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CRÍTICA DA MÍDIA Juliane do Rocio Juski O cenário das fake news em uma perspectiva crítica Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Caracterizar redes sociais. Explicar a atuação de bots, chatbots e ciborgues nas redes sociais. Discutir o emprego de algoritmos nas redes sociais. Introdução Nos últimos anos, a propagação de conteúdo falso ou fora de contexto ganhou proporções exponenciais, com impacto em processos de decisão democráticos e consequências ampliadas pelas redes sociais. A partir das implicações reais de notícias falsas (fake news), o mecanismo de dissemina- ção desses conteúdos enganosos passou a ser objeto de muitas análises, em especial depois dos resultados do referendo de saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit) e das eleições presidenciais norte-americanas de 2016. Essa proliferação de fake news encontrou no contexto contempo- râneo o ambiente perfeito para sua expansão. Tal contexto é marcado pela fragilidade da imprensa, pela crise de credibilidade dos veículos de comunicação e pela ampliação do acesso ao ambiente digital como espaço de criação de conteúdos sem restrições. Associada a isso, há uma mudança de comportamento do usuário da internet, que se vê estimulado a participar e interagir por meio da produção e do comparti- lhamento de informações. Como resultado, aumenta o volume de dados que circulam no ambiente digital e nas redes sociais, e notícias oriundas de fontes desconhecidas ganham relevância. Para amplificar ainda mais essa dispersão e revelar como o novo contexto é complexo, surgem os sistemas automatizados em que os bots (termo utilizado para designar os “robôs” da internet) replicam conteúdos em grande velocidade. Eles criam perfis falsos e passam a interagir nas redes sociais com o intuito de confundir e ludibriar os usuários, influen- ciando o debate sobre temas de interesse público. Para compreender o real impacto do cenário das fake news e seus reflexos na produção jornalística e na análise crítica da mídia, é preciso entender como funcionam esses mecanismos. Neste capítulo, portanto, você vai conhecer as características das redes sociais e suas lógicas de funcionamento. Vai descobrir também como é a atuação de bots, chatbots e ciborgues nas redes sociais. Além disso, vai ler sobre o emprego de algoritmos no ambiente digital e sobre o reflexo desse mecanismo na produção jornalística e na disseminação de fake news. 1 Redes sociais Gabriel (2010) revela que as redes sociais são uma das formas de comunicação que mais crescem atualmente e que estão em um processo de difusão global, modifi cando o comportamento e o relacionamento de seus usuários. Mas, de acordo com a autora (2010), apesar de se apresentarem como um fenômeno do cenário atual, as redes sociais existem há pelo menos três mil anos. Ao apresentar o contexto histórico de seu surgimento, Gabriel (2010) defende que as redes sociais existem desde o tempo das cavernas, quando os homens se reuniam ao redor de uma fogueira para conversar ou trocar informações sobre assuntos de interesse comum. Com esse relato, a autora já destaca que o signifi cado de redes sociais não está atrelado à tecnologia, e sim à sua função de conectar, de possibilitar a troca e o relacionamento entre as pessoas com interesses em comum. “O que mudou ao longo da história foi a abrangência e a difusão das redes sociais, conforme as tecnologias de comunicação interativas foram se desenvolvendo: escrita, correios, telégrafo, telefone, computador, telefone celular, etc.” (GABRIEL, 2010, p. 193). Gabriel (2010) destaca alguns aspectos tecnológicos que auxiliaram na pro- pagação e pavimentaram o caminho para o atual cenário das redes sociais, como os sistemas que possibilitaram as primeiras comunidades on-line, o e-mail, os chats e os sistemas de mensagens instantâneas. Essas iniciativas culminaram em redes sociais como o Twitter e o Facebook. Associada a isso, está a ampla participação no fenômeno da web 2.0, possibilitada pela difusão da banda larga em grande escala e pelo barateamento do hardware de acesso, fornecendo um ambiente propício ao florescimento das redes sociais (GABRIEL, 2010). O cenário das fake news em uma perspectiva crítica2 Outro grande avanço foi que as redes sociais on-line, que antes se baseavam na interação dos usuários ativos (on-line), passaram a oferecer a possibilidade de conexão e interação dos usuários sem que eles estivessem conectados o tempo todo. Gabriel (2010) destaca também que o primeiro site de rede social a conseguir massa crítica de público para prosperar foi o Friendster, em 2003. Ele é considerado a primeira rede social a se tornar popular e a dar um salto evolutivo nos sistemas de redes sociais. “A introdução da mobilidade, especialmente por meio dos smartphones, permitindo que as interações nas redes sociais sejam em tempo real (realtime), em qualquer lugar, tem incentivado também, sensivelmente, a participação nas redes sociais digitais on-line” (GABRIEL, 2010, p. 194). Baseada em pesquisas sobre o acesso mobile, a autora destaca que essa mobilidade foi um fator essencial para a ampla disseminação das redes sociais e a popularização do acesso a elas pelos usuários, principalmente em sites de relacionamento como Facebook e Twitter. De acordo com dados divulgados por uma pesquisa do Comscore de 2019, o Brasil é o país da América Latina mais conectado nas redes sociais (SANTINO, 2019). Entre os sites mais acessados, nesta ordem, estão Youtube, Facebook, Instagram e Twitter. Se considerar os aplicativos de mensagem instantânea, o WhatsApp é utilizado diariamente por cerca de 85% dos usuários. Além disso, a pesquisa aponta que grande parte dos acessos tem sido feita por celulares e outros dispositivos móveis, totalizando cerca de 68 milhões de brasileiros que usam exclusivamente seus celulares para navegar nas redes sociais (SANTINO, 2019). Esses dados certamente auxiliam você a compreender o contexto de uti- lização das redes sociais pelos usuários, não é? “No entanto, é importante ressaltar que as redes sociais têm a ver com pessoas, relacionamentos entre pessoas, e não com tecnologia e computadores. Elas tem a ver com ‘como usar as tecnologias’ em benefício do relacionamento social” (GABRIEL, 2010, p. 194). Esse apontamento da autora reforça seu argumento de que as redes sociais são, em essência, uma forma de comunicação, e as tecnologias atuam como meros instrumentos que facilitam a interação e o compartilhamento de infor- mações entre os atores sociais. Nesse sentido, percebe-se que o significado das redes sociais está além de aplicativos e sites de relacionamento. 3O cenário das fake news em uma perspectiva crítica Definição Gabriel (2010, p. 196) afi rma que as redes sociais podem ser defi nidas como uma: [...] estrutura social formada por indivíduos (ou empresas), chamados de nós, que são ligados (conectados) por um ou mais tipos específicos de in- terdependência, como amizade, parentesco, proximidade/afinidade, trocas financeiras, ódios/antipatias, relações sexuais, relacionamento de crenças, de conhecimento, de prestigio, etc. Essa definição da autora é baseada na teoria das redes sociais, que por sua vez se baseia na teoria dos grafos. Segundo a teoria das redes sociais, uma rede social é composta por atores (nós) e laços (conexões), ou seja, uma rede social conecta um ator com outro de acordo com suas relações de interesse. De acordo com Gabriel (2010, p. 198), “[...] a Teoria dos Grafos é um ramo da matemática que estuda as relações entre os objetos de um conjunto e pode ser aplicada às redes sociais como um conjunto de pessoas”. A autora revela ainda que muitos software de análise de redes sociais utilizam a teoria dos grafos em seus algoritmos. Já Telles (2010, p. 82) defende que as redes sociais podem ser com- preendidas como “[...] ambientes que focam reunir pessoas, os chamados membros, que, umavez inscritos, podem expor seu perfil com dados, como fotos pessoais, textos, mensagens e vídeos, além de interagir com outros membros, criando listas de amigos e comunidades”. O autor destaca também que as redes sociais têm acrescentado inúmeras funções às suas plataformas, permitindo que as pessoas interajam de diferentes maneiras, com conteúdos próprios e regras específicas para cada rede. Essas características específicas de cada rede vêm moldando o comportamento de seus membros e interferem na forma como eles interagem. “A maioria das redes sociais contém o con- ceito de um grupo — um conjunto de pessoas unidas com um interesse em comum. Os membros do grupo podem compartilhar notícias e discussões” (TELLES, 2010, p. 82). Desse modo, as redes sociais são estruturas formadas por pessoas e orga- nizações que se relacionam dentro ou fora da internet a partir de interesses em comum. Inclusive, o conceito de rede ou teia social já é utilizado no campo da sociologia para determinar essas interações sociais que acontecem entre grupos e sociedades desde o final do século XIX. As redes sociais são, O cenário das fake news em uma perspectiva crítica4 portanto, um conceito apropriado de outros campos científicos, mas que ganhou destaque por caracterizar a forma como os usuários se relacionam no ambiente digital; as interações na internet constroem redes sociais. É bastante comum haver confusão entre as expressões “rede social” e “mídia social”. Gabriel (2010) aponta que é recorrente a utilização dos termos como sinônimos, mas eles não o são. De acordo com a autora, as redes sociais “[...] relacionam-se a pessoas conectadas em função de um interesse em comum, [enquanto as] mídias sociais associam-se a conteúdos (texto, imagem, vídeo, etc.) gerados e compartilhados pelas pessoas nas redes sociais” (GABRIEL, 2010, p. 202). Ou seja, como aponta Gabriel (2010), as redes sociais não se restringem ao uso da tecnologia: seu propósito é conectar pessoas com interesses em comum por meio de uma estrutura social, que pode ser física ou virtual, como as redes sociais digitais. Já as mídias sociais abrangem a tecnologia ou o meio que as pessoas utilizam para se conectar. Segundo Gabriel (2010), essa confusão é comum pois as plataformas de redes sociais (como Facebook, Instagram, Twitter e Youtube) funcionam tanto como redes sociais quanto como mídias sociais. Isto é, no mesmo espaço, as pessoas estabelecem conexões e também compartilham informações em formatos diversos. Mudanças na produção jornalística Para Machado (2002, documento on-line), como regra geral, a prática profi s- sional do jornalismo no ambiente digital se baseia nos parâmetros e procedi- mentos adotados pelos meios tradicionais — como jornais impressos, rádio e televisão —, que são “[...] transplantados como elementos estruturais do sistema de produção de conteúdo das publicações jornalísticas no ciberes- paço”. Essa difi culdade em compreender como atuar de forma diferenciada no ambiente digital, associada às mudanças impostas pela estrutura empre- sarial do jornalismo (redução dos postos de trabalho, crises fi nanceiras e pouco tempo para a produção das matérias), é um dos indicativos de como as fake news encontraram um campo vasto de propagação. Além disso, o autor destaca um ponto importante: o modo como as redes sociais afetaram a produção jornalística. 5O cenário das fake news em uma perspectiva crítica De acordo com o autor, após a criação e a ampla disseminação das tecno- logias de comunicação, como banda larga, fibra óptica e avanços na telefonia (classificadas pelo autor como redes telemáticas), observou-se dois modos distintos de atuação dos jornalistas. Veja: a) as redes são uma espécie de ferramenta para nutrir os jornalistas das organizações convencionais com conteúdos complementares aos co- letados pelos métodos tradicionais; b) as redes são um ambiente diferenciado com capacidade de fundar uma modalidade distinta de jornalismo, em que todas as etapas do sistema de produção de conteúdos jornalísticos permanecem circunscritas aos limites do ciberespaço. Como alternativa, Machado (2002) defende a adoção de técnicas de pesquisa e apuração adequadas ao jornalismo praticado no ambiente digital e nas redes telemáticas. Os problemas apontados pelo autor giram em torno da dificuldade de apurar os fatos no ciberespaço, uma vez que o jornalista não consegue confrontar os fatos de forma direta. Para realizar uma apuração mais precisa, o profissional deveria explorar a utilização do computador para além do texto, ou seja, como mecanismo de busca e de verificação de dados e informações. Outro problema é a natureza das fontes; como o ciberespaço se caracteriza por sua estrutura descentralizada, o trabalho de apuração dos jornalistas nas redes torna-se mais complexo. Isso se soma à “[...] multiplicação das fontes sem tradição especializada no tratamento de notícias, espalhadas agora em escala mundial” (MACHADO, 2002, documento on-line). Para reverter esse quadro, o autor indica a utilização de fontes oficiais ou de personalidades reconhecidas para respaldar a veracidade das informações e dar suporte à credibilidade do veículo. Saad (2016) também reflete sobre essa mudança no jornalismo provocada pelas redes sociais. Valendo-se de Brambilla (2005), a autora enfatiza que as redes sociais transformaram o modo como as pessoas se relacionam. Associado a isso, há um cenário complexo e de incertezas, além de interações em contínua transformação que alteraram as relações sociais. Esse contexto afeta não apenas a prática jornalística, mas também a oferta de conteúdos e o relacionamento com o leitor. Grupos de comunicação de grande porte possuem diferentes formas de interação com o leitor e se preocupam com envolvê-lo e fidelizá-lo em todas as plataformas. Nesse sentido, as redes sociais são utilizadas pelo jornalista com três funções essenciais. Veja a seguir. O cenário das fake news em uma perspectiva crítica6 Apuração: busca por fontes, personagens, pautas, testemunhos e opiniões. Veiculação: divulgação das matérias jornalísticas, com as adaptações necessárias quanto à linguagem e ao momento certo de divulgar de- terminadas notícias. Feedback do público: espécie de canal de ouvidoria para receber in- formações e melhorar a qualidade do trabalho jornalístico. Machado (2002) destaca ainda que o ciberespaço promoveu uma inversão no processo tradicional de produção da notícia: se antes o repórter saía para perseguir um fato, agora as informações chegam até ele. O repórter passou a atuar como uma central de recebimento de informações dos mais variados meios e fontes. Portanto, é essencial que o jornalista compreenda como avaliar cada pauta e como mensurar a importância do valor-notícia. Nesse sentido, as redes sociais passaram a atuar como fonte para pautar o próprio jornalista. E, como destaca Machado (2002), nem sempre essa “facilidade” de encontrar a pauta resulta em uma matéria de qualidade, pois nesse processo há diversos empecilhos. Ademais, nem todos os profissionais estão devidamente quali- ficados para se valer das etapas de produção jornalística a fim de apurar os fatos e evitar desinformações. 2 A atuação dos robôs na internet Compreender o que são as redes sociais e como elas afetam o processo produtivo da notícia é essencial para você entender como o fenômeno das fake news se propaga. Contudo, as redes sociais não são as únicas fontes de propagação das notícias falsas, e essas notícias não são disseminadas apenas pelos usuários ou pelas matérias jornalísticas de baixa qualidade. No cenário atual, há outro fator que explica essa disseminação em larga escala e com consequências desastrosas para o debate público: são os robôs conhecidos como bots, chatbots e ciborgues. Como destaca Ruediger (2017), a internet e as redes sociais se converteram em campos importantes para o debate público e para a disputa entre narrativas. O autor relembraa ideia utópica de que a internet seria um espaço multiplicador de vozes, uma arena democrática de expressão, uma vez que cada usuário poderia assumir o protagonismo como lugar de fala. Todavia, de 2013 para cá, o que se observou foi que velhas práticas de difamação e manipulação do 7O cenário das fake news em uma perspectiva crítica debate público inundaram as redes sociais e o ambiente digital. De acordo com Ruediger (2017), as estratégias políticas de propagação de boatos e detrações pelos atores políticos foram massificadas velozmente pelas redes sociais. Para Ruediger (2017), a internet e as redes sociais dinamizaram o debate público e a disputa entre narrativas, abrindo espaços de discussão interessantes, mas também espaços para discursos de ódio, narrativas não legítimas e falsas. Somada a esse ambiente, há ainda a automatização de ferramentas de publi- cação, possibilitando o surgimento e a propagação de robôs. Barbosa (2018, documento on-line) evoca o contexto histórico da proli- feração dos chamados social bots: “A sociedade da informação começa, no século XXI, a lidar com um novo fenômeno: os social bots, que são contas automatizadas em redes sociais digitais. Os alvos desses robôs são, potencial- mente, todas as instituições e pessoas conectadas às mídias sociais”. O que são os robôs de internet? Ruediger (2017) defi ne robôs como contas controladas por software para au- tomatizar determinadas ações no ambiente virtual. A pesquisadora Yasodara Córdova, da Digital Kennedy School, esclarece que os bots são uma metáfora para um algoritmo que auxilia o usuário ou realiza algum trabalho por ele (GRAGNANI, 2017). Assim, os robôs estão por toda a internet e espalhados pelas redes sociais, ou seja, a automatização e a implementação de robôs não são por si sós práticas prejudiciais. O mais comum é que esses dispositivos que automatizam ações sejam utilizados para facilitar a navegação do usuário, como nos casos de atendimento virtual. Entre os exemplos, está a Magalu, assistente virtual do Magazine Luiza, entre tantos outros assistentes virtuais e chats de atendimento ao cliente. O problema, segundo a pesquisa da Digital Kennedy School, é a prática maliciosa e fraudulenta. O resultado disso é apontado por Barbosa (2018), que destaca que a socie- dade em rede (conceito do sociólogo Manuel Castells) abre um espaço para a atuação de programas automatizados que buscam se parecer com “huma- nos” para influenciar opiniões e direcionar as pautas de discussão a partir da viralização de mensagens pelas redes sociais. É a partir desse cenário que surge a discussão sobre a utilização desses robôs no ambiente da internet, com destaque à atuação desse tipo de ferramenta tecnológica em questões políticas, como as discussões sobre o Brexit, as eleições americanas de 2016 e as eleições presidenciais brasileiras de 2018. O cenário das fake news em uma perspectiva crítica8 De acordo com Barbosa (2018), os robôs podem ser encontrados em diversas plataformas de mídias sociais, mas as pesquisas têm demonstrado um registro de maior alcance no Facebook e no Twitter. O Twitter é a rede social que apresenta maior crescimento de atuação dos social bots. Segundo o autor, os robôs no Twitter podem ser facilmente identificados e melhor acompanhados. Por outro lado, Marcos Bastos, professor da Universidade de Londres, destaca que o Twitter se configura também como o ambiente mais amigável para os robôs. Para exemplificar sua fala, o pesquisador cita dados sobre discussões relacionadas ao plebiscito do Brexit, que contou com pelo menos 13,5 mil robôs usados para “bombar” postagens automatizadas de ambos os lados do debate (GRAGNANI, 2017). A facilidade da atuação robótica no Twitter é esclarecida por Bastos: essa rede não exige um tipo de conexão, como ocorre com o Facebook, em que o usuário teoricamente aceita apenas perfis conhecidos ou com afinidades. No Twitter, os perfis não exigem o uso de nomes verdadeiros e as interações ocorrem por hashtags ou pelas discussões em torno de assuntos em evidência, os trending topics. Bastos destaca, portanto, que o Twitter pode ser visto mais como um sistema de difusão de informações, daí a proliferação de robôs (GRAGNANI, 2017). Como destaca Barbosa (2018), o Facebook é uma rede social mais com- plexa. Embora tenha mais usuários do que outras plataformas, sua política de privacidade é mais restritiva, dificultando a atuação dos bots. Outra prática da plataforma é a verificação e a análise de perfis e conteúdos postados. Há um grau de exigência maior do que o do Twitter, por exemplo, no que se refere ao perfil criado e ao conteúdo das mensagens. Mas ainda assim há social bots atuando. A atuação de robôs tornou-se foco de pesquisas, pois a prática segue em crescimento. Haugen (2017 apud BARBOSA, 2018) alerta que essa prática maliciosa tem alto potencial destrutivo e manipulador em relação à democracia, pois há riscos de que os social bots pautem cada vez mais o debate público e polarizem as discussões, disseminando um volume ainda maior de notícias falsas e alterando até mesmo o resultado de eleições. Afinal, os novos robôs são desenvolvidos continuamente para driblar tentativas de detecção e restrição. Portanto, como destaca Barbosa (2018), entender o funcionamento dos robôs no ambiente digital e o modo como eles efetivamente participam do debate público é uma tarefa urgente para a academia e para os profissionais da área de comunicação. 9O cenário das fake news em uma perspectiva crítica Os chatbots são robôs especializados em conversas automáticas. Construídos a partir de um programa de computador que se baseia na tecnologia de inteligência artifi- cial, os chatbots são ferramentas cada vez mais aperfeiçoadas para imitar conversas com usuários de várias plataformas e aplicativos por meio de mensagens de texto automatizadas. Normalmente, os chatbots estão associados a atendimento ao cliente ou resposta automática para algumas perguntas frequentes, as chamadas FAQs (Frequently Asked Questions). Sua utilização visa a automatizar o atendimento e diminuir o tempo de espera do usuário para obter suporte e esclarecer dúvidas. A atuação de ciborgues nas redes sociais Há ainda outro social bot que atua no universo on-line. De acordo com Emi- liano de Cristofaro, professor da London's Global University, no Reino Unido, e pesquisador de segurança on-line, os ciborgues podem ser defi nidos como robôs híbridos, pois são operados em parte por humanos e em parte por com- putadores. Eles se encontram em uma zona cinzenta de atuação entre o real e o virtual, por isso também são conhecidos como “trolls” ou “socketpuppets” (fantoches). De acordo com o pesquisador, os ciborgues são um gênero ro- bótico muito mais complexo e sofi sticado, por isso são também mais difíceis de serem detectados. Sua atuação é muito semelhante à de um usuário real, pois o perfi l é construído com base em dados e fotos reais, e o conteúdo das publicações também se assemelha, em parte, ao publicado por um usuário comum. Além disso, os perfi s operados por algoritmos apresentam compor- tamentos previsíveis e padrões de interação, por isso são identifi cáveis. Já uma pessoa real pode interromper esse padrão de comportamento a qualquer momento, agindo de forma diferente e tornando sua identifi cação muito mais difícil (GRAGNANI, 2017). Toda essa engenhosidade na atuação dos ciborgues garante que eles ajam de forma mais prolongada. Segundo uma investigação da BBC Brasil (GRAG- NANI, 2017), os perfis ciborgues roubaram fotos de pessoas reais, criaram nomes falsos, mas aceitáveis, e adicionaram como amigos perfis de pessoas verdadeiras. Depois, passaram a criar publicações sobre uma rotina inventada e a publicar conteúdos elogiando políticos ou personalidades, ajudando a au- mentar a interação e o engajamento dessas pessoas. Essa estratégia sofisticada O cenário das fake news em uma perspectiva crítica10 permite que o perfilciborgue crie “reputação” junto aos usuários e passe a influenciar o debate e a opinião. Com o uso de ciborgues, por exemplo, a disseminação de notícias falsas consegue atingir um elevado grau de alcance. Isso ocorre pois há maior po- tencial para compartilhamentos e comentários, além de esses social bots se utilizarem de usuários verdadeiros para amplificar a transmissão. Afinal, sua interação primária se baseia em perfis autênticos. 3 Engrenagens algorítmicas nas redes sociais De acordo com Barbosa (2018), com o volume de dados aumentando e resul- tando em um dilúvio informacional, as redes sociais passaram a aprimorar seus algoritmos para permitir uma seleção e uma hierarquização das informações apresentadas aos usuários. Os algoritmos são fórmulas matemáticas aplicadas à programação de computadores que buscam classifi car as informações da rede e do usuário, realizando o cruzamento dessas informações para oferecer conteúdos personalizados ao internauta. Na prática, os algoritmos servem para “ler” os conteúdos disponibilizados na web. Eles levam em consideração uma série de fatores para fazer com que um conteúdo ou uma publicação chegue até o usuário. Esses algoritmos são utilizados tanto em mecanismos de busca, como o Google, como em platafor- mas de redes sociais. Assim, quando um internauta acessa suas redes sociais, ele visualiza os conteúdos que o algoritmo selecionou como mais relevantes para aquele perfil. O que parece ser uma forma eficaz de oferecer conteúdo personalizado e relevante para cada usuário transformou-se em um fenômeno limitante, conhecido como “filtro-bolha”. Afinal, os algoritmos selecionam essas informações e acabam restringindo o acesso do internauta a outros conteúdos e diferentes pontos de vista. Barbosa (2018) explica que esse processo de hierarquização e organização das informações no ciberespaço baseia-se em códigos que filtram o conteúdo e oferecem informações fundamentadas na predição, [...] constantemente criando e refinando uma teoria de quem você é, do que vai fazer e querer em seguida. Juntas, essas engrenagens criam um universo único de informação sobre cada um de nós, o [...] filtro-bolha, que fundamentalmente altera a forma com que nos deparamos com ideias e informações (PARISER, 2011 apud BARBOSA, 2018, documento on-line). 11O cenário das fake news em uma perspectiva crítica Além das fórmulas matemáticas, os algoritmos se utilizam de bots para trazer ao usuário informações que sejam úteis ou relevantes. Outra diferença é que, enquanto os algoritmos de busca focam a intenção do usuário, os algorit- mos das redes sociais geralmente usam fatores como engajamento e interação, oferecendo conteúdos de pessoas próximas ou de publicações que tiveram um grande número de comentários e compartilhamentos. É nesse mecanismo que as fake news se baseiam para se disseminar. As notícias falsas são construídas a partir dessas engrenagens e se apoiam nas interações e no engajamento para alcançar cada vez mais pessoas. Estas, por sua vez, passam a contribuir com a disseminação repostando e repassando o conteúdo falso para outros usuários. Impacto dos algoritmos na produção jornalística De acordo com Saad (2016), o Facebook é um exemplo de como as redes sociais modifi caram o contrato social entre os veículos e seus leitores. Isso ocorre porque os sites de relacionamento se confi guram tanto como plataformas de mídia quanto como empresas com fi ns comerciais. O modelo de negócios do Facebook, por exemplo, está em constante transformação desde sua origem. O objetivo disso é aprimorar as publicações, proporcionando um ambiente de maior interação entre os usuários e também de alta rentabilidade para os anunciantes. Essas questões, segundo a autora, resultam em interferência tanto na parte editorial dos jornais como na parte comercial e, consequentemente, na produção jornalística. “O problema editorial está relacionado ao algoritmo que passa a ser um redutor do compartilhamento do conteúdo jornalístico” (SAAD, 2016, p. 69). A autora revela ainda que os algoritmos do Facebook distribuem os conteúdos de acordo com os gostos pessoais de cada usuário, e não em função de uma decisão editorial que, por exemplo, estaria por trás de um veículo. Ao mesmo tempo, o Facebook censura conteúdos que não estejam de acordo com suas políticas editoriais, não importando quão confiável é a fonte ou o responsável por aquela informação. Como consequência, o jornalismo precisa se adequar às redes e ofertar notícias nos formatos aceitos pelas plataformas. Além disso, o jornalismo teve de se inserir em um cenário comercial, ou seja, há perfis e contas que lucram com o número de cliques e acessos. Nesse cenário, semelhante ao do sensacionalismo, chama-se a atenção do usuário apenas pela manchete. O cenário das fake news em uma perspectiva crítica12 Ou seja, como destaca Saad (2016, p. 70), “[...] o hospedeiro é o detentor da base de leitores. E, tendo uma base de dados sobre as ações, preferências e escolhas dos usuários, trabalha esses dados tanto no relacionamento interpares como na exploração da publicidade”. Essa mudança desencadeada pelas redes sociais afetou a produção jornalística, alterou o modo de financiamento dos veículos de jornalismo, que passaram a ceder espaços para anúncios em seus sites, e mudou também a questão da publicidade. De acordo com Saad (2016), antes os anúncios eram feitos em veículos ou editorias segmentadas e de interesse do anunciante, segundo critérios de credibilidade do veículo ao qual ele iria associar sua marca. Já com os anúncios digitais, como nas redes de display do Facebook e do Google, o anunciante segmenta apenas o público, mas não tem a opção de escolher o conteúdo que estará associado ao seu anúncio. Essa falta de transparência fez, inclusive, com que grandes marcas, como Coca-Cola e Unilever, retirassem investimentos de publicidade do Facebook depois de uma denúncia de que os anúncios estavam sendo exibidos junto a conteúdos associados a discursos de ódio e racismo (COCA-COLA..., 2020). O ciberespaço e as redes sociais, destaca Saad (2016), configuram-se como ambientes com trocas constantes entre pessoas, sistemas, algoritmos e robôs que sabem muito sobre cada usuário, suas preferências, escolhas e caminhos percorridos na web. Assim, o imenso volume de informações pro- duzido e disseminado no ambiente virtual é compactado e segmentado para ser entregue aos usuários de forma personalizada. Como resultado, as redes sociais contribuem para uma troca de informações imensa, podendo provocar transformações políticas expressivas e incentivar movimentos democráticos. Por outro lado, sua complexidade também faz reverberarem momentos an- tidemocráticos e discursos de ódio, além de limitar os debates públicos por meio de informações parciais e segmentadas. Todas essas características contraditórias das plataformas de redes sociais afetam a produção jornalística e o comportamento do leitor. Portanto, cabe a você, como profissional desse campo, compreender todas essas nuances para realizar seu trabalho de forma efetiva, aplicando os princípios éticos nas mais variadas plataformas e nos diversos formatos que o jornalismo utiliza no universo digital. 13O cenário das fake news em uma perspectiva crítica BARBOSA, B. R. G. Robôs nas mídias sociais: uma análise sobre a gênese e o desenvol- vimento do fenômeno social bots. Dissertação (Mestrado) - Universidade Católica de Pernambuco, Recife, 2018. Disponível em: http://tede2.unicap.br:8080/handle/ tede/1086. Acesso em: 1 ago. 2020. COCA-COLA anuncia pausa por 30 dias em anúncios em Facebook e Twitter. G1 Eco- nomia, jun. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/06/27/ coca-cola-anuncia-pausa-por-30-dias-em-anuncios-em-facebook-e-twitter.ghtml. Acesso em: 1 ago. 2020. GABRIEL, M. Marketing na era digital. São Paulo: Novatec, 2010. GRAGNANI, J. Como identificar os diferentes tipos de fakes e robôsque atuam nas redes. BBC Brasil, dez. 2017. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/bra- sil-42172154. Acesso em: 1 ago. 2020. MACHADO, E. O ciberespaço como fontes para os jornalistas. In: BOCC. Portugal: [S. n.], 2002. Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/_esp/autor.php?codautor=648. Acesso em: 1 ago. 2020. RUEDIGER, M. A. Os robôs nas redes sociais. In: FGV DAPP. Rio de Janeiro: FGV, 2017. Disponível em: http://dapp.fgv.br/artigo-os-robos-nas-redes-sociais/. Acesso em: 1 ago. 2020. SAAD, E. Visibilidade e consumo da informação nas redes sociais. Porto: Formalpress, 2016. SANTINO, R. Brasil lidera uso de redes sociais; saiba como isso afeta nossas vidas. In: OLHAR Digital. [S. l.: s. n.], 2019. Acesso em: 1 ago. 2020. TELLES, A. A revolução das mídias sociais: cases, conceitos, dicas e ferramentas. São Paulo: M. Books do Brasil, 2010. Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. O cenário das fake news em uma perspectiva crítica14
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