender esta geração quando falou de uma conspiração dos profetas de Deus, que andavam ao redor como leões a rugirem, anrebatando a presa, devorando almas, profanando o que é sagrado e não vendo diferença entre coisas santas e profanas. Ele termina seu apaixonado apelo com: “Busquei entre eles um homem que tapasse o muro e se colocasse na brecha perante mim a favor desta terra, para que eu não a destruísse; mas a ninguém achei” (Ezequiel 22:30). Qualquer que seja a bondade que vejamos nestes anos ou em tempos vindouros, só poderá brotar da fonte de toda a bondade, Deus. A bondade é fruto do Espírito e ainda que seja alto seu preço é necessária para nossa sobrevivência. Não podemos viver den O Tamborileiro Diferente 119 tro de outro regime nazista. Com nosso acervo de métodos de guerra assassina, as sementes do ódio devem ser esmagadas antes de se espalharem com fúria total. O mais crucial empenho deste tempo é a sobrevivência do mundo e só sobreviveremos se aniqüilarmos o mal em nossas vidas e cultivarmos o fruto da bondade. Precisamos dizer com Giovanni Papini: “Jesus só tem um alvo - transformar homens, de feras em seres humanos por meio do amor, para nos salvar da animalidade por uma força mais po derosa do que a força.” 120 Fruto d o Espírito ENQUANTO A IGREJA DORME Quando Orville e Wilbur Wright finalmente conse guiram conservar seu aeroplano no ar durante cin- qüenta e nove segundos, a 17 de dezembro de 1903, enviaram um telegrama à sua irmã, em Dayton, Ohio, relatando essa grande realização. O telegrama rezava: “Primeiro vôo mantido hoje cinqüenta e nove segundos. Esperamos estar em casa pelo Natal.” Ao receber a notícia a irmã ficou tão entusiasmada com o acontecido que correu à redação do jornal e entregou o telegrama ao redator. Na manhã seguinte— creia-se ou não— a manchete do jornal dizia em negras letras garrafais: “Populares comerciantes de bicicletas estarão em casa para as festas de fim de ano.” O furo jornalístico do século para os norte- -americanos foi perdido porque um redator não viu o ponto essencial. Rimos ao ler esse relato, mas muitas vezes perdemos pontos essenciais das Escrituras 8 porque os temos lido com muito descuido e não permitimos que seu significado profundo penetre em nossas almas. Isso é especialmente verdade em se tratando da fidelidade como fruto do Espírito. Uma consideração cuidadosa do texto original in dica que a palavra “fé” que algumas versões trazem, devia ser mais corretamente traduzida por “fideli dade” . Fé no seu sentido geral indica nossa base de crença e, assim, é a raiz, não o fruto. Fidelidade define mais claramente o que Paulo tinha em mente quando disse que o resultado da vida cheia do Espí rito é a fé. Múltiplos testemunhos na Escritura indicam a vir tude da fidelidade. O escritor do provérbio disse: “O homem fiel será cumulado de bênçãos” (Provérbios 28:20). Paulo escreve aos Coríntios: “. . .o que se requer dos despenseiros é que cada um deles seja encontrado fiel” (I Coríntios 4 :21 Então Jesus diz por meio de João: “. . .Sê fiel até à morte e dar-te-ei a coroa da vida” (Apocalipse 2:10). Em nossa era de busca de prazeres e interesses agoístas é imperativo que o homem de Deus seja fiel ao seu alto chamado para a construção do Reino. Fomos introduzidos numa época de apatia, quando a igreja dorme enquanto os homens morrem e esses moribundos são tão anestesiados por Satanás que nem sequer compreendem seu perigo. Nestes tem pos as sentinelas precisam estar vigilentes e fiéis ao seu chamado. 122 Fruto do Espírito Enquanto a Igreja dorme 123 Era de apatia Uma ponta gigantesca de um “iceberg” submerso abriu um rasgo de uns 90 metros no costado do inafundãvel Titanic, pondo-o a pique no fundo mar. Naquela noite de horror de 15 de abril de 1912, os risos transformaram-se em gritos, a alegria em lágri mas, enquanto 1.517 almas foram tragadas pelas negras águas gélidas. A mais trágica verdade é que a maioria, senão todas, podiam ter sido salvas. O Tita nic afundou à vista de outro navio! Testemunhas subseqüentes revelaram que oficiais do Califomian viram o Titanic ser engolido pelo mar gelado. Eles relataram não terem compreendido o que estava acontecendo, enquanto durante uma hora foguetes de avisos desesperados subiam aos ares. Essas testemunhas, ao relatarem a tregédia, revelaram que o Titanic navegava à vista do Califor- nian às onze da noite e houve entre eles contacto pelo rádio. O Califomiam estava em pleno repouso noturno quando, às 11 :30 o capitão e o rádio- -telegrafista foram deitar-se. Dez minutos depois o Titanic bateu violentamente contra o “iceberg”. A bordo do Titanic, que afundava, os oficiais pro curaram restabelecer contacto pelo rádio. Não o tendo conseguido, em vista de estarem dormindo o capitão e o rádio-telegrafista, foguetes de socorro foram lançados. O oficial do Califomian em serviço, através do tubo de comunicação, chamou o capitão adormecido, avisando-o dos sinais. O capitão per guntou: “São sinais de nossa companhia”?Tochas e velas romanas eram usadas à noite como sinais de passagem de navios da mesma companhia. Fogue tes brancos significavam catástrofe. O oficial, um novato, disse: “Eu não sei.” O capitão tomou a dormir. Pouco antes das duas da madrugada o Titanic fez um último e desesperado esforço, lançando aos céus oito foguetes gigantes. Dessa vez o jovem oficial foi pessoalmente levar a mensagem, acordando o capi tão do Califomian. Pelo relato das testemunhas ele perguntou: “Eles eram brancos?” O marinheiro, an sioso, respondeu: “Todos brancos.” O capitão tor nou: “Que horas são”? “Duas e cinco” , foi a res posta. O capitão não disse nada, acomodou-se e voltou a dormir. Quinze minutos depois não havia mais foguetes ou luzes. O Titanic havia sido tragado na profundeza do mar, um esquife aguático para 1.500 almas. A comis são investigadora concluiu: — A noite estava clara. O mar, calmo. Quando o Califomian avistou os fogue tes pela primeira vez, podería ter arrancado através do gelo sem qualquer risco sério e ido em socorro do Titanic. S e tivesse feito isso, teria salvo muitas, se não todas as vidas que se perderam. Se acreditamos na Bíblia temos de reconhecer estarmos empenhados numa luta violenta pelas almas dos homens. Isso é mais do que convencer um homem a ir para nossa igreja. Há um destino eterno em risco e Jesus disse que a única entrada para a vida eterna é a crença no plano de salvação de Deus. Mas parece que alguns na igreja dormem, enquanto muitos morrem sem ouvir que Cristo pode salvá-los. 124 Fruto d o Espírito Os apóstolos advertiram sobre ouvidos surdos, cora ções duros e olhos cegos. O trágico é que muitas vezes enquanto a igreja dorme as almas perecem. Freqüentemente soçobram à nossa vista. Um dos capítulos mais perturbadores da Bíblia trata de uma visão de Ezequiel. Relatada no capítulo 9 desse livro esplêndido, o profeta vê seis homens convocados à presença de Deus, cada um com armas destruidoras nas mãos. Um dentre eles está vestido de linho, com um estojo de escrevedor à cintura. Deus lhe diz: “Passa pelo meio da cidade, pelo meio de Jerusalém, e marca com um sinal a testa dos homens que suspiram e gemem por causa de todas as abominações que se cometem no meio dela. ” Aos outros Deus diz: “Passai pela cidade após ele; e sem que os vossos olhos poupem e sem que vos compadeçais, matai; matai a velhos, a moços e a virgens, a crianças e amulheres; mas a todo homem que tiver o sinal não vos chegueis. . .” A última nota que Deus acrescenta é terrível: “ . . . começai pelo meu santuário” . A visão é clara e a aplicação é simples. Deus estava preocupado porque ninguém parecia importar-se que a corrupção tivesse tragado a bondade. Em outro trecho o profeta cita Deus: “Busquei entre eles um homem que tapasse o muro e se colocasse na brecha perante mim a favor desta terra, para que eu não a destruísse; mas a ninguém achei. Por isso eu derramei sobre eles a minha indignação, com o fogo do meu furor os consumi; fiz cair-lhes sobre a cabeça o castigo do seu procedim ento, diz o Senhor Enquanto a Igreja dorme 125 D eus” (Ezequiel 22:30-31). Embora seja maravilhoso falar na grande bondade de Deus, contudo parte da mensagem do Evangelho é o julgamento iminente do descrente. O anjo diz aos apóstolos: “Ide e, apresentando-vos no templo, dizei ao povo todas as palavras desta Vida (Atos 5:20). Portanto, palavras de advertência são empregadas e o crente cheio do Espírito será fiel no desencargo de sua responsabilidade. Nem sempre é fácil ou agradável tomar a sério a tarefa de advertir e testemunhar. Contudo, é impe rativo que o façamos. Nem todos atenderão e certa- mente nem todos crerão. Mais comumente, os ho mens nem mesmo com preendem a condição precária em que se encontram sem Cristo. Idêntica ignorância evidenciou-se quanto ao Titanic, naquela noite em 1912. Testemunho prestado perante a subcomissão da Comissão de Comércio do Senado dos Estados Un idos e perante a Junta Inglesa de Comércio mostrou que a tripulação do Titanic desprezou aviso após aviso. Eles continuaram a marcha veloz através da noite muito embora lhes tivessem dito que havia um grande campo de gelo à frente. Minutos após desa- tender a um aviso, o Titanic investiu sobre o “ice berg” submerso. O último aviso recebido foi de um navio na vizi nhança que percebeu terem sido ignoradas as ad vertências anteriores. O Titanic respondeu com arro gância: — Cale-se. Cale-se. Estou em ligação com o Cabo Race. Vocês estão perturbando os meus sinais. 126 Fruto d o Espírito Os testemunhos revelaram que o Titanic estava em ligação com o Cabo Race, o ponto de escala, sobre assuntos como arrumar os lençóis da cama nas casas dos milionários, providências para os choferes virem encontrá-los nas docas, o que preparar para a primeira refeição no lar e outros problemas domésti cos que tais, dos que estavam a bordo daquele palácio flutuante. Eles estavam ocupados demais para ouvir advertências. Jesus falou muitas vezes daqueles que estavam tão ocupados em ganhar a vida que se esqueciam de preparar-se para a vida. Contou sobre um rico fa zendeiro tão atarefado em construir maiores celeiros que se esqueceu de construiur para a eternidade. Tragicamente, essa é com freqüência a situação do homem moderno na nossa era de apatia. Todavia, a despeito de sua reação, nossa responsabilidade é emitir a palavra de advertência. Paulo declara que o fruto do Espírito é fidelidade. Cântico para o nosso século Israel foi escolhido por Deus para propagar sua mensagem ao mundo e eles ficaram tão envolvidos com as bênçãos divinas que esqueceram a respon sabilidade. Na realidade, quando seu Filho veio para consumar o plano de redenção, a arrogância deles os impediu de o aceitarem. Os pecados deles foram profetizados no cântico que Moisés lhes ensinou antes de sua partida. Seria bom que nós os membros do enxerto de Cristo em Israel léssemos e re cordássemos para que nós também não percamos nossa perspectiva. Enquanto a Igreja dorme 127 Durante quarenta anos Moisés metade conduzira e metade forçara uma nação nômade para uma nova terra. Agora sentia-se atraído para o seu “lar so nhado” e queria fazer considerações pertinentes aos dias vindouros. Sob a inspiração do Espírito Santo, ele escreveu as palavras magníficas de um grande hino que ainda vibra com tal força que se pode quase sentir a sombra de Moisés atravessando as páginas (Deuteronômio 32:1-43). Esse velho, ainda que profundo cântico, é certamente para nosso século. Moisés começa o salmo dizendo que Deus desig nou Israel como sua porção. Ele fortalece no povo o reconhecimento do significado dessa seleção e en carece a proteção de um Pai amoroso. Contudo, Deus não trata com carinho um povo sem um propó sito. Mais tarde Jesus lembraria a Israel: “Daquele a quem muito se dá muito será requerido.” Israel prosperou, porém disso advieram proble mas. Moisés diz: “Mas, engordando-se o meu amado deu coices.” Os pregadores dizem freqüentemente que a maior tentação para se esquecer de Deus não é nos dias penosos, mas nos de bonança. Isso parece ter acontecido a Israel, porque quando eles prospe raram, esqueceram-se de Deus, a fonte de sua bênção especial. Durante séculos a igreja não sofreu luta insana como aquela com que se defrontou durante os pri meiros três séculos após Cristo. Pressões externas empenhavam-se por esmagar a igreja militante e falsos mestres dentro dela semeavam a discórdia. Há 128 Fruto d o Espírito quem sinta na nossa era de liberdade religiosa que a igreja, avolumando-se, perdeu sua dinâmica. Isso não é de fato verdadeiro em todos os setores, mas a porção de Deus— a igreja— no decurso dos últimos dois mil anos podia ser mais eficiente do que se apresenta agora. Talvez nos tenhamos engordado. Moisés declara Israel ter dado cinco desastrosos passos descendentes. Seria prudente reavaliarmos nossa posição como “Israel moderno” para verificar se há a tentação de cometermos os mesmos desati nos. Eles abandonaram a Deus. Moisés acusa: “. . .e abandonou a Deus, que o fez.” Muitas vezes somos tentados a pensar que conseguimos o alvo por causa de nossa dinâmica pessoal, personalidade ou bon dade inata. Todavia, o salmista declara: “Sabei que o Senhor é Deus: foi ele quem nos fez e dele somos” (Salmo 100:3). Acrescentem-se a isso as palavras: “Porque não é do Oriente, não é do Ocidente, nem do deserto que vem o auxílio. Deus é o juiz: a um abate, a outro exalta” (Salmo 75:6,7). Nos momentos em que somos tentados ao orgu lho espiritual seria prudente lembrarmo-nos de nos sas origens e cantar: “A Deus seja toda a glória; grandes coisas ele tem feito.” Qualquer êxito que tenhamos obtido como igreja ou indivíduo, é só porque ele tem abençoado nossos esforços e dado a eles o crescimento. Em outras esferas, um homem pode alçar-se até ao topo. Mas, no serviço do Senhor é Deus quem nos dá tudo a ele não só é a fonte de nosso vigor espiritual como de nossa força contínua. Enquanto a Igreja dorme 129 Jesus o disse sucintamente ao falar da vinha e dos ramos. Enquanto permanecermos na Videira há dádiva de vida e fluxo sustentador de seu poder e presença. Israel esqueceu-se disso, o que resultou em tragédia. Eles menosprezaram a Deus. Moisés lamenta: “.. .e desprezou a Rocha da sua salvação.” A salva ção de Israel tinha sido milagrosa. A partir de sua preservação através de José, Deus presenciou e mais tarde partiu os vínculos da escravidão mediante pra gas lançadas por Moisés. A seguir veio a libertação dramática em lugares desertos. Moisés relata com eloqüência: “Achou-o numa terra deserta e num ermo solitário povoado de uivos; rodeou-o e cuidou dele, guardou-o como a menina dos seus olhos.” Depois, Moisés prossegue registrando a proteção pessoal de Jeová na eloqüente alegoria de águia: ‘ ‘Como a águia desperta a sua ninhada e voeja sobre os seus filhotes, estende as suas asas, e, tomando-os, os leva sobre elas, assim só o Senhor o guiou.. . ” O grande líder prossegue contando os grandes feitos com que Deus agraciou seu povo: “Ele o fez cavalgar sobre os altos da terra, comer as messes do campo “. . . Salvação, proteção e milagres, tudo lhes foi dado, mas inda assim Israel não apreciou as mãos paternais de Jeová, e menosprezoú o Doador. Muito se tem dito acerca da grande graça e amor de Deus. Freqüentementesobrevêm a tentação de menosprezá-lo e pensar: “Ele compreenderá e dirá ‘Está bem’.” Todavia, Moisés e todos os outros grandes profetas sentiam tremendo respeito e reve 130 Fruto d o Espírito rência para com Deus. Ele é o Eterno Criador e nunca podemos reduzi-lo a nosso próprio Deus pes soal que está a serviço de nossos caprichos e praze res. Muitas vezes há pessoas que menosprezam seu perdão e misericórdia, esquecidas de que mesmo sendo amoroso, ele é também santo e justo. Paulo nos admoesta sobre um dia quando prestaremos contas dos atos feitos na carne. Eles serviram a deuses estranhos. “Com deuses estranhos o provocaram a zelos, com abominações o irritaram.” A passagem do Mar Vermelho, o maná, os incidentes milagrosos de vestes, nada disso evitou que Israel confundisse a verdadeira adoração com a dos povos pagãos. Tomaram para si deuses estra nhos e ansiaram pela adoração sensual das nações pagãs em tomo deles. Por vezes não pensamos ser essa queda típica em nosso século. Infelizmente, os homens ainda adoram deuses estranhos embora não abertamente. Há os que se curvam a deuses de esportes, posições, di nheiro, diversão — inconscientemente eles adoram essas coisas através de suas ambições e atitudes. Em nossa época há muitas coisas que nos afastam do verdadeiro Deus. Deve-se dizer que qualquer coisa que substitua a Deus como centro de uma vida está tomando o lugar dele. Satanás oferece muitas distra ções, mas só Deus deve ser adorado. As histórias trágicas dos adoradores de deuses estranhos apare cem regularmente. O suicídio de atrizes que eram símbolos sexuais e o trágico desaparecimento de homens que alcançaram êxito em negócios e política Enquanto a Igreja dorme 131 retratam a vaeuidade em se oferecer a vida e seu vigor a deuses estranhos que só satisfazem o que é sensual. Eles ofereceram sacrifícios aos demônios. Moisés acusa: “Sacrifícios ofereceram aos demônios, não a Deus.” Isso se refere aos deuses de Canaã, já que o demonismo é a dinâmica da idolatria. Paulo men ciona de novo esse sacrifício aos demônios em 1 Coríntios, 10. Sacrificar indica dar a eles o que alguém devia guardar para si mesmo. Em nossa época há sacrifício abundante aos deu ses estranhos já mencionados. Parece que temos dinheiro para gastar no que é sensual, ao passo que a igreja de Deus está sobrecarregada de dívidas. Paulo menciona: “A ninguém fiqueis devendo coisa al guma, exceto o amor com que vos ameis uns aos outros.. . ” (Romanos 13:8). Pode ser que em nossa sociedade secular estejamos sacrificando a demônios como fez Israel e roubando de Deus seus dízimos e nossas ofertas. Ageu fala mais tarde claramente aos israelitas: “Tendes semeado muito e recolhido pouco; comeis, mas não chega para fartar-vos; be- beis, mas não dá para saciar-vos; vesti-vos, mas nin guém se aquece; e o que recebe salário, recebe-o para pô-lo num saquitel furado” (Ageu 1:6). Expli cando porque isso tem acontecido, Ageu diz que a causa é terem eles construído suas próprias casas, deixando em ruínas a de Deus. Essa é a tragédia de valores invertidos. Deus quer que demos e nos sacri fiquemos a ele e à sua obra, de tal forma que ele possa fazer descer sobre nós bênçãos além de nossa capacidade de abrangê-las. 132 Fruto d o Espírito Eles pensavam pouco em Deus. “Olvidaste a Rocha que te gerou; e te esqueceste do Deus que te deu o ser.” Sem dúvida Moisés estava pensando no tempo em que Deus o convocou para registrar os Dez Mandamentos. Aquele encontro foi subitamente interrompido quando Deus contou a Moisés que o povo o traíra, adorando em altar estranho. Percor rendo seu caminho monte abaixo, Moisés deparou com a cena repulsiva de corpos nus em contorções na adoração pagã de um deus egípcio em forma de bezerro. Na sua aversão, ele quebra as pedras escri tas por Deus na montanha e vai contender com um povo de vontade fraca. Freqüentemente esquecemo-nos de Deus quando não estamos perto da sua casa e do seu povo. Con tudo, Deus deseja que nossos pensamentos perma neçam de contínuo nele e no seu caminho. O sal- mista disse: “. . .Antes o seu prazer está na lei do Senhor e na sua lei medita de dia e de noite.” (Salmo 1:2). Nisso consiste o segredo de uma vida cristã vitoriosa. Se Deus é o centro de nosso pensamento, então ele será o diretor de nossas emoções e o piloto de nossas vidas. Então não precisamos da visão do santuário ou da presença de um pregador para pre servar a nossa santidade. Se aprendermos a deixá-lo ser o centro de nossos pensamentos, nossas vidas serão santas e retas. A fome do coração Moisés não só faz acusações como também fala dos trágicos sucessos que advirão de tal negligência: Enquanto a Igreja dorme 133 “Consumidos serão pela fome, devorados pela febre e peste violenta.” Não se passaram muitos anos antes que Israel fosse destroçado por tal fome. As profecias de Moisés foram mais do que cumpridas no cativeiro amargo que sofreram. Um dos outros grandes profetas visualizou a época de um cativeiro e disse tristemente: “Eis que vêm dias, diz o Senhor Deus, em que enviarei fome sobre a terra, não de pão, nem sede de água, mas de ouvir as palavras do Senhor” (Amós 8:11). Amós prosse gue em seu lamento: “Andarão de mar a mar, e do norte até ao oriente; correrão por toda parte, procu rando a palavra do Senhor, e não a acharão.” Essa busca, essa ardência, essa fome febril pela Palavra de Deus manifestou-se em Israel quando eles se esque ceram de Deus e o renegaram. Durante quatrocentos anos Deus ficou em silêncio e só rompeu aquela solidão agônica com a voz retumbante proclamando a vinda de Cristo. O Senhor abandonado Em nossa era de muitos conhecimentos e de al garavia científica há uma tendência para substituir o banco do lamentador pelo sofá do psiquiatra. Muitas vezes nossos sermões têm o intuito de fazer as pes soas “sentirem-se” boas ao invés de “serem” boas. A decadência do espírito e a morte religiosa resultam do esquecimento por parte do cristão da fidelidade que o Espírito traz. Foi o que aconteceu em Laodi- céia. Estabelecida por Epafras, a igreja de Laodicéia 134 Fruto do Espírito teve um surto imediato. Situada no coração de uma grande cidade desde os primeiros meses a igreja cresceu em força e poder na vida comunitária. Lao- dicéia era uma das cidades mais prósperas da Ásia. Dela vinham os mais belos e macios tecidos de lã preta e o linho finíssimo. Uma famosa escola de medicina estabeleceu-se na cidade da qual proveio um remédio para os olhos chamado colírio. A cidade era também um centro bancário. Contudo, em tal ambiente de prosperidade, a igreja fraquejou. Cristo, na revelação, adverte-a por falta de devoção, encorajando-a a buscar o ouro espiritual, vestiduras e colírio de Deus. Acusa-a de orgulho espiritual, porém ao mesmo tempo estende seu grato convite: “Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele e ele comigo” (Apocalipse 3:20). Muitas vezes essas palavras são citadas ao des crente, representando o Cristo evangelístico pedindo entrada no coração do pecador. Contudo, deve-se levar em conta que elas se endereçavam a uma igreja desviada e indiferente. É deveras triste ver aquele que deu sua vida pela igreja, do lado de fora dese jando entrar. Salomão também ilustra essa trágica cena na his tória comovente e magnífica da jovem que dormia no luxuoso palácio do rei. Ela é despertada pela batida insistente do seu amado Pastor. Da noite fria chega sua voz: “Abre-me, minha irmã, querida minha, imaculada minha, porque a minha cabeça Enquanto a Igreja dorme 135 está cheia de orvalho, os meus cabelos das gotas da noite” (Cantares 5:2). Sonolenta, a esposa responde: “Já despi a minha túnica, hei de vesti-la outra vez? Já lavei os meus pés, tomarei a sujá-los?” E assim ela fica inteiramente à vontade e com tanto sono que não quer responder às contínuas batidas. Afinal,ferida pela consciência, vai até à porta, mas para seu desalento seu amado já se retirara. Receosa de tê-lo perdido, ela corre noite afora, buscando-o, quando é atacada: “Encontraram-me os guardas que rondavam pela cidade: espancaram-me, feriram-me; tiraram-me o manto os guardas dos muros” (Cantares 5:7). À luz desses escritos a cena de Cristo batendo à porta é comovente e atemorizante. O fato é que, se a igreja adormecida não despertar, Cristo pode retirar-se dela e o fará. A igreja, buscando o Senhor que a deixou, sofre grande tribulação. Cristo disse: “Assim, porque és momo, e nem és quente nem frio, estou a ponto de vomitar-te de minha boca” (Apocalipse 3:16). Quão diversa era a igreja de Éfeso! Também eles tinham recebido uma aguilhoada por terem deixado seu primeiro amor. Cristo fá-los recordar isso, arrepender-se e voltar-se às práticas primeiras. Eles não menosprezam a advertência e se arrependem. A história registra os resultados de ambas as atitudes. A igreja de Laodicéia, surda aos avisos, foi rejeitada da presença de Deus. Invasores islâmicos invadiram a cidade e a destruíram. A rica igreja dos Laodiceanos ficou em ruínas e pereceram os santos que dormiam. 136 Fruto do Espírito Nesse meio tempo a igreja de Éfeso prosperou depois de voltar-se para o altar. Na realidade, tão grande foi seu reavivamento que dez anos após a morte de João, o Amado, estava mais firme do que nunca. O imperador Trajano mandou Plínio àquela cidade para investigar se os cristãos deviam ser per seguidos. Plínio escreveu como resposta que o Cris tianismo florescera de tal forma que os templos pa gãos estavam quase abandonados e uma perseguição significaria a rebelião de toda a cidade. O fruto do Espírito é fidelidade à nossa vocação, e nesta era de santos adormecidos e pecadores mori bundos, esse fruto precisa ser cultivado mais do que qualquer outro. Enquanto a Igreja dorme 137 9 A FORMA DO CONTEÚDO O famoso pintor Ben Shahn fala com clareza artís tica raramente igualada entre seus colegas. Certa feita, quis retratar o fogo tão vividamente que nin guém pudesse enganar-se quanto ao seu significado. Não é uma tarefa fácil, visto como o fogo evoca muitas imagens e significados em nossa mente. Para alguém extraviado no escuro de uma floresta a vista de fogo no acampamento representa um alí vio extremo. Quando atormentados por fome, o fogo pode recordar-nos o chiado de um bife ou o crepitar do torresmo. O fogo também é destrutivo e pode-se imaginar o horror de uma casa em chamas com crianças aos gritos. Para outros, vergastados pelos ventos gélidos do inverno, o fogo é um amigo agradável que envolve as achas de lenha numa la reira aprazível. Contudo, Shahn queria retratar o fogo em toda sua fúria, como um assassino sem misericórdia. Para fazer isso, pintou um lobo enfure cido com garras deformadas, revestido de pelo de cor viva, procurando, esfomeado, uma presa. Nin guém pode ver essa obra de arte sem perceber a mensagem clara e chocante que Shahn queria co municar. As palavras, como o fogo, muitas vezes significam coisas diferentes a pessoas diversas. Por vezes preci samos de uma representação clara e concisa para configurar o conteúdo das palavras do autor. O pro blema complica-se mais pelo fato de as palavras estarem de contínuo mudando de significado. Em vista desses problemas, por vezes temos de reexami nar algumas idéias preconcebidas sobre o que lemos e reajustá-las convenientemente. Isso é inconteste quando lemos: “O fruto do Espírito é mansidão.” Uma mansidão vertical Ao se ler a palavra masidão, imediatamente nos ocorre um personagem de Walter Mitty, que tem nele menos do que seria desejável. Tragicamente, isso é uma grave distorção da advertência de Paulo, visto como mansidão não é fraqueza, mas força. Talvez uma palavra possa ser esboçada como forma do conteúdo para avaliarmos a que Paulo se refere ao falar em mansidão. Michael Druiy falou recentemente em mansidão, dizendo: “A humildade muitas vezes se nos apre senta vagam ente desejável, mas não de fato atraente. Ela pode levar alguém ao céu, mas não lhe conseguirá um aumento de salário. Soa como que sem espinha, incompatível com o intelecto e com um 140 Fruto d o Espírito A Forma do Conteúdo 141 espírito vigoroso.” Ele prosseguiu admitindo que na verdade o contrário é verdadeiro. As figuras que costumamos associar com a humildade — Jesus, Lincoln, Gandhi, Einstein — não foram homens de natureza tímida, mas homens que, reconhecendo sua fraqueza, também consideravam seus destinos e agiam de acordo com eles. Drury concluiu, dizendo: “A humildade não é autodepreciação: é uma carac terística firme, livre, confiante.” Isto se aproxima bastante da descrição de Paulo. O que muitas vezes é mal interpretado acerca da mansidão é que essa qualidade está relacionada er roneamente. Mansidão é nossa atitude para com Deus, não para com o homem. É vertical, não hori zontal. Eis por que realmente homens mansos como os acima mencionados tinham aquela grandeza e liberdade de espírito. Se a mansidão fosse relacio nada com o homem, então nos estaríamos curvando a uma vontade pessoal mais forte. Nesse caso o Cristianismo nunca podería galgar um posto de li derança nas comunidades ou sequer viver nelas com qualquer grau de dignidade. Deve ficar devidamente esclarecido que quando Paulo fala ser mansidão o fruto do Espírito, está descrevendo a atitude de al guém ante Deus, não ante o homem. Então, se nossa atitude perante Deus é de mansidão, perante o homem a pessoa está impregnada do mesmo espí rito. A mansidão nesse caso não parte de uma fra queza vacilante, mas de uma força que nos compele a fazer a vontade de Deus em face de qualquer adversidade. A mansidão não é como Rúben: “im petuoso como a água.” Pelo contrário, semelhante a José: “o seu arco, porém, permanece firme.” Moisés dá o significado Para fazer uma pintura do mundo talvez seja bom invocarmos Moisés, já que a Bíblia diz: “Era o varão Moisés mui manso, mais do que todos os homens que havia sobre a terra.” Ao menos três incicidentes na sua vida indicam esse traço característico e nos falam do profundo significado da mansidão. Resposta ao seu chamado. Após quarenta anos de exílio, Moisés defronta-se subitamente com um mi lagre que não compreende. Deus fala, dizendo a Moisés que ele foi escolhido para conduzir os israeli tas fora do Egito. Como resposta Moisés pergunta honestamente: “Quem sou eu para ir a Faraó e tirar do Egito os filhos de Israel?” Ao que Deus responde: “Eu serei contigo.” De novo Moisés pergunta: “Quem direi que me enviou?” — ao que Deus re plica: “Eu sou o que sou.” Moisés prossegue con testando, dizendo que não lhe crerão e que ele é pesado de língua. Deus repele essas objeções e Moi sés é enviado. O significado de tudo isso jaz no contraste entre sua resposta e àquela dada pelas suas ações qua renta anos atrás. Nesse tempo Moisés encontrara um egípcio espancando um seu compatriota e imedia tamente ergueu-se e matou o opressor. Disso resul tou seu exílio e durante aqueles quarenta anos Deus empenhou-se muito por ensinar a Moisés que há muitos combates que não se vencem com violência. 142 Fruto do Espírito A Forma do Conteúdo 143 As batalhas espirituais nunca se ganham pelas mãos carnais. Paulo toca o clarim, advertindo: . .porque a nossa luta não é contra o sangue e a carne, e sim, contra os principados e potestades, contra os domi nadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes. Portanto, tomai toda a armadura de Deus. . .” (Efésios 6:12, 13a). Moisés aprendera em dura experiência a futili dade, a frustração de resolver situações com as pró prias mãos e procurar endireitá-las com as mãos da carne. Agora, ele simplesmente estava ante Deus e admitia plenamente não ser ninguém. Isso é verda deira mansidão. O escritor do hino disse tão eloqüentemente: “Sou débil, cheio defraquezas, aos teus pés me curvo. Divino ser, espírito eterno, cheio de poder, enche-me dele agora.” Assim como nossa vida espi ritual se baseia na premissa de permanência na Vi deira, nossas vitórias espirituais só serão conquista das se humildemente, perante Deus, admitirmos nossas fraquezas e orarmos pela sua força. Moisés foi absolutamente honesto na sua aproximação de Deus e isso é verdadeira mansidão. Seu problema familiar pessoal M oisés tinha se ca sado com uma mulher odiada por sua irmã e seu irmão e da qual eles desconfiavam. “Falaram Miriã e Arão contra Moisés, por causa de mulher etíope, que tomara” (Números 12:1). Os mais argutos pensa dores têm considerado o motivo dessa desaprova ção. Se era de ordem racial ou pessoal para com Miriã não importa. O que vale notar é a reação de Moisés durante esse período da crise pessoal e crítica severa. Ele não reagiu violentamente nem gastou tempo em defender-se. Antes, continuou seu traba lho para Deus e deixou Deus solucionar o problema. Com o decorrer do tempo, subitamente Deus falou aos três indivíduos para que se pusessem à sua presença. Quando eles entraram na tenda, Miriã e Arão são chamados à frente e Deus austeramente os recrimina: “Boca a boca falo com e le .. . como, pois, não temestes falar contra o meu servo, contra Moisés?” Miriã ficou atacada de lepra e o castigo pela sua insurreição foi conhecido em todo o arraial. Note-se ainda que Moisés então ora por sua irmã e após sete dias ela fica curada. De novo não vemos maldade alguma no coração de Moisés, pois fora atingido na esfera de vida em que a maioria de nós gritaríamos de dor. A atitude de mansidão de Moisés diante de Deus era tal que ele não necessitava de se defender ou de se vingar. Mansidão é a perfeita compreensão de nosso valor ante Deus e o conhecimento do seu perdão. Porque Moisés foi manso perante Deus, tendo acalmado seus receios pessoais e frustrações, os outros não podiam afrontá-lo e fazê-lo reagir em desacordo com o caráter de sua missão. No envoltório desse pe queno incidente histórico encontra-se um impor tante fato psicológico. Pelo perfeito conhecimento de nossa situação com o Salvador, o medo, as frustra ções e inibições que nos flagelavam antes do Calvário são erradicados. Nisso consiste o milagre do novo nascimento. Ainda que nosso ambiente possa 144 Fruto d o Espírito A Forma do Conteúdo 145 ter contribuído para toda espécie de problemas emocionais e complexos, numa nova retomada em paz com nosso Criador, tomamo-nos emocional mente seguros e estáveis. Quando compreendemos que foi Deus quem nos fez e não nós mesmos, que somos ovelhas do seu pasto, que os passos de um homem bom são co mandados pelo Senhor, então não importa o que outros possam dizer. É então que a verdadeira man sidão para com Deus nos dá forças ante nossos ad versários. Então não nos curvaremos aos caprichos e desejos dos que nos cercam. Não reagiremos à sua frustração, pois sabemos que fomos aceitos pelo Criador do universo e que nossos passos foram en caminhados por ele. Portanto, a crítica não nos afeta e a vingança é alheia à nossa personalidade. Seu grande desapontamento. Moisés tinha desa gradado a Deus em Meribá, razão pela qual não lhe foi permitido entrar na Terra Prometida. Este foi um dos maiores golpes que recebeu. Ele ansiava pelo momento de conduzir o povo ao seu lar predesti nado. Durante quarenta anos, metade ele conduzira e metade ele forçara uma nação nômade para sua terra e agora, idoso, quando o sentimento brota forte, ele não podería entrar nela. É dispensável dizer o quanto se lhe confrangia o coração com tão pro fundo desapontamento. Contudo, nessa provação Moisés não se rebela contra Deus, porém aceita seu castigo como o grande homem que era. Como Jó, ele não pecou com seus lábios ou insensatamente acusou a Deus. Notem-se as grandes qualidades da mansidão: con fiança absoluta e segurança na grande sabedoria e misericórdia divina. Se Deus não lhe permitia a en trada, Moisés não via nisso motivo de se lastimar. Ao invés disso, aceitou a ordem de Deus e foi avante. Sua fé não ficou abalada, mas fortalecida. À beira de um túmulo, diz muitas vezes um pastor a uma viúva em prantos: “Deus é muito sábio para jamais errar e muito amante para jamais ser descari- doso.” Não são palavras vazias ou frases amenas para serenar um coração dorido. São verdades que vibram através da história e se pudermos apanhar todo o seu significado apreenderemos um pouco do espírito de Moisés. Em lugar de nos rebelarmos quando não vemos claramente como decorrem seus planos, quão esplêndido seria, na mansidão de Moi sés, contentarmo-nos com a experiência de um Monte Pisga. Eis a verdadeira mansidão — tal como a canta o salmista: “Seu caminho é perfeito.” Sob a aparência Já que é certo a mansidão estar na relação entre o homem e Deus antes que junto ao seu próximo, talvez seria valioso passar em revista as ocasiões em que chegamos ante seu trono ém adoração. Deus prometeu: “Os mansos terão regozijo sobre regozijo no Senhor” (Isaías 29:19). Isso é verdade, porque o homem que é realm ente manso ante Deus aproxima-se do seu trono com absoluta honestidade e abandono. E nessa liberdade de honestidade há grande e maravilhosa alegria. 146 Fruto d o Espírito A Forma do Conteúdo 147 Infelizmente, alguns dentre nós construímos um sistema de adoração que não conduz à mansidão ante Deus. Se pudermos quebrar essa máscara de adoração farisaica, sermos absolutamente honestos em nossa comunhão com Deus, nossa adoração será mais rica e significativa. Tragicamente, muita adora ção é centrada no indivíduo e reflete pouco da man sidão que é fruto do Espírito. Se nos lembrarmos de que a verdadeira adoração é centrada em Deus e não em nós mesmos, então a mansidão se tomará parte intrínseca nossa. Uma mocinha, muito entusiasmada por ter seu namorado afinal ido à igreja, ergueu-se para dar seu testemunho. Estava muito alegre por Deus ter ou vido fielmente as suas orações e nervosa por desejar que seu testemunho desse a impressão justa. Ela exclamou: “Estou tão feliz por ser tão maravilhosa.” Rimos ao tomar conhecimento desse incidente que foi muito embaraçante para a jovem. Ela queria dizer: “Estou tão feliz porque Deus é tão maravi lhoso.” Isso nos faz recordar que muitas vezes a adoração pode centrar-se numa pessoa e não em Deus. Paulo adverte o jovem Timóteo: “Sabe, porém isto: nos últimos dias sobrevirão tempos difíceis; pois os ho mens serão egoístas . . . antes que amigos de Deus” (2 Timóteo 3:1-4). No Apocalipse um anjo nos dá a verdadeira chave da adoração. João fora exilado na ilha de Patmos e lá Deus lhe revelou seu plano para as eras vindouras. Num caso a revelação veio através de um “anjo poderoso” . Em seguida João prostra-se em adora ção ao ser celestial. Ele registra: “Prostrei-me ante os seus pés para adorá-lo. Ele, porém, me disse: Vê, não faças isso; sou conservo teu e dos teus irmãos que mantêm o testemunho de Jesus; adora a Deus. . .” (Apocalipse 19:10). Aqui está a chave encontrada na Palavra de Deus, através de profetas, sacerdotes, pregadores e anjos: “Adora só a Deus!” Jesus disse: “Ao Senhor teu Deus adorarás, e só a ele darás culto” (Mateus 4:10). Os homens de hoje argumentariam que nossa adoração centraliza-se unicamente em Deus. Talvez isso se verifique realmente em muitas vidas. Con tudo, seria bom avaliar nossa.adoração e ver se Deus é o centro dela ou nós mesmos. Os cânticos que cantamos. Uma experiência cu riosa é repassar as páginas de um hinário e notar todos os cânticos com pronomes pessoais nos títulos. Um estudo mais profundo desses hinos demonstra ser a maioria deles centralizada em nós e nossos sentimentos, em lugar de Deus. Repare nestes títu los: “Minha possessão eterna” , “Mais perto quero estar”, “Dá-nos teu favor”, “Deus me chama” , “Eu quero ser um anjo”, “Meu Fiador”, “Meu Salva dor”. Um eminenteministro observou no cântico “No jardim” a incidência de vinte e sete referências à própria pessoa e só algumas a Deus. Naturalmente, esses hinos são de testemunho e prestam-se muito bem para algumas adorações. A questão é que talvez devamos incluir em nossa ado 148 Fruto d o Espírito A Forma do Conteúdo 149 ração mais hinos que façam referência a Deus, sua grandeza, amor e preocupação com o homem. A ênfase em nossa adoração não diz respeito à nossa retidão, mas à de Deus. Como Moisés, perguntamos: Quem somos nós? Há grandes cânticos de adoração como “Saudai o nome de Jesus” ; “Grandioso és tu”, “Ao Deus de Abraão louvai” , “Mil vezes mil louvores”. Podería haver um cântico que acentuasse mais a grandeza de Deus do que: A Deus demos glória, pois seu grande amor O Filho bendito por nós todos deu. E graça concede ao mais vil pecador, Abrindo-lhe a porta de entrada no céu. Exultai! Exultai! Vinde todos louvar A Jesus Salvador, a Jesus Redentor! A Deus demos glória, porquanto do céu Seu Filho bendito por nós todos deu. A congregação acabara de cantar “Mais terno cada dia” , quando um homem idoso se ergueu e disse com toda a ingenuidade: —Sabe, pessoal, eu sou como esse hino. Fico cada dia mais terno. Muitos têm ouvido testemunhos semelhantes que nos fazem sorrir. Já que o testemunho é parte de nossa adoração, há algumas normas a serem segui das para testemunhar nosso Mestre. Recentem ente um homem muito sincero ergueu-se e pôs-se a falar com muitas minúcias sobre quantas almas havia ganho para Cristo. Natural mente, o efeito não foi o esperado, porque a ênfase foi colocada sobre ele, ao invés de como Cristo tra balhava através dele. Muitas vezes, inconsciente mente, creditamos a nós a obra de Deus. Os testemunhos são muito eficazes para trazerem almas a Cristo. Não devem servir como demonstra ção de nossa espiritualidade ou sabedoria religiosa. Quando se transformam nisso, a efetividade desa parece. Cristo, falando da maneira pela qual morre- ria, disse: “E eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim mesmo.” Talvez devamos lembrar-nos dessas palavras ao testemunharmos. Ele tem de ser exaltado. Nossos testemunhos devem ser os de uma alma emocionada e persuadida, se confessamos com o escritor do hino: “Senhor, agora na verdade encontro teu poder e tu somente podes alimpar as manchas da lepra e derreter um coração de pedra.” Jesus condenou o fariseu que evidenciava seu próprio valor e o mal do pecador. Ele nos admoestou a orar não para impressionar homens, mas para comungar com Deus. Portanto, nossas orações devem sempre ser em honestidade para com Deus — acerca de nossas próprias deficiências e sua força. Uma boa pergunta a fazer a si mesmo é: “São minhas orações inteiramente altruístas?” Procure atentar para suas orações. Suas orações são sempre para suas necessidades ou as de sua família? Ou elas vão de parceria com as necessidades de outros? Pode o Espírito Santo movê-lo a orar pelos outros, 150 Fruto do Espírito A Forma do Conteúdo 151 esquecendo-se de si mesmo? Jesus deu o modelo perfeito da oração quando seus discípulos lhe pediram que os ensinasse a orar. Dois terços da oração ensinada são de louvor, com a mensagem básica centralizada na vontade de Deus antes que em interesses próprios. A ênfase sempre é posta em Deus. A oração pode ser uma grande aventura se pudermos vencer nosso egoísmo e se guir livremente seu espírito quando nos guia em oração. As orações egoístas trazem pequenas mes- ses, mas as altruístas abundância de frutos. Embora seja necessário ter “cuidado de ti mesmo”, precisamos ultrapassar essa limitação na oração para atingirmos altitudes de completo abandono próprio em louvor e oração. Possa ser esta a nossa experiên cia ao orarmos. Então ante o trono serei em Cristo aperfei çoado; morreu Jesus por minh’alma, meus lábios re petirão. Alguns cantam com entusiasmo esse hino, espe cialmente o último verso tão belo. Cremos realmente nisso? Tão freqüentemente medimos seu amor pelo nosso, tão volúvel e cambiante. Comparamo-lo ao mais puro amor que conhecemos, o de uma mãe ou pai pelo filho. Contudo, ele está muito além. Os pais podem ser cruéis e as mães desalmadas. Deus, não! Quando restringimos seu amor ao nosso, na verdade estamos dizendo: “Eu amo tanto quanto Deus.” E não é isso auto-adoração? Muitos se sentem frustrados e continuarão a ser, enquanto limitarem o amor de Deus e a compreen são dele a padrões humanos. Não podemos com preender que ele nos ama muito mais do que nós amamos? Ele ama nossos queridos muito mais do que nós. Por que havemos de temer? Por que duvi daremos? Por que viveremos abaixo de nossos pri vilégios como cristãos? Davi disse: “Para onde me ausentarei do teu Espí rito? Para onde fugirei de tua face? Se subo aos céus, lá estás; se faço a minha cama no mais profundo abismo, lá estás também; se tomo as asas da alvo rada e me detenho nos confins dos mares, ainda lá me haverá de guiar a tua mão e a tua destra me susterá” (Salmo 139 :7-10). Se pudéssemos ao menos aceitar esse amor saberiamos que o amor excede a compreensão e obteríamos uma tranqüili- dade que só um tal amor pode dar. Satanás freqüentemente derrota os cristãos por eles não compreenderem a misericórida e amor de Deus e se sentirem indignos do amor que realmente compreendem. Contudo, quando eles oram estão sempre pedindo que sejam merecedores de tal amor. Não pedimos justiça, mas só misericórdia. Deus não nos ama em vista de nosso valor. Na verdade, jamais compreenderemos a graça de seu amor. Tudo que podemos dizer é: Posso ver na cruz do Cristo a forma de quem sofreu 152 Fruto do Espírito A Forma do Conteúdo 153 e por mim ali morreu. Com pranto no coração Dois milagres eu confronto: a glória do seu amor e o meu próprio desvalor. Muitas vezes há quem diga ao seu pastor: “Eu não me sentia em condições de louvar a Deus esta manhã. Essa a razão de não ter correspondido ao seu chamado.” Isso não é adorar nossos sentimentos antes que a Deus? A adoração não se baseia em sentimentos, mas no fato de Deus desejar os louvo res do seu povo. Há um “sacrifício de louvor” . Lem bremos que Deus habita no louvor do seu povo. Paulo menciona o duro combate entre a carne e o espírito. É uma batalha eterna travada dentro de cada um de nós. Fadiga, doença ou pressões emo cionais podem dificultar a adoração. Contudo, de vemos lembrar de o adorarmos sempre, apesar de nossos sentimentos. Quando sucumbimos às tenta ções de deixar os sentimentos que nos acometem em determinado momento superarem nossa adoração, esta estará centrada em nós mesmos antes que diri gidas por Deus. Talvez devamos sacudir-nos e fazer a firme determinação: Não mais dentro do vale ficarei, mas ao alto da montanha subirei; morre o mundo sem que alguém lhe fale de um Salvador de imcomparável amor. 154 Fruto d o Espírito Jesus pagou tudo Sejam nossas orações sempre no sentido de que nossa adoração seja centrada em Deus. Não adora mos para impressionar ou sermos impressionados. Adoramos porque Jesus pagou tudo. Se nossa ado ração tem sido autocentrada, talvez devamos baixar a cabeça e, ajoelhados ante ele, orar: De mim nada tenho para merecer a tua graça. Minhas vestes lavarei no sangue do Cordeiro. Jesus tudo pagou — a ele tudo devo: a mancha do pecado ele alimpou. Tão alvo como a neve me tornou. Quando adoramos em absol-uta mansidão e ma nifestamos esse fruto em nossa vida, nosso procedi mento torna-se naquele que agrada a Deus e serve de testemunho aos homens. Plutarco perguntou uma vez como a figueira, cujos ramos, hastes, raízes e folhas, que são tão amargos , podia dar frutos tão doces e saborosos. Pode-se também perguntar como os frutos doces do Espírito crescem no fundo amargo da natureza humana. Podemos desconhecer a resposta, mas sabemos o resultado quando ho nesta e despretensiosamente chegamo-nos a Deus na mansidão de Moisés. Então realmenteaprende mos a viver. 10 PRISIONEIRO VOLUNTÁRIO Um prazo recorde de 63 anos de prisão terminou com a morte, aos 91 anos de idade, de Martin Dal ton, outrora residente em Fali River, Massachutts. O mais estranho foi que ele se impôs os últimos trinta anos de prisão. O preso, vezes seguidas, recusou o livramento, dizendo: “O mundo mudou muito.” Após a reclusão durante trinta e três anos pela morte de um negociante de Nova Iorque em Rhode Island, Dalton foi libertado e retiraram-no de sua cela para ver o mundo fora. Ele ficou perplexo com os carros que obstruíam as mas, os novos prédios, as mudanças de hábitos. Ao ser encarcerado, antes do princípio do século, as carruagens ainda rodavam pelas mas amplas, puxadas por cavalos, a animação era moda e a vida decorria a passos mais lentos. Assim, perdida a família, sem lar, dinheiro, traba lho ou amigos, Dalton preferiu ficar preso. Ele traba lhou na lavoura da prisão, fora dos muros, até sua morte. Era isso o que desejara como seu fim. Era um prisioneiro voluntário. Um outro homem, há muitos anos, fez a mesma decisão, embora em circunstâncias diferentes. O apóstolo São Paulo escreveu que era prisioneiro de Jesus Cristo por sua própria escolha. Muitas vezes ele disse ser um escravo do amor de Cristo. Há quem indague por que Paulo escolheu sofrer por Cristo e ser um prisioneiro voluntário. Talvez a questão possa ser respondida melhor dizendo-se que Paulo tinha aprendido o segredo da vida. Ele chegou ao conhe cimento do que muitos grandes filósofos procuraram aprender, alguns dos quais o conseguiram após anos de estudo: só há verdadeira liberdade no cativeiro. Ainda que tal afirmação pareça contraditória, é uma verdade etema. É livre e feliz o homem que é prisio neiro de leis morais e códigos estabelecidos pelo Criador. E Paulo diz: “O fruto do Espírito é domínio próprio.” Fora da porta de entrada Durante séculos filósofos têm ponderado sobre a razão pela qual tantas coisas que parecem agradáveis são proibidas por Deus e pela sociedade. Ornar Khayyam articula a dúvida de muitos: Como! Do nada sem sentido criar algo consciente, para ressentir o jugo de prazeres proibidos, e ficar sob a etema punição se eles forem transgredidos? 156 Fruto d o Espírito Prisioneiro voluntário 157 Khayyam admite francamente seu dilema, e sua única solução é comer, beber e divertir-se. Ele sente que a questão não pode ser respondida e positiva mente declara: Eu mesmo, quando jovem, ansiosamente fre- qüentei Doutor e Santo; ouvi grande discussão acerca disto e daquilo, mas sempre saía pela mesma porta por onde eu havia entrado. Entretanto, o testemunho dos que têm buscado liberdade no excesso, recusando-se a reconhecer que ela só existe na escravidão, revela a tragédia de sua filosofia. Lorde Byron disse no seu último ani versário: “Foram-se as flores e os frutos da vida; só são meus agora o verme, o câncer e a tristeza.” Ele morreu aos 36 anos, derrotado e deprimido. Há uma resposta muito melhor do que nos entre garmos meramente ao destino que espreita ou sair pela porta de entrada. A Bíblia é um manual de comportamento que oferece razões convincentes para seguirmos as advertências de Deus. A razão de surgirem tantas tentações e frustrações se não nos ajustarmos a elas é porque Deus criou o homem com o potencial tanto para um grande bem como um grande mal. Não somos máquinas programadas para certas respostas, mas, antes, vontades livres para escolher o bem ou o mal, participando das conse quências dessa decisão. A grandeza nunca é só força. Hitler tinha força para atemorizar um mundo e praticamente extermi nar uma raça. Contudo, ninguém ousaria qualificá-lo como grande. A autoridade e força de Nero eram incontestáveis, porém besuntar cristãos com alca trão, por fogo aos seus corpos que ainda respiravam, para que fossem à noite tochas nos seus jardins, certamente não é demonstração de grandeza. A grandeza não é só a manifestação de força, mas também de repressão. Lincoln foi grande porque mesmo que pudesse assolar o Sul, pregava e prati cava “maldade contra ninguém e caridade para com todos”. Washington podia ter sido um ditador, mas preferiu restringir-se, desejando uma democracia forte. De modo semelhante, a felicidade não é a busca livre de nossas fantasias, mas também a vo luntária restrição delas. Nossas vidas são como rios, úteis nas suas energias ou destrutivos na sua força. Pode-se observar a ma jestade de uma queda de água canalizada para gerar eletricidade a uma comunidade necessitada de luz ou irrigando uma terra crestada e ter um sentimento de apreciação. Ou pode-se ver um rio sinuoso, indisci plinado, espraiando-se fora das ribanceiras, avassa- lando valiosas terras de sitiantes, fazendo devasta ções que anos de trabalho não poderão restaurar, e sentir frustração. O benefício ou destruição não pro vém da água em si mesma, mas do modo como é canalizada. Igualmente, vidas úteis e significativas só podem surgir de corações comedidos, cujas paixões foram canalizadas para o maior bem. Somos montes 158 Fruto d o Espírito Prisioneiro voluntário 159 de paixões, desejos, emoções e sentimentos, e, ine rentes a eles todos está o grande bem ou o grande mal. Paulo diz que a vida cheia do Espírito é canali zada e disciplinada para o maior bem. O âmago da alma Contudo, o domínio próprio não é o único sinal de uma vida bem disciplinada. O autodomínio, como fruto do Espírito, vai ao âmago da alma e é o próprio caráter do homem. Milhares de ladrões estão fecha dos atrás de grades e eliminados da sociedade. To davia, eles ainda são ladrões que simplesmente não têm oportunidade de cometer seus crimes contra uma sociedade livre. Isso também é verdade com respeito a outros crimes e ofensas. O milagre de Cristo é que o caráter do homem muda e não só o seu ambiente. Homens que encontram Cristo não são só libertados, mas, limpos, recomeçam a partir de onde as velhas coisas já se foram. O domínio próprio, então, é a própria motivação da alma. Davi, que aprendeu a disciplina através de amarga experiência, orou: “As palavras dos meus lábios e o meditar do meu coração sejam agradáveis na tua presença, Senhor, rocha minha e redentor meu!” Essa é a verdadeira temperança. Aqui está a disci plina exterior, a vigilância sobre as palavras de sua boca, mas também a do âmago da alma. Davi roga para que seus próprios pensamentos e motivos sejam do agrado de Deus. Quando alguém ora motivado como Davi, per manece firme apesar das circunstâncias ambientais. Não há fins de semana ou tempo perdido quando, fora da vista do santuário, ele se permita viver como de fato quer. O pecado de Davi sobreveio quando ele deixou de orar e viver essa oração. O verdadeiro prisioneiro em gozo de grande liberdade, não está escravizado à sociedade, esposa, família ou amigos, mas, antes, é um escravo do amor de Deus. A lealdade a Cristo mediante o Espírito Santo traz à tona o melhor que temos, ao passo que a obediên cia indisciplinada à nossa natureza inferior destrói como uma torrente de água, desgastando a estabili dade emocional e o bem-estar físico, nossos e dos que nos cercam. Paulo diz que o homem cheio do Espírito Santo terá domínio próprio. Obtendo controle Uma jovem mãe estava tendo dificuldade com um pequeno de cinco anos, manhoso e exibicionista. Depois de tê-lo disciplinado rigorosamente e man dado para a cama, ela explicou: “Pode ser que eu seja ‘quadrada’, mas não posso crer que permitindo que ele se torne tão indesejável agora vá transformá-lo numa criatura amável daqui a vinte anos.” Sua idéia era que a disciplina vai além do castigo ou recompensa. A disciplina é na verdade conferir às crianças o autocontrole para que façam uso de suas melhores qualidades. Trata-se de dar- -lhes habilidade de tomar decisões e aceitar as con- seqüências de sua escolha. Ainda que o domínio próprio seja um fruto muito desejável do Espírito, o homem honestocogitará de 160 Fruto d o Espírito Prisioneiro voluntário 161 como tirar proveito dele na sua própria vida. É aqui que a Bíblia dá algum auxílio muito prático, mos trando como podemos obter o autocontrole. Como a senhora com a criança turbulenta podemos ficar res ponsáveis por nós mesmos através das indicações da Palavra de Deus. É estranho, porém isso coincide com os conselhos oferecidos por grandes psicólogos, com referência aos mesmos problemas. Autodisciplina firme. Jesus falou em quatro espé cies de solo em que a boa semente caiu. Só um deles era “disciplinado” e produziu fruto. Com essa parábola ele diz que muito depende de nós nessa questão de viver a vida vindoura. Paulo acrescenta ria mais tarde: “Todo atleta em tudo se domina; aqueles para alcançar uma coroa corruptível; nós, porém, a incorruptível. . . Mas esmurro meu corpo e o reduzo à escravidão, para que, tendo pregado a outros, não venha eu mesmo a ser desqualificado” (1 Coríntios 9:25, 26). No fim de sua grande vida, Paulo reservaria tempo naquela lúgubre prisão para registrar seu último de sejo e testamento a um jovem pregador em Éfeso. Em 2 Timóteo 2 :4 Paulo subministra a seu filho na fé três importantes regras de autodisciplina. A primeira é: “Nenhum soldado em serviço se envolve em ne gócios desta vida, porque o seu objetivo é satisfazer àquele que o arregimentou.” Em outras palavras, viver para Cristo é serviço de tempo integral. Isso não significava que Timóteo teria de isolar-se socialmente ou não participar da sua comunidade. Paulo mesmo trabalhava como tecelão de tendas para suprir as suas necessidades físicas enquanto pregava. O ponto nevrálgico da questão é que aquele que se alistou para o serviço de Cristo tenha a vista no alvo su premo. Com relação a Deus ou seu trabalho, não há férias. O Dr. Smiley Blanton, notável psiquiatra, diz: ‘ ‘Nove em dez casos relacionados com a tentação, as desvantagens resultantes superam grandemente a satisfação momentânea.” Ele prossegue mostrando que as bebidas nunca valem a ressaca, ou a sexuali dade ilícita suas conseqüências derradeiras. Paulo dizia o mesmo a Timóteo. Timóteo é admoestado a lembrar o seu destino quando a lascívia juvenil ou as tentações sobreviessem e a prever as conseqüências, de forma a superá-las. Ele não devia enredar-se com o mundo. A seguir, Paulo diz haver certas regras que deviam ser observadas: “Igualmente o atleta não é coroado se não lutar segundo as normas.” Alguns pensam poder prosseguir com seus pecados. Contudo, isso nunca se dá. Ainda que a voz da consciência seja um murmúrio, o castigo por desprezá-la é grande, como qualquer psiquiatra ou médico poderá dizer. O Dr. Blanton também aduz: “Quer você considere a consciência como um mecanismo divinamente im plantado, um eco apagado de autoridade paterna, ou os velhos tabus coletivos da raça humana, ela permanece como um dispositivo da personalidade humana que dispara uma das emoções mais destru tivas: a culpa.” Realmente, nunca nos furtamos a nós mesmos e à 162 Fruto d o Espírito Prisioneiro voluntário 163 voz que nos fala no silêncio de nossas almas. Os homens nunca descobrirão nossos pecados, porém nós estamos constantemente sendo espicaçados pelas suas pontas agudas e penetrantes. E, como diz Paulo, jamais poderemos verdadeiramente ficar fir mes, fixar os homens nos olhos, dominar qualquer situação, se não mantivermos as normas. E’ relati vamente sem importância sermos ou não apanha dos. A religião se acoberta sob a aparência humana e é a essência da alma. Enganamo-nos a nós mesmos quando pensamos poder sair-nos bem lutando des lealmente. A idéia final que Paulo dá é “O lavrador que trabalha deve ser o primeiro a participar dos frutos” (v. 6) Algumas pessoas falam sobre religião para encobrir deficiências terríveis de suas próprias vidas. O incidente da mulher ao pé do poço é um caso típico. Quando Cristo se aproximou do seu pro blema ela procurou esquivar-se do Mestre com uma questão religiosa acerca do lugar adequado para adorar. Jesus respondeu logo e a seguir foi ao cerne verdadeiro do problema. A religião pode tomar-se um escudo para os que se consideram justos, e merecemos parte da crítica que o mundo nos faz. Paulo reconhece isto em mui tas passagens, mas aqui, particularmente, ele fala a Timóteo acerca de ser participante do que pregava. Timóteo podia argumentar sobre religião ou ques tões teológicas por toda a sua vida e ainda assim estar perdido. Nem todo o homem que diz “Senhor, S e nhor” , terá entrada. O importante, diz Paulo, é que participemos da misericórdia e disciplina de Cristo. Então seremos senhores de nossas vidas. Teremos controle de nós mesmos no momento em que vi vermos na atitude de que fala Paulo. Assim, o pri meiro passo para o autocontrole é o desejo de viver segundo as normas, e disciplinarmo-nos pelas leis de Cristo. Conhece-te a ti mesmo. Ainda que filósofos te nham dito isto durante séculos, por vezes não reco nhecemos a força dessa verdade. Ela foi a base dos sermões de Sócrates e muito dos escritos do Novo Testamento tratam do assunto. Pedro diz: . . asso ciai com vossa fé a virtude; com a virtude o conheci mento; com o conhecimento o domínio próprio” (2 Pedro 1:5). Diz ele para associarmos à nossa virtude o conhecimento; ou em outros termos, conhecermos nossas limitações e a força divina. Tentações variadas atraem diferentes povos, em graus diversos de intensidade. O que pode ser uma pedra de tropeço para você pode não o ser para seu próximo. Essa é uma das razões de Cristo nos ensinar a não julgarmos as ações ou reações alheias. Não podemos avaliar seu dilema por desconhecermos os problemas que os afligem. Contudo, se arrolarmos nossas próprias fraquezas e praticarmos um pouco de auto-honestidade acerca das imperfeições de nosso caráter, então grande parte de nosso problema é eliminado. É verdade que as tentações em geral não ficam à nossa espera, mas realmente há defeitos de nosso caráter que nos impelem a cair nelas. Por exemplo, ao conquistador sempre se apresentará 164 Fruto d o Espírito Prisioneiro voluntário 165 uma série de acontecimentos românticos, porque ele inconscientemente cria essas situações. Só há um meio de vencer, quando somos tentados ou buscamos a tentação: atentar para a admoestação bíblica de fugir dela. Freqüentemente, a maioria de nós apenas rastejamos, esperando que ela nos do mine. O segredo de viver com autodomínio consiste em arrolar nossas fraquezas, evitar contactos em áreas em que somos vulneráveis e então, se estamos numa delas, fugir. José achou dessa forma sua salva ção da mulher de Potifar. S e você é extremamente ambicioso, então fuja da tentação de prejudicar os outros para alcançar o topo. Alguém, extremamente insatisfeito com sua situação na vida, deve evitar, como uma calamidade, a tentação de escapismo mediante bebida, pílulas ou fantasias. Conhecer-se a si mesmo é o sábio conselho de Pedro em ocasiões de tentação. Revesti-vos de Cristo. Paulo escreve: . . revesti- -vos do Senhor Jesus Cristo e nada disponhais para a carne” (Romanos 13:14). Pode ser banalidade dizer simplesmente: “Ore acerca disso”, mas o fato é que ainda funciona. Um psiquiatra explica-o da seguinte forma: “Após passar uma longa vida observando a conduta humana, não me resta dúvida de que, in teiramente à parte de seu significado religioso, a oração é um dos métodos mais eficazes de extrair a sabedoria e poder existentes no grande reservatório do inconsciente.” Mas, para não ser mal interpretado, ele acrescen tou que não pensava que a mera repetição de uma prece fosse suficiente. Disse: “Na oração eficiente deve haver humildade, renúncia de desejos, reco nhecimento da necessidade de auxílio. O psiquiatra não pode explicar isto profundamente, não mais do que o teólogo, mas sabe que é assim. A auto- -submissão é a chave. Quando essa atitude invade o consciente e mergulhaprofundamente no incons ciente, o resultado é serenidade e clareza de pensa mento que tomam as decisões corretas não só possí veis mas quase inevitáveis.” Freud também obser vou: “A inteligência pode funcionar com segurança só quando afastada da influência de forte carga em o cional.” Mesmo que alguns discordem da aplicação deste princípio, ainda é verdade que a oração nos afasta do forte impulso emocional daquela tentação e nos põe em contacto com a fonte de toda a inteli gência. Daí que a sabedoria desça aos nossos cora ções. Tiago diz simplesmente: “Se, porém, algum de vós necessita de sabedoria, peça-a Deus, que a todos dá liberalmente” (Tiago 1:5). Grandes praticantes da oração no passado ilus traram o poder dessa força. A Bíblia admite viva mente que os grandes profetas tinham desejos, pai xões e impulsos idênticos aos nossos. Contudo, pelo poder da prece foram capazes de canalizar esses impulsos para os desígnios supremos de Deus. O mundo é muito melhor por terem eles feito isso. A oração funciona e é praticamente um recurso ines gotável para uma vida forte e confiante. Enchei-vos do Espírito. Paulo nos dá uma daque las verdades sensatas com tamanha simplicidade que 166 Fruto d o Espírito Prisioneiro voluntário 167 nos surpreende. Ele diz simplesmente: “E não vos embriagueis com vinho, no qual há dissolução, mas enchei-vos do Espírito” (Efésios 5 :18). Como o vinho intoxicante tem domínio sobre um corpo, assim o Espírito nos domina quando nos enchemos dele. Paulo acreditava e pregava que quando al guém está assim absorvido pelo Espírito, é domi nado por uma força maior do que ele mesmo. Em outros termos, há um plano superior de vida para aquele que está impregnado pela presença contínua de Deus através do seu Espírito que nele hebita. Mais do que autocontrole, isso se toma controle de Cristo. Como todos nós temos experimentado, este é o único meio de nos elevarmos acima de nossas pró prias naturezas. Saindo do fosso Grande parte de nossa felicidade ou infelicidade depende de nossa habilidade em manobrar a tenta ção, ao invés de sermos manobrados por ela. Robert Louis Stevenson disse: “Estamos condenados a al guma nobreza” , ao passo que a Bíblia diz: “O Salário do pecado é a morte.” Deus nos criou com a habili dade e desejo tendentes à grandeza e nobreza. Se sufocamos esses impulsos, nossas vidas ficam des troçadas e dissipadas. S e cultivamos essa nobreza passamos do reino da animalidade pará um mais próximo da divindade. Jesus certa vez contou a história de um rapaz que se embebeu dessas duas naturezas. O filho pródigo caiu do topo ao fundo do fosso e por fim atingiu de novo o topo. Há quem chore ao ler sobre o grande perdão do pai e a profunda vergonha do filho. Em todo o relato há certa nota de tristeza quando pen samos numa vida jovem tão malbaratada e inútil. Então, Cristo fala do irmão mais velho e de sua reação errada. Após censurar essa sua atitude, o pai fala palavras que ressoam vibrantes séculos afora. Talvez, como ele, tenhamos achado que nunca realmente podíamos apreciar o perdão de Cristo até que, como o filho pródigo, comamos as alfarrobas dos porcos ou quem sabe, sintamos que somos inca pazes de apreciar nossa bondade. Como quer que seja, as palavras repassadas de bondade do pai são calorosas e sublimes. Ele diz ao mais velho: — Meu filho, tu sempre estás comigo; tudo o que é meu é teu. O pai percebeu que, embora ele tenha perdoado o pródigo, ele nunca perdoaria a si próprio. Sempre haveria períodos de profundo pesar por ter ele desa pontado o pai e todos da casa. O pai lembra ao mais velho: “Tu estás sempre comigo.” Em outras pala vras, ele não teria momentos de remorso e pode ría manter sempre a cabeça erguida. Era necessária uma festa para demonstrar ao mais moço que estava perdoado, mas não para o mais velho. O pai só lhe disse: “Tudo que é meu é teu.” Não é necessariamente verdade que o mais deso bediente seja o mais agradecido. Por conseguinte, recusando-nos a levar uma vida indisciplinada evi tamos muitas dores e mágoas profundas. A colheita de pecados ainda ocorre muito depois de Cristo nos 168 Fruto d o Espírito Prisioneiro voluntário 169 perdoar, e por isso é tão importante aprender a viver sob domínio próprio e sermos fiéis ao Cristo desde a mocidade. Paulo diz que o fruto do Espírito é domí nio próprio. Nunca houve uma época de necessidade de auto domínio como esta em que vivemos. Nossa socie dade semeou o vento e está colhendo a tempestade. Uma pesquisa do Senado norte-americano mostrou recentemente que cerca de dois e meio milhões de crianças entre as idades de 10 a 17 anos já têm passagem registrada na polícia. Acrescente-se a isso que 85% de todos os nossos criminosos têm menos de 25 anos. Para nossa sociedade há uma resposta. Se vivermos uma vida temperada e inspirarmos nos sos filhos a fazer o mesmo, nosso mundo pode mudar. O excesso exige mais excesso e só a disci plina do espírito pode quebrar o círculo de egoísmo. O escritor do Eclesiastes experimentou todos os ex cessos da vida e mesmo assim nos seus momentos finais recomenda: “Lembra-te do teu Criador nos dias da tua mocidade, antes que venham os maus dias e cheguem os anos dos quais dirás: Não tenho neles prazer” (Eclesiastes 12:1). Shakespeare disse: “Há uma maré nos negócios dos homens, que tomada na cheia, leva à fortuna; se esquecida, todo o curso de suas vidas está ligado a trivialidades e misérias: e devemos aproveitar a cor rente enquanto serve, ou perder a fortuna.” O que é verdade para os indivíduos aplica-se também às na ções. Estamos aterrorizados com a devassidão que assola nossas cidades e a violência que destroça nossos lares. A maré do autodomínio agora está em alta e para nossa sobrevivência devem os aproveitá-la. O fruto do Espírito é domínio próprio. O domínio próprio parece ser o último e mais elevado fruto do Espírito. Viva no espírito destes versos grandiosos! Auto-reverência, autoconhecimento, autocon trole, Só esses três levam a vida ao poder soberano; Mas não pela força (a força, por si mesma Se tomaria indesejada), porém viver pela lei, Agindo de acordo com a lei pela qual vivemos, sem temor; E porque o justo é justo, seguir o justo Seria sábio, com desdém da conseqüência. 170 Fruto d o Espírito 11 A FORTUNA NUMA GARRAFA Jack Wurm, com seus 55 anos de idade, atingira as profundezas do desespero e da depressão. Estava na praia, literal e figurativamente falando, faz alguns anos, alquebrado e desencorajado. Fracassado nos negócios, agora matava o tempo percorrendo as praias da Califórnia entre uma e outra entrevistas de emprego. Errando pela areia, seus olhos depararam com uma garrafa enterrada, que parecia conter algo. Ele ergueu-a com um pontapé e então se pôs a examiná-la. Havia um bilhete dentro, de forma que ele a quebrou e leu: Para evitar confusão, deixo todos os meus bens à pessoa feliz que encontrar esta garrafa e ao meu advogado, Bany Cohen, em partes iguais. Daisy Alexander. 20 de junho de 1931. O nome Daisy Alexander não significava nada para Jack Wurm, pelo que ele levou o caso na brin cadeira. Contudo, mais tarde soube que Daisy Ale- xander era herdeira de grande fortuna das Máquinas de Costura Singer e, se ele pudesse provar a validade do bilhete, entraria na posse de seis milhões de dó lares. As pesquisas revelaram ser Daisy Singer Alexan- der uma excêntrica que vivia na Inglaterra. Fre- qüentemente, lançava garrafas às águas, imagi nando onde iriam ter. Ela morreu aos 81 anos, em 1939, sem deixar testamento. Wurm exigiu a fortuna e o caso tomou seu curso legal através dos complica dos trâmites de um tribunal. Um perito em correntes oceânicas testificou que uma garrafa lançada no rio Tâmisa podia entrar pelo Canal da Mancha, passar ao Mar do Norte, atravessar o Estreito de Bering, ir ter ao norte do Pacífico e afinal chegar à Califórnia ou México. Ele disse que esse trajetolevaria aproxima damente 12 anos. Na realidade levara 11 anos e nove meses. Jack Wurm encontrara uma fortuna numa garrafa. Examinando a Escritura na busca de um sentido de direção, deparamos com uma fortuna espiritual dentro de uma garrafa. O fruto do Espírito nas suas nove penetrantes apresentações descerra-nos as ri quezas da personalidade centrada em Cristo. É grande a emoção da descoberta e a fortuna é eterna. Agora que examinamos cada uma em separado, talvez fosse conveniente passar uma revisão no seu contexto geral. Paulo põe em contraste aquelas qualidades espi 172 Fruto do Espírito rituais com os impulsos da carne. Ele adverte que o fruto da carne é imoralidade sexual, impureza da mente, sensualidade, idolatria, feitiçaria, ódio, con tendas, ciúmes, mau gênio, rivalidade, facções, espí rito litigante, inveja, embriaguez e orgias. Ele então descreve a personalidade do verdadeiro crente. É necessário repetir de novo que esses frutos não são características separadas entre as quais podemos es colher as que mais nos agradam; todas constituem uma unidade; um complementa o outro. O fruto da carne traz morte e destruição, ao passo que o do Espírito traz vida e paz. Como em qualquer situação contrastante, há uma decisão. Josué desafiou Israel a escolher naquele dia a quem servir; a escolha diária do bem ou do mal é nossa. O salmista orou: “. . . dispõe-me o coração para só temer o teu nome” (Salmo 86:11), e esta prece deve ser nossa, se o fruto do Espírito tiver de ser cultivado. Paulo, em outra de suas profundas afirmações, diz: “Porque de Deus somos cooperadores; . . . edifício de Deus” (1 Coríntios 3:9). Com nossas mentes ocidentais é por vezes difícil apanhar o sen tido pleno dessas palavras. J.B . Phillips sugeriu a seguinte tradução: “. . . sois um campo sob o cultivo de Deus, ou, se quiserdes, uma casa sendo cons truída de acordo com seu plano.” Que belo pensa mento! Somos campos cultivados por Deus para belos frutos e plantas produtivas. Como qualquer campo deve ser arado, semeado, limpado e irrigado, assim deve Deus cultivar nossas vidas. A fortuna numa garrafa 173 A atitude de Paulo era que, mesmo sendo impeli dos para a perfeição e sendo realmente cultivados, ainda há muito a fazer em nossas personalidades. Ele disse: “Não que eu o tenha já recebido, ou tenha já obtido a perfeição; mas prossigo para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus” (Filipenses 3:12). Então, admitindo sua im perfeição, diz: “Irmãos, quanto a mim não julgo havê-lo alcançado” (v. 13a). Porém ele se volta para a esperança viva e positiva: “Mas uma coisa faço: esquecendo-me das coisas.que para trás ficam e avançando para as que diante de mim estão, pros sigo” (v. 1 3 ,1 4 ). Henry Wadsworth Longfellow ex pressou o mesmo de outro modo: Ergamo-nos, pois, e façamos com o coração qualquer destino. Realizando e prosseguindo sempre, no trabalho aprendamos a esperar. Paulo também disse que somos como edifícios construídos segundo as especificações de Deus. Deus tira a madeira de nossas vidas e faz de nós o que deseja que sejamos. A coisa importante em ambas as metáforas é que o trabalho prossegue agora. Em outras palavras, como o fruto cresce até amadurecer, somos cultivados e edificados por Deus até aquele tempo de perfeição. Aqui temos nossa fortuna numa garrafa. O fruto do Espírito é poderoso e cresce em nós até que sejamos perfeitos aos olhos divinos. Certa vez um 174 Fruto do Espírito homem perguntou a Rembrandt em que ponto um quadro se completava. Ao que o famoso artista ho landês replicou: “Um quadro está terminado quando ele expressa a intenção do artista.” O mesmo se dá com nossas vidas. Elas só ficarão completas quando expressarmos a intenção total do Mestre. Isso é o que concerne inteiramente ao fruto do Espírito. Essas qualidades tão evidentes na vida terrestre de Cristo expressam a intenção do Grande Artista. Por isso, ativamente buscamos seu cultivo, sua edificação, sua poda, até que nossas vidas se ajustem à imagem de seu único Filho. Woodrow Wilson disse: “O Cristianismo libertou o mundo, não como filosofia de altruísmo, mas pela revelação do poder do amor altruísta. Isto resume o propósito e conteúdo do fruto do Espírito. Grande parte do mundo ainda busca libertar-se e a Grande Comissão não será realizada por um evangelismo auto-estilizado por um programa muito elevado, mas pelo preenchimento do Espírito e vibração de vida rica de fruto do Espírito e transbordante do amor de Deus. S ó então poderemos sentir o soluçar do mundo sofredor e a dor da criação que geme. Zaca rias diz sucintamente — “ . . .Não por força nem por poder, mas pelo meu Espírito, diz o Senhor dos Exércitos” (Zacarias 4:6). O fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longani- midade, benignidade, bondade, fidelidade, mansi dão, domínio próprio. Cristo viveu tudo- isso com plena perfeição, e quando pensamos naquela vida Afortuna numa garrafa 175 176 Fruto d o Espírito perfeita e no que ele deseja que sejamos, dizemos com o poeta: A face do mundo inteiro mudou para mim desde o momento em que ouvi o som dos passos de tua alma. Impresso nas oficinas da Editora Betânia S/C Venda Nova, MG O FRUTO DO ESPÍRITO Charles R. Hembrce Editora Vida ÍNDICE PREFÁCIO CAPÍTULO I ILUDIDOS POR UM MILAGRE UMA CHEIA DE FITAS Os não divorciados — Amor no lar A corrida da morte — amor no mundo SEDE DA VERDADE Há um rio O doce aqui e agora PIOR DO QUE A GUERRA A contradição de Cristo Fazendo da paz um exercício A feitura do homem OS ANOS DO GAFANHOTO Levado ao desespero A questão do por quê O homem que voltou TOQUE SUAVE A que se assemelha Deus? Crescendo em benignidade Experimente o toque da ternura O TAMBORILEIRO DIFERENTE Combatendo pela bondade O coração dividido Em que vamos confiar? Trivial porém verdadeiro ENQUANTO A IGREJA DORME Era de apatia A fome do coração O Senhor abandonado A FORMA DO CONTEÚDO Uma mansidão vertical Moisés dá o significado Sob a aparência Jesus pagou tudo PRISIONEIRO VOLUNTÁRIO Fora da porta de entrada O âmago da alma Obtendo controle Saindo do fosso A FORTUNA NUMA GARRAFA