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TEORIA DA CONTABILIDADE Aline Alves dos Santos Pensamento humano e pré-história contábil Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Demonstrar o estágio de desenvolvimento histórico da contabilidade. � Identifi car o surgimento das escolas contábeis. � Apontar como os princípios fundamentais das teorias contábeis per- manecem na atualidade. Introdução As escolas contábeis de maior ênfase são o contismo, o personalismo, o controlismo, o ziendalismo e o patrimonialismo. Os pensadores que defenderam essas escolas, em algum momento, pensaram sobre a con- tabilidade, afirmando que ela deveria ser estudada, contribuindo, assim, para o que conhecemos hoje por função da contabilidade. Neste capítulo, você vai ler a respeito do desenvolvimento da conta- bilidade e dos princípios fundamentais das teorias contábeis. Desenvolvimento da contabilidade Podemos afi rmar que a história da contabilidade seguiu a evolução da huma- nidade. Portanto, a intenção de controlar o que as pessoas possuem nasceu pela vontade delas mesmas. No início, a contabilidade era realizada de modo rude. A evolução da riqueza particular dos indivíduos levou-os a buscar mé- todos (necessários) para proteger e monitorar os seus bens, que passaram a ser controlados e registrados. Com o tempo, o homem começou a adquirir e concentrar cada vez mais bens, formando, assim, o seu patrimônio, que era repassado aos seus fi lhos. O controle passou a ser necessário na evolução da contabilidade com o objetivo de manter o patrimônio, o que foi assegurado mediante a qualidade e a periodicidade com que era realizado. A contabilidade está ligada à necessidade de registrar e monitorar os bens que o homem adquire e pretende deixar aos seus descendentes. É importante destacar que não bastava ao homem gravar tudo o que possuía, pois as suas funções envolviam o comércio, no qual aconteciam grandes quantidades de trocas. Por isso houve a necessidade de um controle mais rígido. É possível organizar em uma linha do tempo a história da civilização e o desenvolvimento do controle, que levaria, posteriormente, ao surgimento da contabilidade: � a Idade Média, espaço de tempo compreendido entre os anos de 476 e de 1453, é conhecida como a Era Cristã. Nesse período, no ano de 1202, Leonardo Fibonacci concluiu a obra Liber abaci, baseada na aritmética e na álgebra; � a Idade Moderna compreende o período de 1453 até 1789. No ano de 1458, Benedetto Cotrugli apresentou a obra Della mercatura et del mercante perfetto, um marco na história da contabilidade. Em 1494, surgiu o escrito Summa de arithmetica, geometria, proportioni et proportionalità, obra elaborada por Frei Luca Pacioli, que apresentou um capítulo abordando a contabilidade, mais precisamente as partidas dobradas, dando início à evolução da contabilidade; � a Idade Contemporânea representa o período de 1789 até os dias atuais, quando outra obra proporcionou o avanço do conhecimento contábil, dando destaque à administração da riqueza, não somente ao seu controle. A obra, publicada em 1840, foi La contabilità applicata alle amministrazioni private e pubbliche, escrita por Francesco Villa, que definiu a contabilidade de fato como útil e necessária ao capitalista, promovendo-a à condição de conhecimento científico. Entre as obras citadas, a de Luca Pacioli merece grande destaque, pois corresponde a uma fase muito importante na história da contabilidade. O livro foi publicado em Veneza no ano de 1494, trazendo no Tractatus XI o Pensamento humano e pré-história contábil8 assunto particularis de computis et scripturis (contabilidade por partidas dobradas), destacando que a teoria da contabilidade que envolve o débito e o crédito representa a teoria dos números positivos e negativos. Considerando o raciocínio das partidas dobradas, se uma empresa adquire produtos e paga por eles, entende-se que se tem a entrada de mercadorias e, por consequência, a saída de dinheiro. Em virtude das trocas, compras e pagamentos, nasceu o registro contábil que permanece até os dias atuais sem alterações. Os registros comuns pas- saram a ser insuficientes diante da complexidade dos registros decorrentes de transações difíceis. Isso levou à evolução técnica dos registros contábeis duplos. Um registro completo era chamado de “partida” e, por isso, passou a usar-se a expressão “partida dobrada”. As escolas contábeis Várias escolas de pensamento contábil buscaram entender e determinar a contabilidade. Entre as escolas que merecem destaque estão o contismo, o personalismo, o controlismo, o ziendalismo e o patrimonialismo. Os seus pensadores, em momentos diversos da história, executaram o importante papel de refl etir sobre a contabilidade, considerando-a um objeto digno de estudos e, por fi m, deixando colaborações para o entendimento do signifi cado e da função da contabilidade. Veja, a seguir, as principais escolas. Contismo — o pensamento contábil contista teve por fi nalidade o estudo das contas. O contismo apareceu por meio de Degranges, em 1795, da teoria das cinco contas, que foi apresentada da seguinte forma: mercadorias gerais, caixa, contas a receber, contas a pagar, e lucros e perdas. A falta de aceitação do contismo ocorreu devido ao resumo da sua fundamentação científi ca, já que, para muitos doutrinadores da época, a conta não se referia a uma causa, mas ao efeito ou ferramenta que evidenciava o componente de uma riqueza, e, por esse motivo, não estava qualifi cada a enquadrar-se como objeto de pesquisa científi ca. Personalismo — a evolução da contabilidade passou para uma nova etapa no século XIX, quando se destacaram diversas escolas do pensamento contábil. O personalismo contraria a escola contista, dando maior ênfase às pessoas como representantes de elementos patrimoniais, não às contas, conhecidas como a essência do contismo. Os personalistas entendiam que as contas deveriam 9Pensamento humano e pré-história contábil corresponder às relações de direitos e obrigações, observando que os deveres, ou haveres, referiam-se aos débitos (obrigações) e créditos (direitos). A escola do personalismo considerou que as relações jurídicas entre gestores, donos de empresas e riqueza eram objetos da contabilidade. De acordo com Luz (2015), um dos seguidores da personalista, Giuseppe Cerboni, afirmava que seria necessária a compreensão de seis verdades, ou axiomas, para o entendimento e aplicação dessa doutrina: 1º axioma — A administração da azienda (riqueza) estará a cargo do pro- prietário, porém este deve estabelecer relações adequadas com agentes e correspondentes. 2º axioma — É preciso distinguir o papel do proprietário e do administrador, embora possam unir-se na mesma figura (proprietário-administrador). Deve haver separação clara entre negócio e família. 3º axioma — O papel do administrador é gerenciar o negócio, sem usar a riqueza para usufruir de benefícios pessoais. 4º axioma — A todo devedor corresponderá um credor e vice-versa. 5º axioma — O proprietário, administrando ou não a azienda, é, de fato, credor da substância e devedor das passividades pertinentes àquela riqueza. 6º axioma — A riqueza do proprietário (débito e crédito) varia conforme os lucros e perdas ou acréscimos e decréscimos de capital (LUZ, 2015, p. 43). Controlismo — corresponde ao controle econômico. Nessa escola, um dou- trinador, Fabio Besta, sugeriu que a contabilidade tivesse atividades básicas, como o controle antecedente, o concomitante e o consequente. Exemplos de controle antecedente, que caracterizam a ação contábil como controle formal, são estatutos, contratos, regulamentos, inventários, entre outros. Já exemplos de controle concomitante são divisão do trabalho, controle das funções de domínio e comando. Por fim, exemplos de controle consequente são documentos úteis aos fatos contábeis, escrituração contábil e a prestação de contas. Pensamento humano e pré-história contábil10A contabilidade possui ações mais extensas que o registro dos fatos eco- nômicos, precisando ser entendida e executada como um sistema único de controle interno. O controlismo sugeriu um controle econômico, em que dominava o registro contábil dos fatos aliado aos métodos empresariais de controle, conforme o interesse da administração da azienda. Azienda se refere à fazenda ou empresa, a entidades econômicas administrativas e também a um conjunto de pessoas e bens. A contabilidade foi, então, considerada um sistema de controle econômico de extrema relevância, podendo passar à frente a função contábil com relação ao registro e monitoramento das contas. A contabilidade passou a estudar e apresentar leis de controle econômico das aziendas, estabelecendo regras para que esse controle passasse a ser, de fato, eficiente e integral. Pelo ponto de vista da execução da contabilidade, consideraram-se inseridas a ação do registro, a avaliação e o monitoramento dos fatos econômicos. É possível afirmar que o controlismo divulgou a contabilidade de modo mais extenso e refinado para a época, comparado a qualquer outro pensamento contábil visto como importante. Moderna escola italiana (aziendalismo) — teve origem em um período em que se buscava um método de entendimento da empresa como objeto científi co. Vale ressaltar o quanto era relevante que essa situação científi ca não fi casse restrita ao patrimônio. Alguns estudiosos contribuíram para o surgimento de uma forma de pensar que divulgava o estudo dos fenômenos aziendais, esten- dendo, dessa forma, o signifi cado da contabilidade, já que, a partir disso, era possível pesquisar as relações de causa e efeito de tais fenômenos. A moderna escola italiana apareceu no início do século XX visando, de fato, adaptar a contabilidade como um conhecimento científi co. 11Pensamento humano e pré-história contábil Patrimonialismo — para essa escola, o patrimônio corresponde ao objeto de estudo da contabilidade, que é defi nida como a ciência que estuda o patrimônio disponível para as aziendas, ou seja, a riqueza. Esse patrimônio pode ser de maneira imobilizada ou fi xa e de forma dinâmica, isto é, fl uxos de caixa, de capital e de rendas. Também nas suas mutações de períodos diferentes, a fi m de apresentar, mediante índices, os refl exos da administração sobre a constituição e divisão dos resultados. No patrimonialismo, fi ca entendido que o patrimônio corresponde à riqueza. O capital corresponde à riqueza acumulada e precisa ser preservado e restaurado para conservar a sua utilidade potencial. Os princípios fundamentais das teorias contábeis O signifi cado da palavra “princípio” está relacionado à origem e corresponde a uma base essencial para um conhecimento científi co. O princípio contábil visa padronizar as bases sobre as quais os fatos serão identifi cados e mensurados. Função e surgimento de um princípio contábil Um princípio contábil precisa ter duas características: deve ser útil e executável. Quanto à utilidade, deve possuir valor adicionado à informação contábil do princípio. A execução está relacionada à ideia inicial de que, se a análise do método não puder ser cobrada dos contadores, estará faltando a essência de generalidade, fazendo com que o princípio passe a ser impraticável para o ramo ou atividade econômica. A contabilidade no Brasil é normatizada de maneira severa, devendo, assim, ser seguida pelos profissionais da área, conforme estabelecido os pronunciamentos do Comitê de Pronunciamentos Contábeis, a Lei nº. 6.404 de 1976 e a Lei 11.949 de 2009. Conforme a Lei 6.404 de 1.976: Art. 177. A escrituração da companhia será mantida em registros permanen- tes, com obediência aos preceitos da legislação comercial e desta Lei e aos princípios de contabilidade geralmente aceitos, devendo observar métodos ou Pensamento humano e pré-história contábil12 critérios contábeis uniformes no tempo e registrar as mutações patrimoniais segundo o regime de competência. Pela Resolução CFC nº. 1.282, de 28 de maio de 2010, o Conselho Federal de Contabilidade (CFC, 2010) realizou alterações necessárias, modificando, dessa forma, a Resolução CFC nº. 750, de 31 de dezembro de 1993, que trata dos princípios de contabilidade. Na Resolução de 1993, os princípios contábeis eram demonstrados da seguinte maneira: � entidade; � continuidade; � oportunidade; � registro pelo valor original; � competência; � prudência. .Vale destacar que, a partir do período de 1/1/2017, a Resolução CFC nº. 750/1993 foi revogada, passando a ter validade a Norma Brasileira de Conta-bilidade aplicada ao Setor Público (NBC TSP) — Estrutura Conceitual para Elaboração e Divulgação de Informação Contábil de Propósito Geral pelas Entidades do Setor Público. De acordo com o CFC, a revogação da Resolução nº. 750/1993 não expressa que os princípios de contabilidade tenham sido exterminados. A revogação incorpora o conceito, o que é indispensável para evitar possíveis diferenças com relação à compreensão teórica, que poderiam refletir nos elementos formais das NBCs. 13Pensamento humano e pré-história contábil A NBC TSP — Estrutura Conceitual apresenta os princípios que podem ser aplicados à apuração da informação. As decisões sobre as quais a informação deve ser evidenciada devem abordar (CONSELHO..., 2016): � os objetivos da preparação e da divulgação da informação contábil; � as particularidades qualitativas e restritas referentes às informações inseridas no Relatório Contábil de Propósito Geral (RCPG) das Enti- dades do Setor Público; � os elementos econômicos relevantes e outros acontecimentos sobre os quais a informação seja precisa. Quanto aos princípios para a escolha da informação para evidenciação, as definições referentes à apresentação são praticáveis nas demonstrações contá- beis, da mesma forma como são aos outros RCPGs. Os objetivos da composição e da divulgação da informação contábil são aplicados à área vinculada por relatório, com a finalidade de nortear o reconhecimento da informação para a demonstração. A identificação da informação devida e a demonstração em RCPG, em especial, podem considerar o desenvolvimento de: � princípios de classificação; � relação com os tipos gerais relativos às informações apresentadas e relações parecidas de espécies gerais de dados apresentados; � relação de informações específicas, de modo que os que desenvolvem a informação devem demonstrar ou evidenciar. Quanto aos princípios dispostos para a informação, entre relatórios dife- renciados, os elementos importantes para as definições sobre a disposição da informação entre as demonstrações contábeis e demais RCPGs ponderam: � essência, quanto à natureza da informação; � aspectos da jurisdição, com relação aos procedimentos legais vigentes; � relação, avalia se a informação agregada pode ou não possuir vínculo ou estar inserida no relatório existente. Pensamento humano e pré-história contábil14 BRASIL. Lei nº. 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Brasília, DF, 1976. 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