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Professor Esp. Romário Rocha Rodrigues DIREITOS HUMANOS REITOR Prof. Ms. Gilmar de Oliveira DIRETOR DE ENSINO PRESENCIAL Prof. Ms. Daniel de Lima DIRETORA DE ENSINO EAD Prof. Dra. Giani Andrea Linde Colauto DIRETOR FINANCEIRO EAD Prof. Eduardo Luiz Campano Santini DIRETOR ADMINISTRATIVO Guilherme Esquivel SECRETÁRIO ACADÊMICO Tiago Pereira da Silva COORDENAÇÃO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO Prof. Dr. Hudson Sérgio de Souza COORDENAÇÃO ADJUNTA DE ENSINO Prof. Dra. Nelma Sgarbosa Roman de Araújo COORDENAÇÃO ADJUNTA DE PESQUISA Prof. Ms. Luciana Moraes COORDENAÇÃO ADJUNTA DE EXTENSÃO Prof. Ms. Jeferson de Souza Sá COORDENAÇÃO DO NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Prof. Me. Jorge Luiz Garcia Van Dal COORDENAÇÃO DOS CURSOS - ÁREAS DE GESTÃO E CIÊNCIAS SOCIAIS Prof. Dra. Ariane Maria Machado de Oliveira COORDENAÇÃO DOS CURSOS - ÁREAS DE T.I E ENGENHARIAS Prof. Me. Arthur Rosinski do Nascimento COORDENAÇÃO DOS CURSOS - ÁREAS DE SAÚDE E LICENCIATURAS Prof. Dra. Katiúscia Kelli Montanari Coelho COORDENAÇÃO DO DEPTO. DE PRODUÇÃO DE MATERIAIS Luiz Fernando Freitas REVISÃO ORTOGRÁFICA E NORMATIVA Beatriz Longen Rohling Carolayne Beatriz da Silva Cavalcante Caroline da Silva Marques Eduardo Alves de Oliveira Jéssica Eugênio Azevedo Marcelino Fernando Rodrigues Santos PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO Hugo Batalhoti Morangueira Vitor Amaral Poltronieri ESTÚDIO, PRODUÇÃO E EDIÇÃO André Oliveira Vaz DE VÍDEO Carlos Firmino de Oliveira Carlos Henrique Moraes dos Anjos Kauê Berto Pedro Vinícius de Lima Machado Thassiane da Silva Jacinto FICHA CATALOGRÁFICA Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP R696d Rodrigues, Romário Rocha Direitos humanos / Romário Rocha Rodrigues. Paranavaí: EduFatecie, 2023. 98 p. : il. Color. 1. Direitos humanos. I. Centro Universitário UniFatecie. II. Núcleo de Educação a Distância. III. Título. CDD: 23. ed. 341.1219 Catalogação na publicação: Zineide Pereira dos Santos – CRB 9/1577 As imagens utilizadas neste material didático são oriundas dos bancos de imagens Shutterstock . 2023 by Editora Edufatecie. Copyright do Texto C 2023. Os autores. Copyright C Edição 2023 Editora Edufatecie. O conteúdo dos artigos e seus dados em sua forma, correção e confiabilidade são de responsabilidade exclusiva dos autores e não representam necessariamente a posição oficial da Editora Edufatecie. Permitido o download da obra e o compartilhamento desde que sejam atribuídos créditos aos autores, mas sem a possibilidade de alterá-la de nenhuma forma ou utilizá-la para fins comerciais. https://www.shutterstock.com/pt/ 3 Professor Esp. Romário Rocha Rodrigues • Técnico em Administração pelo Colégio Estadual de Paranavaí (2014); • Bacharel em Direito pela Universidade Paranaense - UNIPAR (2019); • Especialista em Ciência de Dados - Uniasselvi (2021); • Pós-graduando em Educação a distância 4.0 (FAEL) (2022); • MBA em Finanças e Políticas Fiscal - Uniasselvi (2022); • MBA em Gestão Pública - Uniasselvi (2022); • Tutor Professor na instituição UniFatecie. CURRÍCULO LATTES: https://lattes.cnpq.br/8891129446641339 AUTOR https://lattes.cnpq.br/8891129446641339 4 Seja muito bem-vindo (a)! Prezado (a) aluno (a), é um imenso prazer tê-lo comigo para tratarmos sobre os Direitos Humanos. Juntos, caminharemos para um entendimento acerca dos conceitos básicos dos direitos humanos, e como eles se manifestam em nossa sociedade. Esse ma- terial irá abordar conceitos e definições para que possamos compreender como os direitos inerentes ao homem são reconhecidos, e a razão de ser tão importante na seara jurídica. Na unidade I, abordaremos os pressupostos dos direitos humanos, como sua definição é tratada no ordenamento jurídico internacional, assim como em nosso Estado. Ainda, iremos compreender como os eventos históricos e a teoria do poder influenciaram na busca por reconhecimento desses direitos e limitação ao poder arbitrário do Estado. Já na unidade II, iremos aprofundar nossos estudos nos fundamentos dos direitos humanos, sendo que partiremos dos fundamentos jusfilosóficos dos direitos humanos, ana- lisando o posicionamento das escolas que influenciam no entendimento desses direitos. Entenderemos a razão do fracasso da escola juspositivista em relação à sua tese radical de separação entre o direito e a moral, e como esse posicionamento se contrapõe ao entendimento jusnaturalista. Na unidade III, nos debruçamos na análise dos sistemas internacional e regional de proteção dos direitos humanos. Veremos a importância do sistema global para a promoção do respeito aos direitos humanos, bem como a sua proteção. Ao longo da unidade IV, estudaremos alguns tópicos especiais para que você pos- sa entender a aplicação dos direitos humanos em alguns contextos. A ideia é que ao final da unidade você saiba identificar violações existentes a partir de conceitos definidos pela comunidade acadêmica. Esperamos que este material contribua para seu crescimento profissional. Bons estudos! APRESENTAÇÃO DO MATERIAL SUMÁRIO UNIDADE 1 Pressupostos Históricos: da Dialética do Poder às Reivindicações por Direitos Humanos UNIDADE 2 Fundamentos dos Direitos Humanos UNIDADE 3 Formulações Positivas dos Direitos Humanos UNIDADE 4 Tópicos Especiais de Direitos Humanos 5 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Plano de Estudos • Pressupostos primeiros acerca dos direitos humanos; • O poder como pressuposto à teoria dos direitos humanos; • Das reivindicações por direitos humanos; • Características e as dimensões dos direitos humanos. Objetivos da Aprendizagem • Contextualizar a história dos direitos humanos; • Compreender a relação entre a teoria do poder e teoria dos direitos humanos; • Estabelecer a importância de um sistema protetivo de direitos humanos; • Apresentar as características e como se compõem as dimensões dos direitos humanos. 1UNIDADEUNIDADEPRESSUPOSTOS PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOSDIREITOS HUMANOS Professor Esp. Romário Rocha Rodrigues INTRODUÇÃO Olá, tudo bem? Seja bem-vindo (a) a nossa Primeira Unidade da disciplina de Direitos Humanos. Assim como eu, acredito que você deva estar entusiasmado para iniciar nossa trilha de aprendizagem. Quando se fala em direitos humanos, comumente o senso comum irá defini-lo como o direito dos manos, relacionando as acepções que absorve através dos meios de comunicação e massa que, de forma sensacionalista, atribuem uma roupagem negativa a esses direitos. Iremos entender nesta unidade que os direitos humanos abrangem um conjunto de direitos fundamentais inalienáveisno qual goza um indivíduo desde o seu nascimento, sim- plesmente pelo fato de ser uma pessoa humana. Ainda, entenderemos que esse conjunto de direitos passou por um longo processo até serem reconhecidos internacionalmente. No primeiro tópico, abordaremos os pressupostos dos direitos humanos e o que os definem na ordem internacional e internamente em nosso ordenamento jurídico. Abordare- mos, ainda, alguns eventos históricos que ensejaram na busca por reconhecimento desses direitos, de forma que possamos compreender a relação desses eventos junto à teoria do poder, e como os direitos humanos limitam o poder do Estado contra imposições arbitrárias que cerceiam o direito de liberdade, conforme veremos no segundo tópico. No terceiro tópico, após entendermos como o poder se manifesta no Estado, e como seu abuso constitui uma ofensa aos direitos humanos, haja vista que o ataque sistemático ao poder legitimamente investido, afronta aos direitos civis e à liberdade individual. Abordaremos eventos específicos que culminaram na criação de tratados internacionais e organismos cuja função é assegurar a estabilidade do poder e manter o diálogo entre as nações. No quarto e último tópico, analisaremos essas características dos direitos huma- nos, de forma que se possa correlacionar com a ideia de dimensões, sendo que a partir da leitura atenta das outras unidades, poderemos compreender a relação da historicidade dentro desta perspectiva. Será um prazer tê-lo comigo! Bons estudos! UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS 7 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Como se sabe, o homem é detentor de direitos inalienáveis que devem a todo momento ser respeitados pelo ordenamento jurídico e pelos representantes do povo. Ao longo da história, houve movimentos sociais importantes que culminou no reconhecimento desses direitos, de modo a preservar a dignidade humana. Vários tratados, como o Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e o Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), abarcam uma gama de direitos que foram reconhecidos internacionalmente, sendo posteriormente incorporados à base das Constituições democráticas de vários países com vista à garantia da liberdade, igualdade e fraternidade entre os povos. Diante desta perspectiva, percebe-se que em âmbito internacional os direitos humanos são constantemente debatidos em virtude da importância desse movimento de reconhecimento de direitos básicos que pode ser estudado sob várias óticas e aspectos. Oliveira (2016, s.p) expõe que não existe uma definição do que são direitos humanos, em virtude da fluidez e ambiguidade terminológica, que abrange aspectos filosóficos, históricos, sociais, culturais, políticos e até mesmo linguísticos. Neste norte, Silveira & Rocasolano (2010, p. 203) aduzem que: É tradição dogmática e doutrinária dedicar as páginas iniciais dos tratados e estudos ao exame terminológico da expressão “direitos humanos”, seja para justificar uma tautologia, seja para tentar definir com coerência a base concei- tual, seja ainda por mero exercício acadêmico. Na verdade, a ciência jurídica desconfia da validade de um termo universalmente conhecido e que integra a linguagem cotidiana. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 PRESSUPOSTOS PRIMEIROS ACERCA DOS DIREITOS HUMANOSTÓPICO UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS 8 Destaque-se que o objetivo dessa unidade é eminentemente didático, com foco no processo histórico dos direitos humanos e nas principais definições jurídicas. Em virtude das infindáveis discussões e da complexidade acerca de uma definição exata sobre o que são direitos humanos, não adentraremos nesta seara. Entretanto, para analisarmos os aspectos jurídicos, partiremos de uma definição abrangente que parte da premissa de que os direitos humanos devem ser entendidos como direitos fundamentais inalienáveis no qual goza um indivíduo, desde o seu nascimento, simplesmente pelo fato de ser uma pessoa humana. Tais direitos abarcam os direitos civis, políticos, econômicos, culturais e sociais que se estendem a todos independentemente de posição social, sexo, religião, raça, idade e quaisquer outras discriminantes que caracteri- zam o indivíduo. Analisando a definição acima, percebe-se o uso da terminologia “direitos funda- mentais” ao invés de direitos humanos. Deve-se entender que direitos fundamentais é uma forma positivada na ordem constitucional do Estado, com o propósito de proteger as pessoas sujeitas à sua jurisdição, isto é, quando tais normas provêm de um sistema regional de proteção, como é o caso dos sistemas interamericanos, nos referimos aos direitos fundamentais. Contudo, quando um direito abarca a proteção internacional, oriunda de um sistema global, como é o caso da Organização das Nações Unidas, empregar-se-á a terminologia, direitos humanos (SILVEI- RA; ROCASOLANO, 2010, p. 203; MAZZUOLI, 2022, s.p). QUADRO 1. DIFERENÇA ENTRE DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS Fonte: autor (2023). 9UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS Diante dessas afirmações, é possível delinear os direitos humanos como um conjunto de direitos indispensáveis à proteção da dignidade da pessoa humana, resguardado pela ordem internacional, de forma a assegurar as condições necessárias de sobrevivência e emancipação da pessoa humana, e protegê-lo de violações e arbitrariedades que o Estado possa praticar à sua jurisdição (RAMOS, 2022, s.p; MAZZUOLI, 2022, s.p; OLIVEIRA, 2016, s.p). São direitos indispensáveis a uma vida digna e que, por isso, estabelecem um nível protetivo (standard) mínimo que todos os Estados devem respeitar, sob pena de responsabilidade internacional. Assim, os direitos humanos são direitos que garantem às pessoas sujeitas à jurisdição de um dado Estado meios de vindicação de seus direitos, para além do plano interno, nas instân- cias internacionais de proteção (MAZZUOLI, 2022, s.p). Os direitos humanos, portanto, são reivindicações que não dependem de garantias de terceiros. Logo, significa aceitar que todos temos direito de reivindicá-los, não importa o que digam ou façam, porque pertencemos a uma grande família humana. Neste norte, Ramos (2022, s.p) destaca que não existe um rol que determine um “conjunto mínimo de direitos essenciais a uma vida digna”. Em outras palavras, não é possível categorizar o que vem a ser uma necessidade humana, haja vista que variam de acordo com o contexto e as demandas sociais que são adjudicadas, com a finalidade de inserir ao rol de direitos humanos. Os direitos humanos além de estar enraizados na evolução da sociedade, também está fortemente vinculado à luta da pessoa humana contra arbitrariedades, injustiças, explorações e negligências. Diante desta perspectiva, deve-se salientar que não se deve considerar os direitos humanos como quaisquer direitos atribuídos à humanidade, pois, caso contrário seria reconhecido em outros momentos da história das civilizações. Tradicionalmente, era conhecido como direitos naturais ou de direitos do homem. O fato é que, em quase todas as civilizações, esses direitos tiveram lugar, em que pese não fos- sem diretamente mencionados na época. Dentre essas civilizações,destaque-se “o Código de Hamurabi (Babilônia, século XVIII, a.C.), o pensamento de Amenófis IV (Egito, século XIV a.C.), a filosofia de Mêncio (China, século IV a.C.), a República de Platão (Grécia, século IV a.C.)”, dentre outras culturas e civilizações (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010, p. 96). Registra-se que o humanismo renascentista, no início do período moderno, também teve sua parcela de contribuição através da Magna Carta (1215), da filosofia liberalista e a difusão de ideias pelos intelectuais europeus no século XVIII. Percebe-se, portanto, que o reconhecimento pelos direitos humanos ocorreu de forma gradativa, pois dependia fortemente da transformação intelectual e moral do homem. Devemos reconhecer que o padrão de pensamento somente foi se alterando quando as civilizações entenderam que o poder não deve ser ilimitado. Dessarte, o processo de re- conhecimento por direitos humanos, não é apenas sobre a legitimidade do direito inerente ao homem, mas sobre limitar os excessos e as arbitrariedades nos termos do pacto social estabelecido pelos cidadãos. 10UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Analisando o primeiro tópico, percebe-se a complexidade e, ao mesmo tempo, a importância dos direitos humanos à medida que se concretizam na esfera de seus benefi- ciários através dos vários tratados internacionais, normas constitucionais, contribuições de intelectuais, das decisões dos tribunais (jurisprudências), etc. É a partir deste conjunto que foram se contornando o significado, funções e garantias dos direitos humanos. Repise-se que no transcurso percorrido nesta direção, houve injustiças sofridas por indivíduos, grupos e povos que se colocaram contra o poder estabelecido para que houvesse o reconhecimento da dignidade humana como um direito subjetivo de qualquer pessoa em qualquer nação, e até dos apátridas. Neste sentido, Silveira & Rocasolano (2010, p. 22) aduzem que o processo dos direitos humanos abarca uma: [...] história de confrontação e de luta incessante pelos valores da humanida- de, em que o poder imposto aos homens e sua organização em comunida- des, povos e Estados, foi se perdendo nas batalhas sob a ordem da liberda- de, igualdade e solidariedade dos seres humanos, que se rebelaram guiadas pelas luzes da razão e dos valores e sentimentos compartilhados. Refletindo acerca da transcrição acima, podemos nos indagar qual seria a relação entre o poder e os direitos humanos. Demirovic (2008, p. 6) explica que o sujeito humano está envolvido em relações de produção, relações de sentido e, ao mesmo tempo, em complexas relações de poder. O poder, portanto, não é apenas um problema teórico, mas parte de nossa experiência, haja vista que pode ser encontrado em todas as formas no cotidiano. UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 O PODER COMO PRESSUPOSTO À TEORIA DOS DIREITOS HUMANOSTÓPICO 11 De forma que possamos entender essas nuances, devemos primeiramente distin- guir a autoridade do poder propriamente dito. Afinal, aquele que detém o poder necessaria- mente possui autoridade? A resposta é não! Quando o senso comum se refere à autoridade, existe uma predisposição de se de- finir o termo como alguém investido de poder para agir em determinada situação. Entretanto, se trata de um pensamento equivocado, pois a autoridade não é uma pessoa, mas uma característica de uma pessoa que está atrelada à moralidade, a intelectualidade ou a política. Tendo em vista este primeiro aspecto, percebe-se que o sujeito que detém o poder propriamente dito, pode não possuir nenhuma autoridade, ao passo que o indivíduo que detém autoridade pode não ser investido de nenhum poder formal, porque sua autoridade não se impõe pelo uso indiscriminado da força, mas por alguma característica que faz com que um determinado grupo o reconheça como tal. A auctoritas, palavra de origem romana, era entendida não como uma condição de exigir obediência, mas de reconhecer a capacidade ou as qualidades intrínsecas do indivíduo. Apesar de na Roma antiga o poder emanar do povo, o Senado era considerado o espaço da autoridade, pois tinha como pressuposto o respeito. Logo, só existia autoridade na sede do Senado (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010, p. 23). Deste modo, aquele que se sujeita à autoridade, o faz de forma voluntária, em virtu- de do bem advindo deste comportamento, permitindo que se implemente valores estimados pela sociedade, e não de forma coercitiva. Quando se há o exercício da força, caracterizada pela imposição externa, estamos falando de poder propriamente dito. Um exemplo palpável, é o poder exercido pelos tribunais, cujas decisões possuem força de ordem pública, no qual encontraremos o elemento potesta- tivo. Registre-se que a decisão assumirá forma jurídica a partir do momento em que o poder é conferido e delimitado pelo direito, de modo que seu exercício não se torne arbitrário. Com efeito, teremos um poder legítimo quando ocorrer a união entre o poder e a autoridade, pois, ainda que o exercício do poder seja conferido, tal ato está imbuído de formalidade legal apenas, mas não garante a legitimidade deste direito. A ligação entre ambos, garante tanto o reconhecimento formal atrelado à lei, e legitimidade por influência e prestígio (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010, p. 26). Do exposto pode-se concluir que a autoridade é relativa, pois em última aná- lise todos a possuem e a exercem em algum grau, enquanto a potestade é exclusiva de quem goza de um reconhecimento formal que muitas vezes é pressuposto para seu efetivo exercício. Em outras palavras, pode-se dizer que potestade é a capacidade de fazer, enquanto autoridade é o reconheci- mento para se fazer. Assim é que um senador, na política romana, não era um 12UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS magistrado; trabalhava somente no âmbito de sua influência pessoal, com autoridade, mas sem potestade (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010, p. 26). Diante dessa perspectiva, conclui-se que o exercício do poder pressupõe limites instituídos pelo aparato legal, o que não requer necessariamente reconhecimento, enquan- to que a autoridade está intimamente determinada pela legitimidade. Com efeito, quando um agente público tomar determinada ação que contrarie a legalidade, este abusa de seu poder tão somente. Isto porque somente podem ser consi- derados agentes de autoridade quando são capazes de demonstrar legitimamente que as ações de outrem está ou não correta, considerando seu padrão de conduta, servindo de referência para os demais. (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010, p. 26-27). Dentro do contexto social, o poder se manifesta na capacidade de influir e/ou de- terminar a conduta do coletivo, de modo a coordenar e transformar as relações sociais, extirpando até mesmo as resistências. Deste modo, infere-se que o poder abrange duas perspectivas: a primeira se trata de uma capacidade concebida como uma instituição, no qual para ser legítimo há de se ter o consentimento sobre aqueles no qual é exercido; e o poder como uma idiossincrasia das relações sociais. De uma perspectiva política, o poder se caracteriza como “uma força a serviçode uma ideia, destinada a dirigir a comunidade a uma ordem social benéfica mediante a imposi- ção de um comportamento determinado”. Deste modo, o elemento força (coercitiva e coativa) torna-se sustentáculo para a consecução do poder. Por esta razão o direito acaba por regular e garantir os direitos humanos, respectivamente (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010, p. 32). Diante dessa amplitude conceitual, Silveira & Rocasolano (2010, p. 32) hierarqui- zam as acepções terminológicas, classificando o poder em: a) poder natural: “em referência a um viés físico, onde poder equivale às forças da natureza”; b) poder social: se caracteriza pela imposição sobre as relações no cotidiano e a sociedade. Assim, o poder social pode ser classificado quanto aos seus efeitos do seguinte modo: QUADRO 2: CLASSIFICAÇÃO DE RELAÇÕES DE PODERES Quanto aos efeitos: a. Poder de influência; b. Poder de determinação das ações de terceiros. Quanto a sua natureza e estrutura: a. Poder nas relações de conflito ou oposição: abrange (1) poder dominante e (2) poder dominado; b. Poder nas relações de coordenação ou não oposição: (1) poder como enquanto capacidade dos sujeitos de se autodeterminarem e (2) poder de autolibertação. 13UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS Quanto à extensão do poder de dominação: a. Poder como coação; b. Poder como dissuasão; c. Poder como persuasão. Quanto aos efeitos do poder de dominação: a. Poder como legitimação da submissão; b. Poder como própria submissão. Quanto ao âmbito em que o poder é exercido: a. Poder econômico; b. Poder ideológico; c. Poder político; d. Poder jurídico; e. Poder da mídia; f. Poder religioso; g. Poder científico. Quanto à sua instrumentalidade: a. Exercício da liberdade e dos direitos fundamentais; b. instrumento de libertação para salvaguardar direitos humanos e legitimação da submissão. Fonte: organizado pelo autor (2023). A partir de estudos de Marx e Weber, houve uma ampliação teórica onde se ex- pandiu a visão social do que é o poder. Essas tradições partem da premissa de que a estratificação social surgiu a partir da distribuição geral do poder na sociedade, e que a estrutura das sociedades no que tange os seus aspectos, coletivo e distributivo, formam o meio no qual se alcançam os objetivos da sociedade. No que concerne Weber, este aduz que a relação social parte de um status de dominação (emprego da violência), sendo este o poder um instrumento para tanto. Esse pensamento guarda uma relação com o que era empregado na Grécia Antiga, em que a governança era exercida por grupos de homens livres, e não pela totalidade do povo. Se analisar a origem das civilizações, assim como o seu desenvolvimento, a violência está presente em diferentes expressões. Os regimes ditatoriais se proliferaram alternadamen- te na história da humanidade, sendo impossível a estabilização do poder e da dominação. Por óbvio, esse uso indiscriminado da força gerou insegurança e instabilidade política. Como destaca González (2021, p. 2), o autoritarismo e o próprio totalitarismo tendem a impulsionar uma dependência de Estados, governos e padrões políticos, em que há uma subjugação em que prevalece a vontade do mais forte, forçando os demais a renunciarem sua liberdade individual e suprimirem sua posição política para exercerem um poder rígido. 14UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS A administração da morte só traz benefícios àqueles que impõem o poder por meio do mal, da crueldade, do terror e do medo constante. Em condi- ções ditatoriais, em situações de tirania, em estados de guerra e em regimes criminosos, consegue-se governar e exercer o poder por meio de relações violentas, guerra e opressão direta (GONZÁLEZ, 2021, p. 5-6). Para Hannah Arendt o poder não é uma propriedade individual, pois pertence a um grupo que investe alguém para representá-lo, atuando em seu nome. Em sua concepção, a partir do emprego da violência, o poder deixa de existir, haja vista a aniquilação de elemen- tos que caracterizam a atuação dos homens em seu grupo, de estar em liberdade. Hannah Arendt analisa esse fenômeno a partir da capacidade humana de agir para traçar interesses e objetivos comuns, isto é, agir coletivamente. Logo, a ideia de expandir o poder através do compartilhamento, está enraizada na premissa de que seu exercício não pode estar circunscrito às ações de um único indivíduo, mas é algo que pode ser experimentado entre sujeitos que se comunicam e agem para a promoção da proteção de seu grupo (HOIBRAATEN, 2001, p. 15). Contudo, Weber não se limita a apontar a coação como meio para o exercício do poder, pois, ele busca através das relações sociais e os valores, um liame que explique a razão de os governados aceitarem a submissão pela coação e imposição do governante. De forma a encontrar uma resposta para sua premissa, ele distingue a dominação legítima em tradicional, carismática e legal. Deve-se ponderar que assim como o poder e autoridade estão interligados, o poder e a violência concorrem entre si em determinadas situações, pois, são elementos imanen- tes à fusão de grupos e, portanto, marca e determina a substância de todos os grupos organizados (EDER, 2007, p. 1). Contrapondo esta visão, Demirovic (2008, p. 29) afirma que o poder não é uma substância ou “um algo que é disso e de onde viria aquilo”, mas um conjunto de mecanis- mos e procedimentos, cuja função é a garantia do poder. Logo, a violência em si não é o primeiro elemento do poder. O poder é um conjunto de ações voltadas para a ação possível, e atuantes em um campo de possibilidades para o comportamento dos sujeitos atuan- tes. Ele oferece incentivos, seduz, facilita ou complica, amplia ou restringe as possibilidades de ação, aumenta ou diminui a probabilidade de ação e, em casos extremos, força ou impede a ação, mas sempre visa sujeitos atuantes na medida em que como agem ou podem agir (DEMIROVIC, 2008, p. 31). Com efeito, percebe-se que o poder está inserido em um espaço estratégico de exercício e disputa constante, que em uma visão foucaultiana torna-se impossível não ha- ver resistência, pois a sua característica principal se refere e abrange as relações sociais. Entretanto, deve-se considerar que em um contexto juridicamente organizado, a violência 15UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS é rechaçada e gerida pelo ordenamento jurídico. Os conflitos existentes entre indivíduos, comunidades e/ou grupos organizados, são resolvidos na esfera judiciária. Conforme destaca González (2021, p. 7-8), evitar ao máximo os conflitos armados tornou-se tarefa primordial no mundo pós-guerra que marcou o século XX. A violência tende a regressar de forma voraz com a degradação e o enfraquecimento da rede de proteção de direitos humanos, ataque sistemático aos direitos civis à liberdade, assim como à República e ao sistema democrático de um país. Com efeito, é dever de toda a sociedade internacional preservar a paz entre os povos, criando mecanismos de contenção da violência e preservação do poder, resolvendo suas contendas pela via pacífica. É neste cenário que os direitos humanos atuam, como um intermédio entre o poder e a política. Se o poder pressupõe a oportunidade de escolha de quais ações o homem deve tomar, logo este só pode ser aumentado juntamente com a liberdade individual (DE- MIROVIC, 2008, p. 32-33; GONZÁLEZ, 2021, p. 10-11). A partir desta perspectiva, depreende-se que o valor-fonte para o direito será sempre o ser humano. A partir do momento em que o homem se torna sujeito ativo da construção da sua história, dando significado à sua vida, e também é influenciado pelas decisões históricas, ele consegue tomar consciência de sua dignidade. Deste modo, é deste ponto que se marca e determina a relação entre o podere os Direitos Humanos. 16UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS De forma que possa aprofundar seus estudos, e compreender mais as nuances entre os direitos humanos e o poder trabalhado neste bloco, recomendo a leitura de algumas obras, dentre as quais cito: Origens do totalitarismo (1951) de Hannah Arendt, em que a autora se debruça sobre as origens e características po- líticas dos principais regimes totalitários do século XX. Você terá a oportunidade de visualizar a relação descrita nesta unidade, através da descrição de um recorte histórico que representou uma derradeira catástrofe na Alemanha. Fonte: ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. Tradução Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras. 1989. Três Tipos Puros de Poder Legítimo de Max Weber, ensaio publicado postumamente por Marianne Weber em 1922. Nele Weber define em sua visão o que é o poder, sendo que classifica em três tipos (legal, tradicional e carismático). Fonte: WEBER, Max. Três tipos puros de poder legítimo. Disponível em: http://www.lusosofia.net/textos/weber_3_tipos_poder_morao.pdf. Acesso em: 28 jan. 2023. http://www.lusosofia.net/textos/weber_3_tipos_poder_morao.pdf . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A partir da leitura dos blocos anteriores, vimos que os direitos humanos são a ex- pressão das reivindicações dos homens face à intolerância, negligência, arbitrariedade e egoísmo humano. O abuso do poder se manifesta como uma ofensa aos direitos humanos, haja vista que o ataque sistemático ao poder legitimamente investido, afronta aos direitos civis e à liberdade individual. Neste bloco abordaremos eventos específicos que culminaram na criação de trata- dos internacionais e organismos cuja função é assegurar a estabilidade do poder e manter o diálogo entre as nações. Inicialmente, cumpre esclarecer que a ideia de direitos humanos esteve no cerne das ideias das revoluções inglesa, norte-americana e francesa, respectivamente, abrindo caminho para a criação de Declarações de Direitos que afirmaram historicamente os direitos humanos (RAMOS, 2022, s.p). No caso da Magna Carta Inglesa (1215), percebe-se a presença de direitos que perduraram até o contemporâneo, como é o caso do direito à propriedade privada, livre de confiscos ou requisições arbitrárias, a previsão do devido processo legal e acesso à justiça. Outros eventos na Inglaterra como a criação do Petition of Rights (1628), Habeas Corpus Amendment Act (1679) e o Bill of Rights (1688-1689), limitaram o poder do Rei, implementou o devido processo legal, coibiu a prisão arbitrária e proclamou o sufrágio para o Parlamento (OLIVEIRA, 2016, s.p). Nos Estados Unidos, a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia (1776), codificou uma série de direitos civis fundamentais e liberdades civis. Trata-se da primeira de direitos da modernidade que proclamou a soberania popular, a separação e independência UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 DAS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOSTÓPICO 17 dos poderes, sufrágio universal, liberdade de imprensa e religião, assim como a proibição de prisões arbitrárias e aplicação da proporcionalidade da pena e multas (OLIVEIRA, 2016, s.p). Com o advento da Revolução Francesa (1789), a Declaração dos Direitos do Ho- mem e do Cidadão tornou-se um marco na história das declarações, tendo em vista que enunciou uma gama de direitos que influenciou os sistemas jurídicos presentes. Os ideais revolucionários influíram os intelectuais da época, sobretudo a filosofia de Thomas Paine, Stuart Mill e Hegel durante os séculos XVIII e XIX. Provavelmente foi neste período que o termo “direitos humanos” foi cunhado, entre os escritos de Paine - The Rights of Man – e William Lloyd Garrison - The Liberator. Ramos (2022, s.p), no que lhe concerne, aduz que em razão da miserabilidade na Europa do século XIX, as condições materiais de sobrevivência precisaram ser revistas, ainda que com a implantação dos Estados Constitucionais liberais em países que passaram pela pós-revolução. Conforme destaca Silveira & Rocasolano (2010, p. 150), foi neste período que direitos humanos anteriormente concretizados passaram por expansão, em decorrência de pressões e dos movimentos socialistas que ganhou apoio popular quanto a insatisfação do modo de produção capitalista. Diante desta perspectiva, direitos de igualdade ou econômi- cos, sociais e culturais, surgiram para atender aos anseios do coletivo. No século XX, importantes instrumentos foram criados, como a Constituição Me- xicana de 1917, que além de enunciar os direitos civis e políticos, também estabeleceu os direitos trabalhistas, educação pública, limitou o direito de propriedade, proibiu o monopólio econômico etc.; a Declaração de Direitos do Povo Trabalhador e Explorado da União So- viética (1918), no que lhe concerne, materializou o ideário socialista de Marx e Engels, cuja proposta foi uma nova leitura de sociedade e Estado; a Constituição Alemã de 1919 - Cons- tituição de Weimar – fortaleceu a concepção dos direitos sociais, assim como conciliou a herança liberal com as exigências sociais, econômicas e culturais (OLIVEIRA, 2016, s.p). Em 1919, surge a Liga das Nações cujos objetivos eram o desarmamento, a pre- venção de conflitos armados, a resolução de disputas entre países através da negociação e diplomacia, assim como a melhora do bem-estar da sociedade internacional. Diante de abusos de direitos humanos ocorridos durante as Guerras Mundiais, regimes totalitários instaurados, tentativas de exterminação de raças, e lançamento das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, forçaram os Estados, a criarem instrumentos de proteção e controle. Foi justamente este fato que culminou na criação da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1945. O objetivo da ONU é a promoção do diálogo, cooperação e paz entre as nações, assim como a disseminação do respeito pelos direitos humanos. Por ocasião da fundação da ONU, “os líderes mundiais acreditavam que para promover a paz era imprescindível pro- teger ao mesmo tempo, os direitos do homem” (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010, p. 152). 18UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS Após a criação da ONU, sua primeira diligência foi a proclamação da Declaração Uni- versal dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro de 1948, em Paris. Tal documento reafirma os princípios oriundos da Revolução Francesa (1789), qual seja fraternidade, igualdade e liberdade. A elaboração da Declaração é resultado das atrocidades e violações da Segunda Guerra Mundial. Neste fatídico episódio, percebeu-se a vulnerabilidade da vida humana em regimes discriminatórios, como se seguiu com o povo judeu, ciganos, etc. Em resposta, a sociedade internacional constituiu esse sistema no qual a matéria não se circunscreve ao âmbito reservado dos Estados, mas se aplica a todos os Estados (OLIVEIRA, 2016, s.p). Atualmente, o sistema não se limita a esta declaração, tendo em vista que diversos tra- tados multilaterais de direitos humanos compõe esse sistema global, como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; Declaração de Viena; Convenção Internacional sobre a Eliminaçãode Todas as Formas de Dis- criminação Racial; Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, dentre outros tratados e convenções que abrange esse sistema de proteção internacional. Contudo, insta salientar que outros instrumentos protetivos regionalizados concor- rem para proteção dos direitos humanos. Estes instrumentos se originam e são aplicados em determinados países, no qual se destaca a Convenção Europeia de Direitos Humanos (1950), a Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), e a Carta Africana dos Direi- tos Humanos e dos Povos (1980). 19UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS Acerca das revoluções, e como elas influenciaram o surgimento de novos direitos, recomendo a leitura do capítulo I e II da obra Direitos Humanos: breve história de uma grande utopia do autor Marco Mondaini, no qual ele realiza uma introdução à história dos direitos humanos e problematiza inúmeras questões atinen- tes aos direitos humanos no decorrer da humanidade. Fonte: MONDAINI, Marco. Direitos Humanos. Grupo Almedina (Portugal), 2020. E-book. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788562938368/. Acesso em: 28 jan. 2023. https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788562938368/ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Ao estudarmos a teoria dos direitos humanos, não se pode olvidar sobre suas ca- racterísticas. Os direitos humanos são históricos, universais, indivisíveis, interdependentes, inalienáveis, irrenunciáveis e imprescritíveis. Neste bloco, analisaremos essas característi- cas, de forma que se possa correlacionar com a ideia de dimensões dos direitos humanos. Primeiramente, deve-se notar que os direitos humanos são universais, tendo em vista que toda pessoa humana é um sujeito de direito que supera os limites geográficos e temporal, independentemente de sua origem étnica, cor, sexo, orientação sexual, opinião política, etc. Destarte, a universalidade abrange todo o processo histórico experimentado pelo homem nos últimos séculos (historicidade). Tal perspectiva está determinada em todo corpo da redação da Declaração Uni- versal dos Direitos Humanos, como, por exemplo, no preâmbulo da Declaração, in verbis: Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os mem- bros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o funda- mento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, [...] Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos fundamentais do ser humano, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla, [...]. (UNICEF). (grifo meu). A universalidade não tem o condão de deturpar ou ameaçar a diversidade da fa- mília humana, haja vista que não se está a falar em uniformidade, mas de reconhecimento UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 CARACTERÍSTICAS E AS DIMENSÕES DOS DIREITOS HUMANOSTÓPICO 20 da dignidade humana e do respeito a qual todos somos merecedores. Contudo, deve-se considerar que os direitos humanos são padrões mínimos aplicáveis, em que cada Estado possui liberdade para aplicá-los de forma específica e elevada. É importante considerar que, apesar de cada Estado ter liberdade para aplicar os direitos humanos, não se está aqui sustentando um relativismo, pois, a Declaração de Viena (1993) sustenta veementemente que os direitos humanos são universais, indivisíveis, interde- pendentes e interrelacionados, sendo que as particularidades devem ser consideradas, porém, sem obstaculizar a promoção e proteção dos direitos do homem (OLIVEIRA, 2016, s.p). Sobre ser indivisível, interdependente e interrelacionados, significa que os direitos estão interconectados, sendo que sua aplicação pressupõe uma visão integral, isto é, os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais não podem ser vistos isoladamente porque um direito depende de outros para seu gozo. Outra característica importante, é que os direitos humanos são inalienáveis, irre- nunciáveis e imprescritíveis. Em outras palavras, significa dizer que pelo fato de a pessoa humana nascer dotada de direitos inerentes a ela, isso torna os direitos humanos, impossível de ser transacionados a outrem, em razão de não possuir conteúdo econômico. Em circunstâncias particulares, alguns direitos podem ser suspensos, como, por exemplo, o cerceamento da liberdade em decorrência de decisão judicial criminal transitada em julgado. Outrossim, o sujeito de direito não pode abdicar, recusar ou rejeitar tais direitos, sendo nula qualquer manifestação neste sentido. Ainda, não há que se falar em prescrição, uma vez que o sujeito pode exigir seus direitos a qualquer tempo. Diante desta perspectiva, podemos entender a dimensão dos direitos humanos como um processo histórico e temático que marcou e determinou sujeitos que tiveram seus direitos violados, e que em momento anterior não eram destinatários de direitos. “Com efeito, procura explicar o surgimento sucessivo de uma série de direitos humanos em dife- rentes períodos da história”, conforme salienta Silveira & Rocasolano (2010, p. 142). Segundo Mazzuoli (2021, s.p), atribui-se à Karel Vasak a ideia de estudar os di- reitos humanos em planos ou dimensões, a partir do lema da Revolução Francesa, quer seja direitos de liberdade (primeira dimensão), igualdade (segunda dimensão) e os de fraternidade (terceira dimensão). Os direitos de primeira dimensão (direitos de defesa), abarca os direitos civis e políticos que se manifestaram durante as revoluções burguesas (século XVII e XVIII). Esses direitos delimitam o Poder Estatal, de forma que sua atuação se circunscreve em salvaguardar os direitos de liberdade individual do cidadão (direitos negativos). Podemos 21UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS encontrar esses direitos em dois importantes documentos: o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e na Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Os direitos de segunda dimensão (direitos de prestação), no que lhe concerne, abarcam os direitos sociais, econômicos e culturais. Esses direitos foram formulados du- rante o período das revoluções socialistas e nacionalistas durante o século XIX e o início do século XX. Eles se baseiam na perspectiva da igualdade, acesso a bens, serviços e oportunidades, haja que a não interferência do Estado já não era mais suficiente para se ter uma vida digna. Podemos encontrar tais direitos descritos no Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Cite-se que os direitos de terceira dimensão “a partir do término da Segunda Guerra Mundial e da criação da ONU, reunindo os chamados direitos de solidariedade”, traduzida em uma perspectiva difusa (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010, p. 143). Esses direitos abarcam direitos coletivos, como direito ao desenvolvimento sus- tentável, a um ecossistema saudável, à paz, dentre outros. Contudo, se analisarmos a questão da pobreza, guerra, desastres ambientais e naturais, percebe-se que houve um progresso limitado com relação aesta dimensão. O progresso e o desenvolvimento são indispensáveis para a evolução da sociedade, no entanto, há de se ter prudência no que tange ao processo desenfreado que muitas superpotências se aventuraram, em que levou a degradação de seu meio ambiente e escassez de alimentos, aumento dos bolsões de misérias e violência, etc. Podemos encontrar na Declaração das Nações Unidas sobre o Direito ao Desenvolvimento, uma perspectiva de que o desenvolvimento é um direito inalienável, pois pressupõe a participação e a autodeterminação de todos os povos. Hoje a doutrina jurídica se posiciona no sentido de existir uma quarta e quinta dimensão dos direitos humanos. A quarta dimensão resulta da globalização dos direitos fundamentais, no qual abarca direito à democracia, à informação e ao pluralismo. No que concerne à quinta dimensão, “fundada na concepção da paz no âmbito da normatividade jurídica” (MAZZUOLI, 2021, s.p). Parte da doutrina jurídica diverge quanto à criação de novas dimensões, por não haver consenso acerca da definição e a extensão dessas dimensões de direitos, além de que excessos de direitos fragilizam os que já foram reconhecidos. Contudo, estes argu- mentos se mostram rasos, haja vista não haver limites quanto a criação de novos direitos. Considerar a perspectiva de não reivindicar novos direitos é um verdadeiro contrassenso, pois se ignora a historicidade e os movimentos complexos que emergem das relações sociais (OLIVEIRA, 2016, s.p; RAMOS, 2022, s.p). 22UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta unidade, vimos que os direitos humanos são direitos no qual o indivíduo goza pelo simples fato de ser uma pessoa humana, e que este conjunto de direito passou se formou após um longo processo de lutas para o seu reconhecimento pelo Estado. Logo, estes direitos se constituem como uma defesa da pessoa humana. Ainda, vimos que os direitos humanos são inerentes à teoria do poder, tendo em vista que esses direitos têm como pressuposto limitar o poder estatal contra imposi- ções arbitrárias sobre a pessoa humana, e que esse abuso afronta diretamente direitos civis e individuais. Deste modo, os direitos humanos visam não somente colocar limites, mas também assegurar a estabilidade e o diálogo na comunidade internacional. Espero que tenha aproveitado ao máximo o conteúdo desta unidade. Entre- tanto, seus estudos não se esgotam aqui. Agora é o momento de aprofundar suas pesquisas, para enriquecer ainda mais sua bagagem acerca dos Direitos Humanos. Até a próxima unidade! UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS 23 LEITURA COMPLEMENTAR • Capítulo de livro: Direitos do Homem e Sociedade • Obra: A era dos direitos • Autor: Norberto Bobbio • Link: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5152286/mod_resource/con- tent/1/Fortemente%20Recomendado%20DH.%20Aula%202.pdf • Resumo: No capítulo, Direitos do Homem e Sociedade, Bobbio se debruça no processo de multiplicação de direitos, haja vista que melhor explica as relações entre direitos do homem e sociedade, sobre sua origem, conexão entre para- digmas sociais e nascimentos de novos direitos, sobre temas que promovem a reflexão sobre o direito como fenômeno social. A leitura deste capítulo é alta- mente recomendada para elucidar pontos trabalhados nesta unidade, acerca da historicidade dos direitos humanos. Fonte: BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho; apresentação de Celso Lafer. — Nova ed. — Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. — 7ª reimpressão. UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS 24 https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5152286/mod_resource/content/1/Fortemente Recomendado DH. Aula 2.pdf https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5152286/mod_resource/content/1/Fortemente Recomendado DH. Aula 2.pdf MATERIAL COMPLEMENTAR • Título: Inverno na Manhã • Autor: Janina Bauman. • Editora: Zahar. • Sinopse: a obra trata do relato pessoal de Janina Bauman que, durante a Segunda Guerra Mundial, sofreu persegui- ções por ser judia em um país controlado pelo regime nazis- ta. Neste livro Janina conta detalhadamente toda a violência que ela e sua família passaram na Polônia a partir da invasão em 1939. • Título: O Pianista • Ano: 2002. • Sinopse: o filme conta a história de Szpilman, um jovem pianista judeu que assiste sua vida mudar radicalmente com a invasão de Varsóvia durante a Segunda Guerra Mundial. Junto de sua família, Szpilman é forçado a morar no Gueto de Varsóvia, local onde os judeus foram segregados até serem levados aos campos de concentração. UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS 25 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Plano de Estudos • Fundamentos jusfilosóficos dos direitos humanos; • Teoria da dinamogenesis; • Fundamentos jurídico-positiva; • Fundamentos jurídico-política. Objetivos da Aprendizagem • Conceituar e contextualizar os fundamentos jusfilosóficos dos direitos humanos; • Compreender a teoria da dinamogenesis; • Entender os fundamentos jurídico-positiva e política dos direitos humanos. 2UNIDADEUNIDADEFUNDAMENTOS FUNDAMENTOS DOS DIREITOS DOS DIREITOS HUMANOSHUMANOSProfessor Esp. Romário Rocha Rodrigues INTRODUÇÃO Caro (a) aluno (a), seja bem-vindo (a) à nossa Segunda Unidade da disciplina de Direitos Humanos. Nesta unidade, analisaremos com mais profundidade os fundamentos dos direitos humanos. Para tanto, partiremos dos fundamentos jusfilosóficos dos direitos humanos, analisando o posicionamento das escolas que influenciam no entendimento desses direitos. Entenderemos o fracasso da escola juspositivista em relação à sua tese radical de separação entre o direito e a moral, e como esse posicionamento se contrapõe ao entendimento jusnaturalista. Nesse passo, estudaremos também a teoria da dinamogênese dos direitos huma- nos, que se concentra no estudo das dinâmicas e processos sociais que influenciam na mudança social e transformações de valores e instituições. Aplicada aos direitos humanos, analisaremos que esses direitos se manifestam como construtos sociais, culturais e po- líticos. Em outras palavras, a dinamogênese enfatiza a relação de poder na construção dos direitos humanos, assim como a dinâmica que modifica a interpretação e a aplicação desses direitos à medida que diferentes grupos disputam o alcance desses direitos. Por fim, abordaremos os fundamentos positivos e políticos dos direitos humanos, e como o princípio da dignidade da pessoa humana se coloca como o elemento principal que fundamenta essas questões. Será um prazer tê-lo comigo! Bons estudos! UNIDADE 2 FUNDAMENTOS DOS DIREITOS HUMANOS 27 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Estudamos no primeiro capítulo que os direitos humanos correspondem a um conjunto dedireitos que resguardam a dignidade da pessoa humana, com a finalidade de assegurar as condições mínimas necessárias de sobrevivência e emancipação, sendo que carregam a característica de historicidade e universalidade. Contudo, para que esses direitos possam produzir efeitos jurídicos na esfera do agente e, portanto, sejam exigíveis e eficazes, é necessário um conjunto de normas cogen- tes para a sua aplicabilidade. Para compreender a aplicação do conteúdo das normas de direitos humanos, é imprescindível considerar alguns pontos importantes. O primeiro ponto a ser destacado é que, como os movimentos sociais e revoluções contribuíram fortemente para o desenvolvimento da compreensão atual da teoria dos direitos humanos, a doutrina de direitos humanos se manifesta como um consenso sobre a dignida- de da pessoa humana, formando uma complexa teia de fundamentos teóricos e filosóficos. Com efeito, essa gama de marcos históricos contribuiu efetivamente para a expan- são teórica dos direitos humanos, no entanto, a diversidade cultural se tornou um obstáculo, haja vista a dificuldade em estabelecer um fundamento filosófico diante da enorme reação contrária à ideia de universalidade dos direitos humanos. Apesar de haver uma corrente que sustenta que os tratados de direitos humanos são um sustentáculo para o legislador no mundo moderno, há uma forte oposição que con- testa veementemente qualquer argumento nesse sentido. Foi nesse jogo de argumentos que surgiu o relativismo cultural, que julga o multiculturalismo como propagador de ideais e princípios humanitários que contribuem para a promoção de padrões universais a partir da perspectiva de padrões locais e nacionais. UNIDADE 2 FUNDAMENTOS DOS DIREITOS HUMANOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 FUNDAMENTOS JUSFILOSÓFICOS DOS DIREITOS HUMANOSTÓPICO 28 É importante destacar que, em qualquer estudo teórico ou filosófico, para ganhar uma forma final, é necessário um conjunto argumentativo coerente, no qual é essencial considerar todas as contradições que o caso apresenta para se chegar a uma conclusão definitiva. A práxis acadêmica engendrou em sua tradição construtos teóricos que condu- zem o pesquisador em sua análise Contudo, poderíamos perguntar qual é a relação entre a filosofia e a doutrina dos direitos humanos? É que, se analisarmos os atributos que circundam os direitos humanos, percebe-se que existe um conjunto de ambiguidades, sendo o principal desafio dos teóricos justificar os argumentos morais que se sucedem, os quais são mais evidentes do que explicáveis. Ainda que determinados ativistas dos direitos humanos exortem mecanismos insti- tucionais e legislativos para desenvolver sua doutrina sem se entregar ao debate acerca de seus fundamentos filosóficos, há de se considerar que a matéria em si possui um conjunto conciso de pensamentos que fundamentam sua razão de ser e existir. No entanto, esses fundamentos convergem entre si, mas não coincidem. Por exemplo, se analisarmos a noção subjacente deliberada pelas tradições reli- giosas, percebe-se que elas tiveram grande impacto inicialmente na construção da ideia de direitos humanos, principalmente no que tange à filosofia política. A vida se constitui como um valor insuperável em determinadas escrituras, sem descurar dos deveres e obrigações dos indivíduos. Evidentemente, a concepção sob a égide religiosa se opõe às perspectivas contemporâneas, tendo em vista que no período clássico, sobretudo no medieval, prepon- derou o jusnaturalismo. O jusnaturalismo é uma tradição jurídico-filosófica ocidental, cuja tendência idealista pode ser verificada. Para os adeptos desta escola, a existência humana é controlada por um direito pré-determinado cujos componentes abrangem valores, princípios, obrigações e regras da natureza, que são concebidos a partir de uma entidade divina (RODRIGUES, 2007, p. 12). Conforme destaca Paulo Nader (2015, p. 372), o jusnaturalismo é “a corrente de pensamento que reúne todas as ideias que surgiram, no decorrer da história, em torno do Direito Natural, sob diferentes orientações”. Segundo o autor, o pensamento da corrente jusnaturalista não se apresentou de maneira uniforme, mas através de várias matizes que guardam um núcleo central, que é a convicção de que há uma ordem que expressa o Direito justo, e que se manifesta de forma superior ao Direito escrito. A ideologia jusnaturalista se apresenta a partir de três concepções no que tange ao Direito Natural, sendo elas: a) cosmológica, em que prevalecia uma concepção essen- cialista do Direito Natural, no qual a natureza é a fonte da ordem em que os elementos 29UNIDADE 2 FUNDAMENTOS DOS DIREITOS HUMANOS constitutivos se articulam de forma permanente, constante e imutável; b) teológica, em que o Direito Natural se apresenta em um contexto em que o modo de ser de cada coisa é criado por Deus, a partir do pensamento escolástico e medieval; c) antropológica, em que a natureza ocupa o lugar de Deus, no entanto, é o homem quem detém esse entendimento e o coloca em prática. A partir de determinados princípios, foi construído um sistema rígido de Direito Natural, cuja validade é universal e perpétua (RODRIGUES, 2007, p. 12-13). Neste norte, Norberto Bobbio (1909-2004), difere o direito natural e o positivo a partir dos seguintes critérios: QUADRO 01: DIFERENÇA ENTRE O DIREITO NATURAL E O DIREITO POSITIVO DIREITO NATURAL DIREITO POSITIVO » “é aquele que tem em toda parte a mesma eficácia”; » “é imutável no tempo”; » “prescreve ações cujo valor não » depende do juízo que sobre elas tenha o sujeito, mas existe » independentemente do fato de parecerem boas a alguns ou más a outros” – natura; » “conhecemos através de nossa razão”; » “o direito natural estabelece aquilo que é bom”. » “tem eficácia apenas nas comunidades políticas em que é posto”; » “o positivo muda”; » “estabelece ações que, antes de serem reguladas, podem ser cumpridas indiferentemente de um acordo ou de outro, mas uma vez regulada pela lei, importa [...] que sejam desempenhadas de modo prescritos pela lei” – potestas populos; » “é conhecido através de uma declara- ção de vontade alheia (promulgação)”; » “o direito positivo estabelece aquilo que é útil”. Fonte: adaptado de Bobbio (2006, p. 23) Segundo Portales (2019, p. 191), a terminologia Direito Natural se constitui como uma expressão polissêmica, equivocada e ambígua, pois apresenta uma multiplicidade de correntes doutrinárias, no entanto, o núcleo comum abrange a crença uma ordem universal, permanente e inviolável. Foi neste norte que se fixou a ideia de direitos inalienáveis, no entanto, o problema é especificar uma estrutura normativa que o sustente, pois, a teoria dos direitos naturais, de 30UNIDADE 2 FUNDAMENTOS DOS DIREITOS HUMANOS uma visão positivista, se apresenta como um conjunto de suposições que não permanece- ram constantes face à dinamicidade do mundo. O positivismo se opõe ao direito natural, tendo em vista que carece de legitimidade, isto é, para o exercício de reivindicação de um direito em juízo, o mesmo deve seguir um processo legislativo instituído pelo Estado que detém o poder e legitimidade para dizer o direito. Em suma, a fonte primária dos direitos humanos para os positivistas só pode ser a lei em sentido estrito. [...] o juspositivismo (ou positivismo jurídico), por seu turno, é uma concep- ção de direito, que se contrapõe totalmenteà teoria jusnaturalista, negando, inclusive, no mais das vezes, a própria existência de sua pedra fundamental: o direito natural. É que para o juspositivista, não existe qualquer outro direi- to que não aquele posto pelo Estado: o direito positivo. Em consequência, também não existe nenhuma natureza a qual o direito se deva conformar. O direito é, portanto, uma questão de escolha, decorre da vontade humana e da devida positivação dessa escolha. Assim, aquilo que estiver previsto no orde- namento jurídico estatal é direito. O que não estiver não é direito. Não existe qualquer fundamento idealizado de justiça a que se deva conformar o direito, pois será justo exatamente aquilo que estiver juridicamente ordenado. Esse direito, então, é válido e legítimo, somente por que decorre de sanção estatal, pois o Estado é possuidor do monopólio da produção legislativa (GIGANTE; AMARAL, 2009, p. 165). O positivismo se opõe à ideia de que direitos possam preexistir em qualquer forma de sistema jurídico, portanto, a tese central desta corrente defende a separação radical entre direito e moral. A proposição do positivismo jurídico parte da rejeição dos elementos abstratos, pois, para esta escola a ideia de Direito Natural se baseia em aspectos metafí- sicos e anticientíficos. Em outras palavras, a ideia é apenas focar em dados oriundos da experiência, para se apegar aos fenômenos observáveis. Evidentemente, qualquer juízo de valor era fortemente desprezado em razão do ceticismo absoluto (PORTALES, 2019, p. 194; NADER, 2015, p. 382). Neste mesmo sentido, Rodrigues (2007, p. 26) traça a seguinte perspectiva: Segundo esta teoria, para que um sistema normativo seja classificado como direito, prescinde-se de sua avaliação sob critérios morais, ou seja, a iden- tificação de determinada norma como jurídica, válida e existente, depende apenas da verificação de suas fontes e não de seu aspecto valorativo, seu mérito. Registre-se que este raciocínio é tão contraproducente quanto ilusório, pois, com- partilhamos uma série de valores fundamentais que são imperativos em nossa sociedade, portanto, trata-se de um mínimo sem o qual não poderíamos sobreviver. Outrossim, esse movimento mais radical que alcançou seu apogeu no século XIX, teve sua estrutura abalada em razão dos crimes praticados contra a dignidade humana durante a Segunda Guerra Mundial, isto é, esse fetichismo travestido de um legalismo 31UNIDADE 2 FUNDAMENTOS DOS DIREITOS HUMANOS acrítico serviu apenas para camuflar o autoritarismo que preponderava e legitimava as ordens estabelecidas (RODRIGUES, 2007, p. 25). Nader (2015, p. 383), no que lhe concerne, aduz que: O positivismo jurídico, que atingiu o seu apogeu no início do século XX, é hoje uma teoria em franca decadência. Surgiu em um período crítico da história do Direito Natural, durou enquanto foi novidade e entrou em declínio quando ficou conhecido em toda a sua extensão e consequências. Com a ótica das ciências da natureza, ao limitar o seu campo de observação e análise aos fatos concretos o positivismo reduziu o significado humano. O ente complexo, que é o homem, foi abordado como prodígio da Física, sujeito ao princípio da causalidade. Sua atenção se converge apenas para o ser do Direito, para a lei, independentemente de seu conteúdo. Identificando o Direito com a lei, o positivismo é uma porta aberta aos regimes totalitários, seja na fórmula co- munista, fascista ou nazista. Hoje, a corrente jusnaturalismo concebe o Direito Natural apenas como uma gama de princípios nos quais o legislador deverá se embasar para compor a ordem jurídica. Dentre esses princípios, cite-se o direito à vida, à liberdade, à igualdade de oportunidades, etc. (NADER, 2015, p. 374). Insta salientar, que quando se fala em Direito Natural, deve-se ficar evidente que este está consubstanciado na natureza humana, de onde se extrai os princípios que mode- lam o direito positivo. É diferente de Direitos do Homem que, embora esteja vinculado ao Direito natural, se apresenta como princípios transmutados como norma básica. Há de se considerar que os direitos humanos por si só estão atrelados aos valores sociais que, na concepção de Polo (2020, p. 8-9), ainda que não reconhecidos legalmente, favorecem a sua reivindicação perante o Estado que deve salvaguardar garantias mínimas para o desenvolvimento do homem. O direito não deve mostrar-se “alheio à sorte dos homens”, haja vista que o direito “não se compõe exclusivamente de normas, como pretende essa corrente”. Registre-se que o ordenamento jurídico, enquanto conjunto de regras, encontra sua razão nos significados, sentidos e valores a realizar (NADER, 2015, p. 384). Ainda hoje, existem movimentos políticos-ideológicos que, a todo momento, tentam descaracterizar os direitos humanos a partir da lógica da Escola Positivista do século XIX. Contudo, não logram êxito em seus reclames, tendo em vista que esses direitos estão determinados internacionalmente, apesar das inúmeras transgressões cotidianas. Por outro lado, os direitos humanos internacionais encontram seus desafios a partir da perspectiva de que ele não é autoimposto. Há de se considerar as prerrogativas dos Estados em dar uma forma final a esses direitos, isto é, deve-se respeitar a soberania nacional quanto a sua determinação de criar uma lei de acordo com os seus valores. 32UNIDADE 2 FUNDAMENTOS DOS DIREITOS HUMANOS Outrossim, a partir da perspectiva da teoria da dinamogenesis, percebe-se que com a evolução dos direitos humanos o sentido tradicional de direito natural foi sendo deixado de lado gradativamente, pois, os valores sociais justificam e servem como sustentáculo para reivindicá-los, haja vista que respondem a uma dimensão antropológica básica, constituída pelas necessidades humanas fundamentais para uma existência digna. 33UNIDADE 2 FUNDAMENTOS DOS DIREITOS HUMANOS No que concerne a expressão, Direitos do Homem, o doutrinador Paulo Nader (2015, p. 374-378) explica que, apesar de ser abrangente, seu conteúdo abarca “normas e princípios enunciados sob a forma de declarações”, com o propósito de conscientizar as nações “quanto à necessidade de estes se organizarem internamente a partir da preservação dos valores fundamentais de garantia e proteção ao homem”. Entretanto, deve-se fazer uma ressalva no que concerne ao dito direito natural normativo. Esse termo criado no século XVIII, até então considerado um erro, visava estabelecer códigos de Direito Natural, no entanto, esta ideia foi superada. Contudo, deve ficar evidente que os Direitos do Homem não têm relação com o direito natural normativo. NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 37.ª ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2015. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Os direitos foram gradativamente conquistados mediante um processo de reivindica- ções de grupos sociais, e foram através de um conjunto de ações, fatos, ideologias, filosofias e textos normativos que se moldou um sistema internacional e regional de proteção à dignidade da pessoa humana. Com efeito, é essa realidade imprevisível e volátil que o direito deve regu- lar, atendendo às necessidades humanas, evitando a existência de vácuos jurídicos que prive as pretensões a que o cidadão tem direito (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010, p. 184-185). O princípio da dignidade da pessoa humana, basilar e expressão máxima repre- sentada pelos direitos humanos, dão conta que as mudanças sociais produzidas ao longo da história se valem de princípios jurídicos como pressuposto para o reconhecimento dos novos valores sociais exigidos pelo homem. Esses valores que marcam a realidade social que, no que lhe concerne, estão envoltos de valores científicos, técnicos e artísticos, re- velam a situação do homem enquanto ser cultural. É a partir deste processo queo direito atua, ordenando e convertendo o comportamento social através de regras estabelecidas (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010, p. 190). O processo histórico das civilizações e da cultura, desse modo, é compreen- dido como um processo resultante da permanente tendência da pessoa em tornar as coisas objeto de sua consciência, fazendo com que esta relação en- tre a subjetividade e a objetividade do mundo (das experiências originárias da lebenswelt e das experiências reflexivas) seja refletida nas obras humanas, como as artes, as ciências, a linguagem, etc. De modo que a pessoa reflete o mundo, e o mundo reflete a pessoa, sem que um termo suprima ou se resolva no outro (MOREIRA, 2015, p. 63). UNIDADE 2 FUNDAMENTOS DOS DIREITOS HUMANOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 TEORIA DA DINAMOGENESISTÓPICO 34 Acerca da dignidade da pessoa humana, Polo (2020, p. 5-6) acentua que se trata de um valor inerente a todo ser humano, no entanto, esta não pode ser vista apenas do ponto de vista cotidiano, mas também dos elementos básicos que a sustentam qual seja a igualdade e a liberdade. Se partimos da premissa de que todos nascemos iguais, por outro lado, nota-se que as circunstâncias econômicas, sociais, políticas e culturais, se encarregam de nos diferenciar uns dos outros, sendo que muitas das vezes existem desigualdades que escancaram viola- ções de direitos básicos. Evidentemente, a desigualdade inibe o indivíduo de se autoafirmar e de exercer sua liberdade. Comparato (2019, p. 27), abrange muito mais do que o indivíduo ser uma pessoa, pois, ela também resulta das condições de autonomia que o sujeito apresenta, sendo capaz de guiar-se pelas regras por ela editadas. Analisando o substrato material da dignidade, percebe-se que ela se desdobra em quatro postulados: a) reconhecimento do outro como sujeito igual a ele; b) merecedor de respeito no lhe concerne a sua integridade psicofísica de que é titular; c) dotado de autodeter- minação e vontade livre; d) parte integrante do grupo social, no qual deve-se ter garantia de que não será marginalizado (MORAES, 2003, p. 14). É pelo enaltecimento do valor da pessoa humana que ocorre continuamente o apri- moramento dos direitos humanos, razão pela qual não se deve admitir retrocessos, haja vista que se trata de “um pressuposto lógico-transcendental do direito” (MOREIRA, 2015, p. 72-74). Diante disso, para a sua concretização, tornou-se imprescindível estabelecer uma fundamentação lógico-racional quanto à limitação do poder, dotando-o de conteúdo. Ob- viamente, esse conteúdo é estabelecido através de documentos históricos e modernos de direitos humanos, como é o caso da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Sob a ótica da dinamogenesis, é possível compreender que os valores atuam como um elemento integrativo da norma, haja vista que expressam os interesses e os valores sociais, portanto, a força motriz de uma sociedade e cultura, sendo a dignidade da pessoa humana, o núcleo dos direitos humanos. Partindo de uma perspectiva realista, o valor se encontra em uma realidade – mun- do do ser -, no qual não há subordinação ao espaço-tempo. Com efeito, ele é insuscetível de definição. “Isso decorre do fato de que tanto o ser como o valer são duas categorias fundamentais do homem perante a realidade”. Tal perspectiva alude uma distinção entre os valores com os objetos ideais e culturais, que representam objetos derivados e complexos. Deste modo, a cultura é antes elemento integrante, no qual deve-se relacionar em uma dialética entre ser e dever-ser (MARTINS, 2008, p. 265). 35UNIDADE 2 FUNDAMENTOS DOS DIREITOS HUMANOS Sendo assim, podemos representar estas ideias a partir do seguinte diagrama: DIAGRAMA 01: DIAGRAMA DO SER E DO FÍSICO-PSÍQUICO Fonte: organizado pelo autor (2023). O conceito do direito justo ou moral, reflete o dever-ser valorativo a partir da pers- pectiva da regulação de condutas. Deste modo, o comportamento social deve se ajustar às exigências (valores) que circundam o dever-ser. No caso de ações que se projetam em desacordo com o dever-ser, o indivíduo deve ser segregado e penalizado, haja vista que se opõem aos valores sociais de seu grupo. A seara jurídica é particularmente fecunda para o estudo da bipolaridade dos valores. Todo o ordenamento jurídico funda-se em valores que pretende ver tutelados, isto é, protegidos. Com efeito, pode-se asseverar que, para o líci- to, existe o ilícito. Essa dialeticidade está presente tanto no plano do direito material como no do direito adjetivo. No Código Penal, em contraposição ao valor vida, há o desvalor morte (MARTINS, p. 266-268). A dinamogenesis dos valores parte de uma situação em que os valores se en- contram em uma posição suspensa (dimensão pré-sociojurídica e metas sociojurídicas), portanto, existe apenas em uma abstração que não tem validade para o direito. Esta ideia pode ser representada graficamente do seguinte modo: IMAGEM 01: DIMENSÃO AXIOLÓGICA DO SER HUMANO Fonte: adaptado de Silveira & Rocasolano (2010, p. 197). 36UNIDADE 2 FUNDAMENTOS DOS DIREITOS HUMANOS Infere-se a partir do esquema acima que, o círculo que expressa uma dimensão axiológica é organizado e limitado ao mesmo tempo. Deste modo, à medida que esses valores são demandados e sentidos, logo nasce para a realidade, no mundo dos fatos. Conforme destaca Silveira & Rocasolano (2010, p. 195), a “presença de conceitos não racionais, como o do sentimento, é frequente na axiologia”. Para os autores, o valor em si e o sentimento de valor se diferem um do outro, pois, o “valor em si é o objetivo e absoluto” ao passo que “o sentimento de valor é subjetivo e relativo”. Com efeito, esse sentimento valorativo pressupõe algo útil que apresente valor para um sujeito. Em grande medida, as sociedades modernas são abertas, sendo que os valores partem de um plano ideal para o real de normatização, haja vista que se pode exigi-los e protegê-los. Observa-se que os valores engendrados na sociedade internacional e na esfera nacional, foram e são gradativamente normatizados nos ordenamentos jurídicos. A axiologia deve refletir sobre o âmbito jurídico para que o direito satisfaça os interesses sociais, e cumpra sua função de regular o comportamento humano, quer seja permitindo, proibindo ou obrigando. Outrossim, esses princípios axiológicos normatizados, irão se impor através de regras de eficácia, validade e vigência (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010, p. 198). De forma a aprofundar fortemente seus estudos, recomendo a leitura do texto introdutório - A Pessoa Hu- mana e seus Direitos (p. 26-50) - da obra A afirmação histórica dos Direitos Humanos (2019), do professor Fábio Konder Comparato. Nesta introdução, Comparato descreve com assertividade o processo axial da História que despontou a ideia de igualdade entre os homens. COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. Editora Saraiva, 2019. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553607884/. Acesso em: 17 fev. 2023. 37UNIDADE 2 FUNDAMENTOS DOS DIREITOS HUMANOS https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553607884/ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Pode-se assinalar que o fundamento jurídico-positivo dos direitos humanos se encontra nos valores e princípios vinculados às Instituições que as reconhecem implícita
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