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IMIGRAÇÃO BRASILEIRA

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Antropolítica Niterói n. 24 p. 1-296 1. sem. 2008
ISSN 1414-7378 
A n t r o p o l í t i c a
No 24 1o - semestre 2008
© 2009 Programa de Pós-Graduação em Antropologia UFF
Direitos desta edição reservados à EdUFF - Editora da Universidade Federal Fluminense - 
Rua Miguel de Frias, 9 - anexo - sobreloja - Icaraí - CEP 24220-900 - Niterói, RJ - Brasil - 
Tel.: (21) 2629-5287 - Telefax: (21) 2629-5288 - http:///www.editora.uff.br - E-mail: secretaria@editora.
uff.br
É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Editora.
Normalização: Caroline Brito de Oliveira
Revisão: Rozely Campello Barrôco
Projeto gráfi co e capa: José Luiz Stalleiken Martins
Editoração eletrônica, diagramação e supervisão gráfi ca: Káthia M. P. Macedo
Reitor
Roberto de Souza Salles
Vice-Reitor
Emmanuel Paiva de Andrade
Pró-Reitor/PROPP
Antonio Carlos Lucas de Nóbrega
Diretor da EdUFF
Mauro Romero Leal Passos
Diretor da Divisão de Editoração 
e Produção: Ricardo Borges
Diretora da Divisão de Desenvolvimento 
e Mercado: Luciene Pereira de Moraes
Assessoria de Comunicação e Eventos: Ana Paula Campos
Comissão editorial da Antropolítica
Delma Pessanha Neves (PPGA / UFF)
Laura Graziela F. F. Gomes (PPGA / UFF)
Marco Antonio da Silva Mello (PPGA / UFF)
Simoni Lahud Guedes (PPGA / UFF)
Secretária da Revista
Priscila Tavares dos Santos
Conselho Editorial da Antropolítica
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
Catalogação-na-Fonte (CIP)
A636Antropolítica: Revista Contemporânea de Antropologia — (n. 24, 1º sem. 2008, n. 1, 2. sem. 1995). 
Niterói: EdUFF, 2009.
 v. : il. ; 23 cm.
Semestral.
Publicação do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal
Fluminense.
ISSN 1414-7378
1. Antropologia Social. I. Universidade Federal Fluminense. Programa de Pós-Graduação em Antropo-
logia.
CDD 300
Editora filiada à
Luiz de Castro Faria (PPGA/UFF) (In memorian)
Ana Maria Gorosito Kramer (UNAM – Argentina)
Anne Raulin (Paris X – Nanterre)
Arno Vogel (UENF)
Charles Freitas Pessanha (UFRJ)
Charles Lindholm (Boston University)
Claudia Lee Williams Fonseca (UFRGS)
Daniel Cefaï (Paris X – Nanterre)
Edmundo Daniel Clímaco dos Santos (Ottawa University)
Eduardo Diatahy Bezerra de Meneses (UFCE)
Eduardo Rodrigues Gomes (PPGCP/UFF)
João Baptista Borges Pereira (USP)
Josefa Salete Barbosa Cavalcanti (UFPE)
Lana Lage de Gama Lima (UENF)
Licia do Prado Valladares (IUPERJ)
Luís Roberto Cardoso de Oliveira (UNB)
Marc Breviglieri (EHESS)
Mariza Gomes e Souza Peirano (UNB)
Otávio Guilherme Cardoso Alves Velho (UFRJ)
Raymundo Heraldo Maués (UFPA)
Roberto Augusto DaMatta (PUC)
Roberto Mauro Cortez Motta (UFPE)
Ruben George Oliven (UFRGS)
Sofi a Tiscórnia (UBA)
Sumário
Nota dos editores, 7
Dossiê: De volta ao mundo da vida de pernas pro ar: Contribuições para os 
estudos em corporeidade, linguagem e memória da capoeira, 11 
Apresentação: Julio Cesar de Tavares
Da “destreza do mestiço” à “ginástica nacional”: narrativas nacionalistas sobre a 
capoeira, 19
Matthias Röhrig Assunção
A memória do corpo na narrativa de mestre João Grande, 41
Maurício Barros de Castro
Adaptação em movimento: o processo de transnacionalização 
da capoeira na França, 63
Daniel Granada da Silva Ferreira
A luta da capoeira: reflexões acerca da sua origem, 87
Paulo Coêlho de Araújo e Ana Rosa Fachardo Jaqueira
Angola e o Jogo de Capoeira, 103
Maduka T. J. Desch Obi
Artigos
Imigração brasileira na Guiana: entre elocubrações e realidade, 127
Isabelle Hidair 
Caminho Niemeyer: os “usos” da cultura em Niterói, 145
Margareth da Luz Coelho
A socialização das meninas trabalhadoras, 165 
Joel Orlando Bevilaqua Marin
Entre muros e rodovias: os riscos do espaço e do lugar, 195 
Eduardo Marandola Jr.
Resenhas
Deslocamentos, movimentos e engajamentos: as formas 
plurais da ação humana na perspectiva de Laurent Thévenot, 221
Autor da resenha: Fabio Reis Mota
Notícias do PPGA
Relação de dissertações defendidas no programa de pós-graduação, 237
Relação de teses defendidas no PPGA, 263
Revista antropolítica: números e artigos publicados, 267
Coleção antropologia e ciência política (livros publicados), 287
Normas de apresentação de trabalhos, 291
Contents
Editors note, 7 
Dossier: Returning upside down to the lifeworld: contributions to the 
study of embodiment, language and memory of capoeira, 11
Foreword: Julio Cesar de Tavares
From “dexterity of mestizo” to “national gymnastics”: 
nationalist narratives on capoeira, 19
Matthias Röhrig Assunção
The body memory in the narrative of master João Grande , 41
Maurício Barros de Castro
Adaptation in movement: the process of 
transnationalization of capoeira in France, 63
Daniel Granada da Silva Ferreira
The capoeira fight: reflections on its origens, 87
Paulo Coêlho de Araújo e Ana Rosa Fachardo Jaqueira
Angola and the game of capoeira, 103 
Maduka T. J. Desch Obi
Articles
Brazilian immigration in Guyana: between phantasms and reality, 127
Isabelle Hidair
Caminho Niemeyer: the “uses” of culture in Niterói, 145
Margareth da Luz Coelho
The socialization of the working girls, 165
Joel Orlando Bevilaqua Marin
Between walls and roads: space and place risks, 195
Eduardo Marandola Jr
Reviews
Displacements, movements and engagements: the plural 
forms of the human action in Laurent Thévenot perspective, 221
Fabio Reis Mota
PPGA News
Thesis defended at PPGA, 235
PhD thesis defended at PPGA, 263
Revista Antropolítica: numbers and published articles, 267
Published Books Coleção Antropologia e Ciência Política, 287
Norms for Article Submission, 291
NOTA DOS EDITORES
Neste número 24 da Revista Antropolítica, estruturado por um dossiê temático 
composto de contribuições de pesquisadores nacionais e estrangeiros, convida-
dos por Julio Cesar Tavares, professor do PPGA/UFF, e de artigos que exploram 
questões bastante diferenciadas entre si, ressaltamos a singularidade ou o caráter 
inovador dos temas. Pelo dossiê, os autores se agregam em torno da reflexão 
quanto ao desdobramento do processo de elevação da capoeira à condição de 
patrimônio imaterial brasileiro, investimento governamental correspondente 
à intensidade da luta pelo reconhecimento da cultura afro-brasileira. Investi-
mento também destacável pelas temáticas entrecruzadas, como, por exemplo, 
corporeidade e subjetivação, ambas referenciadas por singulares concepções 
do corpo e do modo de estar no mundo social.
O conjunto de artigos que sucedem aborda as relações tensas que emergem 
do processo de migração de brasileiros para a Guiana (Francesa), as situações 
de risco que incorporadas à vida social, diante de opções bem engendradas 
em torno da construção de malha viária; mas também há reflexões em torno 
do processo de socialização de filhos de segmentos camponeses. Integrando-
se à contribuição dos demais autores, divulgamos reflexões de uma de nossas 
alunas que, recentemente, alcançou o título de doutor em Antropologia. O 
artigo é uma reflexão sobre a ação municipal que, investindo na consagração 
de prestígio à cidade de Niterói, monumentalizou parte do acervo de obras de 
nosso grande mestre de arquitetura, Oscar Niemeyer.
Com o objetivo de possibilitar que o público leitor alcance as contribuições 
meritórias com que nos têm prestigiado os colegas que reivindicam a seleção 
de seus artigos para publicação, estamos paulatinamente, e em ordem decres-
cente, disponibilizando a revista Antropolítica em versão digital, na página do 
PPGA (www.uff.br/ppga).
Comitê Editorial
DoSSiê:
De volta ao mundo da 
vida de pernas pro ar: 
contribuições 
para os estudos em 
corporeidade, linguagem 
e memória da capoeira
Julio Cesar de Tavares
Apresentação
Um ano depois da aclamação da capoeira à condição 
de patrimônio imaterial brasileiro, ato promulgado 
pelo Ministério da Cultura, em 2007, e peça cabal do 
reconhecimento governamental à intensidade da cultu-
ra afro-brasileira, constatamos a plena atividade desta 
arte, que, presente em mais de 153 países, pelos cinco 
continentes,indica-nos uma capacidade de permanente 
renovação e expansão.
Decorre entre outros fatos que, a partir dessa diáspo-
ra e proliferação transnacional da capoeira, um novo 
gênero de estudiosos, os capoeiristas brasilianistas, ou 
seja, investigadores da natureza histórica, antropológica, 
cinesiológica, pedagógica, psicocognitiva da capoeira 
que, simultaneamente, a estudam e a praticam passa 
a compor o cenário intelectual; observadores e execu-
tantes que se amalgamam aos seus objetos de estudo e 
deles tornam-se sujeitos. Nessa operação são utilizados 
inúmeros métodos, tais como a pesquisa em arquivos 
no Brasil e na África, autoetnografia, estórias de vida, a 
etnografia de rodas, de jogos, da fala, do ritmo, obser-
vações, participantes etc. Os resultados, geralmente são 
apresentados em teses acadêmicas e ensaios no Brasil, 
mas, sobretudo nos Estados Unidos, França, Austrália, 
Inglaterra, expandindo-se em pesquisas tão extensas 
quanto distantes das fronteiras iniciais da capoeira no 
início dos anos 1980.
Lembremos, no entanto, que, se a capoeira chega a esse 
estágio de diáspora afirmativa, isso ocorre mais pela 
força, pela glória e pelas iniciativas de seus mestres e 
instrutores que se confrontam com as dificuldades para 
a expansão e o desenvolvimento da arte no Brasil, do 
que por quaisquer iniciativas de governo. Ao contrário! 
13
ANTRoPoLíTICA Niterói, n. 24, p. 11-18, 1. sem. 2008
Primeiro porque a arte, com seus mais de dois séculos, tem experimenta-
do total desqualificação desde o período da Primeira República de nossa 
história. As forças governantes daquele período foram responsáveis por 
conduzir os capoeiristas a sofrerem perseguições, desterro e ao convívio 
estereotípico que rotulava a capoeira como uma arte de negros marginais 
e bandidos. Em seguida, no que poderia ser uma segunda fase, temos 
o período do Estado Novo, quando a capoeira é abraçada como um 
dos paradigmas da biopolítica que se implantava para o adestramento 
disciplinar de uma nova geração de atores sociais e configuração de um 
novo regime de corporeidade. Essa condição lhe assegurou uma certa 
presença na esfera pública e um certo grau de legitimação sob as pro-
postas nacionalistas. Nascia, como produto desse período, a evocação 
da capoeira como a arte da raça brasileira, e boa parte dos movimentos 
corporais que a configuram passam a alimentar os projetos de educação 
para uma nova arquitetura corporal por meio de uma ginástica genui-
namente nacional. Este enfoque será desenvolvido pelo historiador Dr. 
Matthias Röhrig Assunção, que examina a história da capoeira a partir 
de uma perspectiva discursiva, tomando as formas de narrar a sua pre-
sença em adaptação aos objetivos nacionalistas dos intelectuais do século 
XIX, Mello Morais e Plácido Abreu. Matthias identifica as influências das 
teorias raciais europeias que enfatizavam o mestiço como o elo mais fraco 
das formações raciais existentes. A capoeira, de acordo com a pesquisa, 
é tida como o lugar do mulato, a típica mistura nacional. Enquadrada 
em um discurso biopolítico a capoeira era, dessa maneira, entendida 
como ginástica nacional que deveria usar métodos de higiene social, 
minimizando, assim, seu caráter esportivo.
Apesar dessa apropriação modelizante da biopolítica pelo novo Estado, 
gestor da disciplina, do planejamento, da urbanização e da industrializa-
ção, em momento algum apareceu qualquer proposta de suporte para os 
praticantes dessa arte, que, gradativamente, constituíam um significativo 
número, e começavam a atrair uma classe média urbana que por ela se 
apaixonava. E, assim, aos poucos começam a se constituir as condições 
para a configuração de uma terceira fase, a de sua expansão internacio-
nal. E o marco desse processo ocorre no final dos anos 60 do século XX.
Em resposta à crescente sedução e demanda pelo mundo provocadas 
pela redescoberta do corpo como um novo território de realização de 
políticas libertárias, em especial nos Estados Unidos, o lúdico, sutil e enig-
mático jogo da capoeira, aparecia como parte da onda da emergência de 
novas políticas corporais, agora, em favor, não propriamente, do Estado, 
conforme ocorrera no Brasil nas décadas de 1930 e 1940, mas em favor 
14
ANTRoPoLíTICA Niterói, n. 24, p. 11-18, 1. sem. 2008
da reafirmação e da emergência mundial da cultura das diásporas, das 
imigrações, e do ritmo da Diáspora Africana. E assim, simultaneamente 
a esta trama de liberação e mundialização de práticas culturais guetifi-
cadas, a expansão da capoeira começou a ocorrer.
O artigo do doutorando em antropologia na Universiade de Nanterre, 
Daniel Granada da Silva Ferreira, nos brinda com uma especial análise 
com respeito ao processo de “transnacionalização da capoeira”. Partindo 
do debate sobre as recentes teorias de imigração, “diáspora”, “transna-
cionalização” e “teoria das redes”, Daniel procura situar o fenômeno da 
“expansão da capoeira”, localizadamente na França. Por si só, esse aspecto 
transforma o artigo que se apresenta e, certamente, todos os demais, 
em material de referência, pois inexistem abordagens com o mesmo 
rigor etnográfico sobre as redes e a construção das subjetividades dos 
capoeiristas no exterior. Dois são os níveis de sua análise: em primeiro 
lugar, localizando a arte no campo midiático, no assento das grandes 
organizações internacionais e meios de comunicação voltados para um 
grande público e, em segundo, articulando-o à pesquisa etnográfica das 
atividades de uma associação de capoeira de Paris. A finalidade é mostrar 
o modo pelo qual a capoeira é representada na França de hoje e como 
se beneficia desse processo.
Gostaria, aqui, de abrir um pequeno parênteses nesta introdução para 
falar um pouco do marco da explosão mundial da capoeira. Este pode 
ser localizado no Festival de Arte Negra, em Dakar, realizado em 1968, 
quando o corpo do Mestre Pastinha enunciara algo novo ao mundo da 
performance: a assimetria, a movimentação ritmada do corpo em sin-
cronicidade com a levada do berimbau e a multiplicidade infinita dos 
movimentos da capoeira no chão, em pé, em voo e tudo isso acrescido 
de ludicidade e um permanente sorriso. Inspirado no histórico acon-
tecimento, Caetano Veloso canta trechos da chula que celebra e torna a 
capoeira mundialmente conhecida, por meio da música “Triste Bahia”: 
“…Pastinha foi à África, Pastinha foi à África, prá mostrar a capoeira 
do Brasil”.
Desde que alcançou este novo patamar internacional na sua existência 
em festival consagrado à arte negra, a saga da capoeira jamais foi inter-
rompida. Reiterando a sina de se correr em círculos com giros rápidos, 
chutes, caminhadas com a cabeça para baixo, botando o mundo da vida de 
pernas para o ar, e, sobretudo, de, através da metáfora da roda e do mo-
vimento, promover o mundo da ginga, na gira do mundo, a capoeira 
tem magnetizado a todos, este que vos escreve, o leitor em geral, os seus 
15
ANTRoPoLíTICA Niterói, n. 24, p. 11-18, 1. sem. 2008
mestres e milhares de praticantes dessa arte em todo o mundo (segundo 
o inventário realizado pelo IPHAN – Ministério da Cultura).
Depois de sua apresentação na África, a capoeira se expande pelos 
Estados Unidos naquele final dos anos 1960. Os pioneiros dessa nova 
jornada são Gelon Vieira e Loremildo Machado, a primeira dupla de 
capoeiristas a se instalar na fronteira leste dos Estados Unidos, em Nova 
Iorque; Bira Almeida, que seguiu para São Francisco, na costa Oeste 
dos Estados Unidos e Euzébio Lobo, em Saint Louis, no Missouri. Este 
último – hoje professor Livre-Docente do Instituto de Artes da Unicamp 
– era, naquela época, além de exímio capoeirista, também dançarino 
profissional convidado para trabalhar com Katherine Durham, a dileta 
aluna de M. Herskovits. Durham, que a partir de seu trabalho de campo 
no Haiti realizou um exame etnográfico das danças religiosas do Vodu 
e da Santeria e, por isso, é considerada a fundadora da antropologia da 
dança,1 há muito conhecia a capoeira quando de sua primeirapassagem 
pelo Brasil, em 1951. Foi nessa mesma ocasião que se tem a demonstração 
da sempre sutil ação dessa antropóloga que, sem alarde, salta sobre a 
dançarina e combina a sua sensibilidade em descobrir a força da cultura 
corporal brasileira com o combate pelos direitos civis, em pleno solo 
brasileiro, ao denunciar o racismo. Foi com essa atitude que Katherine 
Durham, pela primeira vez, tornou pública a sua indignação contra o 
racismo expressado pelas regras de um grande hotel, em São Paulo, que, 
“naturalmente”, proibia o ingresso de negros pela porta da frente com 
a placa “negro só pelos fundos”. Dra. Durham denuncia em delegacia 
de polícia o racismo e põe por terra a propalada falácia da democracia 
racial no Brasil, àquela época, tão disseminada entre intelectuais e ar-
tistas norte-americanos. O governo Vargas, no início de sua fase mais 
democrática, reage a essa primeira desmoralização internacional do 
“império da cordialidade” com a lei punitiva do racismo, elaborada por 
Afonso Arinos, condenando como criminosa aquela discriminação racial.
Interessante essa curiosa importância da antropóloga, filha intelectual de 
Melville Herskovits e Franz Boas, que, duplamente, interfere no rumo 
da cultura afro-brasileira, quer na promoção da denúncia da prática 
racial e, consequentemente, na desnaturalização da democracia racial, 
em 1951, quer na contratação e profissionalização do primeiro ca poei-
rista em uma companhia de dança nos Estados Unidos, em 1972. O 
caso da Dra. Durham é bastante exemplar na sua relação com a cultura 
afro-brasileira, ao transcender a dimensão coreográfica e aliar-se a uma 
política diaspórica de reconhecimento da cultura de matriz africana em 
16
ANTRoPoLíTICA Niterói, n. 24, p. 11-18, 1. sem. 2008
sua invisibilização, antes mesmo dessa nominação adquirir valor socio-
lógico e epistêmico, conforme nos ensina Axel Honneth.2
E, dessa maneira suave, sorrateira e cautelosa, como a própria prática 
indicia, a capoeira emerge nos últimos 40 anos como um emblema inter-
nacional da cultura brasileira no exterior, divulgando tanto uma peculiar 
arte do corpo, como o próprio idioma oficial falado no Brasil, haja vista 
a decisão dos próprios mestres de exigir a obrigatoriedade do uso do 
português, em todo o mundo, nas “ladainhas”, chulas, cânticos de roda 
e na denominação dos golpes e movimentos no jogo.
Pode o leitor imaginar que, neste preciso momento em que trafegam por 
entre tais linhas, dezenas de milhares dos mais de 200 mil praticantes 
de capoeira, em todo o mundo, estão cantando uma chula, tocando um 
instrumento e jogando um jogo na roda de capoeira? Pode o leitor ain-
da imaginar que esse jogo, que possui vários séculos de origem e cujos 
jogadores se comunicam em nosso idioma, ganhou o mundo, conquistou 
adeptos, se expandiu sem que houvesse qualquer interferência do Estado 
brasileiro para que tal ocorresse?
É certo que poucas vezes imaginamos a expansão mundial da capoeira 
como se esta estivesse cumprindo uma missão pública, disseminando 
a cultura brasileira e preservando a sua unidade por meio da língua 
portuguesa, o idioma do encontro colonial. Que ironia!
Outro aspecto importante que deve ser assinalado é que, como performan-
ce corporal, a capoeira é, reconhecidamente, a mais singular entre todas as 
artes marciais. Apresenta-se como uma extrema coordenação articulada 
de locomoção, vocalização e musicalidade. Com toda essa constelação de 
habilidades, a capoeira se afirma na volta que o mundo dá e na roda do 
mundo, se enrola no mundo de pernas pro ar. Nos dois casos a capoeira 
se desafia como um exemplo de exercício diaspórico, só comparado ao 
das artes marciais orientais, como o jiu-jítsu ou o judô, quando, ao final 
do século XIX, aportaram em ritmo de expansão, juntamente com a 
imigração japonesa. Talvez a capoeira seja um dos casos mais velozes de 
prática transnacional de performances, pois se observarmos como ela se 
expandiu nos últimos 40 anos, realmente, foi um feito extraordinário.
Hoje, ao expandir-se rapidamente pelo mundo, a roda da capoeira irra-
dia a marca da celebração gingada do corpo e, sobretudo, se constitui em 
uma das mais recentes revelações para o mundo de como é o universo 
das performances afro-brasileiras. Transforma-se, assim, em um dos traços 
mais consistentes da identidade nacional, tal qual o samba, o futebol e 
17
ANTRoPoLíTICA Niterói, n. 24, p. 11-18, 1. sem. 2008
a feijoada, e se afirma nesse cenário internacional como corresponsável 
por disseminar um patrimônio de séculos de história e cultura corporal.
É nesse intrincado binômio, no qual corpo e memória se entrelaçam, que 
se encontra a contribuição do Dr. Maurício Barros de Castro, pesquisador 
da memória oral e corporal da capoeira e coordenador do Inventário 
para Registro e Salvaguarda da Capoeira como Patrimônio Cultural do Brasil, 
organizado pelo IPHAN – Ministério da Cultura. Maurício desenvolve 
em seu artigo um estudo no qual articula o papel do corpo à construção 
da memória, tema pouco explorado pelas pesquisas acadêmicas atuais, 
mas que possui incontestavelmente valor fundamental na concepção, 
no entendimento da transmissão e permanência de tradições culturais, 
como é o caso da capoeira. A partir da história de vida de Mestre João 
Grande – baiano do interior de Itaji – o artigo de Maurício investiga a 
importância de se falar de memória do corpo para manutenção da tradi-
cional capoeira angola, em Nova Iorque, cidade símbolo da modernidade 
mundial, considerada o “centro do mundo”, na qual o mestre encontrou 
o aconchego e o apoio para instalar sua academia, a Capoeira Angola 
Center, em pleno coração de Manhantan. Oralidade e corpo, globalização 
e tradição, gesto e canto, hábito e criação, natureza e cidade são tensões 
que constituem a narrativa baseada na memória corporal de Mestre João 
Grande, cujo reconhecimento nos Estados Unidos lhe valeu o título de 
Doutor Honoris Causa do Uppsala College, em Nova Jersey.
O resultado desse reconhecimento é a ampla presença da capoeira em 
escolas da rede pública e da rede privada nos Estados Unidos, em inú-
meros trabalhos e pesquisas universitárias, não só nos Estados Unidos 
mas também nos mais diversos países do Oriente Médio, no Sudeste Asiá-
tico, no Japão, em todos os países da Europa, na Escandinávia (Suécia, 
Finlândia, Dinamarca e Noruega) e, até mesmo, na África, para onde 
retorna, pois os movimentos corporais e a musicalidade que a acolhem 
e envolvem, advêm daquele continente.
Mas nem tudo é consenso no mundo das pesquisas da capoeira. Por 
exemplo, nem todos crêem na efetiva origem africana da capoeira, so-
bretudo pela ausência de evidências claramente incontestáveis. É o que 
nos revela o artigo de Dr. Paulo Coelho, professor de Teoria da Educação 
Física da Universiade do Porto, elaborado com o propósito de polemizar a 
hipótese da matriz africana da capoeira. Como um documento elaborado 
a partir do levantamento, da discussão e da análise da literatura sobre a 
capoeira no Brasil, o artigo de Paulo constrói a dúvida sobre a presença 
de evidências que encerram o debate a respeito das origens. Sugere o 
autor que se desenvolvam trabalhos rigorosos sobre tal tema, já que são 
18
ANTRoPoLíTICA Niterói, n. 24, p. 11-18, 1. sem. 2008
inexistentes no Brasil, de modo que possamos construir uma relevante 
argumentação à sua etnogênese.
E é então, por esse espaço aberto, que o precioso trabalho de pesquisa 
do Dr. Maduka T. J. Desch Obi emerge, de maneira contundente, para 
dirimir a dúvida lançada pelo texto anterior. Desch Obi mergulha na 
discussão sobre as origens para trazer respostas a um dos mais antigos 
debates. E o faz de modo original, rico em evidêndias e com inovador 
material etnográfico e linguístico, fruto de sua tese doutoral, em suporte 
à sua pesquisa histórica. Assume o desafio de comparar movimentos de 
ataque e defesa da dança-luta Engolo, na África, com os movimentos 
de ataque e defesa da capoeira. O material apresentado é frutode obser-
vação in loco e visa a identificar as origens da capoeira, relacionando-a à 
arte dos chutes nas lutas guerreiras africanas, na região Sudoeste de An-
gola. Com grande versatilidade, Deshi Obi articula o trabalho de campo 
centrado na etnografia dos movimentos corporais com os documentos 
do século XIX, localizados nos arquivos no Rio de Janeiro.
Com o artigo do Dr. Deshi Obi encerramos o dossiê. Com os seus cinco 
artigos o presente dossiê apresenta pesquisadores que, por meio de 
diferentes metodologias, procuram responder algumas das inúmeras 
questões que permanentemente circundam o processo de internaciona-
lização da capoeira e o de linguagem que a mesma faz reproduzir nesta 
prática comunicativa. Nos artigos que se seguem, frutos de continuadas 
e sistemáticas pesquisas, especialmente elaborados para o número 25 da 
Antropolítica, encontramos um foco rigoroso e profundidade dignifican-
te do processo de difusão da capoeira. São reflexões que contribuirão 
para uma reorientação dos debates adormecidos sobre a capoeira e suas 
interfaces com a discussão sobre a identidade nacional, memória, cor-
poreidade e etnogênese, com novas evidências que demonstram quão 
desafiante é a nossa caminhada no trato das práticas culturais brasileiras 
encarnadas na cotidianidade política de nossa nação.
Notas
1 Levi-Strauss assina a introdução da publicação em francês do seu livro, e aponta para a importância do 
estudo de Katherine Durham, não somente pela pesquisa sobre os rituais religiosos no Haiti, mas, sobretudo, 
por deinir o papel da dança para a vida e para a sociedade como um todo (em Les dances de Haiti. Paris: 
Fasquel Press, 1957).
2 Reiro-me à crítica de Honneth à excessiva teorização de Habermas, e, por conseguinte, a toda teoria social 
desenvolvida no rastro do Instituto de Pesquisa Social, herdeiro da Escola de Frankfurt, por deixar ausentes os 
aspectos marcadamente sociológicos da luta pelo reconhecimento empreendida pelos inúmeros grupos sociais 
invisibilizados que emergiram a partir dos anos 1960 como as mulheres, os negros, os índios etc. Segundo 
Honneth, estes grupos seriam portadores de uma gramática moral nesse estágio do conlito social, que seria 
traduzida como a luta pelo reconhecimento. Por considerar a existência de um déicit na teoria sociológica 
19
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a este respeito, ele desenvolve a sua tese de livre-docência e a publica sob o título Luta por Reconhecimento: a 
gramática moral dos conlitos sociais (Ed. 34, 2003). Richard Sennet é um outro autor a produzir contribuição 
complementar em argumentos, em seu trabalho Respeito: a formação do caráter em um mundo desigual (Record, 
2004).
Matthias Röhrig Assunção*
Da “destreza do mestiço” à “ginástica nacional”. 
Narrativas nacionalistas sobre a capoeira**
* Professor do Departamen-
to de História da Universi-
dade de Essex, Inglaterra. 
Doutor em História pela 
Universidade de Berlim 
(1998), Professor no De-
partamento de História 
da Universidade de Es-
sex, Inglaterra. Autor do 
livro Capoeira: the history 
of an afro-brazilian martial 
Art (London: Routledge, 
2005).
** A temática deste artigo foi 
inicialmente desenvolvida 
em colaboração com Luiz 
Renato Vieira e tratado 
mais extensamente em 
Assunção (2005). 
O presente artigo examina uma das cinco metanarrativas 
da história da capoeira, isto é, discursos que são 
elaborados a partir do campo da arte da capoeira 
com inalidades nacionalistas. Iniciamos com uma 
das primeiras elaborações a respeito do caráter 
brasileiro da capoeira no século XIX, tais como as de 
responsabilidade de Mello Morais e Plácido Abreu, 
analisamos as várias reconstruções seguintes até os 
escritos de João Lyra Filho, ministro do esporte durante 
a ditadura militar nos anos 1970. As ditas narrativas, 
inluenciadas pelas teorias raciais europeias, enfatizam 
a presença do mestiço considerado mais fraco que a 
“raça pura” e tornando-o o mais representativo tipo da 
nação e da capoeira. A maioria dos escritores buscavam 
celebrar a capoeira como ginástica nacional por usar 
métodos de higiene social ou transformar as práticas 
no esporte.
Palavras-chaves: capoeira; nação; nacionalismo; 
teorias raciais; ginástica.
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O Brasil disse que sim 
O Japão disse que não 
Uma esquadra poderosa 
Para lutar com o alemão 
Dei meu nome agora eu vou 
Pro sorteio militar 
O Brasil está em guerra 
Meu dever é ir lutar... 
(Ladainha, domínio público)
A história ocupa um lugar importante na prática da capoeira do século 
XX. Muitas letras cantadas nas rodas – ladainhas, louvações, corridos 
e quadras – referem-se a capoeiras eminentes do passado, persona-
gens históricos ou guerras de que o Brasil participou (veja coletânea 
em Rego, 1968). Até os próprios gestos da arte incorporam, segundo 
muitos praticantes e alguns estudiosos, a resistência contra a escravidão 
(TAVARES, 1984).
Não é de se estranhar, portanto, que a história da capoeira também tenha 
virado um palco de embates entre várias correntes interpretativas, ou 
“narrativas-mestre”. Essas disposições fundamentais quanto às origens 
e ao desenvolvimento da capoeira permeiam a maioria dos discursos 
sobre a capoeira, desde as aulas e rodas dos praticantes aos artigos na 
imprensa e nos livros acadêmicos. Como já assinalou Pires (1996, p. 227) 
em relação à capoeira, “a origem de uma tradição cultural é sempre 
uma construção que obedece a manipulações ideológicas”. Muitas vezes 
essas narrativas se utilizam de mitos e meias verdades, que, à força de 
repetição, acabam sendo aceitos como verdades (VIEIRA; ASSUNÇÃO, 
1998, p. 82-88).
Como não sobreviveu nenhum depoimento de um praticante da “capoei-
ra escrava” oitocentista, o primeiro discurso sobre capoeira de que temos 
notícia restringe-se à fala dos policiais, juízes e políticos recomendando e 
implementando a repressão dessa prática considerada bárbara e perigosa. 
Esse discurso da repressão foi hegemônico até o início do século XX. A 
partir do final do século XIX, e sobretudo desde o início do XX, emerge 
outra narrativa, segundo a qual a capoeira representa uma expressão 
genuinamente nacional, e pode ser regenerada e servir para desenvolver 
uma ginástica brasileira. Ao mesmo tempo, folcloristas e antropólogos de 
um lado, e mestres de capoeira tradicionalistas, de outro, começaram a 
enfatizar as origens africanas da capoeira. Iniciou-se, assim, um debate 
que continua até hoje, ou seja: a capoeira é brasileira ou africana? Apesar 
de terem surgido outras narrativas – um discurso “classista” que associa 
a capoeira à luta dos oprimidos contra seus opressores, uma narrativa 
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ANTRoPoLíTICA Niterói, n. 24, p. 19-40, 1. sem. 2008
regionalista que ressalta a contribuição de um estado específico (Bahia, 
Rio de Janeiro etc.) ou uma narrativa corporativa que tenta preservar o 
monopólio discursivo dos mestres – a narrativa nacionalista e a narra-
tiva étnica, hoje “afro-cêntrica”, constituem na atualidade as formações 
discursivas mais coerentes e influentes sobre a capoeira. Minha proposta 
aqui é examinar como surgiu a narrativa nacionalista, quais são seus pos-
tulados, qual é sua agenda e como evoluiu em desafio e diálogo com as 
outras narrativas, adaptando-se às transformações pelas quais passaram 
o Brasil e a própria capoeira. 
Em busca da “raça brasileira”
Quando falamos em nacionalismo, é bom lembrar que o próprio conceito 
de nação mudou substancialmente de significado desde o final do século 
XVIII, quando apenas designava, na Europa, pessoas descendentes da 
mesma linhagem. O termo nação era usado também em oposição aos 
povos civilizados e cristãos, e, por essa razão, por exemplo, as fontes colo-
niais europeias frequentemente se referiam às nações africanas. Durante 
o século XIX, a “ideia nacional” ou a “questão nacional” eram a preo-
cupação central tanto de intelectuais quanto de políticos. A evolução da 
terminologia reflete as mudançasde ênfase na maneira como se deveria 
definir a nação em construção: pelo território, pela língua, religião, raça 
ou obediência política (CHAUÍ, 2000; HOBSBAWM, 1990). Da mesma 
maneira, os símbolos nacionais foram sempre submetidos a redefinições, 
e, nesse contexto, é interessante ver que no caso do Brasil, a capoeira e 
o mestiço foram escolhidos, conjuntamente, como símbolos nacionais 
por várias gerações de escritores.
As primeiras elaborações a respeito do caráter nacional brasileiro datam 
da época das Revoluções Atlânticas e da descolonização nas Américas 
(1773-1848). Naquele momento já se articulou um nacionalismo popular 
(às vezes chamado de “nativismo”), caracterizado por aspirações demo-
cráticas e até mesmo igualitárias, e um forte sentimento antilusitano. Ao 
mesmo tempo, os africanos no Brasil e seus descendentes construíram 
identidades neoafricanas que amalgamavam etnicidades menores. Assim, 
no Rio de Janeiro, as identidades mais representadas entre os capoeiras 
presos são os angolas, benguelas, cabindas e congos (SOARES, 2001, p. 
599). Como usavam símbolos de sua nação na roda, podemos concluir 
que a nação esteve presente na capoeira desde o início de sua história 
documentada. Mas o que prevaleceu, em termos de Brasil, foi o naciona-
lismo das elites. Elas também buscavam distância do antigo colonizador, 
mas nem por isso queriam promover a identificação da nação com a 
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ANTRoPoLíTICA Niterói, n. 24, p. 19-40, 1. sem. 2008
cultura popular e afro-brasileira. Destarte, escritores românticos como 
José de Alencar ou Gonçalves Dias elegeram o índio – não o botocudo 
do tempo deles, mas o nobre, porém extinto, tupi do passado – como 
ícone da nação brasileira. Assim, o índio virou modelo da convivência 
harmônica com a natureza – sempre considerada exuberante – do Brasil. 
Aqui nasce a ideia de que as características nacionais estão presentes, de 
forma mais pura, nas matas e nos sertões do interior. 
À medida que as teorias raciais se tornaram hegemônicas na ciência 
europeia, o fator racial também adquiriu cada vez mais peso nas discus-
sões sobre o caráter nacional no Brasil. Como é sabido, os intelectuais 
brasileiros estavam presos a um tenso dilema: não podiam questionar 
a ciência europeia sem parecerem ridículos, mas se aceitavam o deter-
minismo racial, invariavelmente, terminavam fazendo uma avaliação 
pessimista das possibilidades de desenvolvimento do seu país. Assim, a 
maioria dos escritores, após 1860, tendiam a lamentar o handicap racial 
dos brasileiros (LEITE, 1969).
As teorias raciais europeias, no entanto, não eram uniformes. Todos 
propagavam, claro, a superioridade da raça branca, mas discordavam 
profundamente acerca de aspectos cruciais como o significado da misci-
genação. Teorias poligênicas desqualificavam o mestiço como degenerado 
ou mesmo estéril (já sugerido pelo termo mulato, derivado de mulo), 
enquanto enfoques monogênicos concebiam um possível aperfeiçoa-
mento racial de uma população. Alguns intelectuais brasileiros foram 
exímios em selecionar os aspectos mais convenientes das várias teorias, e 
construir a sua própria. A mais importante dessas foi, sem dúvida, a do 
embranquecimento. Esta afirmava que uma população de características 
raciais inferiores, como a brasileira, poderia “melhorar a raça” graças 
à contribuição dos imigrantes europeus. Desse modo, a teoria do em-
branquecimento oferecia uma alternativa ao pessimismo que assombrou 
tantos intelectuais brasileiros no período entre 1870-1930 (SCHWARCZ, 
1993; SKIDMORE, 1974).
É importante enfatizar que nessas concepções o mestiço, longe de re-
presentar um terreno neutro no qual estavam as três “raças” originais, 
designava apenas uma fase intermediária no processo do branqueamento, 
não seu destino final. A miscigenação era positiva somente à medida que 
mais e mais brasileiros se tornavam mais claros e adotavam a cultura 
europeia considerada superior. É precisamente porque as ideologias, ao 
ressaltar os valores positivos da miscigenação, foram historicamente asso-
ciadas ao branqueamento e à promoção do modelo assimilacionista, que o 
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movimento negro tem rejeitado a miscigenação em bloco, equiparando-a 
a uma estratégia de etnocídio (MUNANGA, 1999).
Nem todos os intelectuais advogavam essa assimilação extrema, tão oposta 
à realidade brasileira. Desde a criação do Instituto Histórico e Geográfico 
Brasileiro, em 1838, uma tradição mais historicista estabeleceu-se no 
Brasil. Karl von Martius (1969, p. 501), autor de um dos textos funda-
dores da instituição, apesar de reconhecer a superioridade cultural e 
racial dos portugueses, também insistia que “o gênio da história mundial 
[...] frequentemente se utiliza da mistura das raças para atingir os mais 
sublimes objetivos”, como bem se podia ver no exemplo da Inglaterra, 
cujo caráter nacional era resultado da mistura de diferentes povos. O 
mestiço poderia, então, virar um novo tipo racial, e, assim, livrar-se das 
características negativas que a maioria dos teóricos raciais atribuía aos 
“sangues misturados”. 
Sílvio Romero (1851-1914), autor da primeira história da literatura 
brasileira, foi um precursor nessa direção. Apesar do desânimo que 
sentia quando refletia a respeito do handicap racial dos brasileiros, ele 
também considerou a possibilidade de um tipo novo, o mestiço brasileiro, 
resultado da mistura das raças e do impacto do meio ambiente. Rome-
ro defendia o estudo dos costumes do povo brasileiro, e contribuiu de 
forma importante nesse sentido no campo da poesia popular, seguindo 
o modelo romântico alemão que buscava as raízes culturais da nação no 
seu folclore. O seu método – que virou norma nos estudos folclóricos 
– consistia em identificar os elementos “originais” que o mestiço supos-
tamente combinava. Mas, apesar de sua simpatia pela cultura popular, 
considerava a capoeira um “cancro” que precisava ser extirpado (apud 
CASCUDO, 1972, p. 241).
Euclides da Cunha (1866-1909) teve outra famosa contribuição, em 
1902, quando sugeriu que o mestiço brasileiro já teria desenvolvido 
características específicas no interior. Embora, inicialmente, querendo 
demonstrar a degeneração do mestiço, ficou tão impressionado com a 
intrépida resistência dos jagunços de Antônio Conselheiro, que concluiu 
ter o isolamento do sertão efeitos positivos sobre o tipo racial. Euclides 
fazia parte da geração de escritores, tais como Capistrano de Abreu e 
Coelho Neto, que estigmatizavam as cidades como europeanizadas, en-
quanto o verdadeiro Brasil encontrava-se somente no interior. A ideia 
de que manifestações culturais “autênticas” sobreviviam no distante 
interior tornou-se, desse modo, certa obsessão. Ela reaparece nas nar-
rativas históricas sobre capoeira, como, por exemplo, no mito da origem 
quilombola da arte.
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Em suma, no final do século XIX o mestiço proporcionava aos intelec-
tuais brasileiros que buscavam o caráter nacional um sujeito em quem 
podiam aplicar suas teorias. A vantagem dessa nova maneira de definir a 
nação brasileira era que a mestiçagem permitia “construir a imagem de 
uma totalidade social homogênea” (CHAUÍ, 2000, p. 27). Essa imagem 
tornou-se ainda mais necessária à medida que novas ondas de imigrantes 
desembarcavam nos portos do Brasil. As teorias raciais legitimavam as 
políticas de imigração, excluindo os negros e favorecendo os europeus, 
supostamente mais “industriosos”, que deveriam “melhorar a raça”.
Os debates e as hesitações a respeito da imigração asiática (primeiro, 
rejeitando a chinesa, e permitindo, depois, a japonesa) demonstram 
que não havia consenso absoluto entre as elites e que houve mudanças 
significativas na maneira como diferentes grupos de imigrantes eram 
percebidos e sua assimilação implementada. Quando o entusiasmo inicial 
a respeito dos trabalhadores europeus enfraqueceu por causa de seu 
ativismo sindical ou da sua resistênciaà assimilação, intelectuais e polí-
ticos brasileiros começaram a se preocupar com o impacto da imigração 
sobre a construção de uma identidade nacional. A imitação de modelos 
europeus começou a perder prestígio.
A situação privilegiada dos migrantes portugueses quando procuravam 
emprego, moradia, ou até mesmo uma companheira, reacendeu o 
ressentimento popular antilusitano. Os jacobinos, integrantes do mo-
vimento nacionalista e pró-republicano das décadas de 1880 e 1890, 
capitalizaram esses ressentimentos para construir sua base de apoio no 
Rio de Janeiro, cidade com a maior comunidade portuguesa na segunda 
metade do século XIX. O contexto da imigração maciça, que multiplicava 
as “identidades hifenadas” (LESSER, 1999), também explica a obsessão 
por um mestiço homogêneo que representaria o Brasil.
Devido a esses intensos debates vinculando raça e caráter nacional, não 
é de surpreender o fato de que os dois textos fundadores dos estudos 
da capoeira, escritos na década de 1880, associem a arte com o mestiço. 
Plácido de Abreu, escritor de origem portuguesa, boêmio e também pra-
ticante de capoeira no Rio de Janeiro, negava que a arte tivesse origens 
africanas ou indígenas: “O mais racional é que a capoeiragem criou-se, 
desenvolveu-se e aperfeiçoou-se entre nós” (ABREU, 1886, p. 3).
A contribuição mais importante para a associação da capoeira e do ca-
ráter nacional veio de Alexandro José Mello Moraes Filho (1844-1919). 
Ao contrário de Sílvio Romero (que, entretanto, escreveu o prefácio de 
sua obra), Mello Moraes condenava a imigração de europeus e a euro-
peização dos costumes advogada pela elite brasileira como única solução 
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para o progresso do país. Argumentava que a cultura popular urbana, 
em particular os festivais católicos, constituía mediação privilegiada pela 
qual se desenvolveu o caráter nacional brasileiro (ABREU, 1999, p. 144-
61). Seu livro Festas e tradições populares do Brasil, publicado pela primeira 
vez em 1888, descreve festas religiosas e seculares, sobretudo no Rio de 
Janeiro e em Salvador, consideradas mais brasileiras que as cidades do 
Sul. Na parte final do seu livro, dedicada aos “tipos de rua”, Mello Moraes 
identificava a capoeiragem como “uma herança da mestiçagem no conflito 
das raças”. Dando o exemplo de jogos e exercícios europeus, desde a 
luta romana ao remo e boxe ingleses, passando pela savate francesa e 
o jogo do pau português, concluía que todos “concorrem para reunir 
mais um traço à fisionomia nacional”. A capoeiragem, “luta nacional” 
do Brasil, deveria, portanto, ter seu lugar reconhecido na “história dos 
nossos costumes” (MORAES FILHO, 1979, p. 257, 263). Ao equiparar 
a capoeira às lutas europeias, Mello Moraes não somente cunhou uma 
expressão retoricamente brilhante, mas também estabeleceu um podero-
so argumento, que será repetido inúmeras vezes nas décadas seguintes.
Como a capoeira, no momento em que ele escrevia, era considerada 
pelas elites uma perigosa ameaça à ordem, sofrendo perseguição rigo-
rosa pelo novo regime republicano, Mello Moraes teve o cuidado de 
justificar, detalhadamente, sua defesa da prática proscrita pela nova 
Constituição. Para relativizar os aspectos negativos do que considerava 
ser, nesse momento, uma “ginástica degenerada em poderosos recursos 
de agressão”, construiu uma idade de ouro da capoeira, anterior a 1870, 
durante a qual a arte “tinha disciplina e dirigia-se a seus fins”. Como 
mostrou Letícia Reis (1997, p. 83-86), Mello Moraes teve de inverter a 
cronologia do desenvolvimento da capoeira para que ela se enquadrasse 
na sua teoria. Assim, salientou o envolvimento de eminentes políticos ou 
juristas na “luta nacional” antes que fosse “levada a excessos pelo povo 
baixo, que a afogou nas desordens, em correrias reprovadas, em homicí-
dios horrorosos”. A narrativa nacionalista, aqui associada a um discurso 
classista, já influenciava percepções e estruturava as interpretações da 
capoeira, desvirtuando uma prática negra escrava como uma arte mestiça.
O escritor Aluísio Azevedo (1857-1913) providenciou a expressão lite-
rária perfeita do discurso nacionalista articulado por Mello Moraes. Seu 
famoso romance O cortiço, publicado em 1890, tem como palco um desses 
alojamentos precários em que conviviam negros alforriados e migrantes 
portugueses. A trama desenvolve-se ao redor de Rita Baiana, estereótipo 
da mulata gostosona, por quem competem o português Jerônimo e o 
brasileiro Firmo, também um mulato. No confronto final entre os dois 
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rivais, que simboliza o conflito mais amplo entre portugueses e afro-
brasileiros, cada qual faz uso da sua arte marcial nacional. Jerônimo 
empolga seu pau e investe contra Firmo; este, capoeira experiente e chefe 
de malta, usa sua mandinga para evitar os ataques, e, no final, apunhala 
seu oponente com sua navalha. Pode ser que Azevedo, como seu inspi-
rador, Émile Zola, tenha esboçado uma imagem bastante patológica das 
classes populares. Mas o sucesso do seu romance ajudou a consagrar a 
capoeira como a arte típica do mulato urbano.
Em regra, o mulato desempenha apenas o papel de um “tipo” brasileiro, 
mas não o “típico brasileiro”, já que representa exclusivamente o caráter 
nacional. Esse papel é reservado ao mestiço, que representa a famosa 
mistura das três raças. As associações relacionadas ao mulato, ao mestiço 
e a seus papéis na construção da brasilidade não deixaram de ter um 
impacto sobre a interpretação da capoeira. Na medida em que as elites se 
deram conta de que a curto prazo não ia ser possível chegar ao mestiço 
genérico e homogeneizado, e que o povo brasileiro era caracterizado 
tanto na justaposição de diferenças quanto na sua mistura, fazia mais 
sentido construir uma identidade nacional a partir de manifestações da 
cultura popular, seguindo a trilha aberta por Mello Moraes.
O tratamento dispensado à capoeira teve, assim, momentos bastante 
contraditórios, que refletiam as mudanças profundas dos paradigmas 
culturais. Na mesma hora em que a capoeira era erradicada das ruas do 
Rio de Janeiro por uma repressão intensa, com o chefe de polícia man-
dando centenas de capoeiras sem processo para o desterro em Fernando 
de Noronha, a criminalização da prática era questionada por um número 
crescente de intelectuais. Eles adotaram uma atitude mais benevolente 
– mesmo que ainda ambígua – em relação à arte, porque percebiam sua 
utilidade para construir uma identidade brasileira. Mas para a capoeira 
tornar-se marca de brasilidade, suas origens escravas e africanas tinham 
de ser encobertas e seu caráter mestiço enfatizado a todo custo.
A busca da “ginástica brasileira”
Uma vez que se usam recrutas e não mais, exclusivamente, soldados 
profissionais nas guerras, os estrategistas militares têm sublinhado a 
importância da saúde e do treinamento dos praças. O primeiro instituto 
militar de ginástica foi fundado por Franz Nachtegall (1777-1847) na 
Dinamarca, em 1804, e a educação física virou disciplina compulsória 
nas escolas dinamarquesas em 1814. Na Alemanha, Friedrich Ludwig 
Jahn (1776-1839) começou a construir as primeiras quadras de ginástica 
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(Turnplatz) em 1811, dando início a um movimento que reunia nacio-
nalismo e prática esportiva nos Turnvereine. Desde então a ginástica tem 
sido vista como o melhor instrumento para garantir o bom preparo 
físico dos homens, e, supostamente, a capacidade bélica da nação. Por 
essa razão, também, tantos militares se engajaram ativamente na busca 
da ginástica nacional brasileira.
O crescimento das rivalidades imperialistas nas décadas anteriores à 
Primeira Guerra Mundial parecia confirmar a lição do darwinismo so-
cial numa escala planetária: a sobrevivência só era permitida às nações 
mais preparadas e fortes. A vitória do Japão sobre a Rússia, em 1905, 
contribuiu para o questionamento, ou mesmo o fim doestereótipo do 
oriental efeminado, e despertou o interesse dos ocidentais pelas artes 
marciais orientais, mais particularmente o budo japonês. Mestres de jiu-
jítsu começaram a viajar pelo mundo inteiro para mostrar suas habilida-
des e desafiar lutadores. No Brasil enfrentaram capoeiristas no ringue, 
e geralmente se saíam bem dessas disputas, derrotando capoeiristas em 
várias ocasiões. Para os nacionalistas brasileiros, esses desenvolvimentos 
só confirmavam a urgência de pôr em prática uma arte de combate 
nacional, e mais uma vez se voltaram para a capoeira. De fato, essa in-
teração entre artes marciais do Oriente e a capoeira resultou tanto na 
modernização da capoeira e no surgimento de novos estilos, quanto no 
abrasileiramento do jiu-jítsu e a criação do estilo Gracie.
A primeira reportagem mais extensa sobre capoeira, publicada em 1906 
na revista Kosmos, retomou a comparação feita anteriormente por Mello 
Moraes entre a savate francesa, o jiu-jítsu japonês, o boxe inglês, o pau 
português e a capoeira brasileira. O autor, um certo L.C., identificado 
ulteriormente por Jair Moura (1997, p. 4-5) como Lima Campos, en-
fatizava de novo que a capoeira era a única dessas “cinco grandes lutas 
populares” cujo “mérito básico é a defesa”, uma das razões por que seria 
superior a todas as demais. Lima Campos localizou a origem da capoeira 
nos distúrbios da Independência, “pela necessidade do independente, 
fisicamente fraco [o mestiço brasileiro], de se defender ou agredir o ex-
possessor robusto [o português]”. Negava ou diluía, outra vez, as origens 
escravas da capoeira, e até reclamava uma origem indígena para a arte:
Creou-a o espírito inventivo do mestiço, porque a capoeira não é portu-
guesa nem é negra, é mulata, é cafusa e é mameluca, isto é – é cruzada, 
é mestiça, tendo-lhe o mestiço anexado, por princípios atávicos e com 
adaptação inteligente, a navalha do fadista da mouraria lisboeta alguns 
movimentos sambados e simiescos do africano e, sobreudo, a agilida-
de, a levipedez felina e pasmosa do índio nos saltos rápidos, leves e 
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imprevistos para um lado e outro, para vante e, surpreendentemente, 
como um tigrino real, para trás, dando sempre a frente ao inimigo. 
(L. C., 1906)
A invenção de uma ancestralidade indígena, conforme o modelo românti-
co do século XIX, oferecia a vantagem de conferir um caráter mais nobre 
(como o bom selvagem da Ilustração setecentista) e mais autenticamente 
brasileiro à capoeira. Além do mais, a inclusão de algum elemento in-
dígena nas origens da arte se enquadra melhor com a ideia fixa de que 
tudo o que é autenticamente brasileiro provém da mestiçagem entre as 
“três raças” formadoras. De fato, até o presente há autores que afirmam 
que Anchieta ou Martim Afonso de Souza presenciaram os povos tupi 
jogando capoeira (BRASIL, [1994?], p. 1).
As discussões entre intelectuais da Belle Époque não eram apenas acadê-
micas, mas refletiam preocupações mais amplas acerca da construção 
do estado-nação, da qual participavam também jornalistas, políticos e 
militares. Nesse mesmo ano a Câmara dos Deputados debateu outra vez 
o recrutamento compulsório, que os reformadores das forças armadas 
vinham pedindo desde a Proclamação da República, e que foi finalmente 
adotado em 1916. Tanto os liberais quanto as classes populares se opu-
nham ao recrutamento generalizado. Para muitos, a vida nos quartéis, 
longe de constituir uma experiência positiva, encorajava a sodomia ou 
transformava os recrutas em cornos (BEATTIE, 1996). Destarte, mais 
ameaçava do que reforçava a masculinidade dos recrutas. Nessa altura 
todos os modelos militares e masculinos eram importados. Os escoteiros 
britânicos (fundados em 1908) tornaram-se muito populares no Brasil, 
contribuindo para que os exercícios militares fossem mais aceitos pelos 
filhos da elite.
A derrota humilhante diante da Alemanha em 1870 fez com que os mili-
tares franceses introduzissem não somente a educação física compulsória 
nas escolas, mas também participassem diretamente do seu ensino. O 
Ministério da Guerra da França fomentou a unificação nacional dos 
métodos de ensino e um esforço do qual resultou uma série de manuais 
a respeito do “método francês” no início do século XX. Os militares 
brasileiros adotaram o método francês a partir dos anos 1920, porque 
o consideravam o mais adequado ao temperamento latino do povo bra-
sileiro. Isso, é claro, até que um método genuinamente nacional fosse 
desenvolvido (CASTRO, 1997, p. 63-65).
Mas quem procurava desenvolver, no Brasil, uma “ginástica nacional”, 
não tinha como evitar a capoeira e refletir como ela poderia ser enqua-
drada nos objetivos nacionalistas. Já em 1907 um oficial anônimo pu-
30
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blicou um Guia do capoeira ou ginástica brasileira, uma primeira tentativa 
de sistematizar os movimentos da capoeira, estabelecendo a diferença 
entre os vários tipos de “posições”, “negaças” e “pancadas” (O. D. C., 
1907). No Rio de Janeiro havia um grupo de capoeiras, todos de classe 
média, e boa parte formado por intelectuais nacionalistas. Proeminente 
entre eles era Henrique Coelho Neto (1864-1934), cuja residência era 
um ponto de encontro para artistas e escritores, onde essas ideias eram 
debatidas (REGO, 1968, p. 262; SKIDMORE, 1974, p. 90). Nacionalista, 
Coelho Neto afirmava que a capoeira era uma arte de defesa superior a 
todas as outras. Relata que com mais dois amigos consideraram mandar 
para a Câmara um projeto que estabeleceria a capoeiragem como disci-
plina compulsória nas instituições educativas do Estado e nos quartéis. 
“Desistiram, porém, da ideia porque houve quem a achasse ridícula, 
simplesmente, porque tal jogo era... brasileiro” (COELHO NETO, 1928, 
p. 133-134, 139). 
A ideia de que a capoeira era “o nosso jogo” ganhava cada vez mais 
adeptos entre a classe média nacionalista. O jornalista Raul Pederneiras 
publicou extenso artigo sobre “A defesa nacional” (1921), em que rei-
terava todos os argumentos em defesa da ideia de que a capoeira era o 
melhor esporte e prática de defesa pessoal (MOURA, 1999, p. 44-45). Um 
jornalista de Porto Alegre sintetizou a suposta superioridade da capoeira 
sobre todas as outras artes marciais no apelo sugestivo: “Cultivemos o 
jogo da capoeira e tenhamos asco pelo boxe!” Muitos escritores, como 
Coelho Neto, por exemplo, repetiram esse grito de batalha nacionalista. 
Outro jornalista lamentava que “os brasileiros tinham parco apego ao 
que é nosso genuinamente nacional”, “mas nós exaltamos simiescamente, 
ridiculamente diante dessa brutalidade, afro-britânica, que se chama 
box[e]”. Fazendo eco a Euclides da Cunha recomendava:
Quereis cultivar um jogo elegante, próprio para a defesa individual, 
jogo de destreza nobre e não brutal e aviltante, tendes aí o nosso inex-
cedível e invencível jogo de capoeira, jogo nascido dos fatores raciais e 
mesológicos que plasmaram a nossa nascente raça. (CARTUSC, 1994, 
p. 3)
Às vezes os estereótipos raciais em voga acerca da fraqueza dos mulatos e 
mestiços também se associavam ao clichê da inferioridade física do negro. 
Assim, o engenheiro argentino Adolfo Morales de los Rios (1887-1973), 
escritor residente no Rio de Janeiro, defendia na mesma época a ideia de 
que “a capoeiragem é uma criação feita pelos fracos – o negro e o mestiço 
– contra o forte: o branco. A pujança deste é combatida pela astúcia dos 
outros” (2000, p. 73). Mais comum, porém, era contrastar a força tanto 
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do branco quanto do negro com a debilidade física do mestiço, o que 
“explicaria” por que capoeira não dependia tanto da força, mas, antes, de 
habilidade. Luis Edmundo (1878-1961), na sua descrição do arquétipo do 
capoeira mulato, que ele anacronisticamente transplanta para o período 
colonial, explicava que esse, “sem ter do negro a compleição atlética ou 
sequer o ar rijo e sadio do reinol” ainda assimimpunha respeito: “Toda a 
sua força reside nessa destreza elástica que se assombra, e diante da qual 
o tardo europeu vacila e, atônito, o africano se trastroca” (COSTA, 1936, 
p. 38). Como tantos outros, identificou aspectos negativos e positivos no 
capoeira e admitia a possibilidade de sua redenção: “No fundo, ele é mau 
porque vive onde há o comércio do vício e do crime. Socialmente, é um 
cisto, como poderia ser uma flor” (COSTA, 1936, p. 39).
A identificação das qualidades e dos defeitos da “raça” e do “caráter” 
brasileiro, inevitavelmente levava à questão: se o tipo racial poderia ser 
melhorado pelo branqueamento, o caráter nacional não poderia também 
ser melhorado com a eliminação dos costumes mais negativos? Neste 
sentido, o que a eugenia supostamente fazia com a raça, a higiene social, 
poderia alcançar para a cultura popular.
No entanto, escritores como Mello Moraes e Coelho Neto somente la-
mentaram a “degeneração” da capoeira e consideraram sua redenção 
apenas de maneira abstrata. Planos concretos de ação começaram a 
ser implementados apenas durante o período de renovação cultural 
inaugurado pela Semana de Arte Moderna, em 1922. Talvez inspirado 
pelo já mencionado O. D. C., Anibal Burlamaqui elaborou o primeiro 
método para uma ginástica nacional baseado na capoeira, publicado em 
um pequeno volume em 1928. Como dizia o prefácio, tratava-se de “um 
grito de brasilidade”. O autor, um verdadeiro sportsman, praticante de gi-
nástica sueca, atletismo e boxe, discordava de interpretações naciona listas 
anteriores na medida em que reconhecia as origens escravas da capoeira. 
Segundo ele, os escravos foragidos inventaram a arte nos capões e nas 
capoeiras. Não se basearam em tradições africanas, mas desenvolveram 
a arte no contato íntimo com a natureza; “irmanando-se com os animais” 
ou lutando com eles, aprendiam “trepando em árvores as mais altas e 
desgalhadas, para se acomodar nas suas frondes, pulando de umas às 
outras como macacos, onde as nuvens batiam”. Desenvolveram assim 
“um jogo estranho de braços, pernas, cabeça e tronco, com tal agilidade 
e tanta violência, capazes de lhe dar uma superioridade estupenda [sobre 
os capitães de mato]” (BURLAMAQUI, 1928, p. 11-12). A última frase 
tornou-se muito conhecida, e foi repetida infinitas vezes por gerações 
inteiras de capoeiristas e autores (muitas vezes sem citar a fonte). Acho 
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que devemos dar a Burlamaqui o crédito de haver forjado o mito pode-
roso dos quilombolas inventando a capoeira no interior.
“O desenvolvimento da capoeira”, segundo Burlamaqui, “que encerra, 
embora ainda um pouco confusa e mal definida, todos os elementos para 
uma cultura física perfeita, de acordo com o nosso meio”. Seu objetivo 
era simples: “Eu, então, brasileiro que sou, amando o que me pertence, 
idealizei uma regra para presenteá-la e fazê-la um sport, um exercício, 
um jogo enfim [...]” (1928, p. 13-15). Sua proposta, mais uma vez, ex-
pressava a convicção de que a capoeira, para servir os ideais nacionais, 
teria de ser higienizada, adaptada e reformada. Mas pela primeira vez, 
alguém desenvolveu um método concreto baseado nesses princípios 
nacionalistas.
A partir de 1920 as teorias raciais começaram a ser desafiadas nos meios 
acadêmicos norte-americanos. Antropólogos como Franz Boas (1858-
1942) e, depois, Ashley Montagu (1905-) questionavam as concepções 
comuns a respeito da inferioridade racial dos não brancos e até mesmo 
a existência de várias raças humanas. O conceito de “raça” foi sendo 
substituído pelo de “cultura”, e o contexto sociocultural agora servia 
para explicar diferenças de comportamento entre seres humanos. Essa 
mudança de paradigma aconteceu no Brasil, sobretudo por meio da 
obra de Gilberto Freyre (1900-1987), que estudou antropologia com 
Boas. Como é sabido, seu ensaio clássico sobre a gênese da sociedade 
brasileira, Casa grande e senzala (1933) valorizava a miscigenação biológica 
entre senhores brancos, índios e africanos escravizados. Segundo ele, 
um processo paralelo de hibridismo cultural resultou na adoção de ele-
mentos indígenas e africanos pela cultura brasileira. Críticos posteriores 
salientaram que seus escritos não deixam de ser ambíguos e ainda contêm 
reminiscências de ideologia racial. Freyre, por exemplo, ainda reproduz 
estereótipos sobre africanos e índios, quando fala de sua “sensualidade 
exaltada” ou de seu “misticismo ardente” (LEITE, 1969, p. 285-86). 
Da mesma maneira, em Ordem e Progresso ele caracterizava os capoeiras 
como mulatos turbulentos que gostavam de navalhar portugueses ricos 
“por puro sadismo de adolescentes pobres contra adultos ricos” (apud 
PIRES, 1996, p. 226). Apesar de tudo, sua obra marca um momento 
de inflexão importante na maneira como foi encarado o potencial da 
população brasileira e de seu caráter nacional.
A Revolução de 1930 reestruturou o campo da cultura, mudando também 
as maneiras como se promovia a brasilidade. O novo regime outorgou-
se um papel decisivo na administração da cultura. Preocupado em não 
deixar de fora qualquer aspecto da “vida nacional”, o regime de Vargas 
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expandiu, substancialmente, o orçamento da educação e cultura e criou 
novas instituições cuja função era a de fomentar o “desenvolvimento 
cultural”. Isso incluía não somente a preservação do patrimônio cultu-
ral, mas também o apoio a “causas patrióticas” como a educação física 
(WILLIAMS, 2001, p. 67-69). O nacionalismo cultural virou hegemônico 
durante o período 1930-1964 e permanece influente no aparelho de 
estado até hoje. Mas se o regime de Vargas apoiava a “cultura nacional”, 
nunca teve consenso na administração sobre o que exatamente merecia 
apoio ou não. Tradicionalistas que queriam promover o estilo neoclás-
sico disputavam influência com modernistas que apoiavam os alunos de 
Le Corbusier. As “guerras culturais” entre essas facções resultaram em 
políticas culturais ambivalentes, com instituições estatais perseguindo 
objetivos diametralmente opostos (WILLIAMS, 2001, p. 52-89). Os 
modernistas eram fortes no Ministério de Educação e Saúde, enquanto 
a cultura popular estava sob a responsabilidade do Departamento de 
Imprensa e Propaganda, o famigerado DIP, também responsável pela 
censura. O conceito de higiene social, mais do que o patrocínio, guiava 
a intervenção do DIP na cultura popular, instruindo por exemplo os 
compositores a louvar os trabalhadores em vez de glorificar os malan-
dros nas suas canções. O novo regime também começou a revisitar sua 
postura em relação à capoeira. Na Bahia foi autorizada a criação da pri-
meira academia de capoeira, ainda referenciada a formas “regenerada” 
e “melhorada” (mas, contrariamente a muitas afirmações, não se tratou 
de uma legalização generalizada da capoeira). Mais importante ainda, 
a Constituição de 1937 instituiu a educação física compulsória em todas 
as escolas. Um oficial foi indicado para dirigir a Divisão de Educação 
Física (DEF) do Ministério da Educação e Saúde Pública. Todos os novos 
professores, mesmo civis, foram instruídos no método francês na Escola 
de Educação Física do Exército. Desde então, a educação física no Brasil 
tem sido estreitamente associada ao exército. Inspirados pelo aparente 
sucesso do fascismo na Europa, os militares e civis da DEF promoviam 
a ideia de que a educação física melhoraria a “raça brasileira”. Um dos 
integrantes da DEF, Inezil Penna Marinho, abertamente elogiava Adolf 
Hitler e a Alemanha nazista e afirmava, em 1944, que “é imperioso que 
nos convençamos de que cada professor de educação física é um solda-
do do Brasil, soldado que luta não somente em tempo de guerra, mas 
também na paz [...]” (apud CASTRO, 1997, p. 68). Inezil era capoeirista, 
aluno e admirador de Burlamaqui. Durante anos tentou convencer seus 
superiores de que a capoeira deveria tornar-se a ginástica brasileira. Em 
monografia premiada pelo DEF e publicada em 1945,propunha uma 
“metodologia de treinamento da capoeiragem”, que reproduzia muitas 
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das ideias de Burlamaqui. Na primeira parte, fazia um relato detalhado 
da história da capoeira, que em alguns detalhes se diferenciava da inter-
pretação do seu mestre. Uma das razões eram os trabalhos de Manuel 
Querino e Edson Carneiro, que haviam demonstrado que a capoeira 
era mais do que o resultado da opressão colonial e da resistência contra 
a escravidão no meio brasileiro, mas que também incorporava tradi-
ções africanas anteriores. Isso resultou em uma adaptação do discurso 
nacionalista a respeito da história da capoeira. As “origens” africanas e 
as contribuições de Querino e Carneiro são reconhecidas, os mestiços, 
porém, são credenciados com o desenvolvimento posterior da arte:
Embora originária dos negros, a capoeiragem foi assimilada e desen-
volvida, encontrando campo fértil e novas qualidades a explorar, pelos 
mestiços – mulatos. Os negros, dizem, são embrutecidos, e não o podiam 
ser menos sob certo regime. Os brancos são débeis, fruto do calor e da 
ociosidade. Os mestiços, porém, híbridos quanto à cor, têm o espírito 
ativo e forte o músculo. (MARINHO, 1945, p. 19)
É notável a inconsistência das teorias raciais a respeito do mestiço, ora des-
qualificado como fisicamente débil, ora elogiado, como aqui, por sua força 
muscular. Mas Marinho concorda com os demais autores nacionalistas que 
“o mulato se tornaria o tipo ideal do capoeira, arrogante por excesso na 
sua preocupação de demonstrar que nada possuía da submissão do negro 
escravo”. Apesar do declínio da hegemonia das teorias raciais após 1945, 
os nacionalistas brasileiros, sobretudo, simpatizantes do fascismo como 
Marinho, continuaram cultivando essas teorias ultrapassadas, reprodu-
zindo o estereótipo do mulato destro e inteligente (MARINHO, 1956, p. 
12-13, 19). Marinho também idealizou uma “oração da capoeira” que 
resume suas aspirações nacionalistas exaltadas:
Sinto que das profundezas de meu ser brota um novo anseio de expres-
são corporal, como se minh’alma se libertasse de séculos de opressão! 
Não mais serei obrigado a repetir gestos típicos da manifestação cultural 
de outros povos distantes! Eu consegui me libertar daqueles ritmos que 
me atormentavam, descompassando meus movimentos, sufocando a 
sensibilidade musical de meus ancestrais! Eu me encontrei finalmente 
com o meu próprio ritmo, graças ao qual eu me libero de atávicas repres-
sões e posso exprimir meus sentimentos, minhas esperanças, minhas 
ideias, minhas quimeras, meus ideais! Agora eu sou livre! Respeito a 
ginástica de todos os povos do mundo, mas necessito, desejo e quero 
realizar a minha própria ginástica – a GINÁSTICA BRASILEIRA! 
(reproduzido em LACÉ LOPES, 1999, p. 173-74)
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Essa oração erradica completamente qualquer referência à escravidão, 
ao colonialismo e aos antagonismos sociais tão centrais à história da 
capoeira. São sacrificados no altar da nação homogênea criada por 
ancestrais genéricos. 
A exaltação de brasilidade na capoeira tem continuado desde então, 
mesmo que o discurso nacionalista tenha gradualmente deixado de 
racializá-la. Devido à hegemonia das teorias racistas até 1945, esse pro-
cesso foi, no entanto, muito gradual. A derrota do nazismo na Europa 
e a adoção, pela UNESCO, de uma postura antidiscriminatória baseada 
no crescente questionamento das teorias raciais nas ciências não foram 
o suficiente para fazer mudar de opinião uma série de intelectuais 
engajados no desenvolvimento da “arte marcial brasileira”. Ainda na 
década de 1960, por exemplo, o capitão Lamartine P. Costa repetia, no 
seu manual Capoeira sem mestre, o mantra do nacionalismo racializador: 
“Magro e musculoso, mais baixo que o negro e mais destro que o portu-
guês, o mulato assimilou a capoeira a seu modo, transformando-a numa 
notável luta acrobática” (1961, p. 14). 
João Lyra Filho, Ministro dos Desportos durante o governo militar, foi 
mais longe nesse sentido, pois incorporou ao seu tratado sobre o futebol 
e a capoeira no Brasil uma crítica às teorias científicas mais recentes que 
desconstruíam o conceito de raça. Ele censurava a postura da UNES-
CO que a seu ver “simplifica” ao proclamar a existência de uma única 
raça, a raça humana. Lyra não abria mão da transmissão hereditária 
de características “psicossociais”, que seria comprovada pelo fato de 
que os descendentes dos japoneses nascidos no Brasil “não são dados 
ao futebol” (LYRA FILHO, 1973, p. 43). Afirmava, categoricamente a 
inexistência de problema racial no Brasil. Seguia o antropólogo Roquete 
Pinto, e acreditava que os mestiços eram menos férteis que os brancos e 
os negros, ou que os negros, porque de sangue mais puro, “tinham uma 
docilidade talvez natural e o sentimento [...] mais puro” (LYRA FILHO, 
1973, p. 46-47, 336). Assim desenvolveu, ainda no início da década de 
1970, uma visão racializada da evolução da capoeira, responsabili zando 
o mulato pela degeneração da arte: 
Suponho fora de dúvida que a ponderável participação de mulatos no 
conjunto populacional do país, mulatos socialmente desajustados, in-
fluenciou o abastardamento mais agressivo da capoeiragem ainda solta 
no último quartel do século passado. (LYRA FILHO, 1973, p. 337)
O ministro Lyra reconhecia atributos tanto “deficitários” quanto “supe-
ravitários” ao mulato, sendo que ambos “se prestavam ao antigo jogo 
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da capoeira”. Para ele, a capoeira tinha o potencial de “personalizar” 
os desportos brasileiros. Almejava para a capoeira que recobrasse “seu 
lugar ao sol” como desporto. Como muitos nacionalistas, sonhava que 
“os capoeiras só farão do seu jogo um desporto saudável para as horas 
de lazer e uma provisão de recursos para as pelejas às quais porven-
tura sejam conduzidos em defesa da própria nação” (LYRA FILHO, 
1973, p. 336, 339, 354). No entanto, nessa altura muitos nacionalistas 
não enfatizavam mais a suposta predisposição racial do mulato para a 
capoeira. Tampouco insistiam, como Lyra, na necessidade de manter 
as raizes folclóricas da arte. Durante o Primeiro Simpósio de Capoeira, 
organizado em 1968 pela Federação Carioca de Pugilismo, a maioria 
das intervenções advogava a equiparação da capoeira com o desporto, 
contrariamente à opinião de Lyra (Jornal do Brasil, 28/8/1968). Em 1962 
a capoeira tinha sido incorporada como um departamento no seio da 
federação, mas essa solução nunca agradou aos capoeiristas nem aos 
nacionalistas, que queriam a emancipação da arte marcial brasileira das 
lutas “importadas”. De fato o regime militar fomentou a arregimenta-
ção dos capoeiristas dentro da modalidade esportiva, como de todos os 
demais esportistas por meio do Conselho Nacional de Desportos (CND), 
que coordenava o trabalho das federações estaduais. As primeiras regras 
técnicas para competições de capoeira foram adotadas em 1972, ainda 
pela Confederação de Pugilismo. Mas logo em seguida começaram a ser 
criadas as federações paulista, carioca e baiana de capoeira, que consa-
gravam a desportivização da arte, com torneios, desfiles dos atletas em 
uniforme pelo estádio, canto dos hinos nacional e estaduais, e salvação 
às bandeiras (REIS, 1997, p. 168-74). O ensino da capoeira em escolas 
e quartéis também deixou de ser esporádico, e espalhou-se pelos quatro 
cantos do país. Nasceu, finalmente, a capoeira que gostaria de chamar, 
fazendo uma analogia com outros movimentos artísticos no Brasil, de 
“capoeira verde-amarela”, com a qual os nacionalistas brasileiros haviam 
sonhado desde o início do século.
A impressionante expansão da prática nas décadas de 1960, 1970 e 1980, 
no entanto, também foi acompanhada por uma grande diversificação 
dos estilos, o que agradou muito menos aos nacionalistas autoritários, 
sempre preocupados com a unidade da capoeira e da nação. A linha 
nacionalista mais autoritária dessaépoca é, sem dúvida, representada 
por Carlos Sena (também grafado Senna). Aluno de M. Bimba desde 
1949, Sena chegou a ser diretor técnico da academia do criador da Re-
gional, até abrir sua própria escola e criar seu próprio estilo, que chamou 
Senavox. Senna (1990, p. 51, 41) fustigava a “descaracterização folcló-
rica” da capoeira e as atitudes “mercantilizantes” de seus divulgadores 
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no Sudeste. Defendia que os capoeiristas deveriam ser norteados pela 
“ordem máxima, disciplina rígida, respeito absoluto e moral ilibada a 
ser mantida dentro e fora do Templo de CAPOEIRA” (1980, p. 19). Seu 
anteprojeto de regulamentação estabelecia os mínimos detalhes para a 
prática da capoeira, tal como “amarrar a fita correta e vigorosamente”, 
especificando o tipo de nó a ser dado. Reivindicou (como alguns outros 
mestres) haver criado os cordéis nas cores do Brasil e ter introduzido o 
“Salve” na capoeira – uma saudação com o braço levantado parecida com 
as saudações fascistas europeias – que se tornou obrigatória em muitas 
academias brasileiras na década de 1970. Mas o seu estilo, ainda celebrado 
na década de 1960 como a terceira via entre a Angola e a Regional, não 
vingou. Muitos grupos de capoeira se recusaram a aderir ao estilo disci-
plinado propagado por alguns militares e pelas federações de capoeira 
do CND, preferindo as estruturas mais descentralizadas dos grupos e 
estilos mais soltos e menos marciais (AREIAS, 1984, p. 79; REIS, 1997, 
p. 175-196). Diante disso, o fenomenal crescimento da capoeira, dentro 
e fora do Brasil, refletiu também a diversidade dos estilos existentes. 
Porém, a globalização da arte levantou uma série de novas questões. Em 
primeiro lugar, havia uma contradição entre a capoeira ser considerada a 
arte marcial brasileira, uma ginástica fundamental adaptada ao “caráter 
nacional”, e servir, ao mesmo tempo, como um produto para exportação, 
podendo ser praticada por todos, independente do seu “caráter nacio-
nal”. As fabulosas possibilidades da capoeira global acabaram por calar 
as vozes dissonantes. Entretanto, curiosamente, ao se internacionalizar, 
a capoeira levou com ela o discurso nacionalista. Muitos grupos, no 
exterior, fazem referência às origens escravas e africanas da arte, mas 
enfatizam bastante sua brasilidade, a ponto de negar que pode existir 
qualquer outra arte marcial parecida com a capoeira no “Atlântico ne-
gro”. Diversos textos de história da capoeira ressaltam a contribuição 
dos capoeiras em defesa da nação na ocasião do motim dos mercenários 
irlandeses no Rio de Janeiro, em 1828, ou na Guerra do Paraguai. O 
verde e o amarelo viraram cores obrigatórias dos uniformes e abadás, 
dos pôsteres de eventos e dos websites. O uso e o abuso da brasilidade 
também se relaciona com os esforços de autoafirmação em um mundo 
cada vez mais globalizado. No contexto da “americanização” da cultura 
mundial, a capoeira tornou-se para muitos brasileiros, ao lado do samba 
e do futebol, um instrumento para lutar contra o imperialismo cultural, 
que permite reafirmar sua identidade nacional e ressaltar a contribuição 
brasileira para a world culture. Por isso, sentem-se indignados ao serem 
confrontados com a narrativa afro-cêntrica, particularmente forte em 
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alguns meios nos Estados Unidos, que afirma o caráter essencialmente 
africano da capoeira.
Desse modo, a postura ou o estilo de capoeira verde-amarela é o resul-
tado de uma longa tradição. Tem suas raízes no surto nacionalista da 
Primeira República, e se desenvolveu ainda mais durante a mobilização 
nacionalista do Estado Novo, no período chamado populista e durante 
a Ditadura Militar. Essa longa tradição discursiva não deixa de exer-
cer um forte impacto ainda hoje, embora não se fale mais na destreza 
típica do mestiço, em sua predisposição “natural” para a arte, nem na 
“ginástica nacional”.
Abstract
The article examines on one of the ive meta-narratives of capoeira history, 
that is, discourses that appropriate the art for nationalist aims. Starting 
with the irst elaborations about the Brazilian character of capoeira in 
the nineteenth century, such as Mello Morais and Plácido Abreu, the text 
analyses various reconstructions until the writings by João Lyra Filho, sports 
minister during the military dictatorship, in the 1970s. The narratives, 
influenced by European racial theories, emphasize that the mestizo, 
considered weaker than “pure races”, is the most representative type of the 
nation and of capoeira. The majority of writers sought to redeem capoeira 
as national gymnastics by using methods of social hygiene or transforming 
the practice into a sport.
Keywords: capoeira; nation; nationalism; racial theories; gymnastics.
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