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Donald O Winnicott - The Piggle


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Prévia do material em texto

Relato do 
Tratamento 
Psicanalítico de 
• uma menzna 
~ 
I MAGO 
D. W. WINNICOTT 
THE PIGGLE 
RELATO DO TRATAMENTO 
PSICANALÍTICO DE UMA MENINA 
Coleção Psicologia Psicanalítica 
Direção de 
JAYME SALOMÃO 
IMAGO EDITORA LTDA. 
RIO DE JANEIRO 
THEPIGGLE 
Copyright © 1977 Clare Winnicott 
Published by arrangement with Mark Paterson & Associates, 
1 O Brook Street, Wivenhoe, Colchester C07 9DS, England 
Editoração: 
Tradução : Else Pires Vieira 
e Rosa de Lima Martins 
Revisão: Heloisa Fortes de Oliveira 
Todos os direitos, de reprodução, divulgação, tradução são reservados. Nenhuma parte 
desta obra poderá ser reproduzida por micro·ftlme, ou outro processo fotomecânico, 
eletrônico ou outros conhecidos no momento ou inventados a partir de agora, incluindo 
fotocópias e gravações, sem permissão do Editor. 
Impresso no Brasil 
Printed in Btazil 
SUMÁRIO 
Nota dos tradutores. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 
Prefácio por Clare Winnicorr e R. D. Sheperd . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 
Prefácio do Editor - Ishak Ramzy . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 
Introdução por D. W. Winnicott. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 
A paciente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 
Primeira consulta. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 
Segunda consulta. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 
Terceira consulta. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 7 
Quarta consulta. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 
Quinta consulta. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 
Sexta consulta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 
Sétima consulta. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 
Oitava consulta .......................... ~ . . . . . . . . . . . 93 
Nona consulta. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103 
Décima consulta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113 
Décima-primeira consulta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123 
Décima-segunda consulta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133 
Décima-terceira consulta. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145 
Décima-quarta consulta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155 
Décima-quinta consulta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161 
Décima-sexta consulta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169 
Pósfácio pelos pais de Piggle . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173 
13 i 
15 
Planta do local de trabalho do 
Dr. Winnicott 
87 Chester Square 
Londres. 
1. Jardim no terraço 
2. Muro -Janela obstruída 
3. Telhado inclinado 
4 . Área no Subsolo 
S. Estantes 
6. Cortinas 
7. Livros 
8. Escritório 
9. Sala de Espera 
10. Livros 
11. Estantes 
12. Brinquedos 
13. Escada para o jardim no 
Terraço 
14. Consultório 
1 5 . Estantes 
16. Livros 
17. Escrivaninha 
Desenhado por 
E. Britton 
NOTA DOS TRADUTORES 
Evitamos, na medida do possível, fazer qualquer adaptação, recurso 
do qual os tradutores se valem com freqüência. Citaríamos, à quisa de exem-
plo, a não tradução dos nomes próprios. O apelido "Piggle", literalmente, 
equivaleria a "porquinha" em português. No entanto, "Piggle", um vocativo 
da linguagem afetiva usado para crianças, não tem qualquer conotação pejora-
tiva, como ocorre em português com a tradução literal "porquinha". Um 
equivalente semântico seria, por exemplo, o vocativo "Gatinha"; mas este não 
se prestaria às variações fonológicas que a criança faz com a palavra "Piggle", 
como os leitores terão oportunidade de ver. O mesmo ocorre com o nome 
próprio "Gabrielle". Preferimos, também, não traduzir o apelido "Sush", 
que a criança inventou para designar sua irmã, Susan. A palavra "Sush" 
sugere uma pronúncia incorreta de "Susan", talvez, também, por analogia 
com "suck" (sugar, mamar) ou com "such" (parte da exclamação "Such a 
baby!" - Que bebê! - freqüentemente usada por pais ingleses ao repreen-
der, carinhosamente, uma criança). Uma vez que não seria adequado traduzir 
ou adaptar tais nomes próprios, a título de uniformidade de critério, man-
tivemos tan1bém os outros. 
A adaptação ao nível do discurso foi também evitada. Preferimos, sem-
pre que possível, uma tradução mais literal da linguagem da criança, dos 
pais e do terapeuta, ao dirigir-se à paciente em termos mais accessíveis. 
Entendemos que, muitas vezes, isto tenha implicado um uso menos aceitável 
do português. Porém, parece-nos que, num texto psicanalítico, o modo de 
expressar uma idéia é tão importante quanto o conteúdo propriamente 
dito; assim sendo, preocupamo-nos mais com a linguagem, em detrimento da 
correção lingüística. 
Tivemos de nos valer de elementos extra-lingüísticos ao traduzir o pro-
nome "you". Como poderíamos traduzi-lo por "você" ou "o( a) senhor( a)", 
baseamos a arbitrariedade de nossa escoll1a no espírito britânico. O povo 
inglês é bastante cerimonioso, principalmente com pessoas mais idosas; assim 
8 The Piggle 
sendo, traduzimos "you" por "o senhor" quando Piggle ou os pais se dirigem 
ao terapeuta; nos .outros casos, traduzimo-lo por "você". 
Gostaríamos de fazer uma última observação de ordem estilística. 
O autor, falecido antes de terminar o preparo do manuscrito para publicação, 
não teve a oportunidade de cuidar do estilo e até mesmo de 'COmpor frases 
inteiras. Suas notas, às vezes excessivamente elípticas, podem gerar dificul-
dades. Visando facilitar a leitura, alteramos, algumas vezes, a pontuação. 
Mantivemos, no entanto, a disposição do texto, inclusive das notas marginais. 
O leitor poderá deduzir que a presente tradução apresenta todas as 
dificuldades da tradução literária assim como da tradução técnica. Ao expor 
as principais dificuldades encontradas, não poderíamos deixar de mencionar 
a ajuda do professor Ian Linklater, de literatura inglesa, e da professora 
Ana Maria de Almeida, de literatura brasileira. Registramos nossos agradeci-
mentos especiais à inestimável ajuda do Dr. Abrahão Israel Myssior, da 
Associação Mineira de Psiquiatria, que, com seu profundo conhecimento 
téorico e grande experiência clínica, orientou-nos durante todas as fases do 
trabalho e reviu, cuidadosamente, o manuscrito. 
Else Ribeiro Pires Vieira 
Rosa de Lima Sá Martins 
(Do Laboratório de Tradução da Faculdade de Letras da Universidade Federal 
de Minas Gerais). 
Maio de 1979 
PREFÁCIO DA EDIÇÃO INGLESA 
Este livro apresenta literalmente trechos de anotações de um psicana-
lista sobre o tratamento de uma criancinha. O leitor terá a rara oportu,nidade 
de penetrar na intimidade de um consultório e observar a criança e o tera-
peuta em atividade. Isso terá um valor especial para aqueles que estão pro-
fissionalmente envolvidos com crianças, assim com'> será também de interesse 
para qualquer pessoa que sé preocupe com crianças e seu desenvolvimento. 
Piggle interessará particularmente àqueles já familiarizados com a obra 
do Dr. Winnicott, recentemente falecido. Seus comentários e outras obser-
vações ocasionais para o leitor descrevem a evolução do tratamento e dão sua 
interpretação teórica do que está acontecendo. Os textos sobre o que ele 
falou, e como ele falou, ilustram, ao mesmo tempo, claramente, suas con-
tribuições para a teoria e técnica psicanalítica no tratamento infantil. O livro, 
entretanto , não é enfadonho . É um relato vivo sobre duas pessoas trabalhan-
do e brincando juntas com intensidade e anin1ação propositadas. Na opinião 
de Winnicott, "não é possível a uma criança dessa idade extrair o significado 
de um jogo,a menos que, antes de tudo, haja brinquedo e diversão". É através 
do divertimento , que a ansiedade é dominada e contida dentro da experiência 
total (13a. consulta). 
Os leitores perceberão o prazer desfrutado pelo próprio Winnicott no 
jogo com a criança. Ele percebe e aceita a transferência . Faz mais que isso : dá 
vida à transferência, interpretando os vários papéis que lhe são destinados. A 
dramatização do mundo interior permite à criança experimentar aquelas 
fantasias que mais a perturbam, enquanto brinca com elas. Isso ocorre em 
doses pequenas e num contexto que se torna suficientemente seguro, graças à 
habilidade do terapeuta. A tensão criativa na transferência é mantida, e o grau 
de ansiedade e expectativa é conservado dentro da capacidade da criança, de 
tal forma que o jogo possa continuar. 
Dr. Winnicott adaptava sua técnica às necessidades de cada caso es-
pecífico. Se a psicanálise total era necessária e possível, ele fazia a análise. Do 
10 The Piggle 
contrário, mudava sua técnica de sessões regulares em sessões "de acordo com 
a demanda", ou em consultas terapêuticas isoladas ou prolongadas. O método 
"de acordo com a demanda", foi utilizado, nesse caso. 
No manuscrito deste livro há uma anotação do Dr. Winnicott, lem-
brando a si mesmo de fazer um comentário sobre a sua maneira de trabalhar 
com os pais da paciente. Infelizmente, ele nunca escreveu isso na íntegra, mas 
suas notas crípticas dão a perceber alguma coisa sobre o que ele sentia a 
respeito desse relacionamento. Suas anotações são como as seguintes: "dividir 
o material com os pais ~ terapia de familia não - estudo de caso não -
psicanálise partagé (compartilhada). Nenhuma quebra de confiança da parte 
deles e eles não interferiram". 
Uma anotação também sugere que, tanto a participação dos pais, 
quanto o intervalo entre as entrevistas produziran1 o enfraquecimento do 
sentimento possessivo e deixaram cantinho aberto para que o relacionamento 
da paciente com seus pais se desenvolvesse como parte do processo tera-
pêutico total. Os leitores deverão considerar que, no caso de Piggle, seus pais 
eram profissionais que tinhan1 conhecimento do campo da psicoterapêutica. 
A colaboração deles foi decisiva para o resultado do tratamento. 
A terapia prolongou-se por mais de dois anos e meio, com entrevistas 
esporádicas. Entre uma e outra entrevista, a paciente muitas vezes mandava, 
junto com as cartas dos pais, bilhetes e desenhos para o Dr. Winnicott, di-
zendo-lhe como estava sentindo-se. Era vital para a tarefa terapêutica que as 
entrevistas fossem marcadas a . pedido da criança e essa técnica teve uma 
importância capital na manutenção do relacionamento. A intensidade da 
transferência manteve-se do princípio ao fim, e desfez-se, fmalmente, de uma 
forma convincente e enternecedora para satisfação de ambos. 
Clare Winnicott 
R. D. Shepherd 
Winnicott Publications Conunittee 
( \ 
PREFÁCIO DO EDITOR DO ORIGINAL 
Apresentar este livro do Dr. Donald W. Winnicott, recentemente faleci-
do, constitui uma honra e um privilégio. Ele escreveu este documento clínico, 
íntimo e fascinante, e deixou-o de lado por vários anos, antes de se decidir 
a submetê-lo à consideração de outros leitores, além da Sra. Clare Winnicott 
e dos pais de sua pequena paciente. Tomei conhecimento do manuscrito 
através de um desses acasos que somente um Winnicott poderia proporcionar, 
um ano e meio antes de sua morte em 1971. As anotações sobre minhas 
discussões prolongadas com ele, durante o verão de 1969, e nossa correspon-
dência posterior, destinada a ajudá-lo na preparação do livro para publicação, 
serviram-me de roteiro para editá-lo em seu nome. Muito do· que ele somente 
poderia ter feito e planejara fazer, se tivesse tido tempo para · rever certas 
passagens e desenvolver anotações resumidas, ficará por fazer, a fun de 
conservar-se esta contribuição dentro do formato e do estilo originalmente 
estabelecidos pelo Dr. Winnicott. Tal como se encontra, entretanto, o livro 
está provavelmente destinado a permanecer, como exemplo eloqüente de uma 
rara perspicácia clínica e exemplificação inestimável da teoria e da técnica 
de um dos mais criativos e destacados mestres do tratamento psicanalítico 
da criança. 
Talvez seja necessário mencionar alguns fatos sobre Winnicott, especial-
mente para aqueles leitores que provavelmente ainda não tiveram acesso 
a qualquer relato biográfico sobre ele. Filho de ingleses autênticos, foi 
educado sob condições favoráveis, tendo-se formado em medicina com 
pouco mais de vinte anos. Começou sua carreira como pediatra clínico 
do Paddington Green Children's Hospital, em Londres, onde trabalhou durante 
quarenta anos aproximadamente, período em que atendeu, de acordo com 
seus cálculos, cerca de 60.000 mães e crianças. Logo após ter iniciado o 
exercício da pediatria, entrou em contato com Ernst Jones, que o enca-
minhou para análise com J ames Strachey. Referindo-se àqueles anos, Winni-
cott escreve: ".Eu estava iniciando como pediatra conselheiro, naquela oca-
12 The Piggle 
sião, e pode-se imaginar como era empolgante fazer inúmeras anl1Jlll1eses e 
obter de uma classe de pais menos instruídos toda a confmnação necessária 
para as teórias psicanalíticas, que estavam começando a fazer sentido para 
mim, através da minha própria análise. Naquele tempo, nenhum outro analista 
era também pediatra, e, assim, durante duas ou três décadas, fui um fenôme-
no isolado" 1 • 
Conheceu fama e renome mundial nos últimos quinze anos de sua vida. 
Não fundou uma escola nem liderou um grupo de seguidores que divulgassem 
seus ensinamentos. Obteve reconhecimento público pela maneira despreten-
siosa, porém direta, pelo estilo simples, porém incomparável, que usou na 
apresentação de suas descobertas. Apresentava, em palavra escrita e falada, 
exemplos vivos de seu trabalho prático (evidência convincente de suas desco-
bertas) aos círculos científicos e revistas especializadas em psiquiatria e psica-
nálise, assim como, com mais freqüência, ao círculo mais amplo de pais, 
assistentes sociais, professores e todos aqueles que se interessavam pela educa-
ção, saúde mental e bem-estar da criança. Winnicott ficou na história da ciên-
cia da natureza humana ao descobrir o significado daquilo que outras pessoas 
sabiam desde muito tempo, sem que percebessem ou avaliassem sua importân-
cia para o desenvolvimento e realização do homem. Uma bibliografia não 
atualizada de seus livros e trabalhos publicados chega a 190 títulos2 • Para 
resumir apenas os temas principais de uma contribuição tão volumosa seria 
necessário um livro inteiro; mas o essencial das contribuições de Winnicott 
pode ser encontrado na introdução de Masud Kahn à nova edição dos textos 
selecionados de Winnicott, Through Pediatrics to Psycho-Analysis3 • 
Donald Winnicott foi um dos professores a quem mais prezei, e durante 
quase vinte anos foi meu amigo e conselheiro. Como era de meu costume pas-
sar por Londres todas as vezes que ia para o Congresso Internacional de 
Psicanálise na Europa, escrevi a Winnicott, em junho de 1969, para saber 
se ele teria tempo para um encontro e uma conversa comigo, antes de nos 
envolvermos com as atividades do "pre-Congress", no percurso para Roma. 
Ele me respondeu imediamente, sugerindo uma noite para o encontro, logo 
após minha chegada a Londres. Contudo, em correspondência posterior, 
entregue ao mesmo dia, recebi outra carta que dizia: 
'"Tenho algumas notícias para você. Você não sabe ainda, mas em 
22 de junho, das 14:30 às 16:15 h, você vai supervisionar-me perante todos os 
1 A Personal View of the Kleinian Contribution. In: The Maturational Processes 
and the Facilitating Environment. Nova Iorque: Internacional Universities Press; Lon· 
dres: Hogarth Press, 1965, p. 172. 
2 Ver lista do Editor in The Maturational Processes and the Facilitating Environ-
· ment. 
3 Londres: Hogarth Press, 1975. 
Prefácio do Editor do Original 13 
participantes do "pre-Congress"! 
"Acontece que, porcausa de minha doença, alguns de meus alunos 
tiveram de procurar supervisores em outros lugares e, por isso; não tenho 
nenhum aluno com um caso interessante que eu possa apresentar no Congres· 
so. Em vista disso, solicitei permissão para ser supervisionado e estou convi· 
dando-o para ser o meu supervisor". 
"Farei uma exposição sobre a análise de uma criança e você poderá 
achá-la bastante insatisfatória como análise, mas isso conduziria à discussão. 
Aguardo com ansiedade e entusiasmo essa experiência. Quando nos encontrar· 
mos, dir-lhe-hei tudo o mais que você desejar saber se for necessário. Espero 
realmente que você aceite o convite ." 
Logo após minha chegada a Londres, à noite, depois de um jantar 
suntuoso preparado por Clare, Winnicott falou-me sobre o trabalho que estava 
marcado para o dia 22 de julho, como parte do "pre-Congress Scientific 
Program", organizado pela British Psycho-Analytic Society. Quando pergun-
tei se havia quaisquer anotações que eu pudesse ler, afunde me inteirar sobre 
o caso, ele, meio sério, respondeu-me que eu não precisava perder tempo 
preparando-me, nem precisava preocupar-me com outros pormenores além 
daqueles que iria apresentar; neles eu poderia basear minhas observações 
relativas à supervisão e dirigir uma discussão aberta no encontro. Foi somente 
depois de uma troca de brincadeiras que me entregou uma cópia completa 
das. notas datilografadas do caso do qual não tinha ainda escolhido a parte 
que iria apresenta r. 
Ao retornar ao hotel, preocupado com o possível desapontamento da 
Assembléia, ao ver que Winnicott não faria a supervisão, conforme fora anun· 
ciado, mas que seria, ao s.ontrário, supervisionado, e por um colega menos 
entendido no assunto, eu, apressadamente, passei uma vista de olhos sobre 
o manuscrito, para me informar a respeito do seu conteúdo e ver como a 
discussão preliminar se desenrolaria. Foi como se eu tivesse encontrado, 
por acaso, um tesouro escondido. A grande emoção e prazer que senti naquela 
leitura dissiparan1 minhas preocupações, e passei a ansiar pelo momento com 
alegiia antecipada. Este livro apresenta agora, para o leitor, aquele manuscrito. 
O grande anfiteatro esta repleto . Retardatários tiveram de contentar-se 
apenas com o espaço para ficar de pé. De acordo com uma relação disponível 
dos inscritos para o encontro, a audiência incluía psicanalistas provenientes 
dos quatro cantos do mundo e poucos da Inglaterra, uma vez que o "pre· 
Congress Scientific Program" se destinava principalmente aos participantes 
de outros países. Após explicar o motivo pelo qual não iria demonstrar 
uma supervisão realizada por ele, mas que ao contrário, iria ser supervísionado 
por mim, a convite dele, Winnicott prosseguiu, com sua voz mansa e sua ma· 
neim despretensiosa, introduzindo o caso e apresentando o trabalho que 
realizara durante a primeira sessão com a paciente. Um assunto que deu 
14 The Piggle 
margem a debates na discussão subseqüente foi: o tipo de tratamento que 
Winnicott descrevia e chamava "psicanálise de acordo com a demanda", 
com suas sessões infreqüentes e irregulares, era análise ou psicoterapia? 
Winnicott respondeu, chamando a atenção para o que fez com a transfe-
rência e o inconsciente, e não para os preparativos formais de uma situação 
de análise, ou a freqüência ou regularidade da sessões analíticas. Durante 
a discussão, ouviu-se um membro impaciente da audiência dizer, em sus-
surro audível: "Se existe qualquer dúvida se é análise ou não, como é que 
o caso do pequeno Hans4 ainda é considerado um dos clássicos da literatura 
psicanalítica?" Na introdução que o próprio Winnicott fez para este livro, 
ele discorre sobre as vantagens do método "de acordo com a demanda". 
Na verdade, Winnicott já tinha defmido o seu ponto de vista do que 
é psicanálise, em 19585 , quando afirmou: "Fui convidado para falar sobre 
o tratamento psicana/(tico, e, para contrabalançar, um colega foi convidado 
para falar sobre a psicoterapia individual. Espero que nós dois comecemos 
pelo mesmo problema: como distinguir entre os dois? Pessoalmente, não sou 
capaz de estabelecer essa distinção. Para mim a questão se resume em saber 
se o terapeuta fez um treinamento analítico ou não. 
Em vez de contrastar os dois temas, um com o outro, poderíamos 
com melhores resultados contrastar os dois temas como o da psiquiatria 
infantil. No exercício de minha profissão, tenho tratado de milhares de 
crianças nessa faixa etária [de lactação] através da psiquiatria infantil. Tenho 
(como analista com treinamento), feito psicoterapia individual em centenas 
delas. Já tive certo número de crianças dessa idade, para psicanálise, mais 
de doze e menos de vinte. Os Jintites são tão indefmidos que seria incapaz 
de afirmar com exatidão." 
Alguns anos mais tarde (1962)6 , ele voltou ao assunto e disse: "Gosto 
muito de fazer análise e sempre aguardo com expectativa o fmal de cada 
uma delas. A análise pela análise não tem sentido para mim. Faço análise 
porque é disso que o paciente preçisa e aceita. Se o paciente não precisa de 
análise, faço, então, outra coisa. Na análise, pergunta-se: quanto é permitido 
fazer? Por contraste, em minha clínica, o lema é: quão pouco precisa ser 
feito?" 
4 Freud, S. (1909). Analysis of a Phobia in a Five-Year-Old Boy:Standard Edition, 
10:3-149. Londres: Hogarth Press, 1955. 
5 Child Analysis in the Latency Period. In: The Maturational Processes and the 
Facilitating Environment. Nova Iorque: lntemational Univerties Press, 1965; Londres: 
Hogarth Press; p. 115. 
6 The Auns of Psycho-Analytical, Treatment. In: The Màturational Processes and 
the , Facilitating Environment. Nova Iorque: lntemational Universities Press; Londres: 
Hogarth Press, 1965, pp. 166-70. 
' I 
Prefácio do Editor do Original 15 
Ele conclui o mesmo trabalho com a seguinte afirmação: "Em minha 
opinião, nossos objetivos no exercício da técnica padrão não são alterados, 
no caso de interpretarmos os mecanismos mentais que pertencem·aos tipos 
psicóticos de desordem e aos estágios prinútivos nas fases emocionais do 
indivíduo. Se nosso objetivo continua a ser o de verbalizar o consciente 
incipiente em termos da transferência, então estaremos fazendo análise; 
caso contrário, seremos então analistas fazendo outra coisa que consideramos 
apropriada à ocasião. E por que não? 
lshak Ramzy, M.A., Ph.D. 
Topeka, Kansas, outubro de 1964 
INTRODUÇÃO 
O presente livro, cuja autoria é a mim atribuída, foi parcialmente 
escrito pelos pais de uma menina apelidada de Piggle1 . O livro é composto 
de excertos de cartas sobre Piggle, escritas pelos pais, e de minhas anotações 
clínicas, nas quais tento dar uma descrição pormenorizada das entrevistas 
psicanalíticas. Acrescentei comentários, mas espero que eles não sirvam 
de grande obstáculo ao desenvolvimento, por parte do leitor, de pontos 
de vista próprios sobre o material e sua evolução . 
Pode-se questionar se é lícito ou não publicar pormenores íntimos 
de uma análise; mas o fato de a paciente contar, neste caso, apenas dois 
anos e quatro meses, quando do início do tratamento, facilita a decisão. 
Acresce que, ao assumir parte da responsabilidade, os pais demonstraram 
não achar que a publicação da descrição do tratamento prejudicasse Gabrielle, 
caso ela deparasse com o livro quando estivesse mais velha2 • 
Não diria que este tratamento foi totalmente concluído. Vacilo em 
afirmar que a análise de uma criança pode ser dada por encerrada, quando a 
paciente é tão jovem que os processos de desenvolvimento se sobrepõem à 
análise no momento em que esta começa a alcançar êxito. Pode-se observar, 
nesse caso, que, a princípio, a patologia da criança domina a situação ; assim 
sendo, é fácil atribuir a mell1ora clínica ao trabalho realizado na análise. 
Com o decorrer do tempo, entretanto, a criança começa a se liberar do padrão 
de organização de defesas rígidas que constitui a doença; torna-se, pois, difícil 
distinguir a melhora clínica do desenvolvimento emocional,e o trabalho rea-
lizado no tratamento dos processos de maturação que se tornaram livres. 
1 Na Inglaterra, o apelido "Piggle" é um termo afetuoso usado geralmente para 
crianças de tenra idade . 
2 Em data posterior, a mãe, sem ter em vista a publicação, forneceu alguns comen· 
tários sobre as transcrições das sessões. Alguns de·sses comentários foram incluídos nc 
livro. 
18 The Piggle 
Os pais entraram em contacto conúgo em janeiro de 1964, quando 
Gabrielle tinha dois anos e quatro meses de idade. Atendi Gabrielle 14 vezes 
"de acordo com a demanda", começando, quando ela contava dois anos 
e ·cinco meses. Ela estava com cinco anos por ocasião da décima-quarta 
consulta. 
No caso específico desta análise, em decorrência do fato de a criança 
morar a uma distância considerável de Londres, o tratamento foi feito "de 
acordo com a demanda", o que influenciou a questão do seu término. Não 
há razão para não se dar continuidade ao método "de acordo com a deman-
da", bem como para não incluir, esporadicamente, fases de tratamento 
intensivo. Não é possível nem necessário prognosticar um futuro remoto. 
Observar-se-á, com relação a isto, entretanto, que o analista é mais suscetível 
de tolerância da sintomatologia da criança do que os pais; estes tendem a 
achar que, uma vez que a criança entrou em tratamento, o aparecimento 
de sintomas deva significar um reinício do tratamento. Uma vez que se 
inicia um tratamento, o que se perde de vista é a rica sintomatologia de todas 
as crianças que são satisfatoriamente tratadas em suas próprias casas. É pos. 
sível que o tratamento de uma criança, de fato, interfira em algo muito 
valioso, que é a capacidade da famt1ia de tolerar e enfrentar os estados clíni-
cos da criança, indicativos de tensão emocional, ou paradas temporárias no 
desenvolvimento emocional, ou o desenvolvimento propriamente dito. 
Sob esta perspectiva, o método "de acordo com a demanda" oferece 
vantagens sobre o método de sessões diárias cinco vezes por semana. Por 
outro lado, não se deve pensar que um meio-termo seja válido; ou a análise 
é feita em termos de sessões diárias, ou, caso contrário, a criança deve ser 
atendida a pedido. Os tratamentos com uma sessão semanal, que se tornaram 
um meio-termo de aceitação praticamente geral, têm validade questionável, 
pois ficam entre dois extremos e impedem a consecução de um trabalho 
de real profundidade. 
O leitor poderá achar que o estado clínico dessa criança é bem descri-
to nas cartas que os pais escreviam nos intervalos entre uma e outra consulta. 
É possível verificar, através dessas descrições feitas sem visar a publicação e 
simplesmente para dar informações ao analista, que a patologia de Gabrielle 
se tornou um traço donúnante e assunúu, após as duas primeiras sessões, 
um padrão organizado como doença. Em seguida, gradativamente, a sintoma-
tologia desaparece, cedendo lugar a uma série de estádios de maturação que 
tiveram de ser novamente trabalhados, embora, certamente, eles tinham sido 
satisfatoriamente vividos durante a primeira infância de-Gabrielle, isto é, antes •I 
da segunda gravidez da mãe. Contudo, é através da descrição do trabalho 
psicanalítico que o leitor poderá observar a saúde básica da personalidade 
dessa criança; esta característica foi sempre óbvia para o analista, mesmo 
quando, clinicamente e em casa, a criança se mostrasse realmente doente. O 
Introdução 19 
tratamento exerceu uma influência especial que se evidencia desde o início 
e que, sem dúvida, se tornou mais conspícua pela confiança dos pais e da 
paciente no analista. As descrições do trabalho realizado demonstram que, 
desde o começo, Gabrielle vinha para uma atividade e que, toda vez em que 
ela vinha para o tratamento, trazia um problema que era capaz de revelar. 
Em todas as ocasiões o analista tinha a impressão de que a criança levava ao 
seu conhecimento um problema específico, embora haja muitos momentos 
de conversas ou comportamentos ou jogos indefmidos, nos quais parecia não 
haver nenhuma orientação. Essas fases de jogos indefinidos eram evidente-
mente um traço importante , visto que um sentido de direção se desenvolvia 
a partir do caos, e que a criança se tornava capaz de comunicar em decorrên-
cia de um senso de necessidade real; necessidade esta que a levava a pedir que 
houvesse uma outra consulta. Intencionalmente deixei vago o mater~al inde· 
fmido, tal qual ele me pareceu ná ocasião em que fazia as anotações. 
D. W. Winnicott, F. R. C.P. 
22 de novembro de 1965 
A PACIENTE 
TRECHO DA PRIMEIRA CARTA DOS 
PAIS, ESCRITA PELA MÃE 
4 de janeiro de 1964 
"Será que o senhor tem tempo para ver nossa filha 
Gabrielle, de dois anos e quatro meses de idade? Ela tem 
preocupações que a mantêm acordada à noite, e que al-
gumas vezes parecem afetar sua vida em geral e seu relacio-
namento conosco, embora isso nem sempre aconteça. 
"Aqui estão alguns pormenores. 
"É difícil descrevê-la como um bebê. Sempre pa-
receu muito mais uma pessoa formada, dando a impres-
são de dispor de grandes recursos interiores. Não há muito 
a dizer sobre a sua alimentação que transcorreu de maneira 
fácil e natural; o mesmo com relação ao desmame. Foi 
amamentada no seio matemo durante nove meses1 • Tinha 
grande equiltbrio - quase não caía quando estava apren-
dendo a andar e raramente chorava quando isso acontecia. 
Desde muito cedo demonstrou sentimentos muito apaixo-
nados com relação ao pai e certa arrogância com relação 
à mãe. 
"Nasceu-lhe uma irmãzinha (atualmente com sete 
meses) quando ela estava com vinte e um meses, o que 
considerei cedo demais para ela. Isso, e também (assim 
o creio) a nossa ansiedade a respeito2 , pareceu ter-lhe 
1 Os itálicos são meus. D. W. W. 
2 Somente muito mais tarde fiquei sabendo que a mãe, nessa mesma idade, tinha 
vivido a experiência do nascimento de um irmãozinho. D. W. W. 
22 
causado uma grande transformação. 
Ela se aborrece e fica deprimida com facilidade, o 
que não se notava antes, e tornou-se inesperadamente 
consciente de seus relaCionamentos e, de modo especial, 
de sua identidade. A angústia intensa e o ciúme mani-
festo pela irmã não perduraram por muito tempo, não 
obstante a grande intensidade da sua angústia. As duas 
agora acham muita graça uma na outra. Com relação 
à mãe, cuja existência parecia antes quase ignorar, Ga-
brielle demonstra maior afeição, se bem que, algumas 
vezes, maior ressentimento também. Tornou-se claramente 
mais reservada com o pai. 
''Não tentarei dar-lhe qualquer pormenor a res-
peito, mas apenas . contat-lhe as fantasias que a man-
têm chamando por nós em voz alta, até altas horas da 
noite. · 
"Ela tem um papai preto e uma mamãe preta. A ma-
mãe preta vem atrás dela à noite e diz: "Onde estão meus 
mamás"* (mamar = comer. Apontava, para os seus seios, 
chamando-os de mamás e puxava-os para fazê-los maiores). 
Algumas vezes, a mamãe preta coloca-a· dentro da privada. 
A mamãe preta, que mora em sua barriga, e com quem se 
pode falar pelo telefone, está sempre doente, sendo difícil 
tratá-la . . 
"O segundo elemento de fantasia, e que começou 
mais cedo, refere-se ao 'bebê-car'. Todas as noites, ela pede, 
repetidas vezes: 'Me fala do bebê-{;ar, tudo sobre o bebê-{;ar'. 
A mamãe preta e o papai preto estão freqüentemente juntos 
no bebê-car; ou algum homem sozinho. Ocasionalmente, há 
uma Piggle preta em evidência (nós chamamos Gabrielle de 
"Piggle"). 
"Até recentemente, embora isso já tenha passado, 
arranhava violentamente o rosto, todas as noites. 
"Algumas vezes fica animada, espontânea e cheia de 
vida. Dessa vez, entretanto, pensamos em recorrer ao senhor, 
pelo receio de que ela venha a acomodar-se e tornar-se 
insensível ante sua angústia, como a única maneira de en-
frentá-la". 
The Piggle 
A doença 
clinicamente 
descrita 
*No original yams - palavra inventada pela criança para designar "seios" e "co-
mer". Presume-se que tenha sido por analogia com a onomatopéia nham, também usada 
pelos ingleses para expressar coisagostosa. (N.T.) 
A Paciente 
TRECHO DE CARTA DA MÃE 
"As coisas não melhoraram nada, desde que escrevi 
para o senhor. Piggle, agora, quase nunca demonstra qual-
quer concentração em seus brinquedos e dificilmente adnú-
te ser ela mesma: ou é o bebê-car ou é, com mais freqüên-
cia, a mamãe. 'A Piga foi embora, foi para o bebê-car. A 
Piga é preta. Os dois Pigas são ruins. Chora, mamãe, por 
causa do bebê-car!'" 
"Contei-lhe que tinha escrito para o Dr. Winnicott, 
' que entende de bebê-cars e mamães-pretas'; desde então 
ela parou com as suas súplicas noturnas: 'Me fala do bebê-
car' . Duas vezes me pediu, dir-se-ia que inesperadamente: 
- 'Mamãe, me leva ao Dr. Winnicott.'" 
23 
Um estudo 
clínico 
degenerativo 
I 
I 
PRIMEIRA CONSULTA 
(3 .de fevereiro de 1964) 
Os pais trouxeram "Piggle" e, a princípio, ficamos 
todos durante algum tempo no consultório. Gabrielle estava 
séria e, Jogo que pôs a cabeça na porta, percebi que tinha 
vindo disposta a trabalhar. 
Levei os três para a sala de espera, onde tentei trazer 
Piggle de volta à minha sala. Ela não se mostrava disposta a 
fazê -lo e no percurso disse para a mãe: 
"Eu sou tímida demais!" 
Em vista disso , chamei também a mãe, recomendan-
do-lhe , entretanto, que não ajudasse em nada . As duas 
sentaram-se juntas no divã. Antes eu já tinha feito amizade 
com o ursinho que estava no chão, ao lado da mesa. Sentei-
me no chão, no fundo da sala para brincar com os brinque-
dos. Disse a Piggle (na verdade eu não conseguia vê-la): 
"Traz o ursinho para cá. Quero mostrar-lhe os brinquedos". 
Ela trouxe-o imediatamente e ajudou-me a mostrar-lhe os 
brinquedos. Logo, ela mesma começou a brincar com eles, 
tirando principalmente partes de trenzinhos daquela con-
fusão. E dizia: "Eu tenho um ... " e assim por diante, 
nomeando o brinquedo que apanhava. Após cinco minutos 
aproximadamente, sua mãe saiu de mansinho da sala. A 
porta ficou aberta ; isso era importante para Piggle, que 
observava os preparativos. Então, ela começou a dizer repe-
tidamente: "Aqui está um outro ... e aqui um outro". Isso 
se referia mais a vagões e locomotivas, mas não importava 
muito o que fosse: ela sempre fazia o mesmo comentário. 
Vendo que se tratava de uma comunicação, falei: "O outro 
bebê, o bebê Sush" 1 . Devo ter dito a coisa correta, porque 
Comunicação 
inicial 
Estabelecendo 
comunicação 
1 t assim que Gabrielle chama sua irmã Susan, agora c.om oito meses. 
26 
ela começou imediatamente a falar da época em que o bebê 
Sush nasceu, tal como ela a lembrava: "Eu era um bebê. 
Eu estava no berço . Eu estava dormindo. Eu tinha acabado 
de tomar a mamadeira". Pensando ter ouvido alguma coisa 
sobre lamber, perguntei-lhe: "Você disse que estava lam-
bendo?" Ela respondeu: "Não, eu não estava". (De fato, 
como descobri mais tarde, Gabrielle nunca tomou uma ma-
madeira, mas tinha visto a irmãzinha fazê-lo). Então, eu 
repeti: "Havia então outro bebê" (eu o fiz afunde incenti-
vá-la a continuar com a narrativa do nascimento). 
Ela apanhou um objeto redondo com uma peça no 
centro, que devia ter pertencido ao eixo de um vagão e per-
guntou: "De onde veio isso?" Expliquei-lhe exatamente de 
que se tratava, perguntando-lhe em seguida: "De onde veio 
o bebê?". "O berço", ela respondeu. Nesse momento pegou 
uma figura de um homenzinho e tentou empurrá-la para 
dentro do assento do motorista de um carro de" brinquedo. 
Não conseguiu, pois ele era grande demais. Tentou passá-la 
por outros meios, inclusive pela janela. 
"Ele não entra, está agarrado". Pegou uma vari-
nha, enfiou-a dentro da janela e falou: "A varinha en-
tra". Falei algo sobre o homem pondo alguma coisa den-
tro da mulher para fazer o bebê. Ela falou: "Eu tenho 
um gato. Da próxima vez vou trazer meu gatinho, outro 
dia". 
Nesse momento, ela quis ver a mãe e abriu a porta. 
Falei qualquer coisa sobre conversar com o ursinho. Perce-
bia-se certa ansiedade que tinha de ser trabalhada. Tentei 
verbalizá-la: "Você está com medo; você tem sonhos que 
fazem medo?". "Sobre o bebê-car", ela respondeu. Esse 
nome já tinha sido mencionado pela mãe em associação 
com o bebê, o bebê Sush. 
Já então Gabrielle estava tirando a fita do carnei-
rinho de brinquedo, colocando-a em volta do próprio pes-
coço. Parece-me que falei: "O que o bebê-car come?" 
Ela respondeu: "Não sei. Eu tenho um azul. .. oh não, 
isso era um balão" (referindo-se a um balão vazio que tinha 
trazido de casa. Ela o manuseava displicentemente, e, na 
verdade, esse foi o ponto de partida para o jogo). 
Apanhou uma pequena lâmpada de superfície fosca, 
na qual estava desenhada a figura de um homem. Pediu: 
"Desenha homenzinho". Desenhei outra vez o rosto de um 
The Piggle 
Ansiedade 
mudança de 
assunto 
Contato com a 
mãe-
alívio 
Primeira Consulta 
homem na lâmpada. Ela pegou as cestinhas de plásticos de 
morangos e perguntou: "Posso colocá-los ·aqui dentro?" 
Começou, então·, com modos decididos, a guardar tudo 
dentro das caixas. Havia bugigangas por todos os lados e, 
mais ou menos, oito caixas de tipos diferentes. Disse-lhe: 
"Você está fazendo bebês como se estivesse cozinhando: 
pondo tudo junto". Ela fez algumas observações: "Eu tenho 
de arrumar tudo. Não posso deixar o lugar desarrumado". 
Finalmente, tudo foi guardado, minuciosamente, den-
tro das seis caixas. Enquanto isso, perguntava-me como 
fazer o que tinha de fazer. Introduzi, então, de forma bas- · 
tante óbvia, alguma coisa a respeito da mamãe preta: "Você 
alguma vez fica zangada com a mamãe?" Eu tinha associado 
a idéia da mamãe preta à sua rivalidade com a mãe, uma vez 
que ambas amavam o mesmo homem, o papai. Sua ligação 
profunda com o pai era bem evidente, por isso eu me sentia 
bastante seguro ao fazer essa interpretação. Num certo 
nível, isso deve estar certo. 
Após ter guardado tudo, ela falou: "Eu queria buscar 
mamãe e papai". E, enquanto caminhava para a sala de es-
pera, acrescentou : "Eu arrumei tudo". 
Durante todo esse tempo Gabrielle tinha cooperado 
comigo, guardando todos os brinquedos debaixo da· estante, 
inclusive o seu próprio ursinho; amarramos, novamente, a 
fita no pescoço do carneirinho. 
Enquanto o pai tomava conta de Gabrielle na sala de 
espera, conversei com a mãe. 
ENTREVISTA COM A MÃE 
Segundo a mãe, Piggle tinha piorado muito, recente-
mente. Ela não estava fazendo travessuras e tratava bem 
o bebê. Mas, ela não era ela mesma. Na verdade, ela re-
cusava-se a ser ela mesma e dizia: "Eu sou a mamãe. Eu 
sou o bebê" . Não queria ser tratada como sua própria 
pessoa, tendo desenvolvido um modo de falar, em tom 
alto, que não lhe era peculiar. Se falava alguma coisa séria, 
sua voz tornava-se profunda. Piggle tinha sido um bebê 
excepcionalmente controlado e seguro de si. Quando Susan 
nasceu, a mãe tomou consciência, imediatamente, de que 
Piggle necessitava de muito mais atenção. Havia uma 
27 
Negação da 
desordem 
28 
canção 2 que estava associada à primeira infância de Piggle, 
mas quando os pais, recentemente, começavam a cantá-la, 
ela chorava amargamente e pedia: "Parem. Não cantem esta 
canção". (Comigo ela cantarolou uma canção e ficou muito 
contente quando eu disse: "Navios que passam".*Tinham-
me informado que ela aprendera essa canção com o pai). 
A música que ela não gostava era alemã, com palavras 
adaptadas para o inglês, e estava estreitamente ligada ao 
relacionamento íntimo da mãe com o bebê. O alemão era a 
língua nativa da mãe. O pai era inglês. 
Quanto à mamãe preta e ao bebê-car, há pormenores 
que ainda não consegui compreender bem. Os pesadelos de 
de Piggle podem ser ou com bebê-car ou com um trem. 
Ela ainda não tinha controle esfmcteriano, mas 
quando o bebê nasceu, aprendeu por si mesma numa sema-
na. Ela era o tipo de criança que não falava e, de repente, 
falou com o maior desembaraço. Costumava brincar todo o 
tempo, mas, desde sua transformação, vem demonstrando 
tendência para ficar somente no berço, chupando o polegar, 
sem brincar. Seu equilíbrio físico, antes excelente,também 
modificou-se. Ela agora está sempre caindo, chorando e 
reclamando dores. Costumava ser arrogante, e sua mãe 
existia para cumprir suas ordens. Desde os seis meses, adora 
o pai e, nesta idade, pronunciou "papai"- palavra que logo 
esqueceu ou não foi mais capaz de falar. Desde a transfor-
mação, ela parece considerar a mãe como uma pessoa à 
parte, tendo-se-lhe afeiçoado. Tornou-se, entretanto, mais 
reservada com relação ao pai. 
Alguns dias mais tarde, durante uma conversa com a 
mãe, pelo telefone, fiquei sabendo que, depois da consulta, 
Piggle, pela primeira vez desde o nascimento da irn1ã, se 
permitiu ser um bebê, em vez de continuar constantemente 
protestando. Entrou no "moisés" e tomou uma quantidade 
enorme de mamadeiras. Mas não admitia que ninguém a 
The Piggle 
Mais porme-
nores sobre 
a doença 
2 Nota dos pais: "Nós transformamos uma melodia antiga numa canção de ninar, 
com o seguinte estribilho: ... 'e a mamãe e o papai estarão aqui' ... (Le., enquanto o 
bebê dorme). Durante muito tempo as lágrimas subiam-lhe aos olhos quando alguém 
cantarolava a canção. Agora nós mudamos a letra da canção (a original era uma canção 
de despedida); algumas vezes ela gosta de ouvi-la; outras vezes, entretanto, quando alguém 
começa a cantá-la, grita: "Pára!" 
*No original Ships that come sailing by. (N. T.) 
Segunda Consulta 
chamasse de Piggle. Ou era o bebê ou a mamãe. Os Piggles 
eram "ruins e pretos". "Eu sou o bebê". A mãe achava que 
Gabrielle não estava assim tão angustiada e, conforme 
explicou, a ftlha tinha uma maneira de simbolizar suas ex-
periências. Os pais sentiam-se desorientados. Nenhum dos 
dois conseguia enxergar os aspectos positivos da capacidade 
da criança para resolver as coisas através de processos inter-
nos. Por outro lado, eles tinham razão em não estar tranqüi-
los com a situação atual. 
Piggle estendia-se na cama e chorava sem saber por-
quê. Quando saíam do meu consultório, ela falou, como se 
tivesse esquecido alguma coisa: "O bebê-car". E acrescen-
tou: "Dr. Winnicott não entende de bebê-cars - de bebê-
car". Disse também que o ursinho queria voltar para Lon-
dres e brincar com o Dr. Winnicott, mas que ela não queria 
ir não. Gabrielle quase ia esquecendo-se do ursinho entre os 
brinquedos, mas no último instante lembrou-se dele e le-
vou-o de volta para casa. Era como se ela lamentasse todo o 
tempo de não ter sido capaz de falar com o Dr. Winnicott 
sobre o bebê-car. Os pais recordaram-se, então, da anterior 
tensão de agonia que ela teve com relação ao bebê-car e 
a mamãe preta, até o momento em que alguma "coisa se 
rompeu", por assim dizer. A mãe desconhecia a origem 
exata do bebê-car. Sabia apenas que ele estava associado à 
cor preta, à mamãe preta, ao se/f preto e às pessoas pretas. 
No meio de acontecimentos alegres, Gabrielle subitamente 
olhava preocupada e dizia: "O bebê-car", e isso estragava 
tudo. Isso é coerente com a idéia de que preto aqui signifi-
cava a chegada do ódio (ou da desilusão). 
Há outro pormenor: de vez em quando, a mãe deve 
cair, ferir-se e ser tratada por Piggle. Surge aí uma evidência 
a mais, se fosse isso necessário, do ódio e do amor pela 
mãe, manifestando-se simultaneamente, e da capacidade de 
Piggle para tratar a mãe com agressividade. A isso deve-se 
acrescentar o problema: cair significa engravidar. Dessa for-
ma, a agressão do pai está incluída. 
COMENTÁRIOS 
Senti que a entrevista e o relatório da mãe justifica-
vam minha conclusão de que a palavra "tímida" era .. a pala-
29 
Confiança no 
analista 
Desilusão 
Ambivalência 
\ 
30 
vra-chave. A paciente estava desenvolvendo um novo tipo 
de relacionamento com a mãe, que levava em conta seu 
ódio por ela, decorrente do seu amor pelo pai. A paixão 
dos seis meses pelo pai não fora assimilada em sua persona-
lidade total e permanecia lado a lado com o relacionamento 
com a mãe, a qual, naquele tempo ainda era um objeto 
subjetivo3 • 
A transformação ocasionada pelo nascimento de uma 
nova criança trouxe a ansiedade, a falta de espontaneidade 
nos brinquedos, assim como pesadelos. Junto com isso, en-
tretanto, houve a aceitação da mãe como um ser à parte e, 
em conseqüência, o estabelecimento do próprio eu com uma 
identidade e com um forte vínculo com o pai. A "mamãe 
\)teta" é, \)IOvave\mente, um ve1:.tigio de uma noção 1>Ubleti-
va, "QieCQnce'o\.da, 1:.Q'ote a mãe. 
Quando ana\\1:.0 01:. \)onnenote1:. ua comu\ta, \)et\1:.0 q_ue 
o mais importante aconteceu no início, no momento em 
que Piggle respondeu à minha interpretação s~bre "outro 
bebê", defendendo sua posição como um bebe no berço e 
fazendo em seguida perguntas correlacionadas com o pro-
blema da origem dos bebês. Há maturidade aqui, mas ela 
nem sempre se manifesta .claramente na idade de dois anos 
e cinco meses. 
As observações seguintes devem ser anotadas, devido 
à sua importância: 
1. "Eu sou tímida", é uma evidência de força e orga-
nização do ego, e do estabelecimento do analista como uma 
"pessoa papai". 
2. Os problemas começaram com a chegada de um 
novo bebê, o que forçou Piggle a um desenvolvimento pre-
maturo do ego. 
Ela não estava preparada para a ambivalência simples. 
3. Indícios de elementos de loucura: bebê-car, siste-
ma com referência a preto, etc., pesadelos. 
4. Facilidade de comunicação. 
5. Resolução temporária , através da regressão, tor-
nando-se uin bebê no berço. 
ThePigg/e 
3 Para discutir a expressão objeto subjetivo, ver Winnicott (1971), Playing and 
Reality , Londres: Tavistock Publications, p. 80. Também The Maturational Processes 
and the Facilitating Environment. Nova Iorque: International Universities Press ; Londres: 
Hogarth Press, 1965, pp. 180-181. 
Primeira Consulta 
CARTA DOS PAIS, ESCRITA PELO PAI 
Foi muita bondade sua receber-nos. Foi também 
providencial o seu telefonema, exatamente no momento em 
que tentávamos descobrir qual seria a melhor maneira de 
nos comunicarmos com o senhor. 
"Como o senhor já sabe, no dia seguinte à consulta, 
Piggle ficou no "moisés" chupando a mamadeira. Pare-
ce-me, entretanto, que aquilo não a satisfaz plenamente na 
ocasião, porque desistiu logo. Ela agora é, ora o bebê, ora a 
mamãe grande (pessoa muito indulgente), mas nunca é ela 
mesma; não nos permite chamá-la pelo nome. 'A Pigga foi 
embora (diz ela). É preta. Os dois Piggas são pretos'. 
"Na hora de dormir, surgem sempre problemas. Ela 
usualmente fica acorda.da até nove ou dez horas, 'por causa 
do bebê·car'. Depois de ter-se · divertido muito durante o 
dia, falou duas vezes: 'Chora mamãe'. - 'Por quê?'.- 'Por 
causa do bebê-car'. O bebê·car parece estar sempre asso-
ciado à mamãe preta, mas, nos últimos dias, entrou em 
cena, pela primeira vez, uma mamãe boa. Já não fala tanto 
com aquela vozinha formal, algo ansiosa e que não lhe é 
peculiar1 Usa-a principalmente quando quer dizer alguma 
coisa sobre o seu bebê, isto é, sua boneca e, não, sua irmã. 
Vem mantendo um bom relacionamento com a irmã (o 
'bebê Sush') e, embora a maltrate de vez em quando, parece 
sentir por ela verdadeira compaixão. Quando estão juntas, 
fazem barulhos peculiares com os quais ambas se divertem. 
31 
Ela mencionou várias vezes, como se o lamentasse, que o Transferência 
Dr. Winnicott não entende de bebê-car. Também pediu: negativa 
'Não me levem a Londres'. Houve igualmente qualquer -resistência 
coisa sobre uma informação errada que lhe foi dada: de que 
ela veio de carro. [Ela veio de trem ; embora éu não tenha 
entendido bem, não perguntei]. E o assunto não foi mencio-
nado mais, até o dia em que ela, não conseguindo lembrar 
uma canção, pediu-me para levá-la ao Dr. Winnicott. No dia 
seguinte, pediu-me para não ir e brincou de levar trenzinhos 
carregados de brinquedos para Londres, 'para brincar e con-
versar'. Nos últimos dias, eu tive de ser Piggle e ela a mamãe. 
'Vou levar você ao Dr. Winnicott. Diga não'. -Por quê?" Ambivalência na 
- 'Porque é preciso você dizer não'. transferência 
"Nos dois ou três últimos dias, ela vem pedindo-meinsistentemente que a leve ao Dr. W.: da primeira vez foi 
32 
quando eu lhe disse que ela parecia estar triste, e ela me 
respondeu que tinha estado triste toda a manhã. - 'Leva 
eu ao Dr. W.'. Prometi, então, que escreveria ao Dr. W. con-
tando-lhe que · ela estava triste. Na noite passada, depois de 
um pesadelo (com o bebê-car, a ma,mãe preta que queria 
seus mamás e fez Piggle ficar preta e com o pescoço duro), 
ela falou: 'O bebê-car é banco'*. Perguntei-lhe o que signi-
ficava 'banco'. Ela respondeu que explicaria ao Dr. W. Há 
uma nova fantasia que ela repete com muitos floreados, so-
bre todo o mundo fazendo splash, splash na lama ou brrr 
do mu**. 
Embora continue desatenta e triste, está brincando 
mais e já começou a demonstrar interesse maior pelas coi-
sas, e isso parece-nos bastante animador. 
"Comparado com seu procedimento anterior ao nas-
cimento de Susan, continua reservada com o pai; aliás, pelo 
que parece, só consegue ser carinhosa quando age como 
um bebê. Se algo novo ou excitante lhe acontece, ou ela se 
encontra com uma pessoa desconhecida, diz que aquilo já 
tinha acontecido antes: 'Quando eu era um bebezinho no 
meu "moisés" '. À noite, nós a ouvimos, por acaso, cha-
mando seu bebê e conversando com ele, de maneira bas-
tante carinhosa. 
"Penso que o senhor estava certo quando afirmou 
que fomos 'inteligentes' demais ao perceber sua angústia. 
O que houve foi qué nos sentimos muito envolvidos e culpa-
dos pelo fato de termos arranjados outro filho tão cedo, e a 
sua súplica noturna na despedida - 'Fala-me do bebê-car' -
levou-nos a dizer alguma coisa significativa. 
"Jamais lhe falamos sobre a primeira infância de 
Piggle; ela foi excepcionalmente bem comportada e segura 
de si mesma, dando a impressão de alguém que dominasse 
o seu mundo interior. Empregamos todos os esforços, e 
nisso parece que tivemos sucesso, para protegê-la contra 
influências que pudessem tornar o seu mundo por demais 
complicado. Quando Susan nasceu, Gabrielle pareceu-nos 
ter sido, de algum modo, afastada de sua natureza e isolada 
de sua fonte de sustento. Tivemos um pesar enorme ao vê-la 
tão diminuída e reduzida, e ela pode perfeitamente ter per-
*No original The babacar is ' i te. (N. T.) 
ThePiggle 
Reflexo da 
confusão de 
brinquedos 
Lembrança da 
mãe 
pré·ambiva/ente 
e reprovação 
da atual 
verdadeira 
**No original moa (moo-cow) - palavra infantil para vaca. (N. T.) 
Primeira Consulta 
cebido isso. Houve também um período de tensão entre 
nós[ospais]. 
"Embora o senhor nos aftrme que ela não vai mal, ela 
não parece ainda ter voltado a ser o que era. Pensamos que 
talvez lhe interessasse ver algumas fotografias típicas, que 
poderão dar-lhe uma idéia de seu estado atual, de um modo 
melhor do que a nossa descrição". 
CARTA DA MÃE 
"Gostaria de dar-lhe mais algumas informações, antes 
do seu próximo encontro com Piggle. 
"Ela parece bem melhor agora: já percebe as coisas de 
modo mais razoável e de certo modo, bastante triste. Con-
versa entreouvida quando ela se encontra na cama: 'Não 
chora bebezinho, o bebê Sush está aqui, o bebê Sush está 
aqui.' Ela diz que é bom ter uma irmã e outras coisas seme-
lhantes ; mas sinto, por qualquer razão, que ela está domi-
nando-se à custa de um grande esforço. 
"Ela passa a maior parte do seu tempo, arrumando, 
limpando e lavando. Lava tudo o que encontra à mão, ou, 
então, fica à toa e tristonha, e não brinca muito. Passa 
também muito tempo, consolando seu bebê [uma boneca, 
figura altamente idealizada]. 
"Anda muito mais 'desobediente', esperneia e grita na 
hora de ir para a cama, etc. Quando está com raiva, freqüen-
temente desiste do fantasma e diz com insistência: 'Eu sou 
um bebê , eu sou um bebê'. À noite não consegue dormir e 
diz que é 'por causa do bebê-car'. 
·~o bebê-car está 'passando o preto de mim para você 
e por isso eu tenho medo de você'. 'Eu tenho medo da Pigga 
preta' e 'Eu sou ruim' - são as frases que ela tem falado 
mais vezes recentemente (não temos o hábito de chamá-la 
de ruim .ou coisa semelhante). Ela tem medo da mamãe 
preta e da Pigga preta e diz : 'Porque eles me fazem ficar 
preta'. · 
"Ontem ela contou-me que a mamãe preta arranhou 
o meu rosto [da mãe], puxou meus mamás, sujou-me toda 
e matou-me com brrr*. Expliquei· lhe que devia ser porque 
3.c 
Desenvolvimento 
do ego na 
capacidade de 
ser desobediente 
*Brrrrr - significa "fezes" , confonne é explicado em consulta posterior. (N. T.) 
34 
ela estava desejando ter uma mamãe limpa e bonita outra 
vez. Ela respondeu que teve uma mamãe assim, quando era 
um bebezinho. 
"Ficou muito contente ao saber que o senhor a rece-
beria. Quando sente qualquer dificuldade, fala Jogo em 
chamar o Dr. Winnicott. E repete : 'Você é Piggle e eu sou 
mamãe. Eu vou levar você ao Dr. Winnicott. Diga não!' -
'Por quê?' - 'Para falar com ele sobre o bebê-cera' (falou 
essa palavra com um sorriso furtivo, como se quisesse 
disfarçar o bebê-car). 
"(A propósito, no caso de ser difícil compreender 
o que ela fala, . desejo esclarecer-lhe que ela não consegue 
pronunciar o R. Assim, em vez de dizer Romano, ela diz 
Iom ano). 
"Recebemos com grande alívio a notícia de que o 
senhor vai recebê-la. Só o fato de saber que o senhor está 
cuidando do caso, tornou, digo , tem tornado nosso compor-
tamento mais natural, menos artificialmente tolerante com 
ela, o que parece estar produzindo bons resultados. 
"Ela diz que quer vê-lo para falar-lhe sobre o bebê-car. 
O bebê-car agora parece estar carregando o preto de uma 
pessoa para outra". 
TRECHO DE UMA CARTA DO PAI 
"Um padre, muito paternal e amigo, veio tomar chá 
conosco algumas semanas atrás, e Piggle estava muito tími-
da. Ontem, quando conversávamos sobre ele, ela falou : 
'Eu estava muito tímida' . Disse-lhe então que aquele padre 
era 'um homem muito p([[Jai' (palavra que ela tinha usado 
antes para descrevê-lo), e que isso pode realmente tornar as 
pessoas tímidas. Ela ficou em silêncio e, depois de muito 
tempo, falou : 'Dr. Winnicott', calando-se em seguida. E isso 
~~~" . 
ThePiggle 
Referência à 
mãe 
subjetiva 
pré-ambivalente 
4 Cçmlirmação posterior de que as palavras-chave para a ·sessão 1 foram : "Eu 
sou tímida". 
SEGUNDA CONSULTA 
(11 de março de 1964) 
Piggle (dois anos e cinco meses) chegou à porta em 
companlúa do pai e dominou a situação. (A mãe ficara em 
casa com Susan). A menina quis entrar no consultprio, mas 
isso não era possível no momento; ela dirigiu-se com o pai 
para a sala de espera, onde começaram a conversar. Ele es-
tava provavelmente lendo para ela. Quando eu estava pron-
to, ela entrou despreocupada, caminhando diretamente para 
os brinquedos que se encontravam atrás da porta, na meta-
de posterior da sala. Apanhou um trenzinho e disse o nome 
do objeto . Em seguida, apanhou um objeto novo, um co-
pinho azul de um vidro de loção Optrex para lavar os 
olhos. 
"O que é isso?" O trem voltou a interessá-la: "Eu vim 
de trem. O que é isso?" E repetiu: "Eu vim de trem". Seu 
modo de falar pareceu-me um tanto ou quanto esquisito, 
mas seus pais, acostumados àquela linguagem, compreen-
diam-na perfeitamente. Apanhou a pequena lâmpada, com 
o desenho de um rosto, com o qual tínhamos brincado da 
última vez e falou : "Faz ela vomitar". Tive de desenhar 
uma boca no alto da lâmpada. Apanhou em seguida um 
balde cheio de brinquedos e esvaziou-o no chão. Pegou um 
brinquedo redondo com um orifício no meio, que ninguém 
sabia de onde tinha vindo. 
"O que é isso? Eu nunca vi isso". Apanhou um vagão-
zinho e perguntou : "O que é isso? Você entende do bebê-
car?" Duas vezes eu lhe pedi para explicar o que era o 
bebê-car , mas ela foi incapaz de responder. Seria o carro de 
Piggle? Seria o carro do be.bê?" Dei uma interpretação. 
Arrisquei. Falei: "É o lado de . dentro da mãe de onde o 
bebê nasce." Ela olhou aliviada e disse: "Sim, o lado de 
Palavra-chave 
para a 
sessão 
36 
dentro preto". 
Talvez, em virtude do que dissera, ela apanhou o 
balde e propositalmenteencheu-o de brinquedos até trans-
·bordar. Tentei encontrar uma significação para aquele gesto, 
dando-lhe diversas interpretações (ela fazia um gesto quan-
do achava que eu tinha dito uma coisa boa ou má). De 
acordo com a interpretação mais usual, aquilo seria a barri-
ga do Winnicott, e não um interior preto. Falei qualquer 
coisa sobre minha capacidade de ver o que estava lá dentro 
e lembrei-me, então, que da última vez eu tinha dito que 
fazer um bebê era como um balde que ficara cheio ao 
máximo, por ter comido vorazmente. Como o balde estava 
cheio demais, caía sempre alguma coisa - efeito delibera-
damente planejado e que, a meu ver, significava vomitar, 
conforme ela já indicara ao pedir-me para desenhar uma 
boca maior na lâmpada. A partir desse momento, comecei 
a perceber o que estava acontecendo. 
Eu: Winnicott é o bebê de Piggle; ele é muito voraz 
porque gosta tanto de Piggle e de sua mãe, e comeu 
tanto que está vomitando. 
Piggle: O bebê de Piggle comeu demais. [Falou então 
qualquer coisa sobre o fato de ter vindo a Lon-
dres num trem novo]. · 
Eu: A coisa nova que você quer tem relação com o 
bebê Winnicott e a "mãe Piggle"; e Winnicott 
an1ando Piggle [a mãe], comendo Piggle e vomi-
tando. · 
Piggle: Sim, é. 
· Nesse momento, poder-se-ia dizer que o trabalho da 
sessão tinha terminado. · 
Fizemos então muitas caretas. Ela passou a língua em 
redor dos lábios. Eu imitei, e então nós nos comunicamos 
sobre a forme, o paladar, ruídos da boca e sobre a sensuali-
dade oral em geral. Isso foi satisfatório. 
Eu disse que podia ser escuro do lado de dentro. Súia 
escuro dentro da barriga de Piggle? 
Eu: Você tem medo do escuro? 
Piggle: Sim. 
Eu: Você sonha que é preto do lado de dentro? 
The Piggle 
Impregnação 
oral 
Comunicação 
verbal 
e 
interpretação 
Segunda Consulta 
Piggle: Piggle tem medo. 
Piggle sentou-se por alguns momentos no chão e ficou 
muito séria. Finalmente, eu disse: "Você gosta de ver Winni· 
cott". Ela replicou: "Sim". 
Olhamos um para o outro durante muito tempo. 
Então, ela voltou para colocar mais brinquedos no balde, 
representando mais uma vez o vômito. Entregou-me a lâm-
pada. 
Piggle: Põe mais olhos e sobrancelhas. 
Já havia olhos e sobrancelhas. Tornei-os mais nítidos. 
Ela então apanhou e abriu outra caixa. Dentro, encon-
trou animais. Imediatamente examinou tudo e tirou os 
dois animais maiores e mais macios, um carneirinho e um 
veadinho, ambos de lã. Colocou os animais para comer o 
que estava na caixa e acrescentou outros brinquedos aos 
animaizinhos que lá estavam: "Eles estão comendo a comi-
da deles". Cobriu a caixa de comida. pela metade, com a 
tampa da caixa. Houve aqui uma espécie de fenômeno 
transicional, no qual entre ela e mim estavam os ànimais 
grandes de lã, alimentando-se de sua comida; a comida cons-
tituía-se, principalmente, de animais. Interpretei, portanto, 
como se ela me tivesse contado aquilo como um sonho. 
Falei : "Aqui estou eu, o bebê Winnicott, vindo do lado de 
dentro de Piggle, nascido ··de Piggle, muito voraz, rriuito 
faminto, gostando muito de Piggle, comendo os pés e as 
mãos de Piggle": 
Tentei também a palavra "seio" entre outros objetos 
parciais. (Eu devia ter dito "mamá"). Piggle continuou 
séria, de pé, com uma mão no bolso. Caminhou, então, 
vagarosamente para o outro extremo da sala que ela associa· 
va a pessoas adultas. Olhou demoradamente para as plantas 
na jardineira da janela. E, então, quase foi para a cadeira 
que associava com a mãe, mas dirigiu-se para a cadeira 
azul que associava com o pai. Sentou-se nela e disse que 
era como o papai. Falei outra vez sobre Winnicott como o 
bebê Piggle. 
Eu: Você é a mamãe ou o papai? 
Piggle: Eu sou a mamãe e o papai também. 
37 
Consolidando 
a 
transferência 
Na transferência 
Winnicott é o 
bebê 
canibalesco 
voraz 
38 
Observamos os animais comendo e, nisso, ela come-
çou a brincar com a porta. Tentou fechá-la, mas ela não 
fechava facilmente (o trinco estava com defeito na ocasi-
ão). Então, abriu a porta e foi até o pai na sala de espera. 
Creio tê-la ouvido dizer: "Eu sou a mamãe". Eles conversa-
ram muito, e eu esperei durante muito tempo, sem fazer 
nada. Em dado momento, voltou com o pai, carregando 
seu chapéu, que era algo tecido, e fez um sinal para indicar 
que estava na hora de ir embora. Era evidente que a ansie-
dade estava atuando . Voltou com o pai para a sala de espera. 
Entrou, então, com o casaco e disse: "Vou embora logo". 
Retornou à sala de espera. Reli minhas anotações. 
Após cinco minutos, Piggle aventurou-se a entrar na sala, 
onde me encontrou ainda sentado entre os brinquedos, 
perto do balde que estava transbordando e "vomitando no 
chão o tempo todo". Ela estava muito séria e perguntou : 
"Posso ficar com um brinquedo?" Percebi a situação com 
clareza, o suficiente para decidir um curso de ação. 
Eu: Winnicott bebê muito voraz; quer todos os brin· 
quedas. 
Ela continuou insistindo que desejava só um brinque-
do, mas eu repetia o que se exigia que eu dissesse nesse 
jogo. Finalmente , ela levou um brinquedo para o pai na 
sala de espera. Creio que a ouvi dizer : "Bebê quer todos os 
brinquedos". Pouco depois trouxe o brinquedo de volta e 
parecia muito satisfeita, porque eu estava sendo voraz. 
Piggle: Agora o bebê Winnicott tem todos os brinquedos. 
Vou ficar com papai. 
Eu: Você tem medo do bebê Winnicott voraz, o bebê 
que nasceu de Piggle, que gosta de Piggle e que 
quer comê·la. 
Gabrielle voltou para junto do pai e, ao sair da sala, 
tentou fechar a porta. Percebi que o pai fazia grandes 
esforços para distraí-la, porque (obviamente) ele não sabia 
qual o seu papel no jogo. 
Chamei o pai para dentro da sala e Piggle entrou 
com ele. Ele sentou·se na cadeira azul. Ela sabia o que devia 
fazer. Subiu para o colo do pai e falou : "Eu sou tímida". 
The Pigle 
Precisando do 
pai para comu-
nicar-se comigo 
Dúvida sobre a 
capacidade do 
pai para tolerar 
suas idéias 
Piggle não é 
voraz - Win-
nicott infinita-
mente voraz 
Piggle 
desempenhando 
o papel de 
mãe 
Segunda Consulta 
Logo mostrou ao pai o bebê Winnicott, o monstro 
que ela tinha dado à luz, e era por isso que ela estava com 
vergonha: "Aquela é a comida que os animais estão comen-
do". Enquanto fazia acrobacias no colo do pai, contava-lhe 
todos os detalhes. Mas logo ela iniciou uma fase nova, e 
muito premeditada, no jogo. "Eu também sou um bebê", 
anunciou. E desceu de cabeça por entre as pernas do pai 
até o chão. · 
Eu: Eu quero ser o único bebê. Eu quero todos os 
brinquedos. 
Piggle: Você tem todos os brinquedos. 
Eu: Sim, mas eu quero ser o único bebê; não quero 
saber de outros bebês [subiu para o colo do pai e 
"nasceu" outra vez]. 
Piggle: Eu sou o bebê também. 
Eu: Eu quero ser o único bebê; [e, com um tom de 
voz diferente] devo ficar com raiva? 
Piggle: Si.n. 
Fiz um barulhão, derrubei os brinquedos, dei socos nos 
joelhos e falei: "Eu quero ser o único bebê". Ainda que 
ela parecesse um pouco amedrontada, isso agradou-lhe mui-
to. Disse ao pai qu,e eram o papai e a mamãe carneirinhos 
que estava comendo a comida da tina. E continuou com o 
jogo: "Eu quero ser o bebê também" . 
Durante todo esse tempo ela chupou o polegar. E 
todas as vezes que era o bebê, "nascia" descendo entre as 
pernas do pai até o chão. Ela chamava isso "nascer". Por 
fim ela falou: "Põe o bebê na lata de lixo". Respondi: "Den-
tro da lata de lixo é preto". Tentei descobrir quem era 
quem. E descobri que eu era Gabrielle e ela era todos os 
novos bebês, um após o outro, ou o novo bebê reduplicado. 
A certa . altura, ela falou: "Eu tenho um bebê chamado 
Galli-galli-galli" (Cf. Gabrielle). (Na verdade uma de suas 
bonecas tinha esse nome). Ela continuou "nascendo" do 
colo do pai para .o chão e ela era o bebê novo. Eu tinha de 
ficar zangado, porque eu era o bebê Winnicott, que tinha 
vindo do lado de dentro e nascido de Piggle - e eu tinha de 
ficar com muita raiva querendo ser o único bebê . . 
"Você não deve sero único bebê", disse Piggle. E, 
então, nasceu outro bebê. e mais outro e, em seguida, ela 
39 
Nascida do 
corpo do pai 
como se fosse 
do corpo 
da mãe 
Troca dos 
papéis entre 
o bebê e 
Gabriel/e 
40 
falou: - "Eu sou um leão" e fez barulhos de leão. Eu tinha 
de sentir medo, porque o leão ia comer-me. O leão parecia 
ser uma resposta à minha voracidade como o bebê Winni-
cott que queria ter tudo, e ainda ser o único bebê . 
Conforme eu estava certo ou errado, Gabrielle res-
pondia positivamente ou negativamente, dizendo, por 
exemplo : "Sim, é". Apareceu então um bebê-leão. 
Piggle: Sim, é (barulhos fortes de leão]. 
"Acabei de nascer. E não era preto lá dentro". Nesse 
momento, eu senti que tinha sido recompensado pela inter-
pretação que havia feito na última vez, quando disse que o 
preto lá dentro tinh;1 relação com o ódio pelo novo bebê , 
que esteve dentro da barriga da mãe. Gabrielle tinha então 
desenvolvido uma técnica de ser bebê ao mesmo tempo que 
permitia que eu representasse ser ela mesma1 • 
Houve então nova evolução. Ela começou a usar um 
processo diferente para nascer do alto da cabeça do pai2 • 
Era engraçado . Tive pena do pai e perguntei-lhe se podia 
agüentar aquilo. Ele respondeu: "Está bem, mas eu gostaria 
de tirar o casaco". Ele estava sentindo muito calor. De 
qualquer maneira pudemos parar naquele momento, uma 
vez que Piggle tinha alcançado o seu objetivo. 
"Onde estão as roupas?" E ela pôs o chapéu e o casaco 
e foi aliviada e satisfeita para casa. 
COMENTÁRIOS 
Os temas que apareceram na sessão foram os seguintes: 
1. Ter bebês em termos de vomitar. 
2. A gravidez como uma conseqüência da voracidade 
oral, do ato de comer compulsivo (função cindida). 
3. O preto interior, ódio do interior e conteúdo. 
4. Resolução na transferência com Winnicott, trans-
formando-se na Gabrielle perdida, o que lhe permitia ser o 
ThePiggle 
Primeiro 
alfvio da 
fobia pelo 
preto 
1 Comentário da mãe : "É impressionante como a transferência ocorre no limite 
exato entre a participação e a interpretação." 
2 Ser concebida, i. e., nascida como uma idéia de dentro da mente; desejada. 
D.W.W. 
Segunda c onsww 
novo bebê reduplicado. 
Identificação transitória com ambos os pais. 
5. Através de Winnicott = Gabrielle = voraz = bebê 
tem direitos próprios. 
6. O interior torna-se não preto. 
7. Ser concebido, i. e., como na mente. A mente es-
tando localizada na cabeça como se fosse cérebro. 
CARTADA MÃE 
"Quando Piggle chegou de Londres, não fez menção 
à consulta, mas brincou animada o resto do dia. Em geral, 
estamos sentindo que ela está muito mais livre desde a úti-
ma visita ao seu consultório ; algumas vezes brinca sOzinha 
e fala com o que eu considero ser sua própria voz. 
"No mesmo dia em que esteve em seu consultório, na 
hora de doflT!-ÍI, ela falou: 'Dr. bebê estava com muita raiva. 
Dr. bebê chutou. Eu não o joguei no "mixo" ... (corrigiu) 
no lixo (i. e., lata de lixo); não pus a tampa em cima'. 
"No meio da noite, ela chorou. Disse que seu "pipi" es-
tava doendo. Precisava ir ao médico. Eu disse que seu '"pi-
pi" estava um pouco vermelho, ou porque ela tinha coçado, 
ou por causa da fralda. Ela confirmou que o havia coçado, e 
fez ruídos iguais aos de um trem, tichic, tichic, tichic, e que 
isso a faz ter medo à noite; isso a faz ficar preta. Falou 
então da mamãe preta. Esqueci o início da conversa, mas 
ela continuou falando sobre a mamãe preta, dizendo : 
'Onde estão meus mamás?' - 'Os mamás estão na privada, 
desceram com a descarga'. - 'Mamãe preta deixou eu brin-
car com os brinquedos dela, fez para mim creme com pas-
sas' (eu tinha realmente posto passas no creme e ela gostara 
muito). Parecia muito perturbada e disse : 'Estou com raiva 
de papai'.- 'Por quê?' Porque eu gosto demais dele'. 
[Estou intrigada com essa recorrência da "bondade" da 
"mamãe preta". Isso não parece ter ligação com o fato de 
ver uma mamãe boa e uma mamãe má como uma só pessoa? 
Haverá aí alguma confusão entre as partes boas e as más do 
seu próprio eu? O tema de aplacar a mamãe preta repete-se]. 
"Na noite seguinte ela conversou na cama, excitada, 
durante muito tempo, mas não ouvi o que ela disse. 
"No outro dia, de manhã, contou-me : 'Eu fui a 
41 
Redescobrimento 
da própria 
identidade com 
o retorno do 
brinquedo 
Excitação 
erótica e 
fantasias 
edipianas 
42 
Londres ver o Dr. Winnicott. Tinha um barulho muito 
grande. Dr. W. muito ocupado. Ele era um bebê. Eu era 
um bebê também. Não falou sobre a mamãe preta. Ele era 
um bebê com muita raiva. A mamãe preta é muito impor-
tante para o Dr. Winnicott'. Então, colocou um alfmete de 
fralda dentro da torneira e falou: 'Eu .vou melhorar isso 
com um alfmete'. Houve qualquer comentário sobre a água 
ser capaz de sair outra vez. Dirigindo-se a mim: 'Você veio 
e disse que isso não estava melhor?' Eu: 'Isso deve ter sido 
em seu sonho'. 'Sim, você veio e disse que isso não estava 
melhor. Tinha sujo nele'. Disse qualquer coisa sobre a ma-
mãe preta, mas não ouvi direito o que foi. 
"Ultimamente ela tem me contado com freqüência 
que a mamãe preta vem e me faz (a mãe) ficar preta. Na 
hora de ir para a cama, tenho de 'telefonar' para a mamãe 
preta e para o bebê Sush preto. Mas a conversa limita-se 
a um 'alô'. 
Isso faz-me lembrar de uma coisa: um ou dois dias 
antes de ir ao. seu consultório (ela se queixara de pesadelos 
com a mamãe preta), perguntei-lhe: 'Você dormiu bem? 
A mamãe preta veio?' - 'A mamãe preta não vem. A 
mamãe preta está dentro de mim'". 
OUTRA CARTA DA MÃE 
"Em meados de abril, vamos ficar fora durante três 
semanas aproximadamente. 
"Piggle tem sido muito perseguida pela mamãe preta. 
Tem tido pesadelos e somente consegue conciliar o sono 
altas horas da noite . 
" 'Eu não falei com o Dr. Winnicott sobre a mamãe 
preta, porque ele é muito ocupado. Dr. Winnicott muito 
ocupado, ele era um bebê. Eu tinha medo de falar com o 
Dr. Winnicott sobre a mamãe preta. Ele está com muita 
raiva, ele era um bebê. Eu era um bebê também. Eu fiquei 
com vergonha de falar com o Dr. Winnicott sobre a mamãe 
preta'. 
"Sua maior queixa contra mamãe preta é a de que ela 
faz Piggle ficar preta e, então, Piggle faz todo o mundo ficar 
preto, mesmo o papai. 
"Na noite passada, ela acordou 'com medo da mamãe 
The Piggle 
Referência à 
masturbação 
c/itoriona 
Talvez referência 
aofuncionamento 
mental 
Segunda Consulta 43 
preta' e pediu ao pai para 'dar passas para a mamãe preta' 
(Piggle adora passas). 
"Ela também acordou com medo do bebê Sush 
preto, que a faz ficar preta. (Na véspera ela havia dado um 
empurrão em Susan, o que provocou uma reação geral de 
desagrado). O bebê Sush preto continua aparecendo com 
freqüência e tem de ser chamado pelo telefone antes que 
ela vá para a cama. (O bebê Sush é uma referência a Susan). 
"Piggle é, com menos freqüência, a mamãe ou o bebê Maior tendência 
agora. Teima muito na hora de ir para a cama, etc., mas o para ser ela 
faz de maneira um tanto desconsolada. Há mais uma coisa: mesma 
'Bebê bablã' - isso está assinado em todas as cartas que es-
creve e desenhos que faz; tem de ser escrito nos envelopes. 
Não tenho a menor idéia do que isso possa significar. Penso 
já ter-lhe dito que a boneca de Piggle chama-se "Gaby 
Gaby", que pode ser "Gabrielle", nome que não consegue 
pronunciar. [Bebê Gabla (e não bablã). Acho que isso é 
outra versão de Gabrielle, como Galy - Galy ou Gâlli -
Galli - não sei qual a diferença entre as duas versões]". 
MAIS UMA CARTA DA MÃE 
I 
"Piggle pediu para vê-lo e parecia ter bastante urgên-
cia. Quando lhe disse que talvez não houvesse tempo antes 
da nossa partida para a França, ela respondeu violentamente 
que havia . 
"Acordou hoje numa verdadeira fúria de destruição, 
rasgando tudo que encontrava pela frente. Retirou-se em 
seguida para o seu "moisés" e dizia que queria ver Dr. 
Winnicott. Entrou então para dentro do quimono que eu 
estava usando e contou-me qualquer coisa sobre um sonho 
emque a mamãe preta a tinba comido. Ao sair do quimono, 
perguntou-me como se nascia. Expliquei-lhe então, como já 
havia feito várias vezes antes, como ela tinha saído, tinha 
sido enrolada numa toall1a e tinha sido entregue a mim. 
'E você me deixou cair' -'Não, não deixei'. - 'Sim, você 
deixou. A toalha ficou suja'. 
"Ela anda infeliz ultimamente. Penso que deve ser-lhe 
bastante cansativo ficar tanto tempo em nossa companhia. 
Não há muitas crianças na redondeza. Estou procurando 
uma escola maternal que queira recebê-la apenas duas 
44 
manhãs na semana; a maioria somente a aceita diariamente 
e, a meu ver, isso pode ser demais. 
CARTA DOPAI 
"Gostaríamos de transmitir-lhe algumas impressões 
sobre Piggle. Nos últimos dias, ela anda num estado de 
grande agitação e ansiedade e tem falado coisas assim: 
'Estou muito preocupada. Eu quero ver o Dr. Winnicott'. 
Quando lhe perguntamos por quê, ela s~mpre responde que 
é por causa do 'bebê-car', da 'mamãe preta' ou dos 'mamás 
pretos da mamãe preta'. Ela também está com medo do 
bebê Sush preto (= Susan): 'Eu fiz ela ficar preta'. Disse 
a mesma coisa, referindo-se à mamãe preta. Ainda repete 
com freqüência na hora de ir para a cama: 'A mrupãe preta 
diz: "Onde estão meus mamás?" ' E certa manhã pediu para 
mamar no seio na mãe. 
"Quase· todas as manhãs, ela quer entrar para dentro 
do quimono da mãe ou ser enrolada (como um rocambole) 
dentrg do tapete. Ela parece estar sofrendo gravemente 
daquele mal que se chamou uma vez de "sentimento de 
pecado". Preocupa-se exageradamente, quando quebra ou 
suja alguma coisa. Algumas vezes fica dando voltas e murmu-
rando para si mesma, com uma vozinha muito artificial: 'Não 
tem importância, não tem importância'. O mesmo acontece 
quando dá pontapés em Susan, por quem mostra grande 
interesse, a despeito de lapsos ocasionais. Fez objeções às 
roupas que lhe compramos, porque 'tem branco demais; 
eu quero um pulóver preto'. Acrescentou que podia usar 
roupa preta porque era preta e má. 
"Embora ontem não tivesse acontecido nada fora do 
comum, fizemos várias anotações sobre Piggle. Ela estava 
pior do que habitualmente e' ficou conosco o dia todo. 
Temos uma faxineira, uma senhora idosa, que passa qua- . 
se todas as manhãs em nossa casa. Gabrielle chama-a de 
'Wattie' e gosta muito dela. 
"De manhã, ela entregou-nos o seu ursinho querido. 
Tinha feito um buraco na perna dele e tinha tirado todo o 
seu enchimento. E estava muito angustiada com aquilo. 
Durante todo o dia pediu desesperadamente coisas que nor-
malmente não lhe negamos, como se tivesse de travar uma 
The Piggle 
Ansiedade 
depressiva 
O preto 
relacionado ao 
sentimento de 
culpa 
Segunda Consulta 
grande batalha para consegui-las. Falou com a mãe que 
desejava casar-se e, quando lhe foi dito que seria uma boa 
idéia esperar, ela protestou veementemente. 'Não, não, 
sou uma moça agora'. E insinuou que estava velha demais 
para brincar. 
"Na hora de ir para a cama, fez a maior cena, o que, 
aliás , vem acontecendo com muita freqüência ultimamente. 
Ela diz que tem rriedo de a mamãe preta vir agarrá-la. Às 
dez horas da noite atirou as suas roupas de cama para o 
chão. Levantou-se e insistiu para apanhar a cadeira no quar-
to ao lado. Disse-lhe que a cadeira era dela, mas que a cadei-
ra precisava de uma almofada: 'Uma almofada preta; e 
então posso me sentar nela'. -'Por que você é preta?'-
'Sim, porque eu quebrei a mamãe preta em pedaços. Estou 
preocupada'. 'Não se preocupe' - 'Eu quero preocupar. 
Minha bunda está doendo. Pode me dar· um creme branco? 
Uma introdução recente: uma oração, pedindo principal-
mente proteção, tem de ser repetida várias vezes. 
Nota adicional: " 'Eu jogo os brinquedos do Dr. Win-
nicott fora, se eu quebrar eles'. Piggle disse isso no táxi, a 
caminho do seu consultório, quando foi vê-lo pela última 
vez. Na ocasião, não mencionei o fato por esquecimento." 
45 
Sentimento de 
culpa relativo 
à destruição 
compulsiva 
A magia usada 
para afastar 
idéias ameaçadoras 
TERCEIRA CONSULTA 
(10 de abril de 1964) 
Piggle (dois anos e 6 meses) parecia menos tensa do 
que antes, e esse estado permaneceu constante. Ela parecia 
mais distante das ansiedades reais das quais falava. De fato, 
agora eu compreendia o quanto tinha esta:do dentro delas 
antes, como uma criança psicótica. Fui à sala de espera 
onde a encontrei coni seu "bebê", que é uma bonequinha 
com fralda e alfmete. Estava com vergonha de acompanhar-
me ao consultório; assim, entrei sozinho. Logo mais, fui 
buscá-la, e ela mostrou-me um saco onde tinha colocado 
areia e uma pedra. Aquilo tinha sído ·apanhado na rua. Ela 
não queria entrar, e então falei : "O papai vem também" (era 
o que ela queria). Ela entrou carregando o saco com a 
areia e a pedra, deixando o bebê. O pai sentou-se em sua 
cadeira na metade da sala reservada aos adultos e, metade 
do tempo, ficou separado de nós pela co.rtina. Piggle foi 
direto para os brinquedos repetindo exatamente o que tinha 
feito da última vez. 
Piggle: Pra que é isso? 
Eu: Você me perguntou o que era isso da vez passada 
e eu disse: "De onde veio o bebê?" 
Perguntei, referindo-me à pedra e a areia: "De onde veio isso?" 
Piggle: Do mar. 
Ela apanhou outros objetos e o balde e, certamente, 
lembrava-se de tudo. Examinou todos os pormenores; 
Piggle: O que é isso? Um trem. Uma máquina. Carros de 
il 
S(mbolo do 
desespero de 
ficar grdvida 
como um adulto 
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trem. Vagões. 
Chamou um deles de "leãozinho". Em seguida, 
apanhou um menininho. 
Piggle: Você tem outro menininho? 
Encontrou um homenzinho e sua mulher. 
Piggle: Eu gosto disso [o menino]. 
Tive de ajudá-la a colocá-la sentado. Então outra 
locomotiva. 
Piggle: Eu vim para Londres de trem para ver Winnicott. 
Eu quero saber por que a mamãe preta e ci bebê-
car. 
Eu: Vamos tentar descobrir isso. 
Parei por aí. Ela continuou escolhendo brinquedos, o 
Pele Vermelha (de plástico azul). 
Piggle: Eu n,ão tenho nenhum desses carros. 
Ela estava tirando todos os brinquedos e arrumando-
os um ao lado do outro. 
Piggle: O que será isso? O senhor tem· algum barco? Eu 
não acho lugar algum para este sentar. [Uma figura 
de plástico que podia sentar]. Winnicott não deve 
ser um bebê; ser um Winnicott. Sim, eu tive medo. 
Não ser um bebê outra vez. 
Ela estava obviamente entretendo-se com a idéia de 
repetir o jogo da última vez. 
Piggle: Posso tirar tudo de dentro do balde? 
Eu: Sim. Isso era o bebê vomitando quando Winnicott 
era um bebê. 
Ela falou sobre o vagão para carregar coisas. Então, 
outro trem. Apanhou dois carros exatamente iguais, com-
The Pigglt 
Terceira Consulta 
parou-os e colocou-os juntos. 
Eu: Não igual a Piggle e o bebê porque Piggle é maior 
do que o bebê. 
Colocou grande parte dos brinquedos lado a lado e 
continuou: 
Piggle: Que é isso? Uma locomotiva. Eu vim de táxi. O 
senhor foi num táxi? Dois táxis. Para ver Winnicott. 
Para trabalhar com Winnicott. 
Ela quis então que eu enchesse o balão que, acho, ela 
tinha deixado comigo na primeira consulta. Não tive muito 
êxito. Ela esfregou o balão nas mãos, mostrou-me seu fecho 
ecler e falou : "Para cima e para baixo outra vez". Insistiu 
novamente comigo para que eu enchesse o balão. Disse · 
que tinha uma caneta, referindo-se (única vez), provavel-
mente, ao fato de ver-me tomando notas com um lápis. 
Nesse momento achou os animais pequenos dentro de uma 
caixa, o que a fez querer o cachorro. Estendeu o braço para 
apanhá-lo . Ele não estava à vista, mas ela lembrou-se dos 
dois animais grandes e macios da última vez. Colocou-os 
juntos, lado a lado, e empurrou-os para baixo, de encontro 
ao chão. (Chamou os dois de cachorros, embora um deles 
fosse um veadinho). 
Piggle: Um cachorro estava com raiva. 
Os dois cachorros iam esperar o trem e ela apertou-os 
irnpiedosamente contra o chão. 
Pigglc: O senhor tem outro cachorro? 
Eu: Não. 
Foi mostrar ao papai três carrinhos de trem. Teve 
uma conversa com ele na qual falou alguma

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