Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Identificar o modelo educacional desenvolvido no Brasil no período de D. Pedro II. > Analisar o modelo da educação aplicado no Brasil no período de D. Pedro II e seus reflexos na atualidade. > Reconhecer as principais características da educação no período de D. Pedro II. Introdução Neste capítulo, vamos tratar dos modelos educacionais adotados no Brasil no século XIX, no período em que foi regido pelo imperador D. Pedro II, e que, por- tanto, confundem-se com a história da formação das jovens nações ao redor do mundo. Buscava-se o fortalecimento da nacionalidade brasileira em um período de transição pós-Independência, quando o Brasil deixava de ser colônia de Portugal, mas ainda não podia se considerar totalmente autônomo, pois continuou a ser uma monarquia regida pelos Bragança. O imperador D. Pedro II governou o Brasil A educação no período de D. Pedro II: novas perspectivas do ensino nacional Ana Cristina Magalhães Jardim em um período conturbado pelo surgimento de revoltas em várias partes do território nacional e com países vizinhos, como foi o caso da Guerra do Paraguai (1864–1870). Os desafios eram políticos, sociais e econômicos, e a educação foi um dos maiores nesse período. Para ser uma nação independente, era necessário ter um sistema de edu- cação que desse conta da instrução do povo brasileiro, de acordo com suas necessidades e características próprias. O Brasil, nesse contexto, tratava-se de um país colonizado, com uma elite que não renunciava ao sistema de produção escravista, mas queria se inserir no novo mundo, que sinalizava mudanças radicais nos centros econômicos da Europa e da América. Era um país com um imenso território, agrupamentos populacionais dispersos, de cultura diferenciada, com uma população caracterizada pela mistura de raças e inúmeros problemas sociais, e que restava sendo a única monarquia a se manter no poder na América àquela altura. Primeira legislação para uma educação “brasileira” Ao longo do século XIX, a educação desempenhou um importante papel na formação de uma identidade nacional brasileira. Como o País recentemente havia conquistado a independência, tinha como prioridade se distanciar do conhecimento e das tradições portuguesas. O modelo educacional brasileiro do século XIX foi, supostamente, planejado para todos os brasileiros, mas, na prática, privilegiou e deu condições de acesso aos níveis de ensino mais altos apenas para os filhos da elite. Por meio do método de ensino moni- torial, tentou-se instruir a população em geral. Os manuais didáticos foram um importante recurso didático utilizado no período. O ensino secundário, particular, e o ensino superior se mantiveram acessíveis à elite. As mulheres foram, aos poucos, sendo incluídas como alunas e mestres. As elites econômica e intelectual, principalmente do Rio de Janeiro, pró- ximas do governante máximo, o imperador D. Pedro II, viam, na instrução, uma forma de desenvolvimento econômico. A instrução, no entanto, não era um direito de todos. O modelo “escolhido” era dedicado a instruir os filhos da elite, que deveriam cursar até o curso superior e ocupar os cargos da Administração no império do Brasil: advogados, engenheiros e bacharéis letrados. Mesmo as carreiras mais novas, como de historiador, eram exercidas por homens da elite intelectual do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), que se dedicavam à diplomacia e poderiam ser professores do ensino A educação no período de D. Pedro II: novas perspectivas do ensino nacional2 secundário e superior que começava a se formar desde a vinda da Família Real para o Brasil. Uma nação que buscava se desenvolver economicamente precisava instruir a grande massa de sua população. Com a Revolução Industrial, iniciada por volta dos anos 1760, o modo de produção e de trabalho havia se modificado radicalmente, passando a exigir, da mão de obra, um grau mínimo de instru- ção, como saber ler, escrever e realizar operações básicas de matemática. A realidade histórica do Brasil era de uma imensa população que havia sido escravizada. Eram mais de três séculos de uma tradição de latifundiários, grandes mineradores e comerciantes. Proprietários de escravos não tinham que pagar nenhum tipo de remuneração a sua mão de obra, de forma que o único investimento era a subsistência deles para se manterem no trabalho. Não havia, portanto, qualquer preocupação com a instrução dessa mão de obra. Porém, o bom negócio que havia sido a escravidão e que havia criado uma elite vinha dando sinais de cansaço. A escravidão, que só seria extinguida legalmente em 1888, já no início do século, começava a ser grande mancha em nossa história e deixava seus descendentes, brasileiros a serem incluídos como cidadãos dessa jovem nação. Instruir essa grande massa era um grande desafio. Para isso, era preciso ter um projeto educacional, espaços adequados, professores e um método a seguir. A Constituição outorgada por D. Pedro I em 1824 mencionava a neces- sidade de se instituir o ensino para todos os brasileiros. Porém, na prática, a ideia foi esquecida, como de fato também foi toda a ideia de independência. O Imperador que deu o grito do Ipiranga a 7 de setembro de 1822 não sustentou a implantação de uma Constituição que daria, aos brasileiros, autonomia para criar um conjunto de leis que fosse capaz de gerir uma nação independente. D. Pedro I acabou com a Assembleia Constituinte, pois as leis criadas pelos deputados não o agradaram, de modo que ele reescreveu a Constituição a sua maneira para manter o Brasil como parte do Império português, apenas sob uma nova fachada, a da monarquia constitucional. Da mesma forma, não promoveu mudanças que pudessem resolver os problemas políticos, econô- micos e sociais dos brasileiros, nem, portanto, os problemas educacionais. Para corrigir a defasagem deixada pela Constituição, foi implementada, em 15 de outubro de 1827, uma lei para funcionar como uma emenda à Constituição outorgada em 1824 e para tratar da educação no Brasil, que mandava “[...] criar escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos do Império” (BRASIL, 1827, documento on-line). Em um território tão extenso, a solução parecia a melhor. A educação no período de D. Pedro II: novas perspectivas do ensino nacional 3 Após a abdicação de D. Pedro I, que, em 1831, voltou para Portugal e deixou seu filho de cinco anos no poder, sob a regência de uma sucessão de políticos de confiança do Império português, foi instituído o Ato Adicional de 1834, para complementar o texto sobre educação da Constituição de 1824. Quando D. Pedro II assumiu o trono, ainda criança, no período de regência, foi dada mais autonomia às Províncias para administrar e resolver seus problemas. A educação também foi afetada por essa abertura. Tal legislação foi feita para tentar diminuir as revoltas e rebeliões espalhadas pelas regiões do Brasil e as querelas entre grupos da elite que criavam conflitos políticos durante o período, como, por exemplo, monarquistas e liberais. Uma das principais características do Ato Adicional de 1834 foi criar os Conselhos de Estado e dar maior poder de gestão às Províncias ou Estados. Com relação à educação, o “[...] Ato adicional é visto como fator determinante na definição das políticas de instrução pública elementar, pois cada Província, a partir de então, tinha autonomia para se organizar a seu modo” (CASTANHA, 2006, documento on-line) e para tentar suprir suas necessidades educacionais. Porém, na prática, o Ato de 1834 contribui para cristalizar e aprofundar os problemas de uma educação brasileira que ainda engatinhava. Como delegar um modelo educacional que ainda não existia? Tais fatos deram o tom do debate sobre centralizar ou não uma política educacional no Brasil de modo a lhe dar diretrizes e regras mais bem definidas e discutidas. Isoladas, as Províncias criaram sistemas educacionais muito diferentesentre si. Mantinham-se, porém, algumas características em relação à instrução das primeiras letras. Na prática, a educação doméstica e/ou por meio de preceptores contratados pelas famílias dava conta de um “[...] número de pessoas bem superior ao da rede pública estatal” (FARIA FILHO, 2000, p. 145), de forma que continuou a dominar e a funcionar para o ensino das primeiras letras no Brasil. De acordo com o art. 1º da Constituição de 1827, “Em todas as cidades, villas e logares mais populosos, haverão as escolas de primeiras letras que forem necessarias” (BRASIL, 1827, documento on-line). Assim, cada província poderia determinar onde e como seriam criadas tais escolas, cujo objetivo era alfabetizar e prover os primeiros ensinamentos a uma população social e economicamente carente. O ensino de primeiras letras começava a delinear um modelo de ensino público. Dizia o art. 6º do mesmo dispositivo que (BRASIL, 1827, documento on-line): A educação no período de D. Pedro II: novas perspectivas do ensino nacional4 Art. 1. Os Professores ensinarão a ler, escrever as quatro operações de arithme- tica, pratica de quebrados, decimaes e proporções, as nações mais geraes de geometria pratica, a grammatica da lingua nacional, e os principios de moral chritã e da doutrina da religião catholica e apostolica romana, proporcionandos á comprehensão dos meninos; preferindo para as leituras a Cosntituição do Imperio e a Historia do Brazil. Se, nesse momento, principalmente, o Brasil era uma sociedade carente de instrução para os alunos, também o era para a formação dos mestres para aquelas escolas. O art. 5º nos diz que “[...] os Professores; que não tiverem a necessaria instrucção deste ensino, irão instruir-se em curto prazo e á custa dos seus ordenados nas escolas das capitaes” (BRASIL, 1827, documento on-line). A partir do entendimento de que faltavam, também, mestres é que começou a se pensar em escolas para a formação de professores ou as chamadas “escolas normais”. Sobre o método, o Ato de 1827 indicava que as escolas criadas nas pro- víncias deveriam dispor de um espaço adequado, que permitisse o uso do método mútuo ou monitorial de ensino, como determinou o art. 4º: “As escolas serão de ensino mutuo nas capitaes das provincias; e o serão tambem nas cidades, villas e logares populosos dellas, em que fór possivel estabelecerem- -se” (BRASIL, 1827, documento on-line). Determinando qual deveria ser o método utilizado para instruir os alunos de primeiras letras nas províncias e sobre os espaços e recursos, o art. 5º complementa que “Para as escolas do ensino mutuo se applicarão os edifficios, que houverem com sufficiencia nos logares dellas, arranjando-se com os utensillios necessarios á custa da Fazenda Publica” (BRASIL, 1827, documento on-line). De acordo com Aranha (2006, p. 234), o método Lancaster de ensino mútuo ou por meio de monitores foi adotado no Brasil a partir de 1819 e se arras- tou até 1854 e mesmo depois, em alguns lugares, em sua forma original ou mesclado a outros métodos. Por esse método, o professor ensinava a alguns alunos, que replicavam o que haviam aprendido a seus colegas em sala de aula. O método mútuo ou monitorial Lancaster foi adotado oficialmente pelo projeto educacional do Império do Brasil, pois entendia-se que seria adequado às necessidades daquele momento, em que existiam muitos alunos a serem instruídos, sem espaços adequados, sem professores em quantidade e/ou com formação adequada e que poderia dar resultados em menos tempo, para o que se pretendia ensinar. Dessa forma, a Lei de 1827 não conseguiu resolveu o problema da instrução básica no Brasil, mas representou um primeiro movimento em direção à criação de um projeto educacional. A educação no período de D. Pedro II: novas perspectivas do ensino nacional 5 Vejamos algumas transformações culturais no Brasil do século XIX que contribuíram definitivamente para a cultura e a educação no País (ARANHA, 2006). � Criação da Imprensa Régia (1808): com a chegada da Família Real ao Brasil, as publicações deixaram de ser proibidas; surgiram jornais e editoras que contribuíram com a produção e a disseminação de conhecimento, a educação e a cultura de um modo geral. � A Biblioteca (1810), futura Biblioteca Nacional, continha mais de 60 mil volumes trazidos de Portugal por D. João VI. Em 1814, foi aberta ao público. � O Jardim Botânico do Rio de Janeiro (1810) incentivou estudos na área de botânica e zoologia. Fazendo o levantamento das variedades de plantas e animais do Brasil, estimulou a vinda de expedições com renomados cientistas de todo o mundo. � O Museu Real (1818), futuro Museu Nacional, reuniu acervo histórico e recebeu doações de naturalistas estrangeiros em viagens ao Brasil. � Missão Cultural Francesa (1816): a convite de D. João VI, artistas franceses, pintores e escultores, vieram ao Brasil para a criação de uma Escola Nacional de Belas Artes. � Colégio Pedro II (1837): primeiro Colégio de segundo grau a sistematizar uma forma de ensino, reunir professores e a promover a escrita de manuais didáticos para o ensino das crianças e jovens brasileiros. � Criação do IHGB (1838): criado pelo Imperador D. Pedro II, a instituição fo- mentou pesquisas sobre a história e as origens de um novo Brasil, pós- -Independência, em direção à formação de sua nacionalidade. Ensino secundário e superior no século XIX no Brasil Com relação ao ensino secundário, notamos algumas semelhanças e dife- renças bem marcantes em comparação aos séculos anteriores, ou seja, ao período colonial no Brasil. Assim como nos séculos anteriores, no século XIX também prevaleceram as escolas particulares, que já eram tradicionais desde a criação dos colégios religiosos no Brasil. No entanto, eram poucos os colégios para um território tão vasto. No século XVIII, por exemplo, os filhos dos latifundiários do Norte e do Nordeste ou das famílias que pertenciam a algum grau de nobreza no Rio de Janeiro, em São Paulo ou em Minas Gerais, por exemplo, estudavam em seminários, colégios de Jesuítas ou outras or- dens religiosas e, depois, iam para Portugal se graduarem como bacharéis A educação no período de D. Pedro II: novas perspectivas do ensino nacional6 em direito, engenharia ou medicina e, assim, fazer parte da Administração Pública em alguma parte do Império português. Um marco importante do ensino secundário no período imperial foi a criação do Colégio Pedro II, a 2 de dezembro de 1837, dia do aniversário do jovem Imperador. Projeto do Ministro mineiro Bernardo de Vasconcelos, a serviço do conselho de Estado do governo central no Rio de Janeiro, o Co- légio foi inspirado nos liceus franceses com o claro objetivo de se espelhar na civilização europeia. Funcionava como colégio interno e externo, sendo o colégio interno separado posteriormente. O Colégio Pedro II foi criado para se tornar um modelo para todo o ensino secundário brasileiro, o que terminou por acontecer com o tempo. Alguns colégios passaram a adotar seu sistema de ensino e mesmo as disciplinas ministradas. Dava ênfase às humanidades, à literatura, às línguas modernas (como inglês e francês), à história e à geografia. Ao concluir o segundo grau, o estudante recebia um diploma de bacharel em letras. Quem concluía os sete anos do curso secundário no Colégio Pedro II tinha ingresso direto garantido nos cursos superiores então criados no Brasil, como medicina ou direito. Para aqueles que não tivessem sido alunos, o colégio aplicava as provas de admissão para os referidos cursos superiores. O quadro de professores era constituído pelos mais expressivos homens de suas respectivas áreas. Intelectuais, políticos e historiadores do Brasil, que, naquele momento, estava em ponto de ebulição na busca por valorizar as origens e a história da jovem nação. Alguns professores pertenciam, por exemplo, ao IHGB, instituição de respeito e que reunia a elite intelectual brasileira, também sob o patronato de D.Pedro II. Os manuais didáticos existiam desde muito tempo e, para Alves e Cen- teno (2009, documento on-line), foram um importante instrumento didático na época moderna, passando a interferir “[...] profundamente na relação educativa, dando origem mesmo a uma nova forma histórica de organização do trabalho didático”. Os manuais do século XIX não chegaram a romper radicalmente com os manuais do período anterior, mas representaram uma nova proposta educativa. Os manuais do século XIX sofreram grande influência do pedagogo tcheco Comenius, que defendia que todos poderiam aprender e que, com esse pensamento, seus métodos e seu tratado Didática magna (1649), influenciou toda a história da educação. Chega mesmo a ser inovador, uma vez que, naquele período, somente nobres e clérigos tinham acesso à educação. A maioria da população não sabia ler nem escrever. Dar acesso à educação era revolucionário naquele momento. O tratado de Comenius tinha quase 200 anos quando inspirou a criação das escolas imperiais no Brasil. O A educação no período de D. Pedro II: novas perspectivas do ensino nacional 7 pensador havia sido tão inovador que ainda se mantinha como importante mentor da educação moderna (ALVES; CENTENO, 2009). Jan Amos Comenius (1592–1670) foi um pedagogo e bispo tcheco. Autor do tratado Didática magna (1649), foi um dos grandes defensores de uma educação para todos. Sua obra influenciou a educação instituída no Brasil Imperial. O pedagogo entendia que a educação não deveria ser acessível a um grupo restrito de pessoas de uma elite. Para ele, a instrução e o conhecimento deveriam ser difundidos a todas as pessoas, pois todo “[...] homem nasceu com capacidade de adquirir a ciência das coisas” (PIAGET, 2010, p. 53). Uma das grandes inovações de Comenius foi a proposição dos manuais didáticos para resolver o problema de se criar um sistema de educação integral para todos. Os manuais didáticos eram uma importante ferramenta para os professores que ainda não podiam contar com uma formação ade- quada para lecionar. Os manuais garantiam um conteúdo mínimo para ser aprendido pelos alunos: Afinal, em sua época não havia tantos homens de formação reconhecida, mesmo entre os que sabiam ler e escrever para atender como professor à demanda de educação para todos. Por isso, desenvolveu a tecnologia fundamental que deve- ria mediar a relação entre o professor e o aluno: o manual didático (ALVES, 2009, documento on-line). Esse foi um importante recurso utilizado na educação durante o século XIX no Brasil. Os manuais didáticos eram produzidos por homens que acumulavam as funções de escritores, intelectuais, pesquisadores e/ou professores. São exemplos de escritores dos manuais didáticos Joaquim Manoel de Macedo (1820–1882), que era formado em medicina e romancista conhecido por sua obra A moreninha, além de “[...] jornalista, deputado, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e professor de história no Colégio Pedro II” (KÜNZLE, 2003, documento on-line). Para Mattos (2000), Joaquim Manuel de Macedo soube casar a historiografia com os conhecimentos. O ensino superior, cuja implantação foi proibida no Brasil no período colonial, havia ficado com uma enorme defasagem. Como mencionamos acima, os filhos da elite iam estudar em Portugal ou em outros lugares da Europa. De acordo com Aranha (2006), foi uma das primeiras providências tomadas por D. João VI logo após sua chegada, em 1808, criando escolas de nível superior para atender às necessidades daquele momento. Tais escolas formaram profissionais para o exército e o corpo administrativo da Coroa, que agora tinha a sede de todo o Império português lotada no Rio de Janeiro, A educação no período de D. Pedro II: novas perspectivas do ensino nacional8 que, de repente, tornara-se o centro do Império. Para sanar uma deficiência deixada por mais de 300 anos, foram sendo criados cursos como a Academia Real da Marinha (1808) e a Academia Real Militar (1810), bem como cursos de medicina na Bahia e no Rio de Janeiro, e cursos de economia, química e agricultura também na Bahia e no Rio de Janeiro. Além disso, foram criados cursos de direito no Primeiro Reinado, período de D. Pedro I. Uma educação para o Brasil autônomo Analisando a educação no período em que D. Pedro II esteve à frente do Im- pério do Brasil, notamos pequenos avanços, mas aqueles atos tiveram grande influência sobre a educação que seria construída dali em diante. O ensino secundário só se tornaria público e voltado para uma formação técnica mais acessível a todos depois da Proclamação da República, em 1889. Entre 1840 e 1889, os colégios se manteriam como espaço masculino e para a formação da elite, preparando-os para a entrada direta no ensino superior. O método de ensino monitorial não seria utilizado nesse espaço de instrução, por não ser considerado eficiente para aprendizagem. As meninas foram gradualmente inse- ridas no espaço dedicado à educação, tanto como alunas quanto como mestres. O ensino de primeiras letras não era uma etapa obrigatória para quem desejava cursar o ensino secundário e talvez por isso não tenha sido adequa- damente valorizado na época. Seu objetivo maior terminou por ser o de dar uma instrução mínima ao maior número de pessoas da população em geral, por meio de um ensino monitorial, com salas lotadas de crianças e jovens ensinando uns aos outros e professores sem uma preparação adequada. De acordo com Aranha (2006, p. 233), “Aquele ideal do ensino para todos foi considerado inexequível, e o Decreto Imperial de 1827 reservou para o ensino elementar algo muito menos ambicioso”, tornando-se um modelo que se arrastaria por muito tempo ainda antes de ser completamente abandonado. Ainda para Aranha (2006, p. 155), embora houvesse uma menção a um sistema nacional de educação na Constituição outorgada em 1824, a ideia não foi adequadamente contemplada e, mesmo depois disso, em 1827, “[...] sem a exigência de conclusão do curso primário para o acesso a outros níveis, a elite educava seus filhos em casa, com preceptores”, ou seja, “[...] os pais se reuniam para contratar professores que dessem aulas em conjunto para seus filhos em algum lugar escolhido. Portanto sem vínculo com o Estado” (ARANHA, 2006, p. 234). Para os demais seguimentos sociais, restava a oferta de poucas escolas, cuja atividade se restringia à instrução elementar: ler, escrever e contar. A autora aponta os números do relatório de Liberato Barroso, que, A educação no período de D. Pedro II: novas perspectivas do ensino nacional 9 apoiado em dados oficiais, afirma que, em 1867, apenas 10% da população em idade escolar se matriculara nas escolas primárias. A preparação dos professores foi outro grande desafio do século XIX. A falta de escolas públicas de uma maneira geral, desde as primeiras letras até o secundário, deixou uma grande lacuna na preparação de professores com qualidade e quantidade suficiente para atender ao número de alunos que deveriam estar nas escolas. Desse modo, outra necessidade que começou a ser parte do projeto para se implementar um sistema educacional no Brasil do século XIX foi iniciar a fundação de escolas normais para melhorar a formação dos professores. Entre as mais relevantes do período, estão a Escola Normal de Niterói (1835) e as de outras Províncias, como Minas Gerais (1836–1840), Bahia (1836–1841) e São Paulo (1846), mas eram escolas sem muita estabilidade; abriam e fechavam e, às vezes, voltavam a abrir. Segundo a autora, isso de- monstra o descaso com a formação de professores e, consequentemente, com a educação como um todo, além da tradição de “[...] escolher professores em formação, a partir do pressuposto de que não havia necessidade de nenhum método pedagógico específico” (ARANHA, 2006, p. 239), o que se assemelha a tudo que diz respeito à educação no Brasil durante aquele período. No século XIX, as mulheres ainda não tinham acesso a uma vida social plena nem a umasérie de instituições que lhes dariam o direito, por exemplo, à educação e ao trabalho. O art. 11º da Lei de 1827 determinou, pela primeira vez, que as meninas poderiam ter aulas em escolas regulares. De início, o objetivo da educação feminina era o melhor exercício das funções maternais. De acordo com Aranha (2006), as aulas deveriam ser ministradas por “senhoras honestas e prudentes”, sem que se exigisse daquelas “professoras” grandes conhecimentos. Nas aulas de aritmética, por exemplo, bastava que as profes- soras das meninas soubessem ensinar as quatro operações: somar, subtrair, dividir e multiplicar. Porém, poderiam não ser aceitas como professoras se não dominassem “a arte da agulha”, por exemplo, ou outro conhecimento considerado função feminina. Para Sérgio Buarque de Holanda (1987, p. 376), o Ato de 1834 “[...] consu- mou o desastre para nosso sistema educacional, atribuindo competência às assembleias provinciais para legis lar sobre o ensino elementar e médio. Apenas o ensino superior em geral e o elementar e médio do Município Neu- tro permaneceram a cargo do governo central”. Tal descentralização, antes de existir uma unidade de pensamento sobre como deveria ser a educação brasileira, teria criado discrepâncias e dualidades de sistema, além de de- monstrar o desinteresse do governo central pelo tema ao transferir toda a A educação no período de D. Pedro II: novas perspectivas do ensino nacional10 responsabilidade para as Províncias e localidades ainda em formação de sua administração. Educação e magistério para as mulheres no Segundo Reinado A partir da década de 1860, o interesse pela formação dos professores passou a ser debate na sociedade, adquirindo mais importância, e o número de escolas normais passou de quatro, entre 1830 e 1840, para um total de 22 em 1883 (ARANHA, 2006, p. 239–240). Com a criação da seção feminina na Escola Normal da Província, em 1873, as moças poderiam se profissionalizar na carreira do magistério. Geralmente, as escolas normais ofereciam apenas dois ou três anos de curso, muitas vezes de nível inferior ao secundário. Para ingressar, bastava saber ler e escrever, ser brasileiro, ter 18 anos e bons costumes. De início, atendiam apenas rapazes: a primeira escola normal de São Paulo, só trinta anos depois de fundada, passou a oferecer uma seção para mulheres, e, com o tempo, a clientela se tornou predominantemente feminina. Essa feminilização se deveu, em parte, à lenta entrada da mulher na esfera pública e ao fato de que a profissão do magistério era uma das poucas que permitiam conciliar com as obrigações domésticas. Além disso, constituía uma atividade socialmente aceita, por se pensar que estava ligada à experiência maternal das mulheres (de novo, o aspecto artesanal da educação) e, por fim, tratava-se de um ofício cuja baixa remuneração era aceita mais resig- nadamente por elas. As mulheres não tinham acesso aos cursos superiores. Mesmo que se preparassem em escolas particulares ou fossem autodidatas, era necessário fazer os exames preparatórios no Colégio Pedro II, que eram destinados exclusivamente ao público masculino. De acordo com Aranha (2006), a pri- meira mulher a se matricular na Faculdade de Medicina do Rio de janeiro foi Dona Ambrosina de Magalhães, em 1881. No ano seguinte, mais duas se matricularam, sendo que uma delas assistia às aulas acompanhada pelo pai e outra por uma senhora “idosa”, pois, de acordo com os costumes da época, as mulheres não poderiam estar nesses ambientes desacompanhadas. Ao longo do século XIX, debates e ideias inovadores foram permitindo o surgimento de mais escolas para as meninas, sobretudo dirigidas por instituições de religiosas francesas. Se, em 1832, havia 20 escolas primárias femininas em todo o Império do Brasil, em 1873, apenas a província de São Paulo já somava 174 estabelecimentos dessa natureza. A educação no período de D. Pedro II: novas perspectivas do ensino nacional 11 Educação no período imperial As disciplinas de história e geografia do Brasil foram as que mais se desen- volveram no século XIX, junto com o processo de formação da educação e da nacionalidade brasileira. Por ter muito em comum com a busca pelas origens e a história da jovem nação, pós-Independência, a disciplina de história do Brasil quase era escrita em paralelo com as pesquisas e os textos produzidos pelos intelectuais do IHGB. Dentro do currículo das humanidades clássicas do século XIX, a história escrita nos manuais e ensinada nas escolas visava “[...] servir de instrumento para consolidação dos estados nacionais, constituindo-se em espaços de propagação dos feitos de seus heróis por meio das atitudes dos estados representados por seus comandantes” (CAINELI, 2012, documento on-line). O Brasil, portanto, que pretendia se tornar de fato autônomo politicamente, precisava reescrever sua história, desvinculando-se da dominação portuguesa. Muitas vezes, os professores dos colégios ou das faculdades eram, tam- bém, os intelectuais e pesquisadores do Brasil e, por esse motivo, os textos produzidos para estudo dos alunos era carregado do novo contexto e dos trabalhos desses mesmos homens, religiosos seculares que atuaram decisi- vamente junto a parlamentares e apresentando projetos que tinham origem em suas próprias trajetórias educacionais, “[...] representantes das elites que integravam os ministérios, o Conselho de Estado, a Câmara dos Deputados e o Senado, e também pelos que assumiam a presidência das províncias com seu corpo de funcionários criados pela Independência” (BITTENCOURT, 2018, p. 131). De fato, toda a política de Estado, incluindo a educacional, era determinada pela oligarquia constituída por fazendeiros, altos funcionários e comerciantes. A disciplina de história entrou no currículo das escolas no século XIX para cumprir um ciclo de “progresso da humanidade”, a exemplo de outras nações. As elites imperiais, à frente do processo, queriam inserir o Brasil entre as nações civilizadas da Europa por meio de ideias que visavam ordenar, civilizar e instruir. Mas não desistiam de manter alguns elementos estruturais da economia como, por exemplo, a escravidão, apesar de ser considerada uma mancha histórica por outras nações (mesmo que muitas delas tenham se beneficiado dela por vários séculos). A disciplina e os manuais de história brasileira, em seu caráter fundador, não foram criados por historiadores como os conhecemos hoje. Não existia um tipo de formação específica. Os professores ou autores dos manuais destina- dos à disciplina de história do Brasil dos colégios brasileiros costumavam ter A educação no período de D. Pedro II: novas perspectivas do ensino nacional12 conhecimento em outras áreas, às vezes afins com as humanidades, às vezes não. Outras vezes, ainda, tinham conhecimento em mais de uma área, sendo, assim, conhecidos como generalistas, pois seus conhecimentos eram gerais, diversos, não eram específicos da área de história, de letras ou de aritmética. Existem características da educação brasileira que foram iniciadas no período aqui tratado e que, devido a sua forte relação com nossas origens e história, enraizaram-se em nosso processo de construção de um projeto educacional. A relação que o acesso à instrução teve com as elites foi uma das características mais marcantes, que durou desde o período colonial, permanecendo durante o Brasil Império e até boa parte do século XX. Levou algum tempo ainda até que o ensino secundário conseguisse alcançar uma camada mais ampla da população, oferecendo um ensino de qualidade que conseguisse tanto preparar para o acesso ao ensino superior quanto para a formação técnica voltada para o trabalho na indústria brasileira a partir do século XX. Outra característica iniciada no período imperial foi deixar de contar uma história como povo colonizado e passar a construir uma história própria, brasileira, desvinculada dos europeus. A busca por esse tipo de autonomia foi iniciadacom Proclamação da Independência, fortaleceu-se ao longo do período imperial, mas só se concretizou de fato após a Proclamação da Re- pública, em 1889. Porém, não foi um processo que tenha sido concluído com facilidade apenas com o transpor de datas e períodos históricos. Foi preciso fortalecer o ensino universitário com a criação, em 1934, de universidades, como a Universidade de São Paulo, entre tantas outras, em todo o território nacional, por meio de um ensino superior público e de qualidade, ampliando o número de áreas contempladas e criando, para além dos cursos de graduação do início do século XX, também os cursos de pós-graduação. A formação de professores brasileiros só aconteceu depois de uma primeira geração de professores estrangeiros convidados que contribuíram para isso. Se, durante o início do período, chegou-se a utilizar, como método principal de ensino, o trabalho monitorial, este foi sendo abandonado aos poucos à medida que professores e professoras, agora inseridas na escola e no mercado de trabalho, foram sendo mais bem preparados para atuarem no ensino brasileiro. O debate entre esses profissionais e a observação da prática educacional foram criando legislações e métodos de ensino voltados para as necessidades brasileiras, ao mesmo tempo inseridas em um contexto educacional globalizado e contemporâneo, com vistas à humanização do ser humano. A educação no período de D. Pedro II: novas perspectivas do ensino nacional 13 O Imperador D. Pedro II havia herdado, com o trono, as tentativas frustradas ou mesmo as omissões anteriores, ainda do período colonial, de resolver os desafios da educação no Brasil. Não existia um sistema de instrução pú- blica nos mais de 300 anos de permanência colonial na América portuguesa. A Constituição que D. Pedro I outorgou em 1824 não resolvia a situação e apenas os filhos da elite continuavam a ter acesso à instrução no Brasil ou fora dele. Os desafios foram muitos, e o Império entregou, à República que o substituiu, poucos avanços no sentido de institucionalizar um sistema público de educação no Brasil no século XIX. Referências ALVES, G. L. Manuais didáticos de história do Brasil no Colégio Pedro II: do império às primeiras décadas da república. Revista HISTEDBR, v. 9, nº 35, p. 230–249, 2009. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/histedbr/article/ view/8639626/7194. Acesso em: 20 dez. 2020. ALVES, G. L.; CENTENO, C. V. A produção de manuais didáticos de história do Brasil: remontando ao século XIX e século XX. Revista Brasileira de Educação, v. 14, nº. 42, set./dez. 2009. https://www.scielo.br/pdf/rbedu/v14n42/v14n42a06.pdf. Acesso em: 20 dez. 2020. ARANHA, M. L. de A. História da educação e da pedagogia: geral e Brasil. 3. Ed. São Paulo: Moderna, 2006. BITTENCOURT, C. M. F. Reflexões sobre o ensino de História. Revista Estudos Avançados, v. 32, nº 93, p. 127–150, 2018. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/eav/article/ view/152562. Acesso em: 20 dez. 2020. BRASIL. Lei de 15 de outubro de 1827. Manda crear escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos do Império. Coleção de Leis do Império, Rio de Janeiro, 15 out. 1827. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/ LIM..-15-10-1827.htm. Acesso em: 20 dez. 2020. CAINELLI, M. A escrita da história e os conteúdos ensinados na disciplina de história no ensino fundamental. Revista Educação e Filosofia Uberlândia, v. 26, nº 51, p. 163–184, jan./jun. 2012. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/EducacaoFilosofia/ article/download/7666/9694/. Acesso em: 20 dez. 2020. CASTANHA, A. P. O ato adicional de 1834 na história da educação brasileira. Revista Brasileira de História da Educação, v. 6, nº 1, 2006. Disponível em: http://periodicos. uem.br/ojs/index.php/rbhe/article/view/38639/20170. Acesso em: 20 dez. 2020. FARIA FILHO, L. M. Instrução elementar no século XIX. In: LOPES, E. M. T.; FARIA FILHO, L. M.; VEIGA, C. G. (org.). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 135–149. HOLANDA, S. B. de. História geral da civilização brasileira: o Brasil monárquico — declínio e queda do Império. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1987. 6 v. KÜNZLE, M. R. C. Análise de MATTOS, S. R. de O Brasil em lições — a história como disciplina escolar em Joaquim Manuel de Macedo. Rio de Janeiro: Acces, 2000. Revista A educação no período de D. Pedro II: novas perspectivas do ensino nacional14 Educar, nº 22, p. 401–404, 2003. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/er/n22/ n22a18.pdf. Acesso em: 20 dez. 2020. MATTOS, S. R. de. O Brasil em lições: a história como disciplina escolar em Joaquim Manuel de Macedo. Rio de Janeiro: Access, 2000. PIAGET, J. Jan Amos Comênio. Recife: Massangana, 2010. Leituras recomendadas BITTENCOURT, C. M. F. Livro didático e saber escolar (1810-1910). Belo Horizonte: Autêntica, 2008. (Coleção História da Educação). BONTEMPI JUNIOR, B.; BOTO, C. O ensino público como projeto de nação: a “Memória” de Martim Francisco (1816-1823). Revista Brasileira de História, v. 34, nº, 68, p. 253–278, 2014. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rbh/v34n68/a13v34n68.pdf. Acesso em: 20 dez. 2020. MACEDO, J. M. de. Lições de historia do Brasil para uso das escolas de instrucção primaria. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1880. STEPHANOU, M.; BASTOS, M. H. C. (org.). Histórias e memória da educação no Brasil: século XIX. Petrópolis: Vozes, 2005. 2 v. VECHIA, A.; LORENZ, K. M. (org.). Programa de ensino da escola secundária brasileira: 1850–1951. Curitiba: Ed. do autor, 1998. Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. A educação no período de D. Pedro II: novas perspectivas do ensino nacional 15 Página 1 Página 2 Página 3 Página 4 Página 5 Página 6 Página 7 Página 8 Página 9 Página 10 Página 11 Página 12 Página 13 Página 14 Página 15
Compartilhar