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Eletrofisiologia do coração - Fisiologia - Medicina - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro 1 ❣ Eletrofisiologia do coração - Fisiologia - Medicina - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro Introdução O sistema cardiovascular é especializado em transporte. Para executar essa função, ele é formado por 3 componentes básicos: Coração (bomba), vasos sanguíneos (tubos) e sangue (líquido). “Do lado lado direito do corpo, o sangue pobre em oxigênio vindo dos tecidos chega no átrio direito e flui para o ventrículo direito que bombeia o sangue para a circulação pulmonar, onde o sangue pode ser oxigenado. Esse sangue rico em oxigênio agora volta para o coração mas no átrio esquerdo, flui para o ventrículo esquerdo, o qual bombeia o sangue com mais força para a circulação sistêmica a qual irriga todos os tecidos do organismo” Eletrofisiologia do coração - Fisiologia - Medicina - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro 2 Pra estudar a atividade elétrica do coração, devemos lembrar que as paredes das câmaras cardíacas são constituídas por um tecido muscular especializado: o músculo cardíaco. Esse músculo é dividido em músculo atrial (que forma as paredes dos átrios) e músculo ventricular (que forma as paredes dos ventrículos). Esses dois tipos de músculos são separados pelo esqueleto do coração, formado por quatro anéis fibrosos que circundam as valvas cardíacas. É nesse esqueleto fibroso que os músculos atrial e ventricular se fixam. Eletrofisiologia do coração - Fisiologia - Medicina - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro 3 No tecido, pode-se observar estrias, devido à organização dos filamentos finos e grossos em sarcômeros, assim como no músculo esquelético. Por isso, ambos são chamados de “músculos estriados”, para diferenciar do músculo liso. No entanto, as células musculares cardíacas (fibras cardíacas) não são longas iguais as fibras esqueléticas. Elas são bem curtas e ramificadas e se conectam ponta a ponta umas com as outras por meio dos discos intercalares. Nos discos intercalares, há estruturas proteicas chamadas de desmossomos, que unem as células fisicamente como se fossem um grampo. Além disso, há outras estruturas que permitem a passagem de outras moléculas, como íons, entre o citoplasma de uma célula e outra. Essas estruturas são chamadas de junções comunicantes. Dessa forma, se uma fibra cardíaca despolarizar e gerar um potencial de ação, as Eletrofisiologia do coração - Fisiologia - Medicina - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro 4 outras fibras também serão despolarizadas. Ou seja, a despolarização é transmitida rapidamente de uma célula a outra devido às junções comunicantes presentes nos discos intercalares. Assim, podemos dizer que todas as fibras cardíacas tem sua atividade elétrica sincronizada. Se uma dispara potencial de ação, todas as outras também vão disparar, quase que simultaneamente, gerando contração (primeiro do músculo atrial e logo em seguida do músculo ventricular). Contração Assim como o estriado esquelético, as fibras cardíacas também tem um sistema de túbulos T e retículo sarcoplasmático que também apresentam íons cálcio nessas células (mas essas estruturas são menos desenvolvidas nessas fibras quando a gente compara com as fibras esqueléticas). As proteínas contráteis actina e miosina também se organizam em filamentos finos e grossos, formando os sarcômeros. Quando o potencial de ação chega no túbulo T, ocorre a abertura de canais de cálcio dependentes de voltagem, que permite a entrada de cálcio extracelular e esse evento é fundamental para a contração desse tipo de fibra muscular, diferente da fibra esquelética em que a entrada de cálcio extracelular não é necessária. No músculo estriado cardíaco, o receptor de rianodina (canal de cálcio do retículo sarcoplasmático) é diferente e precisa do cálcio extracelular para se abrir e liberar o cálcio que está no retículo sarcoplasmático. Com o cálcio liberado do retículo sarcoplasmático, as concentrações desse íon se elevam nesse citoplasma e o cálcio pode se ligar à troponina do filamento fino, iniciando o ciclo das pontes cruzadas (interação entre a cabeça da miosina e o filamento da actina). Enquanto o cálcio estiver presente em altas concentrações no citoplasma, esse ciclo continua. Isso significa que, para o relaxamento das células cardíacas, é necessário retirar o excesso de cálcio do citosol. Para isso, (igual ao que temos no músculo esquelético) a SERCA bombeia o cálcio de volta para o retículo sarcoplasmático. Porém, no músculo estriado cardíaco, temos uma diferença importante: uma pequena parte desses íons cálcio veio de fora da célula, Eletrofisiologia do coração - Fisiologia - Medicina - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro 5 portanto deve ser mandado de volta pra fora. e isso acontece por meio de transporte ativo no sarcolema (membrana plasmática). O principal transporte de cálcio ocorre através de um trocador, que transporta 3 sódio para dentro e 1 cálcio para fora. Outro mecanismo de transporte de cálcio para fora de célula ocorre através de uma bomba iônica específica. Quando a concentração de cálcio no citoplasma reduz, a fibra relaxa. Potencial de ação Apesar de terem um mecanismo bastante similar, o potencial de ação da fibra esquelética e da fibra cardíaca é bem diferente um do outro. O que chama mais atenção nessa diferença é a longa duração do potencial nas fibras cardíacas. Mas o que causa essa longa duração e qual sua importância? Para saber, é necessário ter conhecimento das 5 fases do potencial de ação das fibras cardíacas. Eletrofisiologia do coração - Fisiologia - Medicina - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro 6 Fase 0 (despolarização): Abertura dos canais rápidos de Na+ dependentes de voltagem↴ Após um estímulo despolarizante alcançar o limiar (por volta de-60mV) canais rápidos de sódio dependentes de voltagem se abrem e o sódio entra na célula, despolarizando rapidamente a membrana celular. Fase 1 (repolarização inicial): Canais rápidos de Na+ se inativam e canais de K+ dependentes de voltagem se abrem↴ Isso provoca a saída desse íon (K+) da célula, iniciando uma pequena repolarização. Fase 2 (platô): Canais lentos de Ca2+ dependentes de voltagem se abrem (os mesmos que vimos no mecanismo de contração muscular)↴ O cálcio que está mais concentrado fora da célula tende a entrar na célula, mas conforme isso acontece o potássio continua saindo pelos seus canais dependentes de voltagem. Assim, durante a fase 2, temos íons positivos entrando na forma de cálcio e íons positivos saindo na forma de potássio, então a saída de íons positivos é controlada pela saída de íons também positivos. E o potencial de mantém praticamente estável, formando o platô característico da fase 2. Fase 3 (repolarização final): Canais lentos de Ca2+ se fecham e canais lentos de K+ dependentes de voltagem continuam abertos.↴ Os íons potássio continuam saindo, repolarizando a membrana da célula. Fase 4 (Potencial de repouso): Cerca de -85 a -90mV Eletrofisiologia do coração - Fisiologia - Medicina - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro 7 Pras fibras cardíacas se contraírem, é preciso que um potencial de ação seja gerado em alguma fibra pois, uma vez gerado, esse potencial de ação rapidamente se propaga por todas as fibras através das junções comunicantes (nos discos intercalares). Mas como esse potencial é de fato gerado? Mesmo fora do corpo, isolado das inervações (diferente do músculo estriado esquelético), o coração ainda gera potenciais de ação independente da estimulação neural. Assim, deve existir alguma célula no coração capaz de disparar potenciais de ação sozinha. E de fato, ela existe. Além das típicas células cardíacas que formam o músculo atrial e ventricular (contráteis), existem as células autoexcitáveis, também chamadas de células marca-passo. Essas células não temmuitos sarcômeros, portanto sua principal função não é contração, mas sim geração e condução de potenciais de ação no músculo cardíaco. Elas estão localizadas especificamente em duas pequenas estruturas chamadas de nodos ou nós, sendo uma a SA (Sinoatrial) e a outra AV (Atrioventricular). O potencial de ação dessas células (marca-passo) é bem diferente e não apresenta as fases 1 e 2 presentes no mecanismo de potencial de ação das células contráteis. Um outro detalhe que nos chama a atenção é a fase 4, que seria o potencial de repouso, mas nessa célula Eletrofisiologia do coração - Fisiologia - Medicina - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro 8 em especial, durante a fase 4 existe instabilidade (apresentando um valor negativo máximo de -60 a -70mV). Esse potencial instável acontece devido à presença de um canal chamado canais Funny. Esses canais são abertos no final da fase 3 (repolarização), quando o potencial de membrana se torna negativo (em torno de -50mV). Permitindo uma entrada lenta de íons sódio na célula, despolarizando lentamente a membrana. Como as correntes de sódio são mais importantes na fase 1” da despolarização celular (repolarização inicial), o fato de haver uma corrente desse tipo na fase IV e que é ativada durante a hiperpolarização da membrana celular fez com que ela fosse chamada de funny. No final da fase 4, quando a membrana atinge um potencial de -40mV, canais de cálcio dependentes de voltagem se abrem, promovendo a entrada desse íon positivo que despolariza a membrana durante a fase 0 (despolarização). No pico do potencial de ação, esses canais de cálcio de fecham e os canais de potássio dependentes de voltagem se abrem e a saída do potássio vai repolarizando a membrana até os valores próximos de -60mV. Com isso, os canais funny se abrem novamente, permitindo a entrada de sódio, iniciando um novo ciclo de despolarização e potencial de ação A geração de potencial de ação aqui acontece de maneira automática, graças à presença desses canais funny, que podem manter esses disparos de potencial de ação de maneira cíclica, determinando um ritmo de disparo. Sem a influência do sistema nervoso, o ritmo de disparo dos potenciais de ação das células marca-passo no nó sinoatrial é de 60 a 80 potenciais por minuto, gerando um ritmo cardíaco de 60 a 80 batimentos por minuto. E se essas células falharem e não conseguirem gerar potenciais de ação? O coração para de bater? Não, porque existem outras células marca-passo no nó atrioventricular, por exemplo, que tem um ritmo de despolarização menor do que o do nó sinoatrial, gerando um ritmo de 40 a 60 batimentos por minuto. Foto da Mc funny (Mc divertida) pra ajudar a memorizar Eletrofisiologia do coração - Fisiologia - Medicina - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro 9 Mas em condições normais, como o nó sinoatrial apresenta um ritmo de despolarização mais rápido, é ele que dita o ritmo dos batimentos cardíacos. Ritmos cardíacos Quando realizamos uma atividade física o nosso coração bate mais rápido. Isso acontece porque nosso coração é inervado por neurônios pós ganglionares do sistema nervoso simpático e parassimpático. Quando estamos em repouso a atividade parassimpática sobre o coração predomina e a acetilcolina liberada pelos neurônios pós ganglionares do parassimpático se liga em seus receptores muscarínicos nas células marca passo. Induzindo a ativação e abertura de um tipo específico de canal de potássio, causando maior efluxo (saída) desse íon da célula. Isso hiperpolariza a membrana, o que acaba retardando a despolarização durante a fase 4. Se a despolarização, até o limiar é retardada, os disparos dos potenciais de ação também serão retardados, diminuindo assim, a frequência dos batimentos cardíacos. Por outro lado, ao fazermos exercícios físicos, a atividade simpática sobre o coração predomina e a noradrenalina liberada pelos neurônios pós ganglionares simpáticos se liguem em seus receptores adrenérgicos induzindo a maior ativação e abertura de canais de cátion (principalmente os de cálcio dependentes de voltagem), o que provoca o maior influxo (entrada) desses íons na célula, acelerando a despolarização na fase 4 e os disparos de potencial de ação. Isso, consequentemente irá aumentar a frequência dos batimentos cardíacos. Eletrofisiologia do coração - Fisiologia - Medicina - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro 10 Como o potencial de ação gerado lá no nó sinoatrial chega no músculo ventricular, considerando que há um esqueleto fibroso entre as estruturas? Esse caminho é formado por células especializadas do tipo marca-passo que partem do nó atrio ventricular em direção ao septo intraventricular, formando o feixe de His. Esse feixe se bifurca em ramos direito e esquerdo, que se ramificam formando as fibras de purkinje que sobem pelas paredes dos ventrículos direito e esquerdo. Em conjunto, todas essas estruturas formadas por células especializadas do tipo marca- passo (nó sinoatrial, nó átrioventricular, feixe de His e fibras de purkinje) constituem o que chamamos de sistema de condução do coração. Nesse sistema, o nó atrioventricular tem um sistema importante pra garantir que a contração dos átrios seja completada antes da contração dos ventrículos. O que acontece é que as células desse nó (atrioventricular) possuem a menor velocidade de condução do sistema. Isso atrasa a chegada do potencial de ação no ventrículo pelos Eletrofisiologia do coração - Fisiologia - Medicina - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro 11 feixes de His, assim dá tempo do potencial de ação se propagar por todo o átrio antes e só depois se propagar pelos ventrículos. Já os ramos direito e esquerdo e as fibras de Purkinje, principalmente, apresentam alta velocidade de condução. Portanto, o potencial de ação chega primeiro no ápice do coração e depois segue para a base do coração. Isso faz com que os ventrículos se contraiam de maneira bastante organizada, do ápice para a base onde estão as saídas para as artérias pulmonares e a aorta. Dessa forma, percebe-se que esse sistema de condução do coração que permite uma contração ordenada dos músculos atrial e ventricular durante um batimento cardíaco, o permitindo atuar corretamente como uma bomba.
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