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A GRANDE BATALHA ESCATOLÓGICA
O Combate Jurídico na Primeira Vinda de Cristo
Leandro A. de Lima
A Grande Batalha Escatológica: O Combate Jurídico na Primeira Vinda de Cristo
Copyright © Leandro A. de Lima, 2018 - Segunda Edição.
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida
sob quaisquer meios existentes sem autorização por escrito dos editores.
Editor: Leandro Antonio de Lima
Revisão: Vivian Lima, Mariza Tavares, Geimar de Lima
Imagem da capa: Guido Reni “O Arcanjo Miguel derrotando Satanás”. 1635. Imagem 
Domínio Público.
ISBN: 978-85-912885-4-0
Lima, Leandro. A Grande Batalha Escatológica.
Leandro Lima, São Paulo: Editora Agathos, 2018. Segunda Edição
1.Teologia. 2. Novo Testamento. I. Escatologia. II. Cristologia.
EDITORA AGATHOS
Rua Promotor Gabriel Netuzzi Perez, 289, São Paulo – SP
www.institutoreformado.com.br
SUMÁRIO
 Introdução...................................................05
 1. A batalha pelo nascimento do rei..........................09
 2. O primeiro confronto com o inimigo......................23
 3. A ousadia dos inimigos.........................................35
 4. A última tentação.................................................51
 5. A batalha na cruz.................................................59
 6. A vitória na ressurreição.......................................77
 7. Excurso 1: Anjos em prisão...................................91
 8. O triunfo da ascensão.........................................111
 9. Excurso 2: O que o inimigo ainda pode fazer.........127
 10. A vinda do Espírito Santo...................................135
	 11.	O	fim	dá	sentido	ao	presente.............................151
	 12.	O	fim	transforma	o	presente..............................159
 
	 Referências	bibliográficas........................................169
AGRADECIMENTOS
Ao Deus gracioso e misericordioso, pela oportunidade de servi-lo 
nesta área da literatura e da teologia.
À minha esposa Vivian, por arranjar sempre toda a logística familiar 
necessária para que eu possa me dedicar à produção literária.
Ao Centro de Pós-Graduação Andrew Jumper, por fornecer o am-
biente, bem como os recursos e o tempo necessário para o desempenho 
dessa função, inclusive a condição de pesquisar fora do Brasil.
À Igreja de Cristo, pela oportunidade de expôr os assuntos desse livro, 
e assim testá-lo antes de publicá-lo.
Philadelphia-USA, 23 de Junho de 2016.
INTRODUÇÃO: A NATUREZA JURÍDICA DA BATALHA
Na expectativa de quase todos os sistemas escatológicos1 está a exis-
tência de uma batalha final, o momento quando as forças satânicas esti-
verem reunidas para lutar contra Deus, e serão derrotadas por Cristo em 
sua vinda. Essa batalha apocalíptica geralmente é chamada de “Armage-
dom” (Ap 16.16). A segunda vinda de Cristo é vista como esse momento 
de batalha, a tão esperada "batalha final". 
De fato, a cena grandiosa do capítulo 19 de Apocalipse sugere isso. Um 
cavaleiro branco surge lá em cima no céu e desce (Ap 19.11), seguido de 
incontáveis exércitos (Ap 19.14). A aproximação da batalha faz um anjo 
convocar as aves, não para lutarem, mas para comerem carnes de reis, co-
mandantes, e todo tipo de soldados que se atreveu a lutar contra o Rei dos 
reis (Ap 19.17-18). Lá embaixo, um exército terreno está congregado para 
pelejar contra o cavaleiro e contra o seu exército (Ap 19.19). Portanto, 
todos os elementos sugerem um momento de uma grande batalha. O que 
geralmente não se percebe é que a batalha não é descrita em seguida. Há 
apenas a rápida descrição de que os inimigos de Cristo foram destruídos 
e lançados no lago de fogo (Ap 19.20-21). Aliás, a batalha não é descrita 
em parte alguma do livro de Apocalipse, apesar de, pelo menos sete ve-
zes, ela ser anunciada, bem como seu resultado (Ap 1.7, 6.15-17, 11.18, 
14.17-20, Ap 16.10-21, Ap 19.11-21, 20.7-10). 
Para aqueles que esperavam a descrição de um combate entre Cristo 
e Satanás cheio de estratégias e de reviravoltas como nos filmes de ação, 
ler o Apocalipse pode ser um pouco frustrante. Não há disputa alguma 
nesse sentido, há apenas um massacre. Cristo volta do céu e esmaga de-
1 Os quatro principais são: amilenismo, prémilenismo, prémilenismo dispen-
sacional e pósmilenismo. Vários livros foram lançados nos últimos anos com diversas 
comparações e críticas entre as posições. Entre eles: C. A. Blaising, L. Gentry, R. Strim-
ple. Three visions on the millennium and beyond. Ed. D. L. Bock. Grand Rapids: Zondervan, 
1999; G. E. Ladd, H. A. Hoyt, L. Boettner, A. A. Hoekema. The Meaning of Millenium: Four 
Views. Edited by: R. G. Clouse. Downers Grove: InterVarsity Press, 1977; S. Hamstra Jr., 
K. Gentry Jr., R. L. Thomas, C. M. Pate. Four Views on the Book of Revelation. Grand Rapids: 
Zondervan, 1998.
finitivamente seus inimigos. Não há força ou soldados suficientes entre 
os inimigos de Cristo para resisti-lo. Esse é o ensino que resulta de todos 
os anúncios da batalha final feitos em Apocalipse: "Pelejarão eles contra 
o Cordeiro, e o Cordeiro os vencerá, pois é o Senhor dos senhores e o Rei 
dos reis” (Ap 17.14). Ou seja, a batalha final é sangrenta, mas apenas para 
os inimigos de Cristo. O sangue deles correrá, simbolicamente falando, 
até a altura dos freios dos cavalos, por quase trezentos quilômetros (Ap 
14.20)2.
A vitória incontestável de Cristo, na verdade, foi construída muito an-
tes disso, e foi uma batalha de natureza jurídica. O “Armagedom” será 
apenas o momento de desfecho, a consumação, por causa da grande vi-
tória de Cristo, a qual foi o verdadeiro momento em que ele derrotou de 
maneira escatológica seus inimigos. Estamos falando da primeira vinda 
do Senhor, quando aconteceu uma luta verdadeiramente sangrenta. Foi 
nela que nosso Senhor sangrou. Foi quando de fato houve uma guerra 
intensa, cheia de estratégias malignas, confrontos quase diários, até que 
Cristo triunfou sobre seu grande inimigo, porém, não sem antes se sub-
meter ao poder do mal (Lc 22.53).
Não podemos entender a segunda vinda de Cristo sem compreender 
os aspectos jurídicos relacionados à sua primeira vinda. Nenhuma es-
catologia que possa ser construída a partir dos estudos do Novo Testa-
mento será consistente se não considerar a importância e o impacto da 
primeira vinda de Cristo sobre este mundo. Podemos dizer que ela foi o 
começo do “Apocalipse”.
O aspecto que desejamos enfatizar nesse livro é que, ao contrário do 
que muitas vezes as pessoas pensam e os pregadores pregam, a dispu-
ta que se estabeleceu entre Cristo e Satanás já nas primeiras páginas do 
Novo Testamento, não foi uma disputa para ver quem era mais forte ou 
poderoso. Na verdade, esse tipo de conflito não faria qualquer sentido, 
pois não pode existir comparação entre o poder de Cristo (o Filho de 
Deus) e o poder de Satanás (um anjo caído). Se o confronto fosse para 
mostrar quem é mais poderoso, não teria havido nenhum confronto. O 
Senhor Jesus simplesmente esmagaria Satanás e o lançaria no Lago de 
Fogo, como de fato o fará na sua segunda vinda (Ap 20.10). Então, por 
qual motivo Jesus parece se submeter às exigências de Satanás em cer-
2 O texto menciona 1600 estádios. Um estádio equivalia a cerca de 185 metros. 
No entanto, deve ser notado que 1600 é um múltiplo de quatro, que é o número em 
Apocalipse para o mundo. Portanto, o simbolismo é de um rio de sangue mundial. 
 6 
tos momentos, e até dialoga com ele (como na tentação do deserto), e 
se digna a enfrentar um a um todos os subalternos malignos enviados 
contra ele pelo príncipe do mal? Essa aparente “paciência” de Cristo com 
as forças malignas pode parecer um pouco estranha. Ainda que ele os 
vença em cada um desses conflitos, os quais sempre resultam em ex-
pulsões dos adversários, é de se perguntar por quê as coisas acontecem 
desse modo. Estaria Jesus sujeito a alguma limitação que o impedia de 
exercer seu poder pleno sobre seus inimigos? Haveria alguma razão não 
convencional para ele agir do modo como agiu, inclusive marchandoaté 
a pior das mortes, a morte de cruz? 
No nosso entendimento, os aspectos jurídicos relacionados à vida e 
morte de Jesus não explicam para nós unicamente a questão central de 
nossa justificação pela fé, como bem demonstraram os reformadores, 
especialmente Calvino,3 que estabeleceram o fundamento jurídico ou 
forense da nossa justificação,4 mas explicam também todos os eventos 
relacionados à vida de Cristo neste mundo, dentro do escopo maior da 
história da salvação, a qual começa formalmente em Gênesis. No cen-
tro de toda essa história está uma disputa jurídica. Compreender isso 
nos dará mais subsídios para entender o modo como os homens foram 
salvos no Antigo Testamento, mesmo que num aspecto meio que pro-
visório (Hb 10.2-4), e como os crentes são salvos no Novo Testamento, 
usufruindo da plenitude da grande conquista de Cristo. Nos ajudará a 
entender melhor também nossa própria vida cristã diária, os conflitos 
com o inimigo, quais riscos corremos e quais armas dispomos para o 
combate. E, finalmente, nos ajudará a entender a segunda vinda de Jesus, 
e o que realmente ainda precisa acontecer nela. 
3 João Calvino, Institutas, II,16,1-19; III, 11-19. Calvino foi preciso ao dizer: 
“isto nos ocorre desde o início: que a questão foi movida não em relação à justiça de 
foro humano, mas do tribunal celeste”. (Edição Clássica, III, 12.1). 
4 Ou seja, contrariamente ao que muitos pensavam durante a Idade Média, Je-
sus não pagou um resgate a Satanás pelos pecados dos homens, mas de fato pagou um 
resgate a Deus, pois quem precisava ter sua justiça “reparada” não era o inimigo, e sim 
o próprio Deus, o Supremo Juiz. A fim de satisfazer as exigências divinas e garantir 
perante o tribunal celeste a salvação dos pecadores crentes e arrependidos, Jesus ofer-
eceu um sacrifício expiatório, ou seja, substitutivo, morrendo em nosso lugar e, assim, 
assumiu nossa culpa e nossa pena. Porém, se a Reforma teve o grande mérito de, por 
um lado, colocar Satanás no seu devido lugar no que diz respeito à salvação, ou seja, 
não como aquele por exigência de quem a expiação foi feita, mas justamente como 
aquele que deveria sofrer a maior perda em todo esse processo, por outro lado, pode 
ter enfatizado insuficientemente o verdadeiro papel de Satanás em todo esse processo.
 7
A imagem comum de um tribunal, a qual parece de fato ser a que a 
própria Bíblia representa, obviamente tem a figura do juiz, do réu e do 
advogado. O juiz é Deus, o réu é o ser humano, o advogado ou defensor, 
graças a Deus, é Cristo (1Jo 2.1). Mas está faltando uma pessoa nesse 
esquema. É claro que não está faltando no modo como a Bíblia o expõe, 
pois a função do “acusador” é bem evidente no texto bíblico (Jó 1.6-12; 
Zc 3.1; Ap 12.10). Por algum motivo, porém, essa cadeira recebe pouco 
destaque nas exposições sobre a doutrina da justificação. Não se trata 
de dar louvor a ele, evidentemente, mas de entender o real papel dele 
em tudo isso, pois quando se entende melhor esse assunto, é possível 
também compreender mais plenamente qual foi a redenção que Cristo 
concretizou, e a grandeza de sua obra redentiva como um todo.
Nos estudos deste trabalho, procuraremos mostrar o ensino do Novo 
Testamento a respeito da grande vitória de Cristo, a qual foi conquistada 
em sua primeira vinda, e será consumada na segunda. Não é uma ques-
tão de diminuir a importância da segunda vinda de Cristo, a qual será 
cheia de bem-aventuranças para o povo fiel de Deus, mas de resgatar a 
importância da primeira vinda de Jesus. Se, por um lado, para o cristão, 
sempre há a expectativa de que o melhor ainda esteja por vir, é nosso 
desejo através desse trabalho chamar a atenção para o fato de que, num 
aspecto, o melhor já veio, já é realidade para o povo de Deus. Assim, o 
povo de Deus pode entender com mais detalhes sua própria vitória em 
Cristo, e todos os recursos disponíveis que ele deixou para a luta diária 
contra um inimigo já derrotado, mas que ainda não se rendeu.
Uma ressalva precisa ser feita nesse momento, a que diz respeito ao 
fato de que às vezes usamos nesse trabalho termos ou comparações li-
gados ao linguajar jurídico moderno. Usamos isso apenas como uma 
maneira aproximada e ilustrativa. Não temos a intenção de justificar ou 
fundamentar a batalha escatológica em rigorosa terminologia jurídica 
moderna, mas na teologia bíblica.
 
 8
1. A BATALHA PELO NASCIMENTO DO REI
Ao abrir o Novo Testamento, o leitor logo toma consciência de que 
eventos escatológicos estão se cumprindo, enquanto que outros estão 
sendo preditos. A vinda de Jesus foi uma manifestação escatológica, um 
verdadeiro ato apocalíptico1, pois quando veio aqui, Jesus revelou que es-
tava estabelecendo o reino de Deus (Mt 3.2, Lc 17.20-21). Entender esse 
conceito inaugural da escatologia no Novo Testamento é essencial para 
entender a mensagem escatológica da Bíblia como um todo2. 
A vinda de Cristo a este mundo, desde seu nascimento em Belém até 
seu retorno na Ascensão, se compôs de eventos que encontram-se dire-
tamente ligados à atuação maligna neste mundo. A vinda de Cristo foi 
uma declaração de guerra contra os inimigos. Porém, não uma guerra 
convencional. A característica mais notável da guerra que teve início com 
o nascimento de Jesus foi a natureza jurídica desta guerra. Não foi uma 
guerra com base em “força” ou “número de soldados”, mas uma guerra 
por “direito”, por “legitimidade”.
O primeiro dos grandes eventos da batalha escatológica foi justamen-
te o nascimento de Cristo. O ensino do Novo Testamento é que Deus 
enviou seu filho para um mundo perverso, um frágil bebê foi enviado 
para o meio de um lugar dominado por demônios. Esse envio foi cercado 
de elementos paradoxais. Céus e terra entraram em conflito, enquanto 
um casal de humildes trabalhadores marchava da Galiléia para Belém. A 
maior profecia de todos os tempos estava para se cumprir. Quando o rei 
nascesse, o grande tirano seria derrotado, e o mundo nunca mais seria o 
mesmo.
1 O termo “apocalipse” significa revelação.
2 Devemos nos acostumar a ver a mensagem escatológica em todos os eventos 
redentivos, e em todo o processo de revelação divina. Tudo na Bíblia é escatologia, por-
que desde o início Deus já anunciou o fim. Van Groningen diz: “As Escrituras do Antigo 
Testamento revelam-nos que Deus incluiu o fim no começo” (Gerard Van Groningen. 
Criação e Consumação. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, Vol 1, p. 30). Nesse sentido, a 
mensagem de Jesus também foi essencialmente escatológica, porque apontava para o 
início e para o fim.
I. O exército celeste
Há um forte envolvimento dos anjos no nascimento de Jesus. Como 
mensageiros do céu (anjo significa mensageiro), eles vieram à terra para 
anunciar aos homens que o rei estava para nascer. A presença deles é 
uma indicação de que existe algo mais em cena, um conflito maior, que 
os olhos humanos não podem ver.
O primeiro dos anjos a entrar em ação é Gabriel. Ele foi enviado para 
anunciar tanto o nascimento de Jesus, quanto o de João Batista (Lc 1.18-
19, Lc 1.26ss). Para Maria, especificamente, ele prometeu que um filho 
seria gerado nela de forma sobrenatural. A descrição dos atributos e di-
reitos desse filho foram descritos assim: “Este será grande e será chama-
do Filho do Altíssimo; Deus, o Senhor, lhe dará o trono de Davi, seu pai; 
ele reinará para sempre sobre a casa de Jacó, e o seu reinado não terá 
fim". (Lc 1.32-33). 
Essa foi a primeira aparição de Gabriel, desde o que foi relatado no 
capítulo 9 de Daniel, quase quinhentos anos antes. Naquela ocasião, Da-
niel compreendeu que o povo de Israel ficaria 70 anos no cativeiro ba-
bilônico, e que o tempo estava se esgotando sem parecer haver menção 
divina de cumprir a promessa. Então, o profeta se lançou numa oração 
de confissão de pecados por si mesmo e por seu povo. Em resposta, o 
anjo Gabriel foi enviado para consolar o profeta e também para fazer um 
anúncio. No anúncio, o anjo assegurou o retorno dos exilados para Jeru-
salém, porémsuas declarações tiveram um conteúdo que foi muito além 
desse fato. Na famosa profecia das setenta semanas de Daniel, Deus re-
velou através de Gabriel o curso da história inteira (Dn 9.24-27). A com-
paração da passagem é interessante, pois Daniel entendeu que setenta 
anos estavam determinados para o exílio, no entanto, Gabriel disse que 
setenta setes estavam determinados sobre o povo de Israel. Ele dividiu 
esses setenta setes em três partes. A primeira parte eram sete setes (49 
anos), a qual envolvia o tempo, provavelmente, até que o povo voltasse 
para Jerusalém. A segunda parte eram 62 setes ou 434 anos (49+434 = 
483), envolvendo o tempo até o ungido, ou seja, até a vinda do Messias. 
A terceira parte era um sete (dividido ao meio, meia semana de aliança, 
meia semana de destruição). Se, por um lado, o simbolismo do núme-
ro sete nos textos apocalípticos nos impede de tentarmos entender isso 
de uma forma literal, mesmo assim, é surpreendente a aproximação das 
 10
somas, porque se somarmos 483 anos a partir dos dias de Daniel, chega-
remos a uma data no começo do primeiro século, ou seja, justamente nos 
dias em que Jesus andou em Nazaré. 
Portanto, o mesmo Gabriel que anunciou o nascimento do Messias 
à Daniel, foi enviado para anunciar o cumprimento da promessa divina 
para Maria, no período praticamente exato que havia sido anunciado por 
ele mesmo: o rei eterno estava para nascer. 
Lembramos ainda, que Gabriel fez aquele (e outros anúncios para Da-
niel), em meio a uma batalha com outros poderes angelicais, quando foi 
detido por “principados” da Pérsia e da Grécia (Dn 10.12-14). Gabriel 
revelou a Daniel que foi detido pelo “príncipe” dos reinos da Pérsia por 
vinte e um dias. Esse “príncipe” que deteve Gabriel só pode ser “um anjo, 
uma vez que nenhum príncipe humano poderia deter Gabriel”3. Porém, 
evidentemente, tratava-se de um anjo caído. Além disso, a presença de Mi-
guel, naquela ocasião, saindo em socorro de Gabriel para possibilitar que 
ele levasse a mensagem, é uma indicação de que “anjos contendem pela 
Igreja de Deus tanto de forma geral quanto por membros individuais”4. 
Infelizmente, não temos maiores informações sobre aquele confronto en-
tre anjos celestes e príncipes demoníacos, de modo que não podemos 
fazer maiores formulações, nem mesmo dizer qual foi o motivo em si do 
confronto, exceto que foi uma tentativa dos anjos caídos de impedir que 
Gabriel fosse até Daniel. Porém, podemos ver, pela descrição de Daniel 
que, naquele tempo, este mundo era um local disputado por poderes de 
natureza espiritual, e que poderes demoníacos exerciam autoridade sobre 
determinadas áreas, como a Pérsia e a Grécia (Dn 10.20). Esses dois rei-
nos eram os mais poderosos do mundo. A Pérsia era exatamente o local 
onde ficava a cidade de Babilônia onde Daniel estava. A oração de Daniel, 
sem dúvida, era pelo cumprimento da salvação prometida ao seu povo5. 
No entanto, Gabriel foi enviado para dizer a Daniel que a visão se referia 
“a dias ainda distantes” (Dn 10.14). 
Centenas de anos depois, o mesmo Gabriel foi enviado outra vez à 
terra, dessa vez para anunciar àquela que seria a mãe do Salvador, que 
3 Stephen R. Miller. Daniel. The New American Commentary. Nashville: Broad-
man & Holman Publishers, 1994, 18:285.
4 John Calvin e Thomas Myers. Commentary on the Book of the Prophet Daniel. Bel-
lingham, WA: Logos Bible Software, 2010, 2:253. Entretanto, Calvino acreditava que 
esse “príncipe da Pérsia” fosse uma referência a seres humanos.
5 Carl Friedrich Keil e Franz Delitzsch. Commentary on the Old Testament. Peabo-
dy, MA: Hendrickson, 1996, 9:770.
11
finalmente Deus cumpriria suas promessas. O Antigo Testamento anun-
ciou que o Messias seria chamado de “Filho de Deus” e se assentaria no 
“Trono de Davi”. Gabriel veio justamente trazer essa confirmação iden-
tificando o menino que nasceria de Maria como o Messias prometido. 
Notamos também a promessa angelical de um reino sem fim sobre a casa 
de Jacó. Essa era uma promessa do Antigo Testamento, e também do 
próprio livro de Daniel (Dn 7.27). Cristo veio para desbancar os antigos 
principados deste mundo.
Em suas palavras diante de sua parente Isabel, Maria mencionou um 
fato interessante a respeito de sua concepção: “Agiu com o seu braço va-
lorosamente; dispersou os que, no coração, alimentavam pensamentos 
soberbos. Derribou do seu trono os poderosos e exaltou os humildes” 
(Lc 1.51-52). Uma pergunta possível é: quem são esses “poderosos” que 
foram derrubados dos seus tronos com o nascimento de Jesus? É possí-
vel que seja apenas uma forma retórica e poética de dizer que Deus favo-
receu os humildes em vez dos poderosos da terra. Porém, não é absurdo 
conjecturar que a vinda de Cristo foi para tirar muitos poderes malignos 
dos seus tronos.
Zacarias, o pai de João Batista, também profetizou que a missão de 
seu filho era ir adiante do Senhor, preparando caminho a ele, para que 
Deus viesse a cumprir suas antigas promessas, feitas, nas palavras de Za-
carias: 
desde a antiguidade, por boca dos seus santos profetas, para nos 
libertar dos nossos inimigos e das mãos de todos os que nos odeiam; 
para usar de misericórdia com os nossos pais e lembrar-se da sua 
santa aliança e do juramento que fez a Abraão, o nosso pai, de 
conceder-nos que, livres das mãos de inimigos, o adorássemos sem 
temor (Lc 1.70-74). 
Mais uma vez deve ser perguntado: quem são esses inimigos a res-
peito de quem Cristo viria para libertar seu povo? Muitos pensavam que 
seriam os romanos, mas o próprio Jesus mostrou diversas vezes que ha-
via inimigos mais poderosos: os principados demoníacos. Jesus em mo-
mento algum entrou em confronto com os romanos, mas esteve o tempo 
todo, durante seu ministério, em confronto com os poderes satânicos.
No capítulo 2 de Lucas, o envolvimento dos anjos no nascimento de 
Jesus é mais uma vez descrito:
 12
Naqueles dias, foi publicado um decreto de César Augusto, 
convocando toda a população do império para recensear-se. Este, o 
primeiro recenseamento, foi feito quando Quirino era governador da 
Síria. Todos iam alistar-se, cada um à sua própria cidade. José também 
subiu da Galiléia, da cidade de Nazaré, para a Judéia, à cidade de Davi, 
chamada Belém, por ser ele da casa e família de Davi, a fim de alistar-
se com Maria, sua esposa, que estava grávida (Lc 2.1-5).
Os dados históricos mencionados por Lucas além de apontarem para 
a historicidade dos fatos, e localizarem o nascimento de Jesus no tempo e 
no espaço, têm também o poder de montar o cenário completo do nasci-
mento do Senhor. Percebe-se que não se trata de um cenário meramente 
criado por homens, algo aleatório ou coincidente, mas de um cenário 
preparado por Deus. A profecia dizia que Jesus devia nascer em Belém 
(Mq 5.2, Mt 2.5-6), mas seus pais moravam na Galiléia. Então, um de-
creto do imperador romano possibilitou que a profecia fosse cumprida. 
Ele ordenou um recenseamento de seu império, obrigando todos a re-
tornarem às suas cidades natais para se alistarem. E assim, utilizando-se 
de instrumentos humanos, como homens comuns ou até mesmo o im-
perador de Roma, Deus conduziu os eventos da história humana para se 
encaixarem à história de seu Filho que precisava nascer em Belém.
Uma vez instalados em Belém, Lucas continua: “Estando eles ali, 
aconteceu completarem-se-lhe os dias, e ela deu à luz o seu filho primo-
gênito, enfaixou-o e o deitou numa manjedoura, porque não havia lugar 
para eles na hospedaria” (Lc 2.7-8). Porém, essa descrição não parece se 
encaixar com o nascimento de um grande rei. Não há anúncios para ou-
tros reis, não há festejos, não há canções. Então, mais uma vez os anjos 
entram em cena para completar o que está faltando: 
Havia, naquela mesma região, pastores que viviam nos campos e 
guardavam o seu rebanho durante as vigílias da noite. E um anjo 
do Senhor desceu aonde eles estavam, e a glória do Senhor brilhou 
ao redor deles; e ficaram tomados de grande temor. O anjo, porém, 
lhesdisse: Não temais; eis aqui vos trago boa-nova de grande alegria, 
que o será para todo o povo: é que hoje vos nasceu, na cidade de 
Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor. E isto vos servirá de sinal: 
encontrareis uma criança envolta em faixas e deitada em manjedoura. 
E, subitamente, apareceu com o anjo uma multidão da milícia celestial, 
louvando a Deus e dizendo: Glória a Deus nas maiores alturas, e paz 
na terra entre os homens, a quem ele quer bem” (Lc 2.8-14).
13
O anjo cumpriu a digna e apropriada função de anunciar o nasci-
mento de Jesus, o rei do céu, chamando-o pelos três impressionantes 
títulos de “Salvador, Cristo e Senhor”. Cada um desses títulos demanda a 
confecção de tratados teológicos inteiros para que sejam suficientemente 
explicados. Em resumo, entretanto, podemos dizer que Salvador6 é sua 
missão, Cristo é sua identidade distinta, e Senhor é sua posição. Essa é 
uma sequência interessante, pois vista de uma perspectiva invertida, ve-
mos que o soberano foi escolhido para salvar, o que significa dizer que o 
soberano foi destinado a morrer.
O anjo ainda advertiu da precária situação humana dele: encontrareis 
uma criança envolta em faixas e deitada na manjedoura. Esse foi o modo 
paradoxal que Deus usou para enviar seu filho ao mundo. O guerrei-
ro celeste, o rei conquistador, nasceu num estábulo e foi posto em uma 
manjedoura. Uma simples criança veio a um mundo tomado por demô-
nios. Um bebê anônimo e aparentemente indefeso, uma criança frágil 
e pobre enviada contra o grande usurpador. Porém, a descrição pare-
ce não conseguir ocultar totalmente a identidade da criança, pois assim 
que o anjo fez seu anúncio, algo súbito aconteceu, os céus se rasgaram 
e surgiu uma “multidão da milícia celestial”, que explodiu em louvores 
a Deus, em comemoração ao nascimento. Literalmente, Lucas disse que 
“um grande exército do céu” (πλῆθος στρατιᾶς οὐρανίου) apareceu ali. 
A pergunta que fica é: o que um numeroso exército de guerreiros celestes 
estava fazendo no nascimento de uma criança? Podemos dizer que eram 
os soldados da criança. Quem estava nascendo era, na verdade, aquele 
que podia solicitar ao pai para que legiões de anjos lhe fossem enviados 
(Mt 26.53). Portanto, o grande general havia nascido. E, muito mais do 
que um general, na verdade, o próprio Rei celeste. 
A aparição desse grande exército celeste no exato momento do nas-
cimento de Jesus nos revela a real natureza de seu nascimento. Foi uma 
ação de guerra. Céus e terra estavam entrando em rota de colisão. A de-
cisiva batalha escatológica havia começado. Porém, aquele exército lá em 
6 Esse termo (e também o termo Senhor) foi aplicado aos imperadores roma-
nos. Apesar das origens da linguagem aqui poderem ser satisfatoriamente explicadas 
em termos de pano de fundo judaico, Lucas pode ter desejado que seus leitores vissem 
um contraste com as declarações estrangeiras sobre reis ( I. Howard Marshall. The Gos-
pel of Luke: a commentary on the Greek text. New International Greek Testament Commen-
tary. Exeter: Paternoster Press, 1978, p.110). Isso destacaria a pessoa de Cristo sobre os 
reis e imperadores estrangeiros.
 14
cima, dos guerreiros angélicos que festejaram o nascimento do grande 
rei, teria pouca participação nessa batalha. Aqueles guerreiros teriam que 
se limitar a assistir seus feitos, e servi-lo algumas vezes (Mt 4.11), porém 
todas as esperanças estavam depositadas naquele bebê. Ele teria que lutar 
sozinho contra todas as forças das trevas. As legiões jamais seriam cha-
madas a participar (Mt 26.53).
II. A plenitude do tempo
O Apóstolo Paulo descreveu o nascimento de Jesus como o momento 
decisivo da história do mundo. Jesus nasceu para que os “deuses" des-
se mundo fossem destronados. A grande batalha escatológica teve início 
quando o filho da mulher veio para enfrentar sozinho as trevas. Uma 
batalha pela libertação de seu povo. Uma batalha jurídica.
Na carta aos Gálatas, Paulo está utilizando terminologia legal de es-
cravos e senhores para explicar o significado da vinda de Cristo e da li-
bertação conquistada pelo evangelho. Tendo em mente o povo judeu, o 
qual era “descendente de Abraão”, e, portanto, tinha “direito" técnico às 
promessas de Deus, Paulo explica que até que o Messias viesse, o povo 
judeu estava em um estado de “menoridade legal”, ou seja, sob a tutela da 
lei (Gl 3.23-24). Como “menor” de idade, Paulo completa, a situação de 
alguém é igual a de um escravo, mesmo que seja um herdeiro, pois está 
sob tutores e curadores até o tempo predeterminado pelo pai” (Gl 4.1-
2). A pergunta é: quem são esses “tutores e curadores” que mantinham 
o povo judeu num estado de “escravidão”? E, é preciso notar, que Paulo 
não está falando apenas dos judeus, mas também dos gentios que haviam 
se convertido a Cristo, e os está chamando de “descendentes de Abraão 
e herdeiros segundo a promessa”. Ao que parece, os tutores e curadores 
dos judeus se reúnem na figura da “Lei de Deus”, a qual serviu de aio 
para conduzir a Cristo (Gl 3.24). Mas os gentios não tinham “a Lei” nesse 
sentido, então, é preciso perguntar: quem eram os responsáveis pela “es-
cravidão" dos gentios? Paulo responde no verso 3: “Assim, também nós, 
quando éramos menores, estávamos servilmente sujeitos aos rudimentos 
do mundo”. Antes de Cristo ter sido enviado, Paulo está dizendo, nós 
estávamos sujeitos aos "rudimentos do mundo”. Essa é uma interessante 
expressão utilizada por Paulo. Literalmente ele diz que nós estávamos 
“sob" os rudimentos do mundo (ὑπὸ τὰ στοιχεῖα τοῦ κόσμου). O termo 
(“os rudimentos" τὰ στοιχεῖα), segundo a definição da maioria dos lé-
15
xicos gregos aponta para “elementos que compõem o universo criado, 
incluindo corpos celestes e forças sobrenaturais que governam aspectos 
da criação”7. A expressão evoca um conceito muito próximo ao que é tra-
duzido por “principados e potestades”, ou seja, autoridades espirituais. 
Logo em seguida, Paulo menciona que os gentios, antes de se tornarem 
cristãos, serviam “a deuses que, por natureza, não o são” (Gl 4.8)8. Por-
tanto, o termo, provavelmente, se refere aos principados e potestades que 
atuavam através daqueles deuses adorados pelos gentios. Eram autorida-
des espirituais malignas que os escravizavam.
O ponto chave é que toda essa “escravidão”, tanto dos judeus (legal), 
quanto dos gentios (idolatria), teve o início do seu fim com o nascimento 
de Jesus: “vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, 
nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam sob a 
lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos” (Gl 4.4-5).
A expressão “plenitude do tempo” (τὸ πλήρωμα τοῦ χρόνου) deve ser 
vista como o momento quando, no plano divino, a hora marcada che-
gou. Quando o último grão de areia caiu na ampulheta do tempo divino, 
então, o Filho de Deus foi enviado ao mundo. Por isso, o exército celeste 
comemorou o nascimento naquele dia. Os poderes do céu assistiram ao 
momento quando o Filho se fez carne. Naquele momento, Deus virou a 
ampulheta. Um tempo terminou, porém, outro começou. Os grãos co-
meçaram a cair outra vez, até que o último venha a cair, quando então 
com ele também cairá o último inimigo (1Co 15.26).
Paulo usa duas designações altamente significativas para descrever o 
nascimento de Jesus na passagem de Gálatas. Ele diz: “nascido de mu-
lher” (γενόμενον ἐκ γυναικός), “nascido sob lei” (γενόμενον ὑπὸ νόμον). 
Essas duas expressões resumem todos os objetivos da vinda de Jesus ao 
mundo, tanto para com os judeus, quanto para com a humanidade em 
geral. A expressão “nascido de mulher” aponta para a missão mais am-
7 Jonathon Lookadoo. στοιχεῖον. In Lexham Theological Wordbook, Bellingham: 
Lexham Press, 2014.
8 No mundo grego, o termo era usado para definir os quatro elementos do 
mundo: terra, água, fogo e ar. Porém, esses elementos eram representados por deuses 
(Demeter, Poseidon, Hera, Hephaestus). Ver F. F. Bruce. The Epistle to the Galatians: a 
commentary on the Greek text. NewInternational Greek Testament Commentary. Grand 
Rapids, MI: W.B. Eerdmans Pub. Co., 1982, p. 193). Essa noção foi desenvolvida es-
pecialmente por Philo que comparou os quatro elementos (στοιχεῖα) com os deuses 
gregos (Charles Duke Yonge with Philo of Alexandria. The works of Philo: complete and 
unabridged. Peabody, MA: Hendrickson, 1995, p. 698).
 16
pla de Jesus, de ser aquele antigo descendente prometido à mulher, o 
“descendente" que esmagaria a cabeça da serpente (Gn 3.15). Portanto, 
ele veio para destruir os principados e potestades, os “rudimentos deste 
mundo”, os poderes invisíveis e demoníacos que eram adorados através 
das estátuas dos deuses pagãos, e que escravizavam os gentios. 
Porém, Cristo veio para cumprir uma missão ainda mais específica, 
por isso ele nasceu “sob Lei”. Aqui, todo o aspecto jurídico de sua bata-
lha escatológica é revelado. Sendo obediente à Lei, Cristo poderia final-
mente “resgatar os que estavam sob a lei”. Desse modo, percebemos que 
Jesus realizou dois grandes e tremendos feitos: retirou o aio dos judeus, 
e removeu o domínio dos “poderes deste mundo” de sobre os gentios. E, 
transformou ambos em “filhos de Deus”, tendo enviado o Espírito Santo a 
ambos (Gl 4.6)9. Por esse motivo, os judeus não precisavam voltar ao aio, 
e nem os gentios aos “deuses” deste mundo (Gl 4.8-9).
Aprofundando um pouco essa questão, podemos dizer que Satanás 
usava a Lei para “acusar” o povo de Israel que já estava num relaciona-
mento de Aliança com Deus, e usava essa mesma Lei para “impedir” que 
os estrangeiros pudessem entrar nesse pacto. Por esse motivo, em Apo-
calipse, ele é descrito como o “enganador” (sedutor) de todo o mundo 
(Ap 12.9), e como o “acusador” dos fiéis (Ap 12.10), ou seja, uma missão 
ampla e outra mais específica. Assim, essas devem ser vistas como as duas 
grandes funções das forças malignas, capitaneadas por Satanás, e realiza-
das neste mundo. A vinda de Cristo, na plenitude dos tempos, nascido 
da mulher, nascido sob a lei, foi para destronar aquelas forças malignas 
que mantinham as nações nas trevas, e acusavam os fiéis diante de Deus.
III A tocaia do dragão
Apocalipse 12 é o lugar onde a batalha escatológica que teve início 
com o nascimento de Jesus está descrita da forma mais extraordinária 
possível: 
9 Como diz Timothy George: “Se a redenção implica basicamente um aspecto 
negativo - resgatou da maldição da lei, do mercado de escravos do pecado, das garras 
dos espíritos elementais hostis - Paulo passou a mostrar efeitos positivos do sofrimento 
e da morte sacrificial de Cristo. O Filho de Deus nasceu de uma mulher e foi coloca-
do sob a lei, a fim de nos redimir da lei, para que recebêssemos “os direitos de filhos” 
(Timothy George. Galatians. The New American Commentary. Nashville: Broadman & 
Holman Publishers, 1994, 30:304).
17
Viu-se grande sinal no céu, a saber, uma mulher vestida do sol com 
a lua debaixo dos pés e uma coroa de doze estrelas na cabeça, que, 
achando-se grávida, grita com as dores de parto, sofrendo tormentos 
para dar à luz. Viu-se, também, outro sinal no céu, e eis um dragão, 
grande, vermelho, com sete cabeças, dez chifres e, nas cabeças, sete 
diademas. A sua cauda arrastava a terça parte das estrelas do céu, as 
quais lançou para a terra; e o dragão se deteve em frente da mulher 
que estava para dar à luz, a fim de lhe devorar o filho quando nascesse. 
Nasceu-lhe, pois, um filho varão, que há de reger todas as nações com 
cetro de ferro (Ap 12.1-5a).
O capítulo 12 de Apocalipse reverbera, amplia e interpreta a antiga 
narrativa do capítulo 3 de Gênesis, a respeito da mulher e da serpente. Os 
dois textos falam sobre uma mulher grávida que sofre as dores do parto, 
e sobre um filho (descendente) da mulher. Ambos mostram o inimigo 
(dragão - serpente), e, principalmente, mencionam uma inimizade. As 
semelhanças são claras, mas não se pode deixar de notar a ampliação do 
sentido dado pelo texto do Apocalipse através de todo o seu simbolismo. 
A mulher, (que estivera nua em Gênesis, depois vestida com folhas de 
figueira, e depois com as vestes de peles que o Senhor preparou), agora 
está vestida de sol, com a lua debaixo dos pés e uma coroa de doze es-
trelas. Aqui também é possível ver a sobreposição das interpretações do 
Antigo Testamento na visão, pois há outra cena do Antigo Testamento 
que fala em sol, lua e doze estrelas. Trata-se do sonho de José. O filho 
de Jacó relatou seu sonho para seu pai e irmãos do seguinte modo: “So-
nhei também que o sol, a lua e onze estrelas se inclinavam perante mim” 
(Gn 37.9). José estava se referindo ao seu pai, mãe e onze irmãos, sendo 
ele próprio o décimo segundo, ou a décima segunda estrela, ou seja, o 
simbolismo se aplica ao núcleo da família de Jacó com as doze tribos de 
Israel representadas por seus patriarcas. Portanto, João está asseverando 
que a mulher gloriosa é realmente o povo da antiga aliança (Israel), po-
rém regredindo genealogicamente até Eva, que foi tentada pela serpente 
(dragão) em Gênesis. Portanto, é todo o povo santo de Deus, ao longo 
de todo o Antigo Testamento. Diversas vezes, no Antigo Testamento, a 
nação de Israel é descrita como uma mulher, a “esposa” do Senhor, po-
rém, uma esposa muitas vezes infiel, como Eva de certo modo o foi ( Jr 
31.32, Ez 16.1ss, Os 3.1). De qualquer modo, a cena da mulher grávida 
é o anúncio divino de que o Messias finalmente vai nascer e, assim, to-
das as promessas de libertação vão se concretizar para a mulher (povo 
 18
de Deus). Aponta para a expectativa de toda a Bíblia, desde Gênesis 3: 
a vinda do Messias que trará a benevolência de Deus para seu povo, e o 
julgamento sobre os perversos. Tudo isso, no entanto, está em completa e 
total relação com o dragão, o qual é descrito em seguida como se aproxi-
mando da mulher para devorar o filho.
Justamente no estado de glória-fragilidade da mulher, aparece o ou-
tro grande sinal também no céu. Nesse ponto, João chama a atenção dos 
leitores. Ele diz “olhe” (uma espécie de imperativo10 - καὶ ἰδοὺ), aí está 
um dragão11, grande, vermelho, com sete cabeças, dez chifres e sete dia-
demas! E deste modo, João faz a visão do leitor ser direcionada da beleza 
radiante da mulher grávida para o poder e repugnância do dragão. 
As intenções do dragão são reveladas nesse momento. A criatura gi-
gante e terrível está diante da mulher com um propósito nefasto: devorar 
o filho. Ele quer frustrar todas as expectativas de vida e bênção prome-
tidas ao povo de Deus através do nascimento daquela criança. Portanto, 
com esse quadro, João completa o significado da grande guerra cósmica 
que alcançou um ápice com o nascimento de Jesus. 
Em Gn 3.15, Deus anunciou à serpente que um descendente da mu-
lher iria lhe esmagar a cabeça. Levando-se em conta o uso indireto que 
João faz do Antigo Testamento, é possível interpretar, que a referência do 
Apocalipse para o momento em que o dragão “espera” o nascimento do 
Filho para o devorar, portanto, tem relação com a própria promessa-mal-
dição proferida por Deus para a serpente em Gn 3.15. Aqui está o motivo 
pelo qual João descreve o dragão, em Apocalipse, diante da mulher com 
a intenção de devorar o seu descendente. Afinal, Deus revelou desde o 
início que o esforço da serpente seria picar o calcanhar do descendente. 
É possível que o texto evoque as diversas vezes que o Antigo Testamento 
revelou que a continuidade da “semente da mulher” esteve ameaçada. 
Como aconteceram nas passagens do Gênesis quando Caim assassinou 
seu irmão Abel, ou quando o próprio Deus decidiu destruir o mundo no 
Dilúvio. A cada passo, no Antigo Testamento, narra-se que a descendên-
cia prometida da mulher está sob o risco de desaparecer, e sempre está 
10 Simon J. Kistemaker. Apocalipse. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 452.
11 No Antigo Testamento, o dragão é a imagem de um grande monstro marinho, 
que recebe diversos títulos em hebraico como tannin (Jó 7.12, Is 27.1), raabe (Sl 87.4, 
89.10) e leviatã (Jó 3.8, 41.1, Sl74.14, 104.26, Is 27.1, Jr 51.34). Em alguns momentos, a 
figura simboliza nações como o Egito ou Babilônia (Is 51.9, Jr 51.34, Ez 29.3, 32.2). Em 
Apocalipse, entretanto, ele é identificado como Satanás, aquele que engana as nações.
18
sendo resgatada por uma intervenção divina12. Como quando Abraão 
precisava ter um filho, porém Sara era estéril; ou quando o próprio Deus 
mandou que Abraão sacrificasse Isaque, mas providenciou um substitu-
to. Ao longo de todo o Antigo Testamento, o povo de Deus e a descen-
dência prometida enfrentam riscos, extermínios, fugas, e experimentam 
o socorro divino por caminhos inusitados (2Rs 11.1-2). Aí está a razão 
dos “tormentos” (βασανιζομένη) que a mulher sofre para dar à luz, ou 
seja, não se tratam apenas das dores naturais de parto, mas de uma ter-
rível provação, um grande e custoso esforço para dar à luz13. A ameaça 
contínua do dragão é a razão desse esforço. 
Porém, a derrota do dragão está expressa pelo fato de ele não ter con-
seguido impedir isso: “Nasceu-lhe, pois, um filho varão”. Esse filho veio 
para reinar. Portanto, o nascimento de Cristo foi o começo da grande 
derrota escatológica do dragão14. Deus cumpriu sua antiga promessa de 
enviar um descendente de Eva ao mundo, porém, agora sabemos que o 
"filho da mulher" não seria um mero homem, mas o próprio Filho de 
Deus.
Conclusão
Através de seu nascimento, Jesus começou a derrotar Satanás, pois 
sua presença aqui neste mundo, como foi visto acima, representava a 
chegada legítima do Reino de Deus a este mundo. Por esse motivo, os 
demônios não puderam resisti-lo. A guerra declarada em Gênesis 3.14-
15, finalmente chegava em um momento decisivo. Porém, da perspectiva 
divina, tratava-se de uma guerra jurídica. A batalha decisiva dessa guer-
ra estava começando em Belém, quando José e Maria para lá rumaram, 
atendendo ao decreto de um servo do próprio dragão.
12 William Hendriksen. Mais Que Vencedores. São Paulo: Cultura Cristã, 1987, p. 
167-171.
13 G. K. Beale. The Book of Revelation: a commentary on the greek text. The new inter-
national greek testament commentary. Grand Rapids: Eerdmans, 1999, p. 630.
14 Por fim, sem conseguir impedir que o filho da mulher nascesse, restou ao dra-
gão tentar matá-lo ainda criança. A matança dos meninos com menos de dois anos em 
Belém, ordenada por Herodes, por certo fixou-se na mente dos leitores de João quando 
leram a descrição da fúria do dragão tentando devorar o filho da mulher. Nota-se, 
porém, que o filho fora arrebatado. O Evangelho de Mateus diz que José, sabendo por 
meio dos magos que Herodes pretendia fazer algum mal à criança, fugiu para o Egito 
(Mt 2.13-18).
 20
A vinda de Jesus trouxe o futuro para o presente, porém, isso não sig-
nifica que a presente era tenha chegado ao fim em termos absolutos. 
Na verdade, a manifestação de Cristo, somente pode ser corretamente 
entendida à luz do conceito do mundo decaído15. Deus trouxe o futuro 
para o presente a fim de mudar o presente em direção ao futuro planeja-
do por Deus. O Evangelho é o poder de Deus para salvar as pessoas desse 
mundo que estão em completa inimizade em relação a Deus, porque são 
dominadas pelo pecado, pelo mundo, pelos espíritos malignos e por sua 
própria carne pecaminosa. O Evangelho veio para libertar os cidadãos 
aprisionados pelas trevas, a fim de capacitá-los a se tornarem cidadãos 
do mundo vindouro. Judeus e gentios são alvos do mesmo Evangelho. Os 
dois povos sofriam escravidão através de ações malignas, e para ambos 
Jesus providenciou libertação.
Embora o reino de Deus já esteja estabelecido neste mundo, ainda não 
é um reino plenamente consumado. Assim, há também uma escatologia 
“em realização”. Por isto, o Novo Testamento não tem uma mensagem 
puramente realizada nem puramente futura. A mensagem escatológica 
do Novo Testamento permanece numa tensão entre eventos presentes e 
eventos futuros. Porém, os eventos escatológicos já realizados garantem 
os que ainda estão “em realização”. Por este motivo, não podemos en-
tender a segunda vinda de Cristo sem entender plenamente a primeira. 
Não podemos entender o “Armagedom”, sem entender a Cruz. Todos os 
eventos relacionados à primeira vinda de Jesus a este mundo foram, de 
algum modo, relacionados a essa batalha escatológica. Cada evento, cada 
passo de Jesus, tudo teve alguma relação com as forças das trevas, e foi 
necessário para a vitória que ele conquistou sobre elas, a qual finalmente 
será consumada em sua segunda vinda, quando todos os seus inimigos 
forem lançados no lago de fogo. Ser cristão hoje, como Paulo diz, é ser 
“mais do que vencedor”, justamente porque Cristo já venceu. Entender a 
vitória de Cristo detalhadamente, portanto, é o melhor modo de enten-
dermos nossa própria vitória nele.
15 Certamente, Paulo é, de todos os escritores do Novo Testamento, aquele que 
tem a antropologia mais completa, pois “Paulo dá plena expressão à doutrina do ho-
mem” (Donald Guthrie. New Testament Theology. Downers Grove, IL: Inter-Varsity Press, 
1981, p. 163).
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Anotações
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2. O PRIMEIRO CONFRONTO COM O INIMIGO
Com o nascimento de Jesus, Satanás perdeu uma batalha decisiva. 
Porém, pelas reações do inimigo depois disso, percebe-se que ele acre-
ditava que ainda poderia vencer a guerra de alguma forma. Intensas 
batalhas aconteceram durante toda a vida de Jesus.
Não temos muitas informações da vida de Jesus desde seu nascimen-
to até o momento em que ele foi batizado por João Batista. Ele teve uma 
vida discreta, crescendo em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e 
dos homens (Lc 2.52). Essa obscuridade da vida de Cristo durante todo 
esse período talvez tivesse a intenção justamente de mantê-lo oculto 
dos inimigos, até que chegasse o momento de ele se manifestar à Israel. 
Por certo, Jesus não ignorou, durante aqueles anos de relativa tranqui-
lidade, as batalhas que teria pela frente, e esperou pacientemente pelo 
momento quando toda a revolução deveria começar.
Logo após o nascimento, Jesus foi arrebatado das garras do diabo, 
antes que Herodes mandasse matar todos os meninoscom menos de 
dois anos de idade em Belém (Mt 2.16). Aquela foi a última tentativa do 
dragão de tentar devorar o filho (Ap 12.4). Avisado por um anjo em um 
sonho, José tomou sua esposa e filho e os conduziu ao Egito. Lá ficaram, 
até a morte daquele rei, quando então retornaram para a Galiléia, a fim 
de habitar em Nazaré. Mesmo tendo consciência de quem era (Lc 2.41-
49), aparentemente, Jesus passou toda a infância e adolescência em Na-
zaré. Finalmente, entrou na idade adulta, e por volta dos 30 anos de 
idade, ele iniciou seu ministério, o momento quando deveria enfrentar 
“face a face” os inimigos.
O batismo de Jesus marcou o início de seu ministério. Porém, mais 
do que marcar o momento em que Cristo começou a proclamar sua 
mensagem e realizar seus milagres, o batismo marcou o momento do 
início do conflito de Cristo com as forças das trevas. 
Após receber a unção do Espírito Santo e ouvir a aprovação divina 
através da voz celeste (Mt 3.16-17), Mateus relata: “foi Jesus levado pelo 
Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo” (Mt 4.1). É significati-
vo que o texto parece sugerir que Jesus estava cumprindo uma espécie de 
“agenda”. Ele se deixou levar pelo Espírito ao deserto, com o objetivo de 
que fosse “tentado" pelo diabo. É, também, notável que isso tenha acon-
tecido logo após o batismo. Antes de iniciar sua obra de proclamação, 
ele teve que passar pelo teste. Portanto, isso parece marcar um momento 
reivindicado por Satanás. O inimigo desejava testá-lo para ver se ele fazia 
jus a tudo o que aconteceu e foi dito em seu batismo, onde Deus o reco-
nheceu como “Filho”. Portanto, o inimigo diria: “se és Filho de Deus…”. 
O deserto é o local da tentação de Cristo. Isso estabelece um contraste 
com o local da tentação de Adão e Eva (jardim), e alinha-se com o local 
da tentação de Israel1. Mas, é preciso lembrar que o tentador estava exer-
cendo seu direito. Ele conquistou isso quando Adão e Eva não puderam 
resisti-lo. Tinha o direito, portanto, de submeter Cristo a um teste seme-
lhante. 
Em todo o Antigo Testamento o deserto é, ao mesmo tempo, o lugar 
da tentação e da oportunidade. É no deserto que Israel é provado, que 
Elias vaga e recupera a fé. Também é no deserto que o caminho para o 
retorno dos cativos deve ser preparado após o exílio (Is 40.3). A cena 
toda também pode ser um eco da tentação de Jó, feita por Satanás com 
autorização divina. Portanto, quando o Espírito levou Cristo ao deserto 
para ser tentado, ele estava oficialmente realizando o primeiro avanço na 
batalha escatológica, desde o nascimento de Jesus, e colocando Cristo 
no centro dessa batalha. A partir daquele momento, Jesus assumiria o 
comando da guerra.
É interessante que o diabo tenha respeitado os quarenta2 dias e qua-
1 Precisamos lembrar do paralelismo entre a tentação de Israel no deserto e de 
Jesus. Depois de experimentar a libertação do Egito e o estabelecimento do pacto, Israel 
experimentou a tentação no deserto. A sequência de Mateus é similar: após retornar do 
Egito, Jesus foi batizado e enviado ao deserto para ser testado. Tudo isso demonstraria 
se ele é o filho de Deus e se tinha direito a levar adiante a obra de Deus e representá-lo 
na terra. Israel fracassou em seu teste, mas Jesus passou, demonstrando a perfeição de 
sua filiação.
2 Quarenta é um número importante na literatura bíblica. Ele se conecta ao Di-
lúvio, ao tempo que os Israelitas ficaram no deserto, ao período de Moisés no Horebe, 
e também ao de Elias e a jornada ao mesmo Horebe. O teste toma lugar conjuntamente 
com o jejum, que pode ser subentendido como ordenado por Deus. É difícil saber se a 
noção rabínica de expiação através do jejum esteja longe da mente do escritor, uma vez 
que Jesus disse que precisava se submeter a toda a justiça. Há muitas situações paralelas 
no Antigo Testamento que precisam ser consideradas. Moisés (Ex 34:28) e Elias (1 Rs 
19:8) jejuaram por quarenta dias e quarenta noites. Já houve paralelos estabelecidos 
 24
renta noites de jejum realizados por Cristo. Ele pacientemente esperou 
pelo momento quando devia agir. Portanto, embora tivesse o “direito" de 
tentá-lo, isso não significa que tinha “todo o direito”, e que não tivesse 
que seguir certas ordens. 
I. A batalha da carne3
Quando findou-se o período emblemático, Satanás se aproximou, pa-
recendo um tanto quanto cauteloso, e abordando Cristo da perspectiva 
que lhe deu sucesso milhares de anos antes quando induziu o ser huma-
no a “comer”. E assim, se deu início a uma das maiores batalhas da histó-
ria. Uma batalha que revelou as artes de guerra do grande inimigo, que 
revelou também os pontos fracos da natureza humana, mas, felizmente, 
revelou também, pela própria vitória do Senhor, o caminho como nós 
podemos vencer o tentador.
Jesus jejuou por quarenta dias e quarenta noites. Naturalmente estava 
com muita fome. A fome enfraquece tanto o corpo, quanto a mente. Sa-
tanás não desprezou o óbvio. Ele agiu com relativa simplicidade. Apenas 
aproveitou a ocasião, e se manteve dentro de seu “terreno seguro”, pois 
sabia que a imensa maioria das pessoas cai no primeiro nível da tentação, 
o nível da carne.
As palavras de Satanás foram: "Se és Filho de Deus, manda que estas 
pedras se transformem em pães” (Mt 4.3). Satanás não parece reconhe-
cer o direito exclusivo de Cristo de ser chamado “Filho de Deus”. Ele 
não disse “se és o Filho de Deus”, mas “se és Filho de Deus”, omitindo o 
artigo definido, quase como a sugerir que Jesus talvez fosse apenas “um” 
filho de Deus. Talvez, igualmente, haja aqui uma reminiscência da antiga 
no capítulo 2 entre Jesus e Moisés; a referência ao jejum de Moisés de quarenta dias 
e quarenta noites em Deuteronômio 9:9 ocorre mais provavelmente no contexto de 
Deuteronômio 6–8, que serve como base para essa passagem. Mateus que é o único dos 
sinóticos a se referir às quarenta noites, e isso pode mostrar a influência dessa lingua-
gem, mas mais provavelmente o número quarenta em si mesmo (comum nos sinóticos) 
seja uma referência tautológica aos quarenta anos no deserto (Dt 8:2) (Ver Donald A. 
Hagner. Matthew 1–13. Word Biblical Commentary. Dallas: Word, Incorporated, 1998, 
33A:64).
3 Uma interessante exposição da tentação de Cristo pode ser vista em Bonhoef-
fer. Algumas expressões aqui tomamos emprestadas de lá, especialmente a questão da 
tentação da carne, e da tentação da fé. (Dietrich Bonhoeffer. Tentação. 4. ed. São Leopol-
do: Sinodal, 1995).
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dúvida que ele sugeriu à Eva: "Deus é justo?”, que é o que parece estar por 
detrás da declaração: “É assim que Deus disse, não podereis comer de 
nenhuma árvore…”. A primeira pergunta pode trazer implícito o questio-
namento: “é justo um filho de Deus passar fome?”. A dúvida que se tenta 
semear no coração é: Deus é injusto por não permitir que você satisfaça 
seus desejos (tentação de Eva). Ele, sem dúvida, tem usado com sucesso 
a mesma técnica ao longo da história.
A resposta de Cristo apontou a tática adotada por ele para vencer Sata-
nás em todas as ocasiões: confiar na Palavra de Deus. E assim, ele fez exa-
tamente o oposto do que Adão e Eva fizeram, e também o oposto daquilo 
que Israel fez no deserto, quando não acreditou na Palavra de Deus (Jd 6). 
A vitória de Cristo, portanto, é uma vitória “pela Palavra”. Ele respondeu: 
"Está escrito”. Ou seja, ele tem um porto seguro, uma fonte confiável, uma 
arma que não falha. Esse é o poder da verdade para libertar do mal. 
De certo modo, Jesus demonstrou a Satanás que existe a possibilidade 
de um filho de Deus passar fome, e nem por isso, deixar de ser um filho 
de Deus, pois ao citar Deuteronômio 8.1-3, ele relembrou que de fato 
Deus deixou o povo sem comida no deserto por algum tempo: 
Recordar-te-ás de todo o caminho pelo qual o SENHOR, teu Deus, te 
guiou no deserto estes quarenta anos, para te humilhar, para te provar, 
para saber o que estava no teu coração, se guardarias ou não os seus 
mandamentos. Ele te humilhou, e te deixou ter fome, e te sustentoucom o maná, que tu não conhecias, nem teus pais o conheciam, para 
te dar a entender que não só de pão viverá o homem, mas de tudo o 
que procede da boca do SENHOR viverá o homem (Dt 8.2-3). 
Porém, isso não significava que Deus não amasse o povo, ou que fosse 
um Deus injusto. Antes, aquilo demonstrava que Deus queria ensinar 
o povo através das dificuldades. Portanto, confiar em Deus é o segredo 
da vida e da vitória contra a tentação satânica. O alimento não é a coisa 
mais importante da vida: obedecer a Deus é. Confiar no que "Ele disse" é 
o segredo da vitória, mesmo que tenha que passar por grandes necessida-
des. E, depois Jesus diria: o alimento será acrescentado para aqueles que 
buscam em primeiro lugar o reino e a justiça (Mt 6.33).
II. A batalha da fé
Diferentemente de Adão e Eva, que caíram nesse primeiro nível de 
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tentação, Satanás encontrou em Cristo um adversário muito mais pode-
roso. Porém, o inimigo não esgotou seu arsenal na batalha da carne. Ele 
ainda tinha armas poderosas para usar contra o Filho de Deus.
Satanás subiu o nível do teste quando abandonou as questões relacio-
nadas com a satisfação dos desejos do corpo, e se encaminhou para tra-
tar de aspectos mais sutis, e mais difíceis de serem vencidos na natureza 
humana.
Mateus segue a narrativa dizendo que Satanás conduziu Jesus ao pi-
náculo do templo, e, citando as Escrituras, o induziu a dar uma prova 
de ser filho de Deus. Em resposta à citação de Jesus do Deuteronômio, 
o diabo o levou até o pináculo do templo e mostrou que também sabia 
citar as Escrituras. Ao contrário de citar o Deuteronômio, entretanto, o 
diabo citou os Salmos. Se isso tem alguma implicação aqui é difícil dizer. 
Mas o fato é que ele contrapôs a afirmação de Jesus com outra afirmação 
bíblica. 
Segundo o diabo, Jesus devia exigir um sinal de Deus. Ao longo de 
seu ministério, as pessoas sempre pediram a Jesus que desse um sinal 
de sua autoridade, pois não estavam dispostas a crer sem alguma prova 
palpável (Jo 4.41, 6.30). Mas, o sensacionalismo, os sinais, os milagres, 
nunca deram muito resultado. Jesus acusou a multidão de segui-lo só 
para ver um sinal. Fez muitos sinais, mas todos o abandonaram na sexta 
feira da paixão. Jesus sabe que a fé verdadeira não depende de sinais ou 
prodígios, mas apenas do que “está escrito”.
Primeiro é preciso notar que Jesus disse “também está escrito”. Ou 
seja, ele reconheceu que, o que o diabo havia dito, estava realmente na 
Bíblia. Mas mostrou que havia uma norma maior, a qual, de certo modo, 
regulamentava aquela. Parafraseando, podemos dizer que Jesus disse: “é 
verdade que está escrito que os anjos nos socorrem e nos protegem dos 
perigos, mas também está escrito que não devemos nos colocar em peri-
go intencionalmente, pois não devemos tentar a Deus”. Jesus citou Deu-
teronômio 6.16 que se refere ao teste de Deus em Massá (Ex 17.7), onde 
o povo se recusou aceitar que Deus estava entre eles até que lhes desse 
um sinal. A resposta de Jesus mostrou a implicação do ato: isso seria 
tentar ou testar a Deus. Testar a Deus é duvidar de Deus. 
Esse tipo de tentação está um nível acima da tentação da carne, por-
que começa a tocar em coisas mais elevadas, aspectos que deveriam ser 
santos. Por isso, essa tentação está ligada aos aspectos espirituais da vida, 
desvirtuando a própria fé. Num sentido, um filho de Deus deve mesmo 
confiar em Deus, depender dele, crer de todo coração que Deus o livrará 
dos problemas e ataques. Porém, essa confiança nunca deve extrapolar o 
ponto em que se torne orgulho e prepotência, pois, então, passará a "exi-
gir" coisas de Deus, como se Deus se tornasse nosso devedor. A fé verda-
deira nunca deixa de ser humilde e submissa à vontade de Deus. Orgulho 
e soberba parecem ter sido a causa da própria queda de Satanás (1Tm 
3.6). Por isso, quando tentou induzir Jesus ao pecado da soberba, Satanás 
mais uma vez estava agindo em um ambiente que tinha experiência.
III. A batalha pelo mundo
O último nível da tentação relatada por Mateus é o que revela Sata-
nás sem dissimulações. No deserto Jesus estava em comunhão com Deus 
através do jejum, no templo estava no centro da religião judaica, mas 
no monte alto, Satanás pôde mostrar o que realmente valoriza: os reinos 
do mundo e a glória deles. Naquele momento, ele não usou a Palavra de 
Deus, antes lutou com suas próprias armas. Ele arriscou o último trunfo. 
Opôs seu poder diretamente ao de Deus. A tentativa foi uma só: Aposta-
sia. Sua proposta a Cristo de lhe dar todos os reinos do mundo e a glória 
deles em troca de adoração, aponta para seu grande desejo de que os 
homens, conscientes e decididos, dêem um passo para longe de Deus. É 
uma troca definitiva de senhorio: de Deus para nós mesmos, e, finalmen-
te, para o diabo. C. S. Lewis escreveu a respeito do pecado do diabo: 
De acordo com os mestres do Cristianismo, o pecado principal, 
o supremo mal, é o orgulho. A falta de pureza, a ira, a ganância, a 
embriaguez e tudo o mais, em comparação com ele, são ninharias. Foi 
pelo orgulho que o demônio tornou-se o demônio. O orgulho conduz 
a todos os outros pecados: é o mais completo estado de alma anti-
Deus4. 
Numa palavra: ele transfere sua queda para nós. Torna-nos cúmplices 
de seu próprio pecado. O que isso evoca é autonomia, senso de superio-
ridade, vontade de dominar sobre os outros.
O lugar desta derradeira tentação é significativo: monte muito alto. 
Possibilidade de ver todos os reinos. No Antigo Testamento, “monte” é 
um lugar de se encontrar com Deus. No monte Sinai, Deus concedeu 
4 C. S. Lewis. Cristianismo Puro e Simples. 2. ed. São Paulo: Abu, 1985. p. 162.
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a lei. Em diversas passagens foi sobre o monte que Deus se revelou. O 
próprio texto de Mateus diz que no monte Jesus se transfigurou diante 
dos discípulos. O diabo quer ser igual a Deus, quer receber a adoração 
devida apenas a Deus5. 
Além de citar o primeiro mandamento que estabelece o único que é 
digno de receber adoração que é Deus, Jesus acrescentou também um 
imperativo para Satanás, que é a palavra “retira-te”. Ela mostrou a su-
premacia de Jesus sobre o diabo6 e trouxe a única resolução definitiva 
possível que é uma repreensão direta de Jesus sobre ele. A resolução im-
plica numa derrota forçada de Satanás, pois não adiantaria ficar argu-
mentando com ele. Apesar de ter perdido em todas as instâncias, o diabo 
nunca vai desistir mesmo, portanto, precisa sofrer uma sanção direta de 
Deus. Isso também aponta para a necessidade da segunda vinda de Cris-
to, quando Satanás será lançado no Lago de Fogo.
O desfecho está no verso 11: “Com isto, o deixou o diabo, e eis que 
vieram anjos e o serviram”. O diabo precisou obedecer à ordem de Jesus 
e foi embora7. Isso já antecipa o fato de que os demônios terão que par-
tir quando Jesus ordenar. Assim, os possessos sempre lhe obedecerão e 
nunca conseguirão impor resistência.
Portanto, nesta passagem encontramos algo que é essencial no dis-
curso de Mateus. O objetivo da obediência é alcançado não por uma 
triunfante auto-asserção, nem por um exercício de poder ou autoridade 
miraculoso, mas paradoxalmente pelo caminho da humildade, serviço e 
sofrimento, e, acima de tudo, um apego as Escrituras e um repudio vee-
mente de Satanás e seus métodos. Cristo mostra que sua vitória sobre as 
5 A mudança geográfica (alto do monte) também tem a ideia de progressão da 
tentação em relação aos aspectos anteriores. Do deserto para o ponto mais santo e alto 
de Jerusalém e, finalmente, para o ponto mais alto do mundo, para contemplar a glória 
do mundo. É diante da glória do mundo que Jesus precisa fazer a opção pela obediência 
à Palavra de Deus.
6 Ver William Hendriksen. El Evangelio Segun San Mateo. Grand Rapids: Libros 
Desafio, 1986, p. 246.
7 Tudo isso ainda pode ser visto também pelas expressões utilizadas por Mateus 
para enfatizar a realidade da tentação de Cristo em cada camada. No v 3 foi dito que 
o tentador se pôs “ao lado dele”. No v.5 lê-se que o diaboo “levou consigo”. No verso 
8 se diz ainda que o diabo o “levou com ele”. E no verso 11 diz que o diabo “o deixou”, 
literalmente “o soltou”. Isso dá a ideia de que na tentação o diabo o “segurou firme” (Ver 
Fritz Rienecker. Comentário Esperança: Evangelho de Mateus. Curitiba: Editora Evangélica 
Esperança, 1998, p. 67). Mas também que isso foi somente enquanto Jesus permitiu. 
Quando Jesus o repreendeu, ele teve que “soltá-lo” e ir embora.
forças das trevas seguirá, necessariamente, este caminho.
IV. O dono dos reinos?
No entanto, a atitude do diabo, de se colocar como “dono" dos reinos 
deste mundo merece um pouco mais de atenção da nossa parte. Mateus 
relata que o diabo mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a glória deles, 
então declarou: “Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares” (Mt 4.9). 
Isso soa um tanto quanto farsante num primeiro momento, pois o diabo 
não pode ser considerado o “dono deste mundo”, uma vez que o mundo 
pertence a Deus (Sl 24.1). Será que Satanás estava blefando com Cristo? 
Por um lado, de fato, isso não seria estranho para o “pai da mentira” (Jo 
8.44). No entanto, é estranho que Cristo não tenha desmentido a suposta 
pretensão maligna. E, certamente, Cristo não se deixaria enganar pelas 
mentiras do diabo. 
A solução nos é dada no Evangelho de Lucas, onde mais detalhes 
são acrescentados: “Disse-lhe o diabo: Dar-te-ei toda esta autoridade e 
a glória destes reinos, porque ela me foi entregue, e a dou a quem eu 
quiser. Portanto, se prostrado me adorares, toda será tua” (Lc 4.6-7). 
Ao que parece, Satanás não está dizendo que é o dono dos “reinos” do 
mundo, mas que tem “autoridade" sobre eles, e sobre a “glória” deles. A 
palavra em destaque no texto de Lucas é “autoridade”. Literalmente, ele 
disse que recebeu “toda essa autoridade" (τὴν ἐξουσίαν ταύτην ἅπασαν). 
Enfaticamente, ele disse: “pois para mim foi dada” (há um enfático ἐμοὶ 
- “para mim” - no texto). E, consequentemente, ele alega ter condições 
de conceder essa “autoridade" a quem ele quiser. Isso soa coerente com 
o restante do ensino das Escrituras, de modo que aí está a razão pela 
qual Cristo não o desmentiu. O diabo estava falando a verdade quan-
do disse que havia recebido toda aquela autoridade sobre os reinos do 
mundo. Só o próprio Deus poderia ter concedido aquela autoridade para 
ele. “Autoridade" é um termo jurídico. Desde o Éden, Satanás recebeu 
a “autoridade" de enganar as nações. Porém, logo chegaria o momento 
quando essa autoridade lhe seria cassada, e em contrapartida, Jesus diria, 
praticamente repetindo cada palavra do diabo, que “recebeu toda a auto-
ridade (ἐδόθη μοι πᾶσα ἐξουσία) nos céus e na terra” (Mt 28.18). Por esse 
motivo, percebemos que a verdadeira batalha entre Cristo e Satanás é de 
natureza jurídica ou legal. É a batalha por autoridade. Satanás ofereceu 
um caminho rápido através do qual Cristo poderia receber a autoridade 
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sobre os reinos do mundo. Porém, Jesus recusou, primeiramente porque 
esse caminho significava quebrar a Lei, e em segundo lugar, porque ele 
já havia se decidido pelo caminho mais longo e doloroso. Ao vencer a 
tentação de Satanás, portanto, Jesus mostrou que estava preparado para 
vencer aquele que mantinha o mundo nas trevas, “sua própria resistência 
a essas seduções satânicas foi o início da derrota do diabo”8, até que Jesus 
pudesse “tomar dele” as nações.
Um último ponto importante a ser esclarecido nesse texto é se o dia-
bo pretendia, com aquela oferta, desviar Jesus da cruz. Se isso for ad-
mitido, então seria necessário reconhecer que Satanás conhecia o plano 
redentivo de Deus desde o começo. Porém, isso certamente extrapola o 
conhecimento que a Bíblia atribui a ele. Na verdade, há fortes indícios 
no Novo Testamento de que o diabo não tinha conhecimento do modo 
exato como Deus cumpriria a promessa-maldição de Gênesis 3.15. É evi-
dente que ele agiu de todos os meios para tentar salvar sua cabeça, sendo 
até mesmo contraditório por vezes, mas é ir longe demais atribuir a ele 
um conhecimento exato do plano divino. Na verdade, o simples fato da 
Escritura mencionar que Satanás entrou em Judas, e esse foi e o vendeu 
aos sacerdotes (Lc 22.3-6), é um forte indício de que ele não só não sabia 
que Jesus precisava ser morto, como, de algum modo, contribuiu para 
isso. Os mistérios do Evangelho não estavam acessíveis nem mesmo aos 
anjos bons, antes que fossem plenamente revelados à igreja, por esse mo-
tivo, Pedro diz que eles “anelam perscrutar” essas verdades (1Pe 1.12). E 
Paulo ensina que após a cruz, pela pregação da igreja, a multiforme sabe-
doria de Deus se torna agora conhecida dos principados e potestades (Ef 
3.10). Tudo isso força-nos a concluir que Satanás não tinha conhecimen-
to da rota de Cristo para a cruz, e por isso, não estava tentando desviá-lo 
especificamente disso, mas tentando desviá-lo de sua santidade. 
Não há razão para supor que Satanás tivesse um entendimento me-
lhor a respeito da missão de Cristo do que tinham os próprios discípulos 
de Jesus. Todos eles imaginavam que o Senhor estabeleceria um reino 
terreno, em Israel, a partir de Jerusalém, sobre todo o mundo. Mesmo 
depois da ressurreição, os discípulos ainda pensavam que seria assim (At 
1.6). Pois esta era a expectativa dos judeus que, desde o Exílio Babilôni-
co, passaram a maior parte do tempo sob a dominação de algum povo 
estrangeiro. Então, é possível que Satanás imaginasse que Jesus, como 
8 G. K. Beale. A New Testament Biblical Theology: The Unfolding of the Old Testament 
in the New. Grand Rapids: Baker Academic, 2011, p. 419-420.
Messias, iria libertar Israel, e depois lançar suas influências sobre todo 
o mundo, revertendo definitivamente os efeitos do Exílio Babilônico, e 
retomando a era dourada dos dias de Davi e Salomão. Nisso, por cer-
to, o inimigo viu a maior ameaça para seu “domínio" sobre os reinos do 
mundo. Portanto, ele se antecipou e ofereceu essa autoridade para Jesus, 
desde que Jesus se submetesse a ele próprio, adorando-o. Ou seja, Satanás 
ofereceu a autoridade que Cristo veio para conquistar, mas desde que fi-
casse abaixo do próprio Satanás. Assim, Satanás manteria sua autoridade 
também. Evidentemente, Cristo não podia aceitar isso. 
Uma última pergunta, nesse sentido, precisa ser respondida: E, quanto 
ao momento em que Cristo repreende Pedro, por este dizer que Jesus não 
morreria em Jerusalém (Mt 16.21)? Naquele momento Cristo o chamou 
de “satanás”. Isso não seria um modo de dizer que Satanás estava tentando 
desviar Cristo da cruz? A resposta é que isso não necessariamente signifi-
ca que o próprio diabo estivesse possuindo Pedro naquele momento, mas 
que, ele estava sendo um instrumento do maligno, justamente porque 
não entendia a necessidade da morte e da ressurreição de Cristo. Mais 
uma vez é preciso ser dito: Satanás age de forma contraditória, tentando 
todos os caminhos para desqualificar Cristo, mas isso não significa que 
ele tivesse um conhecimento prévio da obra que Cristo realizaria na cruz.
Conclusão
Provavelmente, Satanás acreditasse que Jesus estava se apresentando 
como o novo Moisés9, o qual estava ali para libertar e conduzir o povo. 
Do mesmo modo que Moisés, quando recebeu as tábuas da lei, jejuou 
por quarenta dias e quarenta noites (Dt 9.11, 18), Cristo também seguiu 
essa prática. E o fato de Cristo ter citado a passagem do mesmo contexto 
de Deuteronômio em resposta à tentação de fazer as pedras virarem pães 
(Dt 8.2-3), e também sobre o imperativo de “não tentar a Deus” (Dt 6.16), 
reforçou esse entendimento de Satanás. Assim, o diabo começou a en-
frentá-lo como o Messias, o “profeta semelhante a Moisés” (Dt 18.15), e 
fez de tudo para impedir que ele cumprisse sua missão, ainda que Satanás 
não soubesse exatamente como Cristo faria isso.
9 Apesar de não ser um tema tão proeminente nos Evangelhos como muitos au-
tores destacam, é um fato, como diz Schreiner, que a comparação de Jesus com Moisés 
é um tema comum (Thomas Schreiner. New Testament theology:magnifying God in Christ. 
Grand Rapids: Baker Academic, 2008, p. 174).
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Satanás usou todos os trunfos de que dispunha naquele momento, 
na primeira batalha contra Cristo. Porém, o inimigo pôde perceber que 
havia encontrado um adversário muito mais poderoso do que Adão e 
Eva. Os três níveis de tentação utilizados contra Cristo fracassaram, pois 
encontraram alguém firmado na Palavra de Deus.
Satanás utilizou seu arsenal dentro de seu campo confortável de atua-
ção. Ele fez acusações e ofertas. Tudo isso mostra que sua intenção era 
desqualificar Cristo. Porém, quando tocou na questão da “autoridade” 
sobre os reinos do mundo, provavelmente sem querer, ele tocou no pon-
to chave de toda aquela guerra. Para ele, a autoridade era um despojo, 
uma conquista até certo ponto fácil, por causa do pecado dos homens. 
Para Cristo, entretanto, seria uma conquista sangrenta. Por esse motivo, 
Cristo rejeitou o caminho fácil, o qual, de qualquer modo, não lhe daria 
a verdadeira “autoridade” que ele precisava conquistar, a autoridade de 
tirar os cativos do reino de Satanás.
Anotações
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3. A OUSADIA DOS INIMIGOS
O fato é que através de sua vida de obediência à lei divina, na mais ab-
soluta santidade, fixando-se sem distração em seu caminho para a cruz, 
Jesus continuou derrotando o diabo. Cada passo de Jesus nessa terra foi 
uma reconquista do terreno perdido desde Adão e Eva. Se Jesus cometes-
se uma única falha, um único passo em falso, a batalha estaria perdida. 
Porém, o guerreiro solitário avançou, sem jamais perder a humildade, 
mas também sem perder a firmeza, seguindo seu caminho predetermi-
nado, rumo à cruz, onde a verdadeira batalha aconteceria.
A primeira tentativa de Satanás para derrotar a Cristo foi um esforço 
em desqualificá-lo para a batalha. Se, de algum modo, ele tivesse conse-
guido induzir Cristo ao pecado, à desconfiança de Deus, ou ao orgulho e 
prepotência espiritual, teria vencido a guerra antes mesmo de haver uma 
batalha final.
Após o batismo, Jesus precisou enfrentar seu primeiro duelo com Sa-
tanás, no qual sagrou-se vencedor. Sua única arma de defesa foi a con-
fiança irrestrita na Palavra de Deus. Repreendido por Cristo, “apartou-se 
dele o diabo, até momento oportuno” (Lc 4.13). Isso pode significar que, 
por algum tempo, forçosamente, o próprio Satanás teve que se manter à 
distância, apenas acompanhando os passos de Jesus, até que nova opor-
tunidade lhe fosse dada. No entanto, seus subalternos não ficaram pa-
rados. O general maligno se viu repreendido e momentaneamente im-
possibilitado de atacar, porém, enviou seus soldados para o campo de 
batalha.
I. O primeiro desafiante
Já nas primeiras páginas do Evangelho de Marcos, tão logo Jesus ven-
ceu seu primeiro teste contra Satanás (Mc 1.12-13), ele anunciou que o 
tempo estava cumprido e o reino próximo (Mc 1.14-15), então, precisou 
enfrentar o atrevimento dos inimigos espirituais.
Marcos relata que Jesus chamou seus quatro primeiros discípulos 
junto ao mar da Galileia, e com eles, se dirigiu para Cafarnaum, uma 
pequena cidade de pescadores localizada próxima ao lago de Genesaré 
(Mc 1.16-21). Ele, então, se dirigiu à sinagoga da cidade e proclamou sua 
“doutrina”, ensinando-os de uma forma que mostrava uma autoridade 
superior à que os escribas demonstravam (Mc 1.22). É interessante que 
os ouvintes de Cristo destaquem justamente essa questão da "autoridade" 
com a qual Jesus ensinava. Então, um espírito maligno, imediatamente, 
se dirigiu à sinagoga possuindo um homem. Ele vai justamente tentar 
contrapor essa autoridade de Cristo.
No modo como Marcos conta essa história, com sua tradicional eco-
nomia de palavras, destaca-se algo interessante, pois ele repete três ve-
zes a expressão “e logo” (καὶ εὐθὺς). O termo é um advérbio que pode 
significar algo premente, uma atitude pronta e direta. Assim, o termo é 
usado para descrever o modo solícito como Jesus chamou seus primeiros 
discípulos, também o modo como eles prontamente se dirigiram no Sá-
bado à sinagoga, e, finalmente, o modo como (não tardou) apareceu lá 
um homem possesso. A narrativa parece sugerir uma tentativa de reação 
à altura por parte dos espíritos malignos à ação de Cristo de iniciar seu 
ministério. 
Eles claramente estão desconfortáveis com a chegada de Cristo: “Não 
tardou que aparecesse na sinagoga um homem possesso de espírito 
imundo (πνεύματι ἀκαθάρτῳ), o qual bradou: Que temos nós contigo, 
Jesus Nazareno? Vieste para perder-nos? Bem sei quem és: o Santo de 
Deus!” (Mc 1.23-24). É interessante observar que esses espíritos impuros 
parecem ser bem conhecidos das pessoas, ou seja, a aparição deles ali não 
causou admiração, mostrando que era um fenômeno até certo ponto co-
mum naqueles dias. As pessoas ficaram espantadas pelo fato de Jesus ter 
autoridade sobre eles, e os expulsar com relativa facilidade. Não se pode 
ignorar que no quadro do mundo pintado pelo Novo Testamento, esses 
espíritos imundos ou malignos ocupam um espaço considerável. Mentes 
modernas, frequentemente, têm dificuldades de entender e aceitar isso. 
Mas, não se chega a um entendimento completo da mensagem do Novo 
Testamento ignorando esses aspectos.
É interessante notar o modo intrometido e intempestivo desse perso-
nagem. Ele entrou na sinagoga e “gritou” (ἀνέκραξεν) algo contra Cristo. 
Essa não é a postura de um fugitivo, ou de alguém que acredita não ter 
direito de estar ali. Ainda deve ser notada a interessante “reclamação” 
que eles fizeram contra Cristo: “que temos nós contigo, Jesus Nazareno?”. 
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Até esse momento, Marcos não disse se tratar de mais de um espírito. 
Ele disse apenas que um homem possesso de “espírito impuro” apare-
ceu lá. Porém, a fala do espírito é plural. Ele usou o pronome pessoal 
“nós”. Literalmente, ele disse “o que nós e tu (τί ἡμῖν καὶ σοί), ó Jesus 
Nazareno?”. Isso é obviamente um desafio, uma contestação. No Antigo 
Testamento, esse tipo de expressão representava uma expressão de “de-
sassociação”. Quando os soldados de Davi quiseram matar Simei porque 
estava amaldiçoando Davi, o rei disse: "Que tenho eu convosco, filhos 
de Zeruia? Ora, deixai-o amaldiçoar” (2Sm 16.10). Porém, quando essa 
expressão foi usada no caso de uma possível agressão, ela significou algo 
como “vá embora e deixe-me sozinho” (Jz 11.12, 1Rs 17.18)1. Aqueles 
demônios, portanto, estavam exigindo que Jesus se retirasse, que não os 
atormentasse. Isso fica claro pela próxima pergunta deles: “Vieste para 
perder-nos?”. A pergunta parece bem óbvia, e justamente por isso, su-
gere que eles estavam questionando esse “direito” dele. Em seguida, o 
espírito fez uma afirmação surpreendente: “Bem sei quem és: o Santo de 
Deus!”. Lucas volta a narrar no singular, como se apenas um demônio 
estivesse falando agora. Literalmente o espírito disse: “eu te conheço, que 
tu és o santo de Deus” (οἶδα σε τίς εἶ, ὁ ἅγιος τοῦ θεοῦ). Provavelmen-te, isso possa refletir a crença judaica de que conhecer o nome de uma 
entidade espiritual garante domínio sobre ela2. Por isso, embora a afir-
mação aponte para o reconhecimento do senhorio de Cristo, a postura 
dos espíritos malignos é um desafio à chegada de Cristo, não um mero 
desafio com base em força bruta, e sim um desafio em termos “legais”. 
É a disputa por "autoridade". É a legitimidade de Cristo de “destruí-los” 
que eles estão questionando. Em contrapartida, “Jesus o repreendeu, di-
zendo: Cala-te e sai desse homem” (Mc 1.25). E o resultado foi que, ape-
sar de uma aparente resistência, o espírito imundo teve que obedecer: 
“Então, o espírito imundo, agitando-o violentamente e bradando em alta 
voz, saiu dele” (Mc 1.26). Ainda assim, deve ser notado, que expulsão 
não significa “destruição”. O verdadeiro temor daqueles demônios não 
era o de serem “expulsos”, mas o de serem destruídos (vieste para per-
der-nos?). De algum modo, a expulsão operada por Cristo aponta para 
1 R. T. France. The Gospel of Mark: a commentary on the Greek text. New Internatio-
nal Greek Testament Commentary. Grand Rapids, MI; Carlisle: W.B. Eerdmans; Pater-
noster Press, 2002, p. 103.
2 James R. Edwards. The Gospel according to Mark. The Pillar New Testament 
Commentary. Grand Rapids, MI; Leicester, England: Eerdmans; Apollos, 2002, p. 57.
essa realidade final, porém, naquele momento, isso ainda não poderia ser 
feito. Cristo tinha legitimidade para estar ali e expulsá-los, mas ainda não 
havia conquistado o direito de subjugá-los completamente.
II. O maioral amarrado
Na sequência do Evangelho de Marcos, os confrontos de Cristo com 
essas criaturas malignas continuam (Mc 1.32-34, 39; 3.11-12). Transpa-
rece, portanto, mais uma vez que o Novo Testamento pinta um mundo 
dominado por forças malignas hostis a Deus, lideradas pelo “maioral dos 
demônios” que é reconhecido por Jesus como sendo Satanás (Mc 3.22-
23). Esses demônios impõem doenças sobre os homens, escravizam-nos, 
cegam-nos, roubam a palavra semeada, e exigem certos direitos sobre as 
pessoas (Mc 4.15, Lc 13.16, Lc 22.31). Portanto, a vinda de Cristo a este 
mundo se configurou antes de tudo como uma atitude de confronto com 
esses poderes malignos. 
No capítulo 3 de Marcos, Jesus se encontrava sob forte acusação. Seu 
caráter estava sendo atacado tanto por seus familiares, quanto pelas au-
toridades religiosas. Os familiares de Jesus reagiram, provavelmente, ao 
fato de Jesus ter escolhido discípulos, e ter-lhes conferido a “autorida-
de” (ἐξουσίαν) de expelir demônios (Mc 3.15). E após ter voltado para 
sua casa, uma grande multidão estava lá: “E, quando os parentes de Je-
sus ouviram isto, saíram para o prender; porque diziam: Está fora de si” 
(Mc 3.21). Quase que imediatamente, “os escribas, que haviam descido 
de Jerusalém, diziam: Ele está possesso de Belzebu. E: É pelo maioral 
dos demônios que expele os demônios” (Mc 3.22). Não pode haver dúvi-
das de que ambos os grupos estavam fazendo o papel do acusador. Eram 
instrumentos de Satanás, tentando denegrir o caráter de Jesus e de sua 
missão. Digno de nota é o fato de que estavam atacando a “autoridade" 
dele, a qual vinha sendo reconhecida pelas pessoas até aquele momento 
(Mc 1.22,27). Os religiosos, especificamente, argumentaram que Jesus es-
tava expulsando demônios pelo poder do “príncipe dos demônios” (τῷ 
ἄρχοντι τῶν δαιμονίων), o que era uma terrível difamação.
No entanto, a resposta de Jesus mostrou o quanto aquela acusação era 
ilógica:
Então, convocando-os Jesus, lhes disse, por meio de parábolas: Como 
pode Satanás expelir a Satanás? Se um reino estiver dividido contra 
si mesmo, tal reino não pode subsistir; se uma casa estiver dividida 
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contra si mesma, tal casa não poderá subsistir. Se, pois, Satanás se 
levantou contra si mesmo e está dividido, não pode subsistir, mas 
perece. Ninguém pode entrar na casa do valente para roubar-lhe os 
bens, sem primeiro amarrá-lo; e só então lhe saqueará a casa (Mc 
3.23-27). 
Os termos usados por Cristo denotam o verdadeiro confronto que 
estava acontecendo. Não era um confronto entre demônios, mas entre 
o reino de Deus e o reino dos demônios liderados por Satanás. Mateus 
acrescenta uma importante expressão de Jesus: “Se Satanás expele a Sa-
tanás, dividido está contra si mesmo; como, pois, subsistirá o seu reino?” 
(Mt 12.26). Ou seja, não se pode negar que Jesus atribuiu a Satanás um 
reino. Há, portanto, um “reino de Satanás” neste mundo, o qual Jesus 
compara a uma casa onde há um chefe. O argumento de Cristo é que não 
faz sentido pensar que Satanás estivesse lutando contra sua própria casa. 
Ao contrário, o fato de Cristo expulsar demônios pelo Espírito de Deus, 
como complementa Mateus, é evidência de que "certamente é chegado 
o reino de Deus sobre vós” (Mt 12.28). Portanto, o que temos aqui é o 
confronto de dois reinos. O reino de Deus chegou na pessoa do rei Jesus 
para entrar em confronto com o reino de Satanás.
Toda a “autoridade" daqueles demônios de possuir pessoas ou fazer 
algum tipo de mal a elas era derivado do poder de Satanás, que é des-
crito como “o valente” da casa. Nesse sentido, a “vinda" de Cristo a este 
mundo foi um ato de “entrar na casa do valente”. E, naquele exato ins-
tante, Cristo já considerava que o valente estava “amarrado”. Talvez, isso 
tenha relação direta com o triunfo de Cristo na tentação do deserto, e 
a repreensão que ele impôs sobre o maligno. Amarrando o valente, era 
possível, segundo Cristo, saquear a casa dele. É claro que a obra completa 
de Cristo deve ser reconhecida como o ato final de “amarrar o valente”, 
pois a descrição da chegada do reino de Deus no ato de expulsar demô-
nios “é uma metáfora do que Jesus está fazendo com o reino de Satanás, 
enquanto ele está introduzindo seu próprio reino: ele está em processo 
de derrotar a autoridade de Satanás”3. Esse processo ainda não estava 
completo naquele momento, mas como o reino de Deus é uma antecipa-
ção do mundo vindouro, os efeitos desse reino entraram em ação ime-
diatamente quando Jesus pisou este mundo. Podemos, portanto dizer 
3 G. K. Beale. A New Testament Biblical Theology: The Unfolding of the Old Testament 
in the New. Grand Rapids: Baker Academic, 2011, p. 435.
que, o fato de Jesus ter se encarnado e já vencido a primeira tentação de 
Satanás, lhe conferiu um direito inicial de saquear a casa do valente, ex-
pulsando os demônios das pessoas. Por isso, os demônios se revoltavam, 
mas não podiam resistir a Cristo. Não era apenas o “poder" divino que 
os expulsava, era também o “direito" divino que estava sendo posto em 
ação, mesmo que de forma antecipada, e ainda limitadamente. A grande 
batalha escatológica estava em curso, e como já dissemos, tratava-se de 
uma batalha muito mais jurídica, do que de força bruta.
III. Um exército de demônios
Entretanto, claramente, os demônios não reconhecem esse "direito" 
de Jesus de “amarrar o valente”. No Evangelho de Marcos, a tensão da 
narrativa vai aumentando, até que chegará o momento quando outros 
espíritos malignos questionarão ainda mais ousadamente a presença de 
Cristo ali. O momento mais enfático é o do episódio do Gadareno, narra-
do pelos três evangelistas (Mc 5.1-20, Lc 8.26-39, Mt 8.28-34). Portanto, 
são descrições complementares. O fato aconteceu logo após eles terem 
atravessado o mar, na famosa cena em que Jesus dormiu e os discípulos 
ficaram nervosos por causa disso. Jesus repreendeu o mar4 (como quem 
repreende um demônio), e este se aquietou. Ao chegar no outro lado, 
ele enfrentou demônios literalmente. Era a terra dos gerasenos (ou ga-
darenos), domínio dos gentios, eles criavam porcos, portanto, não eram 
4 Na literatura bíblica o mar representa as forças contrárias a Deus. O mar esteve 
entre Israel e a libertação, por isso, precisou ser ferido por Deus, e como que cristalizado 
quando se abriu ao meio para que o povo passasse. Os salmos descrevem poeticamente 
aquele momento em que Moisés feriu o mar e o povo de Israelpassou pelo meio como 
um ato de ferir um monstro: “Tu, com o teu poder, dividiste o mar; esmagaste sobre as 
águas a cabeça dos monstros marinhos. Tu despedaçaste as cabeças do crocodilo (Le-
viatã) e o deste por alimento às alimárias do deserto” (Sl 74.13- 14, 77.18-20). O Salmo 
89 descreve o Senhor soberano e temível, rodeado de seres celestes que compõem a “as-
sembleia dos santos” (Sl 89.5-8). Na sequência, o Salmo diz: “Dominas a fúria do mar; 
quando as suas ondas se levantam, tu as amainas. Calcaste a Raabe, como um ferido de 
morte; com o teu poderoso braço dispersaste os teus inimigos” (Sl 89.9-10). Raabe é 
uma espécie de dragão marinho, um monstro marinho muitas vezes identificado com 
o Egito. Ou seja, ao abrir o mar e fazer seu povo passar a pé, enxuto, Deus pisou tanto 
sobre o mar quanto sobre o Egito em Habacuque 3.8-15, a descrição do Senhor como 
um guerreiro formidável que esmaga as nações e abala o mar corrobora com essa ideia 
de que o mar representa a junção dos inimigos divinos, sobre os quais Deus domina. 
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judeus. Um homem possesso veio, imediatamente, ao encontro de Jesus. 
De fato, se o primeiro desafiante foi até a sinagoga desafiar Cristo, espe-
ra-se da narrativa que esse seja ainda mais hostil, afinal, Jesus estava na 
terra dos gentios. A descrição do homem é muito interessante. Marcos 
diz:
Ao desembarcar, logo veio dos sepulcros, ao seu encontro, um 
homem possesso de espírito imundo, o qual vivia nos sepulcros, e 
nem mesmo com cadeias alguém podia prendê-lo; porque, tendo 
sido muitas vezes preso com grilhões e cadeias, as cadeias foram 
quebradas por ele, e os grilhões, despedaçados. E ninguém podia 
subjugá-lo. Andava sempre, de noite e de dia, clamando por entre os 
sepulcros e pelos montes, ferindo-se com pedras (Mc 5.2-5).
Ele veio dos sepulcros (local de impureza para os judeus). Tratava-se 
claramente de um demônio violento, que oferecia risco às pessoas e ao 
próprio possesso, por isso tentavam prendê-lo com correntes, mas ele 
sempre conseguia escapar. Era, portanto, um demônio muito “valente”. E 
os homens não conseguiam amarrá-lo5.
Porém, se a reação esperada pelo leitor era que esse demônio avan-
çasse contra Cristo, o que ele fez foi, na verdade, surpreendente: “Quan-
do, de longe, viu Jesus, correu e o adorou” (Mc 5.6). Sua corrida não 
terminou num ato de ofensa a Cristo, mas numa atitude de se prostrar 
diante dele (προσεκύνησεν αὐτῷ). Portanto, ele sabia quem estava ali. 
Reconheceu estar diante de uma autoridade divina. Porém, ainda assim, 
ele questionou o direito dessa autoridade divina em estar ali. Ainda pros-
trado, ele “gritou em alta voz: Que tenho eu contigo, Jesus, Filho do Deus 
Altíssimo? Conjuro-te por Deus que não me atormentes! Porque Jesus 
lhe dissera: Espírito imundo, sai desse homem!” (Mc 5.7-8). Portanto, há 
um claro desafio por parte dele à chegada Cristo, uma espécie de acusa-
ção. 
A primeira expressão é similar à do demônio que foi à sinagoga, ex-
pressando tanto a dissociação entre ambos, bem como seu desejo de 
que Jesus fosse embora dali. Também este demônio chamou Jesus pelo 
nome, mostrando que tal nome certamente corria de “boca em boca” en-
tre os espíritos imundos. Todos, portanto, estavam advertidos da presen-
5 Isso, provavelmente, seja uma descrição intencional, ou seja, ao contrário dos 
homens, Jesus podia amarrar o valente.
ça de Jesus. Porém, o reconhecimento desse demônio foi maior do que 
o anterior, ao reconhecer Jesus como “filho do Deus altíssimo”. Entre os 
atributos que o título “altíssimo” evoca no Antigo Testamento em relação 
a Deus está o fato de ele ser o rei de toda a terra, e aquele que faz justiça 
(Sl 47.2, Dn 7.22). Talvez por isso, o demônio tenha feito um pedido tão 
formal, um pedido em nome do próprio Deus, o altíssimo, que ele reco-
nheceu como Pai de Jesus. O uso do termo “esconjuro-te” (ὁρκίζω σε) 
pelo demônio é algo muito surpreendente, pois isso é geralmente espera-
do que seja dito pelo exorcista (At 19.13)6. Portanto, foi como se o demô-
nio estivesse querendo “expulsar” Cristo daquele lugar. E, mais uma vez, 
deve ser lembrado que ele chamou Jesus “pelo nome”, ou seja, ele estava 
querendo obter controle sobre Cristo, mesmo reconhecendo que Jesus 
era uma autoridade superior. O aspecto aqui, sem dúvida, é mais uma vez 
jurídico. O demônio está usando todos os recursos “legais” contra Jesus, 
pois não reconhece a legitimidade de Cristo estar ali, fora do território 
judaico. Isso fica ainda mais forte pelo fato de ele ter esconjurado Cris-
to “por Deus”. O pedido da esconjuração é para que Cristo não o “ator-
mente”. Isso provavelmente seja uma alusão ao “tormento eterno” que se 
seguirá ao julgamento final7. Isso transparece especialmente no texto de 
Mateus: “Que temos nós contigo, ó Filho de Deus! Vieste aqui atormen-
tar-nos antes de tempo?” (Mt 8.29). Há, portanto, uma consciência por 
parte desses espíritos de que Cristo veio para atormentá-los, porém, ao 
mesmo tempo, eles parecem entender que o tempo determinado para 
que isso aconteça ainda não havia chegado, e, que, portanto, Cristo não 
estava agindo com legitimidade. 
Diante disso, Jesus retomou o controle da situação. Quando pediu que 
o espírito dissesse qual era o nome dele, talvez estivesse indicando para 
os demônios que ele não iria recuar, que estava ali para ganhar terreno, 
e que os demônios teriam que se submeter: “E perguntou-lhe: Qual é o 
teu nome? Respondeu ele: Legião é o meu nome, porque somos muitos” 
(Mc 5.9). Por um lado, percebe-se que o demônio parece estar, de algum 
modo, se negando a dizer o nome. Ele continuou tentando resistir a Cris-
to. Porém, ao mencionar que seu nome é “legião”, ele estava desafiando 
6 R. T. France. The Gospel of Mark: a commentary on the Greek text. New Internatio-
nal Greek Testament Commentary. Grand Rapids, MI; Carlisle: W.B. Eerdmans; Pater-
noster Press, 2002, p. 228.
7 James A. Brooks. Mark. The New American Commentary. Nashville: Broad-
man & Holman Publishers, 1991, 23:90.
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Cristo mais uma vez. Uma legião romana podia ter até seis mil homens. 
Então, em outras palavras, ele disse que ali não estava apenas um demô-
nio tentando resistir a Cristo, mas um exército. Porém, que a batalha não 
é por força ou violência, mas jurídica, fica revelado pelo pedido “enca-
recido” ou formal: “E rogou-lhe encarecidamente que os não mandasse 
para fora do país” (Mc 5.10). O termo usado (παρεκάλει) denota um 
apelo urgente e com propriedade8. O que eles requisitaram de Cristo? 
Marcos diz que eles pediram que Cristo não os enviasse para “fora do 
país”. E, segundo Lucas, eles rogaram a Cristo que não os enviasse para 
“o abismo” (Lc 8.31). Essas duas expressões devem ser vistas de maneira 
complementar. Eles, portanto, pediram “duas coisas” para Cristo. Serem 
enviados para “fora do país” (ἔξω τῆς χώρας) representaria serem expul-
sos da área de atuação à qual eles julgavam ter direito de estar. Talvez, 
isso seja uma reminiscência do ensino de Daniel de que havia espíritos 
que exerciam domínio sobre reinos como a “Pérsia” e a “Grécia" (Dn 
10.13, 20). Aqueles demônios, portanto, argumentaram com Cristo de 
que tinham direito de estar ali, pois não estavam em Israel, e sim no ter-
ritório estrangeiro. Ao mesmo tempo, também requisitaram que Cristo 
não os enviasse para o abismo (τὴν ἄβυσσον). Essa expressão, por certo, 
aponta para o destino final daqueles demônios9.
Todas essas expressões apontam para o reconhecimento daqueles de-
mônios de que está determinado um tempo quando eles perderão com-
pletamente o direito de agir nesse mundo, e serão enviados para uma 
prisão (abismo), ou talvez, o próprio lago de fogo. Porém, isso só pode 
acontecer, no entendimento deles, após o juízo final. Assim, eles questio-
nam a presença de Cristo ali.
Porém, percebendo que Cristo não permitiria que eles permaneces-
sem no homem, eles fizeram um pedido intermediário: “E os espíritos 
imundos rogaram a Jesus, dizendo: Manda-nos para os porcos,para que 
entremos neles” (Mc 5.12). Não deixa de ser curioso o fato de Jesus aten-
der ao pedido deles: “Jesus o permitiu.” (Mc 5.13). Pode parecer estranho 
que Jesus atenda a uma solicitação de demônios, porém, isso significa 
8 Johannes P. Louw e Eugene Albert Nida. Greek-English lexicon of the New Testa-
ment: based on semantic domains, 1996, 1, 407.
9 O termo “abismo”, na literatura intertestamentária tem a conotação de um 
lugar de prisão de alguns anjos, talvez similar ao termo “tártaro” que Pedro usa em 2Pe 
2.4, e que foi traduzido como “inferno” na ARA (Revista e Atualizada). Em Apocalipse, 
um exército demoníaco parece sair desse lugar para atormentar os homens incrédulos 
(Ap 9.1-11). Ver mais informações no Excurso 1: “Os anjos em prisão”.
que Jesus reconheceu, ainda que parcialmente, o “direito” deles. Ele não 
os enviou para “fora do país”, nem “para o abismo”, porém, igualmente 
não permitiu que eles ficassem no homem. Assim, dois mil porcos rece-
beram o exército de mais de seis mil demônios.
O desfecho da passagem, entretanto, ainda reserva uma surpresa: “En-
tão, saindo os espíritos imundos, entraram nos porcos; e a manada, que 
era cerca de dois mil, precipitou-se despenhadeiro abaixo, para dentro do 
mar, onde se afogaram” (Mc 5.13). Há, sem dúvida, uma ironia na descri-
ção. Os demônios não queriam ser enviados para fora do país, nem para 
o abismo, mas acabaram caindo junto com os porcos “despenhadeiro 
abaixo, para dentro do mar”. Isso sugere que algo não acabou bem para 
eles. Talvez, tenha sido uma indicação divina de que, apesar do tempo-
rário “direito" deles ter sido observado por Jesus, se aproximava o tempo 
quando eles perderiam todos os seus direitos. No nosso entendimento, 
na cruz Jesus os enviou “para fora do país”, e na sua segunda vinda, ele os 
enviará "para o abismo”.
IV. Satanás caindo do céu
Outra passagem que ajuda a entender os efeitos da primeira vinda de 
Cristo sobre o reino de Satanás é Lucas 10.17-20.
Quando Cristo enviou seus discípulos para que fossem e pregassem 
nas cidades e vilas, no retorno, eles expressaram sua alegria: “Então, re-
gressaram os setenta, possuídos de alegria, dizendo: Senhor, os próprios 
demônios se nos submetem pelo teu nome!” (Lc 10.17). Eles utilizaram 
uma expressão forte para descrever o efeito do “nome" de Jesus sobre os 
demônios: se submetem (ὑποτάσσεται). A ideia da expressão é de exercer 
um domínio forte e efetivo sobre alguém. É evidente que não era uma 
questão de força ou poder, pois os discípulos não eram mais fortes do que 
os demônios. A questão, obviamente, era legal. A autoridade do nome 
de Jesus impunha sobre os demônios submissão. Isso quer dizer que os 
apóstolos estavam conseguindo expulsá-los do mesmo modo como Cris-
to fazia. Essa era a razão da alegria deles.
Em resposta, Jesus deu a explicação para o fato: “Mas ele lhes disse: Eu 
via Satanás caindo do céu como um relâmpago. Eis aí vos dei autoridade 
para pisardes serpentes e escorpiões e sobre todo o poder do inimigo, e 
nada, absolutamente, vos causará dano” (Lc 10.18-19). Como é bem per-
cebido na tradução da versão Almeida Revista e Atualizada, Jesus disse: 
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“eu via Satanás caindo do céu”. De fato, o verbo "ver" está no “imperfeito" 
no grego (ἐθεώρουν). O uso do verbo “ver” no imperfeito pode se refe-
rir tanto a ideia de que Jesus estava vendo10 isso enquanto os discípulos 
estavam expulsando demônios, quanto ao fato de que aquela não era 
uma ação totalmente acabada. Tecnicamente falando, Satanás ainda não 
havia sido destronado e expulso, mas os efeitos desse destronamento e 
expulsão, os quais já eram dados como certos da perspectiva profética 
de Cristo, estavam em ação. Mais uma vez, isso denota uma espécie de 
antecipação das conquistas da cruz11.
Em linhas gerais, a maioria dos cristãos acredita que a “queda de Sata-
nás do céu” aconteceu em algum momento do passado, talvez até mesmo 
antes da fundação do mundo. Porém, essa é uma posição difícil de ser 
mantida pela Escritura. Se Satanás tivesse sido expulso do céu antes da 
queda do homem, então, como ele poderia se apresentar perante o Se-
nhor, juntamente com outros filhos de Deus, conforme relata o primeiro 
capítulo do livro de Jó? 
Geralmente, os textos de Isaías 14 e Ezequiel 28 são utilizados para 
defender uma queda acontecida em algum momento do passado remo-
to. O texto de Isaías 14.12 proclama: “Como caíste do céu, ó estrela da 
manhã, filho da alva! Como foste lançado por terra, tu que debilitavas 
as nações!”. Uma vez que Cristo disse que viu Satanás “caindo do céu”, 
então as ideias parecem associadas. No entanto, Cristo não mencionou 
“estrela” na passagem, a expressão “relâmpago” (ἀστραπήν) representa 
um brilho forte de luz que subitamente cai do céu para a terra. Além 
disso, deve ser lembrado que o texto de Isaías 14 está, antes de tudo, fa-
zendo referência ao rei de Babilônia, e utilizando-se de termos altamente 
simbólicos para descrever a queda daquele rei. 
10 θεωρέω pode ser usado no sentido literal de algo que se está vendo, ou como 
uma percepção mental, o reconhecimento de algo, como aparece nos seguintes textos 
14:29; 21:6; 23:35, 48; 24:37, 39 (Ver I. Howard Marshall. The Gospel of Luke: a commen-
tary on the Greek text. New International Greek Testament Commentary. Exeter: Pater-
noster Press, 1978, p. 428.
11 Beale nota que a vitória de Jesus sobre Satanás, descrita no texto, pode ter 
acontecido na tentação, ou pode ser uma visão proléptica referindo-se à cruz ou à se-
gunda vinda (G. K. Beale. A New Testament Biblical Theology: The Unfolding of the Old Testa-
ment in the New. Grand Rapids: Baker Academic, 2011, p. 435). E, na verdade, talvez seja 
uma mescla disso tudo, pois num sentido, Jesus começou a vencer Satanás na tentação, 
porém, só consumou isso na cruz. E, a segunda vinda será o momento do banimento 
definitivo dele. Todos esses eventos, portanto, estão interligados.
Algo semelhante é feito por Ezequiel no capítulo 28, que descreve a 
queda do rei de Tiro. Porém, é verdade que esses textos parecem extra-
polar a descrição daqueles reis humanos, e parecem apontar para uma 
figura maior, a qual seria a figura de Satanás, da qual aqueles reis se-
riam como que “tipos”. Então, se Cristo estava apontando para isso, ao 
usar a expressão “caindo do céu” para Satanás, em semelhança do que 
diz Is 14.12, deve ser notado que essa expulsão estava acontecendo na-
quele exato momento em que os discípulos estavam triunfando sobre os 
demônios. A vinda de Jesus a esse mundo desencadeou os eventos que 
culminariam com a definitiva expulsão de Satanás do céu. Assim, os tex-
tos de Isaías 14 e Ezequiel 28 podem ser profecias da expulsão futura de 
Satanás, tipificada na queda daqueles dois reis do passado. Elas, portanto, 
são profecias, e não relatos de fatos já acontecidos. Até porque, quando 
Isaías 14 foi escrito, segundo a datação conservadora, o rei de Babilônia 
ainda não havia caído. Portanto, era também um profecia em relação à 
queda daquele rei.
No entanto, ainda é necessário fazer uma distinção entre “queda mo-
ral” e “expulsão”. É evidente que a “queda" moral de Satanás se deu antes 
de Gênesis 3, afinal, ele se apresenta ao casal humano como o tentador, 
portanto, já era um ser moralmente caído. Porém, sua expulsão do céu, 
de fato, não aconteceu antes da primeira vinda de Cristo.
Finalmente, nessa passagem de Lucas, ainda deve ser notada a trans-
ferência de autoridade que Jesus começou a fazer com seus discípulos. 
Ao conceder o direito ou a legitimidade que o termo “autoridade” deno-
ta, aos seus discípulos, para pisarem serpentes e escorpiões, Jesus estava 
compartilhando sua própria missão com eles, como o descendente da 
mulher (Gn 3.14-15, Gl 4.4, Rm 16.20). Ele disse que havia amarrado 
o valente, e, portanto, podia saquear a casa dele. Agora, seus discípulos 
também poderiam fazer isso12, com base no direito de Cristo. Portanto, o 
real estado da batalha não diz respeito a uma guerra onde venceo mais 
forte, mas uma guerra onde vence quem tem mais “direito”, ou mais “au-
toridade legal”. Jesus chegou a este mundo para impor o direito divino 
12 É interessante que um livro apocalíptico escrito entre os séculos 1 e 2 antes de 
Cristo tenha a seguinte “profecia” sobre o messias: “E ele abrirá as portas do paraíso, e 
removerá a espada que tem feito ameaças desde Adão, e ele garantirá aos seus santos o 
comer da árvore da vida. O espírito de santidade estará sobre ele. E Beliar será amarrado 
por ele. E ele dará a seus filhos a autoridade para pisar espírito malignos (Testamento 
de Levi 18.10-12. In James H. Charlesworth. The Old Testament pseudepigrapha. New York; 
London: Yale University Press, 1983, 1:795).
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sobre Satanás. É desse modo que ele liberta seus cativos.
V. Uma casta resistente
Outro impressionante relato de um confronto de Jesus com as forças 
das trevas é feito em Marcos 9. Após o evento da transfiguração, quando 
Cristo se revelou de forma especial para três de seus discípulos, ele foi 
ao encontro dos outros que, em contrapartida, estavam tendo uma expe-
riência ingrata com um demônio.
Jesus encontrou seus discípulos discutindo com os escribas, e ques-
tionou os escribas a respeito do motivo daquela discussão (Mc 9.14-16). 
A explicação é dada por um homem anônimo: “Mestre, trouxe-te o meu 
filho, possesso de um espírito mudo; e este, onde quer que o apanha, 
lança-o por terra, e ele espuma, rilha os dentes e vai definhando. Roguei 
a teus discípulos que o expelissem, e eles não puderam” (Mc 9.17-18). 
Após apontar a falta de fé daquela geração, incluindo seus discípulos, 
Jesus ordenou que trouxessem o menino até ele (Mc 9.19). Quando o 
menino (ou talvez o demônio) viu a Jesus, “o espírito imediatamente o 
agitou com violência, e, caindo ele por terra, revolvia-se espumando” 
(Mc 9.20). Jesus, então, perguntou ao pai do menino: “Há quanto tempo 
isto lhe sucede?”. E explicação foi: "Desde a infância, respondeu; e mui-
tas vezes o tem lançado no fogo e na água, para o matar” (Mc 9.21-22). 
Então, o homem clamou desesperado: “mas, se tu podes alguma coisa, 
tem compaixão de nós e ajuda-nos”. A resposta de Jesus foi: “Se podes! 
Tudo é possível ao que crê”. Diante do pedido desesperado daquele pai, 
Jesus repreendeu o espírito imundo: “Espírito mudo e surdo, eu te orde-
no: Sai deste jovem e nunca mais tornes a ele” (Mc 9.25). E deste modo, 
o menino foi liberto. Porém, posteriormente, os discípulos perguntaram 
a Jesus o motivo pelo qual eles não haviam conseguido expulsar o de-
mônio antes. A resposta de Jesus foi: “Esta casta não pode sair senão por 
meio de oração e jejum” (Mc 9.28-29).
Há vários aspectos que precisam ser destacados nessa passagem, e que 
descrevem a realidade de um mundo dominado pelas trevas. Antes de 
tudo, deve ser visto o contraste entre o “clima” no alto do monte, quando 
Jesus se transfigurou diante de seus discípulos, e o clima lá embaixo, no 
mundo. São situações extremamente antagônicas, e não deixam dúvidas 
de como, da perspectiva do céu, esta terra é vista, ou seja, como um lo-
cal dominado por demônios. Além disso, nota-se a pouca idade daquele 
jovem. Não é possível saber exatamente quantos anos ele tinha quando 
Jesus o libertou, mas o pai do menino disse que estava possesso desde a 
infância (ἐκ παιδιόθεν). Isso mostra a ação livre e indiscriminada que os 
demônios usufruíam na terra. A descrição do demônio, como sendo um 
“espírito mudo e surdo” também é interessante, pois ele claramente está 
causando um problema físico no menino.
O ponto chave, entretanto, dessa passagem é a incapacidade dos dis-
cípulos de expulsar aquele demônio, uma vez que já haviam recebido o 
comissionamento de Cristo para realizar isso, e tido sucesso anterior-
mente (Mc 6.13)13. Porém, se depararam com uma situação que revelou 
a incompetência deles em realizar a expulsão. Jesus, então, expulsou o 
demônio, mostrando que o problema não estava nele, ou no comissiona-
mento dado, mas nos discípulos, e na categoria do próprio demônio. A 
ideia é que eles estavam menos preparados e se depararam com um de-
safio maior ao que estavam acostumados. Quando Jesus disse: “Esta casta 
não pode sair senão por meio de oração e jejum”14 (Mc 9.29), ele estava 
destacando duas coisas: ali estava uma casta ou raça (τὸ γένος) superior 
de demônios, e os discípulos não tinham usado todos os recursos que 
tinham disponíveis. 
A dificuldade dos discípulos, portanto, parece sugerir um aspecto ain-
da incompleto da obra de Cristo. Olhando da perspectiva de que, Jesus 
ainda não havia sido morto ou ressuscitado, nem subido ao céu para re-
ceber “toda autoridade”, é possível perceber no recrudescimento da atitu-
de demoníaca uma noção de que eles “ainda tinham direito de lutar”. E, 
uma vez que o próprio Cristo não estava ali, aquele tipo de demônio que 
é sugerido por Cristo ser mais poderoso do que os outros, recusou-se a 
sair.
A questão central parece ser a fé. Jesus criticou seus discípulos e toda 
a multidão por falta de fé. Diante da dúvida do pai do menino se Jesus 
poderia realizar aquele feito, o Senhor disse que “tudo era possível ao 
que crê”. Oração e jejum, portanto, são ingredientes da fé, aspectos que a 
reforçam nessa guerra jurídica. Jesus veio para realizar uma obra de re-
denção, um destronamento de Satanás, e um resgate de seu povo. Porém, 
13 R. T. France. The Gospel of Mark: a commentary on the Greek text. New Internatio-
nal Greek Testament Commentary. Grand Rapids, MI; Carlisle: W.B. Eerdmans; Pater-
noster Press, 2002, 362.
14 Um grande número de manuscritos acrescenta “jejum” (P45 Alef A C D K L W 
X Δ Θ Π Ψ).
 48
49
essas coisas não terão efeito automático sobre as pessoas, antes, o cami-
nho como podem desfrutar das conquistas da vitória de Cristo é pela fé. 
De fato, a “única ponte entre a frágil humanidade e a suficiência de Deus 
é fé. O modo pelo qual a exousia (autoridade) de Jesus, sua divina auto-
ridade e legitimidade, torna-se efetiva na vida humana é a fé”15. Assim, os 
efeitos jurídicos conquistados por Cristo se tornam pessoais e práticos. 
No caso dos discípulos, a falta de oração denotava a compreensão equi-
vocada de que o poder estava neles mesmos, uma vez que Jesus já havia 
concedido aquilo antes. Porém, naquele momento, eles perceberam que 
a autoridade não era deles propriamente, mas de Cristo. Desse modo, os 
Evangelhos retomam o ponto central: somente Cristo tem autoridade 
para destronar os malignos.
Conclusão
Todas essas passagens nos ensinam que Cristo veio a este mundo para 
entrar em confronto direto com os poderes das trevas. Foram várias ba-
talhas que denotam um estado intermediário na grande guerra que esta-
va em curso. Os demônios percebem que Jesus estava fazendo o império 
das trevas recuar, mas eles não estavam dispostos a se renderem, e ape-
gam-se a seus “direitos” para permanecerem nesse mundo, ou mesmo 
para não abandonarem seus possuídos. Fazendo valer sua autoridade 
em crescimento no mundo, desde seu nascimento, Jesus os confronta e 
expele, porém, não os pune definitivamente. Para fazer isso, Jesus ainda 
precisará realizar sua maior e mais difícil obra: a cruz. Mas antes dela, 
ele ainda terá que enfrentar o inimigo na última tentação, a qual será o 
último confronto antes da batalha derradeira.
Anotações
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15 James R. Edwards. The Gospel according to Mark. The Pillar New Testament 
Commentary. Grand Rapids, MI; Leicester, England: Eerdmans; Apollos, 2002, p. 280.
 50
4. A ÚLTIMA TENTAÇÃO
Na narrativa da tentação feita por Lucas, no final, foi dito: “Passadas 
que foram as tentações de toda sorte, apartou-se dele o diabo, até mo-
mento oportuno” (Lc 4.13). Como dissemos, Satanás, repreendido porCristo, parece sair de cena logo após a tentação, segundo o relato dos 
Evangelhos, dando espaço para que seus subalternos, os espíritos impu-
ros, desafiassem a Cristo. Porém, Lucas disse que ele voltaria no tempo 
oportuno, portanto, percebe-se que o evangelista somente volta a men-
cionar uma ação direta de Satanás no capítulo 22, na aproximação da 
ocasião da última ceia de Jesus, com todos os eventos relacionados ao seu 
aprisionamento. 
Como dissemos no estudo sobre a tentação, Satanás deve ter visto Je-
sus como o “novo Moisés”, aquele que havia vindo para libertar o povo de 
Israel do seu cativeiro. Ele, portanto, se opôs a Cristo, tentando desquali-
ficá-lo para essa missão. Como já foi dito, não há motivos para supor que 
Satanás tivesse entendimento diferente dos próprios discípulos, os quais 
acreditavam que Cristo iria estabelecer um reino neste mundo, libertan-
do os judeus do domínio romano. Talvez, Satanás temesse que um reino 
dessa proporção poderia ameaçar seu domínio sobre as nações.
Portanto, os eventos relacionados ao aprisionamento de Jesus se trans-
formaram numa batalha intensa com as forças das trevas. Mais uma vez, 
Satanás tentou agir para desqualificar Cristo. Porém, dessa vez não ten-
tando induzi-lo a pecar, pois isso já havia ficado claro que seria impos-
sível. Então, ele parece lançar a tática da “pressão”, tentando isolar Jesus, 
para que se sinta enfraquecido e desanimado diante da fraqueza de seus 
discípulos. Ao mesmo tempo, Satanás ameaça Cristo com a possibilidade 
de ser morto pelos homens. Isso seria um modo de provar, de uma vez 
por todas, que a tarefa de Cristo de pregar a restauração de Israel havia 
fracassado.
I. A possessão de Judas
Em dois momentos, no capítulo 22, Lucas menciona Satanás. O pri-
meiro está logo no começo:
Estava próxima a Festa dos Pães Asmos, chamada Páscoa. 
Preocupavam-se os principais sacerdotes e os escribas em como tirar 
a vida a Jesus; porque temiam o povo. Ora, Satanás entrou em Judas, 
chamado Iscariotes, que era um dos doze. Este foi entender-se com os 
principais sacerdotes e os capitães sobre como lhes entregaria a Jesus; 
então, eles se alegraram e combinaram em lhe dar dinheiro. Judas 
concordou e buscava uma boa ocasião de lho entregar sem tumulto 
(Lc 22.1-6).
A narrativa menciona uma busca preocupada dos principais sacer-
dotes e escribas sobre a melhor maneira de “tirar a vida a Jesus”. A preo-
cupação, evidentemente, não era com o próprio Jesus, mas como Lucas 
declara, eles “temiam o povo”. Ou seja, não queriam causar uma revolta 
popular entre os seguidores de Cristo. Eles precisavam de uma ocasião 
secreta para prendê-lo, e, ao mesmo tempo, como haviam tentado fazer 
ao longo daqueles anos, pretendiam desmoralizar Cristo de uma forma 
tão veemente, que ninguém teria coragem de se levantar a favor dele.
Em resposta a essa “busca” dos religiosos, Lucas diz que “então (δὲ), 
Satanás entrou em Judas”. Portanto, a construção gramatical da expres-
são sugere que Satanás agiu para oferecer aos líderes religiosos a ocasião 
que eles desejavam. E o fez entrando em um dos discípulos de Jesus. 
Provavelmente, quando Judas se aproximou e se ofereceu para entregar 
Jesus, os sacerdotes viram a ocasião perfeita para desmoralizar Cristo, 
pois se um de seus discípulos vinha pessoalmente se oferecer para fazer 
isso, então, isso apontava para uma divisão dentro do próprio grupo. 
Esse deve ser visto como um dos motivos que levaram os líderes a acei-
tarem a ajuda de Judas, afinal eles tentaram desmoralizar Jesus durante 
todo o seu ministério. Na verdade, Judas não fez nada de especial, exceto 
levá-los a um lugar onde puderam prendê-lo em particular. Talvez, os lí-
deres religiosos poderiam ter encontrado uma maneira de fazer isso sem 
a participação de Judas. Porém, com Judas, eles conseguiram as duas coi-
sas: prender Jesus em particular e, depois, desmoralizá-lo publicamente. 
O fato é que, ao trair a Jesus, Judas colaborou para desmoralizar a pessoa 
de Cristo diante da multidão. E tudo isso foi potencializado por Sata-
 52
nás. Foi uma ação satânica. O tentador havia finalmente encontrado seu 
“tempo oportuno” (Lc 4.13). 
Ele de fato estava relativamente inativo desde Lc 4.13, porém agora, “é 
sua hora, e ele lança um ataque frontal a Jesus através de Judas”1. Talvez, 
fosse um modo de fazer Cristo chegar à conclusão de que todo o seu 
ministério havia sido em vão. Três anos depois de tanta caminhada, tan-
ta pregação, tantos milagres, ali estava um discípulo que Satanás podia 
simplesmente possuir e usar como traidor para entregá-lo aos sacerdotes.
No entanto, Satanás não conseguiu seu intento em relação a Jesus. Sua 
tentação, nesse caso, foi mais uma vez inútil. Na sequência do texto, em 
plena última ceia, Jesus revela ao grupo que sabe da existência do trai-
dor. Ele inicia a conversa revelando seu imenso desejo de comer aquela 
Páscoa com seus discípulos: “E disse-lhes: Tenho desejado ansiosamente 
comer convosco esta Páscoa, antes do meu sofrimento” (Lc 22.15). Então, 
parte o pão e distribui o cálice, mais uma vez revelando que aquela seria 
a última ceia, e, ao mesmo tempo, esclarece o significado de seu sofri-
mento (Lc 22.16-20). Finalmente, ele revela ao grupo: “Todavia, a mão do 
traidor está comigo à mesa. Porque o Filho do Homem, na verdade, vai 
segundo o que está determinado, mas ai daquele por intermédio de quem 
ele está sendo traído!” (Lc 22.21-22). Deste modo, ele revela sua plena 
confiança na soberania de Deus, a absoluta necessidade de sua morte de 
acordo com aquela vontade soberana, porém, sem desconsiderar a res-
ponsabilidade pessoal do traidor. 
Em relato paralelo, João diz que naquele momento, quando Cristo in-
dicou ao apóstolo João quem seria o traidor, ao molhar o pão e entregar 
a Judas, outra vez Satanás o possuiu: “E, após o bocado, imediatamente, 
entrou nele Satanás. Então, disse Jesus: O que pretendes fazer, faze-o de-
pressa” (Jo 13.27). Mesmo tendo que encarar a realidade de existir um 
filho do maligno entre seus discípulos, e da presença do próprio tentador 
na última ceia, à qual Jesus tanto desejou ter com seus discípulos, o Se-
nhor não baixou a guarda, e ordenou ao próprio Judas que fizesse logo o 
que havia planejado. 
Todas essas informações confirmam o que já dissemos anteriormente, 
ou seja, que Satanás realmente fez de tudo para que Jesus fosse morto. Ele 
estava tentando destruir o novo Moisés, tentando impedi-lo de libertar o 
povo e estabelecer o reino messiânico. Já que não conseguiu desqualifi-
1 Robert H. Stein. Luke. The New American Commentary. Nashville: Broadman 
& Holman Publishers, 1992, 24:535.
53
cá-lo através da tentação do pecado, Satanás utilizou um dos discípulos 
para ameaçar Jesus de prisão e morte.
II. A queda de Pedro
Porém, Judas não foi o único instrumento de Satanás para atingir Je-
sus naquela noite. O caráter dúbio do filho de Iscariotes poderia ser um 
atenuante para os efeitos sobre Jesus, afinal, João diz que ele era ladrão 
(Jo 12.6), e o próprio Cristo o havia chamado de “filho da perdição” (Jo 
17.12). Então, Satanás investe contra o líder dos apóstolos: Pedro. E, no-
vamente, uma batalha jurídica acontece. 
A terminologia de Lucas sugere que, de fato, houve uma espécie de 
confronto legal entre Cristo e Satanás no que concerne a Pedro. A ad-
vertência de Jesus para Pedro foi: “Simão, Simão, eis que Satanás vos 
reclamou para vos peneirar como trigo!” (Lc 22.31). Esse confronto não 
parece ter acontecido em relação a Judas, e o motivo disso provavelmen-
te fosse o fato de que Judas não era um discípulo autêntico, antes, trata-
va-se mesmo do “filho da perdição”, o único que poderia se perder entre 
os doze (Jo 17.12). Porém, Pedro era um discípulo verdadeiro. E, por 
causa disso, Satanás fez um pedido, uma requisição, para “peneirar como 
trigo”. Sabendo Jesus que Pedro não teria condições de resistir ao teste, 
isso certamente poderia ser uma ocasião de grande tentação para Cristo, 
pois teve que verpor antecipação a queda de seu querido discípulo.
Algumas expressões da passagem precisam de mais análise. Inicial-
mente, nota-se a repetição do nome “Simão, Simão”. Isso soa parecido 
com o “Jerusalém, Jerusalém” de Lucas 13.34. Na ocasião, a expressão era 
um lamento de Cristo à atitude ingrata de Jerusalém. Do mesmo modo, 
Cristo está lamentando o orgulho e a prepotência de Pedro, que acredita 
que jamais abandonará Cristo (Mt 26.33,35), pois Jesus sabe que ele é 
fraco e inconstante, e incapaz de resistir à tentação de Satanás. 
A próxima expressão do texto aponta para o pedido formal feito por 
Satanás: “eis que Satanás vos reclamou”. Corretamente, a Versão Revista 
e Atualizada traduz “vos”, ou seja, segunda pessoa do plural. Ainda que 
Jesus esteja conversando com Pedro, na verdade ele está dizendo que 
Satanás “reclamou” o direito de peneirar todos os apóstolos2. 
A pergunta, entretanto, é: para quem Satanás fez o pedido? Não pare-
2 I. Howard Marshall. The Gospel of Luke: a commentary on the Greek text. New In-
ternational Greek Testament Commentary. Exeter: Paternoster Press, 1978, p. 820.
 54
ce ter sido ao próprio Cristo, pois na sequência, Jesus diz que “rogou" por 
Pedro. O pano de fundo dessa passagem certamente vem do livro de Jó, 
da cena em que Satanás se apresenta perante o Senhor e requisita de Deus 
o direito de infligir testes sobre Jó, acusando-o de fidelidade comprada. A 
ideia é que Satanás precisa da permissão de Deus para trazer aquele tipo 
de teste sobre seu povo3. O teste tem o objetivo de mostrar que o discípu-
lo é infiel, como no caso de Jó. Então, seria uma espécie de “separar o joio 
do trigo”. Porém, deve ser lembrado que Jó não “negou” a Deus apesar do 
teste, provando que a acusação de Satanás era, de certo modo, falsa. Mas 
isso não aconteceria com Pedro. Ele negaria Jesus três vezes ainda naque-
la noite. Por isso, a tentação maior daquela noite não estava sobre Pedro, 
mas sobre o próprio Jesus. Outra vez, Satanás dizia: eu posso fazer seus 
discípulos lhe negarem. Sua missão fracassou.
Mesmo sabendo que Pedro pecaria, e tendo advertido-o disso, Jesus 
resistiu à investida de Satanás, intercedendo por Pedro: “Eu, porém, ro-
guei por ti, para que a tua fé não desfaleça; tu, pois, quando te converteres, 
fortalece os teus irmãos” (Lc 22.32). Diante do pedido formal de Satanás, 
feito perante de Deus, para testar Pedro, Jesus não ficou de braços cruza-
dos, mas também entrou com um dispositivo legal: “Eu, porém (ἐγὼ δὲ), 
roguei por ti (ἐδεήθην περὶ σοῦ)”. Não se pode deixar de notar o enfático 
“eu” de Jesus. Diante do pedido feito por Satanás, Jesus diz: “eu, entretan-
to, fiz um pedido por ti”. Enquanto Satanás fez um pedido “formal”, Jesus 
parece ter feito um pedido “pessoal”. Ele sabe que não pode evitar a queda 
de Pedro potencializada pelo “príncipe deste mundo”, ou a fuga de todos 
os apóstolos naquela noite, mas pode pedir a Deus para que preserve a 
fé deles, apesar disso. O termo usado por Cristo é “eclipe” (ἐκλίπῃ), que 
tem o sentido de falhar, abandonar ou até mesmo cessar4. Ou seja, Cristo 
intercedeu junto ao Pai, para que a fé, tanto de Pedro quanto dos outros 
apóstolos, sobrevivesse e não fosse eclipsada pela tentação. 
Isso tudo nos faz ver quão terrível foi a batalha que Cristo travou com 
Satanás naquele período. De fato, o inimigo retornou com todo o seu 
poder e artimanhas. Destaca-se mais uma vez o embate jurídico, com pe-
tições tanto de Satanás, quanto de Cristo. Porém, finalmente, destaca-se a 
certeza da vitória de Cristo, por causa da expressão dita a Pedro: "tu, pois, 
3 John Nolland. Luke 18:35–24:53. Word Biblical Commentary. Dallas: Word, 
Incorporated, 1998, 35C:1072.
4 Johannes P. Louw e Eugene Albert Nida. Greek-English lexicon of the New Testa-
ment: based on semantic domains, 1996, 2, p. 78.
55
quando te converteres, fortalece os teus irmãos” (Lc 22.32). Cristo tinha 
certeza de que Pedro era um dos seus escolhidos, os quais o Pai havia 
concedido para ele (Jo 17.6-16). "Quando tu retornares" (ἐπιστρέψας), 
Cristo diz, “fortalece os teus irmãos”. Assim, Cristo mostra seu conhe-
cimento de que Pedro o negaria e abandonaria naquela noite, porém, 
também sua convicção de que depois ele retornaria, e assim, ajudaria os 
demais discípulos, os quais também o abandonariam em breve.
III. A tentação no jardim
Apesar de ter enfrentado esses dois momentos distintos sob a tenta-
ção de Satanás, os horrores daquela noite ainda não haviam terminado. 
Antes de ser preso e conduzido aos líderes religiosos, Cristo teve que 
enfrentar seu momento solitário de grande luta pessoal no Jardim do 
Getsêmani. 
Após Cristo preparar seus discípulos para o momento que se aproxi-
mava, inclusive dizendo a eles que deviam fazer preparativos de ordem 
material (Lc 22.35-38), Lucas continua a narrativa: 
E, saindo, foi, como de costume, para o monte das Oliveiras; e os 
discípulos o acompanharam. Chegando ao lugar escolhido, Jesus 
lhes disse: Orai, para que não entreis em tentação. Ele, por sua vez, 
se afastou, cerca de um tiro de pedra, e, de joelhos, orava, dizendo: 
Pai, se queres, passa de mim este cálice; contudo, não se faça a 
minha vontade, e sim a tua. Então, lhe apareceu um anjo do céu 
que o confortava. E, estando em agonia, orava mais intensamente. 
E aconteceu que o seu suor se tornou como gotas de sangue caindo 
sobre a terra (Lc 22.39-44).
A maior tentação para Cristo naquela noite, provavelmente, não foi 
ver um de seus discípulos se tornar o traidor, nem mesmo saber que logo 
Pedro o negaria, e que os demais fugiriam. Apesar de Satanás estar ativo 
naquela noite, o real motivo da tentação não veio dele. A maior tenta-
ção foi antecipar o momento de receber sobre si a maldição divina. Que 
aquele era um momento de tentação, o próprio Cristo revela, pois ao 
chegar no lugar costumeiro no monte das Oliveiras, ele ordenou: “orai, 
para que não entreis em tentação”. Então, aplicando para si mesmo o re-
ferido princípio, ele se afastou e orou de joelhos. Essa atitude mostra que, 
de fato, aquele foi seu momento de maior luta. O inimigo já havia revela-
 56
do que usaria Judas para traí-lo e entregá-lo. Do mesmo modo, Cristo já 
sabia que Pedro seria tentado e o negaria, e os demais apóstolos fugiriam. 
Então, a imagem da cruz se erguia nítida no horizonte de Cristo. 
Provavelmente, o sentido em que Satanás estava usando aquele mo-
mento para tentação era o mesmo de outrora, por causa da proposta que 
lhe fizera no monte alto, onde Cristo viu a glória dos reinos deste mun-
do. Satanás estava fechando o cerco em torno de Jesus, para que ele o 
adorasse, e assim, em vez de enfrentar a morte, ele poderia desfrutar da 
recompensa que o príncipe deste mundo lhe daria. Cristo poderia ser o 
novo Moisés, porém debaixo da autoridade de Satanás sobre os reinos do 
mundo. Por certo, a proposta ainda estava lá. Para resistir a isso, e para 
assumir a tarefa que lhe fora dada pelo Pai, ainda naquela noite, Cristo 
derramaria seu suor como se fosse sangue5 em antecipação do que acon-
teceria no dia seguinte.
Num sentido, Satanás estava errando o alvo ao ameaçar Cristo de 
morte. O efeito da tentação, nesse sentido, foi nulo, pois Cristo sabia que 
precisava morrer. Porém, noutro sentido, por causa da realidade do so-
frimento espiritual que Cristo precisaria enfrentar, Satanás alcançou seu 
objetivo. Porém, nem mesmo Satanás poderia compreender o efeito da-
quela tentação e o poder dela sobre Jesus. Talvez, o maligno estivesse ten-
tando barganhar, pensando que Cristo poderia temer o sofrimento físico. 
De fato, a petição de Cristo ao Pai poderia denotar isso: “Pai, se queres, 
passa de mim este cálice”. Tão fervente (ἐκτενέστερον) foi o pedido de 
Cristo, nesse sentido, e tanta foi a sua agonia (ἀγωνίᾳ), que Cristo suou 
como sangue pingando sobre a terra. Porém, à luz do restante do Novo 
Testamento, é possível concluir que todo esse sofrimento de Cristo não 
era apenas em antecipação aos ultrajes e às ofensasfísicas que receberia, 
o real motivo de sua agonia era a percepção do verdadeiro significado de 
sua morte. Ele teria que carregar os pecados do seu povo (1Pe 2.24). Ele 
se tornaria um maldito (Gl 3.13). O justo morreria pelos injustos (1Pe 
3.18). Esse era o terrível cálice que Cristo gostaria de não ter que beber. 
Por esse motivo, mesmo estabelecendo um aspecto ineficaz de tentação, 
5 Há duas dificuldades com a passagem que narra o suor de Cristo tornando-
-se sangue. A primeira é justamente definir se trata-se de uma passagem original, pois 
estando entre colchetes na tradução, referencia-se como uma passagem que não se en-
contra em vários manuscritos antigos importantes. Por outro lado, o texto não diz ex-
plicitamente que Cristo suou sangue, mas que seu suor foi “semelhante” (ὡσεὶ) a gotas 
de sangue caindo na terra.
57
Satanás não deixou de alcançar seus objetivos naquela noite. Porém, no 
fundo, a verdadeira tentação que Cristo enfrentou naquele momento 
pouco tinha a ver com o inimigo. A situação toda era entre ele e seu Pai. 
O Filho sabia que precisaria enfrentar a ira do Pai. E, por isso, tanto se 
angustiou no jardim aquele que sem dificuldades havia triunfado sobre 
o maligno no deserto. Mas por outro lado, ele estava disposto a fazer a 
vontade do Pai, e essa vontade mais uma vez se confirmou, de modo que 
ele se levantou e encarou seu destino, enfrentando Judas que se aproxi-
mava (Lc 22.47). Para despojar o príncipe deste mundo, ele teria que se 
deixar matar por ele. E o príncipe deste mundo faria isso com todos os 
requintes de crueldade.
Conclusão
Na rota para a cruz, Cristo teve que enfrentar o maligno pela última 
vez. Satanás atuou diretamente em dois dos discípulos de Jesus, a fim de 
isolá-lo, e pressioná-lo a desistir da sua missão. Embora Satanás tivesse 
ouvido Jesus falar tantas vezes em morte e ressurreição, é saudável pen-
sar que ele não entendesse o que exatamente Jesus iria realizar com esses 
fatos. O diabo não podia supor que a morte de Cristo pudesse ser tão 
prejudicial para si mesmo. Por certo, o inimigo estava cheio de dúvidas, 
temeroso por um lado, pois a promessa de uma cabeça esmagada não 
podia sair de diante de seus olhos, mas por outro, certamente ele se sen-
tia confiante, possuindo um dos discípulos e incitando outro à negação 
de Cristo. Ao ver Cristo suando como sangue, o inimigo deve ter pensa-
do que estava conquistando sua vitória, pois, aquele homem lhe parecia 
apenas isto: um homem com medo da morte, como todos os demais. Se 
a morte era um cálice, Satanás estava disposto a enchê-lo até a borda. O 
que ele não podia prever, é que Cristo não seria o único que teria que 
beber desse cálice no dia seguinte.
Anotações
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 58
5. A BATALHA NA CRUZ
Quando Judas se aproximou com a escolta de soldados, o momento 
decisivo havia chegado. O que Cristo faria? Lutaria juntamente com seus 
discípulos, com armas e espadas, contra a escolta? Cristo se renderia ao 
medo da morte? Satanás, conseguiria, desse modo dissuadi-lo da missão 
de libertar Israel? Evidentemente que não. Aquela não era a batalha de 
Cristo. Uma luta com espadas e escudos seria totalmente inútil. Cristo 
nunca pegaria em armas, nem para se defender, nem para libertar Israel 
dos romanos. Sua única arma seria um pedaço de madeira. Ela seria uma 
arma contra ele mesmo, porém ao final, seria também a arma letal contra 
o grande inimigo.
Lucas relata: “Falava ele ainda, quando chegou uma multidão; e um 
dos doze, o chamado Judas, que vinha à frente deles, aproximou-se de 
Jesus para o beijar. Jesus, porém, lhe disse: Judas, com um beijo trais o 
Filho do Homem?” (Lc 22.47-48). A pergunta de Cristo serviu como um 
alerta para os discípulos e eles perguntaram: “Senhor, feriremos à espa-
da?”. De fato, antes disso Cristo dissera que era hora de ter uma espada 
(Lc 22.35-38). Mas provavelmente, Cristo pensasse na segurança pessoal 
dos discípulos, e não em sua própria segurança. Porém, sem esperar pela 
resposta, um dos discípulos (Pedro - Jo 18.10) se adiantou e cortou a 
orelha do servo do sumo sacerdote. Porém, Cristo interrompeu o ataque 
e curou a orelha do homem. Naquele momento, segundo Mateus, Cristo 
disse: “Acaso, pensas que não posso rogar a meu Pai, e ele me mandaria 
neste momento mais de doze legiões de anjos? Como, pois, se cumpri-
riam as Escrituras, segundo as quais assim deve suceder?” (Mt 26.53-54). 
Ou seja, se aquela fosse uma luta que se resolvesse através de espadas, 
Cristo poderia chamar guerreiros mais eficazes. Mas aquela era uma luta 
por legitimidade. E, nesse sentido, ele tinha que lutar sozinho. Ela só 
seria vencida se todas as exigências legais fossem cumpridas, inclusive 
as profecias.
I. A hora dos ímpios e a autoridade das trevas
 Na sequência, Jesus fala com os captores: 
Então, dirigindo-se Jesus aos principais sacerdotes, capitães do templo 
e anciãos que vieram prendê-lo, disse: Saístes com espadas e porretes 
como para deter um salteador? Diariamente, estando eu convosco no 
templo, não pusestes as mãos sobre mim. Esta, porém, é a vossa hora 
e o poder das trevas (Lc 22.52-53).
O questionamento de Jesus aos captores indica não só a covardia de-
les, pelo medo de prendê-lo diante do povo, como também as limitações 
deles, ou seja, durante o tempo em que Jesus estivera diariamente no tem-
plo, eles não tinham “poder” para fazer isso. “Vocês não puseram as mãos 
em mim”, diz Jesus enfaticamente, “porém esta é a hora de vocês” (ἀλλ 
αὕτη ἐστὶν ὑμῶν ἡ ὥρα), ou seja, é o momento em que vocês têm o direito 
de fazer isso, pois é a “autoridade das trevas” (ἡ ἐξουσία τοῦ σκότους). 
Portanto, Jesus foi aprisionado porque as trevas haviam alcançado “auto-
ridade” para fazer isso. Nesse ponto, temos mais um reforço ao que já foi 
dito sobre Satanás ter sido o instrumento principal da morte de Cristo. 
O próprio Cristo disse que sua prisão estava na conta dessa autoridade.
E assim, Jesus foi aprisionado e conduzido às autoridades. Passaria 
por injúrias, falsos julgamentos, açoites, seria condenado a carregar uma 
cruz, e morrer nela, fora de Jerusalém. Tudo isso configurava o momento 
da autoridade das trevas.
Perante o Sinédrio, Jesus foi acusado falsamente, e interrogado sobre 
se era o Cristo: “Se tu és o Cristo, dize-nos. Então, Jesus lhes respondeu: 
Se vo-lo disser, não o acreditareis; também, se vos perguntar, de nenhum 
modo me respondereis. Desde agora, estará sentado o Filho do Homem 
à direita do Todo-Poderoso Deus” (Lc 22.67-69). Porém, mesmo sem 
acreditar nele, consideraram que aquela declaração era suficiente para 
condená-lo. Era uma prova que ele havia produzido contra ele mesmo. 
Entretanto, não pode passar despercebido pelo leitor, que o próprio Jesus 
revelou que aquele era o caminho para que ele pudesse subir e assentar-se 
“à direita do Todo-Poderoso Deus”. Ainda que Satanás, e muito menos os 
religiosos que o estavam interrogando, não pudessem entender o que isso 
significava, à luz do restante do Novo Testamento podemos compreender 
que Jesus estava se submetendo ao poder das trevas para, desse modo, 
desbancar o poder das trevas. Ele deixou as trevas o consumirem, para 
 60
61
finalmente se colocar como o soberano do mundo, exaltado à destra de 
Deus, desfrutando da plena autoridade para esmagar todos os seus ini-
migos.
Durante aquele dia, Jesus foi levado diante de Pilatos, Herodes, e no-
vamente para Pilatos. Apesar dos interrogatórios, os evangelhos mos-
tram que as autoridades romanas não encontraram motivo justo para 
condená-lo, e só fizeram isso para agradar as autoridades judaicas (Lc 
23.14-25). João relata que Pilatos tentou dialogar várias vezes com Cris-
to, e, diante do silêncio de Jesus, tratou de adverti-lo: “Não me respon-
des?Não sabes que tenho autoridade para te soltar e autoridade para te 
crucificar?” (Jo 19.10). Provavelmente, o termo usado por Pilatos, “auto-
ridade”, fez Jesus romper o silêncio. De fato, Pilatos não podia entender 
que aquele era o motivo de todos aqueles acontecimentos. Era a razão 
pela qual Cristo havia vindo ao mundo, e agora se submetia ao poder das 
trevas. A resposta de Jesus foi categórica: “Respondeu Jesus: Nenhuma 
autoridade terias sobre mim, se de cima não te fosse dada; por isso, quem 
me entregou a ti maior pecado tem” (Jo 19.11). Essa, sem dúvida, é uma 
daquelas expressões de Cristo que os teólogos podem passar a vida toda 
tentando esgotar o significado1. Satanás exibia alguma autoridade sobre 
o mundo. Os judeus também acreditavam exercer autoridade religiosa. 
Pilatos e os romanos também acreditavam que tinham autoridade. Mas, 
acima de tudo, paira uma autoridade soberana, suprema, que inclui to-
das essas autoridades menores: a autoridade de Deus. Essa grande e su-
prema autoridade decretou que o filho tivesse que se submeter ao poder 
das trevas, para finalmente desbancar a autoridade das trevas. E, desse 
modo, Jesus foi colocado debaixo da autoridade de Pilatos. No entanto, 
apesar de ser o representante do senhor do mundo (César), Pilatos não 
teria nenhuma autoridade sobre Cristo se isso não fosse concedido por 
Deus. Por outro lado, Jesus acusou os religiosos judaicos de terem uma 
culpa maior do que a de Pilatos. Não é difícil entender a razão. Eles di-
ziam agir em nome de Deus. Eram teoricamente os representantes de 
Deus no mundo. Porém, quando entregaram Cristo a Pilatos para que 
1 Aparentemente, Jesus está falando de Caifás, o Sumo Sacerdote, quando diz 
que era mais culpado do que Pilatos. Como Pilatos, foi-lhe dada autoridade sobre Je-
sus, mas ele abusou dela, e por conveniência política entregou Jesus a Pilatos em uma 
acusação forjada de sedição para garantir a sua morte. Por esta razão, Pilatos, embora 
um homem culpado, não era tão culpado como o Sumo Sacerdote de Deus (George R. 
Beasley-Murray. John. Word Biblical Commentary. Dallas: Word, Incorporated, 2002, 
36:340.)
fosse morto, embora estivessem fazendo exatamente aquilo que Deus 
havia determinado, estavam por si mesmos fazendo aquilo que Satanás 
desejava. Eram servos dele. Porém, nem Satanás, nem seus servos judeus 
e romanos, podiam imaginar que estavam contribuindo para a redenção 
do povo de Deus, e para a destruição do poder das trevas sobre este mun-
do. A autoridade divina é soberana.
II. O tormento na cruz
Quando Cristo deixou o pretório romano, no pátio do Pavimento cha-
mado de Gabatá (Jo 19.13), e tomou a direção do Gólgota carregando sua 
cruz (Jo 19.17), todos os olhos de uma numerosa multidão (Lc 23.27) 
estavam fixos nele. Mas, não é exagero dizer que todos os olhos do céu e 
dos reinos espirituais também estavam fitos naquele homem que carrega-
va a cruz pelas ruas, saindo de Jerusalém. Não há nenhuma descrição de 
possessão demoníaca que possa ter ocorrido naquele momento, e é de se 
supor que todos os demônios estavam quietos, na expectativa de que seu 
algoz seria morto, e assim, não mais os ameaçasse. Igualmente, Satanás 
não aparece mais, tendo cumprido sua missão de usar Judas para traí-lo e 
Pedro para negá-lo. Porém, no momento em que Cristo está na cruz, ele 
precisa ouvir desafios da multidão, que bem poderiam vir de lábios de-
moníacos: “O povo estava ali e a tudo observava. Também as autoridades 
zombavam e diziam: Salvou os outros; a si mesmo se salve, se é, de fato, 
o Cristo de Deus, o escolhido. Igualmente os soldados o escarneciam e, 
aproximando-se, trouxeram-lhe vinagre, dizendo: Se tu és o rei dos ju-
deus, salva-te a ti mesmo” (Lc 23.35-37). Por certo, havia nessas palavras 
um eco daquelas palavras de Satanás na primeira tentação: “se és o filho 
de Deus…”. Mateus relata que eles usaram realmente essa expressão: “Os 
que iam passando blasfemavam dele, meneando a cabeça e dizendo: Ó tu 
que destróis o santuário e em três dias o reedificas! Salva-te a ti mesmo, 
se és Filho de Deus, e desce da cruz!” (Mt 27.39-40). A confiança que 
Cristo depositou em Deus, mas que não o levou a se jogar do pináculo do 
templo, agora é escarnecida:
De igual modo, os principais sacerdotes, com os escribas e anciãos, 
escarnecendo, diziam: Salvou os outros, a si mesmo não pode salvar-
se. É rei de Israel! Desça da cruz, e creremos nele. Confiou em Deus; 
pois venha livrá-lo agora, se, de fato, lhe quer bem; porque disse: Sou 
Filho de Deus (Mt 27.41-43).
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É difícil dizer o quanto há de humano ou demoníaco nessas palavras 
cheias de escárnio. Provavelmente seja uma mescla de ambos, o resumo 
de um mundo decaído, dominado pelas trevas, reagindo com desdém 
ao Filho de Deus. É claro que todos consideravam aquele momento a 
grande derrota do pregador da Galiléia, e não perdiam tempo em tripu-
diar sobre ele. Cristo aguentou pacientemente as ofensas e o sofrimento 
físico. Ele não reclamou em momento algum a respeito dessas coisas, ao 
contrário, chegou a pedir a Deus que perdoasse o pecado do povo (Lc 
23.34).
Porém, num dado momento de seu sofrimento, ele parece fazer uma 
espécie de reclamação contra Deus: “Desde a hora sexta até à hora nona, 
houve trevas sobre toda a terra. Por volta da hora nona, clamou Jesus em 
alta voz, dizendo: Eli, Eli, lamá sabactâni? O que quer dizer: Deus meu, 
Deus meu, por que me desamparaste?” (Mt 27.45-46). Sem dúvida, este 
foi o momento mais decisivo da grande batalha apocalíptica. A presença 
das trevas durante as três horas que antecederam à morte de Jesus são 
um símbolo dos tormentos que ele sofria. Aquele era o momento das 
trevas. Não se tratava apenas de sofrimento físico. O clamor de Jesus 
demonstra isso. 
A expressão é uma citação praticamente literal do Salmo 22.1, onde 
o salmista lamenta todo o seu sofrimento, o abandono e a ridiculari-
zação que sofreu por parte dos inimigos, mas demonstra confiança no 
governo soberano de Deus sobre as nações, e nos seus propósitos para 
o futuro. Portanto, a expressão, em si mesma, não é uma reclamação 
contra Deus, mas um reconhecimento do verdadeiro e profundo sofri-
mento a que Cristo foi submetido, não apenas um sofrimento físico, mas 
acima de tudo um sofrimento espiritual. A certa altura, o salmista disse: 
“Mas eu sou verme e não homem; opróbrio dos homens e desprezado 
do povo. Todos os que me vêem zombam de mim; afrouxam os lábios e 
meneiam a cabeça: Confiou no SENHOR! Livre-o ele; salve-o, pois nele 
tem prazer” (Sl 22.6-8). Esse, por certo, era o sentimento de Cristo ao fi-
nal daquelas três horas de trevas. Na linguagem do Novo Testamento, ele 
havia recebido sobre si os nossos pecados (1Pe 2.24), foi contado com os 
malfeitores (Lc 22.37), foi levantado da terra como um maldito (Gl 3.13). 
Aquele foi o momento em que, ainda na cruz, de certo modo, Cristo ex-
perimentou os tormentos do inferno, ou seja, quando Cristo sofreu sob 
a ira de Deus, tendo que pagar tanto em seu corpo quanto em sua alma o 
preço da nossa reconciliação com Deus2. Foi quando, como diz Calvino, 
Cristo “ao entrar em luta pessoal com o poder do diabo, com o horror da 
morte, com os tormentos dos infernos, resultou que não só alcançasse a 
vitória sobre eles, mas até celebrasse o triunfo, para que na morte já não 
temamos aquelas coisas que nosso Príncipe tragou”3.
A frase do Salmo 22 não foi a única que Jesus proferiu enquanto esta-
va na cruz4. Outra expressão altamente significativa foi dita por Jesus na 
hora da agonia, conforme relata João: “Estava ali um vaso cheio de vina-
gre. Embeberam de vinagre uma esponja e, fixando-a num caniço de his-
sopo, lha chegaram à boca. Quando, pois, Jesus tomou o vinagre, disse: 
Está consumado! E, inclinando a cabeça, rendeu o espírito” (Jo 19.29-30). 
Em seguida, de acordo com Marcos: “o véu do santuário rasgou-se em 
duas partes, de alto a baixo” (Mc 15.37-38). A primeira expressão “está 
consumado” é uma única palavra no grego, a língua originaldo Novo 
Testamento: tetélestai (τετέλεσται). A ideia de “está terminado ou consu-
mado” revela apenas “metade do significado” do termo5. Jesus usou um 
verbo passivo perfeito em terceira pessoa do verbo “teleō”. Esse verbo 
tem a conotação de algo que foi plenamente cumprido, um propósito que 
foi alcançado, “e em contexto religioso sustenta a concepção de cumpri-
mento de uma obrigação religiosa”6. Portanto, não aponta apenas para 
o cumprimento em si de uma obrigação, mas da específica necessidade 
2 John Calvin e William Pringle. Commentary on a Harmony of the Evangelists 
Matthew, Mark, and Luke. Bellingham, WA: Logos Bible Software, 2010., 3:316–317.
3 João Calvino. Institutas. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, II,16,11. Calvino 
também disse: “Nada teria acontecido se Jesus sofresse apenas a morte temporal. Pois 
era necessário que sentisse em sua alma o rigor do castigo de Deus, para se pôr sob a sua 
ira e satisfazer a seu justo juízo. Pelo qual convinha também que combatesse com as for-
ças do inferno e que lutasse com o horror da morte eterna” (Institutas, (II,16,10). Bavinck 
disse: “de fato, não em um sentido espacial, mas em um sentido espiritual, ele desceu 
ao inferno”. (Herman Bavinck. Teologia Sistemática: Fundamentos teológicos da fé cristã. São 
Paulo: SOCEP, 2001, p. 401).
4 O total de frases que os Evangelhos relatam de Jesus chegam a sete: “Pai, per-
doa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23.34); “Mulher, eis aí teu filho” (Jo 19.26); 
“Tenho sede!” (Jo 19.28); “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso”. (Lc 
23.43); “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” (Mt 27.46); “Está consuma-
do!” (Jo 19.30); “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito!” (Lc 23.46).
5 George R. Beasley-Murray. John. Word Biblical Commentary. Dallas: Word, 
Incorporated, 2002, 36:352.
6 D. A. Carson. The Gospel according to John. The Pillar New Testament Commen-
tary. Leicester, England; Grand Rapids, MI: Inter-Varsity Press; W.B. Eerdmans, 1991, 
621.
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do cumprimento daquela obrigação7. Podemos, portanto, interpretar que 
o brado “tetélestai” de Cristo, talvez o último que ele tenha dado antes 
de morrer, era o reconhecimento de que ele havia cumprido tudo o que 
era necessário, toda a obrigação religiosa ou jurídica da qual ele fora 
incumbido pelo Pai. Ele carregou os pecados, e pagou plenamente por 
eles no corpo e na alma. Como consequência e uma espécie de resposta 
divina à declaração de Cristo, o véu do santuário se rasgou de cima para 
baixo, mostrando que a barreira que separava Deus de seu povo havia 
sido rompida.
Este deve ser visto como o grande momento da derrota de Satanás, 
o instante em que “sua cabeça foi esmagada”. Toda a atuação de Satanás 
desde o Gênesis, foi no intuito de separar e garantir essa separação do 
homem em relação a Deus. Atuando como “sedutor (enganador) das na-
ções” (Ap 12.9), e como “acusador de nossos irmãos” (Ap 12.10), ele es-
forçava-se por evitar a comunhão da criatura com seu criador. Ele inter-
punha objeções jurídicas, baseadas na Lei Divina, para que não houvesse 
verdadeira aliança entre Deus e os homens. Porém, quando ele conduziu 
Cristo à cruz, provavelmente no intuito de amedrontá-lo num primeiro 
momento, e depois de se livrar de Cristo, ele acabou cumprindo a antiga 
profecia de Gênesis 3.15. Ele picou o calcanhar do descendente, ferin-
do-o mortalmente, porém o efeito disso foi ter sua própria cabeça esma-
gada pelo descendente da mulher. A morte de Cristo matou a serpente.
III. A expulsão do príncipe deste mundo
A cruz foi o grande momento da derrota de Satanás, quando este teve 
sua cabeça esmagada. Para entendermos melhor essa derrota, tanto a 
realidade dela, quanto seu significado, duas passagens do Novo Testa-
mento são elucidativas. Começaremos com a passagem que não deixa 
qualquer dúvida quanto à “morte do diabo” na cruz, e que portanto, es-
tabelece a realidade dela. Hebreus 2.14-15:
Visto, pois, que os filhos têm participação comum de carne e sangue, 
destes também ele, igualmente, participou, para que, por sua morte, 
7 C. H. Dodd diz que o termo é aplicado na literatura extra-bíblica como o 
“cumprimento exato dos ritos religiosos, como nos sacrifícios ou iniciações”. O autor 
demonstra isso em textos herméticos (C. H. Dodd. A interpretação do Quarto Evangelho. 
São Paulo: Teológica, 2003, p. 561).
destruísse aquele que tem o poder da morte, a saber, o diabo, e livrasse 
todos que, pelo pavor da morte, estavam sujeitos à escravidão por 
toda a vida.
Em toda a carta aos Hebreus, o autor está falando sobre as grande-
zas de Cristo e, consequentemente, da fé cristã, e mostrando como tudo 
isso é o cumprimento do que foi predito no Antigo Testamento. Nesse 
sentido, o autor está exortando seus leitores a não se deixar fascinar por 
objetos ou rituais da Antiga Aliança, os quais provavelmente eram uti-
lizados naqueles dias em muitos círculos religiosos, para tentar cativar 
os cristãos recém-convertidos com uma religião mais pomposa e pre-
tensamente mais significativa. O papel de Cristo como sumo-sacerdote é 
frequentemente evocado na carta para demonstrar a condição superior 
do crente da nova aliança em relação ao crente da velha aliança, no que 
tange ao fato de que agora mesmo, Cristo está no céu, fazendo sua obra 
de manutenção e expansão em favor de sua igreja, uma vez que já consu-
mou de uma vez por todas a redenção de seu povo. Especificamente, ele 
está mostrando que Cristo é superior aos anjos, e faz isso demonstrando 
que justamente por ter tomado um corpo ele é superior, sendo que seus 
leitores pareciam ter uma opinião oposta nesse sentido.
A superioridade da pessoa de Cristo, nesse sentido, é demonstrada 
nessa passagem pelo fato de ele ter realizado o ato supremo, o feito defini-
tivo da salvação, a vitória total e completa sobre as forças das trevas. Mas, 
para fazer isso, ele teve que cumprir etapas. E a primeira delas foi justa-
mente a “encarnação”, como já mostramos nesse trabalho. O autor aos 
Hebreus diz: “Visto, pois, que os filhos têm participação comum de carne 
e sangue, destes também ele, igualmente, participou”. Uma vez que a hu-
manidade compartilha uma essência, a qual é composta de “carne e san-
gue”, Cristo também precisou participar dessa essência ou natureza, para 
poder realizar sua obra. Ou seja, se ele quisesse redimir homens de carne 
e sangue, ele precisa se tornar um homem de carne e sangue. Assim, mais 
uma vez vemos que todas as etapas da vida de Jesus foram necessárias 
para que ele vencesse a grande batalha escatológica. E o nascimento foi a 
primeira das etapas, quando ele se qualificou para a verdadeira batalha. 
Porém, o nascimento foi um meio para um fim, uma etapa inicial para 
concretizar uma etapa final, e a etapa final foi o “tetélestai”, ou seja, a 
morte de Cristo. É isso o que o autor aos Hebreus está dizendo: Cristo se 
fez carne e sangue por causa de pessoas desta mesma natureza, para mor-
rer, e assim, realizar duas coisas: destruir o grande inimigo e libertar os 
 66
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cativos dele. Os termos utilizados são extremamente fortes: Cristo, “atra-
vés da morte, aniquilou (καταργήσῃ) aquele que…”. O verbo “aniquilou” 
está no aoristo subjuntivo, porém, o conteúdo não sugere a ideia de uma 
ação ainda a ser realizada ou condicional em relação ao futuro. A condi-
cional do destruir estava na necessidade de Cristo se encarnar e morrer. 
Ao fazer isso, ele cumpriu os requisitos e destruiu ou aniquilou “aquele, 
o que tem o domínio da morte” (τὸν τὸ κράτος ἔχοντα τοῦ θανάτου). 
E a passagem esclarece: “este é o diabo”. O termo “krátos” (κράτος) é 
frequentemente atribuído ao próprio Deus no Novo Testamento, aquele 
que têm domínio sobre o mundo (1Pe 4.11, Jd 25, Ap 1.6). É uma pala-
vra, portanto, que demonstra a relação do diabo com a morte. Ele é des-
crito como uma espécie de “senhor da morte”. Evidentemente, isso deve 
ser visto da perspectiva de um “senhorio usurpado”, porém, ainda assim, 
trata-se de um “senhoriojuridicamente legal”, o qual foi mantido através 
de sua tarefa de acusador. Ele tem o direito de exigir a morte como con-
denação pelo pecado dos homens. Porém, em relação aos crentes, esse 
direito lhe foi completamente cassado por Cristo. 
Então, a segunda tarefa realizada pela morte de Cristo foi: “e livrasse 
todos que, pelo pavor da morte, estavam sujeitos à escravidão por toda 
a vida”. Essa sem dúvida é uma das frases do Novo Testamento mais di-
fíceis de serem traduzidas da língua grega. Em termos absolutamente li-
terais, ele disse o seguinte: “e libertasse aqueles, todos quantos, no temor 
da morte, por toda a vida, culpados estavam da escravidão”8. Apesar da 
dificuldade da tradução, fica evidente que ele está falando de uma liber-
tação jurídica, de um ato de remover a culpa da escravidão do pecado, 
a qual exigia a morte, e mantinha as pessoas nessa condição por toda a 
vida.
Portanto, o senhor da morte foi derrotado, e a própria morte não nos 
aprisiona mais no temor, pois fomos absolvidos. Note-se, entretanto, que 
“aquele que tem o poder sobre a morte é em si mesmo reduzido a impo-
tência, mas a morte em si mesma ainda não foi destruída (cf. 1Co 15.26, 
54)”9. A morte continua na vida dos crentes, porém não mais através de 
8 καὶ ἀπαλλάξῃ τούτους, ὅσοι φόβῳ θανάτου διὰ παντὸς τοῦ ζῆν ἔνοχοι ἦσαν 
δουλείας. (Matthew Black, Carlo M. Martini, Bruce M. Metzger, e Allen Wikgren. The 
Greek New Testament. Federal Republic of Germany: United Bible Societies, 1997, Hb 
2.15).
9 Paul Ellingworth. The Epistle to the Hebrews: a commentary on the Greek text. New 
International Greek Testament Commentary. Grand Rapids, MI; Carlisle: W.B. Eerd-
mans; Paternoster Press, 1993, p. 173.
uma exigência legal pela autoridade daquele antigo “senhor da morte”, o 
qual foi destruído na morte de Cristo. Portanto, o sentido em que ele foi 
destruído deve ser visto como sendo em relação à sua função, e não ao 
seu ser ou personalidade. Nesse sentido o diabo continua existindo, mas 
como diz João, “para isto se manifestou o Filho de Deus: para destruir as 
obras do diabo” (1Jo 3.8).
Agora precisamos olhar com mais detalhe o significado dessa derrota 
ou “morte” de Satanás. E para isso precisamos voltar ao Evangelho de 
João.
João narra uma significativa explicação de Cristo sobre esse assunto 
no capítulo 12 do Evangelho (vs. 20-33). Após a manifestação do desejo 
de alguns gregos de verem a Jesus de perto, sendo isso levado ao conhe-
cimento do Senhor por André e Felipe (Jo 12.21-22), o Senhor se con-
turbou em espírito, percebendo que aquilo apregoava a aproximação do 
momento da sua morte: “Respondeu-lhes Jesus: É chegada a hora de ser 
glorificado o Filho do Homem. Em verdade, em verdade vos digo: se o 
grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, 
produz muito fruto” (Jo 12.23-24). Por certo, os dois discípulos que fo-
ram levar o pedido dos gregos não puderam entender o motivo de tanta 
comoção por parte de Cristo, e de todo o monólogo que ele inicia na-
quele momento, revelando as pressões íntimas de sua alma, e o desejo de 
ser livrado daquele fardo (Jo 12.25-26). Toda a angústia despertada por 
aquele aparentemente tão simples pedido dos gregos foi exposta com as 
seguintes palavras: “Agora, está angustiada a minha alma, e que direi eu? 
Pai, salva-me desta hora? Mas precisamente com este propósito vim para 
esta hora” (Jo 12.27). A compreensão da inevitabilidade da aproximação 
de sua morte maldita o levou a falar deste modo, no que certamente dei-
xou seus discípulos confusos, pois eles não compartilhavam das angús-
tias íntimas de Cristo. Curiosamente, João não diz se Jesus atendeu ao 
pedido dos gregos ou não. Porém, o próprio Cristo explica-nos a razão 
da necessidade da sua morte, e assim, revela também o caminho através 
do qual os gregos poderiam finalmente se aproximar dele: “Chegou o 
momento de ser julgado este mundo, e agora o seu príncipe será expulso. 
E eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim mesmo. Isto 
dizia, significando de que gênero de morte estava para morrer” (Jo 12.31-
33). Aqui, portanto, temos a descrição do real estado da batalha que se-
ria travada na cruz. Tratava-se de uma batalha jurídica. Cristo precisava 
morrer dependurado numa cruz para poder julgar o mundo e expulsar o 
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seu príncipe, obtendo como consequência de sua obra, o poder de atrair 
todos a si mesmo, inclusive, os gregos que estavam solicitando a audiên-
cia com ele.
Portanto, um duplo julgamento, no sentido de condenação, aconte-
ceu na cruz. Nela, Cristo foi julgado e condenado pelas autoridades hu-
manas, porém de forma injusta e covarde. Ao mesmo tempo, Cristo foi 
julgado e condenado pela Lei de Deus, uma vez que estava substituin-
do seu povo. Essa foi uma condenação justa, no sentido de que Cristo, 
carregou a culpa dos pecados do seu povo. Porém, Satanás e o mundo 
também foram julgados naquele momento. O reino do mundo, o reino 
da morte, cujo rei ou príncipe era Satanás, recebeu um julgamento e uma 
condenação. Na cruz, Satanás foi julgado e condenado, teve seu poder 
como príncipe deste mundo revogado, seu posto de acusador no céu 
removido, e foi expulso de todas essas posições de autoridade. É nesse 
sentido que sua cabeça foi esmagada. Cristo não foi o único a beber o 
cálice naquele dia. Satanás também teve que beber.
Assim, em prospecção do futuro, quando o Espírito viria, ainda antes 
de morrer, Cristo já podia dizer: “Quando ele vier, convencerá o mundo 
do pecado, da justiça e do juízo: do pecado, porque não creem em mim; 
da justiça, porque vou para o Pai, e não me vereis mais; do juízo, porque 
o príncipe deste mundo já está julgado” (Jo 16.8–11). A primeira vinda 
de Jesus foi esse julgamento. Por isso nela se travou a grande batalha 
escatológica.
IV. Autoridades despojadas
Não apenas Satanás foi julgado e deposto na cruz, mas também todas 
as suas hostes. O Apóstolo Paulo descreveu detalhadamente a respeito 
dessa grande vitória jurídica de Cristo sobre os demônios na carta aos 
Colossenses capítulo dois, verso 1510. 
Após estabelecer que, através do batismo, os crentes têm sinalizado 
claramente seu perdão judicial diante de Deus, ele menciona o despoja-
mento dos principados e potestades: 
E a vós outros, que estáveis mortos pelas vossas transgressões e 
10 Schreiner acredita que, provavelmente, esse seja o mais importante texto que 
descreve a vitória de Cristo sobre os poderes malignos (Thomas Schreiner. New Testa-
ment theology: magnifying God in Christ. Grand Rapids: Baker Academic, 2008, p. 370).
pela incircuncisão da vossa carne, vos deu vida juntamente com 
ele, perdoando todos os nossos delitos; tendo cancelado o escrito de 
dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos 
era prejudicial, removeu- o inteiramente, encravando-o na cruz; e, 
despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao 
desprezo, triunfando deles na cruz (Cl 2.13-15). 
Não pode ser ignorada a forte terminologia jurídica da passagem. 
Ele diz que os crentes estava mortos por causa das “transgressões” 
(παραπτώμασιν), que representam um “desviar-se” da lei divina. Fala 
também do termo “incircuncisão”, que é o termo legal da antiga aliança 
aplicado aos que estão excluídos dela, e esclarece que através de Cristo, 
simbolizado pelo batismo, os crentes receberam “vida” e perdão gracioso 
(χαρισάμενος) dos “delitos” (τὰ παραπτώματα). 
Em seguida, ele explica mais detalhadamente essa questão legal que 
precisou ser plenamente resolvida por Cristo, pois menciona o “escrito 
de dívida”, literalmente, o manuscrito, ou “escrito à mão” (χειρόγραφον). 
Esse documento legal é, sem dúvida, a causa da necessidade de Cristo 
entregar sua vida na cruz. Ao morrer crucificado, Cristo impôs três ações 
sobre o tal “documento”: 1) cancelou; 2) removeu-o inteiramente; 3) en-
cravou-o na cruz. A primeira expressão literalmente significa “borrou ou 
rasurou” (ἐξαλείψας), conduzindo à ideia de que ele o cobriu,impedindo 
que sua acusação fosse lida. A segunda expressão significa literalmente 
que Cristo retirou ou suspendeu o documento do meio do caminho, ou 
seja, eliminou o impedimento causado pelo documento. E a terceira ex-
pressão literalmente significa que ele o “pregou” (προσηλώσας) na cruz. 
Essa última, sem dúvida, faz um jogo de palavras com o próprio corpo de 
Cristo que foi pregado na cruz. 
O termo “manuscrito” ou “escrito de dívida”, não pode ser aplicado 
diretamente à Lei de Deus, pois em nenhum lugar o Novo Testamento diz 
que Cristo “borrou ou anulou” a Lei, nem que a removeu do caminho, ou 
a encravou na cruz. Antes, ele deve ser visto como o documento de acu-
sação produzido por Satanás contra o povo de Deus, com base nas esti-
pulações e exigências da lei divina. Como fez com Jó no passado, e como 
tem feito ao longo da história com todos os fiéis do Antigo Testamen-
to, Satanás os acusa diante de Deus (Ap 12.10). Satisfazendo, portanto, 
a exigência legal da morte expiatória pelos pecados do seu povo, Cristo 
destruiu completamente o “escrito de dívida”, ou seja, o poder maligno de 
acusar o povo de Deus. Todos os argumentos satânicos que podiam estar 
 70
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naquele “papel” foram silenciados na cruz de Cristo.
Por esse motivo, Paulo completa: “e, despojando os principados e 
as potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na 
cruz”. Geralmente, esse triunfo de Cristo sobre os acusadores é visto 
como uma descrição que usa termos militares. Segundo essa interpre-
tação, a vitória de Cristo se assemelha à vitória de um exército sobre 
outro exército, quando o derrotado é despojado, humilhado e conduzido 
para um desfile triunfal em honra do exército vencedor. A sequência se-
ria: Cristo desarmou (despojou) os principados, e expôs a derrota deles 
publicamente, desfilando triunfalmente com eles. Porém, os termos são 
mais jurídicos do que militares. É evidente que há uma vitória militar 
em toda essa história, mas ela é sustentada por uma vitória jurídica. O 
primeiro termo utilizado para descrever o efeito direto da destruição do 
“escrito de dívida” é “despojamento” (ἀπεκδυσάμενος). O termo literal-
mente significa “despir”. Por esse motivo, praticamente todas as tradu-
ções estabelecem que Cristo “despojou”, “despiu” ou “desarmou” os prin-
cipados e potestades. Mas há uma dificuldade oculta por essa escolha 
de tradução. É o fato de que, no grego, o verbo está na voz “média”. Isso 
implica num forte teor reflexivo do verbo11. Ou seja, o sujeito do verbo 
é que está se despindo. Quem é o sujeito da ação? Paulo não estabelece 
claramente, mas certamente é Deus ou Cristo, como os versos 12-13 es-
tabelecem. Parece que Paulo está dizendo que Deus realizou todas essas 
ações através de Cristo, o que obviamente não exclui o próprio Cristo de 
ser também o agente delas. Então, literalmente, Paulo está dizendo que 
“Cristo se despojou”. Em outros dois lugares, Paulo usa essa expressão na 
carta aos Colossenses. A primeira é um verbo cognato usado no mesmo 
contexto deste texto, quando ele menciona o batismo cristão como uma 
substituição da circuncisão: “Nele, também fostes circuncidados, não 
por intermédio de mãos, mas no despojamento do corpo da carne, que é 
a circuncisão de Cristo” (Cl 2.11). A outra ocorrência está em Colossen-
ses 3.9: “Não mintais uns aos outros, uma vez que vos despistes do velho 
homem com os seus feitos”. Em ambas, é o sujeito quem está se despo-
jando. Porém, a primeira menção é mais importante, pois está ligada 
diretamente ao contexto do verso 15. Paulo está dizendo que os crentes 
têm sido despojados de seu corpo carnal através do batismo. Ele chama 
11 James D. G. Dunn. The Epistles to the Colossians and to Philemon: a commentary 
on the Greek text. New International Greek Testament Commentary. Grand Rapids, MI; 
Carlisle: Eerdmans; Paternoster Press, 1996, p. 167.
isso de a “circuncisão de Cristo”. Na cruz, Cristo se despojou de seu cor-
po, por isso, os crentes também podem se despojar do corpo, de maneira 
a não serem mais escravos do pecado, conforme Colossenses 3 assevera.
Portanto, o texto está dizendo que Cristo se despojou. Porém, como 
entender então a referência imediata aos “principados e potestades”? E 
deve ser notado que esses dois termos aparecem no acusativo no grego, 
mostrando que também houve uma ação sobre eles. A solução pode es-
tar em manter os dois significados. Para poder despojá-los, ele teve que 
também se despojar. Cristo e os demônios foram à cruz. E nela, todos 
foram despojados. Portanto, Paulo está falando do preço que Cristo teve 
que pagar. Tratava-se de um preço jurídico. Uma exigência da Lei, enfa-
tizada pela acusação registrada no escrito de dívida. Como os acusadores 
exigiam, Cristo se despojou. Assim, a exigência formal dos acusadores foi 
satisfeita quando Cristo entregou seu corpo para ser pregado na cruz, po-
rém, ao mesmo tempo, ele pregou lá o “escrito de dívida”, então, despojou 
também lá os principados e potestades.
A próxima ação sofrida por eles foi uma “pública e vigorosa exposi-
ção” (ἐδειγμάτισεν ἐν παρρησίᾳ). Certamente, a linguagem militar está 
presente mais uma vez, pois a derrota no campo de batalha era seguida 
da ridicularização pública do exército derrotado. Porém, deve ser notado 
que há um jogo de imagens na passagem, pois a crucificação era também 
uma exposição pública. Não se tratava de uma simples execução, mas de 
um show público, um momento de execração do condenado, sendo tam-
bém uma forma de prevenir que outros seguissem o exemplo dele. Aqui, 
especificamente, deve ser lembrado o que foi dito sobre o papel de Sata-
nás na morte de Jesus. Como argumentamos, é nossa convicção de que 
Satanás não sabia que a cruz seria o instrumento legal da redenção. Por-
tanto, sem conseguir fazer com que Cristo pecasse, o inimigo o conduziu 
à cruz. Mais uma vez deve ser lembrado que Lucas e João narram o papel 
de Judas na morte de Cristo como algo potencializado por Satanás, o qual 
efetivamente possuiu o tesoureiro do grupo apostólico. Lucas narra que 
Satanás entrou em Judas antes da preparação da Páscoa, e, então ele foi 
procurar os sacerdotes para acertar a venda de Jesus (Lc 22.3-6). E João 
narra que isso aconteceu também durante a própria ceia, quando Jesus 
indicou o traidor como aquele que comeria o pedaço de pão molhado: 
“E, após o bocado, imediatamente, entrou nele Satanás. Então, disse Jesus: 
O que pretendes fazer, faze-o depressa” (Jo 13.27). Como consequência, 
Judas saiu (Jo 13.30), e retornou mais tarde com a escolta para prender a 
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73
Jesus (Jo 18.1-3). Então, nos dois momentos cruciais da entrega de Jesus 
às autoridades judaicas, Judas agiu possuído por Satanás. Portanto, se Sa-
tanás quisesse desviar Jesus da cruz, ou mesmo se imaginasse que a cruz 
poderia ser o instrumento da redenção, parece ilógico que ele possuiria 
Judas no momento da traição. Disso concluímos que Satanás empreen-
deu todos os esforços para que Cristo fosse crucificado, e assim, exposto 
ao vexame público. O que ele não podia imaginar naquele momento é 
que “o tiro sairia pela culatra”. Por um lado, ele conseguiu a exposição 
pública de Cristo, conseguiu que o Filho de Deus fosse humilhado pelos 
homens. Mas, ele não contava que, ao final, a cruz revelasse uma humi-
lhação muito maior, a do próprio Satanás e seus demônios, que se viram 
despojados de todos os seus direitos, e expostos ao ridículo perante os 
anjos e perante todos aqueles que viriam a compreender o Evangelho. 
Nesse sentido, a vergonha de Cristo acabou no Domingo, mas a de Sata-
nás e seus demônios não.
E, finalmente, o texto diz que Jesus “triunfou” deles na cruz. O ter-
mo “triunfou” (θριαμβεύσας) é utilizado em 2Co 2:14: “Graças, porém, a 
Deus, que, em Cristo, sempre nos conduz em triunfo e, por meio de nós, 
manifesta em todo lugar a fragrância do seu conhecimento”. O sentido 
do verbo “conduzir em triunfo” evoca realmente a ideia de um “desfile 
triunfal”. De fato, após a vitóriae o despojamento dos inimigos, o exér-
cito vencedor costumava desfilar em triunfo pelas ruas de Roma. Assim, 
a vitória de Cristo é consumada nesse desfile triunfal, o qual começou 
na cruz, e por certo, se estendeu até a subida de Cristo ao céu12. Ao final 
do desfile triunfal em Roma, geralmente havia uma execução dos inimi-
gos13. A expulsão de Satanás do céu na ascensão de Cristo (ver capítulo 
sobre ascensão), ou mesmo seu lançamento para o lago de fogo, de al-
gum modo, se encaixam com essa ideia.
12 Douglas Moo entende que na cruz Deus “desarmou” os principados e potes-
tades, mas foi através da ressurreição e ascensão que Deus colocou em pública evidên-
cia essa vitória de Cristo sobre os poderes malignos (Douglas J. Moo. The letters to the 
Colossians and to Philemon. The Pillar New Testament Commentary. Grand Rapids, MI: 
William B. Eerdmans Pub. Co., 2008, p. 215.). Essa ideia é correta, como demonstrare-
mos a seguir, porém, como também já demonstramos, a morte vergonhosa de Cristo na 
cruz representa a humilhação de Satanás. Portanto, o desfile triunfal começou na cruz.
13 Thomas Schreiner. New Testament theology: magnifying God in Christ. Grand Ra-
pids: Baker Academic, 2008, p. 371.
V. Uma breve narrativa da batalha da cruz14
Como num duelo mortal, Jesus e Satanás se dirigiram para o campo de 
batalha. Após tantos confrontos (Mt 4.1-11, Lc 22.1-4, 31-34), havia che-
gado o momento da última batalha. Uma sexta-feira foi reservada para 
o confronto final. Desde a noite anterior, o inimigo começou a golpear 
Cristo impiedosamente. Usou todo o seu arsenal de mentiras e homens 
corruptos para atingir a honra de Cristo. Conduziu-o de “mão em mão”, 
de Anás para Caifás (Jo 19.13, 24), de Caifás para Pilatos (Jo 19.28-29), 
de Pilatos para Herodes (Lc 23.6-8), de Herodes para Pilatos (Lc 23.11), 
de Pilatos para a multidão que gritou crucifica-o (Jo 19.4-6). Em vários 
desses momentos, Cristo foi agredido fisicamente e moralmente (Mt 
26.67-68, 27.27-31). 
O guerreiro celeste, entretanto, parecia sem reação (1Pe 2.23). Aguen-
tou todos os golpes calado (Is 53.7). Sua honra e seu corpo foram severa-
mente atingidos em todos os momentos, desde o pretório até o Calvário 
(Mc 15.20-32). Golpe após golpe, o Filho de Deus suportou a insolên-
cia dos homens e a perversidade de Satanás. Todos olhavam incrédulos 
para ele. “Por que não reage? Onde está o poder que levantou mortos 
do túmulo? Onde está a autoridade que fez calar o mar?”. As mulheres 
choravam pelas ruas imundas (Lc 23.27), rostos como gárgulas riam do 
sofrimento daquele que carregava uma cruz, seguido por ladrões, em se-
melhante condenação (Lc 23.32). Os céus de chumbo negavam respostas. 
Anjos observavam atônitos seu comandante ser tratado daquela forma 
humilhante. Desejavam descer e interromper de vez aquela infâmia, mas 
a ordem era que não interferissem (Mt 26.53). Nenhum deles podia en-
tender o motivo… (1Pe 1.12, Ef 3.8-11) Demônios riam e comemora-
vam cada queda, cada tropeço, cada açoite, cada cusparada sofrida pelo 
pregador da Galiléia. Aplaudiram freneticamente quando o vestiram de 
um manto escarlate, colocaram nele uma coroa de espinhos, e fizeram 
reverências provocativas a ele como “rei” (Mt 27.28-29). Nem eles conse-
guiam acreditar na vitória que estavam obtendo. Estava parecendo fácil. 
14 O texto a seguir é uma peça literária de ficção. Ele foi construído a partir dos 
fatos bíblicos, mas não pretende ser uma exposição bíblica. O texto segue a narrativa 
dos Evangelhos, e também o texto de Gênesis 3.15, que usou elementos literários para 
descrever o duplo ferimento mortal resultante da inimizade (confronto) entre o descen-
dente da mulher e a serpente. Reflete também diversas outras passagens do Antigo e do 
Novo Testamento, algumas das quais estão listadas no próprio texto.
 74
75
Fácil demais… 
Uma vez que Cristo não reagia, o inimigo deu vazão à toda a sua 
violência, arrojou todo o seu ódio contra Deus e contra o ser humano, 
na pessoa do Filho do Homem. As marteladas afundaram os pregos na 
carne e na madeira. O corpo irreconhecível foi levantado da terra e cha-
coalhou dolorosamente até pairar acima das cabeças humanas e abaixo 
do céu cada vez mais escuro. Agora, que Cristo estava fora do alcance 
dos açoites dos soldados, então, o inimigo usou as línguas humanas para 
chicoteá-lo ainda mais. “Desce da cruz, se você é o Filho de Deus”! Você 
não disse que ia destruir o templo? E agora não consegue se quer se livrar 
dessa cruz? Talvez, nós lhe daremos uma chance como Messias, se descer 
dessa cruz agora!” (Mt 27.39-42). 
Porém, logo tudo começou a sair do controle das mãos do grande ini-
migo. Muito mais do que sofrimento físico ou vergonha moral, parecia 
sofrer aquele amaldiçoado que estava pendurado no madeiro (Gl 3.13). 
A escuridão que cobriu a terra por três horas apontava para algo muito 
além do que ele poderia imaginar (Mt 27.45). Não estava sendo pago 
apenas um preço de sangue, mas o preço de uma condenação eterna 
(1Pe 2.24). O maior palco da história do mundo exibia o momento do 
pagamento de um resgate, uma oferta feita por Deus e para Deus (Rm 
3.25). Porém, o inimigo enlouquecido e sedento de sangue não podia 
entender. Então, no auge de sua soberba, após ter ferido mortalmente 
o Filho de Deus, o inimigo também sentiu um golpe. Após injetar todo 
o seu veneno no calcanhar do Messias (Gn 3.15, Ap 12.4), e sentir que 
as forças vitais abandonavam o corpo que se afrouxava na cruz, quando 
já tinha como certo que havia triunfado e destruído aquele que tanto o 
ameaçava, o golpe veio fatal (Hb 2.14). O peso de uma pisada violenta 
estraçalhou sua cabeça (Gn 3.15). Foi fulminante. Sem possibilidade de 
reação.
Então, céus e terra arregalaram os olhos em completo estado de as-
sombro. Anjos boquiabertos contemplavam atônitos, sem entender o 
que estava acontecendo (1Pe 1.12). Demônios urravam desesperada-
mente, enquanto todas as suas armas e direitos estavam sendo arranca-
dos deles (Cl 2.15), e eles eram postos de joelhos (Fp 2.10). Então, ficou 
claro para todos. Não apenas uma, mas duas mortes estavam contadas 
na mesma cruz. 
Conclusão
Toda a vergonha e sofrimento a que Cristo teve que ser submetido na 
cruz, afinal, compensou. Por isso, a profecia de Isaías se cumpriu perfei-
tamente em Cristo: “Ele verá o fruto do penoso trabalho de sua alma e 
ficará satisfeito; o meu Servo, o Justo, com o seu conhecimento, justificará 
a muitos, porque as iniquidades deles levará sobre si” (Is 53.11). Entre-
tanto, a derrota que Cristo sofreu na cruz nunca deverá ser minimizada. 
Aquilo, de fato, foi um “penoso trabalho”. Morrer dependurado num ma-
deiro significou morrer como um maldito (Gl 3.13). O Filho da mulher 
sofreu a picada mortal da serpente (Gn 3.15). Infâmia e afronta são pala-
vras insuficientes para descrever o estado de Cristo condenado pelos ho-
mens e abandonado por Deus. Porém, sua derrota foi também a derrota 
de Satanás. Ferido mortalmente pela serpente, o Filho de Deus alcançou 
a plena legitimidade para infligir, simultaneamente, sobre o grande ini-
migo a derrota final.
Anotações
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6. A VITÓRIA NA RESSURREIÇÃO
A ressurreição deve ser vista como o grande momento escatológico 
do Novo Testamento. É evidente que ela não pode ser dissociada do nas-
cimento de Cristo e de sua morte na cruz, porém, ela carrega o fator dis-
tintivo de ser o momento da virada do jogo, da consumação da vitória de 
Cristo. Em relação à morte de Cristo, ela mostra o ponto da reversão da 
própria derrota de Cristo. Ele se permitiu despojar-se na cruz, quando 
também despojou aos principados e potestades, porém, a diferença está 
justamente no terceiro dia após a cruz. Todos sofreram uma grande der-
rota na cruz, inclusive Cristo, que submeteu-se ao despojamento do cor-
po, porém, ao terceiro dia, apenas Cristo retomou o corpo, somente ele 
reverteu os efeitos da derrota na batalha. Sobre os principados e potesta-
des, e sobre o grande líder deles, Satanás, os efeitos foram irreversíveis. 
A cruz os “destruiu”, e eles jamais conseguiram se livrar dessa destruição.
I. “Toda autoridade me foi dada”
É difícil imaginar o quanto os acontecimentos daqueles dias foram 
terríveis para os discípulos de Jesus. Nem o mais pessimista dos homens 
poderia imaginar que tudo terminasse daquela forma. O mestre estava 
morto. Quem poderia prever isto uma semana antes? Os discípulos ti-
nham toda confiança de que, com todo o poder que já havia demonstra-
do em tantos sinais e prodígios, ele certamente expulsaria os romanos, 
estabeleceria o reino de Israel, e quem sabe, até colocaria os discípulos 
em importantes postos dentro do novo reino1. Mas nada disso aconte-
1 É preciso concordar com Bultmann de que Jesus foi muitas vezes mal enten-
dido. Os judeus interpretaram errado a palavra sobre a destruição do templo (Jo 2.20). 
Nicodemos não sabia o que era nascer de novo (3.4). A samaritana só pensava em água 
física (4.11,15). Os judeus não entenderam qual é o pão do céu que Jesus traz (6.34). 
A palavra de Jesus sobre sua partida é entendida como se ele estivesse para partir para 
a diáspora ou cometer suicídio (7.35, 8.22). Os discípulos não entendem o porquê da 
partida de Jesus (16.17ss), etc. (Cf. Rudolf Bultmann. Teologia do Novo Testamento. São 
Paulo: Editora Teológica, 2004, p. 477). Foi somente após o Pentecostes que os discípu-
ceu. Quando as mulheres foram ao túmulo naquela manhã, não havia 
esperanças de uma reviravolta. É verdade que somente elas permanece-
ram quando Jesus estava sendo crucificado, “a contemplar de longe” (Lc 
23.49), e foram as primeiras a irem até o túmulo. Mas, como disse Wil-
liam Hendriksen: “Jamais houve um grupo de mulheres mais desanima-
das, desiludidas e abatidas”2. Todas as suas esperanças cessaram com a 
cruz e o túmulo as enterrou para sempre. Elas se dirigiram para o túmulo 
com o fim de ungir um corpo morto, o cadáver de Jesus de Nazaré. 
E o que dizer do grupo apostólico? Sua situação não era diferente. 
Mesmo depois dos boatos a respeito dos acontecimentos daquela manhã 
de Domingo, parecia-lhes impossível que fosse verdade. Resolveram reu-
nir-se, talvez com o fim de esclarecer melhor os fatos, mas consideraram 
as palavras das mulheres que voltaram do túmulo como um delírio (Lc 
24.11). Eles se reuniram secretamente porque estavam com medo dos 
judeus (Jo 20.19). O que os apóstolos temiam? Temiam que acontecesse 
com eles o mesmo que aconteceu com Jesus. Por esse motivo fugiram 
quando Jesus foi preso. Satanás os peneirou como trigo, e mostrou que 
havia “pouco trigo” e “muita palha” no grupo apostólico. Os discípulos 
amavam Jesus, mas tinham interesses particulares nele, e certamente 
amavam mais suas próprias vidas. As esperanças tinham se acabado por 
uma razão muito simples: “Por definição, o Messias deveria ser um rei 
em função de reinar, não um criminoso crucificado”3. Apesar dos ataques 
dos críticos, é impossível ver nas descrições dos Evangelhos a ideia de que 
a ressurreição tenha sido algo criado pela mente frutífera dos discípulos. 
Eles foram pegos de surpresa. Foi uma reviravolta, um evento totalmente 
inesperado, apesar de tão anunciado no Antigo Testamento.
Os anjos que estiveram presentes por ocasião do nascimento de Jesus, 
voltaram a aparecer no dia de seu “renascimento”, ou seja, em sua ressur-
reição. Todos os quatro evangelistas narram a presença de anjos naquele 
dia, o primeiro da semana, quando Jesus ressuscitou. Mateus diz que foi 
um anjo com aspecto de relâmpago quem retirou a pedra de diante do 
túmulo de Jesus (Mt 28.2-3). Eles que haviam apenas observado a longa 
luta solitária de Cristo com as trevas, desde seu nascimento até sua morte 
los entenderam que o reino a ser estabelecido era espiritual.
2 William Hendriksen. El Evangelio Segun San Lucas. Grande Rapids – MI: Libros 
Desafio, 1990, p. 993.
3 George Eldon Ladd. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Editora Exodus, 
1997, p. 300.
 78
na cruz, agora podiam agir de uma maneira mais direta. A vitória já ha-
via sido conquistada.
Os evangelistas dizem que Jesus apareceu primeiro às mulheres, e en-
tre elas, para Maria Madalena. Depois, apareceu aos apóstolos reunidos. 
Lucas diz que, ao aparecer para eles, ficaram atemorizados pensando que 
fosse um espírito, então ele disse: “Vede as minhas mãos e os meus pés, 
que sou eu mesmo; apalpai-me e verificai, porque um espírito não tem 
carne nem ossos, como vedes que eu tenho” (Lc 24.39). Mesmo vendo as 
mãos e os pés, ainda não acreditaram, então, Jesus pediu que lhes servis-
sem comida, e comeu peixe assado diante deles (Lc 24.40-42).
Jesus permaneceu quarenta dias, de acordo com Lucas, aparecendo 
várias vezes aos discípulos e instruindo-os após a ressurreição (At 1.3). 
Então, antes da ascensão, ele lhes deu a seguinte ordenança: “Ide por 
todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura” (Mc 16.15). Porém, 
segundo Mateus, antes de dizer isso, ele declarou: “Toda a autoridade me 
foi dada no céu e na terra” (Mt 28.18). Portanto, a ressurreição de Cristo 
o habilitou a conquistar a autoridade (ἐξουσία) que Satanás lhe oferecera 
na tentação do deserto, em troca da submissão ao próprio Satanás. Po-
rém, Cristo conquistou autoridade legítima pelo caminho longo e árduo, 
o qual, de fato, era o único possível: o caminho da sangrenta cruz. Tendo 
então destronado o príncipe deste mundo, e conquistado a autoridade 
para que o Evangelho fosse pregado em todas as nações, Cristo ressus-
citou para garantir a execução dessa grande obra. Na ressurreição, ele 
colheu o frutos do “penoso trabalho de sua alma” (Is 53.11).
II. A derrota da morte
Os discípulos entenderam que a morte e a ressurreição de Jesus davam 
início a uma nova era. A ressurreição de Jesus foi vista não apenas como 
uma volta da morte à vida no sentido físico, mas uma volta para uma 
vida superior, infinita e plena. Os discípulos perceberam que a ressur-
reição de Jesus teve um aspecto escatológico. A comunidade primitiva 
viu nela o começo da ressurreição escatológica a que todos os discípulos 
terão direito. Nesse sentido, como diz Ladd, a ressurreição de Jesus foi 
“um evento completamente inesperado”4, porque é um evento não pró-
4 George Eldon Ladd. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Editora Exodus, 
1997, p. 303. Embora não fosse inesperado no sentido de que, como Pedro demonstrou 
em seu sermão em Atos 2, já estava prometida pelos profetas.
79
prio dessa época, mas da época vindoura. Foi como a antecipação de um 
evento da era porvir que aconteceu ainda dentro da nossa história. Desse 
modo, a ressurreição de Jesus tem introduzido uma nova era, a era da res-
surreição, onde a Igreja tem a missão de testemunhar perante o mundo. 
O entendimento a respeito da morte e da ressurreição de Jesus serviu 
como base para a missão da igreja5. A consciência do novo tempo insti-
tuído por Jesus levou os apóstolos a proclamarem a vitória de Jesus sobre 
a morte. A morte já não era um inimigo invencível. Como disse Stott, “a 
ressurreiçãoabastece o mandato missionário”6. Na grande comissão se vê 
a declaração de que o Cristo ressurreto, o vitorioso sobre a morte e sobre 
o pecado, havia conquistado autoridade para que o Evangelho fosse pro-
clamado em todo o mundo, debaixo do poder do Espírito Santo, e sem 
impedimentos. O direito legal para essa missão havia sido conquistado. 
Todas as barreiras satânicas haviam caído. O direito do “príncipe deste 
mundo” fora cassado. Baseado nessa nova ordem das coisas, por causa 
da ressurreição, Jesus enviou seus discípulos para a missão de evangelizar 
o mundo, e garantiu sua presença com eles, como fator determinante da 
vitória deles no testemunho.
Como já vimos, os discípulos nunca haviam entendido realmente qual 
era a ligação entre Jesus e o reino de Deus. Durante todo o ministério 
público de Jesus, eles haviam esperado pela manifestação física, políti-
ca-institucional, deste reino7. Todas estas esperanças dos discípulos se 
acabaram com a morte de Jesus, entretanto se reacenderam extraordina-
riamente com a ressurreição. Por essa razão, após a ressurreição, quando 
Jesus prometeu que logo eles seriam batizados com o Espírito Santo, eles 
perguntaram: “Senhor, será este o tempo em que restaures o reino a Is-
rael?” (At 1.6). A mente deles, de alguma forma, ainda estava presa à con-
cepção judaica do reino. Como diz Stott, “eles ainda estavam sonhando 
com o domínio político, o restabelecimento da monarquia, a libertação 
de Israel do jugo colonial de Roma”8. Assim, ao ouvir seu Mestre falar so-
bre a vinda do dom do Espírito, o sinal da nova era, perguntaram se esta 
5 Guthrie diz: “O evento chave que precedeu o estabelecimento da Igreja foi a 
ressurreição de Jesus” (Donald Guthrie. New Testament Theology. Downers Grove, IL: In-
ter-Varsity Press, 1981, p. 732).
6 John Stott. Ouça o Espírito, Ouça o Mundo. São Paulo: Editora ABU, 1997, p. 409.
7 Leandro A. de Lima. Razão da Esperança - teologia para hoje. São Paulo: Cultura 
Cristã, 2006, p. 431.
8 John Stott. A Mensagem de Atos. São Paulo: Editora ABU,1994, p. 40.
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ia ser a ocasião para restaurar a soberania de Israel9. É preciso lembrar 
que no Antigo Testamento o derramamento do Espírito estava associa-
do ao restabelecimento do reino, portanto, eles tinham alguns motivos 
para perguntar aquilo. Era algo que Jesus precisava esclarecer. Ou seja, a 
dúvida era: como o direito que Cristo havia conquistado de alcançar as 
nações impactava a questão de Israel? Jesus respondeu que a eles não se-
ria dado conhecer tempos (cronos) e épocas (kairós) que o Senhor havia 
reservado exclusivamente para Ele. Ao dar esta resposta aos discípulos 
Jesus estava lhes ensinando algo muito importante. A restauração do rei-
no não era assunto para aquele momento, e nem algo que eles podiam 
compreender, pois o Espírito Santo ainda não havia sido dado. Aproxi-
mava-se o instante da partida de Jesus, mas ele tinha planos grandiosos 
para seus discípulos, entretanto eles precisavam entender o caráter do 
reino de Deus que se manifestava naquele momento. A expansão do rei-
no espiritual era matéria daquela hora e não de um reino físico. O reino 
físico ficaria para o futuro e seria a consumação do reino espiritual. Os 
discípulos seriam responsáveis pela tarefa de expandir o reino espiritual, 
e para garantir que teriam êxito, o Cristo Ressurreto lhes mandaria o 
Espírito Santo como fonte de poder. Os discípulos seriam “testemunhas” 
de Jesus, ou seja, testemunhas da morte e da ressurreição. Esta seria a 
grande mensagem deles para o mundo.
O encontro com o Cristo ressuscitado trouxe nova orientação para a 
vida e a teologia de Paulo. Ele, sendo um judeu fariseu, já acreditava na 
ressurreição dos mortos10. Mas a ressurreição seria coisa do futuro, do 
momento quando o reino escatológico de Deus fosse estabelecido, ela 
fazia parte da “era vindoura”11. Ao se deparar com o Cristo ressuscitado 
9 Cf. F. F. Bruce. Hechos de Los Apósteles. Buenos Aires/Grand Rapids: Nueva 
Creacion/W.B Eerdmans P. C., 1998, p. 49.
10 Inclusive tentou se beneficiar dessa crença quando respondeu às acusações do 
Sinédrio, conforme Lucas relata: “Sabendo Paulo que uma parte do Sinédrio se compu-
nha de saduceus e outra, de fariseus, exclamou: Varões, irmãos, eu sou fariseu, filho de 
fariseus! No tocante à esperança e à ressurreição dos mortos sou julgado!” (At 23.6). Ele 
falou isso porque sabia que os fariseus acreditavam na ressurreição dos mortos, ao pas-
so que os saduceus não acreditavam (At 23.8). Os saduceus eram mais conservadores 
do que os fariseus em questões doutrinárias, e entendiam que somente a Torah era fon-
te de autoridade, e, uma vez que a ressurreição não estava clara no Antigo Testamento, 
eles se recusavam a aceitá-la, atribuindo a idéia da ressurreição dos mortos como uma 
influência do Zoroastrismo que também acreditava em anjos e demônios.
11 Ver F. F. Bruce. Hechos de los Apósteles. Buenos Aires & Grand Rapids: Nueva 
Creacion & W. B. Eerdmans, 1998, p. 503.
81
na estrada de Damasco, esse conceito mudou drasticamente na visão de 
Paulo. Ele continuou a pensar que, num aspecto a ressurreição antecede-
rá a “era vindoura”, porém, entendeu que de uma maneira maravilhosa, 
esse aspecto escatológico da ressurreição já se fazia presente, pois um 
homem havia ressuscitado escatologicamente da morte: Jesus de Nazaré. 
A ressurreição de Jesus não é, “como nas outras ressurreições anterio-
res dos mortos, um acontecimento isolado, mas nela, o tempo da salva-
ção prometido em Cristo, a nova criação, irrompe de maneira extrema, 
como uma transição decisiva do antigo mundo para o novo”12. As outras 
ressurreições descritas na Bíblia não são escatológicas porque as pessoas 
não ressuscitaram com corpos aperfeiçoados, e sim com corpos ainda 
decaídos que morreriam novamente. Jesus ressuscitou de uma vez para 
sempre. Ele inaugurou a era da ressurreição.
A nova ordem que a ressurreição de Cristo introduziu no mundo pode 
ser vista de forma clara em 1Corínitos 15. Esse capítulo certamente é o 
grande capítulo bíblico sobre a ressurreição. Paulo está respondendo a 
uma pergunta importante para a Igreja daquela época: A ressurreição 
dos mortos realmente acontecerá? Talvez as pessoas estivessem afeta-
das pelo pensamento grego de que não há ressurreição. Paulo entende 
a implicação desse argumento, pois se não há ressurreição, então Cristo 
não ressuscitou, e expõe a certeza justamente a partir da ressurreição de 
Cristo. Primeiramente ele diz que Cristo morreu e ressuscitou conforme 
as predições da Escritura (1Co 15.1-4). Em seguida ele fala sobre as teste-
munhas oculares, que são, pela ordem: Pedro, depois os apóstolos, depois 
mais de quinhentos irmãos de uma só vez, em seguida Tiago, e por fim ele 
próprio (1Co 15.5-9). Esse elemento histórico da ressurreição de Cristo 
não pode ser ignorado. Não foi apenas uma ressurreição kerygmática (no 
sentido de mensagem e proclamação), mas uma ressurreição física, literal 
e histórica. O argumento de Paulo é que ela é tão literal e histórica que ha-
via testemunhas que podiam ser consultadas. Era até possível que alguns 
poucos discípulos inventassem uma história com respeito à ressurreição 
de Cristo, mas, seria difícil mais de 500 pessoas confirmarem isso. 
Em seguida, Paulo expõe o que está por detrás dessa sua argumen-
tação: é o fato de muitos estarem pregando que não há ressurreição de 
mortos. Paulo vai direto ao ponto: “Ora, se é corrente pregar-se que Cris-
to ressuscitou dentre os mortos, como, pois, afirmam alguns dentre vós 
12 Herman Ridderbos. A Teologia do Apóstolo Paulo. São Paulo: Editora Cultura 
Cristã, 2004, p. 57.
 82
que não há ressurreição de mortos? E, se não há ressurreição de mortos, 
então, Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa 
pregação, e vã, a vossa fé” (1Co 15.12-14). Paulo entende que, se a res-
surreição de Cristo não aconteceu, o Evangelho perdeu o sentido. Na 
verdade, não há mais Evangelho, ou seja, a boa notícia seria umagran-
de mentira, uma farsa, pois as pessoas ainda estariam condenadas por 
seus pecados, os mortos perdidos, e os crentes vivos eram miseráveis por 
crerem em algo totalmente desprovido de sentido (1Co 15.15-19). A fé 
seria algo inútil e até mais do que inútil, como notou Calvino, seria algo 
prejudicial, pois seria “muito melhor não crermos de forma alguma, pois 
os incrédulos estariam numa posição mais consistente e muito mais de-
sejável”13. Paulo entendeu que se o evento histórico da ressurreição fosse 
considerado um mito, então, o Evangelho teria perdido toda a validade.
Paulo, entretanto, não tem dúvidas a respeito da ressurreição, nem 
da dos homens, muito menos da de Cristo. Ele entende que essas duas 
ressurreições estão interligadas. Paulo chama a ressurreição de Cristo 
de “as primícias dos que dormem” (1Co 15.20). Sua explicação é que a 
morte entrou no mundo por um só homem (Adão), e depois disso todos 
os homens passaram a morrer, mas agora, por causa de Cristo, a ressur-
reição entrou no mundo, e por isso, os homens poderão ressuscitar (1Co 
15.21-23). Nesse aspecto, Paulo vê a ressurreição de Cristo em sentido 
oposto, mas ao mesmo tempo ligado, à morte de Adão. 
É fundamental para a compreensão do texto a expressão “primícias” 
(Também em Rm 8.23). No Antigo Testamento “primícias” eram os pri-
meiros frutos colhidos na estação, que o povo oferecia a Deus em reco-
nhecimento por sua fidelidade em providenciar as safras na devida esta-
ção14. Portanto, a ressurreição de Cristo é algo como uma garantia divina 
de que todos os crentes também ressuscitarão. A ressurreição de Cristo 
é o início da ressurreição final, ela não é um acontecimento isolado, pois 
está ligada a ressurreição final como as “primícias” estão ligadas a colhei-
ta final. Como diz Ladd, “a ressurreição dos mortos não será mais um 
simples evento, a acontecer em determinada época no fim dos séculos; 
a ressurreição foi dividida em pelo menos dois estágios, o primeiro dos 
quais já transpirou”15. Porém, a ressurreição de Cristo, como “primícias”, 
13 João Calvino. Primeira Coríntios. São Bernardo do Campo: Edições Parakletos, 
1996, p. 459, 1Co 15.19.
14 Simon Kistemaker. Primeira Coríntios. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 760.
15 George Eldon Ladd. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Editora Exodus, 
83
não dá a ideia apenas de começo, mas de representação, pois nas “primí-
cias” toda a colheita se torna visível16. Assim também deve ser entendida 
a expressão “primogênito de entre os mortos” usada em outros textos (Cl 
1.18; Ap 1.5). Cristo não é apenas o primeiro no sentido “temporal”, ele 
é o primeiro no sentido de nova realidade, pois ele introduz no mundo 
a era da ressurreição, e, portanto, a ressurreição dele é a ressurreição de 
todos, mesmo que permaneça uma distância temporal entre as primícias 
e a colheita. 
Essa tensão entre o presente e o futuro é determinante para entender 
o pensamento de Paulo sobre o mundo atual. Ele já não pode mais pen-
sar, como pensavam os judeus, que o mundo atual e o mundo vindouro 
são totalmente distintos, pois vários elementos do mundo vindouro se 
fazem presentes a partir da ressurreição de Cristo, por essa razão, para os 
crentes, o “fim dos séculos” já chegou (1Co 10.11), mas ao mesmo tem-
po, permanece futuro. Então, há realmente uma sobreposição de eras, ou 
seja, as duas eras (atual e vindoura) estão convivendo juntas no tempo 
presente, ou como diz Ladd “a primeira parte do Século Vindouro en-
contra-se com a última parte do século antigo”17. Desde a ressurreição 
de Cristo, teríamos que dizer que vivemos não no limiar de uma nova 
era, mas numa sobreposição de Eras. Num resumo: Somos criaturas do 
futuro vivendo no presente (2Co 5.17). Dispomos de elementos do futuro 
para nos fazer vencer no presente. Esses poderes emanam da ressurreição 
de Jesus. São, antes de tudo, dispositivos legais, conquistados pela grande 
vitória jurídica de Cristo sobre Satanás na cruz, e habilitados a fazerem 
pleno efeito em nossas vidas a partir da ressurreição de Jesus. 
A morte foi derrotada nas primícias, mas ainda precisa ser derrotada 
na colheita. Essa noção fundamenta o conceito de Paulo sobre a ressur-
reição e o reino. Por isso ele declara: “E, então, virá o fim, quando ele en-
tregar o reino ao Deus e Pai, quando houver destruído todo principado, 
bem como toda potestade e poder. Porque convém que ele reine até que 
haja posto todos os inimigos debaixo dos pés. O último inimigo a ser 
destruído é a morte” (1Co 15.24-26). O significado é que, “no contexto, 
esse reino começa na ressurreição de Cristo e termina na ressurreição do 
1997, p. 348. O “pelo menos” desse autor deve-se a sua visão pré-milenista.
16 Herman Ridderbos. A Teologia do Apóstolo Paulo. São Paulo: Editora Cultura 
Cristã, 2004, p.58.
17 George Eldon Ladd. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Editora Exodus, 
1997, p. 349.
 84
seu povo”18. Portanto, apesar de o grande inimigo estar juridicamente 
derrotado, e não poder mais acusar os crentes exigindo a morte deles, a 
morte ainda persiste no mundo. Isso mostra que Cristo ainda tem fun-
ções jurídicas a realizar no céu. Quando tratarmos da ascensão veremos 
isso com mais detalhes. Porém, já está profetizado que, na segunda vin-
da, quando os crentes ressuscitarem, então, a morte sofrerá sua segunda 
e definitiva derrota.
O encontro de Paulo com o Cristo ressuscitado mudou completa-
mente a vida do rabino fariseu. A partir dali ele entendeu o Evangelho. 
Entendeu que os poderes do mundo vindouro já estavam em atuação em 
meio ao século mau. Ao contrário do que o judaísmo oficial entendia, o 
Messias já veio, a ressurreição já começou a acontecer, o reino já está em 
expansão e a salvação é um presente que Deus oferece a todos os povos. 
Não obstante, Paulo ainda olha para o futuro, para a consumação de 
todas essas coisas que já foram inauguradas. Paulo é um novo homem. 
Ele está livre de todo o preconceito farisaico que acumulou por tantos 
anos. Percebeu que seu zelo e orgulho da Lei, bem como de sua posição 
de israelita “puro sangue”, era algo carnal, e que agora ele considerava 
um “refugo” (Fp 3.8). Quando ele encontrou o Cristo redivivo percebeu 
que ali estava o verdadeiro motivo de orgulho e, por isso, desde aquele 
dia, seu desejo principal foi encontrar Cristo novamente, na glória ou no 
sofrimento (Fp 3.9-14). Por causa da ressurreição de Cristo ele se afadi-
gava, lutava com feras (1Co 15.32), esmurrava seu próprio corpo (1Co 
9.27), certo de que, no Senhor, o seu trabalho “não era vão” (1Co 15.58).
III. Justificado em espírito e contemplado por anjos
No Novo Testamento, a ressurreição é relacionada diretamente à jus-
tificação. Paulo parece estabelecer uma certa distinção entre o exato pa-
pel da morte de Cristo e sua ressurreição para nossa salvação: “o qual foi 
entregue por causa das nossas transgressões e ressuscitou por causa da 
nossa justificação” (Rm 4.25). O sentido, provavelmente, é que pouco 
adiantaria Cristo pagar a conta dos nossos pecados através de sua morte, 
se ele continuasse morto. Então, sua vitória não seria aplicada em nós. 
Ele se despojaria de seu corpo, despojando também os principados e 
potestades, mas na prática, isso não teria nenhum efeito direto sobre seu 
18 G. K. Beale. A New Testament Biblical Theology: The Unfolding of the Old Testament 
i n the New. Grand Rapids: Baker Academic, 2011, p. 262.
85
povo. Porém, ao ressuscitar, tudo mudou. Antes de tudo, ele justificou-se 
a si mesmo, pois retomou o corpo do qual foi despojado. Ele reverteu a 
derrota sofrida sob o poder de Satanás. Assim, pode também conceder ao 
seu povo todos os benefícios de sua morte expiatória. 
A participação do Espírito na ressurreição também está descrita em 
Romanos 8.11: “Se habita em vós o Espírito daquele que ressuscitou a Je-
sus dentre os mortos, esse mesmo que ressuscitou a Cristo Jesus dentre os 
mortos vivificará também o vosso corpo mortal, por meio do seu Espíri-
to, que em vóshabita”. O significado da passagem é que Deus ressuscitou 
a Jesus através do Espírito. Nesse sentido, a ressurreição de Cristo foi uma 
justificação pelo Espírito.
Há um texto, que parece ser um fragmento de um antigo hino da igre-
ja primitiva, que ajuda-nos a entender o sentido coletivo de todos esses 
aspectos da obra escatológica de Cristo, e em especial, da ressurreição 
como sendo uma justificação espiritual: “Evidentemente, grande é o mis-
tério da piedade: Aquele que foi manifestado na carne foi justificado em 
espírito, contemplado por anjos, pregado entre os gentios, crido no mun-
do, recebido na glória” (1Tm 3.16). Paulo está citando etapas da jornada 
de Cristo do céu à terra, e finalmente de volta ao céu. Durante esse per-
curso, muita coisa aconteceu em e através de Cristo. A estrutura do texto 
segue o chamado “V”, um lado descrevendo a “descida” de Cristo (humi-
lhação) e o outro lado descrevendo a “subida” (exaltação). Isso também 
pode ser encontrado em Filipenses 2.5-11, e no Credo Apostólico. É esta 
"jornada de Cristo” que Paulo chama de “grande mistério da piedade”. O 
termo “mistério” aqui não representa algo secreto e sigiloso, como se per-
tencesse a alguma seita ou ritual secreto, antes representa algo que esteve 
em secreto, mas que agora foi revelado. A primeira expressão do texto 
descreve a encarnação e a morte de Cristo, que resumem a ideia de ser 
“manifestado na carne”. Em seguida, a ressurreição é descrita como sendo 
um ato de ser “justificado em Espírito”. Isso reforça a ideia de que Cristo 
foi despojado na cruz, mas foi vindicado na ressurreição.
Por esse motivo, o cântico primitivo acrescenta logo após a expressão 
“justificado em espírito”, outro significativo acontecimento: “contempla-
do por anjos”. Essa expressão, mais do que lembrar que os anjos foram 
os primeiros a falar sobre Jesus logo após a ressurreição, tem a função 
de mostrar a imposição do reconhecimento da vitória de Cristo sobre 
os anjos, principalmente sobre os anjos caídos. Esse é um dos temas fre-
quentes do Novo Testamento. Muito mais frequente do que normalmente 
 86
é percebido. A vitória de Cristo na cruz, na ressurreição e na ascensão 
teve implicações diretas sobre o mundo espiritual, o mundo dos anjos. 
Provavelmente, o sentido do “contemplado por anjos”, posto logo 
após ao “justificado em espírito”, é confirmado em 1Pedro 3.18-22. Nes-
te complexo texto do Novo Testamento também temos uma descrição 
da jornada de Cristo. Do mesmo modo que Paulo em Filipenses 2.5-11 
fundamenta a prática cristã da humildade em prol da unidade na atitude 
do auto-esvaziamento19 de Cristo, Pedro fundamenta a necessidade do 
cristão aguentar o sofrimento injusto por parte do mundo, na atitude de 
Cristo de sofrer pelos injustos. Pedro diz: “Pois também Cristo morreu, 
uma única vez, pelos pecados, o justo pelos injustos, para conduzir-vos a 
Deus; morto, sim, na carne, mas vivificado no espírito” (1Pe 3.18). O in-
teressante contraste estabelecido na última declaração nos remete aos es-
tudos anteriores já feitos em Colossenses. Pedro está dizendo algo como 
o seguinte: sim, na carne, ele morreu, porém no Espírito ele foi justifi-
cado. Ele se despojou do seu corpo na cruz, ele sofreu20 uma única vez 
pelos pecados, o justo no lugar dos injustos, mas na ressurreição tudo 
isso foi revertido, pois Cristo foi vivificado, e consequentemente, vin-
dicado. Uma tradução temática possível seria a seguinte: Cristo morreu 
na carne, mas retornou à vida no Espírito. Em seguida, Pedro completa: 
“no qual também foi e pregou aos espíritos em prisão” (1Pe 3.19). Pedro 
está estabelecendo o “modo” como Cristo foi e proclamou aos espíritos 
em prisão. Ele diz “através de quem (ἐν ᾧ καὶ) também foi”. Ou seja, atra-
vés do mesmo Espírito que o ressuscitou, ele foi e proclamou. Essa ideia 
sugere que após a ressurreição, e não em alguma forma não corpórea21, 
Cristo realizou uma misteriosa tarefa de fazer uma proclamação a certos 
19 Esse esvaziamento é entendido na teologia reformada como sendo um esva-
ziamento de suas prerrogativas divinas, uma auto-humilhação, a qual é o exemplo que 
os crentes devem seguir se quiserem viver em união. Porém, não significa que Cristo 
tenha se esvaziado de sua divindade, e nem mesmo de atributos divinos como onis-
ciência ou onipotência.
20 Muitos manuscritos trazem a palavra “sofreu” em vez de “morreu”. A leitura 
de fato parece preferencial, pois Pedro está falando da necessidade dos crentes aguen-
tarem o sofrimento injusto. Assim, ao dizer que Cristo sofreu uma única vez pelos 
pecados, há uma identificação maior com o próprio sofrimento dos crentes.
21 Beale diz: “Assim, a ‘proclamação aos espíritos em prisão’ é semelhantemente 
uma referência a Cristo proclamar sua vitória na ressurreição e derrota de todos as 
satânicas e antagônicas forças quando ele ascendeu ao céu” (G. K. Beale. A New Testa-
ment Biblical Theology: The Unfolding of the Old Testament i n the New. Grand Rapids: Baker 
Academic, 2011, p. 328).
87
espíritos mantidos em custódia ou prisão (ἐν φυλακῇ). Provavelmente, 
isso se refira ao “contemplado por anjos” de 1Tm 3.16, que é colocado 
logo após o “justificado em espírito”.
Pedro esclarece quem são esses “espíritos em prisão” para quem Cristo 
fez uma proclamação. Pedro os identifica com “desobedientes do tempo 
do dilúvio” (1Pe 3.20). Uma vez que Pedro não explica se esses espíri-
tos eram “almas humanas”, ou anjos caídos, o intérprete precisa tentar 
descobrir qual era a crença fundamental dos dias de Pedro a respeito de 
espíritos aprisionados em decorrência de desobediência no tempo do di-
lúvio. A maciça evidência, nesse sentido, aponta para anjos, ou seja, um 
grupo de anjos que desobedeceu às ordens de Deus (Ver logo a seguir o 
Excurso sobre anjos aprisionados). Portanto, ao mencionar aquele antigo 
grupo de anjos aprisionados que também sofreu algum efeito decorrente 
da morte e da ressurreição de Cristo, Pedro estabelece que todos os an-
jos, até mesmo aquele grupo aprisionado, precisou contemplar o Cristo 
vitorioso. 
Pedro conclui sua descrição da jornada de Cristo no verso 22. Após fa-
lar sobre a comparação da água do batismo com a água do dilúvio, a qual 
serve de sinal de salvação para os crentes, ao mesmo tempo que serve de 
sinal de condenação para os incrédulos (1Pe 3.21), Pedro acrescenta: “o 
qual, depois de ir para o céu, está à destra de Deus, ficando-lhe subor-
dinados anjos, e potestades, e poderes” (1Pe 3.22). E isso nos conduz ao 
próximo evento dessa grande batalha escatológica: a ascensão de Cristo.
Conclusão
A grande batalha escatológica na qual Cristo esteve envolvido, portan-
to, foi com os anjos caídos. Foi uma batalha jurídica. Através de seu nas-
cimento, sua vida, morte e ressurreição, Cristo os venceu juridicamente. 
Eles saíram derrotados do grande confronto na cruz. Cristo se despojou, 
mas eles também foram despojados. Cristo se humilhou, mas eles tam-
bém foram humilhados. Na ressurreição, entretanto, Cristo foi vindica-
do, enquanto que eles jamais puderam reverter sua grande derrota. 
A ressurreição marca a vitória incontestável de Cristo. Ela reverteu os 
efeitos da morte, onde Cristo sofreu a derrota da batalha, e permitiu-se 
sangrar, no momento do mútuo ferimento mortal que tanto ele, quanto 
Satanás sofreram. Nesse sentido, podemos dizer que ambos morreram 
na cruz. Cristo ferido no calcanhar, Satanás ferido na cabeça. De fato, 
 88
sangrenta foi aquela batalha.
Porém a ressurreição ao terceiro dia, re-orientou completamente a 
história. A derrota sofrida por Cristo foi revertida, a derrota sofrida por 
Satanás não foi. Cristo se levanta dos mortos e mantém as conquistas de 
sua morte. Satanás não tem como reverter as perdas sofridas na cruz. 
Inicia-se, portanto, a era da ressurreição. De posse da autoridade sobre 
céus e terra, Cristo promete enviar o Espírito Santo em breve, e garante a 
missão da igreja em todo o mundo. Porém, para poder enviar o Espírito, 
ele aindaterá que fazer algo bem específico em seu retorno ao céu.
Anotações
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7 - EXCURSO 1: OS ANJOS EM PRISÃO
Introdução1
Quem são os espíritos em prisão aos quais Cristo fez uma proclama-
ção após ter sido “morto na carne”, porém “vivificado em espírito”? (1Pe 
3.18-19). Quem são os anjos que pecaram, segundo Judas 6, os quais fo-
ram “algemados” e “aprisionados nas trevas” ou, de acordo com 2Pedro 
2.4, foram “precipitados no tártaro” em “abismos de trevas”? Trata-se 
dos mesmos personagens? Quando eles pecaram, e qual foi o pecado 
deles? Esse, sem dúvida, é um dos assuntos mais difíceis em discussão 
na história da teologia cristã, tendo recebido grande destaque especial-
mente nos primeiros séculos do cristianismo, quando a influência do 
judaísmo era mais sentida nos círculos cristãos. Porém, o assunto saiu 
de cena posteriormente, e hoje é visto com certa suspeita por muitos 
cristãos, quase como se fosse um tópico que não se deveria comentar. 
Há alguma razão fundamentada para esse “quase” temor? Ou, como 
pergunta VanGemeren: por que cristãos que creem em tantos fatos so-
brenaturais da Bíblia têm dificuldade em crer que, de algum modo, an-
jos caídos se relacionaram com mulheres e foram punidos por Deus?2
Muitos dos primeiros “pais da igreja”3 seguiram a interpretação ju-
daica que relacionava espíritos aprisionados com anjos que haviam se 
1 Esse texto foi originalmente publicado por mim como um artigo acadêmico 
na revista Fides Reformata, sob o título: Re-visitando os espíritos em prisão - uma 
análise de 1Pedro 3.18-20 e Judas 6, na edição 21.1/2016. Esta é uma versão menos 
acadêmica daquele artigo, com menos referências bibliográficas.
2 W. A. VanGemeren. The sons of God in Genesis 6:1-4: an example of evan-
gelical demythologization. The Westminster Theological Journal 43, 2 (1981), 320-348, p. 
320.
3 Por exemplo, Justino (100-165), no segundo século, diz que os anjos tinham 
uma função de cuidar dos homens, “mas, os anjos transgrediram esse mandamento, 
e tornaram-se cativos pelo amor de mulheres, e geraram filhos que foram aqueles que 
foram chamados demônios” (Justin Martyr. The Second Apology of Justin, 5. In: Alexan-
der Roberts; James Donaldson; A. Cleveland Coxe (Eds.). The Ante-Nicene Fathers. 
Buffalo, NY: The Christian Literature Company, 1885, vol. 1, p. 190).
relacionado com mulheres antes do dilúvio, conforme relata o texto de 
Gênesis 6.1-24. Porém, aos poucos, a ideia de que Cristo teria ido ao in-
ferno5 após a morte e antes da ressurreição, e lá pregado para almas, co-
meçou a dominar a interpretação. É contra isso que Agostinho (354-430) 
se revoltou no quinto século, ao demonstrar acertadamente que não faria 
nenhum sentido Cristo ir ao inferno e pregar a apenas um grupo de con-
denados, deixando todos os demais sem pregação6. A influência de Agos-
tinho se fez sentir nos séculos seguintes, quando essa teoria foi pratica-
mente varrida da teologia cristã. Porém, de certo modo, Agostinho não 
atacou o significado original pretendido pela interpretação, o qual não 
dizia respeito à pregação do Evangelho para almas de mortos no inferno, 
mas a outro tipo de pregação para outro tipo de espírito, e em outro lugar. 
No entanto, deve ser notado que essa teoria reapareceu, principalmente 
durante os estudos críticos no período do movimento liberal no século 
19. E, por esse motivo, acabou sendo ainda mais rejeitada dentro de mui-
tos círculos conservadores, pois ficou associada com a crítica liberal da 
Escritura, ou seja, um modo de dizer que os autores do Novo Testamento 
interpretaram mal o Antigo Testamento, e se basearam em mitos pagãos. 
Entretanto, o assunto ressurgiu mais uma vez nos últimos vinte anos, 
agora dentro do ambiente conservador, quando vários estudiosos evan-
gélicos de primeira linha do Novo Testamento voltaram seus olhos com 
mais atenção para os referidos textos, especialmente o texto de Judas 6, 
e reconheceram com grande probabilidade que o autor apoiou a inter-
pretação judaica de que, no texto de Gênesis 6, anjos se relacionaram 
com mulheres. Por exemplo, o exegeta Thomas R. Schreiner, comentando 
4 Segundo Peter H. Davids, entretanto, a interpretação dos anjos permaneceu 
unânime até o século 3º. (The letters of 2 Peter and Jude. The Pillar New Testament Com-
mentary. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2006, p. 49).
5 Isso pode ser visto, provavelmente, no próprio Credo Apostólico, que men-
ciona a descida de Cristo ao Hades. Porém, é discutível se essa expressão conteria o 
significado de uma proclamação para almas. Inclusive, a própria expressão do credo 
é discutível, pois ela não se encontra nas versões mais antigas, tendo sido incluída, até 
onde se sabe, por Rufino, a partir do século IV, porém apenas substituindo os termos 
“crucificado, morto e sepultado”. Posteriormente, a partir do século VII, a frase se tor-
nou um acréscimo. Ver Heber Carlos de Campos. Descendit ad inferna: uma análise da 
expressão “desceu ao Hades” no cristianismo Histórico. Fides Reformata 4/1 (1999), p. 
103-128.
6 Augustine of Hippo. The Confessions and Letters of St. Augustin with a Sketch of His 
Life and Work. In: Philip Schaff. Ed. Nicene and Post-Nicene Fathers, Buffalo, NY: The 
Christian Literature Company, 1886, vol. 1, p. 515, 518.
 92
Judas 6, assevera que: “Nós podemos estar quase certos de que Judas se 
referiu aqui ao pecado dos anjos em Gn 6.1-4”7. Do mesmo modo, Peter 
H. Davids reconhece que “Judas, então, se refere aos anjos (também cha-
mados de “Vigilantes” em 1Enoque e outras literaturas), como os anjos, 
os filhos do céu”8. E também J. N. D. Kelly: “Esses são os “filhos de Deus” 
de acordo com Gn 6.1-4, que cederam à atração das “filhas dos homens” 
e formaram união com elas”9. Este também é o entendimento de Richard 
Bauckham10 e de I. Howard Marshall, que admite que os “espíritos em 
prisão” aos quais Cristo fez uma proclamação após sua ressurreição fo-
ram aqueles anjos que “seduziram a humanidade nos dias anteriores ao 
dilúvio”11. Douglas J. Moo assevera que, “desde que Judas cita este livro 
(Livro de Enoque) nos versos 14-15, nós temos quase certeza em identi-
ficar esta história como a que ele tem em mente no verso 6”12. E acrescen-
ta que essa é a opinião da maioria dos comentaristas recentes13.
Portanto, há um renovado interesse no assunto, com muitos exege-
tas do Novo Testamento se posicionando a favor da teoria do pecado 
dos anjos como tendo sido relações sexuais com mulheres, e isso exige 
que visitemos outra vez o assunto. Nesse sentido, o título do artigo é 
uma espécie de trocadilho por causa da visita de Jesusaos espíritos em 
prisão. A posição deste texto é que a Bíblia como um todo favorece o en-
tendimento de que anjos caídos se relacionaram com mulheres e foram 
aprisionados por causa disso. Esse assunto não é de pouco interesse, pois 
a compreensão dele contribui para um melhor entendimento da cosmo-
visão bíblica e da própria redenção realizada por Cristo. No entanto, no 
nosso entendimento, o assunto não deve servir de “cavalo de batalha”, 
nem como pretexto para ataques pessoais. É um tema que precisa ser 
tratado academicamente, com respeito e moderação, diante das opiniões 
contrárias. Não pretendemos aqui dar uma palavra final sobre o tema, 
7 Thomas R. Schreiner. 1, 2 Peter, Jude. The New American Commentary. 
Nashville: Broadman & Holman, 2003, 37:447–448.
8 Davids, The letters of 2 Peter and Jude, p. 49.
9 J. N. D. Kelly. The Epistles of Peter and of Jude. Black’s New Testament Commen-
tary. London: Continuum, 1969, p. 256.
10 Richard Bauckham. 2 Peter, Jude. Word Biblical Commentary. Dallas: Word, 
1998, vol. 50:50–53.
11 Howard Marshall. 1 Peter. Downers Grove: Intervarsity, 1991, p. 125.
12 Douglas J. Moo. 2 Peter, Jude. The NIV Application Commentary. Grand Ra-
pids: Zondervan, 1996, p. 241.
13 Ibid.
93
mas apenas chamar a atenção para alguns pontos que são frequentemen-
te ignorados por muitos leitores do Novo Testamento.
I. Os “filhos de Deus” de Gênesis 6
 
Apesar do assunto da visita de Jesus aos espíritos em prisão estar no 
Novo Testamento, ela na verdade é dependente do texto de Gênesis 6.1-4, 
o debatido texto que menciona o relacionamento entre os filhos de Deus 
e as filhas dos homens. Portanto, a pergunta que precisa ser respondida 
é se Judas e Pedro seguiram a interpretação judaica de que os anjos apri-
sionados foram aqueles que haviam se prostituído com as mulheres em 
Gênesis 6. Porém, antes de tentar responder essa pergunta, precisamos 
ver o que o próprio texto diz. No entanto, essa análise será breve, pois 
nosso foco está nas epístolas de Judas e Pedro.
Geralmente se diz que a simples leitura de Gênesis 6 não parece sufi-
ciente para definir a questão. Porém, não se pode deixar de notar alguns 
indícios que apontam no sentido de identificar “filhos de Deus” com se-
res celestiais, como reconhece Bruce Waltke em seu comentário de Gê-
nesis14. 
O texto de Gênesis diz: “Como se foram multiplicando os homens na 
terra, e lhes nasceram filhas, vendo os filhos de Deus que as filhas dos 
homens eram formosas, tomaram para si mulheres, as que, entre todas, 
mais lhes agradaram” (6.1-2).
Se, por um lado, é verdade que, superficialmente, a passagem poderia 
ser aplicada à mistura de raças, ou seja, que os descendentes de Sete se 
casaram com as descendentes de Caim, quando se observa mais deta-
lhadamente a passagem isso se torna bastante difícil de ser sustentado. 
14 Bruce K. Waltke argumenta que a ideia de casamento entre grupos humanos, 
como raças distintas, ou seja, descendentes de Sete e descendentes de Caim, precisa ser 
rejeitada “por razões filológicas” (Gênesis. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 139). Ele 
argumenta que a filologia do texto favorece a ideia de “seres divinos”, e não humanos. 
Entretanto, Waltke rejeita a ideia de que anjos pudessem tomar esposas e se reproduzir, 
e reconhece o valor parcial da tese de Meredith Kline a respeito dos “reis da antiguida-
de” que tomavam mulheres para si. Ver: M. G. Kline. Divine Kingship and Sons of God 
in Genesis 6.1-4. Westminster Theological Journal 24 (1962) p. 187-204. Waltke propõe uma 
interpretação mista, ou seja, “os tiranos eram possessos de demônios” (2010, p. 141). 
Ainda assim, deve ser notado que Waltke segue uma interpretação “sobrenatural” da 
passagem, pois, de algum modo, os nefilins, filhos gerados naquele período, precisam 
ser reconhecidos como filhos de demônios.
 94
Desde os tempos antigos, muitos intérpretes judeus tiveram dificuldade 
em aceitar essa posição, e um dos motivos era o fato de que apenas “ho-
mens” da descendência de Sete teriam então se casado com “mulheres” 
da descendência de Caim. Por que não vice-versa? Se alguém ler o capí-
tulo anterior, por várias vezes filhas são mencionadas na descendência 
de Sete (Gn 5). Então, por que agora, no capítulo 6, limita-se o termo 
apenas às filhas de Caim? Além disso, o texto não menciona “filhas de 
Caim”, mas “filhas de Adão”15, que pode ser tomado como “filhas do ho-
mem”, ou seja, descendentes humanas. Não há nenhuma razão grama-
tical para restringir isso às “filhas de Caim”. Por outro lado, percebe-se 
que, no Antigo Testamento, o termo “filhos de Deus” não é aplicado di-
retamente aos homens16. Na verdade, fora de Gênesis 6, o termo só apa-
rece no livro de Jó e no Salmo 29.1. Em Jó, ele é claramente aplicado aos 
anjos, entre os quais estava Satanás: “Num dia em que os filhos de Deus 
vieram apresentar-se perante o Senhor, veio também Satanás entre eles”. 
No Salmo 29.1, o termo pode se aplicar também aos anjos reunidos em 
assembleia celeste. De qualquer modo, a única referência explícita do 
termo no Antigo Testamento é para anjos. Além disso, o Gênesis narra 
o aparente estranho resultado daquela união: “Ora, naquele tempo havia 
gigantes (nefilins) na terra; e também depois17, quando os filhos de Deus 
possuíram as filhas dos homens, as quais lhes deram filhos; estes foram 
valentes, varões de renome, na antiguidade” (Gn 6.4). Esses gigantes ou 
“nefilins”, que é o termo hebraico para “gigantes”, parecem ser o resultado 
direto daqueles casamentos impróprios; do contrário, a aparição deles 
no texto soaria desconexa. Provavelmente, o termo nefilim vem da raiz 
hebraica “cair” ou “caído”18. É evidente que todas essas expressões, como 
observa VanGemeren, apontam para algo não natural, algo que extrapo-
15 A versão Revista e Atualizada optou por traduzir como “filhas dos homens”. É 
uma tradução possível, que enfatiza não necessariamente uma das descendências, mas 
os homens em geral.
16 Exceto em Oséias 1.10, uma profecia que só parece ter cumprimento no Novo 
Testamento.
17 O sentido da expressão “e também depois”, não parece indicar que os nefilins 
estavam na terra “antes” dos filhos de Deus se unirem às filhas dos homens. O texto 
começa explicando que os nefilins estavam sobre a terra naqueles dias, tendo já men-
cionado que os filhos de Deus tomaram mulheres para si. Portanto, o “também depois”, 
quer explicar que, os nefilins continuaram existindo na terra “também” após aquele 
acontecimento da união. Eles só seriam destruídos no dilúvio.
18 Bruce Waltke. Gênesis. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 142.
95
la a ideia de uma simples “mistura de genealogias”19. De fato, nem sequer 
havia uma proibição anterior na Bíblia a que os filhos de Sete não se ca-
sassem com as filhas de Caim. Por isso, uma simples mistura de raças não 
parece ser motivo suficiente para a corrupção descrita no capítulo 6 de 
Gênesis, e para a própria ira de Deus sobre os homens, ao ponto de deci-
dir destruir tudo. Algo muito mais grave e terrível parece ter acontecido.
II. Judas e a literatura apócrifa
Certamente alguém poderia dizer: o texto de Gênesis 6.1-4 não per-
mite fechar a questão, e o simples fato de os rabinos judeus, ou grandes 
intérpretes do Antigo Testamento como Waltke e VanGemeren, crerem 
que não eram meramente homens, mas anjos ou demônios, não prova 
nada. Em resposta a isso pode ser dito que, mesmo que admitamos que o 
texto de Gênesis, em si mesmo, não fecha a questão, não se pode deixar 
de notar que as objeções à mistura de raças são muito fortes no próprio 
texto. Quanto à questão da interpretação judaica expressa principalmen-
te nos livros apócrifos de 1Enoque, Jubileus e Testamento dos Doze Pa-
triarcas, é preciso reconhecer prontamente que esses livros não são ins-
pirados e, portanto, não são fonte de autoridade para a teologia cristã. 
No entanto, eles podem conter verdades. A questão, portanto, é: o Novo 
Testamento reconhece algumas verdades desses livros, especialmente no 
quediz respeito ao pecado dos anjos em Gênesis 6? Se o Novo Testa-
mento reconhece isso como verdadeiro, então o teólogo cristão precisa 
admitir que essa é a interpretação correta de Gênesis 6, não importa se 
os livros apócrifos tenham interpretações mais fantasiosas sobre isso. O 
peso da inspiração do Novo Testamento precisa ser respeitado, quer o 
intérprete goste ou não da intepretação. Portanto, a questão não é apelar 
para os livros apócrifos para sustentar a teoria, e sim reconhecer que o 
Novo Testamento a reconhece. Portanto, é a autoridade do Novo Testa-
mento que define a questão.
No nosso entendimento, e também no da vasta maioria dos eruditos 
19 O interessante artigo de VanGemeren questiona a dificuldade dos exegetas 
conservadores em aceitar que Gênesis 6.1-4 esteja falando do relacionamento de anjos 
caídos com mulheres como um caso de “desmitologização” evangélica. Ou seja, uma vez 
que o assunto parece “racionalmente” difícil de ser aceito, muitos exegetas evangélicos 
simplesmente o rejeitam, buscando soluções mais racionais. VanGemeren, The sons of 
God in Genesis 6:1-4, p. 320-348. O autor questiona: “Por que os evangélicos preferem 
uma explicação naturalista e racional da passagem?” (p. 322).
 96
conservadores atuais do Novo Testamento, há fortíssimos indícios de 
que o Novo Testamento confirma essa interpretação judaica de Gênesis 
6. Mas, antes de avaliar esses indícios, é preciso ver com mais detalhes a 
teoria judaica de que anjos se relacionaram com mulheres. 
Como é de conhecimento amplo, essa teoria sobreviveu especialmen-
te na tradição apocalíptica judaica. Há três livros bem conhecidos que 
mencionam o fato. O livro dos Jubileus, o Testamento dos Doze Patriar-
cas e o Livro de Enoque. Esses três livros foram compostos entre o se-
gundo e o primeiro séculos antes de Cristo. Também aparecem menções 
no Documento de Damasco, no livro do Eclesiástico, em 3Macabeus e 
em fragmentos dos manuscritos do Mar Morto, os quais compreendem 
um período maior de tempo, podendo inclusive ser parcialmente da-
tados como posteriores a Cristo. Esses livros judaicos interpretam que 
anjos, chamados de guardiões, se relacionaram com as mulheres, geran-
do gigantes demoníacos, os quais foram exterminados no dilúvio20. A 
questão que surge é a seguinte: uma vez que essa interpretação era am-
plamente conhecida nos dias de Jesus e do Novo Testamento, como as 
provas documentais atestam, se ela estivesse errada, o Novo Testamento 
deveria condená-la de alguma maneira, já que a menciona. Porém, não 
só o Novo Testamento não a condena, como há fortes indícios de que a 
aprova, em pelo menos quatro livros, que são as duas cartas de Pedro, a 
carta de Judas e indiretamente também o livro do Apocalipse, pois todos 
esses livros mencionam anjos ou espíritos em prisão (1Pe 3.18-20; 2Pe 
2.4; Judas 6; Apocalipse 9). 
A questão, portanto, é: de onde vem esse conceito de anjos em prisão 
que todos esses textos mencionam? E a resposta mais plausível é: daque-
les livros apócrifos mencionados acima. Isso é algo que pode ser docu-
mentalmente comprovado. O autor da carta de Judas cita explicitamen-
te o livro de 1Enoque, que é o principal livro da tradição apocalíptica 
judaica que defende o relacionamento dos anjos caídos com mulheres: 
“Quanto a estes foi que também profetizou Enoque, o sétimo depois de 
Adão, dizendo: Eis que veio o Senhor entre suas santas miríades, para 
exercer juízo contra todos e para fazer convictos todos os ímpios, acerca 
20 As almas desses gigantes permaneceram na terra após a destruição deles como 
espíritos malignos. Essa seria a origem dos demônios no Novo Testamento. De fato, a 
terminologia utilizada nos evangelhos sugere isso, mas não há apoio explícito a essa 
teoria. No entanto, nesse caso, o argumento do silêncio parece favorecer a teoria, pois 
sendo ela bem conhecida, novamente se esperaria do Novo Testamento algum repúdio.
97
de todas as obras ímpias que impiamente praticaram e acerca de todas as 
palavras insolentes que ímpios pecadores proferiram contra ele” (Judas 
14-15). Esse texto, que inclusive cita Enoque como seu autor, está inte-
gralmente em 1Enoque 1.9: “Ele virá com milhares de Santos, para exer-
cer o julgamento sobre o mundo inteiro e aniquilar todos os malfeitores, 
reprimir toda carne pelas más ações tão iniquamente perpetradas e pelas 
palavras arrogantes que os pecadores insolentemente proferiram contra 
Ele”. Apesar dos esforços de alguns intérpretes em dissociar os dois tex-
tos, uma olhada nos textos gregos mostra que Judas citou com bastante 
precisão o texto do livro de 1Enoque. O seguinte quadro nos ajuda a ver 
as semelhanças tanto em português quanto em grego:
Judas 6 1Enoque 1.9
Eis que veio o Senhor entre suas 
santas miríades, para exercer juízo 
contra todos e para fazer convictos 
todos os ímpios, acerca de todas as 
obras ímpias que impiamente prati-
caram e acerca de todas as palavras 
insolentes que ímpios pecadores pro-
feriram contra ele.
Ele virá com milhares de Santos, 
para exercer o julgamento sobre o 
mundo inteiro e aniquilar todos os 
malfeitores, reprimir toda carne pelas 
más ações tão iniquamente perpetra-
das e pelas palavras arrogantes que os 
pecadores insolentemente proferiram 
contra Ele
ἰδοὺ ἦλθεν κύριος ἐν ἁγίαις 
μυριάσιν αὐτοῦ ποιῆσαι κρίσιν κατὰ 
πάντων καὶ ἐλέγξαι πᾶσαν ψυχὴν 
περὶ πάντων τῶν ἔργων ἀσεβείας 
αὐτῶν ὧν ἠσέβησαν καὶ περὶ πάντων 
τῶν σκληρῶν ὧν ἐλάλησαν κατ αὐτοῦ 
ἁμαρτωλοὶ ἀσεβεῖς.
Ὅτι ἔρχεται σὺν ταῖς μυριάσιν 
[αὐτοῦ καὶ τοῖς] ἁγίοις αὐτοῦ, ποιῆσαι 
κρίσιν κατὰ πάντων, καὶ ἀπολέσαι 
πάντας τοὺς ἀσεβεῖς, καὶ (ἐ)λέγξαι 
πᾶσαν σάρκα περὶ πάντων ἔργων 
τῆς ἀσεβείας αὐτῶν ὧν ἠσέβησαν καὶ 
σκληρῶν ὧν ἐλάλησαν λόγων κατ’ 
αὐτοῦ ἁμαρτωλοὶ ἀσεβεῖς.
 
Parece inútil tentar fechar os olhos para essa evidência21. Judas citou 
o livro apócrifo de 1Enoque22. Peter Davids está certo ao resumir que 
21 Kistemaker se contenta em dizer que “sem dúvida, devemos evitar dar grande 
importância às tradições que vinculam a queda dos anjos com o casamento entre ‘os 
filhos de Deus’ e ‘as filhas dos homens’ (Gn 6.2)”. (1 y 2 Pedro, Judas. Grand Rapids: Libros 
Desafio, 1994, p. 432). Mas a evidência aponta o contrário.
22 Se alguém disser que, então, Judas citou uma mentira, pois a frase é do fal-
so Enoque e não do verdadeiro, em resposta podemos dizer que a frase talvez seja do 
Enoque verdadeiro, mas que foi preservada até ser escrita no livro de 1Enoque através 
da tradição oral. De qualquer modo, temos um autor do Novo Testamento, inspirado 
 98
“Judas é claramente dependente da forma encontrada em 1Enoque, não 
somente porque ele explicitamente cita esta obra nos versos 14-15, mas 
também por causa do estreito paralelo entre Judas 6 e o conteúdo de 
1Enoque 6-19”23. Um grande número de judeus do tempo em que o 
Novo Testamento foi escrito conhecia aquele livro. Então, a questão res-
surge: Judas claramente conhece o Livro de 1Enoque, pois o está citando 
literalmente, e o tal livro fala do relacionamento dos anjos com as mu-
lheres. Então, o que Judas tem a dizer a respeito? Ora, ele menciona os 
anjos pecadores no verso 6. Então, ele não ignorou o fato, nem manteve 
silêncio. Não seria uma excelente ocasião para desmentir a tão conheci-
da interpretação judaica, e colocar um fim a esse equívoco de uma vez 
por todas? Mas, no nosso entendimento, ele faz o contrário. Ele mencio-
na o pecado dos anjos como sendo prostituição, e cita novamente o Livro 
de Enoque diversas vezes para confirmar isso.
Agora é o momento de analisarmos o texto de Judas com mais deta-
lhes: “Quero, pois, lembrar-vos, embora já estejais cientes de tudo uma 
vez por todas, que o Senhor, tendo libertado um povo, tirando-o da terra 
do Egito, destruiu, depois, os que não creram; e a anjos, os que não guar-
daram o seu estado original, mas abandonaram o seu próprio domicílio, 
ele tem guardado sob trevas, em algemas eternas, para o juízo do grande 
Dia; como Sodoma, e Gomorra, e as cidades circunvizinhas,que, haven-
do-se entregado à prostituição como aqueles, seguindo após outra carne, 
são postas para exemplo do fogo eterno, sofrendo punição” (Judas 5-7).
Judas está mencionando três maus exemplos de atitudes condenáveis, 
lá do passado, que Deus não perdoou. Ele menciona esses exemplos do 
passado para que seus leitores percebam que os falsos mestres do presen-
te igualmente não serão poupados. Os três exemplos são: o exemplo da 
geração que saiu do Egito, o exemplo dos anjos e o exemplo de Sodoma e 
Gomorra. Antes de entrarmos especificamente nos termos aplicados aos 
anjos, deve ser observado que Judas diz algo interessante ao mencionar 
o pecado de Sodoma e Gomorra: “que, havendo-se entregado à prostitui-
ção como aqueles, seguindo após outra carne”. Quem são “aqueles” que 
se entregaram à prostituição em termos semelhantes ao “ir após outra 
carne” de Sodoma e Gomorra? Ele só mencionou dois exemplos antes, o 
exemplo da geração que saiu do Egito e o exemplo dos anjos que peca-
pelo Espírito Santo, confirmando essa parte do ensino do Livro de Enoque. Precisamos 
aceitar, portanto, que essa parte é verdadeira, ou rejeitarmos a carta de Judas.
23 Davids, The letters of 2 Peter and Jude, p. 49.
 99
ram. Então, precisa ser um desses dois grupos. “Aqueles" é um pronome 
demonstrativo adjetival masculino plural. Nesse sentido, realmente po-
deria ser aplicado a qualquer dos dois grupos anteriores, apesar de fazer 
mais sentido referir-se ao grupo mais próximo já mencionado, que é exa-
tamente o grupo dos anjos. E note que o pecado da geração do Egito foi 
explicitamente mencionado acima: “incredulidade”. Eles não creram que 
Deus poderia dar a terra de Canaã, pois ficaram com medo dos povos 
que lá residiam. O maior pecado da geração do Egito não tem relação 
com “prostituição” ou “ir após outra carne”, pois o próprio Judas disse 
que foi incredulidade, e o Pentateuco confirma isso (Nm 14.11, também 
Hb 3.19 confirma). Alguns argumentam que, quando Moisés estava no 
Sinai, o povo lá embaixo se entregou à prostituição. Isso é verdade, po-
rém, tal fato não os impediu de entrar em Canaã, pois Deus perdoou 
aquele pecado do povo. E Judas está mencionando pecados que Deus 
“não perdoou”. Eles não entraram em Canaã porque ficaram com medo 
do relato dos espias. Foram incrédulos. E por causa disso toda aquela 
geração acabou morrendo no deserto. Somente Josué e Calebe entraram 
na terra, justamente porque creram. Então, o maior pecado da geração 
que saiu do Egito não pode ser descrito como um “ir após outra carne”, 
mas uma atitude de falta de fé no poder e provisão divinos. Por outro 
lado, o pecado dos anjos não foi mencionado explicitamente por Judas. 
Portanto, logicamente e exegeticamente, quando ele diz que “aqueles” se 
prostituíram e foram após outra carne, em termos semelhantes a Sodoma 
e Gomorra, ele está falando dos anjos,24 e explicando o pecado deles. As-
sim, “Judas conecta isso à prévia discussão dos anjos com a expressão “de 
um modo semelhante”, indicando que o pecado dos anjos e o pecado das 
cidades são similares”25.
O pecado do homossexualismo de Sodoma foi de fato um “ir após 
outra carne”,26 pois foi algo contrário à natureza dos homens. Do mesmo 
24 Tomar “aqueles” (τούτοις) como uma referência aos oponentes do verso 4 é 
linguisticamente inaceitável. (David Alan Black; Katharine G. L. Barnwell e Stephen H. 
Levinsohn. Linguistics and New Testament interpretation: essays on discourse analysis. Nashvil-
le, TN: Broadman Press, 1992, p. 297).
25 Davids, The letters of 2 Peter and Jude, p. 52.
26 Richard Bauckham defende que o pecado dos homens de Sodoma foi a tentati-
va de se relacionar com os próprios anjos, negando assim que fosse “homossexualismo”. 
(2 Peter, Jude, 50:54). A tese de Bauckham esbarra num ponto intransponível: o texto de 
Gênesis não diz que os homens de Sodoma sabiam que eram anjos que estavam na casa 
de Ló. Eles pedem que “os homens” lhes sejam entregues (Gn 19.5).
 100
modo, o pecado dos anjos com as mulheres foi algo contrário à natureza 
angélica, uma espécie de também “ir após outra carne”. E, por sua vez, “é 
paralelo à apostasia dos interlocutores na congregação, que abandona-
ram seus lugares na comunidade por sua própria imoralidade”27.
Esse pecado dos anjos é justamente o pecado que o Livro de Eno-
que menciona, o livro que Judas está citando literalmente. Na verdade, e 
agora avançamos ainda mais nessa compreensão, cada uma das palavras 
usadas por Judas para descrever a transgressão dos anjos no verso 6 é 
encontrada ou derivada de termos utilizados no Livro de Enoque. 
Em destaque abaixo as principais palavras e os temas corresponden-
tes que aparecem no Livro de Enoque, tanto em português quanto em 
grego:
Judas 1Enoque
Judas 6 - ele tem guardado sob 
trevas, em algemas eternas, para o 
juízo do grande Dia — εἰς κρίσιν 
μεγάλης ἡμέρας δεσμοῖς ἀϊδίοις 
ὑπὸ ζόφον τετήρηκεν·
1 En 10.12: (amarra-os por sete 
gerações nos vales da terra, até o 
dia do seu julgamento, até o dia 
do Juízo Final!) — δῆσον αὐτοὺς 
ἑβδομήκοντα γενεὰς εἰς τὰς νάπας 
τῆς γῆς μέχρι ἡμέρας κρίσεως
Judas 6 - e a anjos, os que não 
guardaram o seu estado original, 
mas abandonaram o seu pró-
prio domicílio, — ἀγγέλους τε 
τοὺς μὴ τηρήσαντας τὴν ἑαυτῶν 
ἀρχὴν ἀλλὰ ἀπολιπόντας τὸ ἴδιον 
οἰκητήριον·
1 En 12.4 (Escriba da Justiça, 
vai e anuncia aos Guardiões do céu 
que perderam as alturas do paraí-
so e os lugares santos e eternos) — 
“ὁ γραμματεὺς τῆς δικαιοσύνης 
Πορεύου καὶ εἰπὲ τοῖς ἐγρηγόροις 
τοῦ οὐρανοῦ οἵτινες ἀπολιπόντες 
τὸν οὐρανὸν τὸν ὑψηλόν
Judas 6 - e a anjos, os que não 
guardaram o seu estado original, 
mas abandonaram o seu pró-
prio domicílio — ἀγγέλους τε 
τοὺς μὴ τηρήσαντας τὴν ἑαυτῶν 
ἀρχὴν ἀλλὰ ἀπολιπόντας τὸ ἴδιον 
οἰκητήριον 
1 En 15.3 (Por que motivo 
abandonastes o alto do céu, santo 
e eterno) — “διὰ τί ἀπελίπετε τὸν 
οὐρανὸν τὸν ὑψηλὸν τὸν ἅγιον 
τοῦ αἰῶνος” 
27 Davids, The letters of 2 Peter and Jude, p. 50.
 101
Judas 6 - e a anjos, os que não 
guardaram o seu estado original, mas 
abandonaram o seu próprio domi-
cílio, ele tem guardado sob trevas, 
em algemas eternas, para o juízo do 
grande Dia — ἀγγέλους τε τοὺς μὴ 
τηρήσαντας τὴν ἑαυτῶν ἀρχὴν ἀλλὰ 
ἀπολιπόντας τὸ ἴδιον οἰκητήριον 
εἰς κρίσιν μεγάλης ἡμέρας δεσμοῖς 
ἀϊδίοις ὑπὸ ζόφον τετήρηκεν·
1 En 14.5: (Daqui por diante nunca 
mais havereis de subir ao céu; mas foi 
determinado que sejais acorrentados 
aqui na terra por todos os tempos) — 
ἵνα μηκέτι εἰς τὸν οὐρανὸν ἀναβῆτε 
ἐπὶ πάντας τοὺς αἰῶνας, καὶ ἐν τοῖς 
δεσμοῖς τῆς γῆς ἐρρέθη δῆσαι ὑμᾶς 
εἰς πάσας τὰς γενεὰς τοῦ αἰῶνος”
Judas 6 - e a anjos, os que não 
guardaram o seu estado original, mas 
abandonaram o seu próprio domicílio 
— ἀγγέλους τε τοὺς μὴ τηρήσαντας 
τὴν ἑαυτῶν ἀρχὴν ἀλλὰ ἀπολιπόντας 
τὸ ἴδιον οἰκητήριον
1 En 15.7 (Por isso eu não criei 
para vós mulheres, pois os espíritos 
do céu possuem no céu a sua mora-
da) — “καὶ διὰ τοῦτο οὐκ ἐποίησα 
ἐν ὑμῖν θηλείας· τὰ πνεύμα(τα) τοῦ 
οὐρανοῦ, ἐν τῷ οὐρανῷ ἡ κατοίκησις 
αὐτῶν”.
Ou seja, praticamente cada uma das expressões e palavras em Judas 
6 pode ser encontrada no Livro de 1Enoque. Claramente o conceito de 
anjos que abandonaram sua morada celeste, e agora estão aprisionados 
por terem pecado, é um conceito explícito do livro de 1Enoque que Judas 
repercute não apenas tematicamente, mas textualmente, usando os mes-
mos termos para definir o pecado dos anjos. Como já foi dito, neste livro 
de 1Enoque é defendido que esse pecado foi o relacionamento deles com 
mulheres em Gênesis 6. Novamente deve ser dito: se Judas entendesse 
que isso estava errado, uma vez que citou o referido livro e mencionou 
textualmente as partes em que o livro diz que o pecado dos anjos com 
as mulheres foi o ato de abandonar sua morada no céu para pecar com 
as mulheres, e posteriormente serem aprisionados nas trevas, se ele não 
concordasse com essa interpretação, então tinha a obrigação de esclare-
cer seus leitores de que aquela história era falsa28. Porém,não apenas ele 
não faz isso, como claramente confirma a história ao usar os mesmos 
termos de 1Enoque!
Isso não significa que Judas considerasse o livro de 1Enoque inspi-
28 Thomas Schreiner nota acertadamente que “Judas quase que certamente pre-
cisaria explicar que ele estava abandonando a visão judaica estabelecida de Gn 6.1-4 se 
ele não concordasse com a tradição judaica. A brevidade do verso suporta a ideia de que 
ele concordava com a tradição judaica”. (1, 2 Peter, Jude, vol. 37, p. 448).
 102
rado, nem que tudo o que está escrito no referido livro seja verdade, 
mas deve ser entendido que aquela parte do livro de Enoque é verdade 
porque é verdade de Deus, independente da fonte. É preciso lembrar 
que “uma apropriação geral de uma tradição não é a mesma coisa que 
aceitar cada detalhe dessa tradição”29. Ou, como pontua Michael Green, 
Judas não endossa necessariamente todo o livro; o que faz, no entan-
to, como qualquer pregador sábio, é empregar a linguagem e formas de 
pensamento correntes no seu tempo para inculcar nos seus leitores, em 
termos altamente significativos para eles, os perigos da concupiscência 
e do orgulho30. Porém, é praticamente impossível negar que Judas está 
dando apoio à interpretação judaica de que alguns anjos pecaram com 
mulheres em Gênesis 6, e por isso foram aprisionados.
 Na verdade, a própria estrutura que Judas usa, de citar os três exem-
plos do passado, ou seja, a geração do Egito, a geração de Sodoma e os 
anjos do dilúvio, segue um padrão que pode ser encontrado em vários 
outros livros antigos31. E na maioria desses livros se reconhece que o pe-
cado dos anjos é o relacionamento com mulheres. Como Judas poderia 
usar a mesma estrutura amplamente conhecida pelos judeus se quisesse 
provar algo diferente, sem mostrar que estava querendo provar algo di-
ferente?
III. As Cartas de Pedro
Talvez por esse motivo, muitos cristãos preferiram não incluir Judas 
no cânon do Novo Testamento. Mas não adiantaria tirar Judas do cânon. 
O apóstolo Pedro confirma o ensinamento de Judas e do livro de Enoque 
sobre anjos em prisão, também usando termos do livro de Enoque, e ain-
da por cima parece ligar o fato diretamente com o dilúvio: “Ora, se Deus 
não poupou anjos quando pecaram, antes, precipitando-os no inferno, 
os entregou a abismos de trevas, reservando-os para juízo; e não poupou 
o mundo antigo, mas preservou a Noé, pregador da justiça, e mais sete 
pessoas, quando fez vir o dilúvio sobre o mundo de ímpios...” (2Pe 2.4-
5). Quando o autor diz que Deus “não poupou aqueles anjos”, ele está 
29 Ibid., p. 450.
30 Michael Grenn. II Pedro e Judas. São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1988, 
p. 157-158.
31 Cairo Damascus (CD–A Col. ii:13); Eclesiástico 16.7-10; 3Mac 2.4-7; Testa-
mento de Naftali 3.4–5; m. Sanhedrin 10:3).
 103
fazendo uma menção direta ao fato de que, apesar de aqueles anjos terem 
pedido clemência e misericórdia no referido livro, Deus não os poupou e 
os aprisionou no abismo. 
A seguinte citação nos revela o contexto literário da afirmação de Pe-
dro: “Enoque, tu, o Escriba da Justiça, vai e anuncia aos Guardiões do céu 
que perderam as alturas do paraíso e os lugares santos e eternos, que se 
corromperam com mulheres à moda dos homens, que se casaram com 
elas, produzindo assim grande desgraça sobre a terra; anuncia-lhes: ‘Não 
encontrareis nem paz nem perdão’. Da mesma forma como se alegram 
com seus filhos, presenciarão também o massacre dos seus queridos, e 
suspirarão com a sua desgraça. Eles suplicarão sem cessar, mas não obte-
rão nem clemência nem paz!” (1Enoque 12). 
Várias vezes no livro de 1Enoque se menciona que Deus não os pou-
paria, nem concederia clemência e que eles seriam aprisionados em abis-
mos de trevas, e seus filhos destruídos. Pedro usa o termo tártaro para 
definir o local em que esses anjos estão aprisionados. Literalmente ele diz 
que os anjos foram “em abissais cadeias tenebrosas, lançados no tárta-
ro” (σειραῖς ζόφου ταρταρώσας). O termo tártaro, oriundo da mitologia 
grega, traduz bem o sentido da mais terrível de todas as prisões do sub-
mundo.
O texto de 2Pedro 2.1-22 é um forte paralelo teológico e textual de 
Judas 3-19. Uma simples leitura paralela das duas passagens deixa isso 
totalmente evidente. Claramente, um dos dois autores fez uso do outro 
e acrescentou detalhes. Portanto, os anjos em prisão destacados em 2Pe 
2.4 só podem ser os mesmos mencionados em Judas 6, ou do contrário, 
toda lógica desaparece. Defendemos que em Judas 6, eles são os “filhos 
de Deus” de Gênesis 6 que pecaram com as mulheres e por causa disso 
foram aprisionados. Portanto, 2Pedro 2.4 faz menção a esse mesmo gru-
po. Mas será que os “espíritos em prisão” mencionados na Primeira Carta 
de Pedro, para quem Cristo fez uma proclamação, também se referem ao 
mesmo grupo?
No nosso entendimento trata-se do mesmo grupo, pois Pedro diz que 
são “espíritos em prisão, os quais, noutro tempo, foram desobedientes 
quando a longanimidade de Deus aguardava nos dias de Noé” (1Pe 3.19-
20). Ou seja, os temas de “prisão” e “dilúvio” aparecem aqui também. 
E, novamente, precisamos perguntar: de onde vinham esses conceitos 
quando Pedro escrevia a primeira carta, a respeito de alguém que ha-
via sido aprisionado por ter feito algo errado no tempo que antecedeu o 
 104
dilúvio? A segunda carta que ele escreveu e também a carta de Judas já 
nos responderam isso: do livro de 1Enoque, da história dos anjos que 
pecaram com as mulheres em Gênesis 6.
O texto está dizendo que Jesus, após sua ressurreição, no poder do Es-
pírito, foi até esse lugar de prisão, e proclamou sua vitória sobre aqueles 
espíritos que, noutro tempo, ou seja, no passado, foram desobedientes, 
nos dias de Noé. Portanto, Cristo não foi “sem corpo” fazer alguma pro-
clamação em algum lugar, mas após a ressurreição, corporalmente ele 
foi e anunciou sua vitória aos espíritos em prisão. E após fazer isso, ele 
subiu ao céu, deixando os principados e potestades debaixo de seus pés 
(1Pe 3.22). 
Contrariando essa noção, Wayne Grudem argumenta que o texto de-
veria ser traduzido de outra forma, ou seja: “espíritos que agora estão 
em prisão” (isto é, durante o tempo em que Pedro estava escrevendo), 
que foram pessoas na terra no tempo de Noé, quando Cristo pregou a 
eles32. A sequência da frase também recebe nova tradução de Grudem: 
“quando eles anteriormente desobedeceram”. Assim, Grudem conclui 
que Cristo, na verdade, pregou através “dos lábios de Noé”33.
No entanto, essa interpretação é extremamente forçada e gramati-
calmente incerta. A interpretação de que Jesus “pregou através de Noé”, 
nos dias do próprio Noé, como nota I. Howard Marshall, “enfrenta di-
ficuldades insuperáveis”, pois a passagem mais naturalmente se refere a 
um incidente que tomou lugar depois que Cristo foi “feito vivo”34. Além 
disso, Grudem precisa interpretar forçadamente o verso 19, chamando 
de “espíritos em prisão” pessoas que viveram nos dias de Noé, o que sem 
dúvida é um tratamento absolutamente estranho, ainda mais quando se 
considera o fato de que os leitores de Pedro tinham outra ideia mui-
to clara de quem eram esses espíritos aprisionados. A associação geral-
mente feita entre essa passagem e 2Pedro 2.5, ou seja, de que Noé foi 
um “proclamador da justiça” e, portanto, seria correto dizer que Jesus 
pregou por meio dele a seus contemporâneos, mais uma vez é forçada, 
pois não há respaldo no restante da Escritura para o fato de que Noé 
tenha proclamado alguma coisa a seus contemporâneos, ou oferecido 
alguma oportunidade de salvação a eles. Ao contrário, pois Deus cla-
32 Wayne Grudem. 1 Peter. Leicester/Grand Rapids: InterVarsity/Eerdmans, 1995 
p. 159.
33 Ibid., p. 160.
34 Marshall, 1 Peter, p. 124.
 105
ramente disse que havia determinado destruir “toda carne” (Gn 6.13), 
e ordenou que Noé construísse a arca, pois somente ele e a sua família 
seriam salvos entre os homens (Gn 6.14-18). Não há nenhum mandado 
de Deus para que ele oferecesse salvaçãoaos seus semelhantes. O texto, 
então, relata que Noé simplesmente fez “consoante a tudo o que Deus lhe 
ordenara” (Gn 6.22). O autor da carta aos Hebreus confirma que “pela fé, 
Noé, divinamente instruído acerca de acontecimentos que ainda não se 
viam e sendo temente a Deus, aparelhou uma arca para a salvação de sua 
casa; pela qual condenou o mundo e se tornou herdeiro da justiça que 
vem da fé” (Hb 11.7). Portanto, a proclamação que Noé fez ao mundo não 
foi uma oferta de salvação, mas justamente uma proclamação da justiça 
condenatória de Deus. Essa justiça destruiu o mundo. Por esse motivo, é 
bastante provável que a expressão “da justiça” aplicado a Noé como pro-
clamador (2Pe 2.5), não tenha relação com algum conteúdo proclamado 
por ele, mas à sua própria postura perante o mundo, uma característica 
dele próprio35, como um testemunho da justiça punitiva de Deus.
Porém, se o preconceito contra a ideia de que anjos pecaram com mu-
lheres é posto de lado, a leitura do texto de 1Pe 3.18-21 fica muito simples 
e sequencial. O ensino da passagem é que Jesus morreu na carne, mas res-
suscitou no Espírito, então foi e pregou aos espíritos aprisionados, aque-
les que no passado foram rebeldes no tempo do dilúvio. Depois disso, 
Cristo foi para o céu, e agora todos os anjos e principados estão debaixo 
de seus pés. Assim, a sequência do texto é:
1) Os cristãos devem estar preparados para sofrer injustamente (1Pe 
3.17).
2) Cristo também sofreu injustamente e morreu na carne (1Pe 3.18).
3) Porém, ele ressuscitou no espírito e triunfou sobre seus inimigos, 
podendo proclamar aos piores dentre eles sua vitória (1Pe 3.19).
4) Então, ele subiu ao céu, e agora todos os anjos, bons e maus, estão 
sob seu domínio (1Pe 3.22).
5) Por isso, os cristãos devem estar preparados para sofrer na carne, 
aguardando o julgamento de Deus sobre os inimigos (1Pe 4.1-5).
Deste modo, a exortação de Pedro aos seus leitores é para que não 
revidem as agressões, mas aguardem o momento em que Deus lhes dará 
a vitória e o triunfo sobre os adversários.
Em último lugar, é preciso observar que o único argumento efetivo 
35 William J. Dalton. Christ’s proclamation to the spirits. Melbourne: Catholic Theo-
logical College, 1989, p. 158.
 106
usado contra a ideia é o que Jesus disse em Lucas 20:35-36: “... mas os que 
são havidos por dignos de alcançar a era vindoura e a ressurreição dentre 
os mortos não casam, nem se dão em casamento. Pois não podem mais 
morrer, porque são iguais aos anjos e são filhos de Deus, sendo filhos da 
ressurreição”. Note-se, porém que Jesus está falando do futuro, quando 
os crentes ressuscitarem, e, mesmo tendo corpos, não se casarão mais. A 
questão, entretanto, não parece ser a impossibilidade teórica de que isso 
aconteça, mas o fato de que Deus decidiu que isso não deve acontecer36. 
Assim como nós hoje podemos nos casar, mas no futuro não poderemos 
mais, poderia ser possível dizer que aqueles anjos do passado desobede-
ceram, e fizeram aquilo que não devia ser feito, e a partir de então perde-
ram essa possibilidade. Portanto, essa passagem, ao invés de contradizer 
o assunto, até mesmo o reforça, pois chama os crentes ressuscitados de 
“iguais aos anjos, filhos de Deus”, o título dado a eles em Jó 1.6 e em 
Gênesis 6.1.
Considerações Finais
Provavelmente, uma das maiores dificuldades de muitos evangélicos 
em aceitar a teoria do relacionamento dos anjos com as mulheres é a no-
ção de que isso mudaria o conceito bíblico sobre a queda dos anjos em 
geral. Se aquele pecado representa a queda original dos anjos, portan-
to, ela não teria acontecido antes de Gênesis 3. Porém, deve ser notado 
que apenas Satanás é mencionado em Gênesis 3, e nenhum outro anjo. 
De qualquer modo, o pecado daqueles anjos no tempo do dilúvio não 
precisa ser necessariamente a queda original dos anjos, mas um apro-
fundamento da mesma, por parte de alguns anjos que já poderiam estar 
seguindo Satanás em sua rebelião anterior. O fato de que somente es-
ses anjos foram aprisionados, sugere que Satanás e outros rebeldes não 
participaram do pecado de Gênesis 6, por isso não foram lançados no 
tártaro.
Outro temor que causa rejeição de muitos a esse entendimento é a 
dúvida sobre se isso ainda poderia acontecer hoje. Porém, nesse caso 
a resposta é não. Deus lançou todos aqueles anjos no tártaro (2Pe 2.4). 
Deus não permite mais que anjos se relacionem com mulheres, como o 
próprio Cristo declarou.
36 “Na verdade, Mateus não diz que anjos não tem sexualidade, mas que eles não 
podem se casar ou ser dados em casamento”. (Schreiner, 1, 2 Peter, Jude, 37:451).
 107
Não cabe aqui especular qual foi a forma utilizada: se eles assumiram 
forma humana ou se possuíram homens como Bruce Waltke defende. O 
fato é que não temos nenhuma informação na Bíblia sobre como isso se 
deu, mas sabemos que anjos podiam comer e exercer atividades físicas 
próprias de um homem (Gn 18.7-8; Hb 13.2).
Um último questionamento sobre esse assunto diz respeito aos moti-
vos da proclamação de Cristo àquele grupo específico de anjos. Por que 
somente para eles? Mas, o fato é que a proclamação específica que Pedro 
está registrando é, na verdade, um modo de explicar que “ninguém” das 
forças hostis ficou de fora. O ensino do Novo Testamento é que, através 
da cruz, Jesus triunfou sobre os principados e potestades e os expôs ao 
ridículo (Cl 2.15). Pedro conclui o ensino da passagem dizendo que, após 
subir aos céus na ascensão, Cristo se colocou acima de todos aqueles po-
deres hostis, os quais lhe ficaram subordinados (1Pe 3.22). Portanto, o 
relato da proclamação aos espíritos aprisionados completa essas narra-
tivas, ou seja, ninguém ficou de fora do senhorio de Cristo, nem mesmo 
aqueles antigos anjos caídos que estavam há tanto tempo aprisionados.
O ensino geral de todas essas passagens referidas, quais sejam, Judas 6, 
1Pe 3.18-22 e 2Pe 2.4 é o mesmo: a vitória do Evangelho e a derrota dos 
poderes hostis. Enquanto os antigos poderes permanecem aprisionados, 
e os anjos caídos são agora submetidos ao senhorio de Cristo, uma ver-
dade é exaltada: “O Senhor ressuscitado é o evangelho vivo”37. Sua vitória 
sobre a morte, sua passagem pelo tártaro após sua ressurreição e sua su-
bida ao céu “acima de todos os principados” é a grande evidência de que 
o Evangelho venceu.
E, por último, voltamos à pergunta de VanGemeren: por que cristãos 
que creem em tantos fatos sobrenaturais da Bíblia têm dificuldades em 
crer que, de algum modo, anjos caídos se relacionaram com mulheres e 
foram punidos por Deus?38 Portanto, a compreensão desse assunto nos 
leva a uma compreensão maior do próprio ensino bíblico sobre os pode-
res malignos, e a um resgate da cosmovisão bíblica, sem ceder ao dogma-
tismo do racionalismo, que não seduz apenas o lado liberal da teologia, 
mas muitas vezes também o conservador. Esse triunfo e proclamação de 
Cristo aos espíritos em prisão mostra que os efeitos do Evangelho são 
muito maiores do que normalmente imaginamos. Quando entendemos 
esse assunto, compreendemos melhor o tamanho da vitória de Cristo.
37 Dalton, Christ’s proclamation to the spirits, p. 19.
38 VanGemeren, The sons of God in Genesis 6:1-4, p. 320.
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Anotações
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8. O TRIUNFO DA ASCENSÃO
Como foi exposto anteriormente, quando tratamos da ressurreição 
de Cristo e sua proclamação aos espíritos em prisão, Pedro também 
esclareceu que na ascensão de Cristo algo fundamental aconteceu: “o 
qual, depois de ir para o céu, está à destra de Deus, ficando-lhe subor-
dinados anjos, e potestades, e poderes” (1Pe 3.22). 
A ascensão de Jesus completa sua vitória absoluta sobre os princi-
pados e potestades, e o coloca no posto de Soberano dos céus e terra. 
Na cruz, ele os despojou, na ressurreição consumou sua vitória sobre 
eles, porém na ascensão ele impôs as consequências de sua vitória sobre 
seus inimigos num nível cósmico. O retorno de Cristo ao céu se revela 
como o momento da grande coroação de Cristo como “Rei dos reis e 
Senhor dos senhores”. Quando Pedro diz que, no ato de ir para o céu, e 
colocar-se à destra de Deus, anjos, potestades e poderes lhe ficaram “su-
bordinados” (1Pe 3.22), ele está descrevendo a realidade e os efeitos da 
coroação de Cristo no céu. A figura de “sentar-se à direita” representa 
a investidura de Cristo. Todo o poder e autoridade foram transferidos 
para ele. Porém, a luta ainda não acabou. Ele reinará até que o último 
inimigo, a morte, seja definitivamente derrotado.
I. Assentado à direita de Deus
No final do Evangelho de Marcos, logo após Cristo ter aparecido 
vivo para seus discípulos e os ter comissionado a ir por todo o mundo 
anunciando o Evangelho, a narrativa descreve o momento quando Cris-
to subiu ao céu, o posto que ele assumiu, e os efeitos disso em relação 
à terra: “De fato, o Senhor Jesus, depois de lhes ter falado, foi recebido 
no céu e assentou-se à destra de Deus. E eles, tendo partido, pregaram 
em toda parte, cooperando com eles o Senhor e confirmando a palavra 
por meio de sinais, que se seguiam” (Mc 16.19-20). Portanto, ao subir 
ao céu, ele se assentou à destra de Deus, e assim, continuou sua obra, 
capacitando sua igreja a vencer pelo testemunho em todo o mundo.
A noção de “assentar-se à direita” vem do Salmo 110, que é um sal-
mo que Cristo aplicou para si mesmo, portanto, é claramente messiânico. 
Trata-se do texto do Antigo Testamento mais frequentemente citado no 
Novo Testamento1. No primeiro verso está escrito: “Disse o SENHOR ao 
meu senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimi-
gos debaixo dos teus pés” (Sl 110.1). Num primeiro momento, no Novo 
Testamento, o próprio Jesus usou esse Salmo para defender sua divindade 
e sua posição superior ao próprio Davi: “Como, pois, Davi, pelo Espírito, 
chama-lhe Senhor, dizendo: Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te 
à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés? 
Se Davi, pois, lhe chama Senhor, como é ele seu filho?” (Mt 22.43-45)2. 
Posteriormente, Pedro o aplicou diretamente à ascensão de Jesus, quando 
explicou para a multidão no Pentecostes que Jesus cumpriu essa profecia 
do Salmo: 
A este Jesus Deus ressuscitou, do que todos nós somos testemunhas. 
Exaltado, pois, à destra de Deus, tendo recebido do Pai a promessa 
do Espírito Santo, derramou isto que vedes e ouvis. Porque Davi 
não subiu aos céus, mas ele mesmo declara: Disse o Senhor ao meu 
Senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos 
por estrado dos teus pés. Esteja absolutamente certa, pois, toda a casa 
de Israel de que a este Jesus, que vós crucificastes, Deus o fez Senhor 
e Cristo (At 2.32-36).
Pedro detalha duas importantes consequências da ascensão de Cris-
to: o derramamento do Espírito Santo (assunto do próximo tópico), e 
seu senhorio. Ele está agora “erguido” ou “exaltado (ὑψωθείς) à destra de 
Deus”, e por isso, Pedro declara, ele “foi feito” por Deus “Senhor e Cristo”. 
Portanto, a subida de Cristo ao céu após sua morte e ressurreição foi o 
momento em que tecnicamente, Cristo foi entronizado. A partir desse 
momento, todos os seres celestes, santos ou caídos, passaram a estar su-
bordinados a ele. Ele se tornou o comandante dos céus e da terra, todos 
1 Leon Morris. The Gospel according to Matthew. The Pillar New Testament Com-
mentary. Grand Rapids, MI; Leicester, England: W.B. Eerdmans; Inter-Varsity Press, 
1992, p. 565.
2 Por certo, Jesus acreditava que seus ouvintes reconheciam o Salmo 110 como 
messiânico. Posteriormente, a tradição judaica reconheceria o Salmo como messiânico. 
(Ver John Nolland. The Gospel of Matthew: a commentary on the Greek text. Grand Rapids: 
Eerdmans, 2005, 915–916.
 112
 113
os anjos ficaram submissos a ele como auxiliares do seu ministério (Hb 
1.13-14), e seus inimigos passaram a sentir o peso de seu poderoso braço. 
Na Carta aos Efésios, Paulo também desenvolve esse conceito da as-
censão e do assentar-se à destra de Deus, como o acontecimento que 
concedeu domínio a Cristo sobre todas as coisas, inclusive sobre os ini-
migos. Paulo fala em tom pessoal com seus leitores, demonstrando que 
desde o momento em que ouviu falar da fé que eles professavam e do 
amor fraterno, começou a dar graças a Deus por eles, mencionando-os 
continuamente em suas orações (Ef 1.15-16). Especificamente, Paulo 
disse que estava orando por eles, “para que o Deus de nosso Senhor Jesus 
Cristo, o Pai da glória, vos conceda espírito de sabedoria e de revelação 
no pleno conhecimento dele” (Ef 1.17). Ou seja, Paulo entendia que os 
crentes de Éfeso precisavam compreender algo grandioso, que por certo, 
ainda não estava muito claro para eles. Por isso, Paulo continuou: “ilumi-
nados os olhos do vosso coração, para saberdes qual é a esperança do seu 
chamamento, qual a riqueza da glória da sua herança nos santos e qual a 
suprema grandeza do seu poder para com os que cremos, segundo a efi-
cácia da força do seu poder” (Ef 1.18-19). Três coisas, portanto, os efésios 
ainda precisavam compreender melhor: 1) a esperança do chamado de-
les, ou seja, o fundamento dessa esperança posto na conversão deles; 2) 
a riqueza da herança a ser recebida, ou seja, a recompensa futura; e 3) o 
poder que estava disponível para os efésios naquele exato momento. De 
fato, “esses são três aspectos da poderosa salvação que tem sido vencida 
por eles em Cristo”3. A respeito desse poder, Paulo acumula palavras, 
quase como se não conseguisse expressar tudo o que tinha em mente, 
tudo o que pretendia dizer. Ele usa as expressões “suprema”, “grandeza”, 
“poder”, “eficácia”, “força” e “poder” (domínio), tudo junto numa única 
frase. O fato, é que, segundo Paulo, todo esse poder está agora disponí-
vel ao povo de Deus, para que vençam a batalha da vida cristã, para que 
triunfem sobre o pecado e sobre o mal.
Porém, Paulo ainda não explicou a origem desse poder que agora está 
disponível ao povo de Deus. Portanto, ele continua: 
O qual exerceu ele em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos e 
fazendo-o sentar à sua direita nos lugares celestiais, acima de todo 
principado, e potestade, e poder, e domínio, e detodo nome que se 
3 Peter Thomas O’Brien. The letter to the Ephesians. The Pillar New Testament 
Commentary. Grand Rapids, MI: W.B. Eerdmans Publishing Co., 1999, p. 133.
possa referir, não só no presente século, mas também no vindouro (Ef 
1.20-21).
Então, fica claro que trata-se do mesmo poder que tanto ressuscitou a 
Cristo dentre os mortos, como o elevou até as alturas, onde ele se assentou 
à destra do Pai, ficando, portanto, acima de todo principado, potestade, 
poder, domínio, etc4. A ascensão, portanto, liga-se à ressurreição de Cris-
to, como a maior demonstração de poder já realizada nesse mundo ou na 
história. Graças a esse poder, Cristo agora reina nos céus e na terra, e ga-
rante esse mesmo poder ao seu povo. Juridicamente falando, Cristo não 
tem mais rivais. Todos foram derrotados. Portanto, seu nome foi elevado 
acima de todos os nomes, obrigando a todos a se ajoelharem perante ele 
e a reconhecerem seu senhorio (Fp 2.9-11). Isso não é coisa meramente 
do futuro, porém, está acontecendo desde a ascensão de Cristo, quando 
Deus “pôs todas as coisas debaixo dos pés, e para ser o cabeça sobre todas 
as coisas, o deu à igreja, a qual é o seu corpo, a plenitude daquele que a 
tudo enche em todas as coisas” (Ef 1.22-23). Graças à entronização de 
Cristo no céu, quando para lá ele subiu, agora ele é o cabeça da igreja na 
terra, e ela compartilha do seu poder e da sua vitória, esmagando tam-
bém seus inimigos, à medida que avança com o evangelho triunfante.
O efeito da ascensão de Cristo sobre os poderes hostis é, ainda, deta-
lhadamente descrito por Paulo em 1Coríntios 15.24-28:
E, então, virá o fim, quando ele entregar o reino ao Deus e Pai, quando 
houver destruído todo principado, bem como toda potestade e poder. 
Porque convém que ele reine até que haja posto todos os inimigos 
debaixo dos pés. O último inimigo a ser destruído é a morte. Porque 
todas as coisas sujeitou debaixo dos pés. E, quando diz que todas 
as coisas lhe estão sujeitas, certamente, exclui aquele que tudo lhe 
subordinou. Quando, porém, todas as coisas lhe estiverem sujeitas, 
então, o próprio Filho também se sujeitará àquele que todas as coisas 
lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos.
Cristo já derrotou e despojou os principados e potestades na cruz. Po-
4 Além desse aspecto de triunfo sobre os poderes malignos, Schreiner vê nessa 
passagem baseada no Salmo 110, a identificação de Jesus como o segundo Adão, que 
agora exerce seu domínio sobre toda a criação (Thomas Schreiner. New Testament theolo-
gy: magnifying God in Christ. Grand Rapids: Baker Academic, 2008, p. 370).
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rém, eles ainda não foram banidos para o local da eterna condenação. 
Do mesmo modo, Cristo já derrotou a morte na ressurreição, porém ela 
ainda não foi removida da criação de Deus. Portanto, sua tarefa agora 
é a de “destruir" esses inimigos. O sentido em que isso é um processo 
deve-se exclusivamente ao fato de que o método de expansão do reino 
é a pregação do Evangelho através do testemunho dos discípulos. Por 
esse motivo, ainda é permitido aos inimigos continuarem presentes no 
mundo, porém, a derrota deles já aconteceu, aguardando apenas a plena 
execução conquistada por Cristo.
O autor aos Hebreus também repercute essa ideia, justamente ao 
mostrar a superioridade de Cristo sobre todos os anjos: “Ora, a qual dos 
anjos jamais disse: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus 
inimigos por estrado dos teus pés? Não são todos eles espíritos minis-
tradores, enviados para serviço a favor dos que hão de herdar a salva-
ção?” (Hb 1.13-14). Há, portanto, na passagem uma relação de “senhor” 
e “servos” no que tange a Cristo e aos anjos, especialmente a partir do 
momento em que Cristo assenta-se à destra de Deus. Ele está assentado à 
direita de Deus, então, os anjos passam a ser seus serviçais, enviados com 
a função específica de “servir” os que hão de herdar a salvação5.
Hebreus também mostra a relação de domínio que Cristo exerce a 
partir da ascensão sobre seus inimigos espirituais. Falando sobre sua 
obra sacerdotal terrena perfeita, ele passa então a refletir os efeitos dela 
no céu: “Jesus, porém, tendo oferecido, para sempre, um único sacri-
fício pelos pecados, assentou-se à destra de Deus, aguardando, daí em 
diante, até que os seus inimigos sejam postos por estrado dos seus pés”. 
(Hb 10.12-13). Disso decorre que o motivo de Cristo estar no céu após 
a ressurreição é justamente para completar sua obra de destruição de 
seus inimigos. Ao mesmo tempo, o autor aos Hebreus diz que Cristo 
começou a desempenhar mais expressamente a função de sacerdote no 
5 Na carta de 1Clemente, o autor comenta as expressões que asseguram a exal-
tação de Cristo e seus benefícios para os crentes: “Este é o caminho, caro amado, onde 
nós encontramos nossa salvação, sendo Jesus Cristo o Sumo Sacerdote das nossas ofe-
rendas, o Guardião e Ajudador de nossas fraquezas. Através dele vamos olhar firme-
mente através das alturas do céu; por meio dele vemos como num espelho Seu rosto 
impecável e mais excelente; por meio dele os olhos dos nossos corações foram abertos; 
por meio dele a nossa mente tola e obscurecida ressurgiu para a luz; por meio dele o 
Mestre quis que nós pudéssemos provar do conhecimento imortal” (1Clemente 36. In 
Joseph Barber Lightfoot e J. R. Harmer. The Apostolic Fathers. London: Macmillan and 
Co., 1891, p. 72).
santuário celeste após sua ascensão, onde vive para interceder pelo seu 
povo (Hb 7.25).
II. O Cordeiro tomou posse do livro
Os ensinamentos dos evangelhos e cartas do Novo Testamento a res-
peito da ascensão de Cristo é ampliado de maneira pictórica em duas 
descrições de Apocalipse. O capítulo 5 descreve a própria coroação de 
Cristo no céu, e o capítulo 12 a expulsão de Satanás.
Os capítulos 4-6 de Apocalipse descrevem a coroação celeste de Cris-
to. As razões pelas quais ele foi coroado nos céus é assunto dos capítulos 
4-5, e o capítulo 6 vai descrever as consequências, o que resultou dessa 
coroação, daquele momento em que Cristo, lá no céu, se tornou o Rei dos 
reis e Senhor dos senhores. Há um sentido em que Cristo sempre foi Rei 
e Senhor, até porque ele é Deus; porém, estamos falando aqui do aspecto 
redentivo de seu reino, através de sua conquista por meio de sua morte, 
ressurreição, e sua subida aos céus.
Após a descrição da glória celeste do Deus criador no capítulo 4 de 
Apocalipse, expressa em termos de santidade, redenção e misericórdia, 
toda a cena celeste se condensa na visão de um livro: “Vi, na mão direita 
daquele que estava sentado no trono, um livro escrito por dentro e por 
fora, de todo selado com sete selos” (Ap 5.1). O olhar de João é atraído 
para a mão direita de Deus, onde está o livro (βιβλίον), provavelmente 
feito de papiro, todo enrolado e fechado com sete lacres6. Mesmo de lon-
ge, João viu que ele estava totalmente escrito, por dentro e por fora. Mas 
o fato de estar “fechado” produziu inquietações.
O conceito de “livro” no Antigo Testamento aponta para a revelação 
dos propósitos de Deus para seu povo e para o mundo como um todo (Dt 
6 Sobre se o livro é um rolo (scrooll) ou um codex veja a discussão em G. K. 
Beale. The Book of Revelation: a commentary on the greek text. Grand Rapids: W.B. Eerdmans, 
1999, p. 342ss. Ladd entende que o fato de ser um rolo é importante para o significado 
da revelação, pois somente quando o rolo inteiro fosse aberto é que, então, o conteúdo 
seria revelado. Assim, ele entende que os selos não são, em si, a revelação do livro, e que 
este é composto dos capítulos 8-22 (George Eldon Ladd. Apocalipse: introdução e comentá-
rio. São Paulo: Vida Nova, Mundo Cristão, 1980, p. 61). A probabilidade é, de fato, que 
fosse um rolo. Porém, ainda que fosse um codex, não faz diferença para a interpretação 
do sentido do livro. Trata-se de uma metáfora. Abrir os selos é abrir o livro. Cada selo 
quebrado pelo cordeiro revelará o conteúdo do livro. Assim que o último selo for aberto, 
não se mencionará maiso livro, portanto, significará que ele já foi aberto e revelado.
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29.21, 30.10, Js 1.8, 2Rs 14.6, Ne 8.1, Gl 3.10). Entre os aspectos revelados 
naqueles livros estavam a vontade de Deus, sua misericórdia e sua ira. O 
livro que João vê na mão de Deus, em Apocalipse, reúne esses simbolis-
mos (Dn 12.4, Ez 2.9-10), porém à luz da história da redenção do Novo 
Testamento. Por ser escrito por dentro e por fora, percebe-se que tem 
“muito conteúdo”. Ele é o registro de todas as decisões divinas redentivas 
para o mundo, com atenção especial para sua Igreja, tanto no sentido de 
mostrar sua vontade e reafirmar sua graça, quanto de despejar sua ira 
sobre os perversos. Ele representa a história da vitória do Evangelho em 
todo o mundo, garantida pela morte e ressureição de Cristo, e levada até 
a consumação pela ascensão. Portanto, ele contém, em si mesmo, toda 
a história redentiva e julgadora para o mundo, que toma lugar desde os 
eventos relacionados com a primeira vinda de Jesus (encarnação, morte, 
ressurreição e ascensão) até a consumação do plano divino no fim dos 
tempos. 
Não pode passar despercebido o fato de que esse livro está na mão 
direita de Deus. Reproduzimos aqui as significativas palavras de Ladd 
sobre esse fato: 
Toda a história da humanidade está na mão de Deus. Pode-se achar 
um quadro mais simples e sublime da soberania total de Deus sobre 
a história do que este rolo em sua mão? Não importa a força do mal, 
não importa a ferocidade com que os poderes satânicos perseguem o 
povo de Deus na terra, a história ainda está mão de Deus7.
Porém, o fato de o livro estar selado mostra que essas coisas não acon-
teceriam automaticamente. Algo necessário precisava acontecer para 
que a história divina se cumprisse. Por esse motivo, a cena celeste con-
centra-se num detalhe específico: o livro selado não pode ser aberto. A 
pergunta estrondosa do anjo “forte” repercute nos céus (Ap 5.2), como 
um desafio para que alguém “digno” (ἄξιος) se apresente para abrir o 
livro, porém não encontra resposta. Nenhuma criatura celeste se atreve 
a olhar para o livro, portanto, João percebe que ninguém “no céu, na 
terra, ou debaixo da terra” pode fazer isso. Em nenhum desses lugares se 
encontrou uma pessoa que fosse “digna” o suficiente para abrir o livro. 
O desespero que toma conta de João não é apenas por pensar que seu 
7 George Eldon Ladd. Apocalipse: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 
Mundo Cristão, 1980, p.63.
Senhor também não poderia fazer aquilo, mas pelo próprio significado 
da não abertura do livro. Significaria que “as coisas que em breve devem 
acontecer” simplesmente não aconteceriam. Não haveria o progresso do 
Evangelho em todo o mundo, não haveria o cuidado divino para com sua 
Igreja, não haveria o julgamento divino sobre os poderes hostis, nem o 
Novo Céu e a Nova Terra. Num resumo: o plano divino para o mundo 
não se concretizaria.
Então, entra em cena o Cordeiro: “Todavia, um dos anciãos me dis-
se: Não chores; eis que o Leão da tribo de Judá, a Raiz de Davi, venceu 
para abrir o livro e os seus sete selos (Ap 5.5). O anúncio da dignidade 
de Cristo é feito com detalhes que revelam a razão de ele poder abrir o 
livro desatando os selos. Um dos anciãos (presbíteros) que representam 
a igreja “apresenta” para João o vencedor, com uma palavra de consolo 
que literalmente pode ser traduzida assim: “Não chores, veja, ele venceu, 
o leão”. O sentido é: pode enxugar suas lágrimas, existe uma solução, na 
verdade “a solução”, ele venceu, olhe para ele, é o leão, ele está ali. Assim, 
Cristo, lá no céu, se apresentou com toda legitimidade. Cristo não é um 
usurpador, ele é o rei por direito, o prometido, e cumprirá com toda legi-
timidade os propósitos de Deus.
A dignidade dele está no fato de que ele venceu, ele, que é o leão, o da 
tribo de Judá, a raiz de Davi, para abrir o livro. Sua vitória, portanto, foi 
desde o início planejada com este objetivo. Esta foi toda a razão de seu 
nascimento, de sua vida, de sua morte e ressurreição: abrir o livro. Isso 
nos dá, mais uma vez, uma noção da importância desse livro selado com 
sete selos.
A razão de sua “dignidade” para abrir o livro é completada com a des-
crição que, então, o próprio João faz do que viu: “um cordeiro em pé” 
(ἀρνίον ἑστηκὸς). Todo o simbolismo da história redentiva do Antigo 
Testamento é, portanto, condensado nessa figura celeste de “um cordeiro 
em pé”, acrescida da descrição “como um assassinado” (ὡς ἐσφαγμένον). 
A estrutura compacta da frase grega8 sugere que ele se apresenta como 
um resultado do que sofreu no passado, quando foi assassinado, por isso 
8 ὡς é um advérbio de comparação que pode ser traduzido por “como, igual, 
do mesmo modo”. O verbo ἐσφαγμένον é um perfeito, particípio, passivo, nominativo, 
denotando uma ação completa sofrida no passado, que nesse caso pode ser traduzido 
como o resultado de uma ação do passado “como um assassinado” (G. K. Beale. The Book 
of Revelation: a commentary on the greek text. Grand Rapids: W.B. Eerdmans, 1999, p. 352).
 118
 119
a expressão na tradução “tendo sido” é “desnecessária”9, pois ela enfra-
quece o poder da imagem de morte que se impõe sobre Jesus. Portanto, 
trata-se de uma descrição forte de seu martírio e dos efeitos contínuos 
no céu, a partir de sua morte na terra. Na verdade, este é o motivo central 
da grande dignidade do cordeiro, que lhe conferiu a vitória para abrir o 
livro. O fato de estar “em pé” no meio do trono, é um resumo de sua vitó-
ria, ele está ali para fazer uma reivindicação, exigir um direito: abrir o li-
vro. Portanto, essa imagem paradoxal de um cordeiro sacrificado, que se 
torna vencedor,10 traz uma poderosa mensagem para os leitores de João. 
Muitos deles estavam tentando fugir do sacrifício e da morte, pensando, 
em termos humanos, que teriam muito a perder com isso. Porém, o ver-
dadeiro “vencedor”, segundo essa visão apocalíptica, não é o que escapa 
da morte e do sacrifício, mas é aquele que enfrenta esse destino, susten-
tando sua dignidade e seu testemunho. Não há vitória sem sacrifício. 
A movimentação do vencedor, que se dirige e toma o livro, é descrita 
de forma abrupta, sem rodeios, sem solenidades, ao contrário do que, 
talvez, poderia se esperar da aproximação de alguém ao trono de jaspe. 
Porém, a descrição enfatiza “a dignidade”, ou seja, o direito que ele con-
quistou de fazer isso. O verso 8 (Ap 5) revela a primeira reação celeste 
ao ato do Vencedor de tomar o livro para si. O aspecto destacado ainda 
é o direito dele de fazer isso. Os quatro seres viventes (representantes 
da criação) e os vinte e quatro anciãos (representantes da Igreja) são os 
primeiros a render-lhe adoração em reconhecimento de seu poderoso 
feito. Eles prostram-se diante dele, num reconhecimento de seu status 
de rei divino. O momento, portanto, simboliza a coroação de Cristo no 
céu, quando ele foi reconhecido por todas as criaturas celestes como “Rei 
dos reis e Senhor dos senhores”. Ele será o responsável (no cap. 6 de 
Apocalipse) por abrir um a um os selos, portanto, ditará o rumo dos 
acontecimentos no mundo. Ele conquistou o direito de fazer isso, e não 
abrirá mão de governar.
O conteúdo do “novo cântico” entoado pelos dois grupos mais im-
portantes de criaturas celestes confirma a importância da primeira des-
crição já feita de Jesus para o seu direito de abrir o livro: “Digno és de 
tomar o livro e de abrir-lhe os selos, porque foste morto”. É a primeira 
9 G. K. Beale. The Book of Revelation: a commentary on the greek text. Grand Rapids: 
W.B. Eerdmans, 1999, p. 352.
10 G. K. Beale. The Book of Revelation: a commentary on the greek text. Grand Rapids: 
W.B. Eerdmans, 1999, p. 353.
vez que aparece a palavra “digno” desde que ela foi evocada nos céus para 
que se apresentasse alguém a fim de que o livro fosse aberto. E a explica-
ção do motivo pelo qual Jesus é digno é “porque foste assassinado” (ὅτι 
ἐσφάγης), ou seja, a mesma expressão que João utilizou para descrevero 
Cordeiro em 5.6. Essa é a razão de sua “dignidade”. 
Portanto, o ato de Jesus de “tomar o livro da mão direita” de Deus é 
uma descrição simbólica da Ascensão de Jesus. Ao retornar para o céu, 
na linguagem paulina, Jesus assentou-se à direita de Deus “nos lugares 
celestiais, acima de todo principado, e potestade, e poder, e domínio, e 
de todo nome que se possa referir, não só no presente século, mas tam-
bém no vindouro” (Ef 1.21). E sua função como legítimo governador do 
cosmos, porém com tarefa especial em relação à Igreja, aparece no verso 
seguinte: “E pôs todas as coisas debaixo dos pés, e para ser o cabeça sobre 
todas as coisas, o deu à igreja” (Ef 1.22). Agora ele está reinando, e fará 
isso, até colocar todos os inimigos definitivamente debaixo dos seus pés, 
ou seja, até abrir o último selo do livro, então, ele devolverá o livro ao Pai, 
ou seja, devolverá o reino (1Co 15.24-28). Podemos dizer, portanto, que 
o livro é autoridade divina conferida pelo Pai ao Filho, para que ele reine 
sobre toda a criação e execute os planos divinos para o mundo, tanto no 
sentido de “esmagar” os inimigos quanto de “salvar” seu povo (Mt 28.18-
20).
O aspecto da salvação do povo é fortemente evocado na continuação 
do cântico: “e com o teu sangue compraste para Deus os que procedem 
de toda tribo, língua, povo e nação” (Ap 5.9). De certo modo, temos aqui 
o resumo de toda a teologia do Apocalipse: o Cordeiro venceu morren-
do; assim, ele conquistou o direito de salvar, pois literalmente comprou 
pessoas que procedem de todas as nações, e, ao tomar o livro em sua mão, 
começou a executar isso. Por esse motivo, o primeiro selo aberto pelo 
Cordeiro, libera um cavaleiro branco, que sai e percorre a terra “vitorioso 
e para vencer” (Ap 6.1-2). Essa é a imagem vitoriosa do Evangelho, o di-
reito conquistado por aquele que agora detém toda “autoridade no céu e 
na terra” (Mt 28.18), e que, portanto, pode dizer aos seus discípulos: vão 
e preguem em todas as nações.
III. O dragão foi expulso do céu
A outra passagem de Apocalipse que mostra de forma impressionante 
os efeitos da “subida” de Cristo aos céus é Apocalipse 12. Porém, o foco 
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dessa passagem está sobre os efeitos dessa subida contra Satanás. No 
começo do capítulo, duas grandes cenas contaram a história do Antigo 
Testamento quase que por inteira, ou seja, o conflito entre a “mulher ves-
tida de sol”, que é uma figura da descendência prometida à mulher em 
Gênesis 3.15, ou seja, a todos os antepassados de Cristo, desde Eva até 
Maria, incluíndo o povo de Israel (sol, lua e doze estrelas - Gn 37.9); e o 
dragão perseguidor, o qual tentou de todas as maneiras impedir a vinda 
do Messias, e fez de tudo para “devorá-lo” (Ap 12.4), o que mais uma vez 
confirma suas intenções homicidas contra o Cristo.
O dragão, porém, não conseguiu impedir o nascimento do filho da 
mulher, e após o nascimento dele, mesmo quando acreditou que havia 
conseguido devorá-lo (na cruz), viu sua vitória se transformar na terrível 
derrota, quando seus “direitos” foram cassados por Cristo. E ainda teve 
que ver Cristo ressuscitar dos mortos, absolutamente livre de todos os 
efeitos da “mordida” que ele havia lhe infligido. A “subida” de Cristo até 
o céu, até o trono de Deus, ainda reservaria para Satanás a perda da pró-
pria posição de acusador diante do trono de Deus.
Assim, o Apocalipse revela as derrotas sucessivas do dragão, expli-
cando a razão de sua cólera cada vez mais intensa contra o povo de Deus. 
No entanto, a sequência do capítulo 12 de Apocalipse revelará novas e 
decisivas derrotas do dragão, e isso ajudará explicar aos crentes do pri-
meiro século, os motivos de todas as perseguições que eles estavam so-
frendo na terra.
A subida de Cristo ao céu dá início a uma batalha entre anjos: “Houve 
peleja no céu. Miguel e os seus anjos pelejaram contra o dragão. Também 
pelejaram o dragão e seus anjos” (Ap 12.7). É evidente que o narrador 
pretende estabelecer que foi a “subida” do filho ao céu que impôs a der-
rota decisiva sobre o dragão, pois o fez perder o direito a um lugar de 
destaque lá em cima. Por sua vitória na cruz, ressurreição e ascensão, o 
filho defenestrou o dragão, que perdeu seu cargo de acusador. De posse 
da “decisão” celeste que fez o dragão perder seu lugar, o arcanjo Miguel 
fez cumprir a ordem judicial, expulsando pela força o adversário dos 
domínios celestes. É interessante que não seja o próprio Filho o respon-
sável por fazer isso. A tarefa é relegada ao arcanjo11. Isso pode ter três 
11 Na carta de Judas, Miguel é reconhecido como “o arcanjo” (Jd 9). Ele é um 
personagem bíblico conhecido do Antigo Testamento e também por causa de vários 
desenvolvimentos na literatura inter-testamentária. Na literatura judaica apócrifa, Mi-
guel aparece entre vários outros arcanjos, como o protetor e príncipe de Israel (1En 
explicações: a primeira é que o Filho foi quem conquistou o direito legal 
para que o dragão fosse expulso, o arcanjo apenas cumpriu a ordem. A 
segunda é que o dragão não está realmente à altura do filho, ele está à al-
tura de um arcanjo. E a terceira é que o confronto entre o dragão e o filho 
está reservado para o futuro, quando o dragão não será apenas expulso 
do céu, mas destruído e lançado para dentro do lago de fogo. No entanto, 
derrotado ele já está12.
Porém, a reação do dragão, que também “toma armas” contra Miguel, 
demonstra que ele não quer aceitar a decisão a respeito de sua expulsão. 
O grande número de anjos que está envolvido na batalha, de ambos os 
lados, tanto de Miguel quanto do dragão, lembra o cenário antigo do céu 
como um lugar densamente povoado por seres celestes. O próprio João já 
descreveu a existência de milhões e milhões rodeando o trono (Ap 5.11). 
O Antigo Testamento também descreveu a corte celeste como um local 
habitado por incontáveis seres (Sl 89.5-7, 103.20, Sl 148.2, Is 6.1ss). Por-
tanto, João culmina a narrativa bíblica de que os anjos estão em guerra, 
e uma parte deles, liderados pelo dragão, perde seu lugar no céu. Assim, 
o cenário celeste é purificado dos antigos traidores e estabelece-se uma 
festa, uma comemoração pela purificação do lugar onde Deus habita.
À luz dos ensinos do Novo Testamento, é possível mais uma vez con-
90.14; Test. Levi 5.7; Test. Dan 6.1-7). O fato de Miguel ser um Arcanjo no texto bíblico 
(Jd 9, 1Ts 4.16), e também aqui uma espécie de capitão dos exércitos celeste, não sugere 
que o dragão também seja um Arcanjo, porém, seu posto como o capitão dos anjos 
caídos sugere que ele possui uma posição muito elevada. No livro de Judas, aparente-
mente, Satanás é descrito como alguém que tinha uma função superior a de Miguel, 
pois a posição até certo ponto respeitosa de Miguel em relação a ele é citada como um 
exemplo de não “difamar autoridades superiores” (Jd 8-9). Do livro de Daniel, sabe-se 
que Miguel é “um dos primeiros príncipes” (Dn 10.13), ou seja, provavelmente um dos 
arcanjos. Especificamente, no livro de Daniel é dito que ele tem uma função específica 
em relação à Israel, sendo o protetor celeste de Israel, ou “príncipe” de Israel (Dn 10.21, 
12.1). A mulher que também representa Israel, portanto, tem aqui seu “protetor”, o que 
mostra que o assunto da mulher continua em ação nessa batalha celeste. Isso mostra 
como “recapitulação” faz parte não só da estrutura maior do livro do Apocalipse, mas 
expressa-se também nas partes menores, pois ao apresentar Miguel para seus leitores, o 
autor os fez pensar outra vez na mulher.
12 É interessante que nessa passagem, Miguel trava uma luta contra o dragão e o 
expulsa do céu. Porém, naquele momento do Antigo Testamento em que ele contendeu 
com Satanás pelo corpo de Moisés, “não se atreveu a proferir juízo infamatório contra 
ele; pelo contrário, disse: O Senhor te repreenda!” (Jd 9). A mudança da atitude do 
Arcanjo reforça a ideia de que somente após a vitória de Cristo na cruz e sua ascensão, 
houve legitimidade para expulsar o dragão.
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cluirque a expulsão definitiva de Satanás e seus anjos do céu se deu após 
a vitória de Cristo na cruz, quando ele ressuscitou e subiu aos céus. Não 
se deu, portanto, em algum momento anterior, como na criação do mun-
do, como às vezes é suposto por causa de passagens como Isaías 14.12 e 
Lucas 10.18.
Portanto, o ensino bíblico é que, quando Cristo subiu aos céus após 
sua morte e ressurreição, ele tomou o livro da mão direita de Deus, ou 
seja, assumiu o comando dos céus e da terra (Ap 5.7, Mt 28.18). Neste 
ato, todos os seus inimigos foram colocados abaixo de seus pés. A partir 
de então, ele continua esmagando-os, até que finalmente sejam todos 
banidos para o lago de fogo. A expulsão do acusador dos céus representa 
o momento máximo dessa grande vitória do Cordeiro.
A grandeza da função exercida por Satanás no Apocalipse, no entan-
to, era jurídica, como o texto demonstrará na sequência:
E foi expulso o grande dragão, a antiga serpente, que se chama diabo 
e Satanás, o sedutor de todo o mundo, sim, foi atirado para a terra, e, 
com ele, os seus anjos. Então, ouvi grande voz do céu, proclamando: 
Agora, veio a salvação, o poder, o reino do nosso Deus e a autoridade 
do seu Cristo, pois foi expulso o acusador de nossos irmãos, o mesmo 
que os acusa de dia e de noite, diante do nosso Deus (Ap 12.9-10).
A ascensão de Cristo, portanto, resultou na expulsão de Satanás dos 
céus, tendo, perdido o “direito” de realizar suas duas funções principais, 
as quais ele vinha executando desde que o pecado entrou no mundo. O 
verso 9 diz que foi expulso do céu e atirado à terra “o sedutor de todo o 
mundo”. E o verso 10 diz que foi expulso o “acusador de nossos irmãos”. 
Como já demonstramos nesse trabalho, o termo “o sedutor” (ὁ πλανῶν) 
significa “o enganador”13. Essa é a tarefa que, Satanás perde no início do 
milênio, quando não pode mais “enganar as nações” (Ap 20.3: πλανήσῃ 
ἔτι τὰ ἔθνη), porém recupera no final do milênio, quando volta a “sedu-
zir as nações (Ap 20.7-8: πλανῆσαι τὰ ἔθνη) que há nos quatro cantos da 
terra, Gogue e Magogue”14.
13 Johannes P. Louw e Eugene Albert Nida. Greek-English lexicon of the New Testa-
ment: based on semantic domains, 1996, 1, 364–366. O termo “engano”, é mencionado por 
Paulo em 2Ts 2.11, para descrever a “operação do erro”, a qual é enviada por Deus ao 
mundo, na pessoa do Anticristo.
14 Esse é um dos motivos que faz a posição amilenista ser mais coerente com o 
Apocalipse.
Por sua vez, na expulsão de Satanás do céu, os termos são relacio-
nados à salvação: veio a salvação (σωτηρία), o poder (δύναμις), o reino 
(βασιλεία) do nosso Deus e a autoridade (ἐξουσία) do seu Cristo. Como 
já foi amplamente demonstrado neste trabalho, estes termos são diversas 
vezes utilizados no Novo Testamento para descrever a vitória de Cristo, 
sua autoridade no céu e na terra, e o poder concedido aos discípulos para 
que o reino fosse expandido na terra através do Evangelho que salva (Lc 
9.1, Mt 28.18-20, At 1.8, Rm 1.16, 1Pe 1.5). Ou seja, efeitos da “primeira 
vinda”.
O cântico retumba em glória pela vitória de Cristo, explicando-a para 
o leitor. A terrível tarefa que Satanás exercia no céu de acusar os “nossos 
irmãos”, fazendo isso “de dia e de noite, diante do nosso Deus”, cessou. 
Não há descrição de alívio maior, da perspectiva dos anjos no céu (e tam-
bém dos crentes), do que ver que aquela “cadeira" de acusador agora está 
vazia. 
O Apóstolo Paulo descreveu isso de forma retórica em Romanos 8: 
"Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os 
justifica. Quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu ou, antes, 
quem ressuscitou, o qual está à direita de Deus e também intercede por 
nós". (Rm 8.33-34). Satanás não pode mais acusar o povo de Deus,15 nem 
agora, nem no juízo final16. É por isso que “eles” ou seja, os “nossos ir-
mãos” acusados, venceram o dragão, o acusador. A vitória de Cristo é a 
vitória do arcanjo, bem como a vitória da mulher, mas também é a vitória 
de cada cristão, que agora (desde que Cristo subiu) tem assegurada sua 
salvação, pois ninguém mais os acusa no céu. Assim, os crentes desfru-
tam da vitória de Cristo, dos benefícios de sua conquista sobre as forças 
malignas. Porém, essa vitória de Cristo precisa estar associada a própria 
“vitória pessoal” de cada crente, uma vitória no testemunho, pois o texto 
diz que eles venceram também "por causa da palavra do testemunho que 
deram e, mesmo em face da morte, não amaram a própria vida”. Como 
Antipas em Pérgamo (Ap 2.13), mais uma vez, o testemunho fiel que não 
recua mesmo frente à certeza da morte condenatória espelha-se na vitó-
15 Satanás precisa estar subentendido nesse “quem acusará” (C. K. Barrett. The 
Epistle to the Romans. Black’s New Testament Commentary, Rev. ed., London: Conti-
nuum, 1991, p. 162.
16 Beale corretamente nota a ausência de Satanás no juízo final, conforme o re-
gistro de Apocalipse 20 (G. K. Beale. A New Testament Biblical Theology: The Unfolding of the 
Old Testament in the New. Grand Rapids: Baker Academic, 2011, p. 503). Porém, o texto 
de Romanos, está apontando mais para a realidade presente dessa impossibilidade.
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ria de Cristo.
Anotações
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9. EXCURSO 2: O QUE O INIMIGO AINDA PODE 
FAZER?
Uma dúvida, que geralmente surge, quando o assunto deste trabalho 
é exposto, ou seja, a grande vitória de Cristo sobre as forças satânicas 
realizada na sua primeira vinda, é: “Se o inimigo já foi derrotado, des-
truído, por que ele ainda parece ter tanto poder neste mundo”? Por que 
ele ainda pode tentar os crentes, e causar tantos males? Por que há tanta 
maldade neste mundo, se Jesus já triunfou e defenestrou Satanás?
A resposta, na verdade é que, justamente porque Jesus expulsou Sata-
nás do céu, é que a terra se tornou ao mesmo tempo, um lugar melhor, 
e um lugar pior. Um lugar melhor porque agora ninguém pode deter o 
avanço do Evangelho em todas as nações, afinal, o enganador foi destro-
nado do posto que detinha de "enganador das nações” (Jo 12.31-32, Ap 
12.9, Ap 20.1-3). Porém, se tornou também um lugar pior, porque ele foi 
expulso do céu para a terra. O Apocalipse descreve este momento com 
as seguintes palavras: “Ai da terra e do mar, pois o diabo desceu até vós, 
cheio de grandecólera, sabendo que pouco tempo lhe resta” (Ap 12.12).
Mas, o que exatamente ele ainda pode fazer na terra, desde que, para 
ela foi atirado, no momento da ascensão de Cristo. Na verdade, devería-
mos perguntar: o que ele “não” pode mais fazer? E mais uma vez preci-
samos lembrar que são apenas duas coisas: enganar as nações e acusar 
os eleitos. Ou seja, ele não pode impedir a salvação dos eleitos de Deus 
em todas as nações. Porém, isso não significa que ele não possa realizar 
muitas outras obras malignas nesse mundo.
I. O império das trevas
O ensino do Novo Testamento é que ainda há um “império das trevas” 
nesse mundo perverso. Portanto, a maldade do mundo ainda precisa ser 
vista em conexão com o domínio que as forças do mal exercem sobre os 
homens ímpios. Os homens seguem o “curso deste mundo” porque se-
guem “o príncipe da potestade do ar, o espírito que agora atua nos filhos 
da desobediência” (Ef 2.1-3). Ou seja, mesmo tendo Cristo subido ao céu 
e se colocado acima dos principados e potestades (Ef 1.21), na terra esses 
espíritos ainda agem sobre os filhos da desobediência. A “potestade do 
ar” deve ser uma referência ao “império das trevas” que Paulo falou em 
Colossenses 1.13. Essa interpretação entende a expressão “príncipe da 
autoridade do ar”, como uma referência ao governo de trevas, ou seja, ao 
fato de que a habitação dos demônios é na terra, porém, nesse espaço aci-
ma da terra e abaixo do céu dos redimidos1. A razão da habitação desses 
demônios na terra se deve à vitória de Cristo na cruz, sua ressurreição e 
ascensão.
Portanto, há um espírito maligno que é o imperador do “império das 
trevas”. Esse espírito sem sombra de dúvidas é Satanás. Expulso dos céus 
onde possuía uma posição de acusador, restrito a terra, mas sem condi-
ções de acusar os “eleitos de Deus” (Rm 8.33,38), resta-lhe fazer oposição 
direta e tentar enganá-los. Os crentes já experimentaram a libertação do 
cativeiro de Satanás, já se encontram livres de suas acusações, pois Cristo 
já sofreu toda a penalidade pelo pecado deles, entretanto, Satanás ainda 
está ativo cegando os incrédulos (At 26.18, 2Co 4.3-4), e tentando in-
fluenciar o povo de Deus ao pecado ou ao desânimo (2Co 11.14, 12.7)2.
Mas o que é esse império das trevas? É o mundo decaído sobre o qual 
Satanás usurpadoramente exerce algum domínio, apesar de ter perdido 
seus dois principais trunfos: o poder de enganar as nações e o poder de 
acusar o povo de Deus. Paulo diz que Satanás e seus anjos malignos são 
os dominadores deste mundo tenebroso (Ef 6.12). Contra eles, a igreja 
trava uma “luta" (πάλη) diária, não uma batalha cósmica, pois essa já foi 
vencida por Cristo, mas uma luta corporal, face a face, com os poderes 
malignos expulsos do céu para este mundo.
E Paulo ainda o chama de “deus deste século” (2Co 4.4), cujo objetivo 
principal é resistir a Deus, e ele faz isso tentando impedir a compreensão 
do Evangelho, já que não pode impedir a sua pregação, e mesmo assim, 
só consegue fazer isso em relação aos “que se perdem” (2Co 4.3), ou seja, 
em relação aos não salvos. Assim ele exerce seu imenso poder cegando o 
entendimento dos incrédulos para que não consigam entender o Evan-
gelho (2Co 4.3-4). Porém, não pode impedir que os eleitos sejam salvos.
1 William Hendriksen. Efésios. São Paulo: Cultura Cristã, 1992, p. 143-144.
2 G. K. Beale. A New Testament Biblical Theology: The Unfolding of the Old Testament in 
the New. Grand Rapids: Baker Academic, 2011, p. 902.
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II. O deus deste século
O diabo não é mais o “príncipe deste mundo”, ou seja, aquele que po-
dia impedir os gregos de irem até Jesus (Jo 12.20-21, 31-32), mas ainda é 
o deus deste século, ou seja, aquele que tenta confundir as pessoas para 
que não compreendam o Evangelho. 
Além disso, ele não desistiu dos fugitivos do seu império. Entretan-
to, em momento algum, Paulo diz que o diabo é o autor do pecado dos 
homens. O diabo é o tentador, ou seja, aquele que toma todas as medi-
das para garantir a existência do pecado, mas o pecado é uma atitude 
do ser humano. Dos vários textos de Paulo a respeito do Diabo e seus 
anjos, percebemos uma variedade de atribuições que lhes são próprias. 
O significado do nome Satanás significa “adversário”, e a ideia clara é 
a de oposição. Paulo falou sobre essa oposição dizendo que por duas 
vezes desejou ir até a cidade de Tessalônica, mas “Satanás barrou o ca-
minho” (1Ts 2.18). Porém, é preciso lembrar que barrar o caminho do 
mensageiro não significa barrar o caminho da mensagem. Mesmo preso, 
escrevendo ao seu discípulo Timóteo, Paulo disse: “Lembra-te de Jesus 
Cristo, ressuscitado de entre os mortos, descendente de Davi, segundo 
o meu evangelho; pelo qual estou sofrendo até algemas, como malfeitor; 
contudo, a palavra de Deus não está algemada". (1Tm 2.8). Ou seja, o 
Cristo ressuscitado garante a vitória do Evangelho, mesmo que o prega-
dor seja detido. Esse é o sentido em que Satanás não pode mais enganar 
as nações.
Ele exerce oposição igualmente tentando arregimentar seguidores. Ao 
que parece, desde o início essa foi sua estratégia, pois arrastou anjos em 
sua rebelião, e Paulo diz que muitos seguidores do Evangelho haviam se 
desviado e seguido a Satanás (1Tm 5.15). A tentação é a principal arma 
do inimigo para fazer os crentes se desviarem. Paulo diz que os casais 
não deveriam se privar um ao outro por muito tempo para que Satanás 
não os tentasse por causa da incontinência (1Co 7.5). Isso demonstra 
que ele utiliza as oportunidades que surgem. A falta de perdão também 
poderia ser uma ocasião para a tentação de Satanás, segundo Paulo (2Co 
2.10-11). A tentação, portanto, é sua grande arma.
Várias estratégias são esboçadas por Paulo como artimanhas usadas 
contra os crentes. Paulo diz que ele usa “ciladas” para apanhar os crentes 
(Ef 6.11). Uma cilada é uma espécie de “armadilha”3. É um engano en-
genhoso que faz com que as pessoas caiam sem perceber. Nesse sentido, 
Paulo diz que Satanás pode se transformar em anjo de luz (2Co 11.14). 
A ideia é que ele engana as pessoas se apresentando como bom, ou seja, 
ele sabe disfarçar suas atitudes malignas. Ele sabe usar seu poder, pois 
Paulo diz que o Anticristo aparecerá “segundo a eficácia de Satanás, com 
todo poder, e sinais, e prodígios da mentira” (2Ts 2.9). Em duas passa-
gens Paulo fala sobre o “laço do diabo”. Numa delas diz que o Presbítero 
deve ter bom testemunho dos de fora, a fim de não cair no opróbrio e no 
laço do diabo (1Tm 3:7). Na outra, fala de pessoas que faziam oposição 
ao Evangelho, as quais precisavam ser libertas dos laços do diabo, pois 
tinham sido feitas cativas por ele para cumprirem a sua vontade (2Tm 
2.25-26). O engano, portanto, é sua tática preferida de guerra, e isso tanto 
em relação aos incrédulos quanto em relação aos crentes.
Porém, ainda que Satanás seja o grande adversário de Deus, Paulo não 
pensa em termos de um dualismo. Para ele o diabo não está em pé de 
igualdade com Deus. Deus é o criador dos “principados e potestades” 
(Cl 1.16). E mesmo a rebelião de Satanás e seus anjos contribui para o 
cumprimento dos propósitos soberanos de Deus. Em alguns momentos, 
Paulo descreve Satanás como um instrumento divino. Ele diz que certos 
crentes pecadores que se recusam em mudar de vida devem ser entregues 
a Satanás para serem castigados (1Co 5.5; 1Tm 1.20). Isso sugere que Sa-
tanás, ao castigar aquelas pessoas, estaria em última instância prestando 
um serviço a Deus. O próprio Paulo sentiu na carne essa atuação malig-
na, mas que teve um caráter de “serviço divino”, conforme ele próprio 
declarou: “E, para que não me ensoberbecesse com a grandeza das reve-
lações, foi-me posto um espinho na carne, mensageiro de Satanás, para 
me esbofetear, a fim de que não me exalte” (2Co 12.7). O que tanto afligia 
o Apóstolo, e que ele chama de “espinho na carne, mensageiro de Sata-
nás, para me esbofetear”, tinha o propósito de promover a humildade no 
Apóstolo. Paulo pediu três vezes a Deus para que retirasseaquele terrível 
incômodo, mas não foi atendido (2Co 12.8-9). Na opinião de Deus, aqui-
lo era uma boa coisa, não por causa do instrumento, mas pelo resultado.
O ensino de Paulo a respeito do diabo e seu anjos não se inclina a 
3 No grego a expressão é “meqodeiva”. O termo foi frequentemente usado para 
um animal que astuciosamente caça à espreita e então inesperadamente se lança sobre 
sua presa (John F. MacArthur. The MacArthur New Testament Commentary – Ephesians. Chi-
cago: Moody Press, 1983, Ef 6.11).
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 131
extremos. Ele não o superestima, como se o diabo fosse tão poderoso 
quanto Deus, antes demonstra que o diabo é um poder maligno que, no 
entanto, está sob controle. Mas ele também não o subestima, como se o 
inimigo não existisse, ou como se não pudesse fazer estragos, antes faz 
questão de dizer que não ignorava os “desígnios” do maligno (2Co 2.11). 
Paulo sabe do poder do inimigo e de sua maldade, mas acima de tudo 
confia no Deus soberano que não permitirá que coisa alguma nos separe 
de seu amor, nem mesmo os principados e potestades (Rm 8.38-39).
III. Os aliados do dragão
O modo como Satanás opera neste mundo após a vitória de Cristo na 
cruz é descrito da maneira mais impressionante possível em Apocalipse 
13.
Após ter sido expulso do céu, e frustrado mais uma vez em sua ten-
tativa de perseguir a mulher, o dragão se voltou para o restante dos des-
cendentes dela, chamados no texto de Apocalipse de “os que guardam 
os mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus” (Ap 12.17). E 
para fazer isso, ele se pôs sobre a areia do mar. Desse mar, ele faz subir 
um aliado terrível para perseguir o povo fiel. Como já foi visto, o mar 
representa na literatura bíblica algo ameaçador para o povo de Deus. 
Ele representa as nações que tentam destruí-lo. Portanto, ao se colocar 
em pé sobre a areia do mar, cria-se o suspense de que algo terrível vai 
acontecer. Apesar da expulsão do céu e da derrota irreversível, o dragão 
demonstra que a guerra ainda não terminou. O conflito no céu já chegou 
a uma resolução, mas na terra o conflito está apenas começando e será 
muito mais localizado. A perseguição do dragão à mulher deixará de ser 
algo “cósmico” lá no céu, para se tornar algo bem real e cruel aqui na 
terra. Um verdadeiro combate corporal (Ef 6.12):
Vi emergir do mar uma besta que tinha dez chifres e sete cabeças 
e, sobre os chifres, dez diademas e, sobre as cabeças, nomes de 
blasfêmia. A besta que vi era semelhante a leopardo, com pés como 
de urso e boca como de leão. E deu-lhe o dragão o seu poder, o seu 
trono e grande autoridade (Ap 13.1-2).
Do mar, o dragão fez surgir um monstro terrível. Em tons dramáticos, 
João descreve que “viu” emergir do mar uma besta com dez chifres e sete 
cabeças. A descrição dos chifres antes das cabeças pode significar que ele 
viu o animal subir lentamente das águas, aparecendo primeiro os chifres 
e depois as cabeças. Estava claro que o dragão estava derrotado, porém, 
agora surge um monstro, com grandes semelhanças com o próprio dra-
gão, e que veio fazer a vontade dele no mundo. O ponto é justamente esse: 
Satanás agora parece precisar de instrumentos para tentar atacar o povo 
de Deus. Ele tem dois instrumentos em Apocalipse 13: a besta do mar e 
a besta da terra. 
A primeira besta, além de perseguir os crentes, é difamadora: “e abriu 
a boca em blasfêmias contra Deus, para lhe difamar o nome e difamar o 
tabernáculo, a saber, os que habitam no céu. Foi-lhe dado, também, que 
pelejasse contra os santos e os vencesse” (Ap 13.6-7). A intensa propa-
ganda negativa da besta em seu programa de difamar sistematicamente 
a Deus e o tabernáculo, ou seja, os que habitam no céus, deve-se, prova-
velmente, aos seus ressentimentos por ter sido o dragão expulso do céu. 
Talvez haja aqui algum resquício da presunção de direito que o dragão 
detinha, mas que lhe foi tirado. Antes ele possuía legitimidade para acu-
sar os crentes lá no céu, pois a redenção ainda não havia sido consumada 
pelo filho. Agora só lhe resta difamar, ou seja, uma acusação indireta, 
destituída de amparo legal. Revela-se, então, que isso sempre foi o que 
ele mais soube fazer. Não é sem razão que o título pelo qual é conhecido 
signifique “difamador” (diabo). A difamação e as blasfêmias se reforçam 
porque aparentemente não há qualquer ação divina na terra contra o dra-
gão. Miguel e os anjos o expulsaram do céu, mas não descem para fazer 
o mesmo na terra. Assim, o dragão através da besta se sente o dono do 
mundo. Essa também é a impressão que os crentes têm ao verem as per-
seguições e o sofrimento da igreja. E tudo isso vai piorar, segundo João.
O que parece ser o maior momento de derrota do povo de Deus com 
a supremacia da besta do mar potencializada pelo dragão ainda não al-
cançou o ápice do tormento. Para incrementar o desespero, João descreve 
nova visão terrível: “Vi ainda outra besta emergir da terra” (Ap 13.11). A 
primeira besta já havia conseguido impor a perseguição sobre o mundo. 
Ela perseguiu e venceu os cristãos, recebendo adoração de toda a terra. 
Mas o dragão ainda não está satisfeito. Ele quer ir até o ápice de seus pro-
pósitos malignos, e para isso chama outra besta.
A segunda besta em relação à primeira é uma coadjuvante. A segunda 
besta, a que sobe da terra, funciona como uma espécie de propaganda e 
culto da primeira. Ela trabalha para que a besta do mar seja glorificada na 
terra. Assim, todo o cenário final se dá na terra, onde o dragão, por meio 
 132
 133
das duas bestas, seduz os habitantes do mundo e persegue os cristãos.
Para os leitores de João não haveria grandes dificuldades de identifi-
car as duas bestas (como sistemas) no primeiro século. A primeira era 
Roma (que veio do mar para oprimir as cidades da Ásia), a segunda era a 
religião imperial, que dava apoio para Roma (e que havia se originado na 
própria terra da Ásia)4. Portanto, João estava explicando que a expulsão 
do dragão do céu não necessariamente melhorou a situação pessoal dos 
crentes, ao contrário, piorou. Assim, apesar da grande vitória de Cristo, 
a igreja precisa entender que se encontra numa situação em que precisa 
enfrentar um inimigo derrotado, que não obstante, se recusa em aceitar 
a derrota. Por isso toda a sua fúria contra a igreja. Porém, na segunda 
vinda, Cristo não lutará com o dragão. Ele já o derrotou uma vez. Na 
segunda vinda, ele apenas o lançará para o castigo eterno.
Conclusão
O resumo disso tudo é: Satanás perdeu o direito de impedir o avanço 
do Evangelho em todas as nações, e o direito de acusar o povo de Deus 
perante o trono de Deus. Concomitantemente, ele perdeu também seu 
lugar no céu. Ele e seus anjos perderam ainda os postos que exerciam em 
relação à esta terra, quando dominavam geograficamente este mundo 
(Dn 10.20, Col 2.15). Tudo isso, provavelmente, represente a descrição 
do capítulo 20 de Apocalipse, que descreve a prisão milenar dele “para 
não mais enganar as nações”, sendo essa, a única limitação que o tex-
to descreve. No entanto, eles ficam “aprisionados” neste mundo, agindo 
agora muito mais como guerrilheiros do que como guerreiros. Eles já 
foram derrotados por Cristo, portanto, sabem que não podem reverter 
essa derrota. Então, agem nesse mundo, tentando se reorganizar de al-
guma forma, atacando os crentes individualmente, procurando sempre 
uma oportunidade de obscurecer a mensagem do Evangelho. Satanás 
agora é um leão que ruge, andando em derredor, esperando que o cren-
te lhe ofereça uma oportunidade (1Pe 5.8). Porém, isso já mostra suas 
limitações, pois ele não tem o direito de fazer algo, se o crente não lhe 
der essa oportunidade. Por isso Tiago diz: “resisti ao diabo, e ele fugirá 
de vós” (Tg 4.7). Quando a igreja, confiando nos méritos do Salvador, 
avança em todo o mundo com o Evangelho, e resiste firme na fé aos ata-
4 G. K. Beale. The Book of Revelation: a commentary on the greek text. Grand Rapids: 
W.B. Eerdmans, 1999, p. 683.
ques pessoais que lhe são lançados, ela marchainvencível no testemunho, 
obrigando sempre o inimigo a recuar. Assim, ela também verá Satanás 
esmagado debaixo de seus pés (Rm 16.20). Afinal, ele perdeu seus direi-
tos legais sobre esse mundo. E chegará o momento em que será completa-
mente banido para sua última e definitiva prisão: o lago de fogo. Naquele 
momento, Satanás não estará apenas “debaixo dos pés de Cristo”, mas 
também "debaixo dos pés da igreja”, pois terá cessado completamente a 
atividade dele contra a noiva do Cordeiro.
Anotações
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10. A VINDA DO ESPÍRITO SANTO
A grande vitória de Cristo sobre Satanás resultou na expulsão do dra-
gão do céu, e na suspensão de suas duas grandes funções: enganar as 
nações e acusar o povo de Deus. Sua cabeça, portanto, foi esmagada, 
porque seu poder foi destruído, uma vez que isso representava os ver-
dadeiros trunfos do diabo. Desde que ele os perdeu, já não pode mais 
reverter a derrota sofrida. No entanto, isso não significou uma melhoria 
na situação individual da igreja e dos crentes na terra, pois eles precisam 
enfrentar um inimigo astuto, cruel e traiçoeiro, num verdadeiro combate 
corporal. O único modo de vencer esse combate, segundo Paulo, é se ar-
mando, ou seja, se revestindo de toda a armadura de Deus (Ef 6.10-20).
No entanto, a igreja não é chamada apenas para tomar uma atitu-
de defensiva. Ela também precisa avançar. E faz isso quando anuncia o 
Evangelho. Para capacitá-la a realizar essa missão, podemos dizer que 
Jesus fez duas coisas: “destronou o príncipe deste mundo, e enviou o Es-
pírito Santo para capacitar a igreja a fim de testemunhar às nações”. O 
primeiro aspecto já foi amplamente visto neste trabalho. Agora chegou o 
momento de ver com mais detalhes o segundo.
I. A Ascensão e o Pentecostes
Um dos motivos centrais que levaram Cristo a subir ao céu, para lá 
ser entronizado, foi conquistar o direito de derramar o Espírito Santo. 
A vinda do Espírito dependia da conquista da legitimidade por parte de 
Cristo, para que as nações fossem livradas da cegueira imposta por Sata-
nás, a fim de que pudessem ser alvo da mensagem do Evangelho.
O Novo Testamento mostra que a glorificação de Cristo era uma con-
dição, um pré-requisito indispensável para que o Espírito pudesse ser 
derramado. Em João 7, Jesus ofereceu a água da vida a todos os sedentos, 
uma água que somente poderia ser “bebida” nele (Jo 7.37). A consequên-
cia desse “beber” seria tornar-se habitação de uma fonte de água viva: 
“Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios 
de água viva” (Jo 7.38). Esses “rios de água viva” são o próprio Espírito 
Santo que viria habitar em todos os crentes: “Isto ele disse com respeito 
ao Espírito que haviam de receber os que nele cressem; pois o Espírito 
até aquele momento não fora dado, porque Jesus não havia sido ainda 
glorificado” (Jo 7.39). Parece claro que, num sentido, o Espírito Santo já 
habitava dentro do povo de Israel no Antigo Testamento, mas o que Cris-
to está prometendo é justamente uma profusão abundante dessa habita-
ção, que torna-se uma fonte que parece ultrapassar em muito os limites 
da própria pessoa1. Ou seja, uma bênção que se expanda em proporções 
cada vez maiores, como o rio das águas vivas de Ezequiel que curavam 
a terra e transformavam lugares mortos em jardim à medida em que as 
águas cresciam (Ez 47.1-13). Essa promessa somente poderia ser cum-
prida, explica João, quando Cristo fosse glorificado. Somente após sua 
morte, ressurreição e ascensão ao céu, ele poderia enviar o Espírito.
Cristo repetiu esse pensamento quando alertou seus discípulos para 
a necessidade de sua partida, ou seja, de seu retorno ao céu: “Mas eu vos 
digo a verdade: convém-vos que eu vá, porque, se eu não for, o Consola-
dor não virá para vós outros; se, porém, eu for, eu vo-lo enviarei. Quando 
ele vier, convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo:” (Jo 16.7-
8). Portanto, enquanto Cristo não retornasse aos céus após sua morte e 
ressurreição, o Espírito não podia vir. Por outro lado, ao subir, Cristo pro-
mete que enviaria o Espírito aos discípulos. E, então, o Espírito realizaria 
uma tarefa de convencimento em relação “ao mundo”.
No Livro de Atos, pelo menos duas vezes Pedro atesta essa importante 
informação dada pelo Evangelho de João. Em seu primeiro sermão, no 
dia de Pentecostes, quando explicou à multidão o que estava acontecendo 
naquele momento, ele disse: "A este Jesus Deus ressuscitou, do que todos 
nós somos testemunhas. Exaltado, pois, à destra de Deus, tendo recebido 
do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vedes e ouvis” 
(At 2.32-33). Novamente, no capítulo 5, diante do Sinédrio,2 ele liga o 
1 “O que o evangelista quer dizer é que o Espírito do reino vindouro vem como 
o resultado, necessariamente, vinculado à obra completa do Filho, e até aquele ponto 
o Espírito Santo não fora dado no sentido pleno, cristão do termo” (D. A. Carson. The 
Gospel according to John, The Pillar New Testament Commentary. Leicester, England; Grand 
Rapids, MI: Inter-Varsity Press; W.B. Eerdmans, 1991, p. 329).
2 O testemunho de Pedro perante o Sinédrio foi basicamente um resumo do 
kerygma (mensagem) cristão, como tinha sido no seu primeiro julgamento (4.10-12). 
Os elementos básicos estão todos lá: a culpa dos líderes judeus ao crucificar Jesus, a res-
surreição e exaltação, arrependimento e perdão em seu nome, o testemunho apostólico 
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derramamento do Espírito à Ascensão:
O Deus de nossos pais ressuscitou a Jesus, a quem vós matastes, 
pendurando-o num madeiro. Deus, porém, com a sua destra, o exaltou 
a Príncipe e Salvador, a fim de conceder a Israel o arrependimento e a 
remissão de pecados. Ora, nós somos testemunhas destes fatos, e bem 
assim o Espírito Santo, que Deus outorgou aos que lhe obedecem. (At 
5.30-32).
Assim, o derramamento do Espírito é uma conquista do Cristo que, 
ao subir ao céu e assentar-se à destra de Deus, tornou-se “Príncipe e Sal-
vador”. De sua posição de soberano, ele enviou o Espírito. Nesse sentido, 
a vinda do Espírito é escatológica. Paulo chama a habitação do Espírito 
nos crentes de “penhor” (Ef 1.13-14), o que representa uma espécie de 
“entrada” ou “pagamento antecipado”. É um valor deixado em garantia 
de que o total será pago e todo o bem resgatado. Essa possessão presente 
do Espírito é uma espécie de antecipação, pois “a presença do Espírito é 
assim, um antegozo do céu”3. A esfera correta do Espírito é a era futura, 
e, portanto, a manifestação presente do Espírito é uma projeção do futu-
ro para o presente,uma profecia de si mesmo4. É o mundo porvir que já 
pode ser vivido em alguma medida nesse mundo.
Um dos objetivos desse “envio” é conceder a Israel arrependimen-
to e remissão de pecados. No entanto, o Pentecostes demonstrou que 
o interesse divino era muito mais amplo, pois todas as nações estavam 
contempladas nessa vinda.
II. A origem das nações
No Antigo Testamento, o Espírito esteve restrito a Israel5. Os agen-
tes mediadores, através dos três ofícios, agiam apenas dentro da nação 
(Ver John B. Polhill. Acts. The New American Commentary. Nashville: Broadman & 
Holman Publishers, 1992, 26:169.)
3 Kenneth L. Boles. College Press New Testament Commentary: with the NIV – Gala-
tians & Ephesians. Joplin, Missouri: College Press Publishing Co., 1994, Ef 1.14.
4 Geoffrey B. Wilson. Romanos. São Paulo: PES, 1981, p. 124.
5 Isso não significa que Deus não tivesse seus escolhidos e não pudesse salvar 
alguém “fora de Israel”. Há vários exemplos de não-israelitas que foram salvos. Porém, 
oficialmente, o ministério profético estava restrito à Israel. Estrangeiros deviam, via de 
regra, se tornar prosélitos para desfrutar dos benefícios da Aliança divina.
separada. Essa separação vinha de muito tempo. Antes mesmo da for-
mação da nação, Deus já tinha um povo separado. Ainda no Éden, a pro-
messa-maldição divina que estabeleceu a antítese entre o reino cósmico 
de Deus e o reino parasita de Satanás (Van Groningen) demonstrou que 
haveria mais envolvidos na história. Haveria uma semente da mulher 
que estaria em constante oposição à semente da serpente (Gn 3.15)6. A 
semente ou descendência da mulher deve ser, num primeiro momento, 
identificada com os descendentes de Sete, outro filho de Adão e Eva, o 
qual veio em lugar de Abel, morto por seu irmão Caim. Ao assassinar 
seu irmão, Caim demonstrou seu verdadeiro caráter e se tornou o cabe-
ça da descendência humana da serpente. O afastamento de Caim e sua 
primeira atividade de construir uma cidade demonstram que o reino do 
maligno tinha propósitos de se desenvolver (Gn 4.17)7. Van Groningen 
diz que “a cidade de Caim representa a cidade explorada pela humani-
dade pecaminosa e, deste modo, se torna uma manifestação altaneira da 
revolta do homem contra Deus”8. Em pouco tempo, não seriam apenas 
cidades, mas nações em rebelião contra Deus, todas na linhagem da des-
cendência da serpente. Isso se deu antes do dilúvio que pôs fim a uma era 
de pecado desenfreado. Noé foi achado justo diante de Deus e poupado 
do dilúvio, e junto com ele seus três filhos. Dos filhos de Noé, então, ficou 
claro quem continuaria a semente divina e quem continuaria a semente 
maligna. Sem foi abençoado, Canaã amaldiçoado e Jafé abençoado em 
Sem (Gn 9.20-27). A partir dos três filhos de Noé, como diz o Genesis, 
“foram disseminadas as nações na terra, depois do dilúvio” (Gn 10.32). 
Mas as nações não surgiram gradativamente e sim drasticamente. O Gê-
nesis diz que até aquele momento havia apenas uma linguagem e uma 
só maneira de falar, mas quando os homens partiram para o Oriente e 
6 O texto de Gênesis 3.15 fala da semente da mulher e da semente da serpente. 
Van Groningen diz que a inimizade que Satanás iniciou foi declarada por Deus como 
existente entre a semente de Satanás e os seguidores de Yahweh. Esta inimizade colocou 
uma posição bem definida entre as duas sementes. A oposição de uma para outra estaria 
presente e permaneceria (Cf. Gerard Van Groningen. Criação e Consumação. São Paulo: 
Cultura Cristã, 2002, Vol 1, p. 156).
7 Keil & Delizsch dizem que a cidade construída por Caim foi a primeira fun-
dação do reino do mundo, e uma tentativa de neutralizar a maldição do banimento, e 
criar para sua família um ponto de unidade, como uma compensação pela perda da 
comunhão com Deus (Cf. C.F. Keil & F. Delitzsch. Commentary on the Old Testament – Gê-
nesis-Levíticus, Vol I. Albany, OR: Ages Software, 1999, p 77, Gn 4.16).
8 Gerard Van Groningen. Criação e Consumação. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, 
Vol 1, p. 140.
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se estabeleceram na terra de Sinar, começaram a usar suas habilidades 
para engrandecer a si mesmos. Fizeram tijolos queimados e edificaram 
uma cidade e uma torre que chegasse até o céu, para fazer o nome deles 
notório. Desejavam fazer isso para não serem espalhados pela terra. Mas 
justamente o que mais temiam foi o que aconteceu. O Senhor desceu e 
confundiu as línguas entre eles, de modo que se dispersaram (Cf. Gn 
11.1-8). O Gênesis conclui: “Chamou-se-lhe, por isso, o nome de Babel, 
porque ali confundiu o SENHOR a linguagem de toda a terra e dali o SE-
NHOR os dispersou por toda a superfície dela” (Gn 11.9). Desse modo, 
“a multiplicidade das linguagens e a dispersão dos homens ao redor do 
globo aponta para a futilidade do homem colocar-se contra seu cria-
dor”9. Assim se originaram as nações separadas de Deus e na linha da 
descendência da serpente. Essas nações, portanto, pertecem à serpente. 
São sua semente. Porém, logo se tornariam também, alvo das promessas 
de Deus (Abraão).
Como as nações da descendência da serpente estavam organizadas, 
Deus decidiu estabelecer uma nação para si a fim de continuar a des-
cendência da mulher. O capítulo seguinte de Gênesis (12), demonstra 
como Deus fez isso. Ele chamou um homem de dentro da linhagem da 
mulher, seu nome era Abrão, mas logo seria chamado de Abraão, pois 
como disse Deus, “porque por pai de numerosas nações te constituí” (Gn 
17.5). Portanto, assim, Deus prometeu que também haveriam nações na 
descendência da mulher, ou seja, tanto a “semente” da serpente, quanto 
a “semente” da mulher se desenvolveriam e se espalhariam.
Contrariado com as várias nações subjugadas pelo mal que surgiram 
a partir de Babel, Deus decidiu fazer um povo para Ele. Uma grande 
e abençoada nação com o propósito de abençoar todas as demais (Gn 
12.2-3). Deus prometeu isso a Abraão. Ele seria o pai dessa imensa e 
abençoada nação. O nome que os reis de Babel quiseram para si, Deus 
daria para seu servo Abraão. Deus começou a fundar a nação santa a 
partir de uma ruptura, pois “Yahweh retirou Abraão de um cenário de 
adoração pagã para um relacionamento espiritual vivo consigo, à medi-
9 Gordon J. Wenham. Word Biblical Commentary, Volume 1: Genesis 1-15. Dallas, 
Texas: Word Books, Publisher, 1998, Gn 11.9. Babel e Babilônia são sinônimas. Ambas 
representam o supremo governo da semente de Satanás. Para essas instituições nunca 
haverá misericórdia de Deus, elas terão que ser destruídas. E cada vez que são, é como 
se a cabeça da serpente estivesse sendo esmagada. Por essa razão, a última Babilônia 
que figura no Apocalipse também será destruída.
da que separava Abraão de seu passado”10. Apesar de ter espalhado as na-
ções pela face da terra, o Senhor demonstrou para Abraão seu desejo de 
alcançá-las. Dessa forma, em Abraão, ou seja, na separação de um povo 
para si, Deus planejava abençoar todas as nações da terra. O reino de 
Deus recuperaria o terreno ocupado pelo reino de Satanás. O pacto com 
Abraão seria o instrumento pelo qual Deus traria sua bênção sobre toda 
a terra. O Espírito, finalmente, viria sobre todos os crentes, independente 
da nacionalidade (Jl 2.28-29, At 2.18). Mas, para isso, o filho da mulher 
precisava nascer e esmagar a cabeça da serpente. Ele precisava morrer na 
cruz como um maldito (Gl 3.13 - Dt 21.23), para que "a bênção de Abraão 
chegasse aos gentios, em Jesus Cristo, a fim de que recebêssemos, pela fé, 
o Espírito prometido” (Gl 3.14).
III. A reunificação dos povos
Um dos temas fundamentais de Atos dos Apóstolos é a descida do 
Espírito Santo. O ar de novidade e frescor que permeiam as páginas 
de Atos é a evidência máxima de que um novo tempo começou. Des-
de o Antigo Testamento Deus vinha anunciando através dos profetas a 
chegada de uma era espetacular. Essa era foi muitas vezes identificada 
com o derramamento do Espírito Santo. Apesar do Espírito Santo já es-
tar em atividade durante todo o período do Antigo Testamento, como 
disse Stott,“mesmo assim, alguns profetas predisseram que nos dias do 
Messias, Deus concederia uma difusão liberal do Espírito Santo, nova e 
diferente, bem como acessível a todos”11. E o próprio Senhor, após a sua 
ressurreição, disse aos Apóstolos: “Eis que envio sobre vós a promessa de 
meu Pai; permanecei, pois, na cidade, até que do alto sejais revestidos de 
poder” (Lc 24.49). Jerusalém seria o local aonde finalmente o Espírito 
prometido viria. Bruner enfatiza a importância de Jerusalém nesse pon-
to: “Para receberem o Espírito Santo, os apóstolos são ordenados a não se 
ausentarem de Jerusalém. Jerusalém no conceito de Lucas, será o local do 
penúltimo evento da história da salvação antes do último evento: a volta 
de Cristo”12. Mais do que isso, Jerusalém é a cidade escolhida para que a 
10 Gerard Van Groningen. Criação e Consumação. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, 
Vol 1, p. 240.
11 John Stott. Batismo e Plenitude do Espírito Santo. 2ª Edição. São Paulo: Edições 
Vida Nova, 1986, p. 17.
12 F. D. Bruner. Teologia do Espírito Santo. 2ª. Edição. São Paulo: Edições Vida Nova, 
 140
 141
antiga profecia se cumpra, e assim, o Espírito prometido venha sobre o 
povo escolhido, e do povo escolhido para as nações. Deste modo, a bên-
ção de Abraão alcançaria todas as famílias da terra13.
O acontecimento do dia de Pentecostes tem muito a ver com a si-
tuação das nações e a antiga promessa para Abraão. As promessas divi-
nas sobre o derramamento do Espírito no Antigo Testamento falavam 
da restauração de Israel, mas também anteviam uma restauração mais 
universal. Em Isaías 11, Deus prometeu ungir o Messias com o Espíri-
to, e as bênçãos dele se estenderiam a toda a terra, que se encheria do 
conhecimento do Senhor como as águas cobrem o mar (Is 11.9). A con-
sequência seria: “as nações recorrerão à raiz de Jessé que está posta por 
estandarte dos povos; a glória lhe será a morada” (Is 11.10). No capítulo 
42, novamente Isaías faz ligação entre a vinda do Messias (e do Espírito) 
e a bênção para as nações. Deus tem o seu servo escolhido, sobre quem 
pôs o Espírito, e “ele promulgará o direito para os gentios” (Is 42.1). Seu 
trabalho será tão eficaz, que “as terras do mar aguardarão a sua doutrina” 
(Is 42.4). Deus disse dele: “Eu, o SENHOR, te chamei em justiça, tomar-
-te-ei pela mão, e te guardarei, e te farei mediador da aliança com o povo 
e luz para os gentios” (Is 42.6). De modo que o nome do Senhor seria 
glorificado nas terras do mar e nas extremidades da terra (Cf. Is 42.10-
12). Uma das passagens mais impressionantes do Antigo Testamento so-
bre a bênção do Espírito para as nações está em Isaías 59-60. A promessa 
da salvação se realizará pelo próprio braço de Deus, que se vestiu de jus-
tiça, de salvação e de zelo (Cf. Is 59.16-17). A obra poderosa de salvação 
divina faria com que o nome do Senhor seja temido “desde o poente e a 
sua glória, desde o nascente do sol; pois virá como torrente impetuosa, 
impelida pelo Espírito do SENHOR” (Is 59.19). O Espírito do Senhor 
estaria sobre o seu povo por causa da Aliança (Is 59.21), e desta forma 
o povo de Deus poderia resplandecer perante as nações, e as nações se 
encaminhariam para essa luz (Is 60.1-3). Como diz Motyer, “quando o 
Redentor tiver vindo a Sião, reunido os penitentes (59.20), e estabelecido 
um pacto mediador para derramar o Espírito do Senhor entre eles, não 
significará que eles serão apenas banhados em luz, mas que eles serão ir-
radiados, internamente transformados com nova resplandecente vida”14. 
1986, p. 126.
13 Ver Leandro A. de Lima. Razão da Esperança - Teologia para hoje. São Paulo: Cul-
tura Cristã, 2006, p. 415-416.
14 J. Alec Motyer. The Prophecy of Isaiah. Illinois: InterVarsity Press, 1996, Is 60.1.
Essa resplandecência só tem sentido porque no plano de Deus, as nações 
também deveriam ser alcançadas por essa vida. 
Joel é o profeta que fala sobre o derramamento do Espírito no sentido 
mais pleno: “E acontecerá, depois, que derramarei o meu Espírito sobre 
toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos velhos so-
nharão, e vossos jovens terão visões; até sobre os servos e sobre as servas 
derramarei o meu Espírito naqueles dias” (Jl 2.28-29). Em resposta a esse 
derramamento, a salvação irromperia a todos: “E acontecerá que todo 
aquele que invocar o nome do SENHOR será salvo; porque, no mon-
te Sião e em Jerusalém, estarão os que forem salvos, como o SENHOR 
prometeu; e, entre os sobreviventes, aqueles que o SENHOR chamar” (Jl 
2.32). Esta profecia de Joel acabou se tornando a profecia chave para Is-
rael a respeito do derramamento do Espírito.
Percebemos, portanto, que desde o Antigo Testamento, sempre houve 
uma promessa divina de enviar o Espírito Santo a fim de iniciar uma 
nova era, a Era do Espírito. O Espírito viria habitar de forma mais plena e 
universal o povo de Deus, que não mais seria limitado a uma nação, pois 
englobaria pessoas de todas as tribos, raças, línguas e nações. O momen-
to quando aquela promessa fosse cumprida seria um momento ímpar15. 
Esse momento foi o Pentecostes. Pedro entendeu que a promessa de Joel 
havia se cumprido literalmente no dia de Pentecostes (At 2.16ss). Ele in-
terpretou a última expressão daquele texto dizendo que a promessa era 
para aqueles que “Deus chamar”, numa referência ao aspecto universal da 
promessa do Espírito (Cf. At 2.39). Joel já havia dito que o derramamento 
seria sobre todo tipo de pessoas, incluindo jovens, velhos, homens e mu-
lheres, servos e servas (Jl 2.29). Pedro acrescenta que até as crianças estão 
incluídas (At 2.39). Independente de idade, sexo, raça e classe social, o 
dom incluía todos os que se arrependessem, cressem e fossem chamados 
por Deus. Agora Pedro começa a alargar ainda mais a tenda e antever a 
possibilidade de que outros povos sejam incluídos.
Os judeus celebravam o Pentecostes como o aniversário da dádiva da 
lei no Sinai, dada, segundo criam, no quinquagésimo dia depois do êxo-
do16. Aquele foi o momento sublime em que Deus selou a Aliança com 
15 Leandro A. de Lima. Razão da Esperança - Teologia para hoje. São Paulo: Cultura 
Cristã, 2006, p. 416.
16 Alan Richardson. Introdução à Teologia do Novo Testamento. São Paulo: ASTE, 
1966, p. 119.
 142
 143
a nação de Israel17. Mas agora no Pentecostes, algo de proporções ain-
da maiores estava acontecendo, Deus estava selando sua Aliança com a 
igreja de todos os povos, uma vez que o domínio satânico sobre as na-
ções havia caído. No dia do Pentecostes aconteceu algo novo que jamais 
havia acontecido antes. Nesse dia a unidade foi estabelecida. Podemos 
ver o Pentecostes como uma espécie de Babel invertida. A igreja com-
posta de pessoas de todas as nações se reuniu num único corpo. Foi por 
isso que o dom de línguas foi concedido. As línguas de todos os povos 
foram, de certo modo, unidas no dia do Pentecostes simbolizando a uni-
dade da igreja em todas as nações, e não mais apenas dentro dos limites 
de Israel. As línguas haviam sido divididas por ocasião da torre de Babel, 
mas no Pentecostes foram reunidas. O desejo de Deus de recriar uma fa-
mília unida na Aliança, falando a mesma língua, a língua do Espírito, foi 
manifestado. Cristo conquistou isso. O inimigo não pode mais impedir. 
A semente da mulher triunfou sobre a semente da serpente.
IV. A retomada do reino
O livro de Atos descreve a sensacional expansão do Evangelho a par-
tir de Jerusalém até alcançar as nações (At 1.8). À luz de tudo o que foi 
estabelecido até aqui, podemos dizer que estava acontecendo uma re-
conquista. As nações que ficaram por milênios em trevas absolutas agora 
podiam ver a luz. Desde o tempo em que as línguas foram confundidas, e 
as nações se estabeleceram sobre o domínio de Satanás, o Espírito dese-
java essas nações. Como já vimos, a primeira manifestação disso aconte-
ceu no dia de Pentecostes. Quando todos ficaram cheios do Espírito San-
to, passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia 
que falassem (At 2.4). Osinal das línguas das nações era a evidência de 
que o Espírito desejava todas as nações. Como nota F. F. Bruce, no An-
tigo Testamento, sempre que o Espírito vinha sobre alguém, essa pessoa 
profetizava. Do mesmo modo em Pentecostes, o Espírito profético veio 
sobre os discípulos e eles também profetizaram, porém, foram discur-
sos proféticos de uma classe peculiar: em outras línguas18. Deus estava 
demonstrando que sua palavra agora se dirigia às nações e que todas as 
17 Leandro A. de Lima. Razão da Esperança - Teologia para hoje. São Paulo: Cultura 
Cristã, 2006, p. 422.
18 F. F. Bruce. Hechos de Los Apósteles. Buenos Aires/Grand Rapids: Nueva Crea-
cion/W.B Eerdmans P. C., 1998, p. 68.
barreiras estavam derrubadas. A vinda do Espírito e o dom de línguas 
foram a demonstração clara de que Deus desejava tratar com todas as 
nações. A bênção de Abraão finalmente alcançaria todas as famílias da 
terra. O eco da bênção de Abraão que se estenderia a todas as nações 
pode ser visto neste momento, pois agora as nações ouviriam, como nun-
ca antes, a mensagem poderosa, libertadora e abençoadora do Evangelho. 
Assim, na pregação do Evangelho, a promessa feita a Abraão encontrava 
cumprimento definitivo. A bênção finalmente chegava às nações. A se-
mente da serpente não mais dominaria todos os povos. A separação já 
não seria nacional, mas apenas pessoal.
V. O cavaleiro branco
O livro do Apocalipse tem o poder de transformar conceitos teológi-
cos em imagens. Assim, essas imagens se tornam poderosos instrumen-
tos de uma mensagem.
No capítulo 5 de Apocalipse há a descrição da coroação de Cristo no 
céu. Aquele foi o momento, na ascensão, quando Cristo recebeu a recom-
pensa de seu sacrifício: a autoridade sobre céus e terra, representada na 
figura do livro selado que ele tomou da mão direita de Deus. Fazendo jus 
à autoridade conquistada, o Cordeiro, de posse do livro, imediatamente 
abre um dos sete selos: “Vi quando o Cordeiro abriu um dos sete selos e 
ouvi um dos quatro seres viventes dizendo, como se fosse voz de trovão: 
Vem! Vi, então, e eis um cavalo branco e o seu cavaleiro com um arco; 
e foi-lhe dada uma coroa; e ele saiu vencendo e para vencer” (Ap 6.1-2).
A abertura do primeiro selo, que libera o cavalo branco, deve ser vis-
ta como o primeiro ato do recém-investido “Rei dos reis e Senhor dos 
senhores”. Isso, por si só, já tem muito a falar sobre o significado desse 
símbolo. Porém, basicamente, há quatro posições que são, mais ou menos 
aceitas, para definir esse cavaleiro:
1) O Anticristo. Geralmente, os intérpretes associados ao dispensacio-
nalismo teológico veem esse cavaleiro como o anticristo, e consideram 
a cor branco do cavalo uma paródia ou imitação de Cristo. Assim, ele 
recebe uma coroa e sai conquistando o mundo. 
2) Uma referência genérica à conquistas militares. Mounce,19 Swete,20 
19 Robert H Mounce. The Book of Revelation. The New International Commentary 
on The New Testament. Grand Rapids: W. B. Eerdmans P. C., 1977, p. 154.
20 Henry Barclay Swete. The Apocalypse of St. John: the greek text. Grand Rapids: 
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Charles,21 Morris22 e Beale23 consideram os quatro cavaleiros como ativi-
dades julgadoras da parte de Deus sobre os homens. Portanto, como os 
últimos três cavaleiros claramente evocam a ideia de distúrbios e violên-
cia, o primeiro, para não destoar, necessariamente também precisa ser 
uma referência a guerras. 
3) Cristo. William Hendriksen24 sustenta que o cavaleiro é o próprio 
Cristo, por causa da identificação de Cristo no capítulo 19 como mon-
tando um cavalo branco. 
4) O Evangelho. Ladd25 e Kistemaker26 entendem que o Evangelho se 
encaixa melhor na descrição do símbolo.
Apesar do texto ser bastante resumido, várias características se des-
tacam e são úteis para interpretar o símbolo. Sua cor é branca (λευκός). 
O cavaleiro montado tem um arco (τόξον). Então, recebeu uma coroa 
(στέφανος). A declaração “e saiu conquistador e para conquistar” deve 
ser entendida como “saiu” do livro, ou seja, imediatamente, assim que o 
cordeiro abriu o selo, apareceu o cavaleiro e ele saiu conquistando e para 
conquistar. “Conquistando” é uma tradução melhor do particípio grego 
(νικῶν). E trata-se do mesmo verbo utilizado para descrever a vitória de 
Cristo em Apocalipse 17.14: “Pelejarão eles contra o Cordeiro, e o Cor-
deiro os vencerá, pois é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis; vencerão 
também os chamados, eleitos e fiéis que se acham com ele”. Igualmente, 
foi utilizado para descrever os vencedores nas igrejas, ou seja, aqueles 
que permaneceriam fiéis (Ap 2.11, 3.5). Também é o título dado a Cristo 
pelo ancião que indicou a “dignidade” de Cristo para abrir o livro (Ap 
5.5).
A cor branca é um poderoso incentivo visual para manter a caracte-
rística positiva do símbolo. A expressão “cavalo branco” (ἵππος λευκός) 
Eerdmans, 1951, p. 86.
21 R. H. Charles. A critical and exegetical commentary on: the Revelation of St. John. 
Edinburgh: T & T Clark, 1985-1989, p. 162.
22 Leon Morris. The Book of Revelation: an introduction and commentary. Grand Ra-
pids: Eerdmans, 1989, p. 101-102.
23 G. K. Beale. The Book of Revelation: a commentary on the greek text. Grand Rapids: 
Eerdmans, 1999, p. 375-376.
24 William Hendriksen. Mais Que Vencedores. São Paulo: Cultura Cristã, 1987, p. 
116-123.
25 George Eldon Ladd. Apocalipse: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 
Mundo Cristão, 1980, p. 73-74.
26 Simon J. Kistemaker. Apocalipse. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 290-291.
é exatamente a mesma utilizada para descrever o cavalo que Cristo utiliza 
para descer do céu em Apocalipse 19.11. Em Apocalipse, a cor “branca” 
sempre representa algo benéfico, desde os cabelos de Jesus (Ap 1.14), as 
roupas dos redimidos e dos anjos (Ap 3.4, 7.9, 7.13, 19.14), até a cor do 
próprio trono do Juízo Final (Ap 20.11).
Além do cavalo branco, ao cavaleiro é dada uma coroa. O termo grego 
coroa (στέφανος), em Apocalipse, é utilizado para descrever a coroa dos 
crentes (Ap 2.10, 3.11), dos anciãos (Ap 4.4, 10), da Igreja (Ap 12.1), e 
dos anjos (Ap 14.14). Diadema é a palavra para descrever as “coroas” do 
dragão e da besta (Ap 12.3, 13.1)27. Em Apocalipse 4.4, os anciãos têm 
ambas, as coroas e as roupas brancas: “Ao redor do trono, há também 
vinte e quatro tronos, e assentados neles, vinte e quatro anciãos vestidos 
de branco, em cujas cabeças estão coroas de ouro”.
O arco com setas é uma arma utilizada por Deus no Antigo Testa-
mento (Sl 21.12, 45.4-5, Is 49.1-2). Em Habacuque 3.8-13, o Senhor é 
descrito como um guerreiro que sai para salvamento do seu povo: “Tiras 
a descoberto o teu arco, e farta está a tua aljava de flechas. Tu fendes a 
terra com rios” (Hb 3.9). Ao mesmo tempo em que ele destrói os inimi-
gos, salva o seu povo: “Na tua indignação, marchas pela terra, na tua ira, 
calcas aos pés as nações. Tu sais para salvamento do teu povo, para salvar 
o teu ungido; feres o telhado da casa do perverso e lhe descobres de todo 
o fundamento” (Hb 3.12-13). Portanto, não há nenhuma inconsistência 
em associar o arco como uma arma divina.
Todos os termos que descrevem o primeiro cavaleiro conduzem ne-
cessariamente a um entendimento positivo dele. Entendemos que não há 
motivo forte o bastante para atribuir algum significado maligno ou dúbio 
para esse cavaleiro montado no cavalo branco. Trata-se de um genuíno e 
real conquistador. Seria, portanto, o próprio Cristo? Há duas dificulda-
des que, não obstante, não são insuperáveis em relacionar estritamente 
o simbolismo com Cristo, mas que precisam ser apontadas: a arma do 
cavaleiro é um arco, enquanto que a arma de Cristo, no capítulo 19 de 
Apocalipse, é uma espada. Em segundo lugar, é o próprio Cristo quem 
está abrindo o selo, e parece um pouco estranho que ele próprio esteja 
27 Duas exceções notadas não parecem inverter essa lógica. Em Ap 19.12 é dito 
que Cristo, em sua segunda vinda, tem muitos “diademas”. E os gafanhotos que saem 
do abismo têm na cabeça algo semelhantea coroas. No primeiro caso, é possível dizer 
que Jesus conquistou as diademas dos inimigos, despojando-os. No segundo, é apenas 
semelhança com coroas reais.
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 147
saindo de dentro do livro, apesar de que o estilo apocalíptico permite 
isso. Porém, faz mais sentido pensar que não seja o próprio Cristo, mas 
algo intimamente ligado a ele, com grande e legítima semelhança com 
ele. 
A solução para o enigma está na história da salvação que João está 
contando nos capítulos 4-7 de Apocalipse. A abertura dos selos acontece 
logo após a coroação de Cristo no céu, e o primeiro selo, é o primeiro 
ato do Rei dos reis e Senhor dos senhores. Nesse sentido, apesar do gran-
de número de excelentes defensores da posição de que se trata de uma 
descrição de guerras generalizadas como um julgamento divino sobre o 
mundo, precisamos perguntar: Que sentido há nisso? Essa seria a pri-
meira grande ação de Cristo após sua coroação no céu? Liberar guerras 
genéricas? O que isso acrescentaria ao que já acontecia antes de ele ser 
coroado? Além disso, guerras, conturbações e julgamentos divinos já es-
tão descritos nos outros três cavaleiros.
A sequência de eventos esclarece o sentido do primeiro selo: O Cor-
deiro venceu, conquistou o direito de abrir o livro, apresentou-se perante 
o trono da majestade nos céus, pegou o livro e começou a abrir os selos, 
liberando em primeiro lugar o cavaleiro branco vitorioso e para vencer. 
Então, é preciso pensar na ordem dos eventos da história da salvação, 
relatados no Novo Testamento, para compreender o sentido. Jesus mor-
reu, ressuscitou e subiu ao céu. Fez o que em seguida? Enviou o Espírito 
Santo aos discípulos, a fim de capacitá-los a “pregar o Evangelho”. Atos 
1.8 diz: “Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e 
sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e 
Samaria e até aos confins da terra”. Antes mesmo de derramar o Espírito, 
Jesus já havia dito a eles: “Toda a autoridade me foi dada no céu e na ter-
ra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações” (Mt 28.18-19)28. Ou 
seja, a primeira coisa que Jesus mandou seus discípulos fazerem após ele 
ter concretizado sua vitória foi: preguem o Evangelho em todo o mundo 
no poder do Espírito Santo! Isso já foi percebido pelo mais antigo dos 
comentários de Apocalipse que existe. Vitorino, ainda no quarto século, 
disse a respeito do primeiro selo: 
Pois isso aconteceu primeiro; depois que nosso Senhor ascendeu aos 
céus e abriu tudo, ele enviou o Espírito Santo, cujas palavras, através 
dos pregadores, são como flechas acertando os corações dos homens 
28 Evidentemente, a ordem de Jesus era para ser obedecida após o Pentecostes.
e conquistando descrentes (…). Então, o cavalo branco é a palavra da 
pregação enviada ao mundo com o Espírito Santo29.
Portanto, o primeiro selo, a primeira ação do Cristo glorificado foi 
enviar seus discípulos, capacitados pelo Espírito Santo, até os confins da 
terra, para anunciar o Evangelho. Mais do que uma simples ordem, nisso 
está a garantia de que essa missão seria bem sucedida, graças ao poder 
conquistado por Cristo. Ele tornou o Evangelho o “poder” de Deus para a 
salvação de judeus e gregos (Rm 1.16), de maneira que ninguém poderia 
“prender” a Palavra (2Tm 2.9)30.
O resumo disso é: quando Cristo assumiu a autoridade no céu, toman-
do em suas mãos o livro, seu primeiro ato como soberano governador 
foi autorizar que o Evangelho fosse pregado vitoriosamente em todo o 
mundo, mediante o envio do Espírito Santo para sua igreja. Ninguém 
pode deter o avanço do cavaleiro branco, que saiu conquistando e para 
conquistar. As igrejas de Esmirna e Filadélfia foram as que mais puderam 
compartilhar dessa missão vitoriosa, justamente por causa da fidelidade 
que demonstraram.
Conclusão
O Evangelho é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê. 
Não há, nesse mundo, nada mais poderoso e eficaz do que a mensagem 
do Evangelho. Cristo conquistou o direito de que essa mensagem pode-
rosa fosse proclamada em todo o mundo, e alcançasse seus resultados. 
“Toda a autoridade me foi dada nos céus e na terra”, disse Jesus, e isso é 
a garantia de que a pregação do Evangelho em toda a terra continuará 
sendo vitoriosa.
29 Vitorino de Pettovio. “Commentary on the Apocalypse of the Blessed John”. In 
Ante-Nicene Fathers, Vol 7, Ed. Alexander Roberts, James Donaldson, A. Cleveland Coxe. 
Buffallo: The Christian Literature Company, 1885, Ap 6.1.
30 Quanto ao argumento de que, uma vez que o pano de fundo dos quatro cavalos 
de Apocalipse são os cavalos de Zacarias, que necessariamente falam de um julgamento 
pactual (G. K. Beale. The Book of Revelation: a commentary on the greek text. Grand 
Rapids: Eerdmans, 1999, p. 377), é preciso lembrar que as duas cenas dos cavalos em 
Zacarias se complementam. No capítulo 1, os cavalos representam o julgamento pactual 
de Deus sobre seu povo, mas no capítulo 6 eles representam a misericórdia de Deus em 
restaurar o seu povo. Portanto, não há uniformidade na cena dos cavalos em Zacarias, 
invalidando o argumento de que trata-se exclusivamente de “julgamento pactual”.
 148
 149
A igreja hoje dispõe dessa poderosa arma divina de conquista. Cada 
palavra proferida por um cristão a respeito da salvação é como uma fle-
cha disparada pelo cavaleiro branco destinada a alcançar os eleitos de 
Deus.
Anotações
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11. O FIM DÁ SENTIDO AO PRESENTE
O principal interesse daqueles que estudam escatologia talvez seja 
curiosidade, e até um certo temor em relação ao futuro, por causa dos 
acontecimentos assustadores que podem estar reservados para este pla-
neta. Não é sem razão que o termo “Apocalipse" ou “apocalíptico" tem 
a conotação de tragédia, destruições causadas por fenômenos naturais, 
ou por armas de destruição em massa. Para muitos também o interesse 
em escatologia é algo semelhante a torcer para um time de futebol ou 
defender algum partido político. Muitas pessoas se armam de argumen-
tos e textos bíblicos para defender essa ou aquela corrente escatológica 
sobre o milênio, a fim de se sobressair em debates, e parecer mais in-
teligente do que os outros debatedores. Nenhum desses dois motivos é 
digno de um cristão. Para o cristão, escatologia tem outro significado, 
pois primordialmente, significa esperança. Sim, pois fala do tempo que 
está por vir, quando segundo o queJoão escreveu em Apocalipse, "já não 
haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram” 
(Ap 21.4). Quando toda a perversidade e o sofrimento forem removidos 
definitivamente deste mundo, então, os crentes contemplarão a glória de 
Cristo, e desfrutarão de uma felicidade tal, que a maior das alegrias do 
tempo presente, diante daquela felicidade, parecerá sem graça e vazia. 
Por isso, escatologia nos fala de esperança.
Porém, talvez por causa dessa ênfase na esperança futura, não poucos 
cristãos ao longo da história entenderam que o conhecimento da certeza 
do fim devia levá-los a uma vida de distanciamento do mundo presente, 
numa atitude de espera inativa, ou apenas contemplativa. Nesse sentido, 
escatologia é vista como apenas “o estudo do fim”, ou “das últimas coisas”, 
como se fosse uma disciplina da teologia que se preocupa em entender 
o que a Bíblia tem a nos dizer sobre os eventos relacionados apenas à 
segunda vinda de Cristo. Porém, como já demonstramos, é um equívoco 
pensar desse modo. Escatologia não diz respeito apenas às coisas que 
terão lugar quando ou depois que Cristo retornar. Escatologia tem tudo 
a ver com o presente. 
 
I. Eleitos, porém forasteiros e dispersos
Pedro escreveu sua primeira carta no início da década de 60 do século 
primeiro, e destinou para vários grupos de cristãos que se espalhavam 
por uma área relativamente grande da região que hoje é a Turquia mo-
derna. O tema geral da carta poderia ser exposto como o seguinte: “como 
o passado e o futuro alimentam nossa esperança no presente”. Pedro está 
o tempo todo, nessa carta, apontando nessas duas direções. Ele aponta 
para o passado, pois de lá vem a certeza da obra de Cristo, sua morte em 
nosso lugar, sua ressurreição e ascensão, o derramamento do Espírito, e 
também os efeitos práticos disso em nossa vida, que resultaram em nossa 
conversão, na garantia de nossa salvação. Portanto, o passado nos traz 
segurança. Porém, é do futuro que vem a certeza da vida plena, quando 
toda a dor e sofrimento tiveram passado, quando toda corrupção e mal 
tiverem sido extirpados. Essas duas certezas sustentam nossa alegria e 
testemunho no tempo presente caótico em que vivemos.
Naquele tempo, toda aquela região para quem Pedro escrevia estava 
debaixo do governo romano, era portanto, um mundo de autoritarismo 
imperial, de selvageria, de fanatismo religioso, de grande misticismo, de 
depravação cultural, e de perseguição. Muitos cristãos olhavam para o 
mundo com grande desânimo, e começavam até mesmo a duvidar da 
volta de Cristo. Provavelmente, os leitores de Pedro não vinham das altas 
camadas da sociedade, eram crentes humildes, que tinham pequenos co-
mércios, e alguns eram inclusive escravos. Pedro os chama de "eleitos que 
são forasteiros da dispersão” (1Pe 1.1). Ele combina algumas palavras que 
não parecem se encaixar. A primeira é “eleitos" (ἐκλεκτοῖς). Não poderia 
haver um termo mais extraordinário para descrever o status dos crentes 
do que esse. Em meio a todo o mundo decaído, Deus decidiu, por sua 
livre graça e amor, salvar um povo. No Antigo Testamento, esse povo era 
Israel,1 mas no Novo Testamento, trata-se de uma multidão incontável 
de todas as nações. Privilégio, graça e misericórdia é o que essa expres-
são suscita, jamais orgulho, prepotência, mérito ou presunção. Porém, 
de qualquer modo, é um termo nobre, apontando para o supremo privi-
légio concedido pela graça de Deus, de participar do povo escolhido de 
1 O termo eleito é uma comum designação para Israel como povo de Deus (Tho-
mas R. Schreiner. 1, 2 Peter, Jude. The New American Commentary. Nashville: Broadman 
& Holman Publishers, 2003, 37:53).
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Deus. Pedro, então, usa mais duas palavras para descrever esses eleitos, 
e essas palavras são paradoxais em relação ao primeiro termo “eleitos”. 
Os termos são: Forasteiros ou exilados (παρεπιδήμοις), da dispersão 
(διασπορᾶς). Como Israel no Antigo Testamento que sofreu o exílio ba-
bilônico e foi disperso entre as nações, agora os cristãos encontravam-se 
em um estado correlato, pois os crentes dessas regiões estavam vivendo 
dias difíceis, após terem experimentado a conversão, enfrentavam diver-
sas lutas, como perseguições dos concidadãos judeus e gentios, enfren-
tando grande sofrimento decorrente. De certo modo, com isso, Pedro 
está querendo mostrar que este mundo não é o lar dos cristãos. Eles são 
“estrangeiros”. Eles são “dispersos" aqui, pois nunca poderão encontrar 
neste mundo seu verdadeiro lar. Por este motivo, precisam olhar para 
o mundo vindouro, pois lá encontrarão um lugar onde não serão mais 
“forasteiros”, nem “dispersos”.
II. A Trindade a nosso favor
Porém, se por um lado, neste mundo somos apenas forasteiros e dis-
persos, nunca devemos nos esquecer de que somos também “eleitos” 
para fazer parte do mundo vindouro. Pedro, então, passa a falar do signi-
ficado dessa eleição, ou melhor, de como ela funciona. O verso 2 (1Pe 1) 
é simplesmente uma das declarações mais extraordinárias da Escritura: 
"eleitos, segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, 
para a obediência e a aspersão do sangue de Jesus Cristo”. Ou seja, toda a 
Trindade contribuiu para garantir que fôssemos “eleitos”.
A pessoa do Pai nos escolheu segundo (κατὰ) seu pré-conhecimento. 
Isso certamente não significa que Deus tenha pré-visualizado o futuro 
dos crentes e visto os que iam crer e com base nisso os teria escolhido, 
pois isso não seria uma escolha verdadeira, seria apenas uma constata-
ção da decisão pessoal. A escolha tem base no “pré-conhecimento”, ou 
seja, um conhecimento profundo, Deus “conheceu” alguns de antemão, 
e isso precisa apontar para um relacionamento, para um ato de amor 
e graça, pois no Antigo Testamento, o termo tem uma conotação pac-
tual2. A pessoa do Espírito participa santificando esses escolhidos (ἐν 
2 Schreiner diz: “Devemos começar por observar as dimensões pactuais da pa-
lavra. A palavra “conhecer” em hebraico, muitas vezes refere-se ao amor da aliança 
que Deus concedeu a seu povo (cf. Gen 18:19; Jer 1: 5; Amos 3: 2). As ricas associações 
desse termo continuam no Novo Testamento” (Thomas R. Schreiner. 1, 2 Peter, Jude. The 
ἁγιασμῷ). O sentido mais provável da construção da frase por causa da 
preposição “em" é que o ato da Trindade de escolher para salvação se dá 
em três etapas, sendo a primeira a “presciência" ou o pré-conhecimento 
divino. O segundo ato é a nomeação do Espírito para ser aquele que deve 
“santificar" ou seja, separar e purificar esses “pré-conhecidos”. E a pessoa 
do Filho também participa da eleição, e agora Pedro usa outra preposição 
“para" (εἰς), e atribui duas palavras em relação à Cristo e aos eleitos: “obe-
diência" e “aspersão do sangue”. Não se trata, no nosso entendimento da 
obediência dos crentes, como a Tradução Revista e Atualizada estabelece 
(é evidente que fomos eleitos para sermos filhos obedientes), mas o ponto 
aqui parece ser aquilo que a Trindade faz por nós, e não aquilo que nós 
fazemos na salvação. Sendo assim, no ato trinitário da eleição, o Filho é 
designado como aquele que deve “obedecer" e “derramar” (sentido de 
aspergir) seu sangue para salvar esses eleitos.
Uma realidade extraordinária e paradoxal é essa que Pedro descreve a 
respeito da identidade dos verdadeiros cristãos. São eleitos, porém foras-
teiros. Eles têm tudo, e não têm nada. São de outro lugar, lá são príncipes, 
mas aqui, escória. Lá sentam-se em tronos, aqui, precisam se esconder 
e viver a fé como fugitivos. O mundo pode estar contra os crentes, com 
todo o seu poderio, com suas prisões, com suas armas de fogo, com todo 
o engano da depravação que os persegue e atormenta. Sim, todo mundo 
está contra os crentes. Mas eles têm a Trindade a seu favor. Um Pai que 
se decidiu “conhecê-los de antemão”, os amou, e determinou que fossem 
salvos. Um Espírito Santo que decidiu ser aquele que os limparia de todo 
o mundanismo, que os faria verdadeiros crentes. Um Cristo que assumiu 
obedecerno lugar deles, morrer, verter seu sangue, para que as maldi-
ções de seu povo fossem canceladas e a grande e impagável dívida fosse 
sanada.
III. Fundamentados na alegria
Após estabelecer a identidade dos cristãos de forma paradoxal, como 
um povo eleito, porém forasteiro, Pedro avança na descrição sobre o fun-
damento da alegria do crente, que é uma alegria escatológica. No verso 
6 (1Pe 1), ele diz "nisso exultais, embora, no presente…”. Ou seja, há um 
contraste aqui. Ele está falando de uma exultação em algo, mesmo que no 
presente, a situação não esteja boa. Esse “nisso”, que é o fundamento da 
New American Commentary. Nashville: Broadman & Holman Publishers, 2003, 37:53).
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exultação, o fundamento da alegria do crente, diz respeito a tudo o que 
ele falou entre os versos 3-5: 
Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo 
a sua muita misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança, 
mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, para uma 
herança incorruptível, sem mácula, imarcescível, reservada nos céus 
para vós outros que sois guardados pelo poder de Deus, mediante a 
fé, para a salvação preparada para revelar-se no último tempo.
A primeira expressão é uma declaração de que o Deus e pai de Jesus 
é bendito (Εὐλογητὸς). De fato, Pedro disse que esse Deus nos pré-co-
nheceu, e portanto, nos escolheu, colocando toda a Trindade envolvida 
nesse ato de escolha. Esse Deus, Pedro diz, “segundo sua imensa (nu-
merosa) misericórdia”, nos “regenerou” (ἀναγεννήσας). Essa palavra é a 
responsável por estabelecer o paradoxo que será desenvolvido a seguir 
entre “alegria e sofrimento”. É por causa dela que nós experimentare-
mos essas duas coisas conjuntamente. Porém, antes devemos entender 
melhor essa questão da regeneração. Pedro diz que fomos regenerados 
e menciona três aspectos da regeneração: Para uma viva esperança (εἰς 
ἐλπίδα ζῶσαν). Através da ressurreição de Cristo (δἰ ἀναστάσεως Ἰησοῦ 
Χριστοῦ). Para uma herança (εἰς κληρονομίαν). Portanto, passado e fu-
turo alimentam a alegria do crente no presente. No passado está a ressur-
reição de Cristo, como garantia de nossa própria ressurreição. No futuro 
está a herança.
Então, Pedro passa a falar da herança escatológica. Evidentemente, a 
figura é inspirada na menção prévia ao fato de que os crentes nasceram de 
novo, ou foram regenerados, pois “crianças têm o status de herdeiros”3. 
Ele descreve três características dessa herança: Imortal ou incorruptível 
(ἄφθαρτον). Incontaminável (ἀμίαντον). Inapagável (ἀμάραντον), que 
nunca perde o brilho ou o esplendor. São palavras impressionantes que 
definem o tesouro precioso que Cristo conquistou para nós através de 
sua ressurreição, é o prêmio que a graça divina reservou para nós.
Na sequência, ele menciona mais uma característica que se aplica tan-
to à herança, quanto a nós que fomos regenerados: é a palavra “reserva-
do”, ou “guardado”. Ele usa o mesmo verbo (voz passiva) para descrever 
3 J. N. D. Kelly. The Epistles of Peter and of Jude. Black’s New Testament Commen-
tary. London: Continuum, 1969, p. 50.
esse estado, tanto para a herança, quanto para nós mesmos. A herança 
está guardada (τετηρημένην) nos céus para nós (ninguém pode mexer 
com ela). E nós estamos sendo guardados (φρουρουμένους) para ela. 
Mais três expressões completam o sentido desse “guardados" em relação 
a nós: no poder Deus (ἐν), através da fé (διὰ), para a salvação (εἰς) que 
está preparada para se revelar no último dia. A somatória de tudo isso é: 
segurança. Não há a mínima chance de perdermos essa herança, pois é o 
poder de Deus que a guarda, e que nos guarda para ela, através da fé, que 
é também um dom de Deus para nós. Portanto, essa herança é “o pleno 
cumprimento da salvação, pela ressurreição física em um novo cosmos 
criado"4.
Então, Pedro diz: “nisso exultais, embora no presente, por breve tem-
po, se necessário, sejais contristados por várias provações” (1Pe 1.6). Ou 
seja, o fundamento dessa exultação é o Deus que nos regenerou e reser-
vou uma herança para nós no céu, a qual está perfeitamente guardada, 
enquanto nós mesmos estamos sendo guardados para ela. O fundamento 
escatológico da alegria é sólido. Não decorre de algum prazer momentâ-
neo, ou de algum benefício temporal. Porém, veja novamente, o contras-
te. Veja como ele retorna “do último tempo” para o presente. O futuro 
sustentando a alegria no presente. Pois o tempo presente é mau. Apesar 
de Pedro falar em curtos períodos de tribulação, é preciso lembrar que 
isso, talvez, seja uma comparação com a eternidade. Diante da eterni-
dade, por mais longos que sejam, sempre serão curtos. Paulo chamava 
isso de “leve e momentânea tribulação”, justamente porque não se podia 
compará-la com a glória da eternidade (2Co 4.17).
O que Pedro está dizendo é que pessoas que têm consciência de que 
são “eleitos e forasteiros” neste mundo, devem encarar as provações com 
alegria, por causa de duas coisas bem específicas que o sofrimento do 
teste produz: “para que, uma vez confirmado o valor da vossa fé, muito 
mais preciosa do que o ouro perecível, mesmo apurado por fogo, redunde 
em louvor, glória e honra na revelação de Jesus Cristo” (1Pe 1.7). Ou seja, 
os testes e o sofrimento têm o poder de purificar a fé tornando-a mais 
preciosa, e redundam em glória e louvor a Cristo, quando ele se revelar. 
A revelação de Jesus Cristo nada mais é do que o anúncio de sua segunda 
vinda. Então, na segunda vinda, Cristo receberá glória, honra e louvor 
pelas vidas dos crentes que suportaram as provações, sem abandonar a 
4 G. K. Beale. A New Testament Biblical Theology: The Unfolding of the Old Testament in 
the New. Grand Rapids: Baker Academic, 2011, p. 325.
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fidelidade a Cristo.
Porém, há algo ainda mais extraordinário que Pedro diz aqui: "a 
quem, não havendo visto, amais; no qual, não vendo agora, mas crendo, 
exultais com alegria indizível e cheia de glória” (1Pe 1.8). Ele está falando 
de Jesus. Está dizendo que o sofrimento nos aproxima do próprio Cristo, 
nos identificando com ele, nos fazendo amá-lo pela fé. Só há uma razão 
pela qual o sofrimento pode fortalecer a alegria: por causa da nossa iden-
tificação com Cristo. A verdade é que só entendemos o sofrimento dele 
quando nós mesmos sofremos como ele. Ele foi submetido a testes du-
rante toda a sua vida, mas jamais pecou: esse é nosso alvo. O sofrimento 
pode nos fazer “ver” a Cristo pela fé de uma forma única e intensa.
Conclusão
Portanto, escatologia é o futuro e o passado alimentando a alegria do 
crente no presente. Por isso, ela é tão importante. O futuro (novo céu, 
etc.) não é algo apenas a ser esperado, mas algo que, de certo modo, pre-
cisa ser vivido hoje. Somos “criaturas do futuro” vivendo no presente. Ao 
mesmo tempo, no passado (cruz, etc.) está a garantia do nosso futuro. 
Por isso, o passado é o fundamento do presente e do futuro, e o futuro o 
alimento da esperança no presente. 
Anotações
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12. O FIM TRANSFORMA O PRESENTE
A grande vitória escatológica de Cristo aconteceu em sua primeira 
vinda. A segunda vinda de Cristo não é o momento em que ele “lutará” 
para derrotar Satanás, mas será o momento quando ele consumará sua 
grande vitória sobre esse inimigo, lançando-opara o Lago de Fogo. Ten-
do já estudado nesse trabalho com detalhes a grande vitória escatológica 
do Filho de Deus, agora meditaremos um pouco mais nos efeitos dessa 
vitória sobre a vida prática do povo de Deus.
Como defendemos até aqui, o ensino do Novo Testamento é que os 
chamados “tempos escatológicos” já começaram. Portanto, não são algo 
puramente do futuro. É claro que falta o estabelecimento pleno do reino 
de Deus em toda a criação, e o ato definitivo de Deus extirpar todo o mal 
deste mundo, mas essas coisas já são realidade parcial e em progressão 
no nosso mundo. Escatologia aponta para uma força transformadora em 
progresso aqui e agora. Não se trata apenas de uma esperança do futuro 
que nos dá força, coragem e alegria no tempo presente, mas de uma força 
transformadora do próprio presente. O “fim” não é apenas um conceito a 
ser esperado, é uma energia em ação transformando o presente. O poder 
do Cristo ressuscitado e assunto ao céu, está disponível na vida de cada 
crente (Ef 1.19).
I. A chegada do Reino
De acordo com o Evangelho de Marcos, a primeira declaração pública 
de Jesus registrada foi: “O tempo está cumprido, e o reino de Deus está 
próximo” (Mc 1.15). Esta ideia de “cumprimento do tempo” ou “tempo 
que está cheio, pleno” (πεπλήρωται ὁ καιρὸς) é o grande sentido em que 
o Novo Testamento como um todo é escatológico. Tanto o verbo “cum-
prido” para o tempo, quando o verbo “próximo” para o reino estão no 
perfeito do grego, e o uso do verbo no tempo perfeito reforça o sentido, 
enfatizando a duração e o efeito da aproximação, resultando em uma 
impressão de proximidade premente e inquietante1. Ao mesmo tempo 
denota alguma ambiguidade, pois se o reino já está presente, ele também 
é ainda futuro2. Provavelmente Jesus pretendeu que essa ambiguidade 
permanecesse3. Na pessoa de Jesus, que veio segundo Paulo “na plenitu-
de do tempo” (Gl 4.4), escatologia se divide em duas etapas: o futuro e o 
presente.
Jesus podia falar do “reino de Deus” sem precisar dar muitas explica-
ções ao povo judeu. Essa era a grande expectativa daquele povo. Embora 
todos soubessem que num sentido Deus já reina, havia outro sentido em 
que o reino ainda precisava ser estabelecido, e isto fazia muito sentido 
para os judeus por causa da dominação dos romanos. O reino de Deus 
sempre esteve nesse mundo, pois a criação está dentro do reino de Deus. 
Nesse sentido Van Groningen vê o império parasita de Satanás como es-
tando dentro do reino de Deus. Quando pensamos dessa forma, vemos 
que o reino de Deus tem proporções cósmicas, enquanto o “império" tem 
proporções localizadas, mas quando falamos no reino de Deus na pessoa 
de Jesus, estamos falando da manifestação especifica desse reino nesse 
mundo, mais especificamente ainda, como fazendo frente ao império 
parasita e retomando o terreno que pertence a Deus (Cl 1.13), ou seja, 
algo como uma reconquista. Assim, devemos pensar que há um sentido 
em que o reino de Deus não precisa ser estabelecido; ele sempre esteve 
estabelecido, pois ainda que o mundo seja rebelde contra Deus, o mundo 
como um todo está dentro do reino de Deus e segue o curso estabelecido 
por Deus. Porém, na pessoa de Jesus, podemos dizer que o reino de Deus 
adentrou a história, numa reconquista do terreno que Satanás conquistou 
através do pecado e da morte. Jesus é a própria encarnação desse reino, 
“a característica mais notável do reino é o papel do próprio Jesus Cristo”4. 
Ele é o Rei e de certo modo é o próprio Reino, pois sua presença é o reino 
de Deus. Esse reino foi inaugurado no início do primeiro século e será 
definitivamente consumado em sua Segunda Vinda.
Provavelmente, a ocasião em que Jesus deixou isso mais claro, foi 
1 Adolf Pohl. Evangelho de Marcos – Comentário Esperança. Curitiba: Editora Espe-
rança, 1998, p. 70. 
2 Robert A. Guelich. Word Biblical Commentary, Volume 34a: Mark 1-8:26. Dallas, 
Texas: Word Books, Publisher, 1998, Mc 1.15.
3 Allen Black. Mark – College Press New Testament Commentary: with the NIV. Joplin 
- MS: College Press Publishing Co, 1997, Mc 1.15.
4 Thomas Schreiner. New Testament theology: magnifying God in Christ. Grand Ra-
pids: Baker Academic, 2008, p. 51.
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 161
quando lhe perguntaram a respeito disso: 
Interrogado pelos fariseus sobre quando viria o reino de Deus, Jesus 
lhes respondeu: Não vem o reino de Deus com visível aparência. Nem 
dirão: Ei-lo aqui! Ou: Lá está! Porque o reino de Deus está dentro 
de vós. A seguir, dirigiu-se aos discípulos: Virá o tempo em que 
desejareis ver um dos dias do Filho do Homem e não o vereis. E vos 
dirão: Ei-lo aqui! Ou: Lá está! Não vades nem os sigais; porque assim 
como o relâmpago, fuzilando, brilha de uma à outra extremidade do 
céu, assim será, no seu dia, o Filho do Homem. Mas importa que 
primeiro ele padeça muitas coisas e seja rejeitado por esta geração 
(Lc 17.20-25). 
Há várias coisas extraordinárias nessa declaração de Jesus a respeito 
do estabelecimento do reino de Deus. Ele faz diversas comparações en-
tre os dois estágios do reino: o presente e o futuro. A principal diferença 
parece ser o conceito de “invisibilidade” X “visibilidade”. A pergunta dos 
fariseus foi “quando”, ou seja, eles queriam saber o tempo da vinda do 
reino de Deus. Então, Jesus disse que não era uma questão de “quando”, 
mas uma questão de “como”. Eles estavam fazendo a pergunta errada. 
A pergunta certa era: "como" o reino de Deus vem? Porque, de fato, o 
reino já tinha vindo. Jesus esclareceu o aspecto presente do reino com as 
seguinte palavras: “não vem o reino de Deus com visível aparência. Nem 
dirão: Ei-lo aqui! Ou: Lá está! Porque o reino de Deus está dentro de vós”. 
Ou seja, o equívoco dos fariseus estava em esperar por uma manifesta-
ção catastrófica do reino de Deus, um ato divino de julgar os inimigos 
dos judeus, pois não percebiam que a função do reino, antes de tudo, era 
com os próprios judeus, a função de transformá-los. Quando Jesus diz: 
“o reino está dentro de vós”, talvez ele estivesse apenas apontando para 
o fato de que ele estava entre eles, no meio deles,5 e, portanto, o reino já 
estava ali, porém ainda invisível. Mais do que isso, provavelmente, ele 
quis mostrar o modo como opera o reino de Deus desde que Jesus veio a 
este mundo: de dentro para fora. Do interior para o exterior. Do invisível 
para o visível. Não é questão de aparência, mas de transformação íntima 
do ser humano. O poder que transformará o futuro já está disponível 
5 Ver discussão sobre o uso do termo “dentro” (ἐντὸς) fora do Novo Testamen-
to, que poderia reforçar essa interpretação, em I. Howard Marshall. The Gospel of Luke: a 
commentary on the Greek text. New International Greek Testament Commentary. Exeter: 
Paternoster Press, 1978, p. 655.
para transformar o presente.
Porém, isso não significa que não haverá uma vinda futura e ampla-
mente visível do reino. Jesus fez questão de, em seguida, explicar aos seus 
discípulos como seria o aspecto futuro do reino. Ele declarou que chega-
ria o tempo quando seus discípulos desejariam ver um dos dias do Filho 
do Homem, mas não seria possível. Ele, evidentemente, estava falando 
de sua morte, ressurreição e subida ao céu. Durante todo esse período, 
os discípulos desejariam ver outra vez o Filho do Homem. Por causa dis-
so, muitos tentariam se fazer passar por ele. E, do mesmo modo que os 
fariseus queriam que alguém dissesse “ele está aqui”, ou “veja, ele está lá”, 
os discípulos de Cristo também iriam correr o risco de serem enganados 
por falsos profetas. Por causa disso, Jesus fez questão de dizer que a vinda 
futura do reino, a qual se dará em sua Segunda Vinda, será amplamente 
visível: “porque assim como o relâmpago, fuzilando, brilha de uma à ou-
tra extremidade do céu, assim será, no seu dia, o Filho do Homem” (Lc 
17.24).
A primeira vinda de Jesus foi uma irrupção de Deus na história e se 
demonstrou uma espécie de antecipação do futuro, porém evidenciando 
a graça perdoadora e regeneradora de Deus. Ao mesmo tempoem que 
a consumação escatológica do reino permanece futura, ela já se fez pre-
sente, pois o futuro já se apresentou no presente. A vinda de Jesus trouxe 
o futuro aos dias de Herodes. Assim, o reino de Deus já está estabele-
cido, e crescendo, porém, ainda não alcançou sua plenitude. A síntese 
da diferença entre o reino presente e o futuro é a seguinte: O presente 
reino vem gradualmente, o futuro catastroficamente. O presente reino 
vem largamente numa esfera invisível e interna, o futuro em forma de 
uma manifestação mundial. O presente reino não traz solução final para 
as imperfeições do mundo, o reino futuro fará desaparecer todas as im-
perfeições6. Mas é evidente que o reino futuro depende do presente para 
sua consumação.
Nossa alegria e esperança, portanto, não devem vir apenas da expec-
tativa futura, de quando o reino de Deus for definitivamente instalado 
neste mundo, pois isso seria o mesmo que desprezar a realidade presente, 
ainda invisível do reino, que é extraordinária.
6 Geerhardus Vos. Biblical Theology. Grand Rapids: W.B Eerdmans P.C., 1948, p. 
410.
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II. O começo dos últimos dias
O ensino do Novo Testamento como um todo é essencialmente es-
catológico. Os eventos relacionados à primeira vinda de Cristo, seu nas-
cimento, sua morte, sua ressurreição e ascensão, seguidos do derrama-
mento do Espírito Santo, deram início a uma nova condição para este 
mundo. A obra expiatória de Cristo garantiu a redenção de todo o seu 
povo, e também a recriação dos céus e da terra. 
A vinda do Espírito Santo em Pentecostes foi a concessão do poder 
divino à sua igreja para que ela leve adiante, nessa nova condição, a mis-
são de expandir o reino vitorioso e transformador. Jesus orientou seus 
discípulos a esperarem o cumprimento da promessa divina, a qual acon-
teceria alguns dias após sua ascensão, quando os discípulos “receberiam 
poder” ao descer sobre eles o Espírito Santo, então seriam testemunhas 
autorizadas e autenticadas de Cristo em todo o mundo (At 1.8). É impor-
tante entender que Jesus não concedeu aos discípulos apenas a ordem 
para que fizessem aquilo, mas o “poder” de fazer. A presença ainda invi-
sível do Espírito Santo hoje na igreja é a evidência de que o reino de Deus 
ainda está em sua primeira fase, agindo de dentro pra fora, regenerando 
e santificando.
O Apóstolo Pedro entendeu isso, pois viu no derramamento do Es-
pírito no dia de Pentecostes o cumprimento da antiga profecia de Joel 
2.28-32. Diante do atordoamento da multidão que via os discípulos fa-
lando línguas estrangeiras, e do escárnio de muitos que atribuíram isso 
a algum tipo de embriaguês, Pedro explicou: "Mas o que ocorre é o que 
foi dito por intermédio do profeta Joel: E acontecerá nos últimos dias, 
diz o Senhor, que derramarei do meu Espírito sobre toda a carne; vossos 
filhos e vossas filhas profetizarão, vossos jovens terão visões, e sonharão 
vossos velhos; até sobre os meus servos e sobre as minhas servas der-
ramarei do meu Espírito naqueles dias, e profetizarão". (Atos 2.16-18). 
Portanto, Pedro entendeu que os “últimos dias”, ou (ἐσχάταις ἡμέραις 
- dias escatológicos) estavam começando naquele exato momento, quan-
do o Senhor capacitou sua igreja a proclamar a mensagem do Evangelho 
em todo o mundo, em todas as línguas. Desde aquele momento, todo o 
povo de Deus vive o tempo escatológico, tendo à sua disposição o poder 
necessário para cumprir sua missão neste mundo. Não existe mais uma 
classe especial de profetas ou sacerdotes autorizados, os quais seriam os 
únicos que poderiam realizar a obra de Deus, como foi no Antigo Tes-
tamento. A partir do Pentecostes, Deus criou um reino de sacerdotes e 
profetas (Ap 1.6, Ap 19.10). Por isso, Pedro escreveu em sua carta: “Vós, 
porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade 
exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos 
chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1Pe 2.9). Deus concedeu 
à sua igreja o poder de ser uma “nação santa”. Ou seja, a transformação 
interior, que também muda o exterior do ser humano, é a evidência es-
catológica da chegada do reino. Porém, esse poder deve ser compartilha-
do com os outros, quando são anunciadas as virtudes daquele que nos 
chamou das trevas, e assim, o fermento vai aos poucos levedando toda a 
massa (Mt 13.33). 
III. Vivendo no fim dos tempos
 
Pedro enfatizou a importância do futuro para transformar o presente, 
porém, do mesmo modo, ele também entendeu que o presente já é o “fim 
dos tempos”. Explicando a seus leitores que eles foram comprados para 
Deus não por dinheiro ou ouro, mas por um preço de sangue, o sangue 
de Cristo, acrescentou que esse sangue foi conhecido "com efeito, antes da 
fundação do mundo, porém manifestado no fim dos tempos, por amor 
de vós” (1Pe 1.18-20). Portanto, o fim dos tempos (ἐσχάτου τῶν χρόνων) 
se iniciou quando o sangue de Cristo foi derramado. Isso não contradiz 
a expressão do próprio Pedro em Atos sobre a descida do Espírito, pois 
que devemos ver em todo o ministério de Jesus, desde seu nascimento na 
plenitude dos tempos (Gl 4.4), sua morte, ressurreição, ascensão e derra-
mamento do Espírito, um conjunto de atitudes que trouxeram o fim dos 
tempos para este mundo.
Paulo disse aos cristãos de Corinto que eles, e o próprio Paulo, esta-
vam vivendo o tempo em que “os fins dos séculos” (τὰ τέλη τῶν αἰώνων) 
haviam chegado (1Co 10.11), por isso, todos os exemplos negativos do 
Antigo Testamento os conduziam a esse momento, como advertências 
para que o povo de Deus do Novo Testamento não repetisse os mesmos 
erros do povo de Israel do passado, antes, pudesse viver uma vida real-
mente digna do fim dos tempos. Na segunda Carta aos Coríntios, Paulo 
explicou qual deve ser a perspectiva e auto-análise de alguém que sabe 
que vive no fim dos tempos: "E, assim, se alguém está em Cristo, é nova 
criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas” (2Co 
5.17). Infelizmente, essa tradução em português não consegue transmitir 
 164
 165
toda a grandiosidade dessa declaração de Paulo. Uma tradução bastan-
te literal das palavras de Paulo é a seguinte: “Então, se alguém está em 
Cristo7, está em uma nova criação, a velha ordem passou; veja: uma nova 
começou”. A nova criação é o próprio Cristo, o qual já se apresentou 
também como o “próprio reino de Deus” entre os homens. O que ocor-
re, entretanto, é que Paulo está dizendo que Cristo não está mais entre 
os homens, pois não pode mais ser reconhecido segundo a carne (2Co 
5.16). Mas, nele, a realidade da nova criação de Deus já se faz presente 
neste mundo, e o cristão que está em Cristo, está inserido nessa nova 
criação, até porque, ele também foi “recriado" ou “regenerado” pelo Es-
pírito através do sangue de Jesus (Jo 3.3, Tt 3.5, 1Pe 1.23). Quando Paulo 
diz que a “velha ordem” (τὰ ἀρχαῖα) já passou, ele provavelmente esteja 
apontando para a velha ordem do reinado do “pecado e da morte” que 
se iniciou com Adão, mas terminou em Cristo (Rm 5.14-15). Graças à 
vitória de Cristo, agora, aqueles "que recebem a abundância da graça e o 
dom da justiça reinarão em vida por meio de um só, a saber, Jesus Cristo” 
(Rm 5.17). Esse reinar em vida é o resultado extraordinário da vitória de 
Cristo sobre a morte, por isso Paulo exclama: “veja: uma nova (ordem) 
começou” (ἰδοὺ γέγονεν καινά). Essa última expressão vem diretamente 
de Isaías 43:16-19:8 
Assim diz o Senhor, o que outrora preparou um caminho no mar e 
nas águas impetuosas, uma vereda; o que fez sair o carro e o cavalo, o 
exército e a força — jazem juntamente lá e jamais se levantarão; estão 
extintos, apagados como uma torcida. Não vos lembreis das coisas 
passadas, nem considereis as antigas. Eis que faço coisa nova, que está 
saindo à luz; porventura, não o percebeis? Eis que porei um caminho 
no deserto e rios, no ermo. 
Israel tinha no passado o testemunho do grande ato libertador de 
7 A expressão “nova criação” (καινὴ κτίσις) não tem verbo. Por isso,entendo 
que se deve repetir o primeiro verbo aplicado ao cristão: ele está em Cristo e, portanto, 
está em uma nova criação.
8 J. Harris Murray vê o verso 17b como uma reminiscência de Is 44.18-19 em 
sua forma terminológica, porém não em seu conteúdo (The Second Epistle to the Corin-
thians: a commentary on the Greek text. New International Greek Testament Commentary. 
Grand Rapids, MI; Milton Keynes, UK: W.B. Eerdmans Pub. Co.; Paternoster Press, 
2005, p. 433. Porém, existe sim correlação de temas, apontando para a superioridade 
do estabelecimento da redenção no Novo Testamento.
Deus, quando o Senhor retirou seu povo do Egito. Porém, Deus promete 
um ato futuro ainda maior, uma nova libertação. Em princípio, isso se 
aplicava à libertação do cativeiro babilônico, quando Deus traria o povo 
de volta para Israel, porém, o Novo Testamento vê nessa profecia algo 
maior ainda, aplicado à Cristo, o início da nova criação de Deus, e ao 
mundo vindouro. De certo modo, Isaías também viu isso, pois anunciou: 
"Pois eis que eu crio novos céus e nova terra; e não haverá lembrança 
das coisas passadas, jamais haverá memória delas. Mas vós folgareis e 
exultareis perpetuamente no que eu crio; porque eis que crio para Jeru-
salém alegria e para o seu povo, regozijo" (Is 65.17-18). Mesmo que para 
o profeta, isso ainda tivesse uma dimensão um tanto quanto localizada, 
num ato especial de libertação de Jerusalém, o Novo Testamento vê a 
amplitude dessa promessa quando João diz: "Vi novo céu e nova terra, 
pois o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. 
Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte 
de Deus, ataviada como noiva adornada para o seu esposo” (Ap 21.1-2). 
Portanto, mais uma vez, o fim se apresenta no presente. A nova criação 
de Deus já está em ação. O “novo céu e nova terra” não é um conceito pu-
ramente futuro, pois que, na pessoa de Cristo, o mundo vindouro já pode 
ser embrionariamente experimentado, através da transformação interior 
que ele produz. 
Na sequência, Paulo completa: 
Ora, tudo provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo 
por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação, a saber, 
que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não 
imputando aos homens as suas transgressões, e nos confiou a palavra 
da reconciliação. De sorte que somos embaixadores em nome de 
Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio. Em nome de 
Cristo, pois, rogamos que vos reconcilieis com Deus (2Co 5.18-20). 
O que há de mais extraordinário nessas palavras de Paulo é justamen-
te o fato de que a reconciliação de Deus, que está em Cristo, através do 
qual a “nova criação” tem início, nos foi confiada. Duas vezes ele diz isso. 
Deus nos deu esse ministério (τὴν διακονίαν). O poder de reconciliar os 
homens com Deus é um poder de Cristo. Ele é a “nova criação de Deus”. 
Porém, nós também fomos regenerados e postos nessa nova criação. E 
como incumbência, privilégio e honra, recebemos a responsabilidade de 
compartilhar esse poder reconciliador. Nesse ponto, Paulo nos chama de 
 166
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“embaixadores" (πρεσβεύομεν). O termo aponta para uma função repre-
sentativa de uma autoridade reinante9. Se já estamos por antecipação na 
nova criação de Deus, o Novo Céu e a Nova Terra, então, isso significa 
que somos cidadãos do mundo vindouro, vivendo no presente com a 
única função de sermos embaixadores. Somos cidadãos de um mundo 
plenamente reconciliado com Deus, um mundo livre de dores, pecados, 
temores ou perversões. Já experimentamos esse poder dentro de nós 
mesmos, ainda que de forma invisível e progressiva. Agora, cabe-nos a 
tarefa sublime de acrescentar mais cidadãos ao mundo vindouro. E fa-
zemos isso quando, de forma autorizada por Deus, como seus legítimos 
embaixadores, dignos moradores do mundo vindouro, anunciamos para 
aqueles que ainda pertencem apenas a esse mundo, à velha criação, o 
modo de se livrarem deste mundo, e de imigrarem para o mundo vin-
douro.
Conclusão
Podemos resumir essa questão da seguinte maneira: 
A escatologia do Novo Testamento, portanto, olha para trás, para 
a vinda de Cristo, que tinha sido predita pelos profetas do Velho 
Testamento, e afirma: nós estamos agora nos últimos dias. Mas a 
escatologia neotestamentária também olha para frente, para uma 
consumação final ainda por vir, e por isso também diz: o último dia 
ainda está chegando; a era final ainda não chegou10. 
O que se percebe é que há claramente uma mudança de perspecti-
va com a vinda de Jesus. A escatologia de Israel era inteiramente futu-
rista, mas a escatologia da Igreja, a partir da primeira vinda de Jesus, 
olha tanto para o passado como para o futuro. Como diz Culllmann, “a 
questão acerca do futuro não é colocada mais sob a seguinte forma: de 
que maneira nossa salvação depende do que deve ainda acontecer?”11. E 
sim: “que relação existe entre o futuro e os fatos já ocorridos para nossa 
salvação? Em que medida o futuro traz o cumprimento do que já está 
9 Johannes P. Louw e Eugene Albert Nida. Greek-English lexicon of the New Testa-
ment: based on semantic domains, 1996, 1, 481
10 Anthony Hoekema. A Bíblia e o Futuro. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1989. 
p. 30.
11 Oscar Cullmann. Cristo e o Tempo. São Paulo: Editora Custom, 2003, p. 182.
decidido?”12. A primeira vinda de Jesus é o cumprimento decisivo da es-
catologia do Antigo Testamento, mas haverá uma nova vinda futura que a 
consumará. Esses dois pólos devem atrair a atenção de todo pensamento 
escatológico no estudo do Novo Testamento.
Portanto, desde o começo, ser cristão é viver o fim dos tempos. Por 
um lado, há essa expectativa em relação ao futuro, ao estabelecimento 
definitivo do Reino de Deus em toda a criação, que nos faz desejar ar-
dentemente pela segunda vinda de Cristo. Porém, ao mesmo tempo, a 
primeira vinda de Cristo já aconteceu, ela já é nosso patrimônio, nosso 
tesouro. Assim, o reino de Deus já está em expansão nesse mundo, com 
todo o seu poder de transformar a realidade das pessoas, de regenerá-las, 
e de prepará-las para o mundo vindouro.
Anotações
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12 Ibid.
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