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W BA 10 33 _V 1. 0 HEMATOLOGIA CLÍNICA 2 Tatiane Marques Ana Paula Michelin São Paulo Platos Soluções Educacionais S.A 2022 HEMATOLOGIA CLÍNICA 1ª edição 3 2022 Platos Soluções Educacionais S.A Alameda Santos, n° 960 – Cerqueira César CEP: 01418-002— São Paulo — SP Homepage: https://www.platosedu.com.br/ Head de Platos Soluções Educacionais S.A Silvia Rodrigues Cima Bizatto Conselho Acadêmico Alessandra Cristina Fahl Ana Carolina Gulelmo Staut Camila Turchetti Bacan Gabiatti Camila Braga de Oliveira Higa Giani Vendramel de Oliveira Gislaine Denisale Ferreira Henrique Salustiano Silva Mariana Gerardi Mello Nirse Ruscheinsky Breternitz Priscila Pereira Silva Coordenador Camila Braga de Oliveira Higa Revisor Tamara Gonçalves Apolinário Editorial Beatriz Meloni Montefusco Carolina Yaly Márcia Regina Silva Paola Andressa Machado Leal Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)_____________________________________________________________________________ Marques, Tatiane Hematologia clínica / Tatiane Marques, Ana Paula Michelin. – São Paulo: Platos Soluções Educacionais S.A., 2022. 32 p. ISBN 978-65-5356-279-0 1. Análises. 2. Clínicas. 3. Hematologia. I. Michelin, Ana Paula. II. Título. CDD 616.07561 _____________________________________________________________________________ Evelyn Moraes – CRB 010289/O M357h © 2022 por Platos Soluções Educacionais S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Platos Soluções Educacionais S.A. 4 SUMÁRIO Apresentação da disciplina __________________________________ 05 Células sanguíneas e sua importância diagnóstica ___________ 07 Hemograma: a avaliação laboratorial do sangue _____________ 23 Distúrbios hematológicos ___________________________________ 39 Diagnóstico dos distúrbios hematológicos ___________________ 50 HEMATOLOGIA CLÍNICA 5 Apresentação da disciplina Seja bem-vindo à disciplina Hematologia clínica. É uma grande satisfação poder compartilhar o conhecimento de uma área tão importante e atual com você. Durante nossos estudos, retomaremos conceitos básicos do sistema imune e verificaremos todo o processo de crescimento dessa ciência com o avanço da medicina, que proporcionou diagnosticar e verificar evoluções de doenças que antes não eram possíveis. Serão abordados assuntos sobre análise e interpretação do hemograma de sangue periférico normal e esfregaços de alterações morfológicas na série branca e vermelha; interpretação dos conjuntos de parâmetros laboratoriais que estabelecem os aspectos qualitativos e quantitativos das células sanguíneas; interpretação das alterações laboratoriais nos distúrbios de coagulação, leucócitos e eritrócitos; e as técnicas avançadas na análise de células sanguíneas. As competências e habilidades desenvolvidas englobam: classificar distúrbios da coagulação, leucócitos e eritrócitos; interpretar o hemograma de sangue periférico normal e esfregaços de alterações morfológicas na série branca e vermelha; interpretar aspectos qualitativos e quantitativos das células sanguíneas; e reconhecer técnicas avançadas na análise das células sanguíneas. Nesse contexto, a busca incessante por metodologias denominadas “padrão ouro” fez com que os exames laboratoriais fossem cada vez mais aprimorados e os equipamentos utilizados fossem cada vez mais potentes. Tudo isso está relacionado com a busca por tratamento e cura de doenças, bem como por melhores marcadores para diagnóstico. 6 Vamos juntos explorar o mundo de possibilidades que a imunologia clínica nos oferece. Bons estudos! 7 Células sanguíneas e sua importância diagnóstica Autoria: Tatiane Marques Leitura crítica: Tamara Gonçalves Apolinário Objetivos • Compreender a importância do setor de hematologia no laboratório clínico para o diagnóstico de enfermidades. • Conhecer os métodos de análise de células sanguíneas no setor de hematologia. • Correlacionar os exames realizados no setor de hematologia com as enfermidades diagnosticadas. 8 1. Hematologia clínica e sua importância diagnóstica Do grego Haimatus (sangue) e logus (estudo), hematologia é a ciência que estuda o sangue e seus componentes, sejam eles celulares ou humorais, assim como os órgãos e tecidos hematopoiéticos, responsáveis pela produção das células sanguíneas. Também estuda as alterações morfofuncionais sanguíneas e dos órgãos hematopoiéticos, assim como as enfermidades relacionadas a elas. O setor de hematologia clínica em um laboratório de patologia clínica representa um dos setores mais versáteis em suas possibilidades diagnósticas. Por meio da análise das células sanguíneas, em seus aspectos qualitativos e quantitativos, é possível identificar e diagnosticar inúmeras enfermidades, infecciosas ou não, e algumas vezes até mesmo identificar suas causas. Neste contexto, neste Tema você irá estudar o sangue e as células que o compõem e conhecer quais exames são realizados no setor de hematologia em um laboratório de análises clínicas, bem como as doenças que podem ser diagnosticas a partir deles. 1.1 Sangue Bombeado pelo coração, o sangue é um líquido de coloração avermelhada, composto por uma porção sólida e uma porção líquida, que circula por todo o organismo dentro dos vasos sanguíneos (RODRIGUES, 2019). Por meio dele é transportado o oxigênio, do pulmão para todos os tecidos do organismo, ligado à hemoglobina, no interior das hemácias. Também encontramos na corrente sanguínea, compondo a porção celular do sangue, os leucócitos, ou seja, as células responsáveis pela defesa do organismo contra partículas estranhas e microrganismos invasores, bem como as plaquetas, que são pequenos 9 fragmentos celulares responsáveis pela coagulação sanguínea. A parte líquida do sangue é composta principalmente por água, mas você também encontrará gases, eletrólitos, hormônios, nutrientes e excretas, entre outras substâncias imersas e dissolvidas em água (ANTUNES, 2019). Você sabia que o volume total de sangue de um indivíduo adulto corresponde a cerca de 8% de seu peso corporal? Isso significa que aproximadamente cinco litros desse precioso líquido estão distribuídos em suas artérias e veias, circulando por todo o seu corpo. A Figura 1 mostra que o plasma é o componente mais abundante do sangue, correspondendo a cerca de 52 a 62% de seu volume total. Entre os componentes celulares, as células vermelhas estão presentes em maior quantidade e representam de 38 a 48% do volume celular total. Já as células brancas e as plaquetas, presentes em menor proporção, correspondem ao 2%. Figura 1 – Componentes do sangue Fonte: Shutterstock.com. 10 O plasma, componente líquido do sangue, é composto principalmente por água (90% de seu volume), que representa o solvente universal e meio de transporte de componentes orgânicos e inorgânicos nos vasos sanguíneos. Dissolvidos no plasma, um líquido de coloração amarelada, encontram-se vitaminas, gases, eletrólitos e outros componentes do metabolismo, como as proteínas plasmáticas (RODRIGUES, 2019). Entre as proteínas, a albumina é a mais abundante e importante, pois ligada a ela são carreadas as moléculas insolúveis em água, como hormônios de natureza lipídica. Essa molécula também é responsável por regular a pressão osmótica do sangue (ANTUNES, 2019). Outra proteína de fundamental importância é o fibrinogênio, proteína solúvel no plasma que, quando convertida em fibrina, sua forma insolúvel, possui importante papel na coagulação sanguínea (ANTUNES, 2019). Diversas outras proteínas, como fatores de coagulação, proteínas do sistema complemento, hormônios e até mesmo anticorpos, estão presentes no plasma sanguíneo e podem serdosadas em exames laboratoriais nos setores de hematologia, endocrinologia, imunologia e bioquímica. A importância do plasma sanguíneo não se limita à questão do transporte de substâncias, pois, em situações de desequilíbrio osmótico do organismo, ele será responsável por absorver o excesso de líquido tecidual, evitando a formação de edema. Do mesmo modo, em casos de desidratação ou perda excessiva de líquidos em determinados tecidos, o plasma é a principal fonte de reposição hídrica e de eletrólitos (RODRIGUES, 2019). É importante lembrar que pela circulação do sangue no organismo é mantida a temperatura corporal estável e é gerado e distribuído calor para todo o corpo. Os componentes celulares serão estudados com maiores detalhes a seguir com relação à sua função e produção no organismo, pois são componentes de meia-vida curta e suas proporções são variáveis na corrente sanguínea. As células vermelhas, também conhecidas como 11 hemácias ou eritrócitos, têm meia-vida de aproximadamente 120 dias e são as responsáveis pelo transporte e fornecimento de oxigênio aos tecidos. Os glóbulos brancos, também denominados genericamente de leucócitos, são representados pelos granulócitos polimorfonucleares (neutrófilos, eosinófilos e basófilos), pelos fagócitos (monócitos) e pelos linfócitos T e linfócitos B (HOFFBRAND; MOSS, 2018). A meia-vida dessas células pode variar de dias a semanas, assim como sua presença na corrente sanguínea, podendo o aumento de alguns desses tipos celulares sinalizar o desenvolvimento de um processo inflamatório ou até mesmo infeccioso. Por fim, temos as plaquetas ou trombócitos. Esses pequenos fragmentos celulares complementam os componentes sólidos do sangue e permanecem circulando por dias, sempre em prontidão para conter ou estancar sangramentos e processos hemorrágicos consequentes de lesões teciduais e sanguíneas. A produção e a secreção desses fragmentos no sangue é diária, mas, em média, sua sobrevida é de 10 dias, quando são então removidas pelo baço ou pelo fígado (HOFFBRAND; MOSS, 2018). 1.2 Hematopoiese As células sanguíneas, assim como os demais componentes do sangue, possuem meia-vida curta e precisam ser constantemente repostas para manter a homeostasia sanguínea. O processo de produção e liberação no sangue de novas células é denominado hematopoiese e ocorre nos órgãos hematopoiéticos, representados principalmente pela medula óssea (Figura 2) e pelos órgãos linfoides, como os linfonodos. No entanto, durante a fase fetal, ou em casos de doenças com grave comprometimento da medula óssea, o baço e o fígado podem assumir essa importante função. A partir de uma célula-tronco totipotente, mediante estímulos químicos diferentes, as células progenitoras 12 diferenciam-se em linhagens eritrocíticas, mieloides e linfoides (HOFFBRAND; MOSS, 2018). Figura 2 – Medula óssea e produção de células sanguíneas Fonte: Shutterstock.com. A linhagem eritroide, representada pelas células vermelhas do sangue e derivada de células progenitoras mieloides, passará por diferentes processos de maturação e diferenciação, que resultam na formação de reticulócitos, ou seja, hemácias imaturas (Figura 3). O processo de maturação final será a perda do núcleo e a liberação da hemácia madura na corrente sanguínea. Nos próximos 120 dias, essa célula 13 será responsável pelo transporte de oxigênio ligado à hemoglobina, a proteína mais abundante no citoplasma dessas células (ANTUNES, 2019). A partir da linhagem mieloide de células progenitoras e mediante diferentes estímulos químicos e antigênicos, também se formarão as células brancas do sangue, chamadas genericamente de granulócitos ou células polimorfonucleares, representadas pelos basófilos, eosinófilos e neutrófilos (Figura 3). Finalmente, também derivados desse precursor comum, são formados os monócitos, células imaturas que, mediante estímulo antigênico, migram para o sítio inflamatório e diferenciam- se em macrófagos, células fagocitárias e apresentadoras de antígenos (RODRIGUES, 2019). Vale lembrar que as plaquetas, fragmentos celulares derivados da fragmentação de megacariócitos, também se originam desse progenitor comum. Figura 3 – Hematopoiese Fonte: Shutterstock.com. 14 1.3 Células sanguíneas Você já estudou o sangue, seus componentes e sua importância para a manutenção da vida e da saúde do organismo. Além disso, estudou a hematopoiese, ou seja, o processo de produção das células sanguíneas. Agora vamos aprender a diferenciar a morfologia das células sanguíneas e detalhar sua função no organismo. As hemácias, também conhecidas como glóbulos vermelhos ou eritrócitos, representam a maior proporção dos componentes sólidos do sangue. No hemograma, são avaliados seus parâmetros de morfologia, tamanho, quantidade de hemoglobina e coloração. Essas células circulam no sangue em média por 120 dias e há em média 4,5 x 106 células/mm3 de sangue em um adulto saudável. Morfologicamente, no microscópio, você as verá como células bicôncavas anucleadas, medindo aproximadamente 2,5 µm por 7,5 µm e com coloração avermelhada devido à hemoglobina presente em seu citoplasma. A Figura 4 traz a morfologia e o diâmetro de uma hemácia humana normal, possibilitando verificar que sua parte periférica é mais espessa que a porção central, o que facilita as trocas gasosas pulmonares e teciduais. Após a eliminação do núcleo celular e de algumas organelas, o citoplasma da hemácia é completamente preenchido pela hemoglobina, que é a proteína responsável pelo transporte de oxigênio. Alterações na constituição desta resultam em deficiência do transporte de O2, uma condição patológica conhecida como hemoglobinopatia, que pode ser classificada como Talassemia α, Talassemia β ou Anemia Falciforme (ANTUNES, 2019; RODRIGUES, 2019). 15 Figura 4 – Morfologia da hemácia Fonte: Shutterstock.com. Alterações quali-quantitativas referentes à diminuição das hemácias sanguíneas caracterizam um grupo de doenças conhecidas genericamente como anemias, que podem ser classificadas conforme a diminuição na contagem geral dessas células, alterações em seu formato e em sua coloração ou quantidade de hemoglobina. Essas alterações resultam em prejuízo de sua função no transporte de oxigênio relacionado a alterações na hemoglobina e a manifestações clínicas resultantes dessa deficiência. Por outro lado, o aumento na contagem global dessas células é conhecido como policitemia ou eritrocitose e, da mesma forma, é uma patologia que pode comprometer gravemente a saúde humana. As células componentes da série branca do sangue, também conhecidas como leucócitos ou glóbulos brancos, correspondem na verdade a vários tipos celulares que permanecem circulando na corrente sanguínea. Essas células representam menos de 1% do total de células do sangue, 16 mas são as células de defesa contra toxinas e microrganismos invasores. Também são responsáveis por sinalizar a ocorrência de um processo inflamatório e de alergias; remover células mortas e fragmentos celulares; auxiliar no processo de cicatrização; e até mesmo remover fragmentos de coágulos, evitando a formação de trombos sanguíneos. A contagem global dessas células no sangue de uma pessoa adulta saudável situa-se entre 4,5 x 103 e 11 x 103 leucócitos/mm3 de sangue; variações nessa contagem podem sinalizar a ocorrência de um processo infeccioso, uma alergia e até mesmo uma neoplasia (HOFFBRAND; MOSS, 2018). A Figura 5 traz a morfologia das células granulocíticas e linfocíticas circulantes na corrente sanguínea. Os leucócitos são agrupados em dois tipos de populações celulares: os granulócitos, compostos por neutrófilos, basófilos e eosinófilos; e os agranulócitos, representados pelos monócitos e linfócitos T e B. A seguir, você irá aprender sobre a função de cada célula como componente do sistema imune e as características morfológicas para sua identificação. Figura 5 – Leucócitos sanguíneos Fonte: Shutterstock.com.17 Os leucócitos granulócitos recebem esse nome, pois, vistos no microscópio, apresentam-se como células repletas de grânulos em citoplasma. Também conhecidos como leucócitos polimorfonucleares, são as células sentinelas da corrente sanguínea, pois permanecem circulando em busca de partículas estranhas ou agentes invasores. Atuam em conjunto com outros componentes do sistema imune inato. As três células componentes desse grupo diferenciam-se, na hematologia, pela afinidade de seus grânulos específicos aos corantes utilizados para estudo dessa população celular e pelo formato de seu núcleo. Trazemos a seguir as principais diferenças entre neutrófilos, eosinófilos e basófilos, segundo Abbas (2019): • Neutrófilos: são as principais células sentinelas do sangue. Com grande mobilidade, permanecem circulando na corrente sanguínea a postos para fagocitar e remover qualquer partícula estranha ou indesejada. À microscopia, você verá células com afinidade por corantes neutros, com núcleo em forma de ferradura, fragmentado em 2 a 5 lóbulos (Figura 5). Por quimiotaxia, durante uma resposta inflamatória, migram para os tecidos e contribuem para o processo inflamatório. Quando mortos, são os principais componentes das secreções purulentas. • Eosinófilos: representando de 3 a 5% dos leucócitos circulantes no sangue, essas células são de fundamental importância no processo alérgico e na resposta imune mediada por IgE e proteínas do sistema complemento. Sua contagem poderá estar aumentada em infecções parasitárias, principalmente aquelas causadas por helmintos, mas também em infecções fúngicas e virais. Ao microscópio, você verá células com afinidade por corantes ácidos, pois seus grânulos são acidófilos, e núcleo bilobulado em forma de rim (Figura 5). • Basófilos: representando os leucócitos presentes em menor proporção na corrente sanguínea, você verá níveis aumentados dessa célula em processos alérgicos, principalmente sistêmicos. 18 Em um processo inflamatório, migram por quimiotaxia para o local da inflamação, onde podem exercer atividade fagocítica, mas são mais importantes por secretar heparina e histamina, que resultam em vasodilatação e evitam a formação de coágulos, além de facilitar a migração leucocitária. No esfregaço sanguíneo, ao microscópio, você verá células cujos grânulos possuem afinidade por corantes básicos e núcleo com formato irregular (Figura 5). Leucócitos agranulócitos recebem esse nome por não apresentarem grânulos corados quando observados à microscopia óptica, utilizando coloração de rotina, como hematoxilina-eosina, panótico ou giemsa. Presentes em menor proporção na composição total dos leucócitos, essas células são representadas pelos monócitos e linfócitos. Trazemos a seguir suas principais características morfológicas e funcionais, segundo Abbas (2019): • Monócitos: representam a morfologia imatura dos macrófagos, as principais células fagocitárias do sistema imune. Os monócitos são liberados na corrente sanguínea após sua produção na medula óssea, migram ativamente na corrente sanguínea e, ao receberem o devido estímulo antigênico e quimiotático, fazem a diapedese para os tecidos e diferenciam-se em macrófagos, a célula ativada. À microscopia óptica, você verá grandes células de formato irregular e núcleo intensamente corado em formato de C (Figura 5). • Linfócitos: ao pensar em linfócitos, naturalmente, você assimila duas células diferentes: linfócitos B, as células produtoras de anticorpos, e linfócitos T, as células auxiliares da resposta imune. No entanto, no esfregaço sanguíneo, essas células são indistinguíveis e você as verá como células com núcleo grande, ocupando entre 80 e 90% de seu volume citoplasmático, com núcleo irregular e intensamente corado (Figura 5). 19 A avaliação laboratorial dos leucócitos, seja pelo hemograma seja pela contagem diferencial no esfregaço sanguíneo, visa avaliar a presença de uma resposta inflamatória e contribui para o diagnóstico de infecções, inflamações, processos alérgicos e até mesmo outras enfermidades sanguíneas. As alterações qualitativas denotam a presença de células jovens, resultantes do aumento de sua produção na medula óssea, fenômeno conhecido como desvio à esquerda (HOFFBRAND; MOSS, 2018). Nesse caso, é associado a outros exames e às condições clínicas do paciente, sendo possível sugerir a presença de infecções, inflamações, alergias e outras condições de enfermidades. Com relação às alterações quantitativas, há os casos de diminuição na contagem total de leucócitos, que recebe o nome de leucopenia, e de aumento na contagem total dessas células, também conhecido como leucocitose. A leucopenia é a contagem de leucócitos totais abaixo de 4.5 x 103 células/mm3 de sangue e o significado clínico dessas alterações deve ser avaliado individualmente, conforme as alterações celulares evidenciadas. Geralmente, é mais comum evidenciar diminuição na contagem de neutrófilos e leucócitos, caracterizando maior susceptibilidade do organismo a infecções oportunistas. A leucocitose, por sua vez, representada pela contagem global de leucócitos acima de 11 x 103 células/mm3 de sangue em adultos saudáveis, é um sinal claro da presença de um processo inflamatório, seja ele infeccioso ou não. A depender do fator causal, pode ocorrer aumento de um único tipo celular ou aumento global dessas células (HOFFBRAND; MOSS, 2018). Embora não sejam células, e sim fragmentos celulares, as plaquetas, também denominadas trombócitos (Figura 6), estão incluídas entre os elementos sólidos que compõem o sangue. Você visualizará essas pequenas partículas como fragmentos bem menores do que as células, seja em tamanho ou em quantidade, na proporção aproximada de 1:20 (uma plaqueta para cada vinte hemácias). Elas são de extrema importância na coagulação sanguínea, quando se aglutinam e estacam sangramentos de intensidade variável após a exposição do endotélio 20 lesionado, formando um tampão branco (ANTUNES, 2019; RODRIGUES, 2019). Figura 6 – Plaquetas Fonte: Shutterstock.com. Alterações quantitativas e qualitativas deixam o organismo vulnerável a problemas da coagulação, mas podem também sinalizar algumas infecções virais e outros processos patológicos. A contagem normal de plaquetas em um indivíduo adulto e saudável varia em torno de 150.000 a 400.000/mm3 de sangue. A trombocitopenia, fenômeno em que é constatada a baixa contagem de plaquetas no sangue, deixa o organismo mais vulnerável a sangramentos espontâneos e fenômenos hemorrágicos. A trombocitose, ao contrário, predispõe a formação de coágulos e acidentes vasculares devido ao aumento quantitativo das plaquetas (ANTUNES, 2019; RODRIGUES, 2019). 1.4 Avaliação laboratorial do sangue No laboratório de análises clínicas, o setor de hematologia é um dos mais requisitados devido à versatilidade de análises e diagnósticos 21 possíveis apenas pela contagem e análise das células sanguíneas. No setor de análises clínicas, o hematologista clínico é o profissional responsável por analisar as amostras de sangue, caracterizar as alterações celulares morfológicas e quantitativas e, com base nisso, liberar o laudo diagnóstico com as possíveis anomalias e patologias sugeridas. O principal exame realizado para a análise do sangue é o hemograma, um procedimento em que são contadas as células sanguíneas e, em seu lado, são liberadas as contagens da série vermelha (hemácias), série branca (leucócitos) e série plaquetária (plaquetas). Além dessas análises, também são realizados os esfregaços sanguíneos, corados por Giemsa ou Panóptico, duas colorações laboratoriais rotineiras, para avaliação morfofuncional dessas células (silva, 2016; melo; SILVEIRA, 2019). Uma vez identificadas alterações importantes, procede-se à contagem diferencial em câmara de Neubauer para detalhamento da população celular alterada, como a presença de grânulos anormais. O resultado de um hemograma contribui para o diagnósticode enfermidades do sangue, como anemias, policitemias, leucemia, neoplasias sanguíneas e hemoglobinopatias. Avaliações complementares podem ser realizados, como o teste de sedimentação de hemácia, avaliação da função plaquetária e estudos de alterações da hemoglobina (silva, 2016; melo; SILVEIRA, 2019). Nesta leitura você aprendeu sobre o sangue, seus componentes e a função de cada um no organismo. Além disso, também se inteirou dos processos envolvidos na hematopoiese e na produção de células sanguíneas, assim como sua liberação na corrente sanguínea. Agora que você já sabe como diferenciar as células sanguíneas conforme sua morfologia e afinidade aos corantes histológicos, é preciso lembrar também que o exame realizado em laboratório de hematologia para estudo das células do sangue é o hemograma. Não se esqueça de que esse exame traz vários benefícios para o paciente, 22 entre os quais destacam-se: diagnóstico de infecções, identificação de anemias, avaliação e monitoramento da imunidade, estudo da coagulação sanguínea e triagem de doenças hematológicas, como as hemoglobinopatias e neoplasias sanguíneas. Referências ABBAS, A. K. Imunologia Celular e Molecular. 9. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2019. ANTUNES, S. R. Hematologia Clínica. Porto Alegre: SAGAH, 2019. HOFFBRAND, A. V.; MOSS, P. A. H. A. Fundamentos em Hematologia de Hoffbrand. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2018. MELO, W.; SILVEIRA, C. M. Laboratório de Hematologia: teoria, técnicas e atlas. 2. ed. Rio de Janeiro: Rubio, 2019. RODRIGUES, A. D. Hematologia Básica. 2. ed. Porto Alegre: SAGAH, 2019. SILVA, P. H. Hematologia Laboratorial: Teoria e Procedimentos. Porto Alegre: Artmed, 2016. 23 Hemograma: a avaliação laboratorial do sangue Autoria: Tatiane Marques Leitura crítica: Tamara Gonçalves Apolinário Objetivos • Conhecer o exame hemograma e os parâmetros sanguíneos avaliados. • Diferenciar o hemograma automatizado e as técnicas de contagem manual de células. • Aprender a interpretar corretamente o hemograma e fazer sua correlação com diferentes possibilidades diagnósticas. 24 1. Hemograma Hemograma é o exame laboratorial realizado no setor de hematologia de um laboratório de patologia clínica que avalia o sangue total. Também referido como hemograma completo, segundo Rosenfield (2012), é o exame mais solicitado em consultórios e ambulatórios clínicos devido à sua importância para a triagem da saúde do paciente. Com seu resultado expresso em valores quantitativos e porcentagens, geralmente divide-se em três etapas: eritrograma, leucograma e plaquetograma. Você sabia que o hemograma é um exame que permite uma avaliação do estado geral de saúde de uma pessoa? Sua correta interpretação possibilita, por exemplo, a confirmação diagnóstica de anemias, a suspeita ou a confirmação de infecções virais e bacterianas e, em alguns casos, até mesmo uma triagem inicial de doenças autoimunes e neoplasias sanguíneas. Nesse contexto, neste Tema, você estudará sobre o hemograma e aprenderá sobre o processamento automatizado da amostra e sua comparação com o processamento manual. Além disso, conhecerá os parâmetros sanguíneos analisados e compreenderá como interpretá-los para a emissão de um laudo diagnóstico. 1.1 Fase pré-analítica Fase pré-analítica é o termo que compreende todos os processos realizados antes da análise da amostra dentro do laboratório clínico. As falhas ocorridas nessa etapa e principalmente durante a coleta da amostra podem resultar em interferência na leitura e na interpretação correta do hemograma. Na hematologia laboratorial, são seguidos os seguintes passos: pedido do exame, preparação do paciente, coleta adequada da amostra e transporte, caso esta seja feita em domicílio, e a preparação da amostra para análise. 25 O hemograma deverá ser realizado mediante solicitação médica, ou de outro profissional de saúde, a partir da suspeita de alguma enfermidade ou apenas para um check-up. No pedido de solicitação do exame, o ideal é que o médico inclua sua suspeita diagnóstica para direcionar o hematologista clínico em sua avaliação. No setor de recepção do laboratório, devem ser registrados no sistema os dados pessoais do paciente (nome completo, idade, data de nascimento, sexo, endereço residencial, telefone de contato) e os dados do médico solicitante (nome completo, CRM). Neste momento, também devem ser anotadas algumas informações importantes, como uso de medicamentos, estado geral, presença de febre e alguma doença preexistente, pois esses dados podem ser úteis na averiguação de alterações nos exames. A coleta de sangue pode ser realizada no próprio laboratório de análises clínicas ou, se o paciente apresentar dificuldades de locomoção, intradomiciliar. Para a coleta da amostra, não são necessários jejum nem nenhuma outra preparação específica, como a interrupção de medicações de uso contínuo. No entanto, o paciente precisa sentir-se tranquilo e, na medida do possível, confortável para que a coleta seja ágil e sem interferentes. O garrote deve ser firmemente ajustado para que não interfira na coleta, mas de modo a não produzir hemólise. O ideal é que a coleta ocorra o mais rapidamente possível para não alterar a amostra por indução de coagulação ou hemólise (SILVA, 2016; MELO; SILVEIRA, 2019). A coleta deve ser realizada por punção de sangue periférico, a vácuo ou com seringa, em tubo com anticoagulante EDTA (Ácido Etilenodiamino Tetra-acético), para evitar sua coagulação. A Figura 1 traz um exemplo de coleta de sangue para hemograma. Ao coletor, cabe o cuidado de obedecer à marca presente no rótulo que sinaliza o volume ideal de amostra a ser coletado, a fim de evitar sua hemodiluição ou hemoconcentração. 26 Figura 1 – Coleta de sangue para hemograma Fonte: Shutterstock.com. Após a coleta da amostra, o sangue deve ser cuidadosamente homogeneizado (3 a 5 vezes) para misturar-se com o anticoagulante EDTA e evitar sua coagulação. Caso a amostra não seja homogeneizada, um coágulo se formará, o que interfere na contagem das células sanguíneas e das plaquetas. O cuidado durante a coleta, o transporte e o armazenamento da amostra também é necessário para evitar a hemólise ou a alteração de parâmetros solúveis do plasma sanguíneo. A amostra é estável por até 6 horas após sua coleta em temperatura ambiente ou 24 horas se armazenada em geladeira a 4°C. No entanto, Naoum e Naoum (2008) recomendam a análise em até 4 horas, pois este é o tempo de vida médio de um neutrófilo. Não é necessário centrifugar a amostra para análises, que podem ser automatizadas, feitas no hemocitômetro, ou manuais, no esfregaço sanguíneo ou em câmara de Neubauer. De qualquer modo, antes da liberação do laudo, os resultados devem ser conferidos manualmente e confrontados com os dados do paciente para a averiguação de possíveis alterações patológicas. 27 1.2 Fase analítica A fase analítica compreende a análise da amostra em si e a dosagem dos analitos correspondentes. No que se refere ao hemograma, consiste na contagem das células vermelhas, células brancas e plaquetas, o que atualmente é realizado de modo automatizado, mesmo nos laboratórios mais simples. Além disso, inclui a análise de esfregaços sanguíneos à procura de células com morfologia alterada, células imaturas e outras anormalidades, como a agregação plaquetária. Outros parâmetros de avaliação incluem a dosagem da hemoglobina e o hematócrito, que é a proporção entre a fase líquida e a fase sólida do sangue. Nesta parte de seu material de estudo, inicialmente, você conhecerá os parâmetros analisados no hemograma e como suas alterações contribuem para a triagem e a avaliação diagnósticas. Posteriormente, você estudará os métodos manuais e automatizados de contagem das células sanguíneas, assim como suas vantagens e desvantagens. De acordo com Naum e Naum (2015) e Rosenfield (2012), nos próximos anos a tendência para os laboratórios de análises clínicas é que todaa análise do hemograma seja realizada de forma automatizada, mesmo em laboratórios menores e menos tecnológicos, apesar de ambos ressaltarem que os resultados obtidos pelos dois métodos não apresentam diferenças tão significativas. A análise não automatizada, erroneamente referida por alguns autores como análise manual, consiste em três etapas: contagem das células, determinação do hematócrito e leitura da hemoglobina. A contagem das células é feita por meio do esfregaço sanguíneo (Figura 2) corado por Giemsa ou Panóptico, em que são contadas as hemácias, os leucócitos (contagem total e diferencial) e as plaquetas, podendo também ser feita pela câmera de Neubauer (Figura 3). O hematócrito é determinado pela centrifugação do sangue em capilares muito finos em centrífuga própria (Figura 4). Já a leitura da hemoglobina é feita pelo espectrofotômetro ou fotocolorímetro. Lembre-se de que para garantir a precisão e a 28 confiabilidade nos resultados de contagens manuais todas as amostras devem ser processadas em vidrarias limpas, com corantes de boa qualidade, e em equipamentos devidamente calibrados e ajustados (ROSENFIELD, 2012; MELO; SILVEIRA, 2019). Figura 2 – Esfregaço sanguíneo para contagem manual de células Fonte: Shutterstock.com. 29 Figura 3 – Contagem manual de células em Câmara de Neubauer Fonte: Vivas (2014, p. 8). Figura 4 – Microhematócrito Fonte: Shutterstock.com. 30 É fato que a análise automatizada do sangue possibilita a análise de um volume maior de amostras de sangue em um único dia. A escolha do equipamento deve ser realizada conforme a demanda do laboratório, pois os equipamentos disponíveis atualmente no mercado permitem a análise de 30 a 120 hemogramas por hora. Vale ressaltar que existem aparelhos com diferentes tecnologias de análise, com os mais modernos possibilitando até mesmo a distinção de células imaturas. Laboratórios mais simples e com menor demanda diária geralmente utilizam aparelhos cujo princípio de análise é a impedância. Em outras palavras, há passagem de corrente elétrica entre dois eletrodos quando o aparelho está ligado e a leitura é realizada quando as células presentes em uma amostra de sangue atravessam a corrente elétrica, gerando um impulso elétrico. O mais interessante nessa tecnologia tão simples é que células de diâmetros diferentes geram impulsos elétricos diferentes e, com base nisso, os equipamentos identificam e quantificam hemácias, leucócitos e até mesmo as plaquetas (MELO; SILVEIRA, 2019). Laboratórios maiores, com mais recursos financeiros e, principalmente, com maior demanda diária para a realização de exames, trabalham com contadores automatizados que, aliados à impedância, também possuem tecnologias como a citometria de fluxo, a citoquímica e a citologia diferencial, que distingue reticulócitos e blastos (células imaturas). Essas novas tecnologias avaliam as amostras qualitativa e quantitativamente, também pela dispersão da luz, além da impedância (BANDEIRA; MAGALHÃES; AQUINO, 2014). A Figura 5 traz um exemplo de equipamentos básicos para o setor de hematologia: um contador automatizado de células, um espectrofotômetro e um microscópio. 31 Figura 5 – Equipamentos básicos do setor de hematologia de um laboratório clínico Fonte: Shutterstock.com. Na contagem automatizada, o hematologista deverá, incialmente, realizar a calibração do aparelho e configurar os parâmetros de leitura para “ensinar” quais e como as células serão detectadas. É importante que sejam feitas diariamente a limpeza e a calibração do aparelho, além da leitura de amostras-controle para garantir os parâmetros, a qualidade e a precisão na liberação dos resultados. Entre essas configurações, será realizada a programação para a avaliação quantitativa do total de hemácias detectadas, assim como a aferição de seu tamanho (diâmetro). Por meio dessa análise, também é dosada a hemoglobina. Em seguida, são realizados cálculos para determinar o valor do hematócrito e outros índices hematimétricos (BANDEIRA; MAGALHÃES; AQUINO, 2014; MELO; SILVEIRA, 2019), como estudaremos adiante. O laudo do hemograma é liberado em seções identificadas como eritrograma, ou série vermelha, leucograma, ou série branca e plaquetograma, ou série plaquetária. Essas seções correspondem, respectivamente, aos resultados das análises de hemácias, leucócitos e plaquetas. Obrigatoriamente, ao lado dos resultados do paciente, 32 devem constar valores de referência para comparação e análise. Esses valores podem variar conforme o sexo biológico do paciente (feminino/ masculino) ou a idade (recém-nascido, bebês, crianças, adolescente até 15 anos, adolescentes acima de 15 anos e adultos). Alterações relativas à morfologia e à presença de células imaturas são laudadas como observação. O Quadro 1 traz os parâmetros analisados que compõem o eritrograma e seu significado clínico. Quadro 1 – Eritrograma Eritrograma Parâmetro analisado Significado clínico Eritrócitos Contagem global de hemácias Alterações na contagem de hemácias podem ser sugestivas de anemias e policitemia. Hemoglobina Avaliação quantitativa da hemoglobina presente nas hemácias Alterações nesse parâmetro podem ser sugestivas de anemia. Hematócrito Porcentagem do volume total de sangue correspondente às hemácias Alterações na contagem de hemácias podem ser sugestivas de anemias e policitemia. HCM Peso da hemoglobina na hemácia Auxilia no diagnóstico de anemia. VCM Volume Corpuscular Médio Avaliação do tamanho da hemácia; auxilia no diagnóstico de anemia. CHCM Concentração de Hemoglobina Corpuscular Média Avalia a concentração da hemoglobina dentro da hemácia; auxilia no diagnóstico de anemia. RDW Red Cell Distribution Width Índice que indica a variação de tamanho da hemácia (anisocitose). Observações Local do hemograma em que são descritas alterações na morfologia das hemácias e a presença de reticulócitos Depende das alterações observadas, mas auxiliam na triagem de diagnóstico de hemoglobinopatias, anemias e até mesmo algumas enfermidades infecciosas. Fonte: elaborado pela autora. 33 Como você pôde notar no Quadro 1, o eritrograma relata de forma geral os aspectos relacionados às análises quali-quantitativas das hemácias, com relação à contagem total, ao tamanho e à concentração da hemoglobina. O parâmetro RDW, que traz a média na variação dos tamanhos das hemácias, nem sempre será relatado no laudo do hemograma, sendo possível, portanto, encontrar resultados sem essa avaliação. Por outro lado, sempre que presentes, serão relatadas as alterações na morfologia das hemácias. A Figura 6 ilustra as principais alterações morfológicas que podem ser encontradas em um esfregaço sanguíneo. Figura 6 – Variações morfológicas das hemácias Fonte: Shutterstock.com. O leucograma avalia a série celular branca, ou seja, a presença de alterações quantitativas de linfócitos, monócitos, neutrófilos, basófilos e eosinófilos. Alterações na contagem dessas células sugerem a presença de infecções, reações alérgicas, doenças autoimunes e, em alguns casos, até mesmo malignidades da medula óssea. Outro parâmetro a ser observado nessa parte do hemograma é a presença de células imaturas, o que é laudado como desvio à esquerda e tem significado clínico de aumento da produção e liberação dessas células na corrente sanguínea, um fenômeno altamente sugestivo da presença de inflamação. O 34 Quadro 2 discrimina os parâmetros analisados no leucograma e seu significado clínico. Quadro 2 – Leucograma Leucograma Parâmetro analisado Significado Clínico Leucócitos totais Contagem global de células da série branca Valores diminuídos são referidos como leucopenia e valores aumentados como leucocitose. O significado clínico de leucocitose depende do tipo celular predominante ou alterado. Bastonetes Contagem de células imaturas Não há valores diminuídos, pois não é normal encontrá-los no sangue. Valores aumentadossão sugestivos de infecção. Segmentado Contagem de neutrófilos Valores diminuídos podem sugerir problemas de produção dessas células pela medula óssea. Valores aumentados são relacionados a infecções virais ou bacterianas. Eosinófilo Contagem de eosinófilos Valores diminuídos podem sugerir problemas de produção dessas células pela medula óssea. Valores aumentados são relacionados a reações alérgicas e infecções por helmintos. Basófilo Contagem de basófilos Não há valores diminuídos, pois é normal encontrar até uma célula no esfregaço. Valores aumentados são relacionados a reações inflamatórias e processos alérgicos. Monócito Contagem de monócitos Valores diminuídos podem sugerir problemas de produção dessas células pela medula óssea. Valores aumentados são relacionados a infecções virais e à leucemia mieloide crônica e podem ser evidenciados após quimioterapia. Linfócito Contagem de Linfócitos B e Linfócitos T Valores diminuídos podem sugerir problemas de produção dessas células pela medula óssea. Valores aumentados são relacionados a infecções virais e à leucemia linfocítica crônica. 35 Blastos Detecção e contagem de células imaturas Os blastos normalmente não estão presentes no sangue. A presença de células imaturas sugere aumento de produção de leucócitos na medula e seu fator causal deve ser investigado conforme as células encontradas. Fonte: elaborado pela autora. Fique atento, pois, para a liberação dos resultados de um leucograma, apenas a contagem total dos leucócitos não é suficiente, como pode ser constatado no Quadro 2. É necessário fazer também a contagem diferencial, seja ela manual ou automatizada, para identificar alterações pontuais na contagem dos diferentes tipos celulares. Todas as alterações na contagem diferencial, principalmente relacionadas à presença de blastos e bastonetes, devem ser relatadas nas observações do hemograma. O encontro de linfoblastos, por exemplo, é um parâmetro sinalizador de leucemia linfoide aguda ou do Linfoma de Burkitt. Os mieloblastos, por outro lado, são recorrentes em hemograma de pacientes com leucemia mieloide, síndrome mielodisplásica e até mesmo em infecções graves (reação leucemóide). Monoblastos também são encontrados em pacientes com leucemia mieloide. Você também deverá relatar sobre linfócitos atípicos, muito frequentes em infecções virais e algumas infecções parasitárias. Finalmente, você poderá se deparar com um fenômeno referido como granulações tóxicas, quando há aumento de produção de granulócitos e diminuição em seu tempo de maturação, principalmente dos neutrófilos (BANDEIRA; MAGALHÃES; AQUINO, 2014; MELO; SILVEIRA, 2019). A última seção do resultado do hemograma refere-se à serie plaquetária, também identificada como plaquetograma. Nela são laudados a quantidade total de plaquetas contadas e seu tamanho médio e variações importantes neste. Nos dias atuais, é comum a contagem de plaquetas ser feita de forma manual, no mesmo canal em que é realizada a contagem de hemácias, pois ambas são facilmente diferenciadas pelo tamanho e pelo volume. Esse tipo de contagem ainda 36 é realizado em laboratórios com menor demanda ou, em situações específicas, após a contagem automatizada, quando a contagem é muito baixa. Nesses casos, é necessário confirmar se a contagem foi realmente baixa ou se houve o fenômeno de agregação plaquetária. 1.3 Fase pós-analítica A fase pós-analítica, ao contrário do que muitos laboratoristas acreditam, é igualmente importante às demais fases em um laboratório de análises clínicas. Ela é representada pela análise dos resultados liberados após a conclusão do hemograma pelo responsável técnico do setor ou do laboratório e a liberação de sua consulta on-line ou impressão e entrega para o paciente ou médico solicitante. O ponto crítico dessa etapa concentra-se na liberação de laudos incorretos, com alterações que não sejam sugestivas do quadro clínico do paciente, ou até mesmo sugerindo uma patologia que não existe. Neste ponto, é muito importante que os resultados do hemograma sejam confrontados com as informações fornecidas na fase pré- analítica, quando o paciente e a amostra foram registrados no sistema. A autorização da emissão do resultado deve ser concedida apenas após o profissional responsável pela assinatura do laudo certificar-se de que as alterações são mesmo resultantes da análise daquela amostra. Não raro, os métodos automatizados sugerem alterações facilmente descartadas quando é feita a avaliação manual da amostra, seja pela leitura do esfregaço, seja pela contagem em câmara de Neubauer. O Quadro 3 traz um exemplo de laudo de um hemograma de paciente adulto e saudável sem alterações. Quadro 3 – Exemplo de laudo de um hemograma sem alterações Hemograma Completo Material: sangue Método: automatizado Eritrograma Valores de referência 37 Hemácias 4,47 milhões/mm3 4.00 a 5.20 milhões/mm3 Hemoglobina 14,7g% 11.7 a 15.7g% Hematócrito 41,6% 36.0 a 47.0% VCM 93,06 fl 80.0 a 100.0 fl HCM 31,89 pg 26.0 a 32.0 pg CHCM 35,34% 32.0 a 36.0% RDW 13,40% Leucograma Valores de referência Leucócitos 5.750/mm3 4.000 a 11.000/mm3 Basófilos 1% 58/mm3 0 a 1% 0 a 110/mm3 Eosinófilos 1% 58/mm3 0 a 1% 0 a 110/mm3 Mielócitos 0% 0/mm3 0 a 0% 0 a 0/mm3 Metamielócitos 0% 0/mm3 0 a 0% 0 a 0/mm3 Bastões 0% 0/mm3 0 a 5% 0 a 550/mm3 Segmentados 66% 3.795/mm3 40 a 70% 1.600 a 7.700/mm3 Linfócitos 26% 1.495/mm3 20 a 40% 800 a 4.400/mm3 Linfócitos atípicos 0% 0/mm3 0 a 5% 0 a 550/mm3 Monócitos 6% 345/mm3 2 a 12% 80 a 1320/mm3 Plaquetograma Valores de referência Plaquetas 182 mil/mm3 4.00 a 5.20 milhões/mm3 Fonte: elaborado pela autora. Nesta leitura você aprendeu sobre o hemograma, o exame de sangue mais solicitado na rotina de um laboratório clínico no setor de hematologia. É importante que você saiba conhecer e compreender os fatores avaliados nesse exame e sua finalidade diagnóstica, ou seja, detectar a presença de alterações quali-quantitativas em hemácias, leucócitos e plaquetas. Lembre-se de que nem toda alteração no eritrograma refere-se a um quadro anêmico, pois pode ser sugestivo de policitemia e até mesmo hemoglobinopatias. As alterações leucocitárias têm um significado muito mais amplo, pois podem ser sugestivas de infecções, neoplasias, doenças autoimunes e até mesmo alergias. Para confirmação diagnóstica, os resultados devem ser confrontados 38 com o quadro clínico do paciente e outros exames mais específicos. A contagem plaquetária também tem um importante valor diagnóstico, pois alterações em sua contagem podem ser sugestivas de problemas na coagulação e até mesmo de infecções. Referências BANDEIRA, R.; MAGALHÃES, A. F.; AQUINO, H. B. S. Interpretação dos Critérios de Liberação dos Resultados de Hemograma através de Contadores Automatizados em Laboratórios de Urgência. Revista Saúde e Pesquisa, [s.l.], v. 7, n. 3, p. 403-408, 2014. HOFFBRAND, A. V.; MOSS, P. A. H. A. Fundamentos em Hematologia de Hoffbrand. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2018. MELO, W.; SILVEIRA, C. M. Laboratório de Hematologia: Teoria, Técnicas e Atlas. 2. ed. Rio de Janeiro: Rubio, 2019. Naoum, P. C.; Naoum, F. A. Interpretação Laboratorial do Hemograma. Ciência News, 2008. Disponível em: http://www.ciencianews.com.br/arquivos/ACET/ IMAGENS/Artigos_cientificos/Interphemo.pdf. Acesso em: 29 jun. 2022. ROSENFIELD, R. Hemograma. J. Bras. Patol. Med. Lab., [s.l.], v. 48, n. 4, 2012. SILVA, P. H. Hematologia Laboratorial: Teoria e Procedimentos. Porto Alegre: Artmed, 2016. VIVAS, W. L. P. Manual prático de hematologia. [s.l.], 2014. Disponível em: http:// docente.ifsc.edu.br/rosane.aquino/MaterialDidatico/AnalisesClinicas/hemato/ Manual%20de%20Hematologia.pdf. Acesso em: 25 jul. 2022. 39 Distúrbios hematológicos Autoria: Ana Paula Michelin Leitura crítica: Tamara Gonçalves Apolinário Objetivos • Conceituar conhecimentos básicos em hematologia. • Apresentar as principais doenças que afetam o sangue. • Compreenderas alterações laboratoriais induzidas por essas doenças. 40 1. Distúrbios hematológicos Hemogramas completos são um dos exames de sangue laboratoriais mais comumente solicitados. Vários índices hematológicos importantes, particularmente a contagem de leucócitos e a contagem de plaquetas, têm sido associados a doenças ateroscleróticas e mortes cardiovasculares. A variação no hemograma pode, portanto, contribuir significativamente para consequências clínicas significativas. Estudos epidemiológicos sugerem que idade e sexo são os principais determinantes na heterogeneidade dos índices hematológicos, enquanto evidências mais recentes têm demonstrado que os perfis lipídicos também contribuem para a mudança desses parâmetros. Os estudos relacionados às variações em parâmetros hematológicos são realizados no mundo todo. Diferenças importantes foram demonstradas em parâmetros laboratoriais de pessoas saudáveis em diferentes regiões geográficas e populações, principalmente impulsionadas por uma combinação de fatores genéticos, demográficos, nutricionais e ambientais. 1.1 Coagulação As coagulopatias, também chamadas de distúrbios de coagulação, ocorrem quando o sangue não coagula normalmente. Na coagulação normal, ou formação de coágulos sanguíneos, as células sanguíneas chamadas plaquetas criam um tampão no local da lesão para interromper o sangramento. Uma proteína chamada fibrina então forma uma cobertura que o fortalece e estabiliza. Normalmente, o coágulo se dissolve à medida que a lesão cicatriza (HOFFBRAND; MOSS, 2018). Distúrbios da coagulação impedem que esse processo complexo ocorra normalmente, o que resulta em sangramento anormal ou coágulos que não desaparecem como deveriam. As coagulopatias podem ser 41 herdadas, isto é, transmitidas pelos pais, ou adquiridas em algum momento mais tarde na vida. A causa subjacente pode envolver um defeito nos vasos sanguíneos, plaquetas sanguíneas ou fatores de coagulação do sangue (HOFFBRAND; MOSS, 2018). Os dois tipos principais de coagulopatias envolvem sangue que não coagula o suficiente ou sangue que coagula demais. A coagulação insuficiente pode resultar em sangramento prolongado ou excessivo, chamado de hemorragia. Já a coagulação excessiva pode causar coágulos que bloqueiam o vaso sanguíneo onde se formam, conhecida como trombose, ou que se rompem e causam bloqueio em outro lugar, conhecida como embolia (SILVA; NETO; SANTOS, 2017). Nesse contexto, existem as coagulopatias hereditárias, que são causadas por diferenças genéticas, sendo as mais comuns: hemofilia, trombocitopenia hereditária e doença de Von Willebrand. A hemofilia é uma condição na qual o sangue não possui proteínas de coagulação suficientes. A hemofilia A é causada por um fator VIII de coagulação sanguínea ausente ou defeituoso (FVIII), enquanto a hemofilia B é causada por uma deficiência do fator IX. Os dois tipos causam sangramento excessivo externa ou internamente (HOFFBRAND; MOSS, 2018). A trombocitopenia hereditária, um distúrbio no qual o número de plaquetas no sangue é muito baixo, é causada por uma mutação genética que afeta a formação de plaquetas. A Doença de Von Willebrand (vWD), por sua vez, é rara e causada por um defeito ou uma deficiência no Fator de von Willebrand (VWF), retardando o processo de coagulação, o que resulta em sangramento intenso ou hematomas excessivos (ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2013). Além das coagulopatias hereditárias, existem as coagulopatias adquiridas, que podem ocorrer por várias razões, incluindo doenças ou fatores ambientais. Alguns dos fatores de risco mais comuns associados 42 às coagulopatias adquiridas incluem as doenças autoimunes, como lúpus; distúrbios da medula óssea, como anemia aplástica; exposição a substâncias tóxicas; doença hepática; reação a certos medicamentos; infecção grave; lesão traumática; e deficiência de vitamina K (MARTY; MARTY, 2015). Se houver suspeita de coagulopatia, alguns testes laboratoriais podem ajudar a alcançar o diagnóstico, e, dependendo dos resultados, mais testes podem ser necessários. Os testes iniciais podem incluir hemograma completo para analisar todos os componentes do sangue, incluindo plaquetas, como esfregaço de sangue periférico, no qual uma amostra de sangue é examinada ao microscópio para procurar sinais de doença ou avaliar anormalidades das células sanguíneas, tempo de protrombina (PT) e tempo parcial de tromboplastina (PTT) (SILVA; NETO; SANTOS, 2017). 1.2 Desvio à esquerda O uso correto do termo “desvio à esquerda” refere-se à presença de neutrófilos imaturos no sangue. Ele é derivado dos diagramas dos seis estágios de desenvolvimento de neutrófilos na medula óssea. Na extrema esquerda, está o precursor mais básico: o mieloblasto. Na extrema direita do diagrama encontra-se o neutrófilo segmentado maduro, também conhecido como leucócito polimorfonuclear. Logo à esquerda dele está o neutrófilo em forma de bastão, o quinto estágio do desenvolvimento de neutrófilos no qual a grande faixa de material nuclear ainda não se “dissolveu” em segmentos, conhecido como bastonete (SILVA; NETO; SANTOS, 2017). 43 Figura 1 – Maturação de neutrófilos Fonte: Sakurra/iStock.com. Nesse contexto, quando ocorre uma infecção de moderada a grave, pode ocorrer uma extensa sobrecarga dos neutrófilos que já estão presentes na corrente sanguínea, necessitando que a medula óssea libere mais neutrófilos. Entretanto, nem sempre existirão neutrófilos maduros para serem enviados à periferia. Assim, a medula acaba liberando neutrófilos imaturos, inicialmente bastonetes. Se a infecção persistir e ainda existir a necessidade de mais neutrófilos, pode ocorrer a liberação de células mais precoces (SILVA; NETO; SANTOS, 2017). Figura 2 – Presença de desvio à esquerda Fonte: Kantarose Boonyuen/iStock.com. 44 1.3 Leucocitose Os leucócitos protegem o organismo de substâncias estranhas e combatem infecções. Um número maior do que o normal de leucócitos é denominado leucocitose. Eles geralmente aumentam em número quando estão fazendo seu trabalho, mas existem algumas outras condições que podem causar seu aumento (MARTY; MARTY, 2015). É importante destacar que a contagem normal de leucócitos não é a mesma para todos. Uma contagem normal para adultos é de 4.500 a 11.000 por microlitro, enquanto para recém-nascidos o número é muito maior, chegando a 38.000. Essa contagem diminui à medida que a criança cresce, eventualmente caindo para níveis adultos. As mulheres grávidas têm contagens ligeiramente mais elevadas (MARTY; MARTY, 2015). Embora os leucócitos sejam muito importantes, representam apenas cerca de 1% do sangue. Como outras células sanguíneas, são produzidos na medula óssea e criados o tempo todo, visto que a maioria tem uma vida útil muito curta. Existem cinco tipos principais de leucócitos: neutrófilos; eosinófilos; monócitos; linfócitos e basófilos. Quando o corpo está sob ataque, os leucócitos correm para a região afetada (HOFFBRAND; MOSS, 2018). Para o diagnóstico da leucocitose, na maioria das vezes, os médicos usam um hemograma completo. Outro teste, chamado diferencial de leucócitos, às vezes é feito ao mesmo tempo por fornecer a contagem para os cinco principais tipos de leucócitos (SILVA; NETO; SANTOS, 2017). 1.4 Leucemias A leucemia é um câncer das células do sangue. Existem várias categorias de células sanguíneas, incluindo hemácias, leucócitos e plaquetas. Geralmente, a leucemia refere-se a alterações nos leucócitos. As células 45 leucêmicas geralmente se comportam como leucócitos anormais e podem se dividir muito rapidamente e expulsar as células normais (SILVA; NETO; SANTOS, 2017). O início da leucemia pode ser agudo (início súbito) ou crônico (início lento). Na leucemia aguda, as células leucêmicas se dividem rapidamente e a doença progride de forma acelerada; os sintomas se iniciam em algumas semanas após a formação das células leucêmicas. É potencialmente fatale requer o início imediato da terapia. É o câncer mais comum em crianças (HOFFBRAND; MOSS, 2018). Já na leucemia crônica, muitas vezes, essas células se comportam como células sanguíneas imaturas e maduras. Algumas delas se desenvolvem até o ponto em que funcionam como as células que deveriam se tornar, mas não da mesma forma que suas contrapartes. A doença costuma piorar lentamente em comparação com a leucemia aguda e, dessa forma, os sintomas podem ficar imperceptíveis por anos. É mais comum em adultos do que em crianças (MARTY; MARTY, 2015). A leucemia também é classificada de acordo com o tipo de célula afetada. Quando envolve células mieloides é chamada de leucemia mieloide e, quando envolve linfócitos, é chamada de leucemia linfocítica. Nesse contexto, existem quatro tipos principais de leucemia: leucemia mieloide aguda (LMA); leucemia linfocítica aguda (LLA); leucemia mieloide crônica (LMC); e leucemia linfocítica crônica (LLC) (ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2013). A LMA pode ocorrer em crianças e adultos e é a forma mais comum de leucemia; a LLA ocorre principalmente em crianças; a LMC afeta principalmente adultos; e a LLC é mais provável de afetar pessoas com mais de 55 anos. Independentemente do tipo, análises do sangue dos indivíduos podem permitir interpretações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento (SILVA; NETO; SANTOS, 2017). 46 1.5 Anemias A anemia ocorre quando o número de hemácias que circulam no corpo diminui. É o distúrbio sanguíneo mais comum e muitas vezes se desenvolve como resultado de outros problemas de saúde que interferem na produção de hemácias saudáveis ou aumentam as taxas de degradação ou perda dessas células. A medula óssea é um tecido localizado no centro dos ossos e desempenha um papel essencial na produção de hemácias. Ela produz células-tronco, as quais se desenvolvem em hemácias, leucócitos e plaquetas (MARTY; MARTY, 2015). Figura 3 – Anemias Fonte: joshya/iStock.com. Várias doenças podem afetar a medula óssea, incluindo a anemia. A anemia aplástica, por exemplo, ocorre quando poucas ou nenhuma célula-tronco está presente na medula. Em outros casos, a anemia ocorre quando as hemácias não crescem e amadurecem como 47 deveriam, como na talassemia, uma forma hereditária de anemia (SILVA; NETO; SANTOS, 2017). Outros tipos de anemia que ocorrem devido à redução do número de hemácias ou hemácias com funções prejudicadas incluem a anemia falciforme, na qual as hemácias possuem formato de meia lua, podendo quebrar mais rapidamente do que os eritrócitos saudáveis ou se alojar em pequenos vasos sanguíneos. Esse bloqueio pode reduzir os níveis de oxigênio e causar dor (HOFFBRAND; MOSS, 2018). Outro tipo é a anemia por deficiência de ferro, induzindo a redução da produção de hemácias devido à falta de ferro no corpo. Pode se desenvolver como resultado de dieta pobre em ferro; menstruação; treinamento de resistência; certas condições digestivas, como a doença de Crohn; e medicamentos que irritam o revestimento intestinal, como o ibuprofeno (ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2013). Também existem as anemias por deficiência de vitaminas, como a anemia perniciosa, decorrente da deficiência de vitamina B12, e a anemia megaloblástica, decorrente da falta de folato e de vitamina B12. Nesse contexto, é importante ressaltar que a vitamina B12 e o folato são essenciais para a produção de hemácias (SILVA; NETO; SANTOS, 2017). 2. Bancos de sangue O sangue humano é composto por várias células e substâncias, algumas líquidas e outras sólidas. A parte líquida refere-se ao plasma, que é composto por água, sais e proteínas. A maioria das pessoas tem cerca de 4 a 6 litros de sangue, sendo a maior parte composta por plasma. A parte celular é composta por hemácias, leucócitos e placas. As hemácias removem o dióxido de carbono e os leucócitos atuam como mecanismo de defesa, destruindo invasores e os combatendo. As plaquetas 48 ajudam na coagulação do sangue e aceleram a cicatrização. Embora esses ingredientes sejam os mesmos, existem alguns componentes ou substâncias que podem variar, o que acaba dando origem a tipos de sangue diferentes (MARTY; MARTY, 2015). Os quatro principais grupos sanguíneos são baseados principalmente em se o indivíduo tem ou não antígenos específicos, ou seja, o tipo A e o tipo B. Na área da saúde, esse tipo de categorização é chamado de Sistema de Grupo Sanguíneo ABO. Sendo assim, o indivíduo pertencente ao Grupo A possui o antígeno do tipo A e o anticorpo para tipo B. Já o indivíduo considerado do grupo B possui o antígeno do tipo B e o anticorpo para o tipo A. O indivíduo considerado do grupo AB, por sua vez, possui antígenos do tipo A e do tipo B, mas não possui anticorpos para o tipo A nem para o tipo B. Por fim, o indivíduo pertencente ao Grupo O não possui antígenos do tipo A ou B, mas possui anticorpos contra os tipos A e B (SILVA; NETO; SANTOS, 2017). Além dos dois tipos usuais de antígeno A e B, há um terceiro tipo que é conhecido como o fator Rh ou os antígenos do fator Rhesus (Rh). Os indivíduos que possuem essa proteína, denominada antígeno D na superfície celular, são considerados Rh positivos (Rh +). Nos casos em que não existe a proteína expressa na superfície da hemácia, são considerados Rh negativos (Rh -) (ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2013). É feito um conjunto de perguntas padrão para os doadores de sangue antes de propriamente doarem sangue para ajudar a determinar se estão em boas condições de saúde e livres de quaisquer doenças que possam ser transmitidas por transfusão de sangue. Se as respostas indicarem que não estão bem ou correm o risco de ter uma doença transmissível por transfusão de sangue, não podem doar sangue (HOFFBRAND; MOSS, 2018). Se o doador for elegível para doar, o sangue doado é testado para tipo sanguíneo (grupo ABO) e tipo Rh (positivo ou negativo). Isso ocorre para 49 garantir que os pacientes recebam o sangue que corresponda ao seu tipo sanguíneo. Antes da transfusão, o doador e a unidade de sangue também são testados para certas proteínas (anticorpos) que podem causar reações adversas em uma pessoa que recebe uma transfusão de sangue (ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2013). Todo o sangue para transfusão é testado quanto à evidência de certos patógenos de doenças infecciosas, como os vírus da hepatite B e C e o vírus da imunodeficiência humana (HIV). Além destes, são feitos testes em relação à presença de Vírus Linfotrópicos T Humanos (HTLV) I e II, Sífilis, Doença de Chagas e várias outras doenças transmissíveis. Apesar de a transfusão de sangue se fazer necessária em muitos casos, não é desejado que quem recebe seja infectado automaticamente. Dessa forma, além da importância de conhecer as doenças hematológicas, é imprescindível compreender o que elas causam em nosso organismo e entender os sinais e sintomas clínicos para diagnosticá-las. Avanços tecnológicos estão sendo úteis para detectar e diagnosticar doenças mais precocemente, o que também ajuda a qualificar amostras dentro de um banco de sangue (SILVA; NETO; SANTOS, 2017). Referências HOFFBRAND, A. V.; MOSS, P. A. H. Fundamentos em hematologia. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2018. MARTY, E.; MARTY, R. M. Hematologia laboratorial. São Paulo: Érica, 2015. SILVA, A. M.; NETO, L. M. R.; SANTOS, P. C. J. L. Hematologia: Métodos e Interpretação. São Paulo: Roca, 2017. ZAGO, M. A.; FALCÃO, R. P.; PASQUINI, R. Tratado de Hematologia. Rio de Janeiro: Atheneu, 2013. 50 Diagnóstico dos distúrbios hematológicos Autoria: Ana Paula Michelin Leitura crítica: Tamara Gonçalves Apolinário Objetivos • Conceituar conhecimentos básicos das metodologias mais utilizadas. • Apresentar as principais metodologias utilizadas na hematologia. • Estabelecer fatores importantes sobre os aspectos clínicos da hematologia na interpretação dos resultados. 51 1. Metodologias laboratoriais hematológicas Na hematologia, existem exames comumente solicitados, como o hemogramacompleto e os testes de coagulação. Entretanto, devido às inúmeras doenças que podem afetar o tecido sanguíneo como um todo, os estudos das metodologias utilizadas e o aprimoramento dos testes já realizados foram imprescindíveis para que o diagnóstico e o acompanhamento dessas doenças fossem cada vez mais eficazes (MELO; SILVEIRA, 2019). Um exemplo é a utilização da biologia molecular na pesquisa de doenças hematológicas. Nesse contexto, a hematologia molecular é um recurso abrangente para hematologistas para aumentar a compreensão da base molecular de várias doenças do sangue, seus patógenos e pesquisas e terapias moleculares atuais e emergentes. O impacto da pesquisa molecular no campo da hematologia é significativo – as técnicas moleculares continuam a desempenhar um papel central no diagnóstico e no tratamento de doenças do sangue. A caracterização molecular de genes e proteínas aumentou a compreensão das causas das doenças hematológicas e levou ao desenvolvimento de novas terapias medicamentosas e proteínas recombinantes (SILVA et al., 2015). Sendo assim, é fácil entender a relevância clínica da biologia molecular em hematologia, pois ela fornece visões gerais na biologia das células cancerígenas, com ênfase na leucemia e no linfoma. Por isso a hematologia molecular é um tema essencial para hematologistas e oncologistas em treinamento e praticantes, biólogos moleculares e cientistas de pesquisa que trabalham no campo da hematologia. É importante destacar que a citometria de fluxo vem sendo muito utilizada no âmbito da hematologia clínica, tendo em vista seu potencial no estudo diferencial das células, bem como a utilização no monitoramento de doenças, como HIV (HOFFBRAND; MOSS, 2018). 52 1.1 Hemograma completo Um hemograma completo é um teste de triagem abrangente que pode ajudar a diagnosticar uma ampla gama de doenças e enfermidades, incluindo anemia, leucemia, distúrbios hemorrágicos e infecções. Ele fornece as seguintes informações (SILVA; NETO; SANTOS, 2017). • Leucócitos: são a principal defesa do corpo contra doenças e ajudam a combater infecções. • Eritrócitos: são responsáveis por transportar oxigênio e dióxido de carbono para longe de todas as células. A deficiência de ferro diminuirá a contagem de glóbulos vermelhos. • Hemoglobina: é um composto químico dentro dos glóbulos vermelhos que transporta oxigênio através da corrente sanguínea para todas as células do corpo. A hemoglobina dá a cor vermelha ao sangue. • Amplitude de distribuição de glóbulos vermelhos (RDW): mede a quantidade de variação de glóbulos vermelhos em volume e tamanho, denominada anisocitose. Quando as hemácias se apresentam aumentadas, são consideradas macrocíticas e, quando diminuídas, microcíticas. 53 Figura 1 – Anisocitose Fonte: Shutterstock.com. • Linfócitos: este resultado, juntamente com basófilos, eosinófilos, monócitos e neutrófilos, lida com a função dos glóbulos brancos. • Hematócrito: mede a quantidade de espaço que os glóbulos vermelhos ocupam no sangue, o que é reportado como uma porcentagem. • Monócitos: este resultado, juntamente com basófilos, eosinófilos, linfócitos e neutrófilos, lida com a função dos glóbulos brancos. • Neutrófilos: este resultado, juntamente com basófilos, eosinófilos, linfócitos e monócitos, lida com a função dos glóbulos brancos. • Hemoglobina Corpuscular Média (HCM): é a concentração média de hemoglobina dentro da hemácia. Com esse valor diminuído, interpreta-se que o paciente apresenta hipocromia das hemácias, 54 comum em casos de anemia. Quando não existe a variação, é considerado normocrômico. • Concentração média de hemoglobina corpuscular (CHCM): é a porcentagem média de concentração de hemoglobina dentro de um glóbulo vermelho. • Volume Corpuscular Médio (VCM): é o tamanho médio dos glóbulos vermelhos. • Plaquetas: são partículas de células sanguíneas associadas à formação de coágulos sanguíneos. 1.2 Testes de coagulação As metodologias que mensuram a coagulação verificam a capacidade do sangue de coagular, bem como o tempo que demora para que isso aconteça. Essas metodologias podem auxiliar a equipe médica a verificar o potencial do risco de formação de coágulos (denominado trombose) ou de excesso de sangramento em alguns vasos sanguíneos. As metodologias que avaliam a coagulação possuem processos semelhantes aos outros exames de sangue, nos quais é necessário realizar uma coleta de sangue com o risco de sofrer os mesmos efeitos colaterais, mas associados apenas ao processo da coleta do material biológico (MELO; SILVEIRA, 2019). Existem algumas condições clínicas com potencial de acarretar problemas no processo de formação de coágulos, entre elas trombofilia, hemofilia e doença hepática. A hemofilia é uma doença associada à incapacidade do sangue de formar coágulos de maneira normal (SILVA; NETO; SANTOS, 2017). Como bem sabemos, o processo de coagulação é o que impede a ocorrência de hemorragias em uma lesão. Por outro lado, a coagulação 55 excessiva também é um problema, pois, enquanto o sangue se move dentro dos vasos, ele não deve coagular, porém, caso ocorra a formação de coágulos, estes podem percorrer a corrente sanguínea até o coração, o cérebro ou os pulmões, podendo resultar em um ataque cardíaco ou até mesmo em morte (SILVA et al., 2015). Além do exposto, os testes que avaliam a coagulação são úteis para monitorar indivíduos que utilizam alguma medicação, que pode interferir nos processos de coagulação. Normalmente, exames que avaliam a coagulação são solicitados em condições pré-cirúrgicas. Existem muitos tipos de testes que possuem a capacidade de avaliar a coagulação (SILVA; NETO; SANTOS, 2017). • Fibrinogênio: avalia a quantidade de fibrinogênio circulante no sangue. Ele é sintetizado pelo fígado. Resultados alterados costumam ser indicativos de hemorragias, descolamento de placenta ou fibrinólise. • Hemograma completo: é normalmente solicitado como exame de rotina já que muito se pode avaliar com seus resultados, devido à quantidade de marcadores presentes. Também é possível avaliar a coagulação, visto que seus resultados podem alertar a baixa contagem de plaquetas ou anemia, além de outros pontos que possam interferir na capacidade de coagulação. • Contagem de plaquetas: a baixa contagem de plaquetas é comum em doença celíaca, deficiência de vitamina K e leucemia. Elas participam do processo de coagulação. Quimioterapia, medicamentos e transfusões de sangue podem acarretar sua diminuição. • Tempo de atividade da protrombina (TAP): a protrombina é produzida pelo fígado. Essa metodologia avalia a eficácia e a velocidade em que o sangue formará coágulos. A média normal de tempo está entre 25 e 30 segundos, mas pode levar mais tempo 56 se o indivíduo utilizar medicamento que interfere no processo de coagulação, como um anticoagulante. Doenças hepáticas, má absorção e hemofilia podem induzir uma alteração no TAP. É utilizado para monitorar o uso de medicamentos que interferem na coagulação. Normalmente, para esse teste, é utilizado o cálculo do Índice Normalizado Internacional (INR) para comparar os resultados de diferentes laboratórios. • Tempo de trombina: avalia o funcionamento do fibrinogênio. Valores alterados podem ser encontrados em casos de distúrbios de coagulação hereditários, alguns tipos de câncer, doença hepática e medicamentos que podem alterar a coagulação. • O tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa): baseia-se no princípio de que no plasma citratado a adição de um substituto plaquetário, ativador do fator XII e CaCl2, permite a formação de um coágulo estável. É um ensaio de coagulação comumente usado por ser fácil de realizar e acessível, sendo, portanto, realizado na maioria dos laboratórios de coagulação, tanto clínicos quanto de pesquisa, em todo o mundo. Ele avalia o tempo necessário para a formação de um coágulo estável, é registrado em segundos e representa o resultado realdo TTPa. • Tempo de sangramento: analisa a rapidez com que pequenos vasos sanguíneos em sua pele se fecham e param de sangrar. É realizado de forma diferente dos outros exames de sangue. Para a realização desse teste, realiza-se um furo na orelha utilizando lanceta ou lâmina descartável. Nos dois casos, o sangramento é avaliado a cada 30 segundos por meio de um papel filtro, que absorve o sangue do local. O teste tem fim quando o papel filtro não absorve mais o sangue. O sangramento geralmente dura de um a três minutos. As metodologias que avaliam a coagulação são realizadas de maneira semelhante aos demais exames sanguíneos. As vezes pode ser 57 necessário interromper o uso de medicamentos antes do teste para que o resultado seja condizente com a realidade do paciente. Além das metodologias descritas, também é possível dosar os fatores de coagulação, que são importantes e fazem parte do funcionamento correto da cascata de coagulação (SILVA; NETO; SANTOS, 2017). Os fatores de coagulação são proteínas que circulam no sangue essenciais para a formação adequada de coágulos sanguíneos. Os testes do fator de coagulação medem a função ou, às vezes, a quantidade dessas proteínas no sangue (MELO; SILVEIRA, 2019). Figura 2 – Cascata de Coagulação Fonte: Sutterstock.com. A coagulação do sangue é um processo complexo que envolve inúmeros fatores de coagulação produzidos pelo fígado e pelos vasos sanguíneos. 58 Cada fator de coagulação é avaliado com um ou mais testes. Quando os níveis de fator são baixos, pode causar falha na coagulação do sangue, levando a episódios de sangramento. A medição dos fatores de coagulação pode ajudar o profissional de saúde a determinar a causa do sangramento e o melhor tratamento (SILVA; NETO; SANTOS, 2017). Os fatores de coagulação geralmente são testados medindo seu nível de atividade no sangue. Os ensaios de atividade podem detectar níveis reduzidos de proteínas ou proteínas que não funcionam adequadamente (MELO; SILVEIRA, 2019). Quando ocorre algum sangramento, o sistema de coagulação é ativado, obstruindo o vaso sanguíneo com um coágulo. O sistema de coagulação consiste em uma série de fatores de coagulação que se ativam em um processo passo a passo denominado cascata de coagulação. O resultado é a formação de fios de fibrina insolúveis que se unem no local da lesão, juntamente com fragmentos celulares agregados chamados plaquetas, para formar um coágulo sanguíneo estável. O coágulo evita a perda de sangue adicional e permanece no local até que a área lesada esteja curada (SILVA et al., 2015). A coagulação do sangue é dinâmica; uma vez que um coágulo é formado, outros fatores são ativados e retardam a coagulação ou dissolvem o coágulo em um processo chamado fibrinólise. O coágulo é eventualmente removido após a cicatrização do local da lesão. Em indivíduos normais e saudáveis, esse equilíbrio entre a formação e a remoção do coágulo garante que o sangramento não se torne excessivo e que os coágulos sejam removidos quando não forem mais necessários (MELO; SILVEIRA, 2019). Porém, para pessoas com distúrbios hemorrágicos, a coagulação não funciona adequadamente porque não possuem plaquetas ou fatores de coagulação, ou suas plaquetas ou fatores não funcionam adequadamente. Há uma variedade de distúrbios hemorrágicos que 59 podem ser transmitidos pelas famílias (hereditários) ou adquiridos após o nascimento. Se uma pessoa apresentar sinais e sintomas de um desses distúrbios, o teste do fator de coagulação pode ser solicitado para ajudar a determinar o diagnóstico e o tratamento (HOFFBRAND; MOSS, 2018). 2. Investigação e interpretação de resultados Todas as metodologias utilizadas nas análises clínicas, especificamente na hematologia, são importantes para diagnóstico e monitoramento das doenças. Entretanto, cabe ao profissional avaliar e interpretar os resultados de forma adequada (SILVA et al., 2015). Um exemplo interessante a ser citado são as anemias derivadas da presença de uma doença crônica. Nem sempre uma doença crônica cursará com anemia; entretanto, é interessante verificar sinais e sintomas e verificar sua presença o quanto antes. Em pacientes portadores de doenças que evoluem durante um tempo longo, pode surgir anemia com etiopatogenia bastante complexa (MELO; SILVEIRA, 2019). Geralmente na anemia leve a moderada, os sintomas mais críticos presentes são aqueles relacionados à doença de base, e não à anemia propriamente dita. Quando há sintomatologia relacionada à anemia, estes costumam se desenvolver em torno de 90 dias e usualmente não progridem, normalizando-se com o tratamento da doença de base. (SILVA; NETO; SANTOS, 2017). Esses casos são particularmente importantes, pois fazem parte da rotina de trabalho de muitos profissionais da saúde, tanto no âmbito público como no privado (HOFFBRAND; MOSS, 2018). 60 Caso 1 – Paciente com diabetes Nesses pacientes, é comum o acometimento dos rins, que são responsáveis pela produção de eritropoietina, substância imprescindível para a produção das hemácias. Sem níveis normais de eritropoietina, pode haver a presença de anemia. Então, todo paciente diabético que apresenta anemia é devido à deficiência de eritropoietina? Não. A anemia de doenças crônicas pode ser decorrente de outras situações, como deficiência de ferro, vitamina K e compostos do complexo B. Sendo assim, somente uma nova bateria de exames poderá verificar a causa da anemia e direcionar o tratamento (SILVA et al., 2015). Caso 2 – Anemia U.D.W., mulher, 47 anos. Procura atendimento médico, pois há algumas semanas apresenta fadiga intensa quando realiza pequenos esforços e está bastante pálida. Os resultados dos exames estão apresentados na Tabela 1. Tabela 1 – Resultados do exame laboratorial Exame (unidade de medida) Resultado Referência normal HCM (pg) 20,4 27,0 – 32,0 Hemoglobina (g/dL) 9,1 11,5 – 16,0 VCM (fl) 62,7 75,0 – 92,0 Plaquetas (x109/L) 568,00 150,0 – 400,0 Leucócitos (x109/L) 8,8 4,0 – 11,0 Ferritina (mg/L) 9,8 12,0 – 200,0 TIBIC (mmol/L) 92,0 42,0 – 80,0 Ferro sérico (mmol/L) 5,9 11,0 – 32,0 Vitamina B12 (ng/L) 238,0 > 150,0 Folatos (mg/L) 8,6 > 2,0 Fonte: elaborada pela autora. Como é possível verificar nos exames, a paciente tem anemia microcítica e hipocrômica. O ferro encontra-se diminuído, e o TIBIC, que é a 61 capacidade de transporte, está elevado, o que pode indicar um possível sangramento. Associado a isso, o número de plaquetas também está aumentado, o que pode confirmar o indicativo de sangramento, tendo em vista que o organismo libera as plaquetas produzidas para o sangue periférico devido a sangramentos, por exemplo. Após conseguir interpretar os resultados, é interessante investigar a causa do problema, que, no caso, pode estar associada à menorragia ou à deficiência alimentar. Se essas duas hipóteses forem excluídas, é importante investigar problemas no trato gastrointestinal (HOFFBRAND; MOSS, 2018). Referências HOFFBRAND, A. V.; MOSS, P. A. H. Fundamentos em hematologia. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2018. MELO, M. A. W.; SILVEIRA, C. M. Laboratório de Hematologia: teorias, técnicas e atlas. 2. ed. Rio de Janeiro: Rubio, 2019. SILVA, A. M.; NETO, L. M. R.; SANTOS, P. C. J. L. Hematologia: Métodos e Interpretação. São Paulo: Roca, 2017. SILVA, P. H. et al. Hematologia laboratorial: teoria e procedimentos. Porto Alegre: Artmed, 2015. 62 Sumário Apresentação da disciplina Células sanguíneas e sua importância diagnóstica Objetivos 1. Hematologia clínica e sua importância diagnóstica Referências Hemograma: a avaliação laboratorial do sangue Objetivos 1. Hemograma Referências Distúrbios hematológicos Objetivos 1. Distúrbios hematológicos 2. Bancos de sangue Referências Diagnóstico dos distúrbios hematológicos Objetivos 1. Metodologias laboratoriais hematológicas 2. Investigação e interpretação de resultados Referências
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