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TEORIA DA LITERATURA I – POEMAS (parte 2) 1. WILLIAM SHAKESPEARE, “Soneto CXVI” Impedimentos não admito para a união De corações fiéis; amor não é amor Quando se altera se percebe alteração Ou cede em ir-se, quando é infiel o outro amador. Oh! não, ele é um farol imóvel tempo em fora, Que olha as tempestades e nem sequer trepida; É a estrela para as naus, cujo poder se ignora, malgrado seja a sua altura conhecida. O amor não é joguete em mãos do tempo, embora Face e lábios de rosa a curva foice abata; Não muda em dias, não termina em uma hora, Porém até o final das horas se dilata. Se isso for erro e meu engano for provado, Jamais terei escrito e alguém terá amado. SHAKESPEARE, William. Sonetos. Trad. Péricles E. da Silva Ramos. São Paulo: Hedra, 2008. p. 115. 2. GREGÓRIO DE MATOS, “Soneto” Ofendi-vos, meu Deus, é bem verdade; É verdade, Senhor, que hei delinquido; Delinquido vos tenho, e ofendido, Ofendido vos tem minha maldade. Maldade encaminhada a uma vaidade; Vaidade, que todo me há vencido; Vencido quero ver-me, e arrependido; Arrependido em tanta enormidade. Arrependido estou de coração, De coração vos busco, dai-me abraços, Abraços, que me rendam vossa luz. Luz, que me clara me mostra a salvação A salvação pretendo em tais abraços, Misericórdia, amor, Jesus, Jesus! MATOS, Gregório de. Antologia. Porto Alegre: LP&M, 1999, p. 123. 3. HENRIQUE CASTRICIANO (1874-1947) “Monólogo de um bisturi” Primeiro, o coração. Rasguemo-lo. Suponho Que esta mulher amou: tudo está indicando Que morreu por alguém este ser miserando, Misto de Treva e Sol, de Maldade e de Sonho. Isso me não comove: adiante! Risonho Fere, nevado gume! e ferindo e cortando, Aço, mostra que tudo é lama e nada, quando Sobre os homens desaba o Destino medonho... Fere este braço grego! E as pomas cor de neve! E as linhas senhoris que a pena não descreve' E as delicadas mãos que o pó vai dissolver! Mas poupa o ventre nu, onde repousa um feto, Por que hás de macular o sono fundo e quieto Desse verme feliz que morreu sem nascer? In: Vibrações. Natal: Edição do Autor, 1903. p.55. 4. AUTA DE SOUZA, “Ao pé do túmulo” [Horto, 1900] Eis o descanso eterno, o doce abrigo Das almas tristes e despedaçadas; Eis o repouso, enfim; e o sono amigo Já vem cerrar-me as pálpebras cansadas. Amarguras da terra! eu me desligo Para sempre de vós… Almas amadas Que soluças por mim, eu vos bendigo, Ó almas de minh’alma abençoadas. Quando eu d’aqui me for, anjos da guarda, Quando vier a morte que não tarda Roubar-me a vida para nunca mais… Em pranto escrevam sobre a minha lousa: “Longe da mágoa, enfim, no céu repousa Quem sofreu muito e quem amou demais” In: Horto. Natal: EDUFRN, 2009. p.207. 5. Bocage, “És dos Céus o composto mais brilhante” Marília, nos teus olhos buliçosos Os Amores gentis seus fachos acendem; A teus lábios, voando, os ares fendem Terníssimos desejos sequiosos. Teus cabelos subtis e luminosos Mil vistas cegam, mil vontades prendem; E em arte aos de Minerva se não rendem Teus alvos, curtos dedos melindrosos. Reside em teus costumes a candura, Mora a firmeza no teu peito amante, A razão com teus risos se mistura. És dos Céus o composto mais brilhante; Deram-se as mãos Virtude e Formosura, Para criar tua alma e teu semblante. BOCAGE, Manuel Maria du. Poesias. Rio de Janeiro: Agir, 1979. p. 81. ANOTAÇÕES: ______________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ 6. LUÍS GAMA, “Soneto” Tantos triunfos te contando os dias, Iam-te os dias descontando e os anos, Quando bramavas, quando combatias Contra os bárbaros, contra os desumanos; Quando a alma brava e procelosa abrias Invergável ao pulso dos tiranos, E ígnea, como os desertos africanos Dilacerados pelas ventanias... Contra o inimigo atroz rompeste em guerra, Grilhões a rebentar por toda a parte, Por toda a parte a escancarar masmorras. Morreste!... Embalde, Escravidão! Por terra Rolou... Morreu por não poder matar-te! Também não tarda muito que tu morras! GAMA, Luís. Soneto. In: ABDALA JÚNIOT, Benjamin (org.). Poesia brasileira: Realismo e Parnasianismo. São Paulo: Ática, 2002. p. 36-37. 7. JORGE DE LIMA, “MULHER PROLETÁRIA”(1932) Mulher proletária — única fábrica que o operário tem, (fabrica filhos) tu na tua superprodução de máquina humana forneces anjos para o Senhor Jesus, forneces braços para o senhor burguês. Mulher proletária, o operário, teu proprietário há de ver, há de ver: a tua produção, a tua superprodução, ao contrário das máquinas burguesas salvar teu proprietário. In: GALVÃO, Walnice Nogueira (org.). Modernismo: roteiro da poesia brasileira. São Paulo: Global, 2008. p. 38. 8. OSWALD DE ANDRADE, “Fotógrafo ambulante” (1927) Fixador de corações Debaixo de blusas Álbum de dedicatórias Marquereau Tua objetiva pisca-pisca Namora Os sorrisos contidos És a glória Oferenda de poesias às dúzias Tripeça dos logradouros públicos Bicho debaixo da árvore Canhão silencioso do sol ANDRADE, Oswald de. Cadernos de poesia. São Paulo: Círculo do Livro, 1981. p. 118. 9. CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, “Sociedade” (1930) O homem disse para o amigo: — Breve irei a tua casa e levarei minha mulher. O amigo enfeitou a casa e quando o homem chegou com a mulher, soltou uma dúzia de foguetes. O homem comeu e bebeu. A mulher bebeu e cantou. Os dois dançaram. O amigo estava muito satisfeito. Quando foi hora de sair, o amigo disse para o homem: — Breve irei a tua casa. E apertou a mão dos dois. No caminho o homem resmunga: — Ora essa, era o que faltava. E a mulher ajunta: — Que idiota. — A casa é um ninho de pulgas. — Reparaste o bife queimado? O piano ruim e a comida pouca. E todas as quintas-feiras eles voltam à casa do amigo que ainda não pôde retribuir a visita. ANDRADE, Carlos Drummond de. Alguma poesia. In: ______. Nova reunião: 23 livros de poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 34. 10. CECÍLIA MEIRELES, “Motivo” (1939) Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste: sou poeta. Irmão das coisas fugidias, não sinto gozo nem tormento. Atravesso noites e dias no vento. Se desmorono ou se edifico, se permaneço ou me desfaço, — não sei, não sei. Não sei se fico ou passo. Sei que canto. E a canção é tudo. Tem sangue eterno a asa ritmada. E um dia sei que estarei mudo: — mais nada. MEIRELES, Cecília. Viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. p. 13.
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