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Donald O Winnicott - The Piggle

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Prévia do material em texto

Relato do 
Tratamento 
Psicanalítico de 
• uma menzna 
~ 
I MAGO 
D. W. WINNICOTT 
THE PIGGLE 
RELATO DO TRATAMENTO 
PSICANALÍTICO DE UMA MENINA 
Coleção Psicologia Psicanalítica 
Direção de 
JAYME SALOMÃO 
IMAGO EDITORA LTDA. 
RIO DE JANEIRO 
THEPIGGLE 
Copyright © 1977 Clare Winnicott 
Published by arrangement with Mark Paterson & Associates, 
1 O Brook Street, Wivenhoe, Colchester C07 9DS, England 
Editoração: 
Tradução : Else Pires Vieira 
e Rosa de Lima Martins 
Revisão: Heloisa Fortes de Oliveira 
Todos os direitos, de reprodução, divulgação, tradução são reservados. Nenhuma parte 
desta obra poderá ser reproduzida por micro·ftlme, ou outro processo fotomecânico, 
eletrônico ou outros conhecidos no momento ou inventados a partir de agora, incluindo 
fotocópias e gravações, sem permissão do Editor. 
Impresso no Brasil 
Printed in Btazil 
SUMÁRIO 
Nota dos tradutores. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 
Prefácio por Clare Winnicorr e R. D. Sheperd . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 
Prefácio do Editor - Ishak Ramzy . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 
Introdução por D. W. Winnicott. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 
A paciente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 
Primeira consulta. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 
Segunda consulta. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 
Terceira consulta. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 7 
Quarta consulta. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 
Quinta consulta. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 
Sexta consulta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 
Sétima consulta. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 
Oitava consulta .......................... ~ . . . . . . . . . . . 93 
Nona consulta. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103 
Décima consulta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113 
Décima-primeira consulta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123 
Décima-segunda consulta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133 
Décima-terceira consulta. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145 
Décima-quarta consulta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155 
Décima-quinta consulta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161 
Décima-sexta consulta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169 
Pósfácio pelos pais de Piggle . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173 
13 i 
15 
Planta do local de trabalho do 
Dr. Winnicott 
87 Chester Square 
Londres. 
1. Jardim no terraço 
2. Muro -Janela obstruída 
3. Telhado inclinado 
4 . Área no Subsolo 
S. Estantes 
6. Cortinas 
7. Livros 
8. Escritório 
9. Sala de Espera 
10. Livros 
11. Estantes 
12. Brinquedos 
13. Escada para o jardim no 
Terraço 
14. Consultório 
1 5 . Estantes 
16. Livros 
17. Escrivaninha 
Desenhado por 
E. Britton 
NOTA DOS TRADUTORES 
Evitamos, na medida do possível, fazer qualquer adaptação, recurso 
do qual os tradutores se valem com freqüência. Citaríamos, à quisa de exem-
plo, a não tradução dos nomes próprios. O apelido "Piggle", literalmente, 
equivaleria a "porquinha" em português. No entanto, "Piggle", um vocativo 
da linguagem afetiva usado para crianças, não tem qualquer conotação pejora-
tiva, como ocorre em português com a tradução literal "porquinha". Um 
equivalente semântico seria, por exemplo, o vocativo "Gatinha"; mas este não 
se prestaria às variações fonológicas que a criança faz com a palavra "Piggle", 
como os leitores terão oportunidade de ver. O mesmo ocorre com o nome 
próprio "Gabrielle". Preferimos, também, não traduzir o apelido "Sush", 
que a criança inventou para designar sua irmã, Susan. A palavra "Sush" 
sugere uma pronúncia incorreta de "Susan", talvez, também, por analogia 
com "suck" (sugar, mamar) ou com "such" (parte da exclamação "Such a 
baby!" - Que bebê! - freqüentemente usada por pais ingleses ao repreen-
der, carinhosamente, uma criança). Uma vez que não seria adequado traduzir 
ou adaptar tais nomes próprios, a título de uniformidade de critério, man-
tivemos tan1bém os outros. 
A adaptação ao nível do discurso foi também evitada. Preferimos, sem-
pre que possível, uma tradução mais literal da linguagem da criança, dos 
pais e do terapeuta, ao dirigir-se à paciente em termos mais accessíveis. 
Entendemos que, muitas vezes, isto tenha implicado um uso menos aceitável 
do português. Porém, parece-nos que, num texto psicanalítico, o modo de 
expressar uma idéia é tão importante quanto o conteúdo propriamente 
dito; assim sendo, preocupamo-nos mais com a linguagem, em detrimento da 
correção lingüística. 
Tivemos de nos valer de elementos extra-lingüísticos ao traduzir o pro-
nome "you". Como poderíamos traduzi-lo por "você" ou "o( a) senhor( a)", 
baseamos a arbitrariedade de nossa escoll1a no espírito britânico. O povo 
inglês é bastante cerimonioso, principalmente com pessoas mais idosas; assim 
8 The Piggle 
sendo, traduzimos "you" por "o senhor" quando Piggle ou os pais se dirigem 
ao terapeuta; nos .outros casos, traduzimo-lo por "você". 
Gostaríamos de fazer uma última observação de ordem estilística. 
O autor, falecido antes de terminar o preparo do manuscrito para publicação, 
não teve a oportunidade de cuidar do estilo e até mesmo de 'COmpor frases 
inteiras. Suas notas, às vezes excessivamente elípticas, podem gerar dificul-
dades. Visando facilitar a leitura, alteramos, algumas vezes, a pontuação. 
Mantivemos, no entanto, a disposição do texto, inclusive das notas marginais. 
O leitor poderá deduzir que a presente tradução apresenta todas as 
dificuldades da tradução literária assim como da tradução técnica. Ao expor 
as principais dificuldades encontradas, não poderíamos deixar de mencionar 
a ajuda do professor Ian Linklater, de literatura inglesa, e da professora 
Ana Maria de Almeida, de literatura brasileira. Registramos nossos agradeci-
mentos especiais à inestimável ajuda do Dr. Abrahão Israel Myssior, da 
Associação Mineira de Psiquiatria, que, com seu profundo conhecimento 
téorico e grande experiência clínica, orientou-nos durante todas as fases do 
trabalho e reviu, cuidadosamente, o manuscrito. 
Else Ribeiro Pires Vieira 
Rosa de Lima Sá Martins 
(Do Laboratório de Tradução da Faculdade de Letras da Universidade Federal 
de Minas Gerais). 
Maio de 1979 
PREFÁCIO DA EDIÇÃO INGLESA 
Este livro apresenta literalmente trechos de anotações de um psicana-
lista sobre o tratamento de uma criancinha. O leitor terá a rara oportu,nidade 
de penetrar na intimidade de um consultório e observar a criança e o tera-
peuta em atividade. Isso terá um valor especial para aqueles que estão pro-
fissionalmente envolvidos com crianças, assim com'> será também de interesse 
para qualquer pessoa que sé preocupe com crianças e seu desenvolvimento. 
Piggle interessará particularmente àqueles já familiarizados com a obra 
do Dr. Winnicott, recentemente falecido. Seus comentários e outras obser-
vações ocasionais para o leitor descrevem a evolução do tratamento e dão sua 
interpretação teórica do que está acontecendo. Os textos sobre o que ele 
falou, e como ele falou, ilustram, ao mesmo tempo, claramente, suas con-
tribuições para a teoria e técnica psicanalítica no tratamento infantil. O livro, 
entretanto , não é enfadonho . É um relato vivo sobre duas pessoas trabalhan-
do e brincando juntas com intensidade e anin1ação propositadas. Na opinião 
de Winnicott, "não é possível a uma criança dessa idade extrair o significado 
de um jogo,a menos que, antes de tudo, haja brinquedo e diversão". É através 
do divertimento , que a ansiedade é dominada e contida dentro da experiência 
total (13a. consulta). 
Os leitores perceberão o prazer desfrutado pelo próprio Winnicott no 
jogo com a criança. Ele percebe e aceita a transferência . Faz mais que isso : dá 
vida à transferência, interpretando os vários papéis que lhe são destinados. A 
dramatização do mundo interior permite à criança experimentar aquelas 
fantasias que mais a perturbam, enquanto brinca com elas. Isso ocorre em 
doses pequenas e num contexto que se torna suficientemente seguro, graças à 
habilidade do terapeuta. A tensão criativa na transferência é mantida, e o grau 
de ansiedade e expectativa é conservado dentro da capacidade da criança, de 
tal forma que o jogo possa continuar. 
Dr. Winnicott adaptava sua técnica às necessidades de cada caso es-
pecífico. Se a psicanálise total era necessária e possível, ele fazia a análise. Do 
10 The Piggle 
contrário, mudava sua técnica de sessões regulares em sessões "de acordo com 
a demanda", ou em consultas terapêuticas isoladas ou prolongadas. O método 
"de acordo com a demanda", foi utilizado, nesse caso. 
No manuscrito deste livro há uma anotação do Dr. Winnicott, lem-
brando a si mesmo de fazer um comentário sobre a sua maneira de trabalhar 
com os pais da paciente. Infelizmente, ele nunca escreveu isso na íntegra, mas 
suas notas crípticas dão a perceber alguma coisa sobre o que ele sentia a 
respeito desse relacionamento. Suas anotações são como as seguintes: "dividir 
o material com os pais ~ terapia de familia não - estudo de caso não -
psicanálise partagé (compartilhada). Nenhuma quebra de confiança da parte 
deles e eles não interferiram". 
Uma anotação também sugere que, tanto a participação dos pais, 
quanto o intervalo entre as entrevistas produziran1 o enfraquecimento do 
sentimento possessivo e deixaram cantinho aberto para que o relacionamento 
da paciente com seus pais se desenvolvesse como parte do processo tera-
pêutico total. Os leitores deverão considerar que, no caso de Piggle, seus pais 
eram profissionais que tinhan1 conhecimento do campo da psicoterapêutica. 
A colaboração deles foi decisiva para o resultado do tratamento. 
A terapia prolongou-se por mais de dois anos e meio, com entrevistas 
esporádicas. Entre uma e outra entrevista, a paciente muitas vezes mandava, 
junto com as cartas dos pais, bilhetes e desenhos para o Dr. Winnicott, di-
zendo-lhe como estava sentindo-se. Era vital para a tarefa terapêutica que as 
entrevistas fossem marcadas a . pedido da criança e essa técnica teve uma 
importância capital na manutenção do relacionamento. A intensidade da 
transferência manteve-se do princípio ao fim, e desfez-se, fmalmente, de uma 
forma convincente e enternecedora para satisfação de ambos. 
Clare Winnicott 
R. D. Shepherd 
Winnicott Publications Conunittee 
( \ 
PREFÁCIO DO EDITOR DO ORIGINAL 
Apresentar este livro do Dr. Donald W. Winnicott, recentemente faleci-
do, constitui uma honra e um privilégio. Ele escreveu este documento clínico, 
íntimo e fascinante, e deixou-o de lado por vários anos, antes de se decidir 
a submetê-lo à consideração de outros leitores, além da Sra. Clare Winnicott 
e dos pais de sua pequena paciente. Tomei conhecimento do manuscrito 
através de um desses acasos que somente um Winnicott poderia proporcionar, 
um ano e meio antes de sua morte em 1971. As anotações sobre minhas 
discussões prolongadas com ele, durante o verão de 1969, e nossa correspon-
dência posterior, destinada a ajudá-lo na preparação do livro para publicação, 
serviram-me de roteiro para editá-lo em seu nome. Muito do· que ele somente 
poderia ter feito e planejara fazer, se tivesse tido tempo para · rever certas 
passagens e desenvolver anotações resumidas, ficará por fazer, a fun de 
conservar-se esta contribuição dentro do formato e do estilo originalmente 
estabelecidos pelo Dr. Winnicott. Tal como se encontra, entretanto, o livro 
está provavelmente destinado a permanecer, como exemplo eloqüente de uma 
rara perspicácia clínica e exemplificação inestimável da teoria e da técnica 
de um dos mais criativos e destacados mestres do tratamento psicanalítico 
da criança. 
Talvez seja necessário mencionar alguns fatos sobre Winnicott, especial-
mente para aqueles leitores que provavelmente ainda não tiveram acesso 
a qualquer relato biográfico sobre ele. Filho de ingleses autênticos, foi 
educado sob condições favoráveis, tendo-se formado em medicina com 
pouco mais de vinte anos. Começou sua carreira como pediatra clínico 
do Paddington Green Children's Hospital, em Londres, onde trabalhou durante 
quarenta anos aproximadamente, período em que atendeu, de acordo com 
seus cálculos, cerca de 60.000 mães e crianças. Logo após ter iniciado o 
exercício da pediatria, entrou em contato com Ernst Jones, que o enca-
minhou para análise com J ames Strachey. Referindo-se àqueles anos, Winni-
cott escreve: ".Eu estava iniciando como pediatra conselheiro, naquela oca-
12 The Piggle 
sião, e pode-se imaginar como era empolgante fazer inúmeras anl1Jlll1eses e 
obter de uma classe de pais menos instruídos toda a confmnação necessária 
para as teórias psicanalíticas, que estavam começando a fazer sentido para 
mim, através da minha própria análise. Naquele tempo, nenhum outro analista 
era também pediatra, e, assim, durante duas ou três décadas, fui um fenôme-
no isolado" 1 • 
Conheceu fama e renome mundial nos últimos quinze anos de sua vida. 
Não fundou uma escola nem liderou um grupo de seguidores que divulgassem 
seus ensinamentos. Obteve reconhecimento público pela maneira despreten-
siosa, porém direta, pelo estilo simples, porém incomparável, que usou na 
apresentação de suas descobertas. Apresentava, em palavra escrita e falada, 
exemplos vivos de seu trabalho prático (evidência convincente de suas desco-
bertas) aos círculos científicos e revistas especializadas em psiquiatria e psica-
nálise, assim como, com mais freqüência, ao círculo mais amplo de pais, 
assistentes sociais, professores e todos aqueles que se interessavam pela educa-
ção, saúde mental e bem-estar da criança. Winnicott ficou na história da ciên-
cia da natureza humana ao descobrir o significado daquilo que outras pessoas 
sabiam desde muito tempo, sem que percebessem ou avaliassem sua importân-
cia para o desenvolvimento e realização do homem. Uma bibliografia não 
atualizada de seus livros e trabalhos publicados chega a 190 títulos2 • Para 
resumir apenas os temas principais de uma contribuição tão volumosa seria 
necessário um livro inteiro; mas o essencial das contribuições de Winnicott 
pode ser encontrado na introdução de Masud Kahn à nova edição dos textos 
selecionados de Winnicott, Through Pediatrics to Psycho-Analysis3 • 
Donald Winnicott foi um dos professores a quem mais prezei, e durante 
quase vinte anos foi meu amigo e conselheiro. Como era de meu costume pas-
sar por Londres todas as vezes que ia para o Congresso Internacional de 
Psicanálise na Europa, escrevi a Winnicott, em junho de 1969, para saber 
se ele teria tempo para um encontro e uma conversa comigo, antes de nos 
envolvermos com as atividades do "pre-Congress", no percurso para Roma. 
Ele me respondeu imediamente, sugerindo uma noite para o encontro, logo 
após minha chegada a Londres. Contudo, em correspondência posterior, 
entregue ao mesmo dia, recebi outra carta que dizia: 
'"Tenho algumas notícias para você. Você não sabe ainda, mas em 
22 de junho, das 14:30 às 16:15 h, você vai supervisionar-me perante todos os 
1 A Personal View of the Kleinian Contribution. In: The Maturational Processes 
and the Facilitating Environment. Nova Iorque: Internacional Universities Press; Lon· 
dres: Hogarth Press, 1965, p. 172. 
2 Ver lista do Editor in The Maturational Processes and the Facilitating Environ-
· ment. 
3 Londres: Hogarth Press, 1975. 
Prefácio do Editor do Original 13 
participantes do "pre-Congress"! 
"Acontece que, porcausa de minha doença, alguns de meus alunos 
tiveram de procurar supervisores em outros lugares e, por isso; não tenho 
nenhum aluno com um caso interessante que eu possa apresentar no Congres· 
so. Em vista disso, solicitei permissão para ser supervisionado e estou convi· 
dando-o para ser o meu supervisor". 
"Farei uma exposição sobre a análise de uma criança e você poderá 
achá-la bastante insatisfatória como análise, mas isso conduziria à discussão. 
Aguardo com ansiedade e entusiasmo essa experiência. Quando nos encontrar· 
mos, dir-lhe-hei tudo o mais que você desejar saber se for necessário. Espero 
realmente que você aceite o convite ." 
Logo após minha chegada a Londres, à noite, depois de um jantar 
suntuoso preparado por Clare, Winnicott falou-me sobre o trabalho que estava 
marcado para o dia 22 de julho, como parte do "pre-Congress Scientific 
Program", organizado pela British Psycho-Analytic Society. Quando pergun-
tei se havia quaisquer anotações que eu pudesse ler, afunde me inteirar sobre 
o caso, ele, meio sério, respondeu-me que eu não precisava perder tempo 
preparando-me, nem precisava preocupar-me com outros pormenores além 
daqueles que iria apresentar; neles eu poderia basear minhas observações 
relativas à supervisão e dirigir uma discussão aberta no encontro. Foi somente 
depois de uma troca de brincadeiras que me entregou uma cópia completa 
das. notas datilografadas do caso do qual não tinha ainda escolhido a parte 
que iria apresenta r. 
Ao retornar ao hotel, preocupado com o possível desapontamento da 
Assembléia, ao ver que Winnicott não faria a supervisão, conforme fora anun· 
ciado, mas que seria, ao s.ontrário, supervisionado, e por um colega menos 
entendido no assunto, eu, apressadamente, passei uma vista de olhos sobre 
o manuscrito, para me informar a respeito do seu conteúdo e ver como a 
discussão preliminar se desenrolaria. Foi como se eu tivesse encontrado, 
por acaso, um tesouro escondido. A grande emoção e prazer que senti naquela 
leitura dissiparan1 minhas preocupações, e passei a ansiar pelo momento com 
alegiia antecipada. Este livro apresenta agora, para o leitor, aquele manuscrito. 
O grande anfiteatro esta repleto . Retardatários tiveram de contentar-se 
apenas com o espaço para ficar de pé. De acordo com uma relação disponível 
dos inscritos para o encontro, a audiência incluía psicanalistas provenientes 
dos quatro cantos do mundo e poucos da Inglaterra, uma vez que o "pre· 
Congress Scientific Program" se destinava principalmente aos participantes 
de outros países. Após explicar o motivo pelo qual não iria demonstrar 
uma supervisão realizada por ele, mas que ao contrário, iria ser supervísionado 
por mim, a convite dele, Winnicott prosseguiu, com sua voz mansa e sua ma· 
neim despretensiosa, introduzindo o caso e apresentando o trabalho que 
realizara durante a primeira sessão com a paciente. Um assunto que deu 
14 The Piggle 
margem a debates na discussão subseqüente foi: o tipo de tratamento que 
Winnicott descrevia e chamava "psicanálise de acordo com a demanda", 
com suas sessões infreqüentes e irregulares, era análise ou psicoterapia? 
Winnicott respondeu, chamando a atenção para o que fez com a transfe-
rência e o inconsciente, e não para os preparativos formais de uma situação 
de análise, ou a freqüência ou regularidade da sessões analíticas. Durante 
a discussão, ouviu-se um membro impaciente da audiência dizer, em sus-
surro audível: "Se existe qualquer dúvida se é análise ou não, como é que 
o caso do pequeno Hans4 ainda é considerado um dos clássicos da literatura 
psicanalítica?" Na introdução que o próprio Winnicott fez para este livro, 
ele discorre sobre as vantagens do método "de acordo com a demanda". 
Na verdade, Winnicott já tinha defmido o seu ponto de vista do que 
é psicanálise, em 19585 , quando afirmou: "Fui convidado para falar sobre 
o tratamento psicana/(tico, e, para contrabalançar, um colega foi convidado 
para falar sobre a psicoterapia individual. Espero que nós dois comecemos 
pelo mesmo problema: como distinguir entre os dois? Pessoalmente, não sou 
capaz de estabelecer essa distinção. Para mim a questão se resume em saber 
se o terapeuta fez um treinamento analítico ou não. 
Em vez de contrastar os dois temas, um com o outro, poderíamos 
com melhores resultados contrastar os dois temas como o da psiquiatria 
infantil. No exercício de minha profissão, tenho tratado de milhares de 
crianças nessa faixa etária [de lactação] através da psiquiatria infantil. Tenho 
(como analista com treinamento), feito psicoterapia individual em centenas 
delas. Já tive certo número de crianças dessa idade, para psicanálise, mais 
de doze e menos de vinte. Os Jintites são tão indefmidos que seria incapaz 
de afirmar com exatidão." 
Alguns anos mais tarde (1962)6 , ele voltou ao assunto e disse: "Gosto 
muito de fazer análise e sempre aguardo com expectativa o fmal de cada 
uma delas. A análise pela análise não tem sentido para mim. Faço análise 
porque é disso que o paciente preçisa e aceita. Se o paciente não precisa de 
análise, faço, então, outra coisa. Na análise, pergunta-se: quanto é permitido 
fazer? Por contraste, em minha clínica, o lema é: quão pouco precisa ser 
feito?" 
4 Freud, S. (1909). Analysis of a Phobia in a Five-Year-Old Boy:Standard Edition, 
10:3-149. Londres: Hogarth Press, 1955. 
5 Child Analysis in the Latency Period. In: The Maturational Processes and the 
Facilitating Environment. Nova Iorque: lntemational Univerties Press, 1965; Londres: 
Hogarth Press; p. 115. 
6 The Auns of Psycho-Analytical, Treatment. In: The Màturational Processes and 
the , Facilitating Environment. Nova Iorque: lntemational Universities Press; Londres: 
Hogarth Press, 1965, pp. 166-70. 
' I 
Prefácio do Editor do Original 15 
Ele conclui o mesmo trabalho com a seguinte afirmação: "Em minha 
opinião, nossos objetivos no exercício da técnica padrão não são alterados, 
no caso de interpretarmos os mecanismos mentais que pertencem·aos tipos 
psicóticos de desordem e aos estágios prinútivos nas fases emocionais do 
indivíduo. Se nosso objetivo continua a ser o de verbalizar o consciente 
incipiente em termos da transferência, então estaremos fazendo análise; 
caso contrário, seremos então analistas fazendo outra coisa que consideramos 
apropriada à ocasião. E por que não? 
lshak Ramzy, M.A., Ph.D. 
Topeka, Kansas, outubro de 1964 
INTRODUÇÃO 
O presente livro, cuja autoria é a mim atribuída, foi parcialmente 
escrito pelos pais de uma menina apelidada de Piggle1 . O livro é composto 
de excertos de cartas sobre Piggle, escritas pelos pais, e de minhas anotações 
clínicas, nas quais tento dar uma descrição pormenorizada das entrevistas 
psicanalíticas. Acrescentei comentários, mas espero que eles não sirvam 
de grande obstáculo ao desenvolvimento, por parte do leitor, de pontos 
de vista próprios sobre o material e sua evolução . 
Pode-se questionar se é lícito ou não publicar pormenores íntimos 
de uma análise; mas o fato de a paciente contar, neste caso, apenas dois 
anos e quatro meses, quando do início do tratamento, facilita a decisão. 
Acresce que, ao assumir parte da responsabilidade, os pais demonstraram 
não achar que a publicação da descrição do tratamento prejudicasse Gabrielle, 
caso ela deparasse com o livro quando estivesse mais velha2 • 
Não diria que este tratamento foi totalmente concluído. Vacilo em 
afirmar que a análise de uma criança pode ser dada por encerrada, quando a 
paciente é tão jovem que os processos de desenvolvimento se sobrepõem à 
análise no momento em que esta começa a alcançar êxito. Pode-se observar, 
nesse caso, que, a princípio, a patologia da criança domina a situação ; assim 
sendo, é fácil atribuir a mell1ora clínica ao trabalho realizado na análise. 
Com o decorrer do tempo, entretanto, a criança começa a se liberar do padrão 
de organização de defesas rígidas que constitui a doença; torna-se, pois, difícil 
distinguir a melhora clínica do desenvolvimento emocional,e o trabalho rea-
lizado no tratamento dos processos de maturação que se tornaram livres. 
1 Na Inglaterra, o apelido "Piggle" é um termo afetuoso usado geralmente para 
crianças de tenra idade . 
2 Em data posterior, a mãe, sem ter em vista a publicação, forneceu alguns comen· 
tários sobre as transcrições das sessões. Alguns de·sses comentários foram incluídos nc 
livro. 
18 The Piggle 
Os pais entraram em contacto conúgo em janeiro de 1964, quando 
Gabrielle tinha dois anos e quatro meses de idade. Atendi Gabrielle 14 vezes 
"de acordo com a demanda", começando, quando ela contava dois anos 
e ·cinco meses. Ela estava com cinco anos por ocasião da décima-quarta 
consulta. 
No caso específico desta análise, em decorrência do fato de a criança 
morar a uma distância considerável de Londres, o tratamento foi feito "de 
acordo com a demanda", o que influenciou a questão do seu término. Não 
há razão para não se dar continuidade ao método "de acordo com a deman-
da", bem como para não incluir, esporadicamente, fases de tratamento 
intensivo. Não é possível nem necessário prognosticar um futuro remoto. 
Observar-se-á, com relação a isto, entretanto, que o analista é mais suscetível 
de tolerância da sintomatologia da criança do que os pais; estes tendem a 
achar que, uma vez que a criança entrou em tratamento, o aparecimento 
de sintomas deva significar um reinício do tratamento. Uma vez que se 
inicia um tratamento, o que se perde de vista é a rica sintomatologia de todas 
as crianças que são satisfatoriamente tratadas em suas próprias casas. É pos. 
sível que o tratamento de uma criança, de fato, interfira em algo muito 
valioso, que é a capacidade da famt1ia de tolerar e enfrentar os estados clíni-
cos da criança, indicativos de tensão emocional, ou paradas temporárias no 
desenvolvimento emocional, ou o desenvolvimento propriamente dito. 
Sob esta perspectiva, o método "de acordo com a demanda" oferece 
vantagens sobre o método de sessões diárias cinco vezes por semana. Por 
outro lado, não se deve pensar que um meio-termo seja válido; ou a análise 
é feita em termos de sessões diárias, ou, caso contrário, a criança deve ser 
atendida a pedido. Os tratamentos com uma sessão semanal, que se tornaram 
um meio-termo de aceitação praticamente geral, têm validade questionável, 
pois ficam entre dois extremos e impedem a consecução de um trabalho 
de real profundidade. 
O leitor poderá achar que o estado clínico dessa criança é bem descri-
to nas cartas que os pais escreviam nos intervalos entre uma e outra consulta. 
É possível verificar, através dessas descrições feitas sem visar a publicação e 
simplesmente para dar informações ao analista, que a patologia de Gabrielle 
se tornou um traço donúnante e assunúu, após as duas primeiras sessões, 
um padrão organizado como doença. Em seguida, gradativamente, a sintoma-
tologia desaparece, cedendo lugar a uma série de estádios de maturação que 
tiveram de ser novamente trabalhados, embora, certamente, eles tinham sido 
satisfatoriamente vividos durante a primeira infância de-Gabrielle, isto é, antes •I 
da segunda gravidez da mãe. Contudo, é através da descrição do trabalho 
psicanalítico que o leitor poderá observar a saúde básica da personalidade 
dessa criança; esta característica foi sempre óbvia para o analista, mesmo 
quando, clinicamente e em casa, a criança se mostrasse realmente doente. O 
Introdução 19 
tratamento exerceu uma influência especial que se evidencia desde o início 
e que, sem dúvida, se tornou mais conspícua pela confiança dos pais e da 
paciente no analista. As descrições do trabalho realizado demonstram que, 
desde o começo, Gabrielle vinha para uma atividade e que, toda vez em que 
ela vinha para o tratamento, trazia um problema que era capaz de revelar. 
Em todas as ocasiões o analista tinha a impressão de que a criança levava ao 
seu conhecimento um problema específico, embora haja muitos momentos 
de conversas ou comportamentos ou jogos indefmidos, nos quais parecia não 
haver nenhuma orientação. Essas fases de jogos indefinidos eram evidente-
mente um traço importante , visto que um sentido de direção se desenvolvia 
a partir do caos, e que a criança se tornava capaz de comunicar em decorrên-
cia de um senso de necessidade real; necessidade esta que a levava a pedir que 
houvesse uma outra consulta. Intencionalmente deixei vago o mater~al inde· 
fmido, tal qual ele me pareceu ná ocasião em que fazia as anotações. 
D. W. Winnicott, F. R. C.P. 
22 de novembro de 1965 
A PACIENTE 
TRECHO DA PRIMEIRA CARTA DOS 
PAIS, ESCRITA PELA MÃE 
4 de janeiro de 1964 
"Será que o senhor tem tempo para ver nossa filha 
Gabrielle, de dois anos e quatro meses de idade? Ela tem 
preocupações que a mantêm acordada à noite, e que al-
gumas vezes parecem afetar sua vida em geral e seu relacio-
namento conosco, embora isso nem sempre aconteça. 
"Aqui estão alguns pormenores. 
"É difícil descrevê-la como um bebê. Sempre pa-
receu muito mais uma pessoa formada, dando a impres-
são de dispor de grandes recursos interiores. Não há muito 
a dizer sobre a sua alimentação que transcorreu de maneira 
fácil e natural; o mesmo com relação ao desmame. Foi 
amamentada no seio matemo durante nove meses1 • Tinha 
grande equiltbrio - quase não caía quando estava apren-
dendo a andar e raramente chorava quando isso acontecia. 
Desde muito cedo demonstrou sentimentos muito apaixo-
nados com relação ao pai e certa arrogância com relação 
à mãe. 
"Nasceu-lhe uma irmãzinha (atualmente com sete 
meses) quando ela estava com vinte e um meses, o que 
considerei cedo demais para ela. Isso, e também (assim 
o creio) a nossa ansiedade a respeito2 , pareceu ter-lhe 
1 Os itálicos são meus. D. W. W. 
2 Somente muito mais tarde fiquei sabendo que a mãe, nessa mesma idade, tinha 
vivido a experiência do nascimento de um irmãozinho. D. W. W. 
22 
causado uma grande transformação. 
Ela se aborrece e fica deprimida com facilidade, o 
que não se notava antes, e tornou-se inesperadamente 
consciente de seus relaCionamentos e, de modo especial, 
de sua identidade. A angústia intensa e o ciúme mani-
festo pela irmã não perduraram por muito tempo, não 
obstante a grande intensidade da sua angústia. As duas 
agora acham muita graça uma na outra. Com relação 
à mãe, cuja existência parecia antes quase ignorar, Ga-
brielle demonstra maior afeição, se bem que, algumas 
vezes, maior ressentimento também. Tornou-se claramente 
mais reservada com o pai. 
''Não tentarei dar-lhe qualquer pormenor a res-
peito, mas apenas . contat-lhe as fantasias que a man-
têm chamando por nós em voz alta, até altas horas da 
noite. · 
"Ela tem um papai preto e uma mamãe preta. A ma-
mãe preta vem atrás dela à noite e diz: "Onde estão meus 
mamás"* (mamar = comer. Apontava, para os seus seios, 
chamando-os de mamás e puxava-os para fazê-los maiores). 
Algumas vezes, a mamãe preta coloca-a· dentro da privada. 
A mamãe preta, que mora em sua barriga, e com quem se 
pode falar pelo telefone, está sempre doente, sendo difícil 
tratá-la . . 
"O segundo elemento de fantasia, e que começou 
mais cedo, refere-se ao 'bebê-car'. Todas as noites, ela pede, 
repetidas vezes: 'Me fala do bebê-{;ar, tudo sobre o bebê-{;ar'. 
A mamãe preta e o papai preto estão freqüentemente juntos 
no bebê-car; ou algum homem sozinho. Ocasionalmente, há 
uma Piggle preta em evidência (nós chamamos Gabrielle de 
"Piggle"). 
"Até recentemente, embora isso já tenha passado, 
arranhava violentamente o rosto, todas as noites. 
"Algumas vezes fica animada, espontânea e cheia de 
vida. Dessa vez, entretanto, pensamos em recorrer ao senhor, 
pelo receio de que ela venha a acomodar-se e tornar-se 
insensível ante sua angústia, como a única maneira de en-
frentá-la". 
The Piggle 
A doença 
clinicamente 
descrita 
*No original yams - palavra inventada pela criança para designar "seios" e "co-
mer". Presume-se que tenha sido por analogia com a onomatopéia nham, também usada 
pelos ingleses para expressar coisagostosa. (N.T.) 
A Paciente 
TRECHO DE CARTA DA MÃE 
"As coisas não melhoraram nada, desde que escrevi 
para o senhor. Piggle, agora, quase nunca demonstra qual-
quer concentração em seus brinquedos e dificilmente adnú-
te ser ela mesma: ou é o bebê-car ou é, com mais freqüên-
cia, a mamãe. 'A Piga foi embora, foi para o bebê-car. A 
Piga é preta. Os dois Pigas são ruins. Chora, mamãe, por 
causa do bebê-car!'" 
"Contei-lhe que tinha escrito para o Dr. Winnicott, 
' que entende de bebê-cars e mamães-pretas'; desde então 
ela parou com as suas súplicas noturnas: 'Me fala do bebê-
car' . Duas vezes me pediu, dir-se-ia que inesperadamente: 
- 'Mamãe, me leva ao Dr. Winnicott.'" 
23 
Um estudo 
clínico 
degenerativo 
I 
I 
PRIMEIRA CONSULTA 
(3 .de fevereiro de 1964) 
Os pais trouxeram "Piggle" e, a princípio, ficamos 
todos durante algum tempo no consultório. Gabrielle estava 
séria e, Jogo que pôs a cabeça na porta, percebi que tinha 
vindo disposta a trabalhar. 
Levei os três para a sala de espera, onde tentei trazer 
Piggle de volta à minha sala. Ela não se mostrava disposta a 
fazê -lo e no percurso disse para a mãe: 
"Eu sou tímida demais!" 
Em vista disso , chamei também a mãe, recomendan-
do-lhe , entretanto, que não ajudasse em nada . As duas 
sentaram-se juntas no divã. Antes eu já tinha feito amizade 
com o ursinho que estava no chão, ao lado da mesa. Sentei-
me no chão, no fundo da sala para brincar com os brinque-
dos. Disse a Piggle (na verdade eu não conseguia vê-la): 
"Traz o ursinho para cá. Quero mostrar-lhe os brinquedos". 
Ela trouxe-o imediatamente e ajudou-me a mostrar-lhe os 
brinquedos. Logo, ela mesma começou a brincar com eles, 
tirando principalmente partes de trenzinhos daquela con-
fusão. E dizia: "Eu tenho um ... " e assim por diante, 
nomeando o brinquedo que apanhava. Após cinco minutos 
aproximadamente, sua mãe saiu de mansinho da sala. A 
porta ficou aberta ; isso era importante para Piggle, que 
observava os preparativos. Então, ela começou a dizer repe-
tidamente: "Aqui está um outro ... e aqui um outro". Isso 
se referia mais a vagões e locomotivas, mas não importava 
muito o que fosse: ela sempre fazia o mesmo comentário. 
Vendo que se tratava de uma comunicação, falei: "O outro 
bebê, o bebê Sush" 1 . Devo ter dito a coisa correta, porque 
Comunicação 
inicial 
Estabelecendo 
comunicação 
1 t assim que Gabrielle chama sua irmã Susan, agora c.om oito meses. 
26 
ela começou imediatamente a falar da época em que o bebê 
Sush nasceu, tal como ela a lembrava: "Eu era um bebê. 
Eu estava no berço . Eu estava dormindo. Eu tinha acabado 
de tomar a mamadeira". Pensando ter ouvido alguma coisa 
sobre lamber, perguntei-lhe: "Você disse que estava lam-
bendo?" Ela respondeu: "Não, eu não estava". (De fato, 
como descobri mais tarde, Gabrielle nunca tomou uma ma-
madeira, mas tinha visto a irmãzinha fazê-lo). Então, eu 
repeti: "Havia então outro bebê" (eu o fiz afunde incenti-
vá-la a continuar com a narrativa do nascimento). 
Ela apanhou um objeto redondo com uma peça no 
centro, que devia ter pertencido ao eixo de um vagão e per-
guntou: "De onde veio isso?" Expliquei-lhe exatamente de 
que se tratava, perguntando-lhe em seguida: "De onde veio 
o bebê?". "O berço", ela respondeu. Nesse momento pegou 
uma figura de um homenzinho e tentou empurrá-la para 
dentro do assento do motorista de um carro de" brinquedo. 
Não conseguiu, pois ele era grande demais. Tentou passá-la 
por outros meios, inclusive pela janela. 
"Ele não entra, está agarrado". Pegou uma vari-
nha, enfiou-a dentro da janela e falou: "A varinha en-
tra". Falei algo sobre o homem pondo alguma coisa den-
tro da mulher para fazer o bebê. Ela falou: "Eu tenho 
um gato. Da próxima vez vou trazer meu gatinho, outro 
dia". 
Nesse momento, ela quis ver a mãe e abriu a porta. 
Falei qualquer coisa sobre conversar com o ursinho. Perce-
bia-se certa ansiedade que tinha de ser trabalhada. Tentei 
verbalizá-la: "Você está com medo; você tem sonhos que 
fazem medo?". "Sobre o bebê-car", ela respondeu. Esse 
nome já tinha sido mencionado pela mãe em associação 
com o bebê, o bebê Sush. 
Já então Gabrielle estava tirando a fita do carnei-
rinho de brinquedo, colocando-a em volta do próprio pes-
coço. Parece-me que falei: "O que o bebê-car come?" 
Ela respondeu: "Não sei. Eu tenho um azul. .. oh não, 
isso era um balão" (referindo-se a um balão vazio que tinha 
trazido de casa. Ela o manuseava displicentemente, e, na 
verdade, esse foi o ponto de partida para o jogo). 
Apanhou uma pequena lâmpada de superfície fosca, 
na qual estava desenhada a figura de um homem. Pediu: 
"Desenha homenzinho". Desenhei outra vez o rosto de um 
The Piggle 
Ansiedade 
mudança de 
assunto 
Contato com a 
mãe-
alívio 
Primeira Consulta 
homem na lâmpada. Ela pegou as cestinhas de plásticos de 
morangos e perguntou: "Posso colocá-los ·aqui dentro?" 
Começou, então·, com modos decididos, a guardar tudo 
dentro das caixas. Havia bugigangas por todos os lados e, 
mais ou menos, oito caixas de tipos diferentes. Disse-lhe: 
"Você está fazendo bebês como se estivesse cozinhando: 
pondo tudo junto". Ela fez algumas observações: "Eu tenho 
de arrumar tudo. Não posso deixar o lugar desarrumado". 
Finalmente, tudo foi guardado, minuciosamente, den-
tro das seis caixas. Enquanto isso, perguntava-me como 
fazer o que tinha de fazer. Introduzi, então, de forma bas- · 
tante óbvia, alguma coisa a respeito da mamãe preta: "Você 
alguma vez fica zangada com a mamãe?" Eu tinha associado 
a idéia da mamãe preta à sua rivalidade com a mãe, uma vez 
que ambas amavam o mesmo homem, o papai. Sua ligação 
profunda com o pai era bem evidente, por isso eu me sentia 
bastante seguro ao fazer essa interpretação. Num certo 
nível, isso deve estar certo. 
Após ter guardado tudo, ela falou: "Eu queria buscar 
mamãe e papai". E, enquanto caminhava para a sala de es-
pera, acrescentou : "Eu arrumei tudo". 
Durante todo esse tempo Gabrielle tinha cooperado 
comigo, guardando todos os brinquedos debaixo da· estante, 
inclusive o seu próprio ursinho; amarramos, novamente, a 
fita no pescoço do carneirinho. 
Enquanto o pai tomava conta de Gabrielle na sala de 
espera, conversei com a mãe. 
ENTREVISTA COM A MÃE 
Segundo a mãe, Piggle tinha piorado muito, recente-
mente. Ela não estava fazendo travessuras e tratava bem 
o bebê. Mas, ela não era ela mesma. Na verdade, ela re-
cusava-se a ser ela mesma e dizia: "Eu sou a mamãe. Eu 
sou o bebê" . Não queria ser tratada como sua própria 
pessoa, tendo desenvolvido um modo de falar, em tom 
alto, que não lhe era peculiar. Se falava alguma coisa séria, 
sua voz tornava-se profunda. Piggle tinha sido um bebê 
excepcionalmente controlado e seguro de si. Quando Susan 
nasceu, a mãe tomou consciência, imediatamente, de que 
Piggle necessitava de muito mais atenção. Havia uma 
27 
Negação da 
desordem 
28 
canção 2 que estava associada à primeira infância de Piggle, 
mas quando os pais, recentemente, começavam a cantá-la, 
ela chorava amargamente e pedia: "Parem. Não cantem esta 
canção". (Comigo ela cantarolou uma canção e ficou muito 
contente quando eu disse: "Navios que passam".*Tinham-
me informado que ela aprendera essa canção com o pai). 
A música que ela não gostava era alemã, com palavras 
adaptadas para o inglês, e estava estreitamente ligada ao 
relacionamento íntimo da mãe com o bebê. O alemão era a 
língua nativa da mãe. O pai era inglês. 
Quanto à mamãe preta e ao bebê-car, há pormenores 
que ainda não consegui compreender bem. Os pesadelos de 
de Piggle podem ser ou com bebê-car ou com um trem. 
Ela ainda não tinha controle esfmcteriano, mas 
quando o bebê nasceu, aprendeu por si mesma numa sema-
na. Ela era o tipo de criança que não falava e, de repente, 
falou com o maior desembaraço. Costumava brincar todo o 
tempo, mas, desde sua transformação, vem demonstrando 
tendência para ficar somente no berço, chupando o polegar, 
sem brincar. Seu equilíbrio físico, antes excelente,também 
modificou-se. Ela agora está sempre caindo, chorando e 
reclamando dores. Costumava ser arrogante, e sua mãe 
existia para cumprir suas ordens. Desde os seis meses, adora 
o pai e, nesta idade, pronunciou "papai"- palavra que logo 
esqueceu ou não foi mais capaz de falar. Desde a transfor-
mação, ela parece considerar a mãe como uma pessoa à 
parte, tendo-se-lhe afeiçoado. Tornou-se, entretanto, mais 
reservada com relação ao pai. 
Alguns dias mais tarde, durante uma conversa com a 
mãe, pelo telefone, fiquei sabendo que, depois da consulta, 
Piggle, pela primeira vez desde o nascimento da irn1ã, se 
permitiu ser um bebê, em vez de continuar constantemente 
protestando. Entrou no "moisés" e tomou uma quantidade 
enorme de mamadeiras. Mas não admitia que ninguém a 
The Piggle 
Mais porme-
nores sobre 
a doença 
2 Nota dos pais: "Nós transformamos uma melodia antiga numa canção de ninar, 
com o seguinte estribilho: ... 'e a mamãe e o papai estarão aqui' ... (Le., enquanto o 
bebê dorme). Durante muito tempo as lágrimas subiam-lhe aos olhos quando alguém 
cantarolava a canção. Agora nós mudamos a letra da canção (a original era uma canção 
de despedida); algumas vezes ela gosta de ouvi-la; outras vezes, entretanto, quando alguém 
começa a cantá-la, grita: "Pára!" 
*No original Ships that come sailing by. (N. T.) 
Segunda Consulta 
chamasse de Piggle. Ou era o bebê ou a mamãe. Os Piggles 
eram "ruins e pretos". "Eu sou o bebê". A mãe achava que 
Gabrielle não estava assim tão angustiada e, conforme 
explicou, a ftlha tinha uma maneira de simbolizar suas ex-
periências. Os pais sentiam-se desorientados. Nenhum dos 
dois conseguia enxergar os aspectos positivos da capacidade 
da criança para resolver as coisas através de processos inter-
nos. Por outro lado, eles tinham razão em não estar tranqüi-
los com a situação atual. 
Piggle estendia-se na cama e chorava sem saber por-
quê. Quando saíam do meu consultório, ela falou, como se 
tivesse esquecido alguma coisa: "O bebê-car". E acrescen-
tou: "Dr. Winnicott não entende de bebê-cars - de bebê-
car". Disse também que o ursinho queria voltar para Lon-
dres e brincar com o Dr. Winnicott, mas que ela não queria 
ir não. Gabrielle quase ia esquecendo-se do ursinho entre os 
brinquedos, mas no último instante lembrou-se dele e le-
vou-o de volta para casa. Era como se ela lamentasse todo o 
tempo de não ter sido capaz de falar com o Dr. Winnicott 
sobre o bebê-car. Os pais recordaram-se, então, da anterior 
tensão de agonia que ela teve com relação ao bebê-car e 
a mamãe preta, até o momento em que alguma "coisa se 
rompeu", por assim dizer. A mãe desconhecia a origem 
exata do bebê-car. Sabia apenas que ele estava associado à 
cor preta, à mamãe preta, ao se/f preto e às pessoas pretas. 
No meio de acontecimentos alegres, Gabrielle subitamente 
olhava preocupada e dizia: "O bebê-car", e isso estragava 
tudo. Isso é coerente com a idéia de que preto aqui signifi-
cava a chegada do ódio (ou da desilusão). 
Há outro pormenor: de vez em quando, a mãe deve 
cair, ferir-se e ser tratada por Piggle. Surge aí uma evidência 
a mais, se fosse isso necessário, do ódio e do amor pela 
mãe, manifestando-se simultaneamente, e da capacidade de 
Piggle para tratar a mãe com agressividade. A isso deve-se 
acrescentar o problema: cair significa engravidar. Dessa for-
ma, a agressão do pai está incluída. 
COMENTÁRIOS 
Senti que a entrevista e o relatório da mãe justifica-
vam minha conclusão de que a palavra "tímida" era .. a pala-
29 
Confiança no 
analista 
Desilusão 
Ambivalência 
\ 
30 
vra-chave. A paciente estava desenvolvendo um novo tipo 
de relacionamento com a mãe, que levava em conta seu 
ódio por ela, decorrente do seu amor pelo pai. A paixão 
dos seis meses pelo pai não fora assimilada em sua persona-
lidade total e permanecia lado a lado com o relacionamento 
com a mãe, a qual, naquele tempo ainda era um objeto 
subjetivo3 • 
A transformação ocasionada pelo nascimento de uma 
nova criança trouxe a ansiedade, a falta de espontaneidade 
nos brinquedos, assim como pesadelos. Junto com isso, en-
tretanto, houve a aceitação da mãe como um ser à parte e, 
em conseqüência, o estabelecimento do próprio eu com uma 
identidade e com um forte vínculo com o pai. A "mamãe 
\)teta" é, \)IOvave\mente, um ve1:.tigio de uma noção 1>Ubleti-
va, "QieCQnce'o\.da, 1:.Q'ote a mãe. 
Quando ana\\1:.0 01:. \)onnenote1:. ua comu\ta, \)et\1:.0 q_ue 
o mais importante aconteceu no início, no momento em 
que Piggle respondeu à minha interpretação s~bre "outro 
bebê", defendendo sua posição como um bebe no berço e 
fazendo em seguida perguntas correlacionadas com o pro-
blema da origem dos bebês. Há maturidade aqui, mas ela 
nem sempre se manifesta .claramente na idade de dois anos 
e cinco meses. 
As observações seguintes devem ser anotadas, devido 
à sua importância: 
1. "Eu sou tímida", é uma evidência de força e orga-
nização do ego, e do estabelecimento do analista como uma 
"pessoa papai". 
2. Os problemas começaram com a chegada de um 
novo bebê, o que forçou Piggle a um desenvolvimento pre-
maturo do ego. 
Ela não estava preparada para a ambivalência simples. 
3. Indícios de elementos de loucura: bebê-car, siste-
ma com referência a preto, etc., pesadelos. 
4. Facilidade de comunicação. 
5. Resolução temporária , através da regressão, tor-
nando-se uin bebê no berço. 
ThePigg/e 
3 Para discutir a expressão objeto subjetivo, ver Winnicott (1971), Playing and 
Reality , Londres: Tavistock Publications, p. 80. Também The Maturational Processes 
and the Facilitating Environment. Nova Iorque: International Universities Press ; Londres: 
Hogarth Press, 1965, pp. 180-181. 
Primeira Consulta 
CARTA DOS PAIS, ESCRITA PELO PAI 
Foi muita bondade sua receber-nos. Foi também 
providencial o seu telefonema, exatamente no momento em 
que tentávamos descobrir qual seria a melhor maneira de 
nos comunicarmos com o senhor. 
"Como o senhor já sabe, no dia seguinte à consulta, 
Piggle ficou no "moisés" chupando a mamadeira. Pare-
ce-me, entretanto, que aquilo não a satisfaz plenamente na 
ocasião, porque desistiu logo. Ela agora é, ora o bebê, ora a 
mamãe grande (pessoa muito indulgente), mas nunca é ela 
mesma; não nos permite chamá-la pelo nome. 'A Pigga foi 
embora (diz ela). É preta. Os dois Piggas são pretos'. 
"Na hora de dormir, surgem sempre problemas. Ela 
usualmente fica acorda.da até nove ou dez horas, 'por causa 
do bebê·car'. Depois de ter-se · divertido muito durante o 
dia, falou duas vezes: 'Chora mamãe'. - 'Por quê?'.- 'Por 
causa do bebê-car'. O bebê·car parece estar sempre asso-
ciado à mamãe preta, mas, nos últimos dias, entrou em 
cena, pela primeira vez, uma mamãe boa. Já não fala tanto 
com aquela vozinha formal, algo ansiosa e que não lhe é 
peculiar1 Usa-a principalmente quando quer dizer alguma 
coisa sobre o seu bebê, isto é, sua boneca e, não, sua irmã. 
Vem mantendo um bom relacionamento com a irmã (o 
'bebê Sush') e, embora a maltrate de vez em quando, parece 
sentir por ela verdadeira compaixão. Quando estão juntas, 
fazem barulhos peculiares com os quais ambas se divertem. 
31 
Ela mencionou várias vezes, como se o lamentasse, que o Transferência 
Dr. Winnicott não entende de bebê-car. Também pediu: negativa 
'Não me levem a Londres'. Houve igualmente qualquer -resistência 
coisa sobre uma informação errada que lhe foi dada: de que 
ela veio de carro. [Ela veio de trem ; embora éu não tenha 
entendido bem, não perguntei]. E o assunto não foi mencio-
nado mais, até o dia em que ela, não conseguindo lembrar 
uma canção, pediu-me para levá-la ao Dr. Winnicott. No dia 
seguinte, pediu-me para não ir e brincou de levar trenzinhos 
carregados de brinquedos para Londres, 'para brincar e con-
versar'. Nos últimos dias, eu tive de ser Piggle e ela a mamãe. 
'Vou levar você ao Dr. Winnicott. Diga não'. -Por quê?" Ambivalência na 
- 'Porque é preciso você dizer não'. transferência 
"Nos dois ou três últimos dias, ela vem pedindo-meinsistentemente que a leve ao Dr. W.: da primeira vez foi 
32 
quando eu lhe disse que ela parecia estar triste, e ela me 
respondeu que tinha estado triste toda a manhã. - 'Leva 
eu ao Dr. W.'. Prometi, então, que escreveria ao Dr. W. con-
tando-lhe que · ela estava triste. Na noite passada, depois de 
um pesadelo (com o bebê-car, a ma,mãe preta que queria 
seus mamás e fez Piggle ficar preta e com o pescoço duro), 
ela falou: 'O bebê-car é banco'*. Perguntei-lhe o que signi-
ficava 'banco'. Ela respondeu que explicaria ao Dr. W. Há 
uma nova fantasia que ela repete com muitos floreados, so-
bre todo o mundo fazendo splash, splash na lama ou brrr 
do mu**. 
Embora continue desatenta e triste, está brincando 
mais e já começou a demonstrar interesse maior pelas coi-
sas, e isso parece-nos bastante animador. 
"Comparado com seu procedimento anterior ao nas-
cimento de Susan, continua reservada com o pai; aliás, pelo 
que parece, só consegue ser carinhosa quando age como 
um bebê. Se algo novo ou excitante lhe acontece, ou ela se 
encontra com uma pessoa desconhecida, diz que aquilo já 
tinha acontecido antes: 'Quando eu era um bebezinho no 
meu "moisés" '. À noite, nós a ouvimos, por acaso, cha-
mando seu bebê e conversando com ele, de maneira bas-
tante carinhosa. 
"Penso que o senhor estava certo quando afirmou 
que fomos 'inteligentes' demais ao perceber sua angústia. 
O que houve foi qué nos sentimos muito envolvidos e culpa-
dos pelo fato de termos arranjados outro filho tão cedo, e a 
sua súplica noturna na despedida - 'Fala-me do bebê-car' -
levou-nos a dizer alguma coisa significativa. 
"Jamais lhe falamos sobre a primeira infância de 
Piggle; ela foi excepcionalmente bem comportada e segura 
de si mesma, dando a impressão de alguém que dominasse 
o seu mundo interior. Empregamos todos os esforços, e 
nisso parece que tivemos sucesso, para protegê-la contra 
influências que pudessem tornar o seu mundo por demais 
complicado. Quando Susan nasceu, Gabrielle pareceu-nos 
ter sido, de algum modo, afastada de sua natureza e isolada 
de sua fonte de sustento. Tivemos um pesar enorme ao vê-la 
tão diminuída e reduzida, e ela pode perfeitamente ter per-
*No original The babacar is ' i te. (N. T.) 
ThePiggle 
Reflexo da 
confusão de 
brinquedos 
Lembrança da 
mãe 
pré·ambiva/ente 
e reprovação 
da atual 
verdadeira 
**No original moa (moo-cow) - palavra infantil para vaca. (N. T.) 
Primeira Consulta 
cebido isso. Houve também um período de tensão entre 
nós[ospais]. 
"Embora o senhor nos aftrme que ela não vai mal, ela 
não parece ainda ter voltado a ser o que era. Pensamos que 
talvez lhe interessasse ver algumas fotografias típicas, que 
poderão dar-lhe uma idéia de seu estado atual, de um modo 
melhor do que a nossa descrição". 
CARTA DA MÃE 
"Gostaria de dar-lhe mais algumas informações, antes 
do seu próximo encontro com Piggle. 
"Ela parece bem melhor agora: já percebe as coisas de 
modo mais razoável e de certo modo, bastante triste. Con-
versa entreouvida quando ela se encontra na cama: 'Não 
chora bebezinho, o bebê Sush está aqui, o bebê Sush está 
aqui.' Ela diz que é bom ter uma irmã e outras coisas seme-
lhantes ; mas sinto, por qualquer razão, que ela está domi-
nando-se à custa de um grande esforço. 
"Ela passa a maior parte do seu tempo, arrumando, 
limpando e lavando. Lava tudo o que encontra à mão, ou, 
então, fica à toa e tristonha, e não brinca muito. Passa 
também muito tempo, consolando seu bebê [uma boneca, 
figura altamente idealizada]. 
"Anda muito mais 'desobediente', esperneia e grita na 
hora de ir para a cama, etc. Quando está com raiva, freqüen-
temente desiste do fantasma e diz com insistência: 'Eu sou 
um bebê , eu sou um bebê'. À noite não consegue dormir e 
diz que é 'por causa do bebê-car'. 
·~o bebê-car está 'passando o preto de mim para você 
e por isso eu tenho medo de você'. 'Eu tenho medo da Pigga 
preta' e 'Eu sou ruim' - são as frases que ela tem falado 
mais vezes recentemente (não temos o hábito de chamá-la 
de ruim .ou coisa semelhante). Ela tem medo da mamãe 
preta e da Pigga preta e diz : 'Porque eles me fazem ficar 
preta'. · 
"Ontem ela contou-me que a mamãe preta arranhou 
o meu rosto [da mãe], puxou meus mamás, sujou-me toda 
e matou-me com brrr*. Expliquei· lhe que devia ser porque 
3.c 
Desenvolvimento 
do ego na 
capacidade de 
ser desobediente 
*Brrrrr - significa "fezes" , confonne é explicado em consulta posterior. (N. T.) 
34 
ela estava desejando ter uma mamãe limpa e bonita outra 
vez. Ela respondeu que teve uma mamãe assim, quando era 
um bebezinho. 
"Ficou muito contente ao saber que o senhor a rece-
beria. Quando sente qualquer dificuldade, fala Jogo em 
chamar o Dr. Winnicott. E repete : 'Você é Piggle e eu sou 
mamãe. Eu vou levar você ao Dr. Winnicott. Diga não!' -
'Por quê?' - 'Para falar com ele sobre o bebê-cera' (falou 
essa palavra com um sorriso furtivo, como se quisesse 
disfarçar o bebê-car). 
"(A propósito, no caso de ser difícil compreender 
o que ela fala, . desejo esclarecer-lhe que ela não consegue 
pronunciar o R. Assim, em vez de dizer Romano, ela diz 
Iom ano). 
"Recebemos com grande alívio a notícia de que o 
senhor vai recebê-la. Só o fato de saber que o senhor está 
cuidando do caso, tornou, digo , tem tornado nosso compor-
tamento mais natural, menos artificialmente tolerante com 
ela, o que parece estar produzindo bons resultados. 
"Ela diz que quer vê-lo para falar-lhe sobre o bebê-car. 
O bebê-car agora parece estar carregando o preto de uma 
pessoa para outra". 
TRECHO DE UMA CARTA DO PAI 
"Um padre, muito paternal e amigo, veio tomar chá 
conosco algumas semanas atrás, e Piggle estava muito tími-
da. Ontem, quando conversávamos sobre ele, ela falou : 
'Eu estava muito tímida' . Disse-lhe então que aquele padre 
era 'um homem muito p([[Jai' (palavra que ela tinha usado 
antes para descrevê-lo), e que isso pode realmente tornar as 
pessoas tímidas. Ela ficou em silêncio e, depois de muito 
tempo, falou : 'Dr. Winnicott', calando-se em seguida. E isso 
~~~" . 
ThePiggle 
Referência à 
mãe 
subjetiva 
pré-ambivalente 
4 Cçmlirmação posterior de que as palavras-chave para a ·sessão 1 foram : "Eu 
sou tímida". 
SEGUNDA CONSULTA 
(11 de março de 1964) 
Piggle (dois anos e cinco meses) chegou à porta em 
companlúa do pai e dominou a situação. (A mãe ficara em 
casa com Susan). A menina quis entrar no consultprio, mas 
isso não era possível no momento; ela dirigiu-se com o pai 
para a sala de espera, onde começaram a conversar. Ele es-
tava provavelmente lendo para ela. Quando eu estava pron-
to, ela entrou despreocupada, caminhando diretamente para 
os brinquedos que se encontravam atrás da porta, na meta-
de posterior da sala. Apanhou um trenzinho e disse o nome 
do objeto . Em seguida, apanhou um objeto novo, um co-
pinho azul de um vidro de loção Optrex para lavar os 
olhos. 
"O que é isso?" O trem voltou a interessá-la: "Eu vim 
de trem. O que é isso?" E repetiu: "Eu vim de trem". Seu 
modo de falar pareceu-me um tanto ou quanto esquisito, 
mas seus pais, acostumados àquela linguagem, compreen-
diam-na perfeitamente. Apanhou a pequena lâmpada, com 
o desenho de um rosto, com o qual tínhamos brincado da 
última vez e falou : "Faz ela vomitar". Tive de desenhar 
uma boca no alto da lâmpada. Apanhou em seguida um 
balde cheio de brinquedos e esvaziou-o no chão. Pegou um 
brinquedo redondo com um orifício no meio, que ninguém 
sabia de onde tinha vindo. 
"O que é isso? Eu nunca vi isso". Apanhou um vagão-
zinho e perguntou : "O que é isso? Você entende do bebê-
car?" Duas vezes eu lhe pedi para explicar o que era o 
bebê-car , mas ela foi incapaz de responder. Seria o carro de 
Piggle? Seria o carro do be.bê?" Dei uma interpretação. 
Arrisquei. Falei: "É o lado de . dentro da mãe de onde o 
bebê nasce." Ela olhou aliviada e disse: "Sim, o lado de 
Palavra-chave 
para a 
sessão 
36 
dentro preto". 
Talvez, em virtude do que dissera, ela apanhou o 
balde e propositalmenteencheu-o de brinquedos até trans-
·bordar. Tentei encontrar uma significação para aquele gesto, 
dando-lhe diversas interpretações (ela fazia um gesto quan-
do achava que eu tinha dito uma coisa boa ou má). De 
acordo com a interpretação mais usual, aquilo seria a barri-
ga do Winnicott, e não um interior preto. Falei qualquer 
coisa sobre minha capacidade de ver o que estava lá dentro 
e lembrei-me, então, que da última vez eu tinha dito que 
fazer um bebê era como um balde que ficara cheio ao 
máximo, por ter comido vorazmente. Como o balde estava 
cheio demais, caía sempre alguma coisa - efeito delibera-
damente planejado e que, a meu ver, significava vomitar, 
conforme ela já indicara ao pedir-me para desenhar uma 
boca maior na lâmpada. A partir desse momento, comecei 
a perceber o que estava acontecendo. 
Eu: Winnicott é o bebê de Piggle; ele é muito voraz 
porque gosta tanto de Piggle e de sua mãe, e comeu 
tanto que está vomitando. 
Piggle: O bebê de Piggle comeu demais. [Falou então 
qualquer coisa sobre o fato de ter vindo a Lon-
dres num trem novo]. · 
Eu: A coisa nova que você quer tem relação com o 
bebê Winnicott e a "mãe Piggle"; e Winnicott 
an1ando Piggle [a mãe], comendo Piggle e vomi-
tando. · 
Piggle: Sim, é. 
· Nesse momento, poder-se-ia dizer que o trabalho da 
sessão tinha terminado. · 
Fizemos então muitas caretas. Ela passou a língua em 
redor dos lábios. Eu imitei, e então nós nos comunicamos 
sobre a forme, o paladar, ruídos da boca e sobre a sensuali-
dade oral em geral. Isso foi satisfatório. 
Eu disse que podia ser escuro do lado de dentro. Súia 
escuro dentro da barriga de Piggle? 
Eu: Você tem medo do escuro? 
Piggle: Sim. 
Eu: Você sonha que é preto do lado de dentro? 
The Piggle 
Impregnação 
oral 
Comunicação 
verbal 
e 
interpretação 
Segunda Consulta 
Piggle: Piggle tem medo. 
Piggle sentou-se por alguns momentos no chão e ficou 
muito séria. Finalmente, eu disse: "Você gosta de ver Winni· 
cott". Ela replicou: "Sim". 
Olhamos um para o outro durante muito tempo. 
Então, ela voltou para colocar mais brinquedos no balde, 
representando mais uma vez o vômito. Entregou-me a lâm-
pada. 
Piggle: Põe mais olhos e sobrancelhas. 
Já havia olhos e sobrancelhas. Tornei-os mais nítidos. 
Ela então apanhou e abriu outra caixa. Dentro, encon-
trou animais. Imediatamente examinou tudo e tirou os 
dois animais maiores e mais macios, um carneirinho e um 
veadinho, ambos de lã. Colocou os animais para comer o 
que estava na caixa e acrescentou outros brinquedos aos 
animaizinhos que lá estavam: "Eles estão comendo a comi-
da deles". Cobriu a caixa de comida. pela metade, com a 
tampa da caixa. Houve aqui uma espécie de fenômeno 
transicional, no qual entre ela e mim estavam os ànimais 
grandes de lã, alimentando-se de sua comida; a comida cons-
tituía-se, principalmente, de animais. Interpretei, portanto, 
como se ela me tivesse contado aquilo como um sonho. 
Falei : "Aqui estou eu, o bebê Winnicott, vindo do lado de 
dentro de Piggle, nascido ··de Piggle, muito voraz, rriuito 
faminto, gostando muito de Piggle, comendo os pés e as 
mãos de Piggle": 
Tentei também a palavra "seio" entre outros objetos 
parciais. (Eu devia ter dito "mamá"). Piggle continuou 
séria, de pé, com uma mão no bolso. Caminhou, então, 
vagarosamente para o outro extremo da sala que ela associa· 
va a pessoas adultas. Olhou demoradamente para as plantas 
na jardineira da janela. E, então, quase foi para a cadeira 
que associava com a mãe, mas dirigiu-se para a cadeira 
azul que associava com o pai. Sentou-se nela e disse que 
era como o papai. Falei outra vez sobre Winnicott como o 
bebê Piggle. 
Eu: Você é a mamãe ou o papai? 
Piggle: Eu sou a mamãe e o papai também. 
37 
Consolidando 
a 
transferência 
Na transferência 
Winnicott é o 
bebê 
canibalesco 
voraz 
38 
Observamos os animais comendo e, nisso, ela come-
çou a brincar com a porta. Tentou fechá-la, mas ela não 
fechava facilmente (o trinco estava com defeito na ocasi-
ão). Então, abriu a porta e foi até o pai na sala de espera. 
Creio tê-la ouvido dizer: "Eu sou a mamãe". Eles conversa-
ram muito, e eu esperei durante muito tempo, sem fazer 
nada. Em dado momento, voltou com o pai, carregando 
seu chapéu, que era algo tecido, e fez um sinal para indicar 
que estava na hora de ir embora. Era evidente que a ansie-
dade estava atuando . Voltou com o pai para a sala de espera. 
Entrou, então, com o casaco e disse: "Vou embora logo". 
Retornou à sala de espera. Reli minhas anotações. 
Após cinco minutos, Piggle aventurou-se a entrar na sala, 
onde me encontrou ainda sentado entre os brinquedos, 
perto do balde que estava transbordando e "vomitando no 
chão o tempo todo". Ela estava muito séria e perguntou : 
"Posso ficar com um brinquedo?" Percebi a situação com 
clareza, o suficiente para decidir um curso de ação. 
Eu: Winnicott bebê muito voraz; quer todos os brin· 
quedas. 
Ela continuou insistindo que desejava só um brinque-
do, mas eu repetia o que se exigia que eu dissesse nesse 
jogo. Finalmente , ela levou um brinquedo para o pai na 
sala de espera. Creio que a ouvi dizer : "Bebê quer todos os 
brinquedos". Pouco depois trouxe o brinquedo de volta e 
parecia muito satisfeita, porque eu estava sendo voraz. 
Piggle: Agora o bebê Winnicott tem todos os brinquedos. 
Vou ficar com papai. 
Eu: Você tem medo do bebê Winnicott voraz, o bebê 
que nasceu de Piggle, que gosta de Piggle e que 
quer comê·la. 
Gabrielle voltou para junto do pai e, ao sair da sala, 
tentou fechar a porta. Percebi que o pai fazia grandes 
esforços para distraí-la, porque (obviamente) ele não sabia 
qual o seu papel no jogo. 
Chamei o pai para dentro da sala e Piggle entrou 
com ele. Ele sentou·se na cadeira azul. Ela sabia o que devia 
fazer. Subiu para o colo do pai e falou : "Eu sou tímida". 
The Pigle 
Precisando do 
pai para comu-
nicar-se comigo 
Dúvida sobre a 
capacidade do 
pai para tolerar 
suas idéias 
Piggle não é 
voraz - Win-
nicott infinita-
mente voraz 
Piggle 
desempenhando 
o papel de 
mãe 
Segunda Consulta 
Logo mostrou ao pai o bebê Winnicott, o monstro 
que ela tinha dado à luz, e era por isso que ela estava com 
vergonha: "Aquela é a comida que os animais estão comen-
do". Enquanto fazia acrobacias no colo do pai, contava-lhe 
todos os detalhes. Mas logo ela iniciou uma fase nova, e 
muito premeditada, no jogo. "Eu também sou um bebê", 
anunciou. E desceu de cabeça por entre as pernas do pai 
até o chão. · 
Eu: Eu quero ser o único bebê. Eu quero todos os 
brinquedos. 
Piggle: Você tem todos os brinquedos. 
Eu: Sim, mas eu quero ser o único bebê; não quero 
saber de outros bebês [subiu para o colo do pai e 
"nasceu" outra vez]. 
Piggle: Eu sou o bebê também. 
Eu: Eu quero ser o único bebê; [e, com um tom de 
voz diferente] devo ficar com raiva? 
Piggle: Si.n. 
Fiz um barulhão, derrubei os brinquedos, dei socos nos 
joelhos e falei: "Eu quero ser o único bebê". Ainda que 
ela parecesse um pouco amedrontada, isso agradou-lhe mui-
to. Disse ao pai qu,e eram o papai e a mamãe carneirinhos 
que estava comendo a comida da tina. E continuou com o 
jogo: "Eu quero ser o bebê também" . 
Durante todo esse tempo ela chupou o polegar. E 
todas as vezes que era o bebê, "nascia" descendo entre as 
pernas do pai até o chão. Ela chamava isso "nascer". Por 
fim ela falou: "Põe o bebê na lata de lixo". Respondi: "Den-
tro da lata de lixo é preto". Tentei descobrir quem era 
quem. E descobri que eu era Gabrielle e ela era todos os 
novos bebês, um após o outro, ou o novo bebê reduplicado. 
A certa . altura, ela falou: "Eu tenho um bebê chamado 
Galli-galli-galli" (Cf. Gabrielle). (Na verdade uma de suas 
bonecas tinha esse nome). Ela continuou "nascendo" do 
colo do pai para .o chão e ela era o bebê novo. Eu tinha de 
ficar zangado, porque eu era o bebê Winnicott, que tinha 
vindo do lado de dentro e nascido de Piggle - e eu tinha de 
ficar com muita raiva querendo ser o único bebê . . 
"Você não deve sero único bebê", disse Piggle. E, 
então, nasceu outro bebê. e mais outro e, em seguida, ela 
39 
Nascida do 
corpo do pai 
como se fosse 
do corpo 
da mãe 
Troca dos 
papéis entre 
o bebê e 
Gabriel/e 
40 
falou: - "Eu sou um leão" e fez barulhos de leão. Eu tinha 
de sentir medo, porque o leão ia comer-me. O leão parecia 
ser uma resposta à minha voracidade como o bebê Winni-
cott que queria ter tudo, e ainda ser o único bebê . 
Conforme eu estava certo ou errado, Gabrielle res-
pondia positivamente ou negativamente, dizendo, por 
exemplo : "Sim, é". Apareceu então um bebê-leão. 
Piggle: Sim, é (barulhos fortes de leão]. 
"Acabei de nascer. E não era preto lá dentro". Nesse 
momento, eu senti que tinha sido recompensado pela inter-
pretação que havia feito na última vez, quando disse que o 
preto lá dentro tinh;1 relação com o ódio pelo novo bebê , 
que esteve dentro da barriga da mãe. Gabrielle tinha então 
desenvolvido uma técnica de ser bebê ao mesmo tempo que 
permitia que eu representasse ser ela mesma1 • 
Houve então nova evolução. Ela começou a usar um 
processo diferente para nascer do alto da cabeça do pai2 • 
Era engraçado . Tive pena do pai e perguntei-lhe se podia 
agüentar aquilo. Ele respondeu: "Está bem, mas eu gostaria 
de tirar o casaco". Ele estava sentindo muito calor. De 
qualquer maneira pudemos parar naquele momento, uma 
vez que Piggle tinha alcançado o seu objetivo. 
"Onde estão as roupas?" E ela pôs o chapéu e o casaco 
e foi aliviada e satisfeita para casa. 
COMENTÁRIOS 
Os temas que apareceram na sessão foram os seguintes: 
1. Ter bebês em termos de vomitar. 
2. A gravidez como uma conseqüência da voracidade 
oral, do ato de comer compulsivo (função cindida). 
3. O preto interior, ódio do interior e conteúdo. 
4. Resolução na transferência com Winnicott, trans-
formando-se na Gabrielle perdida, o que lhe permitia ser o 
ThePiggle 
Primeiro 
alfvio da 
fobia pelo 
preto 
1 Comentário da mãe : "É impressionante como a transferência ocorre no limite 
exato entre a participação e a interpretação." 
2 Ser concebida, i. e., nascida como uma idéia de dentro da mente; desejada. 
D.W.W. 
Segunda c onsww 
novo bebê reduplicado. 
Identificação transitória com ambos os pais. 
5. Através de Winnicott = Gabrielle = voraz = bebê 
tem direitos próprios. 
6. O interior torna-se não preto. 
7. Ser concebido, i. e., como na mente. A mente es-
tando localizada na cabeça como se fosse cérebro. 
CARTADA MÃE 
"Quando Piggle chegou de Londres, não fez menção 
à consulta, mas brincou animada o resto do dia. Em geral, 
estamos sentindo que ela está muito mais livre desde a úti-
ma visita ao seu consultório ; algumas vezes brinca sOzinha 
e fala com o que eu considero ser sua própria voz. 
"No mesmo dia em que esteve em seu consultório, na 
hora de doflT!-ÍI, ela falou: 'Dr. bebê estava com muita raiva. 
Dr. bebê chutou. Eu não o joguei no "mixo" ... (corrigiu) 
no lixo (i. e., lata de lixo); não pus a tampa em cima'. 
"No meio da noite, ela chorou. Disse que seu "pipi" es-
tava doendo. Precisava ir ao médico. Eu disse que seu '"pi-
pi" estava um pouco vermelho, ou porque ela tinha coçado, 
ou por causa da fralda. Ela confirmou que o havia coçado, e 
fez ruídos iguais aos de um trem, tichic, tichic, tichic, e que 
isso a faz ter medo à noite; isso a faz ficar preta. Falou 
então da mamãe preta. Esqueci o início da conversa, mas 
ela continuou falando sobre a mamãe preta, dizendo : 
'Onde estão meus mamás?' - 'Os mamás estão na privada, 
desceram com a descarga'. - 'Mamãe preta deixou eu brin-
car com os brinquedos dela, fez para mim creme com pas-
sas' (eu tinha realmente posto passas no creme e ela gostara 
muito). Parecia muito perturbada e disse : 'Estou com raiva 
de papai'.- 'Por quê?' Porque eu gosto demais dele'. 
[Estou intrigada com essa recorrência da "bondade" da 
"mamãe preta". Isso não parece ter ligação com o fato de 
ver uma mamãe boa e uma mamãe má como uma só pessoa? 
Haverá aí alguma confusão entre as partes boas e as más do 
seu próprio eu? O tema de aplacar a mamãe preta repete-se]. 
"Na noite seguinte ela conversou na cama, excitada, 
durante muito tempo, mas não ouvi o que ela disse. 
"No outro dia, de manhã, contou-me : 'Eu fui a 
41 
Redescobrimento 
da própria 
identidade com 
o retorno do 
brinquedo 
Excitação 
erótica e 
fantasias 
edipianas 
42 
Londres ver o Dr. Winnicott. Tinha um barulho muito 
grande. Dr. W. muito ocupado. Ele era um bebê. Eu era 
um bebê também. Não falou sobre a mamãe preta. Ele era 
um bebê com muita raiva. A mamãe preta é muito impor-
tante para o Dr. Winnicott'. Então, colocou um alfmete de 
fralda dentro da torneira e falou: 'Eu .vou melhorar isso 
com um alfmete'. Houve qualquer comentário sobre a água 
ser capaz de sair outra vez. Dirigindo-se a mim: 'Você veio 
e disse que isso não estava melhor?' Eu: 'Isso deve ter sido 
em seu sonho'. 'Sim, você veio e disse que isso não estava 
melhor. Tinha sujo nele'. Disse qualquer coisa sobre a ma-
mãe preta, mas não ouvi direito o que foi. 
"Ultimamente ela tem me contado com freqüência 
que a mamãe preta vem e me faz (a mãe) ficar preta. Na 
hora de ir para a cama, tenho de 'telefonar' para a mamãe 
preta e para o bebê Sush preto. Mas a conversa limita-se 
a um 'alô'. 
Isso faz-me lembrar de uma coisa: um ou dois dias 
antes de ir ao. seu consultório (ela se queixara de pesadelos 
com a mamãe preta), perguntei-lhe: 'Você dormiu bem? 
A mamãe preta veio?' - 'A mamãe preta não vem. A 
mamãe preta está dentro de mim'". 
OUTRA CARTA DA MÃE 
"Em meados de abril, vamos ficar fora durante três 
semanas aproximadamente. 
"Piggle tem sido muito perseguida pela mamãe preta. 
Tem tido pesadelos e somente consegue conciliar o sono 
altas horas da noite . 
" 'Eu não falei com o Dr. Winnicott sobre a mamãe 
preta, porque ele é muito ocupado. Dr. Winnicott muito 
ocupado, ele era um bebê. Eu tinha medo de falar com o 
Dr. Winnicott sobre a mamãe preta. Ele está com muita 
raiva, ele era um bebê. Eu era um bebê também. Eu fiquei 
com vergonha de falar com o Dr. Winnicott sobre a mamãe 
preta'. 
"Sua maior queixa contra mamãe preta é a de que ela 
faz Piggle ficar preta e, então, Piggle faz todo o mundo ficar 
preto, mesmo o papai. 
"Na noite passada, ela acordou 'com medo da mamãe 
The Piggle 
Referência à 
masturbação 
c/itoriona 
Talvez referência 
aofuncionamento 
mental 
Segunda Consulta 43 
preta' e pediu ao pai para 'dar passas para a mamãe preta' 
(Piggle adora passas). 
"Ela também acordou com medo do bebê Sush 
preto, que a faz ficar preta. (Na véspera ela havia dado um 
empurrão em Susan, o que provocou uma reação geral de 
desagrado). O bebê Sush preto continua aparecendo com 
freqüência e tem de ser chamado pelo telefone antes que 
ela vá para a cama. (O bebê Sush é uma referência a Susan). 
"Piggle é, com menos freqüência, a mamãe ou o bebê Maior tendência 
agora. Teima muito na hora de ir para a cama, etc., mas o para ser ela 
faz de maneira um tanto desconsolada. Há mais uma coisa: mesma 
'Bebê bablã' - isso está assinado em todas as cartas que es-
creve e desenhos que faz; tem de ser escrito nos envelopes. 
Não tenho a menor idéia do que isso possa significar. Penso 
já ter-lhe dito que a boneca de Piggle chama-se "Gaby 
Gaby", que pode ser "Gabrielle", nome que não consegue 
pronunciar. [Bebê Gabla (e não bablã). Acho que isso é 
outra versão de Gabrielle, como Galy - Galy ou Gâlli -
Galli - não sei qual a diferença entre as duas versões]". 
MAIS UMA CARTA DA MÃE 
I 
"Piggle pediu para vê-lo e parecia ter bastante urgên-
cia. Quando lhe disse que talvez não houvesse tempo antes 
da nossa partida para a França, ela respondeu violentamente 
que havia . 
"Acordou hoje numa verdadeira fúria de destruição, 
rasgando tudo que encontrava pela frente. Retirou-se em 
seguida para o seu "moisés" e dizia que queria ver Dr. 
Winnicott. Entrou então para dentro do quimono que eu 
estava usando e contou-me qualquer coisa sobre um sonho 
emque a mamãe preta a tinba comido. Ao sair do quimono, 
perguntou-me como se nascia. Expliquei-lhe então, como já 
havia feito várias vezes antes, como ela tinha saído, tinha 
sido enrolada numa toall1a e tinha sido entregue a mim. 
'E você me deixou cair' -'Não, não deixei'. - 'Sim, você 
deixou. A toalha ficou suja'. 
"Ela anda infeliz ultimamente. Penso que deve ser-lhe 
bastante cansativo ficar tanto tempo em nossa companhia. 
Não há muitas crianças na redondeza. Estou procurando 
uma escola maternal que queira recebê-la apenas duas 
44 
manhãs na semana; a maioria somente a aceita diariamente 
e, a meu ver, isso pode ser demais. 
CARTA DOPAI 
"Gostaríamos de transmitir-lhe algumas impressões 
sobre Piggle. Nos últimos dias, ela anda num estado de 
grande agitação e ansiedade e tem falado coisas assim: 
'Estou muito preocupada. Eu quero ver o Dr. Winnicott'. 
Quando lhe perguntamos por quê, ela s~mpre responde que 
é por causa do 'bebê-car', da 'mamãe preta' ou dos 'mamás 
pretos da mamãe preta'. Ela também está com medo do 
bebê Sush preto (= Susan): 'Eu fiz ela ficar preta'. Disse 
a mesma coisa, referindo-se à mamãe preta. Ainda repete 
com freqüência na hora de ir para a cama: 'A mrupãe preta 
diz: "Onde estão meus mamás?" ' E certa manhã pediu para 
mamar no seio na mãe. 
"Quase· todas as manhãs, ela quer entrar para dentro 
do quimono da mãe ou ser enrolada (como um rocambole) 
dentrg do tapete. Ela parece estar sofrendo gravemente 
daquele mal que se chamou uma vez de "sentimento de 
pecado". Preocupa-se exageradamente, quando quebra ou 
suja alguma coisa. Algumas vezes fica dando voltas e murmu-
rando para si mesma, com uma vozinha muito artificial: 'Não 
tem importância, não tem importância'. O mesmo acontece 
quando dá pontapés em Susan, por quem mostra grande 
interesse, a despeito de lapsos ocasionais. Fez objeções às 
roupas que lhe compramos, porque 'tem branco demais; 
eu quero um pulóver preto'. Acrescentou que podia usar 
roupa preta porque era preta e má. 
"Embora ontem não tivesse acontecido nada fora do 
comum, fizemos várias anotações sobre Piggle. Ela estava 
pior do que habitualmente e' ficou conosco o dia todo. 
Temos uma faxineira, uma senhora idosa, que passa qua- . 
se todas as manhãs em nossa casa. Gabrielle chama-a de 
'Wattie' e gosta muito dela. 
"De manhã, ela entregou-nos o seu ursinho querido. 
Tinha feito um buraco na perna dele e tinha tirado todo o 
seu enchimento. E estava muito angustiada com aquilo. 
Durante todo o dia pediu desesperadamente coisas que nor-
malmente não lhe negamos, como se tivesse de travar uma 
The Piggle 
Ansiedade 
depressiva 
O preto 
relacionado ao 
sentimento de 
culpa 
Segunda Consulta 
grande batalha para consegui-las. Falou com a mãe que 
desejava casar-se e, quando lhe foi dito que seria uma boa 
idéia esperar, ela protestou veementemente. 'Não, não, 
sou uma moça agora'. E insinuou que estava velha demais 
para brincar. 
"Na hora de ir para a cama, fez a maior cena, o que, 
aliás , vem acontecendo com muita freqüência ultimamente. 
Ela diz que tem rriedo de a mamãe preta vir agarrá-la. Às 
dez horas da noite atirou as suas roupas de cama para o 
chão. Levantou-se e insistiu para apanhar a cadeira no quar-
to ao lado. Disse-lhe que a cadeira era dela, mas que a cadei-
ra precisava de uma almofada: 'Uma almofada preta; e 
então posso me sentar nela'. -'Por que você é preta?'-
'Sim, porque eu quebrei a mamãe preta em pedaços. Estou 
preocupada'. 'Não se preocupe' - 'Eu quero preocupar. 
Minha bunda está doendo. Pode me dar· um creme branco? 
Uma introdução recente: uma oração, pedindo principal-
mente proteção, tem de ser repetida várias vezes. 
Nota adicional: " 'Eu jogo os brinquedos do Dr. Win-
nicott fora, se eu quebrar eles'. Piggle disse isso no táxi, a 
caminho do seu consultório, quando foi vê-lo pela última 
vez. Na ocasião, não mencionei o fato por esquecimento." 
45 
Sentimento de 
culpa relativo 
à destruição 
compulsiva 
A magia usada 
para afastar 
idéias ameaçadoras 
TERCEIRA CONSULTA 
(10 de abril de 1964) 
Piggle (dois anos e 6 meses) parecia menos tensa do 
que antes, e esse estado permaneceu constante. Ela parecia 
mais distante das ansiedades reais das quais falava. De fato, 
agora eu compreendia o quanto tinha esta:do dentro delas 
antes, como uma criança psicótica. Fui à sala de espera 
onde a encontrei coni seu "bebê", que é uma bonequinha 
com fralda e alfmete. Estava com vergonha de acompanhar-
me ao consultório; assim, entrei sozinho. Logo mais, fui 
buscá-la, e ela mostrou-me um saco onde tinha colocado 
areia e uma pedra. Aquilo tinha sído ·apanhado na rua. Ela 
não queria entrar, e então falei : "O papai vem também" (era 
o que ela queria). Ela entrou carregando o saco com a 
areia e a pedra, deixando o bebê. O pai sentou-se em sua 
cadeira na metade da sala reservada aos adultos e, metade 
do tempo, ficou separado de nós pela co.rtina. Piggle foi 
direto para os brinquedos repetindo exatamente o que tinha 
feito da última vez. 
Piggle: Pra que é isso? 
Eu: Você me perguntou o que era isso da vez passada 
e eu disse: "De onde veio o bebê?" 
Perguntei, referindo-me à pedra e a areia: "De onde veio isso?" 
Piggle: Do mar. 
Ela apanhou outros objetos e o balde e, certamente, 
lembrava-se de tudo. Examinou todos os pormenores; 
Piggle: O que é isso? Um trem. Uma máquina. Carros de 
il 
S(mbolo do 
desespero de 
ficar grdvida 
como um adulto 
48 
trem. Vagões. 
Chamou um deles de "leãozinho". Em seguida, 
apanhou um menininho. 
Piggle: Você tem outro menininho? 
Encontrou um homenzinho e sua mulher. 
Piggle: Eu gosto disso [o menino]. 
Tive de ajudá-la a colocá-la sentado. Então outra 
locomotiva. 
Piggle: Eu vim para Londres de trem para ver Winnicott. 
Eu quero saber por que a mamãe preta e ci bebê-
car. 
Eu: Vamos tentar descobrir isso. 
Parei por aí. Ela continuou escolhendo brinquedos, o 
Pele Vermelha (de plástico azul). 
Piggle: Eu n,ão tenho nenhum desses carros. 
Ela estava tirando todos os brinquedos e arrumando-
os um ao lado do outro. 
Piggle: O que será isso? O senhor tem· algum barco? Eu 
não acho lugar algum para este sentar. [Uma figura 
de plástico que podia sentar]. Winnicott não deve 
ser um bebê; ser um Winnicott. Sim, eu tive medo. 
Não ser um bebê outra vez. 
Ela estava obviamente entretendo-se com a idéia de 
repetir o jogo da última vez. 
Piggle: Posso tirar tudo de dentro do balde? 
Eu: Sim. Isso era o bebê vomitando quando Winnicott 
era um bebê. 
Ela falou sobre o vagão para carregar coisas. Então, 
outro trem. Apanhou dois carros exatamente iguais, com-
The Pigglt 
Terceira Consulta 
parou-os e colocou-os juntos. 
Eu: Não igual a Piggle e o bebê porque Piggle é maior 
do que o bebê. 
Colocou grande parte dos brinquedos lado a lado e 
continuou: 
Piggle: Que é isso? Uma locomotiva. Eu vim de táxi. O 
senhor foi num táxi? Dois táxis. Para ver Winnicott. 
Para trabalhar com Winnicott. 
Ela quis então que eu enchesse o balão que, acho, ela 
tinha deixado comigo na primeira consulta. Não tive muito 
êxito. Ela esfregou o balão nas mãos, mostrou-me seu fecho 
ecler e falou : "Para cima e para baixo outra vez". Insistiu 
novamente comigo para que eu enchesse o balão. Disse · 
que tinha uma caneta, referindo-se (única vez), provavel-
mente, ao fato de ver-me tomando notas com um lápis. 
Nesse momento achou os animais pequenos dentro de uma 
caixa, o que a fez querer o cachorro. Estendeu o braço para 
apanhá-lo . Ele não estava à vista, mas ela lembrou-se dos 
dois animais grandes e macios da última vez. Colocou-os 
juntos, lado a lado, e empurrou-os para baixo, de encontro 
ao chão. (Chamou os dois de cachorros, embora um deles 
fosse um veadinho). 
Piggle: Um cachorro estava com raiva. 
Os dois cachorros iam esperar o trem e ela apertou-os 
irnpiedosamente contra o chão. 
Pigglc: O senhor tem outro cachorro? 
Eu: Não. 
Foi mostrar ao papai três carrinhos de trem. Teve 
uma conversa com ele na qual falou algumacoisa sobre 
todos os tipos de cores. Então, deixou cair os brinquedos 
e disse : "Deixando cair o trem". Ela estava mostrando que 
aquilo era proposital e indicava defecação. Veio depois para 
junto de mim e tentou pôr o homenzinho e a mulher dentro 
do carro. 
49 
Confirmação de 
que trabalhamos. 
Nesse estágio o 
jogo é comuni-
cação e não 
feito por prazer 
Ansiedade sobre 
a crueldade ou 
comportamento 
compulsivo 
50 
Piggle: Grande demais para entrar. Um dia vou achar 
um homenzinho. 
Eu: Um bebê menino em vez do papai? 
Foi para perto do pai e começou a usá-lo. Abri a 
cortina que o escondia para que ele se entrosasse mais no 
jogo. Subiu para cima do pai e ele (sabendo o período árduo 
que o esperava) tirou o casaco. Ela ficou acima da cabeça 
do pai, que a segurava. (Voltava agora o jogo da última vez). 
Piggle: Eu ser um bebê. Eu quero ser bryyyyyh. 
Isso, eu sabia, significava fezes (o pai disse que brin· 
cava com Susan aquele jogo de segurá-la acima de sua cabe· 
ça ; Piggle ficava muito intrigada e algumas vezes gostava 
de imitar a irmã. Era como se ela não aceitasse o fato de 
que era realmente pesada demais para aquele jogo). 
Piggle: Eu sou Piggle. 
Aos poucos, ela começou a "nascer", descendo para o 
chão, entre as pernas do pai. 
Piggle [para mim ]c O senhor não pode ser um bebê, por-
que isso me faz muito medo. 
De algum modo ela conseguiu manter o controle da situa· 
ção, de tal forma que ela a representava em vez de ser parte 
dela. Da última vez ela foi parte dela. Finalmente pergun· 
tei : "Será que devo ser uma Piggle zangada? Ela respondeu : 
"Fica com raiva agora". Então eu fiquei e derrubei os brin· 
quedos. Ela aproximou-se e apanhou todos. 
Pigg/e: Por que o senhor está com raiva? 
Eu: Eu queria ser o único bebê e então eu vomitei. 
Mamãe tem um bebê bryyyyyh. 
Piggle: Mamãe não tem bryyyyyh, só pipi. 
Falou então sobre o bebê de Piggle: "Eu chamo meu 
bebê de ·Gaddy-gaddy-gaddy" (Cf. Gabrielle, bebê, galli· 
galli -galli). 
O pai disse que aquilo, provavelmente , tinha relação 
The Piggle 
Do processo 
primário para 
o secundário 
Terceira Consulta 
com Gabrielle. Ela estava referindo-se à boneca-bebê na sala 
de espera. Piggle deu-nos uma pista, dizendo: "Menininha-
menininha-menininha" (Girlie-girlie-girlie), atribuindo outro 
significado à palavra. Começou a demonstrar vontade de ir 
para casa (ansiedade). 
Eu: Essas coisas fazem você ter medo, porque eu fui 
um bebê zangado. 
Piggle: Fica com muita raiva! [Eu fiquei. Eu falei sobre o 
bebê bryyyyyh.] 
Piggle: Não, um bebê Sush. 
Eu: Eu [Eu= Piggle = bebê] queria que Papai me desse 
um bebê. 
Piggle [para o pai): Você vai dar um bebê para Winnicott? 
Falei que Piggle estava com raiva, fechava os olhos, 
não via a mamãe que tinha ficado preta por'que ela estava 
zangada com ela, porque o papai tinha dado um bebê para a 
mamãe. 
Piggle: Na cama de noite eu tenho muito medo. 
Eú: Um sonho? 
Piggle: Sim, um sonho. A mamãe preta e o bebê-car 
me perseguindo. 
Nesse momento, ela apanhou uma roda com um eixo 
pontudo - ele tinha caído de um dos trens - e coloéou 
o eixo pontudo na boca. 
Piggle: Que é isso? [Poder-se-ia dizer que ela estava apa-
nhando o único objeto perigoso entre os brinque-
dos e relacionando-o com sua boca.] 
Eu: Se a mamãe preta e o · bebê-car pegassem você , 
será que eles conúam você? 
Durante todo o tempo ela punha as coisas em ordem 
e estava angustiada porque não conseguia tampar uma das 
.caixas, que estava cheia demais. · 
Eu: Quando você teve o sonho, que é que papai e 
mamãe estavam fazendo? 
Piggle: Eles estavam no andar de baixo com Renata, 
51 
Preferência 
por idéias 
genitais a idéias 
de gravidez 
pré-genital 
52 
comendo brócolos. [Renata era a nova estudante 
que estava morando com a fam!1ia.] Renata gosta 
de brócolos e de jantar. 
Durante todo o tempo, Piggle continuava guardando 
tudo bem arrumado . 
Eu: Será que nós sabemos alguma coisa sobre a mamãe 
preta e o bebê-<:ar? 
Piggle: Não. Eu quero ir onde está o meu bebê [a boneca]. 
O senhor pode esperar um minuto? 
Ela estava brincando com a porta. 
Piggle: Seja um Winrúcott. Papai vai tomar cónta do 
senhor. Você vai, papai? Se eu fechar a porta, 
Winrúcott vai ter medo. 
Eu: Eu ia ter medo da mamãe preta e do bebê-car. 
Ela fechou a porta o máximo que pôde e foi buscar 
o bebê. Quando voltou, eu disse que ·tinha tido medo da 
mamãe preta e do bebê-<:ar, mas que o papai tinha tomado 
conta de mim. Depois de voltar, ela brincou muito com o 
bebê (a boneca), e as palavras "abrir" e "fechar" eram usa-
das agora com referência à fralda da boneca e ao seu enor-
me alfinete. O pai ajudou. Ela levou muito tempo para 
colocar a fralda. 
Piggle: O senhor quer um bebê Winrúcott? O senhor 
pode ficar com o meu mais tarde. 
O papai continuou supervisionando a técrúca de 
colocação da fralda e ajudando. 
Piggle: Não fecha ele [o alfmete ]. 
Em seguida, combinou secretamente com o pai dar 
bolo e torta . para o bebê. Falou: "Ele é um bebê muito 
bryyyyyh" (o que significava que ele se tinha sujado todo 
e estava sendo trocado). Aproximou-se então e mostrou-me 
o seu polegar preto que, certamente, tinha ficado preso em 
illgum lugar. Tirou do bolso dois guarda-<:huvas de brinque-
The Piggle 
Terceira Consulta 
do e pôs um em meu cabelo. Pegou o seu bebê e pôs os 
dois guarda-chuvas no cabelo dele. Tentou sentar o bebê 
na cadeirinha, mas teve inveja e ela própria sentou-se 
lá. Quis então mostrar ao bebê o quanto ela era engraçada 
no espelho. 
Eu: O bebê é Winnicott. 
Piggle: Não, Gaddy-gaddy-gaddy. 
Ela agora estava pronta para ir, com tudo arrumado. 
Foi buscar o casaco para o pai vestir e recolheu a areia e 
a pedra, que estava no saco. 
Eu: Está bem, mas já entendemos o que é a mamãe preta 
e o bebê-car? 
Olhou para todos os brinquedos cuidadosamente guar-
dados e falou: "O bebê-car está todo arrumado". Pareceu-me 
então que ela estava dizendo que o bebê-cartinha a ver com 
o bryyyyyh e o pipi que pertenciam à mamãe preta, que é 
preta porque é odiada desde que o papai lhe deu um bebê. 
Continuei sentado no chão enquanto ela saía muito 
feliz pela porta da frente, em companhia do pai. 
COMENTÁ RIOS 
Os temas seguintes foram os pontos altos da sessão: 
1. Retomada do jogo da sessão anterior, mas a demo-
ra associada à ansiedade. 
2. Nova capacidade para representar a fantasia ame-
drontadora em vef. de participar dela (dessa maneira, en-
frentando-a): (a) alívio e ampliação do campo; (b) perda da 
experiência direta. 
3. Indo de encontro à ansiedade através do perigoso 
eixo pontudo em sua boca, sugeriu uma fantasia da experi-
ência voraz oral da mãe pelo pênis do pai. 
4. Agora seu bebê (a boneca) deu-lhe um lugai: como 
uma menina com identificação com a mãe = eu (sei[). 
5. Resolução parcial, com base no preto, relacionado 
com o ódio envolvendo o fato de o papai dar um bebê à 
mamãe, mas um tanto intelectualizada. 
5:? 
Esquecendo em 
defesa contra 
a confusão e 
ansiedade 
54 
6. O escuro foi guardado, isto é, esquecido. 
7. Importância da minha incompreensão do que ela 
não tinha ainda sido capaz de dar-me indícios. Somente 
ela .sabia as respostas e, quando conseguiu apreender o signi-
ficado de seus medos, tomou possível que eu os compreen-
desse também. 
CARTADA MÃE 
"Gostaria de mandar-lhe algumas notícias sobre 
Piggle embora eu pense que meu marido lhe tenha falado 
sobre algumas delas pelo telefone. 
"Piggle voltou da última sessão muito mal-humorada; 
e, nos dias que se seguiram, houve muitas cenas, principal-
mente na hora de ir para cama. Agora, parece ter-se acomo-
dado outra vez. · 
"Durante vários dias quis ser o bebê de Susan, uma 
situação bastante frustradora porque Susan não corresporide. 
Ao lhe perguntarmos por quê, respondeu: 'Eu estou tentan-
do gostar do bebê Sush'. 
"Durante um ou dois dias após a sessão, ficou muito 
agressiva com outras crianças. Ela tem um fantoche e 
falou-me, referindo-se a ele: 'Faz ele ficartímido, assim 
posso bater nele'. 
"Na no i te $Ós a sessão, disse-me : 'Eu tenho medo da 
mamãe preta. Eu tenho de ir ao Dr. Winnicott outra vez, 
o novo Dr. Winnicott.' Ela sempre refere-se às sessões de 
maneira formal, exceto da última vez, quando, logo antes 
de sair, cantou: 'Winnicott, Winnicott,' de um modo bastan-
te afetuoso. 
"Ela já disse várias vezes que tem de ir ao Dr. W. por 
causa da mamãe preta. 'Por quê? Você não contou ao Dr. 
W.? - 'Não, eu falei com ele sobre o bebê-car. É de lá que 
vêm os bebês? O bebê-cera pela luz da vela'* 
Ela reclamou que o pipi estava machucado. - 'Você 
o coçou ou foi a fralda?' - 'Coçei. Está preto. Me dá um 
creme branco para sarar. Então posso coçar outra vez'. 
"Ficamos observando a escuridão que descia sobre as 
montanhas. 'Quando ficar escuro eu vou ter medo. Dr. 
* No original : The babacandle, by candlelight. (N . T.) 
The Piggle 
Terceira Consulta 
Winnicott não sabe que eu tenho medo do escuro'. 'Por quê? 
Você não contou a ele?' - 'Eu guardei toda a escuridão.' 
"Durante alguns dias após a sessão, eu fui realmente 
uma mamãe muito preta. Ela não acreditava em nada que 
eu dizia. Quebrou várias coisas, especialmente o açucareiro 
do qual estava sempre tirando "pedaços grandes de açúcar", 
embora isso fosse proibido. Parece que sofre demasiada-
mente com qualquer destruição que cause e que não possa 
ser consertada imediatamente, mesmo que seja insignifican-
te. Minha mãe está conosco no momento, e desde sua che-
gada, a tendência é considerá-la a mamãe preta e, com isso, 
eu e Piggle temo-nos dado bem. Então eu sou Piggle e ela 
é a mamãe. Ela não está nem muito prestimosa nem muito 
cuidadosa agora. Duas conversas de ontem: 'Pigga, você 
gosta de mim?' - Eu: 'Gosto'. Ela: 'Você lembra quando 
eu quebrei a travessa?' -Ela: 'Você gosta de mim?' -Eu: 
'Sim. E você?' - 'Não. Eu não gosto de você. Você é 
preta e então você vai me fazer ficar preta'." 
CARTADA MÃE 
ESCRITA DURANTE AS FÉRIAS NO EXTERIOR 
"Estamos lhe escrevendo outra vez, porque Piggle nos 
tem dado muita preocupação e gostaríamos que o senhor 
pensasse se ela realmente não precisa de uma análise com-
pleta - embora não saibamos absolutamente como isso 
poderia ser feito, caso houvesse necessidade. 
"O que mais nos preocupa é o estreitamento de sua 
experiência; ela parece viver prisioneira dentro do seu pró-
prio mundo, inaccessível à experiência exterior. Os únicos 
pensamentos que a preocupam, além de estar sempre que-
rendo coisas e além de sua aparência pessoal, são as suas 
lembranças (coisas que ouviu contar, estórias de fam11ia) 
sobre o tempo em que era um bebê e não podia falar. 
"Fala com uma vozinha cada vez mais artificial e cada 
dia que passa está ficando menos autêntica e mais afetada. 
Ela agora usa de todos os recursos para chamar atenção 
sobre si mesma, 'criando freqüentemente cenas dramáticas. 
"Ainda sente muito medo à noite - fala menos sobre 
isso agora antes de ir para a cama - apesar disso acorda 
várias vezes durante a noite, às vezes .chorando. 
55 
Deterioração. 
Rigidez das 
defesas 
organizadas 
Doença agora 
organizada. O 
verdadeiro 
"self' oculto 
Expulsão do 
próprio mal 
56 
"Ela está chorando, diz, porque o escuro vai fazê-la 
ficar preta. (Uma vez veio ao meu quarto para ver se eu 
estava preta). Durante a noite, parece lembrar-se de todos 
os estragos que fez durante o dia. (No momento, mostra uma 
tendência para gestos de agressão repentinos, tais como 
atirar uma pedra em minha cabeça ou bater com uma ban-
deja na mão de Susan). 'A mão de Susan está doendo?' 
'Sua cabeça está quebrada?' 'Me dá uma agulha para eu 
consertar meu cobertor'. 'Você quer consertar minha cabe-
ça?' 'Eu não posso consertar você, você é dura demais'. 
"Em outra ocasião durante a noite falou: 'Você lem-
bra quando o médico me picou? (injeção)'. 'Devo ir ao médi-
co. Estou doente. É aqui'- e apontou para o pipi." 
CARTA DA MÃE APÓS SEU REGRESSO 
"Gostaria de dar-lhe mais notícias de Piggle. "Não sei 
explicar como, mas sinto que ela está melhor. Ela atravessou 
um período em que esteve entediada, desatenta e insatisfei-
ta e, às vezes, deliberadamente destruidora, rasgando, que-
brando e sujando coisas. Agora ela dá a impressão de estar 
vivendo sua vida, e é menos afetada e artificial. 
"Somente agora tomei consciência do quanto ela vive 
perseguida pelo sentimento de culpa e responsabilidade por 
sua destruição. Ela menciona de maneira agoniada os estra-
gos. feitos semanas atrás, de que mal tomei conhecimento 
na ocasião. Dei-lhe uma palmada quando ela insistiu em 
levantar minha saia dentro de uma loja, e me esqueci do 
fato. Duas semanas mais tarde, ela falou: 'Mamãe, eu 
não vou mais levantar sua saia'. Ou, quando eu estava 
carregando Susan, sua irmãzinha, esbarrei com ela na 
porta e ela chorou. Piggle : 'A culpa foi sua'. Eu: 'Sim, a 
culpa foi . minha' . Piggle, muito preocupada: 'Você vai 
sonhar com isso agora?' À noite, continua tão preocupada 
quanto antes com a idéia de que a mamãe preta e o bebê-
carvão fazê-la ficar preta. 
"Falar em coisas mortas tornou-se assunto importante 
nos últimos dias. Na noite passada ela quis, com muita 
urgência, falar comigo sobre a mamãe preta. Começou na-
quela vozinha monótona costumeira: 'A mamãe preta diz: 
Onde estão meus mamás? Onde estão meus mamás?' 
The Piggle 
Ansiedade 
depressiva 
Fantasias 
masturbatórias 
O contexto 
familiar 
proporciona o 
hospital mental 
em que podia 
atingir sua 
doença 
Terceira Consulta 
Depois: 'A mamãe .. preta tem uma praia e um balanço'. 
(Eu a tinha levado à praia pela primeira vez, e ela gosta 
muito de gangorras). Eu disse que ela não parecia desejar 
que a mamãe preta tivesse coisas tão boas: Ela : 'Não, eu 
quero estragar elas. Eu quero estragar as coisas de você'. 
Falou então que eu tinha mamás grandes e que ela queria 
eles. Pareceu-me então que ela se atrapalhou toda e disse 
que eu queria os mamás dela, e parecia muito confusa. 
Disse-lhe que ela tinha mamás pequenos, mas quando cres-
cesse eles ficariam grandes. 'Sim, quando eu souber cozi-
nhar'. (Eu lhe dissera ao entrar que tinha pressa porque 
estava preparando o jantar para mim e pll,ra o papai). Eu: 
'Você já começou a aprender a cozinhar. De fato, você fez 
creme'. Ela: 'Sim, eu só sei cozinhar coisas mortas'. E falou 
(imitando-me): 'A vida é dura'. E acrescentou por conta 
própria: 'E me magoa'. 
Ela menciona o senhor ocasionalmente, de maneira 
bastante informal; por exemplo, diz, de repente, que deseja 
ir brincar com os brinquedos do Dr. W. e conversar com ele 
sobre a mamãe preta; ou, ao armar uma cidadezinha, uma 
casa é a casa do Dr. Winnicott". 
CARTADA MÃE 
"Esta é só para confirmar que Piggle irá ao seu con-
sultório com o pai. 
"Por dois dias consecutivos, vem-me pedindo para chu-
par meus mamás (seios), depois de já ter ido para a cama à 
noite. Pediu com tanta insistência que consenti. Eu: 'Por 
quê?' 'Eu quero chupá-los igual a um pirulito'. Mas tarde pe-
diu-me qualquer coisa que pudesse chupar e mastigar e, en-
tão, descer para dentro da sua barriga. Em seguida teve outra 
vez medo da mamãe preta e quis ir ao Dr. Winnicott. Quan-
do eu lhe disse o dia em que ela iria, falou : 'E no dia seguin-
te, e no dia seguinte'. Quando saí, ouvi um choro de cortar 
o coração : 'Eu quero meu bebê, meu bebê , meu bebê-galli-
galli'. (Bebê-galli-galli é o nome de sua boneca em torno da 
qual se concentravam antes muitas de suas atividades, embo-
ra isso não aconteça com a mesma freqüência agora. É tam-
bém o seu modo de pronunciar o próprio nome, Gabrielle, 
o qual ainda não é capaz de pronunciar corretamente)." 
57 
Depressão 
meúmcólica 
QUARTA CONSULTA 
(26 de maio de 1964) 
Conforme fiquei sabendo mais tarde pelo telefone, 
Gabrielle (agora com dois anos e oito meses) fez a viagem 
de trem enroscada no colo do pai, chupando-lhe o polegar. 
Ela foi diretamente para o amontoado de brinquedos, 
falando: "Está quente aqui. Nós viemos de trem. O senhorviu ... " 
Apanhou os barquinhos e colocou-os sobre o tapete. 
Estendeu o braço para pegar um dos cachorros grandes e 
macios. Estava unindo locomotivas com carros. Então, 
espontaneamente, falou: "Eu vim por causa do bebê-car". 
Fui então ajudá-la em suas tentativas de unir as partes 
de alguns trenzinhos. Ela arrumava os brinquedos de Ul1). 
modo que não era suficientemente defmido para que eu 
entendesse. Falou: "A janela (da sala) não está aberta". 
Quando eu a abri, disse: "Nós abrimos a janela daqui". 
Recomeçamos o trabalho iniciado. 
Piggle: Olha que carro bonito! Eu gosto muito de vir aqui. 
Eu vim de trem. Papai está me esperando? Duas sa-
las, uma para papai e uma para mim. O trem sacu-
diu sacudiu mesmo. 
Apanhou uma cerquinha de madeira, quebrou-a e 
enfiou a varinha através da janela do · vagão-restaurante. 
Foi um ato muito intencional. Falei qualquer coisa sobre o 
papai tentando fazer bebês. (Usando o carro como uma ma-
mãe) . Ela quebrou dois pedacinhos de madeira. 
Piggle: Como a sala está quente! Durante as férias estava 
quente. Ficamos morenos ... O bebê ficou moreno. 
Necessidade 
consciente de 
auxílio-
Problema 
específico 
Recorre à 
objetividade 
60 The Piggle 
Bebê Susan moreno, núnha irmã. Ela engatinha 
mesmo, até o andar de cima. Ela faz xixi no peni-
quinho agora. 
Eu: Ela está crescendo, não está? 
Ela falou qualquer coisa sobre "crescer", e estava 
manuseando o carro. Disse : "Seja um bebê. Leva todos os 
carros embora". Estava brincando agora com os carros, 
dizendo as suas cores. 
Piggle: Dois carrinhos Sr. Winnícott. O senhor é o Sr. 
Winnicott!! 
Houve aqui alguma coisa que ela quis jogar fora. 
Piggle: O senhor ouviu o rouxinol? É uma pena o senhor 
ter mudado para tão longe. [Isso tinha a ver com o 
fato de que ela somente agora começava a perceber 
que eu não era vizinho próximo.] O senhor lem-
bra ... . 
Eu: Há muito tempo que você precisa de mim. 
Piggle: Porque quero que o senhor encha o· balão pra 
mim. [Lá estava o balão velho e estragado com o 
qual ela brincou desatentamente durante muito 
tempo, em que, algumas vezes, eu ajudei.] Aqui 
tem uma igreja com um alto [torre] em cima. 
Arrumou a igreja com um carro em cada extremidade. 
Interessou-se por um objeto que, de fato, ela não podia 
saber do que se tratava. Era um objeto quebrado, achatado, 
redondo que tinha sido originalmente uma piorra. 
Piggle: De onde vem isso? [Isso tinha entrado na primeira 
sessão.] 
Eu: Não sei. 
Ela estava sorrindo e havia qualquer coisa relacionada 
com os brinquedos arrumados em forma de um berço. 
Piggle: Como a sala tá quente! Píggle tem um pulôver de 
algodão com um fecho-ecler. [Para ilustrar o que 
falava, puxou o fecho-ecler, batendo o cotovelo 
Romance, 
flerte. 
Transferência 
("Father trans-
[erence" no 
original) 
Quarta Consulta 
na porta. Foi uma batida leve. Achou que o 
machucado era até engraçado]. 
Piggle apanhou barquinhos de várias cores e disse que 
o branco era cor-de-rosa. Tentou colocar os barcos em pé, 
de cabeça para baixo, o que foi · impossível (brinquedo 
indefuúdo). Mais ou menos nessa hora, perguntei-lhe: 
"Por que você gosta de mim?" Ela respondeu: "Porque 
você fala comigo sobre o bebê-car." Tive uma conversa com 
ela sobre isso, porque eu havia dito a palavra errada e esta-
va claro que eu não tinha compreendido corretamente. 
Queria que ela me ajudasse a ordenar os meus próprios 
pensamentos. 
Piggle: Tem a mamãe preta. 
Tentamos descobrir se a mamãe preta estava com 
raiva ou não. Piggle err.purrava um carrinho para a frente 
e para trás. Nesse momento, repeti qualquer coisa relacio-
nada com a mamãe estar com raiva de Gabrielle, porque 
Gabrielle estava com raiva da mamãe por ter um novo 
bebê. Por isso a mamãe parecia ser preta. Tudo isso era 
bastante vago. Ela estava brincando sozinha com os brin-
quedos, repartindo carrinhos diferentes para mim ou para 
ela. 
Piggle: Meu sapato está pequeno demais. Vou tirar ele. 
Ajudei um pouco. Houve uma conversa sobre pés cres-
cendo. 
Piggle: Estou crescendo e ficando uma moça grande grande 
[e continuou] cande, cande cande. [etc., falando 
para ela mesma]. Tem uma senhora bonita esperan-
do o carro. Uma senhora boa para vir buscar as 
crianças. A mamãe preta é ruim . 
Procurou uma locomotiva e colocou-a dentro de 
alguma coisa, sugerindo uma gente grande e um bebê. 
Pigg/e: V amos parar e guardar tudo [ansiedade]? Aquilo 
fica lá embaixo. 
61 
Primeiro 
sinal do tema 
Eu-não·eu 
Manifestação 
da ansil;!dade 
devido prova-
velmente aos 
medos 
edfpicos 
62 
Jogou um lírio no cesto de papéis. (Esse lírio, feito 
de papel, era uma transposição da sessão anterior.) Arrumou 
todos os brinquedos. Não havia ansiedade evidente. Apanhou 
os sapatos e caminhou até o pai, na sala de espera. Por alguns 
minutos eu os ouvi conversando na sala de espera. 
Piggle: Eu quero ir, por favor deixa eu ir. 
E assim por diante. Eu estava observando o desenvolvi-
mento considerávél da personalidade, pelo aparecimento 
da coerência e, pela primeira vez, de algo que se poderia 
chamar de equihbrio. Eu diria que ela estava feliz. Entrou 
para despedir-se. O papai tentava persuadi-la a ficar, dizendo: 
"Não, você não pode ir ainda". 
Piggle: Eu quero ir. 
Consegui que o pai se assentasse na cadeira na outra 
metade da sala, e Piggle subiu para o seu colo. Agora, desen-
volveu-se outra vez o jogo no qual ela era um bebê, nascen-
do do pai, entre suas pernas. Isso repetiu-se muitas e muitas 
vezes. Era um esforço físico muito· grande para o pai, mas 
ele prosseguia sem constrangimento, fazendo exatamente 
o que se exigia dele. Eu disse a Piggle que era importante 
ter um pai quando'ela tivesse medo de ficar sozinha com 
Winnicott, e quisesse brincar com o Winnicott um jogo 
semelhante àquele de nascer, usando um homem como 
uma mãe. Os sapatos do pai tiveram muita participação 
em tudo isso, criando-se um conflito se ele devia calçá-los 
ou tirá-los. Logo eles estavam no chão e ela agarrava-se ao 
pai. Eu dizia: "Não entendo de bebê-cars". 
Piggle sentia-se muito confiante com relação ao pai, 
ajoelhando-se e chupando o seu polegar.(Até aquele momen-
to, eu ignorava que ela tinha vindo no trem, enroscada no 
colo do pai, chupando-lhe o polegar). Eu disse que ela esta- . 
va assustada por causa do jogo em que eu me tornava a Piggle 
zangada. Nessa altura, o pai já tinha tirado o casaco e tentava 
enfrentar a situação em mangas de camisa. 
Eu: Winnicott é a Piggle com raiva e Piggle era o bebê 
que nasceu usando o pai em lugar da mãe. Ela es-
tava com medo de mim porque sabia que eu estava 
The Piggle 
Rejeição adiada 
da evidência 
de que eu 
trato outras 
crianças 
Observe equilíbrio 
físico na pri· 
meira infância 
(carta dos 
pais datada 
de janeiro 
de 1964) 
Recuperando·se 
da reação à 
imposição 
(Fracassos de 
fortalecimento 
do Ego) 
("Failure of 
Ego Courage" 
no original) 
Sapatos como 
s(mbolos de 
seios 
O pai usado 
como mãe na 
transferência, 
liberando· me 
para outras 
jÚnções. 
Quarta Consulta 
com muita raiva, e o novo bebê estava chupando o 
polegar do pai [isto é, o seio da mamãe]. 
Olhou-me de um modo diferente e eu perguntei: "Eu 
fiquei preto?" Ela pensou muito e respondeu: "Não", e 
balançou a cabeça. 
Eu: Eu sou a mamãe preta. 
Píggle: Não [brincando com a gravata do papai]. 
Houve uma porção de puxões, e ela chupou várias 
vezes o polegar do pai, e eu dei uma interpretação bastante 
definida relacionada com o fato de ela querer o pai, total-
mente, para ela própria, para a mamãe ficar preta, o que 
significava, com raiva. Parece-me que falei: "Ela quer pôr 
Gabrielle na lata de lixo" (observação arriscada). Gabrielle 
pareceu satisfeita com isso e continuou bripcando com a 
gravata do pai, tentando dar-lhe o nó. Falou qualquer coisa 
sobre fmgir que a mamãe preta não estava lá, e isso tinha 
qualquer relação com a noite escura. Tinha desamarrado 
o outro sapato do pai e, se lhe tivessem permitido, ela o 
teriadespido completamente. Havia, ao lado disso, a idéia 
de fazer a mamãe ficar preta. Falei qualquer coisa sobre 
nascer outra vez, do papai. Agora o papai estava amarrando 
os sapatos e Gabrielle estava subindo nas suas costas. 
Píggle: Posso subir no senhor outra vez? 
Continuei falando: "Fazendo mamãe ficar preta". Gabrielle 
então falou de maneira bastante decidida : "Mamãe quer ser 
a menininha do papai;'. 
Ela estava com muita energia e teria continuado com 
aquele jogo, mas o pai estava farto e começou a dizer não. 
Fazia muito calor. Esgotava-se o tempo que eu reservara 
para ela. 
63 
Conf'zança 
reassegurada ao 
lembrara si 
mesma que esta 
mãe era de fato 
um homem 
Agora o pai 
está sendo o pai 
verdadeiro 
Desenvolve-se 
tema alternativo 
com o pai 
como pai e o 
analista como 
mãe ciumenta 
Segundo tema 
estabelecido. 
Chave para 
a sessão 
Eu: A mamãe preta é agora Winnicott, e ele vai mandar 
Piggle embora. Ele vai pôr Piggle no cesto de papéis; 
como o lírio. 
Nesse ponto 
comecei a ficar 
indeciso se deveria 
chamá-/a de 
A sessão terminou e ela foi muito amável. Fiquei onde Pigg/e ou Gabriel/e, 
estava, como a mamãe preta zangada que desejava ser a me- por causa do tema 
64 
nininha do papai e que estava com ciúmes de Gabrielle. Ao 
mesmo tempo, eu era também Gabrielle com ciúmes do 
novo bebê com a mãe. Ela correu para a porta, eles saíram 
e ela acenou com as mãos. Suas últimas palavras foram: 
"Mamãe quer ser a menininha do papai". E essa foi a prin· 
cipal interpretação da sessão . 
Naquela noite fiquei sabendo pelo telefone que ela 
tinha vindo enroscada no colo do pai, chupando-lhe o 
polegar. Depois da sessão, ela transformou-se numa menina 
mais adulta. Sentia-se à vontade e mais feliz. Além disso, 
no trajeto para casa, foi obervando tudo, vendo gatos e 
outros animais; alimentava-se e não estava dando trabalho. 
Estava claramente · confiante de suas relações com o pai e 
tinha perdido o comportamento regressivo. À noite, brincou 
de maneira construtiva como não fazia recentemente. O tio 
apareceu. A princípio ela estava tínúda, mas depois ficou 
boazinha e amável. Finalmente, ao ir para a cama, falou 
inesperadamente: "Eu não sei quem é o tio Tom e quem é 
papai". 
Achei que era possível ver nisso uma capacidade cres-
cente para deixar as pessoas representarem as figuras básicas 
de pai-mãe, e que aquela observação se referia à maneira 
como ela usava a mim e ao pai de acordo com a sua vonta-
de, de tal forma que trocávamos os papéis à medida que o 
jogo se modificava. Em outras palavras, o que importava era 
a comunicação - a experiência de ser compreendida. Atrás 
de tudo isso1 o sentimento de segurança com relação ao pai 
e à mãe reais. 
Poder-se-ia dizer que se tinha desenvolvido um 
campo mais amplo para a experiência do jogo que envolvia 
a identificação cruzada, etc. Na representação compulsiva, 
houve uma série de atos em que se transformava em mãe, 
pai, bebê, etc., de tal forma, que o jogo pelo prazer estava 
fora de cogitação. Agora, ela brincava com prazer. Essa 
liberação da fantasia levou a uma liberdade maior na 
comunicação e na exploração de mau, de preto, de destrui-
dor, e de outras idéias. 
COMENTÁRIOS 
Principais temas trazidos p:>r~ ~ sessão: 
The Piggle 
eu-não-eu que 
tinha sido 
introduzido 
Alívio resultante 
do trabalho feito 
r.a sessão 
Quarta Consulta 
1. Vinda no trem, enroscada no colo do pai, chupan-
do-lhe o polegar (eu ignorava isso). . 
2. Dramatização do ato sexual sádico masculino. 
3. Idéia do crescimento natural, maturação. 
4. Sensação da distância entre nós, durante os inter-
valos entre as sessões (fim da negação). 
5. A idéia em evolução da mamãe ficando com raiva 
de Gabrielle por ser a menininha do papai - sobrepondo-se 
à idéia da raiva de Gabrielle com relação aos novos bebês 
nascidos do papai. 
6. Erotismo uretr;li, excitação clitoriana, mastur-
bação evidente como base funcional para formação de algu-
mas fantasias e como parte da busca de informação. 
CARTADA MÃE 
"Piggle já pediu várias vezes para vê-lo e ontem brin-
cou de levar muitos trens carregados de brinquedos para 
Londres. Ela sugeriu ficar com aavó (chamada Lá-lá-lá) que 
mora perto de Londres. Levou três horas para dormir. 
Já faz alguns dias que ela não me permi!e beijá-la, porque 
posso fazê-la ficar preta; mas tem sido mais carinhosa comi-
go e tem-me beijado espontaneamente, o que nunca tinha 
acontecido antes. Numa noite dessas, falou-me · que eu era 
uma mamãe boa e, em seguida, começou a raspar-me. 
Disse que estava raspando para tirar o preto e logo tentou 
soprá-lo do travesseiro. · 
"Todas as noites repete-se a mesma cerimônia: "Se-
rá que posso falar sobre o bebê-car . .. A mamãe preta 
diz: 'Onde estão meus mamás (seios)'? Uma vez perguntei 
impaciente: 'Afmal, onde estão eles?' - 'Na privada, com 
buracos'. Preocupa-se muito com mamás. Ontem, sem mais 
nem menos, falou: 'Pena que não tem leite nos meus 
mamás'. Quar1do vou dar-lhe boa noite, ela sempre abotoa 
o meu cardigã para que meus mamás não fiquem 'sujos e 
mortos'. Ultimamente tem estado muito preocupada com 
o 'estar morto'. Certa vez, disse-lhe: 'Seus mamás logo vão 
crescer'. Ela: 'E os seus vão morrer" . 
"Após a última sessão, falou, com muita convicção, 
que não iria mais a Londres. Quando perguntamos por quê, 
respondeu que o Dr. Winnicott não quer que eu suba no 
65 
66 
papai. A propósito, subir no papru e uma coisa que ela 
nunca fez um casa quando era um bebê. Era, sua irmã, o bebê 
Sush . quem fazia isso, o que parecia divertir Piggle imensa-
mente. 
"Disse-me em outra ocasião: 'Eu tentei várias vezes 
subir no papai. Dr. Winnicott disse: não'. Falou que Dr. 
Winnicott entendia do bebê-car." 
"Na noite da consulta, falou que não sabia dizer qual 
a diferença entre Tom - seu tio querido, que tinha visto 
apenas três vezes - e seu pai. Mais tarde, falou: 'Papai, 
Tom e Dr. Winnicott são todos homens-papai; não é engra-
çado?' Repentinamente falou com o pai : 'Dr. W. tem brin-
quedos engraçados' . E outra vez: 'Não sei dizer qual a 
diferença entre meus brinquedos e os brinquedos do bebê 
Sush . Brinquedos muitos gozados'. 
"Ela tem uma fantasia recente , que se repetiu por 
duas noites : se o papai ficar na cozinha, as garrafas quebram 
- a garrafa de Rose Hip Syrup (muito apreciado) e a mama-
deira do bebê Sush. Haverá cacos por todos os lados e Piggle 
pode pisar neles. 
"De modo geral, intimamente, ela terri. estado às vezes 
bastante deprimida, e também deliberadamente destruidora 
e desordeira . Isso alterna-se com períodos de sensatez pre-
coce para sua idade e situação, e de muita limpeza e ordem 
-- o que sobressai em nossa famiila tão informal." 
The Piggle 
A função mascu-
culina igualada à 
agressão. Medo da 
identificação femi-
nina que significa 
ser quebrada 
Depressão como 
evidência da in te-
gração do eu 
("unit-se/f"), em 
direção do reco-
nhecimento do 
próprio impulso 
agressivo. 
Dentro da depres-
são, a fantasia é o 
caos disfarçado 
que se manifesta 
na limpeza em 
fases de comporta-
mento. 
QUINTA CONSULTA 
(9 de junho de 1964) 
Gabrielie estava agora com dois anos e nove meses, 
e Susan com um ano de idade. 
Era um dia quente, e a janela estava aberta. Isso 
trouxe o mundo exterior para dentro, em vários momentos. 
Minhas anotações estão relativamente obscuras por causa do 
calor e minha sonolência. 
Piggle estava ocupada com os brinquedos. O pai 
estava na sala de espera. Ela tirou os brinquedos. 
Piggle: Tudo tá caindo. Eu tenho um desses. Eu tenhc 
uma porção de brinquedos bonitos [manuseando 
uma cerca]. O senhor não teve férias. 
Eu: Tive. 
Piggle: Eu tenho uma irmã boazinha. Sai na sua cesta de 
dormir. Tantos trenzinhos. Por quê? [Ela estava 
engatando um trem e precisava de auxílio; estava 
realmente difícil.] Eu estou ficando maior e 
maior. Vou fazer três anos. Quantos anos o senhor 
tem? 
Eu: Sessenta e oito. 
Ela repetiu "sessenta e oito" cinco vezes. 
Piggle:Eu gosto do senhor ficar perto de nós [sugerindo 
que a distância entre minha casa e a dela era muito 
grande]. Será que vou ter três anos e um bebê que 
gosta de brincar -um bebê bonzinho que não vo-
mita? [Aqui uma recordação do vômito representa-
da pelo balde transbordando de brinquedos. Ela 
estava examinando uma figura.] Sim, eu gosto de 
Provavelmente 
uma referência à 
grande diferença 
de idade 
68 
brincar com os brinquedos. Bebê joga fora meus 
brinquedos. 
Ela estava tentando dar aos brinquedos disposições 
diferentes (interrompeu para ouvir um cavalo e uma car-
roça na rua). Fez uma fileira com as igrejas (interrompida 
pelos sons uu-uu dos pombos). 
Piggle: Barulhos horríveis. 
Ficou pensativa aqui. 
Eu: Estas coisas perturbam você enquanto você tra-
balha. 
Piggle: Meus sapatos estão quentes demais. 
Desatou então os cadarços duplos. Fez isso sozinha, 
o que era uma grande façanha. 
Piggle: Meus dedos do pé - dez dedos. Tem areia neles. 
Eu: Da França? 
Piggle: Não. 
Um avião sobrevoou, e ela parou novamente de brin-
car. Falou: "Eu já andei de avião" . 
Tinha arrumado qúatro casas mais duas casas e tinha 
guardado duas igrejas , etc. A ansiedade começou a mani-
festar-se no comentário: "Papai está pronto para ir? Papai 
está cansado" (uma referência à última vez). Respondi: 
"Ele está descansando na sala de espera" . 
Fez então barulho com os dentes e pergUntei-lhe o 
que ela estava mordendo. 
Piggle: Você gosta de pão com manteiga? 
Eu: Isso é quase como comer uma refeição . 
Piggle: Gansa , gansa, ganso*[recitou isso até o fun]. 
Aqui tem um brinquedo engraçado [outra vez 
os restos de uma velha piorra]. Posso bater com 
ele no chão ou não? 
The Piggle 
Imposições 
por causa da 
janela aberta 
(fracasso do 
apoio do ego) 
* No original: "Goosey, goosey, gander" (uma canção infantil com oito versos). 
·N.L) . 
Quinta Consulta 
Bateu no botão de sua roupa. "Estou ouvindo a água 
ping-ping-ping" (significando pingar, um barulho de água 
pingando que descia pelo cano, do andar de cima). Apa-
nhou o balde: "Não tem muitos brinquedos aqui dentro. 
Posso encher ele até ficar completamente cheio?" 
Nesse momento fiz uma observação sobre ter fome 
e ter menos fome , quando se fica cheio; e não gostar de 
comer mas encher a barriga para afastar a fome. Ela colocou 
as casas formando uma ftleira e falou : "Quem mora aqui? 
Um homenzinho, uma senhora também- a Sra. Winnicott". 
Nesse momento , calçou um sapato e amarrou-o. "Eu 
vou voltar para minha mamãe", e deu o endereço. Respondi : 
"Então você vai ficar com mamãe e papai". Ela recomeçou 
a brincar como se a ansiedade tivesse desaparecido ; isso 
estava relacionado com a idéia da Sra. Winnicott (introdu-
zida no esquema das coisas, pela primeira vez) . Esvaziou o 
balde e pôs umas coisinhas no cesto de papéis. Nesse mo-
mento mordeu com força o pneu de um carrinho. Tentou 
pôr uma roda num carro : "Dr. Winnicott, ajuda". Coloca-
mos as duas rodas. Agora ela queria saber como encaixar 
alguns navios . 
Eu: Para encaixá-los quando papai e mamãe estiverem 
juntos? 
Pigile: Grande demais . Bebê está ficando grande demais 
agora. 
Isso foi interrompido por alguém do lado de fora da 
janela aberta e depois pelo ruído de um avião. Piggle 
mostrava ansiedade ao ter sua atenção desviada pelos 
barulhos externos , mas a janela aberta era um fator real, 
excepcional, que era difícil de excluir. Estava muito quente. 
Tudo isso era vago e indistintamente articulado. 
Deixei a coisa correr dessa fonna. Agora Piggle parecia 
começar a atividade do dia. Ela passou as mãos pelos cabe-
los completamente lisos e falou : "Meu cabelo é anelado"! 1 
Usei isso para uma interpretação. 
Eu: Você está querendo um bebê seu mesmo. 
69 
O vômito-
resultado da 
voracidade 
compulsiva 
Comportamento 
compulsivo, 
controle da 
função cindida 
Simbolismo do 
cacho no cabelo, 
um bebê 
1 Anotação da mãe : J:, Susan quem tem o cabelo anelado e, por isso, todo o 
mundo faz-lhe festa. 
70 The Piggle 
Piggle: Mas eu tenho um bebê menininha, menininha. 
Eu: Não, não o bebê Sush. 
Piggle: Um bebê para ficar na minha cama . 
. Eu: Em seus cachos? 
Piggle: Sim. 
O jogo foi retomado, e ela apanhou dois navios e 
colocou um sobre o sapato, perto do pé. Quis ir até o pai 
para mostrar-lhe os dois navios. 
Piggle: Quem ama o papai? O bebê-car e a mamãe. 
Ela foi e mostrou os dois navios ao pai e fechou a 
porta. 
Piggle: Eu vou voltar em meio minuto. Me ajuda a fechar 
a porta. [Estava realmente difícil fechá-la; precisa-
va consertá-Ia.] 
Deixou o buraco da fechadura aberto. Ela estava 
"comendo" os dois navios. Eu disse: "Comendo para 
fazer bebês" . Ela guardou todos os brinquedos e foi 
buscar o papai. Então falou : "E agora nós vamos" . Os 
brinquedos foram todos separados e colocados nos lu-
gares certos. Eu interpretei: "Você estava com medo 
de achar que você queria fazer bebês comendo os na-
vios". 
Piggle: Posso dizer "Alô" para o papai? [ela foi e voltou.] 
Não vou voltar mais. 
Eu podia ouvir o pai persuadindo-a carinhosamen-
te a voltar e ela corria de uma lado para outro. O pai 
entrou , sentou-se na cadeira e tivemos uma conversa rá-
pida, de que ele necessitava. Em seguida, ambos foram 
para casa. 
Escrevi, no final da consulta, que, embora as ano-
tações estivessem fragmentadas e incompletas (em par-
te devido ao calor e à minha sonolência) o ponto claro 
da sessão era o fato de ela ter o seu próprio bebê, atra-
vés do ato de comer. Este foi o trabalho que ela veio 
fazer. 
Quinta Consulta 
COMENTÁRIOS 
1. Muito calor e a conseqüência. 
2. A observação sobre o cabelo anelado e minha 
interpretação. Parece que esse foi o trabalho importante 
do dia. Sua própria gravidez em fantasia pré-genital. 
3. Fazer bebês comendo - ansiedades associadas 
a isso. 
4. Progressão (processo de maturação) dos seios da 
mãe para o pênis do pai. 
5. A Sra. Winnicott no esquema dos fatos. 
CARTA DA MÃE 
"Desde a última vez que Piggle esteve em seu consul-
tório, a velha lengalenga de todas as noites sobre a mamãe 
preta praticamente parou, e não parece que ela tem medo 
de ir dormir. 
"Outro dia falou novamente sobre a mamãe preta, 
dizendo: 'Me leva ao Dr. Winnicott, ele vai me ajudar'. Ten-
tando desencorajá-la na hora falei: 'Mas ele ajudou você'. 
'Sim, mas eu guardei a mamãe preta'. Eu apenas fiz 'hum'. 
Houve, aí, algo sobre derrubar um cesto de papéis e um 
sonho sobre os sentimentos. Talvez o senhor saiba de que 
se trata. 
"Pediu duas vezes, com insistência, para chupar os 
meus seios e pareceu apreciar extraordinariamente a oportu-
nidade. Confundia os possessivos 'meu' e 'seu' quando 
falava sobre eles. 
"Depois de uma briga por causa do mau tratamento 
que dispensava à irmãzinha, ela beijou o pai e a irmã, e 
então disse ao pai : 'Não me beija . Você me faz ficar preta. 
O que é preta, papai? 
"Meu marido não ficou sabendo ao certo qual a sua 
opinião sobre Piggle. Ela estava presente à conversa no final 
da consulta, e ele não pôde falar livremente. 
"Quando o senhor lhe disse que achava Piggle 'normal' 
com o senhor, mas sugeria a idéia de uma análise com um 
analista, fiquei sem saber se o senhor achava que a análise 
era necessária; e o senhor não podia fazê-la em nível sufici-
entemente profundo. pela impossibilidade de dedicar a 
71 
72 
Piggle um número maior de entrevistas, sugerindo então 
esse médico, ou se <O senhor não via necessidade de fazer 
nada além do que estava sendo feito, a menos que estivés-
semos excessivamente ansiosos2 • 
Tenho certa tendência para deixar a coisa seguir o 
seu curso natural e não interferir a menos que isso seja 
realmente necessário . 
Piggle ainda tem (pelo menos é o que parece) depres-
sões repentinas, quando ela se enrosca toda e chupa o polegar, 
ou assenta-se e grita coisas inarticuladas e não consegue 
fazer nada. Mas apesar disso, ela parece muito melhor, mais 
animada, embora eu não possa avaliar se ela tem chances 
de recuperar a profundidadeque parece ter perdido quando 
a irmãzinha nasceu. Parece ter havido na ocasião uma rup-
tura súbita e dolorosa e ela pareceu ter amadurecido muito 
rapidamente, mas de um modo um tanto falso. Gostaria 
de saber se ela será capaz de encontrar, sem maior assistên-
cia, o que deixou atrás. É possível que ela esteja realizando 
isso agora, mas eu não saberia julgar. Ou, talvez, isso nunca 
aconteça, sejam quais forem as circunstâncias. 
CARTA PARA A MÃE 
"Obrigado por sua carta. Estou respondendo, porque 
reconheço que disse as coisas de maneira bastante confusa 
para seu marido. O fato é que me doeu a consciência e pre-
cisei ter a certeza de que não era eu quem a impedia de pro-
videnciar uma análise completa para Piggle. Se lhe fosse 
fácil morar em Londres, tanto quanto o é para a senhora 
viver aí, creio que a senhora provavelmente faria isso, 
caso encontrasse alguém digno de confiança. Mas estou 
certo de que não lhe seria fácil mudar para Londres, e 
fazer muitas viagens seria muito complicado. É melhor 
pensar em termos de uma recuperação natural, com uma 
visita ocasional ao meu consultório para eu ir ajudando 
The Piggle 
2 Exatamente na ocasião um analista sob minha supervisão pediu uma criança 
de três anos de idade. Pensei em encaminhar-lhe Piggle. Isso deu-me dor na consciên-
cia, fez com que me sentisse culpado e atrapalhei-me todo ao discutir o assunto com o 
pai. Contudo, pensando bem, o fato de que as sessões fossem realizadas "de· acordo com 
a demanda", não alterava o fato de que a criança estava sendo analisada. D.W.W. 
Quinta Consulta 
um pouco, paralelamente. 
"Piggle, como a senhora sabe, é uma criança muito 
interessante. Talvez a senhora preferisse que ela não o 
fosse tanto, mas ela é, e espero que brevemente ela se aco-
mode aos padrões comuns. Penso que muitas crianças têm 
esses pensamentos e preocupações, mas elas geralmente 
não são bem verbalizadas; isso, no caso de Piggle deve-se 
ao fato de vocês, os pais, serem ambos particularmente 
conscientes dos problemas da infância e bastante pacientes 
com as perguntas próprias da idade. 
"Tenho admirado muito a maneira como o pai de 
Piggle vem agüentando permanecer lá, sentado, com Piggle 
usando-o, embora grande parte do que vem acontecendo 
deva ser um enigma para ele." 
DE UM TELEFONEMA DA MÃE 
"Piggle esteve melhor por algum tempo; e, depois, 
ficou outra vez deprimida e desatenta, não dorme à noite 
e anda preocupada com o conceito "morto". Teve um 
sonho : 'As sementes não brotaram, ou apenas algumas, 
por causa de coisas más do lado de dentro'." 
COMENTÁRIO POSTERIOR DA MÃE 
"Será que este tema de morte está também associado 
à parte do seu próprio eu que tem de 'ser guardada', i. e., 
'ser morta?' A parte predatória e invejosa por exemplo? 
"Estou interessada em saber quantas vezes ela 'guar-
da' Dr. Winnicott ao deixá-lo numa sala e sair para a outra, 
a sala de espera, fechando a porta.3 
3 Ser capaz de esquecer tem suas vantagens. D.W.W. 
73 
Ansiedades 
depressivas 
SEXTA CONSULTA 
(7 de julho de 1964) 
A paciente estava agora com dois anos e dez meses. 
Cumprimentei-a na porta com um "Alô Gabrielle". Dessa 
vez eu sabia que devia dizer Gabrielle, e não, Piggle. Ela 
dirigiu-se imediatamente para os brinquedos. 
Eu: Gabrielle vem me ver outra vez. 
Gabriel/e: Sim. 
Ela pôs junto os dois animais grandes e macios e falou: 
"Eles estão juntos e gostam muito um do outro". Ela estava 
também unindo dois vagões de um trem. 
Eu: E eles estão fazendo bebês. 
Gabriel/e: Não, eles estão fazendo amizade. 
Estava ainda juntando partes de trens e eu falei: "Você 
poderia estar reunindo todas as ocasiões diferentes em que 
você veio me ver. Respondeu: "Sim". 
Há, sem dúvida, muitas interpretações para a união 
de partes de trens, e pode-se usar isso de acordo com o que 
se pense ser mais conveniente no momento, ou pode-se 
exprimir os próprios sentimentos. Relembrei a Gabrielle 
a interpretação que eu fizera na sessão passada, sobre o fato 
de o cabelo anelado estar relacionado com o fato de Piggle 
ter um bebê dela própria. 
Gabriel/e: Coisas que eu penso. 
Fez, em seguida, uma distinção (de qualquer forma, 
Conceito de 
relação do 
ego 
76 
bastante clara) entre dizendo e mostrando (fazendo-me 
lembrar a canção "Mostra-me" de My Fair Lady*). 
Eu: Você quer dizer que me mostrar alguma coisa 
é melhor do que me falar sobre ela. 
Gabrielle apanhou uma garrafinha e fez um barulho 
semelhante ao barulho de água : "Elas fazem um círculo 
grande quando a gente faz um grande splash". Ela balbucia· 
va e, algumas vezes, era difícil entender o que dizia: "Eu 
tenho uma piscininha de patinhar lá fora (referindo-se ao 
jardim) e duas estufas. Tem nossa casa grande, e também 
minha casinha". 
Eu: A casa pequena é você. 
Gabriel/e: Somente você [repetiu isso três vezes]; e logo 
disse: Somente Gabrielle. Somente Winnicott. 
Engatou dois vagões. 
Eu: Gabrielle e Winnicott fazem anúzade, mas 
ainda assin1 Gabrielle é Gabrielle, e Winni-
cott é Winnicott. 
Gabriel/e: Não conseguimos achar nosso gato, mas eu 
vi um passeando por aí. Eu vi um correndo em 
volta de tudo. Que que puxou isso? 
Fui ajudá-la, e ela falou : "Winnicott segurando 
minhas mãos". 
Houve uma espécie de estabelecimento de identidades 
nesse momento. Falei qualquer coisa sobre Gabrielle e seus 
diversos relacionamentos com Winnicott, papai, mamãe, e 
o bebê Sush. Gabrielle fez um barulho de Gabrielle e disse: 
"O bebê Sush faz um barulho uaa", e outro que ela imitou 
com a mão sobre a boca. 
Ela divertia-se com esse espetáculo de variedades, 
pondo a mão ora em cima, ora longe da boca. Ela tinha 
soltado um "pum" pouco antes, e eu falei: "Talvez aquele 
fosse um barulho de Gabrielle". Ela conversou então de um 
modo característico e inconfundível. Eu disse: "Isso tem a 
The Piggle 
Ela estava 
conduzindo-se na 
linha divisória 
entre a fusão e 
a separação 
*Musical baseado na peça Pygrnalion do dramaturgo inglês Bernard Shaw. (N. T.) 
Sexta Consulta 
ver com o papai". Piggle tinha usado esse modo especial de 
falar, em outras ocasiões, quando se encontrava fortemente 
identificada com o pai. 
Gabrielle: Não fala assim [mas nós conversamos sobre o 
papai]. O bebê Sush não tem idade pra falar. 
O que é essa coisa engraçada? 
Ela segurava um cabo que estava amarrado a um cor-
dão. Queria que eu o prendesse ao trem, para que pudesse 
puxá-lo ao redor da sala. Ficou contente ao fazer isso. 
Falei qualquer coisa sobre o fato de aquilo ser o bebê 
Gabrielle de quem ela estava lembrando-se, e ela respon-
deu: "Não, é uma irmãzinha", e, subitamente: "Olha que 
quadro lindo". (Um retrato de uma menina muito séria, 
de seis ou sete anos, bastante antiquado, que eu conservo 
em minha· sala). "É uma menina mais velha do que eu. 
Ela é mais velha do que eu, como eu sou mais velha do 
que o bebê Sush. Ela [Susan] sabe andar sem segurar em 
nada agora". (Demonstrou isto, andando e correndo, an-
dando e depois caindo). "E ela sabe levantar" (demonstrou 
isso também). 
Eu: Então ela não precisa da mamãe dela o tempo 
todo agora. 
Gabrie/le: Não, logo ela vai ficar maior e não vai precisar 
da mamãe e do papai, e Gabrielle não vai pre-
cisar de Winnicott e de ninguém mais. Alguém 
vai dizer: "Que é que você está fazendo?" Este 
é meu lugar. Eu quero ir pro meu lugar. Sai do 
caminho. 
Ela estava ilustrando um jogo do Rei do Castelo 1 , 
com. Gabrielle estabelecendo sua própria identidade e 
esperando que ela fosse desafiada.* Apanhou agora dois 
vagões e esfregou um no outro, roda contra roda. 
77 
Apoiando-se 
conscientemente 
na operação dos 
processos de 
maturação 
1 Winnicott D.W. (1966) , Psycho-sqmatic lllness in its Positive and Negative 
Aspects. Intemat J. Psycho Anal, 4 7:51 o-s 16. 
*No jogo do Rei do Castelo, as crianças escolhem um lugar. elevado e correm 
para lá ; aquela que chega primeiro, fala: "Eu sou o Rei do Castelo - E você é o patife 
sujo" (ou " Desça daí, seu patife sujo"). (N. T.) 
78 
Eu:Eles estão fazendo bebês? 
Gabrielle: Sim. Algumas vezes deito de costas com as per-
nas pra cima, quando tem sol. Não para fazer 
bebês.' Tenho uma jardineira e um short. 
Fez uma demonstração de como deitava de costas 
com as pernas levantadas para o ar, afunde tomar sol. 
Gabrielle: Eu tenho um sapato novo. [Não era o que estava 
usando no momento.] 
Estava desamarrando um dos sapatos e tirando a 
meia. Houve uma atividade de tirar-pôr, tirar-pôr. Ela queria 
que eu a olhasse, isto é, a meia, enquanto a descia, até o 
calcanhar grande e gordo. 
Eu: Você está me mostrando seios grandes. 
Gabrielle: Como os pés. 
Ela desamarrou o outro sapato e mostrou o outro 
calcanhar gordinho. Fez muita graça em torno de tudo isso, 
como se um dos pés tivesse desaparecido em alguma brinca-
deira que inventou. 
Gabrielle: Está tudo de pé trocado [isso era uma piada]. 
Tinha trocado as meias, e foi até o balde com os brin-
quedos. Falei: "Gabrielle devora o mundo todo e então ela 
come demais" (mas no momento, o balde não estava trans-
bordando). Gabrielle respondeu: "Ela não tá vomitando". 
Tirara um sapato e fazia de conta que se esquecia da 
meia. Houve aqui uma atividade complexa relacionada com 
meias e sapatos e ela persistiu com muita habilidade, mas 
não teve êxito. 
Eu: É difícil, não é? 
Gabriel/e: Sim, é. 
Eu: Gabrielle ainda precisa um pouco da mamãe e 
não consegue ainda ser uma mamãe. 
Em seguida voltou sua atenção para um trem maior e 
falou: "Espero que a gente não tenha chegado cedo demais" . 
The Piggle 
Masturbação com 
fantasifJ de uma 
forma de relações 
sexuais entre 
as pessoas 
Reconhecimento 
da imaturidade 
e dependêncifJ 
relativa 
r • 
Sexta Consulta 
Explicou então porque ela e o pai tinham chegado antes da 
hora. Eles tinham, na verdade, andado pelas lojas, a flm de 
não chegarem tão cedo. 
Senti que nesse momento necessitava que eu ajudasse 
com um complicado cadarço do sapato. Ela permitiu, e 
ajudei com o outro também. 
Gabrielle: Estou ouvindo um barulhão [real]. 
Eu: Será que alguém está com raiva? 
Gabrielle: Não. O bebê Sush faz barulho. 
Depois sussurrou . que ia ver o pai, abriu a porta 
silenciosamente, fechando-a em seguida. Voltou logo, ela 
própria, sem precisar do pai. Ela estava guardando os 
brinquedos. 
Gabrielle: Os brinquedos estão todos atrapalhados. O que 
é que o senhor vai dizer? 
Eu: Quem? 
Gabrielle: Dr. Winnicott. 
Guardou os animais (cachorros) grandes e macios. A 
arrumação tinha sido meticulosa, com a separação dos 
brinquedos pelos tipos. 
Gabrielle: Oh, a parte de cima soltou. Não tem importân-
cia. Mamãe está em casa? · 
Gabrielle guardou tudo cuidadosamente e falou : "O 
senhor tem um lugar bom para os brinquedos, né?" (De 
fato, o meu amontoado de brinquedos tem um lugar no 
chão, debaixo da estante) . Ela encontrou um ou dois brin-
quedos excedentes, que tinham fkad ü de fora, e guar-
dou-os : "Eu guardo os meus do lado de fora , dentro do 
cesto de papéis". 
"Agora estava saindo pela porta da sala, e não havia 
nenhum brinquedo em redor. Esteve algum tempo fora , 
com o pai, na sala de espera . Contou a ele o que tinha 
feito e ele falou sobre o assunto também. Quis, nesse mo-
mento , que o pai entrasse. Disse-lhe : "Quero que você 
entre", mas ele detinha-se . E ele dizia: . "Vai para dentro, 
para o Dr. Winnicott" . 
79 
Identidades 
tornando-se 
esclarecidas 
80 
Já tínhamos completado quarenta e cinco minutos de 
consulta, e eu estava prestes a parar. O pai dizia: "Não, não, 
você é quem entra, para o Dr. Winnicott". 
Gabrielle: Não! Não! Não! 
Eu: Venha, porque está quase na hora de ir. Venha 
aqui dentro. 
Ela entrou e foi muito cordial. 
Perguntou-me se eu ia tirar férias e o que eu faria. 
Respondi que ia para o interior para divertir-me. A sessão 
terminou: "Quando vou voltar?" Repliquei: "Em outubro". 
Um pormenor importante nessa sessão, foi o momen-
to . do estabelecimento da identidade, o jogo do Rei doCas-
telo, seguindo-se as experiências com a separação a partir 
da fusão. 
COMENTÁRIOS 
1. Saber que ela devia ser cumprimentada como 
Gabrielle. 
2. Desenvolvimento gradual do tema da identidade. 
3. Uma versão da afirmação do jogo do Rei do 
Castelo. 
4. A representação de objetos parciais conduzindo à 
idéia de seios (jogos de tirar e pôr). 
5. A voracidade transformando-se em apetite. 
6. Da desordem para a ordem. Esboço do tema da 
confusão, que iria surgir. 
CARTA DA i\·IÃE 
"Ela dorme bem à noite outra vez. Seu único comen-
tário sobre a sessão: 'Eu queria dizer ao Dr. Winnicott que 
meu nome é Gabrielle, mas ele já sabia'. Isso foi dito com 
satisfação 2 . 
The Piggle 
2 
Esse pormenor mostra como foi importante que eu tivesse recebido sua primeira 
mensagem, na entrada, e que eu soubesse que devia dizer Gabrielle e não Piggle, ou um 
nome que pudesse ter relação com um ou outro de seu muitos papéis. D.W.W. 
Sexta Consulta 
CARTA DOS PAIS, ESCRITA PELA MÃE3 
"Não sei por quê tenho achado difícil escrever-lhe. 
Talvez eu ande bastante envolvida com Gabrielle e não 
totalmente separada dela, mas espero que isso se resolva 
por si mesmo. 
"Gabrielle parece bem melhor. Com isso, quero dizer 
que tem sido capaz de dar ao mundo exterior significados 
próprios e, ainda, de usar e gozar qualquer oportunidade 
que se lhe apresente. 
"Não está tão tímida, mas tem dificuldade para esta-
belecer contato com outras crianças, embora anseie muito 
por isso .e sofra com as rejeições. Tem muitas desilusões, 
porque espera demasiado desses contatos. 
"Está se dando extraordinariamente bem com a irmã, 
a despeito de algumas agressões repentinas, tais como 
jogá-la no chão no meio da rua, declarando que está cansa-
da de ter uma irmãzinha. Fora essas ocasiões, trata a irmã 
como gente, com uma compreensão compassiva bastante 
comovente. 
"Existe ainda bastante do que me parece ser uma fan-
tasia algo deformada ; não sei até que ponto ela se ilude com 
isso e até onde isso é uma 'defesa legítima e eficaz contra 
pais inquiridores"4 • 
"Apenas nos últimos dias voltou a não dormir; tem 
sido visitada pela mamãe preta e tem falado mais em ir ao 
Dr. Winnicott. Parece muito preocupada com a idéia de ser 
envenenada. Comeu uma cereja, a qual ela insistia que era 
venenosa, e dissemos o quanto ia passar mal. Insiste também 
que seu 'brrr' está preso dentro dela, embora não pareça 
estar sofrendo de constipação intestinal. Mas nada disso 
se manifestou no fmal das férias. Significa muito para ela 
ter o número do seu telefone. 
"O senhor parece ter feito muito por ela, reativando 
coisas que pareciam estar reprimidas dentro de um círculo 
vicioso extremamente desgastante. Ela agora lembra mais a 
menina vigorosa de antes do nascimento de Susan, e de 
algum modo a continuidade parece ter sido restabelecida." 
3 Conversas pelo telefone não foram relatadas aqui. 
81 
4 Poderia isso estar associado ao fato de que nada fiquei sabendo a respeito do: 
fenômenos pretos? D.W.W. 
82 
CARTA MINHA AOS PAIS 
"Recebi o postal de Gabrielle. Penso que vocês gosta-
riam que eu a visse outra vez, e vou reservar-lhe um horário. 
Talvez sintam, entretanto, que seria uma boa idéia aguardar 
algumas semanas, e, nesse caso, fico esperando uma comuni· 
cação. 
"Pelo que tenho visto de Gabrielle e por sua carta, 
sinto realmente que não devemos pensar nela apenas em 
termos de doença. Há muito de saudável nela. Talvez a 
senhora pudesse dizer-me o que deseja que eu faça". 
(Devo lembrar aqui minha predisposição, pelo fato 
de não dispor de tempo livre para um novo caso; por outro 
lado, eu realmente sentia que aqueles pais tinham algum 
motivo especial para não confiar no processo de desen· 
volvimento que, nessa criança, poderia levá-la a vencer 
suas dificuldades independentemente de um tratamento). 
CARTA DOS PAIS 
"Gratos pela carta e pelo oferecimento de uma con· 
sulta. Teremos satisfação em comparecer. 
"Também achamos que Gabrielle não pode mais ser 
considerada como uma menina muito doente;muitas outras 
partes do seu próprio eu parecem ter renascido. Contudo, 
ainda há zonas bem acentuadas de angústia e ansiedade 
que, às vezes, parecem levá-la a eliminar todo e qualquer 
sentimento - vivendo então, uma vida articulada, mas em 
duas dimensões". 
"Quando lhe escrevemos pela última vez, ela estava 
exatamente recomeçando a apresentar dificuldades para 
dormir, depois de ter passado muito bem durante a maior 
parte do verão. Depois que se deita, t1ca acordada três ou 
quatro horas". 
"Agora tem uma 'mamãe preta boa' que apara suas 
unhas (talvez o senhor se lembre de como ela costumava 
arranhar o rosto à noite, quando estava angustiada. Vem 
fazendo o mesmo ultimamente). A mamãe preta, entretan-
to, veio cortar o seu polegar com uma faca de trinchar. 
Disse que contaria ao Dr. Winnicott que a mamãe preta 
foi embora. 
The Piggle 
Sexta Consulta 
"No momento ela está extremamente preocupada 
com a idéia de os pais morrerem; mas refere-se ao asssunto 
de maneira bastante indiferente e vaga. Para a mãe: 'Eu 
gostaria que você estivesse morta' . - 'Sim. Mas você ficaria 
sentida' . - 'Sim, vou guardar seu retrato na minha maleta'. 
"Faz insinuações de que coisas extremamente desa-
gradáveis estão ocorrendo entre os pais, e ficou profunda-
mente chocada e transtornada quando viu o corpo da mãe, 
mais do que estava acostumada a ver, no momento em que 
ela tirava a roupa para tomar um banho. Embora essas 
preocupações pareçam bastantes comuns, sua angústia 
e a subseqüente eliminação de sentimento, e sua inquieta-
ção à noite, por causa das mesmas, parecem-nos indicar que 
um pouco de assistência ainda é necessária. 
"Nós a colocamos numa escola maternal, onde, con-
forme lhe dissemos, ela encontra dificuldade para estabele-
cer qualquer contato, embora o deseje muito: 'Mamãe leva 
um livro. Vou ficar chateada e depois não vou saber o que 
fazer e depois não vou conhecer ninguém e depois não vou 
querer que ninguém olhe para mim'." 
83 
S:gTIMA CONSULTA 
(10 de outubro de 1964) 
Gabrielle (agora com três anos e um mês) veio com 
o pai; foi direto para os brinquedos, e sua cabeça tocou em 
meu cotovelo porque eu estava sentado no chão. Apanhou 
um brinquedo grande e macio. 
Gabrielle: Posso começar com a flleini de casas? O senhor 
ouviu minha campanhia? Toquei três vezes. 
Sr. Winnicott 1 , o que é isso? 
Eu: É um vagão. 
Gabrielle: Oh [e ela começou a uni-lo com algUma coisa]. 
Todos os problemas acabaram, assim não tenho 
nada para contar ao senhor. 
Eu: Estou vendo Gabrielle sem nenhum problema, 
apenas Gabrielle. 
Gabrielle: Eu tinha uma man1ãe preta que me aborrecia 
muito, rrias ela foi embora agora. Eu não gosta-
va da mamãe, e ela não gostava de mim. Ela 
falava bobagem comigo. 
Arrumou uma ftleira comprida de casinhas, uma 
junto da outra, fazendo uma curva em forma de um s bem 
certinho, com uma igreja em cada extremtdade. Apanhou 
a lâmpada com o rosto desenhado e falou: "Esqueci isso". 
Aqui, houve qualquer comentário sobre ficar com raiva de 
o bebê ter nascido. Falou: "Uma menininha está entrando 
na igreja com a menina grande". Houve, nesse momento, 
qualquer brincadeira que não está registrada devidamente. 
A brincadeira tinha relação com o fato de colocar algo para 
1 Começa aqui uma indicação recorrente de um Winnicott não terapeuta. 
86 
os cachorros e o gado - e qualquer coisa atrapalhou as casas 
em cada extremidade da curva em S. 
Gabrielle: Agora vamos fazer uma estrada de ferro. 
Apanhou duas pedras que trouxera anteriormente num saco 
de papel, e havia uma pedra maior no saco. Isso tinha qual-
quer coisa a ver com a mamãe preta. Colocou a pedra 
grande em certa relação com as duas menores. 
Gabrielle: Sr. Winnicott, por que o senhor não tem mais 
trens? 
Procurou outros e encontrou-os, embora ela tivesse 
conhecimento deles. "Como é que eles vieram para o senhor, 
Sr. Winnicott?" 
Havia vagões, uma estrada e outra pedra. Ela afastou 
todos para longe e disse: "Este trem puxa os dois trens; 
agora ... mais barcos, trens (muito barulho, conversando 
com ela mesma de forma ininteligível) . 
Depois de algum teinpo, olhou para mim e sorriu 
com intenção de obter uma resposta . Provavelmente isso 
estava relacionado com a opscuridade do que estava aconte-
cendo por causa do seu estado de alheamento e com o fato 
de ela estar brincando de maneira incompreensível para mim. 
Nesse momento, aproximadamente, ela pôs um trem em 
cima de um navio, o que era absurdo em certo sentido, uma 
vez que o trenzinho de brinquedo era muito maior do que 
o barco de brinquedo. 
Gabrielle: O senhor gosta de meus brinquedos? Eu gosto, 
eles são como os brinquedos franceses, né? Nós 
estivemos na França. Eu não queria que ninguém 
estivesse na França comigo. 
Aqui ela estava brincando com um trenzinho de ma-
deira muito pequeno; apanhou pedacinhos de madeira e 
arrumou-os como raios de um círculo, enumerando-os, um, 
dois, três . Estava empurrando uma varinha para dentro do 
tapete, tentando fazê-la ficar em pé, mas não o conseguia. 
Ajudei um pouco e movimentei o trem para a frente. Ela 
qu.ase atirou em mim o trator engatado com o vagão, porque 
The Piggle 
Aqui ela estava 
reprimindo uma 
experiência de 
realidade interior 
pessoal, somente 
informando-me 
vagamente sobre 
os pormenores 
do conteúdo 
Questão: 
protesto por causa 
das férias 
Referência 
ao estado de 
alheamento 
A to agressivo, 
pondo seus 
impulsos para 
Sétima Consulta 
não queria que eu fizesse aquilo. Em seguida, arrumou os 
brinquedos de maneira muito deliberada. Havia uma linha 
divisória de casinhas, em forma de S, com uma igreja em 
cada extremidade; do seu lado, ficavam ela própria e muitos 
objetos que representavam seu próprio eu; e do outro lado, 
i. e., do meu lado da linha em S, o trator que tinha atirado 
em mim, eu mesmo e outros objetos. Isso era uma represen· 
tação do não-eu. Era uma comunicação absolutamente 
calculada e que mostrava que ela tinha alcançado essa 
separação com relação a mim, como parte do estabeleci· 
mente do seu próprio eu. Era também uma defesa contra 
nova invasão. Alguma coisa atravessou a linha. Alguns 
vagões passaram do seu lado para o meu e ela falou qual-
quer coisa sobre "ninguém sabe como ... " 
Por fun, ela, evidentemente, percebeu que algo tinha 
acontecido, porque começou a cantar; e quando falei 
qualquer coisa referente ao fato de ela ter coisas em seu 
interior, completou a frase dizendo que elas estavam . 
guardadas em "lugar seguro" (eu fiz uma anotação especial 
de que esta expressão foi dela própria). Piggle estava conver· 
sando com ela mesma: "Um menininho teve de ficar com 
uma menininha para ir com a menininha; Richard meu 
anúgo ; e Sarah (e mais outros nomes de meninas). Havia 
agora duas linhas formadas com casas e outros brinquedos, 
os quais se encontravam numa das extremidades. Uma das 
meninas chamava-se Clare1 . Penso que isso tinha relação 
com as férias de verão. Ela estava falando-me sobre um 
lugar onde Clare morava. 
Gabrielle: Lá é onde eu vou algumas vezes. Não, não vou. 
Deu-me a entender , que no momento, havia caxumba 
naquele lugar, o que a impossibilitava de ir lá. 
Gabrielle: Assim não posso ir até eles mais, mesmo que eu 
queira ir. Eu não podia ver eles e eles não po· 
diam vir me ver. Eu não sei o que fazer. Então, 
fui para a escola brincar. E gostei. Tudo estava 
atrapalhado lá, por causa da caxumba. Eles não 
podem sair ou tomar banho. Eles querem , mas a 
2 Por mera coincidê ncia, Clare era o no me da Sra. \\' innicott! 
87 
fora e para 
dentro de mim 
O tema da· 
quarentena é 
o mesmo que 
o da fronte ira 
defensiva entre 
o eu e o não-eu. 
88 The Piggle 
caxumba deles não deixa. Mamãe. está preocu-
pada que eu pegue um resfriado dei a. Por isso 
mamãe falou "não", então ela perguntou mes-
mo, eu estava terrivelmente ... eu não sei o 
que fazer. 
Eu: Não entendo [eu tinha interpretado em termos 
de estabelecimento de identidades.] 
Gabrielle: Agora, onde está aquelebarco bonitinho? Onde 
pus os barcos? [Olhamos, mas não conseguimos 
encontrá-los.] Será que eles estão no balde? 
Não, não pode ser. Olha para minha mão suja 
[ela estava com os barcos na mão.] Mas onde 
estão os outros? Eu queria saber para onde 
eles foram. Aqui tem outro . Eu costumava 
saber onde os barcos ficavam. Eu costúmava 
estar acostumada com o senhor, mas agora 
não estou. Estou crescida. Eles andam e falam . 
Houve qualquer comentário sobre um pavão. 
Gabrielle: Mas eles não entendem. É "Baa". Os pavões 
só balançam a cabeça como quando falamos 
não. Eles nunca falam "que coisa!"* 
Gabrielle cantou uma canção para ilustrar o emprego 
de "que coisa!" Em seguida, arrumou uma série completa 
de barcos, apontando em direção oposta a ela. "Quem vai 
em todos estes barcos?" Agora ela cantava uma canção 
que falava de barcos. Fez um novo arranjo com os barcos 
e eu fiz outro com pedacinhos de madeira. "Nós dois 
fizemos barcos". Agora vamos guardar. Por que o senhor 
tem tantos barquinhos para mim? É engraçado". 
Ela continuou com a brincadeira em que havia muitos 
barcos em frente dela, apontando em direção oposta a 
ela. Havia uma fileira semelhante de vagões, mais ao longe, 
e uma porção de outras coisas no lado da linha que a sepa-
rava do trator e de mim . Todos os arranjos desse lado da 
Pavão = D. W. W. 
linha foram cuidadosamente colocados, de tal forma que Defesa: objetos 
um não tocava no outro. E ela cantava que tinha carros de internos diferen· 
cores diferentes. ciados entre o 
*No original : "Oh dear". Expressão exclamativa que indica espanto. (N. T.) 
Sétima Consulta 
Gabrielle: Pra que é que é esse cordão? Vamos colo.car 
ele aqui. 
Tive de cortá-lo num tamanho exato, e ela puxou a loco-
motiva de uma extremidade a outra da sala. 
Gabrielle: Para onde foram as tesouras? [Porque eu tinha 
usado uma faca]. 
Eu: Deixei minha tesoura lá em cima [eu sempre 
carrego uma tesoura no bolso]. 
Ela voltou para os brinquedos. 
Eu: Você está pronta para ir outra vez [porque vi 
que ela estava arrumando tudo]. 
Gabrieel: Onde ficam as casas? [e assim por diante]. 
Deu-me um trenzinho e começou a atirar coisas para 
mim, porque, afmal de contas, eu estava do outro lado da 
barreira. "Pega aí", disse muitas vezes "aí". Ela agora, na 
brincadeira, deu a entender que eu estava dentro de uma 
caixa. Também deu-me qualquer coisa para guardar, algo 
de qu,e gostava. 
Gabrielle: Quando eu voltar quero ver que o senhor 
arrumou tudo. 
Ela parecia ter-se libertado de alguma coisa, e por 
isso anotei: "Livre finalmente". Era alguma coisa relacio-
nada com o bebê-car. Falou: "Espera um instante. Agora 
vou limpar tudo. Lá van1os nós". Guardou os carros com 
muito cuidado. "Não quero estragá-los". Contou os tren-
zinhos. "Qual o melhor para os brinquedos?" Colocou-os 
no chão bem arrumadinhos. "Arrumar os trens". Depois 
foi a vez das pedras: "Agora guardar mamãe. Onde fica isso , 
Sr. Winnicott?" E continuou: "Guardar tudo direitinho". 
Brincou um pouco com o dispositivo de lavar olho optrex, 
e então disse: "Quem pôs a coisa escura nos brinquedos?" 
Parecia estar quase terminando; apanhou o rolo de barban-
te e colocou-o no balde. Havia uma caixa cheia de bugi-
gangas. "Isso aqui, agora, onde fica isso? Agora está um 
pouquinho arrumado". Haviá sobrado uma caixa. Colo-
89 
vivo e o morto, 
sob controle 
D.W.W. do 
outro lado 
Ansiedade 
dirigida pelo 
estabelecimento 
e aceilQção 
do superego 
90 
cou-a assim mesmo. "Agora. Arrumar o tapete agora. 
Como o tecido desse tapete é bonito! Quem deu ele para o 
senhor? O tapete duro [um tecido grosseiro forrava o 
"bonito" tapete oriental] não é assim tão bonito. Serve só 
para proteger o chão. Muito bonito o tecido desse tapete. 
E esse também [aproximando-se da cadeira] e esse". Foi 
até o divã e examinou o tecido do divã e das almofadas. 
Seguiu adiante e falou: "Essa cadeira é muito linda". Em 
seguida, foi encontrar-se com pai para levá-la para casa. 
COMENTÁRIOS 
1. Ela como ~la mesma, não por motivo de proble-
mas. 
2. Afirmação clara do eu e do não-eu . 
3. Tentativas de intercomunicação. 
4 .. Quarentena. Barreira defensiva entre o eu e o 
não-eu. 
5. Controle dos objetos externos pela organização. 
6. A objetividade com referência aos objetos externos. 
A tranferência positiva era agora parcialmente para 
um Sr. Winnicott real (isto é, não terapeuta) e sua sala 
(a esposa). 
É de se esperar que os fenômenos pretos também se 
transformem em aspectos de objetos do mundo real, exter-
no ao seu eu e separado dela. 
O preto perseguidor pertence aos resíduos do amál-
gama de forma regressiva, em defesa organizada. , 
CARTA DOS PAIS 
"Gabrielle gostaria de vê-lo outra vez; acredito que 
com bastante urgência, embora hesite em pedir. Ela sugeriu 
que eu devia mandar-lhe um presente . Queria também man-
dar um presente para uma senhora que costumava trabalhar 
para nós, de quem ela gostava muito, e que nos deixou.3 
"O tema da mamãe preta vem à tona de vez em quan-
The Piggle 
3 A gratidão implica aceitação da separação, bem como do princípio da realidade, 
um fruto da desilusão. D.W.W. 
Sétima Consulta 
do, mas de maneira diferente: 'Não escrevi para a mamãe 
preta ... Ela me deu um vaso lindo com alguma coisa den-
tro que cresce' (Wattie, nossa faxineira, uma senhora de 
meia idade, querida por todos nós, deu-lhe um bulbo dentro 
de uma jarra de vidro). 'Eu tenho medo da mamãe preta. 
Não paguei a ela. Ela me deu um cálice lindo de madeira'. 
Pagar à mamãe preta tem sido mencionado com muita 
freqüência. 
"Recentemente começou a ter outra vez problemas 
para dormir . Precisa ter todas as suas bonecas, ursinhos e 
livros na cama, mal sobrando-lhe um lugar onde deitar-se. 
Durante o dia vem, ultimamente, demonstrando tendências 
para proceder mal, como se nossa autoridade e nossa pessoa 
de nada valessem. Talvez tenhamos sido um pouco relaxa-
dos em nossa firmeza e defesa de nossos direitos, o que 
estamos tentando corrigir. Mas, quando Gabrielle está bem, 
está, de fato, muito bem.4 
91 
4 Dificuldade para lidar com a criança doente que está recuperando·se. A questão : 
quando ser firme e agir como se tratasse de criança normal? I. e., recuperação do super-
ego patológico para se r uma criança espontânea no contexto familiar. D.W.W. 
OITAVA CONSULTA 
(1 de dezembro de 1964) 
Gabrielle (agora com 3 anos e 3 meses de idade) en-
trou e disse : "Eu vou brincar primeiro com esses brinque-
dos, depois com esse brinquedinho bonito". Ela trouxera 
um soldado de plástico bem grande - "Isso é bom. Vamos 
colocar eles todos na cidadezinha bonita". 
Fiz referências à existência também de coisas desagra-
dáveis. Ela pegou o trator e disse: "Esse é bonito. Susan 
também tem um cachorro". Pegou um barbante e disse 
que o trator poderia ser amarrado ao trenzinho. "Nós an-
damos no trem", e colocou o trenzinho atrás de nós 
(tentou mostrar que era espirituosa; havia outros indícios 
de analidade no material). "Muitos trenzinhos o senhor 
tem, Sr. Winnicott" * . Manifestou vontade de que eu a 
ajudasse a amarrar o barbante. 
Gabrielle: Isso é bom. Eu podia ter vindo aqui de tarde, 
né? Isso ia ser bom. Só pra visitar o senhor 
[ela estava colocando mais trenzinhos atrás dos 
outros trenzinhos]. Não empurra eles pra longe 
não, trenzinho. 
Eu: Onde moram os trenzinhos do Winnicott, 
aqui ou dentro de Gabrielle? 
Gabn"elle: Dentro dali [ela apontou]. O que que a gente 
põe nesse trenzinho? E nesse outro? [Achou um 
gancho que pertencia a um vagão]. Quando eu 
pus um trenzinho - ah! ah! ah! eu quase esma· 
guei o soldado e fiz ele chorar. Ele vem da 
minha casa. Oh! que trenzinho bonito ali atrás. 
*Ordem inversa no original. (N. T.) 
Tema da negação 
do que é 
desagradável 
94 The Piggle 
Onde é a estação, Sr. Winnicott? [montei duas 
cercas.] Sim, aquela é a estação [ela estava 
unindo os vagões]. Essa é a estação da estrada 
de ferro. Eu recebo ajuda do Sr. Winnicott. 
O que é aquilo? 
Eu: Para bagageme outras coisas. 
Gabrielle: Esse aqui é um outro trenzinho velho com uma 
locomotiva grande. Eu tenho um sapato novo 
bonito. Esse vagão é para bagagem. É melhor 
colocar ele aqui (ela estava arrumando os vagões 
e a bagagem]. Susan é uma grande amolação. 
Quebra-cabeça muito complicado*. Ela chega 
perto e atrapalha tudo. Eu empurrei ela muitas 
vezes e .ela chegava perto. Ela é uma amolação. 
Quando ela for uma Susan maior, ela vai poder 
fazer o que eu faço. Ela fica só chegando perto 
e me atrapalhando. Eu queria um bebê novo 
que não chegasse perto e não levasse as coisas 
embora. 
Referi-me ao fato de fazê-la ficar preta. 
Gabriel/e: Não, faz ela chorar. Então eu grito alto, eu fico 
com muita raiva e eu grito m\lis alto, e ela chora 
outra vez, e então mamãe e papai ficam com 
raiva. Ela é como Kiko, que é um urso selvagem 
da França. Uma 'vez eles dois fizeram um urso 
como Kiko. Tinha uma mamãe Kiko carinhosa 
e bebê** estava do lado de fora da jaula e ela 
estava na jaula. Ela era enorme como um bebê 
dentro de uma mamãe. O bebê Kiko não ficou 
na jaula. Os macacos ficam, e leões e ursos. 
Eu: Que mais? 
Gabriel/e: Vacas e gírrafas, não. Cobras ficam. Cachorros 
ficam, eu acho, não. Gatos também. Nós temos 
um gato preto. Ele vem me ver toda noite. 
Eu vou para o apartamento. Tem o gato preto. 
Eu faço .carinho nele. Às vezes ele fica na 
*No original, "jigsaw puzzle", que é um quebra-cabeça formado por peças tão pe· 
quenas e irregulares que têm de ser cortadas com uma serra tico-tico ("jigsaw"). (N. T.) 
**Artigo omitido também no original. (N. T.) 
Oitava Consulta 
minha casa. A mamãe dá coisa de comer pra 
ele. Pra que que é isso? [Era um pedaço torto 
da parte fmal de uma casa]. Por que que isso 
tá assim? Isso foi feito de madeira torta. 
Eu: Feito por um homem torto [lembrando-me da 
canção infantil e reconstituindo a estória do 
fim para o princípio].* 
Nesse momento, ela estava comendo o homem de 
plástico. Eu disse que ela estava comendo o homem, por-
que ela queria comer-me. 
Gabrielle: Onde que ele fica? Ele podia entrar na ca-
sinha. Na torta não, nessa aqui [uma igreja] 
ou nessa aqui. É uma casa bem bonita. 
Reclinou-se no carneirinho. Continuou olhando para 
o soldado ao lado do trenzinho. 
Gabrielle: Esse cachorro é um bobo [o carneirinho ]. 
Quem amarrou uma fita no pescoço dele? · 
Tá bonito. Eu também sei amarrar fita, mas o 
bebê não. Susan não capaz.** Às vezes eu 
amarro um vestidinho em volta do meu bebê 
para fazer ele ficar bonito. E então eu fui com 
ele fazer compras. Oh! quem fez isso? [o outro 
brinquedo macio, o veadinho]. Eles não ficam 
em pé. Sim, eles ficam. Cachorros bonzinhos. 
Ela estava equilibrando-os, e nós latíamos e rosnáva-
mos um para o outro. Falei alguma coisa sobre ela e o 
bebê Sush. 
Gabrielle: O senhor sabe que Susan era rabugenta [e ela 
produziu sons indicativos de mau humor], 
ela é rabugenta mesmo e ela chora. Quando eu 
estou com um pouco de raiva, eu choro um 
pouco. Eu choro de noite com os dedos na 
95 
* Canções infantis com reiteração de uma mesma idéia (o homem torto, mora na 
casa torta, feita de madeira torta, etc.). (N. T.) 
** Construção elíptica no originaL (N. T.) 
96 
boca. Eu tenho de chorar com a boca aberta. 
De onde que é isso? Talvez uma rodinha que 
soltou de um vagão. Esse balde devia estar aqui. 
Essas casas são bonitas. Eu estou fazendo uma 
casinha pro cachorro. Todas as casas são pros 
cachorros. Eles brigam dentro da casa. Um 
outro cachorro entra. Aqui tem uma.outra casa 
[era uma casa separada]. 
Falei sobre a necessidade de ela e Susan terem quartos 
separados ou casas separadas, porque elas brigam. 
Gabrielle: Quando eu crescer, eu vou ficar velha antes que 
a Mamãe seja velha, antes' que ela seja velha. Pra 
que que é isso? [Pegou novamente o lava-olho e 
exàminou-o ]. Se a mamãe ficasse velha, eu ia 
ficar velha também. Faça isso virar uma casi-
nha. Diga: entrem todos os cachorros [em ou-
tras palavras, cada um tem uma casa] assim 
eles não brigam. Geralmente eles brigam, 
latem, barulho horrível. .. Eu acho que o Papai 
quer que eu vou embora. 
Eu: Mas você livrou-se dos seus medos? 
Gabrielle: Eu morro de medo da Susan preta; então eu 
brinco com os brinquedos do senhor. Eu odeio 
Susan. Sim, eu odeio ela muito só quando ela 
leva meus brinquedos embora [subentendido: 
aqui, na casa do Dr. Winnicott, ela faz uso 
dos brinquedos e Susan é excluída]. Essa casa é 
tão bonita. Quando Susan tá bem vestida, ela 
é tão bonita. Então ela ia adorar essa casa, e o 
senhor sabe o que ela faz? Quando ela gosta 
de mim, ela vem e agacha e fala aaah e me 
beija. Quando a mamãe está pronta para ir à 
cidade, é bondade: dela~ quando Susan gosta de 
mim. 
Eu: Você odeia e gosta da Susan, ao mesmo tempo. 
Gabrielle: Quando nós brincamos com a lama, nós duas 
ficamos pretas. Nós duas tomamos banho, nós 
The Piggle 
Conteúdo de 
ansiedade: 
provavelmente 
ódio da irmã 
Ambivalência 
~·ontida 
A lama são 
as fezes, 
* Construção ambígua também no original; não podemos precisar se "dela" se 
refere à mãe ou a Susan. (N. T.) 
Oitava Consulta 
duas trocamos nossas roupas . Então, Mamãe 
às vezes pensa que ela está enlameada e Susan 
também. Eu gosto de Susan. Papai gosta da 
Mamãe. Mamãe gosta mais de Susan. Papai 
gosta mais de mim. Será que eu devia sair 
e falar pro Papai que não quero ir embora 
ainda? Eu não consigo abrir a porta, ah, con-
segui. 
Foi até o pai (40 minutos após o início). Voltou: "Sr. 
Winnicott, são quantas horas?" Respondi. "Mais cinco mi-
nutos. Bata a porta!" (ela o fez). "Como que põe isso? 
Eu vesti muitas roupas" (enumerou todos os detalhes). 
"Eu estou com calor demais. Como . . . "(repetiu isso muitas 
vezes). "Susan tira o vestido quando ela está com vontade 
de tirar ele (apanhou o barbante). Nós podíamos colocar 
isso no trem. Quando nós gostamos de brincar, nós brin-
camos de rode-rode-a-rosa ~ O senhor coloca ele" (eu o 
faço). "Nós podíamos cortar isso. Corta isso! (eu o faço). 
Obrigada, Sr. Winnicott." 
Ela estava brincando com o trenzinho e o barbante: 
"Assim tá melhor, tá curto demais. Eu tenho de abaixar 
um pouco." Falou-me sobre o trem verdadeiro no qual 
ela veio. Ele tinha de ser movido por um barbante muito, 
muito forte. 
Gabriel/e: Brinque por favor ... [Havia uma carroça para 
alguns soldados]. Susan às vezes vira as coisas 
de cabeça pra baixo. Eu não fico com raiva 
por causa disso [empurra o trenzinho para 
longe]. Oh. . . o senhor quer que eu arrume 
as coisas? [Alusão óbvia.] 
Eu: Pode deixar por minha conta. 
Gabrielle saiu com o pai, deixando por minha con-
ta toda a confusão e desordem. Confronte isso com sua 
arrumação cuidadosa e negação da desordem, anterior-
mente . Gabrielle mostrou agora uma confiança crescen-
te em minha capacidade de tolerar desordem, sujeira, 
coisas internas, incontinência e raiva. 
*Brincadeira de roda semelhante a "Atirei o pau no gato ... ". (N. T.) 
97 
i. e., amor 
integrado 
98 
COMENTÁRIOS 
1. As palavras-chave foram "bonito" e "bom", 
pr;esságios do que é desagradável. Desagradável = integra-
ção da expulsão agressiva com a doação com amor = de-
pende de como ele será recebido. 
2. Começa a lidar com a perda, através da incorpo-
ração e sua conseqüência: ansiedade e apoio com relação 
aos objetos interiores. Defesa: adorno da parte exterior 
do eu (fita- pescoço). 
3. Liberação de alguns objetos internos da separação 
(defesa- v. sessões anteriores). 
4. Ambivalência e lama. 
5. Pela primeira vez deixa a confusão por minha 
conta. 
CARTA DOPAI 
"No caminho de volta para casa, Gabrielle agiu como 
um "bebezinho" a maior parte do tempo; seu polegar 
estava enfiado na boca, e ela só falava "beh-eh" (chupa o 
polegar bastante agora, tendo começado a fazê-lo somente 
quando Susan nasceu). 
"Ao chegar à casa, quis ver Susan e quase chorou 
quando a viu dormindo. Então insistiu em brincar com um 
quebra-cabeça ("jigsaw puzzle"), antes de se acomodar 
para o almoço; pareciaser-lhe muito significativo ajuntar 
as partes. 
"Hoje de manhã, ela acordou tremendo, porque tinha 
sonhado com a Susan preta. A Susan preta "queria me fazer 
ficar cansada, queria me fazer chorar pra ficar acordada". 
CARTA DOS PAIS 
"Apenas uma observação antes de o senhor ver 
Gabrielle. 
"Há alguns dias ela disse: "Eu paguei a mamãe preta", 
e desde então repetiu isso uma ou duas vezes. 
"[Observação da mãe:] "Pagar a mamãe preta" sem-
pre me preocupou. Gostaria de saber até que ponto is_so 
The Piggle 
"Paguei" quer 
dizer: "Eu 
deixei a lama, 
as fezes e a 
Oitava Consulta 
não é uma aplacação, o uso de energias preciosas, o uso de 
uma parte do seu próprio eu para fazer calar a mamãe preta 
e, dessa forma, ter a recompensa de não se tornar preta. 
E eu gostaria de saber se esse tipo de coisa pode levar a 
defesas rígidas contra a confusão entre o bom e o preto, 
ou a uma confusão verdadeira. 
"A mamãe preta acomodou-se. Isso, todavia, não fez 
com que ela conseguisse dormir mais cedo. Agora é impor· 
tunada pela Susan preta. Ela vem para mim à noite, porque 
ela gosta de mim, mas ela é preta . 
"Na realidade Susan é muito meiga com Gabrielle, 
mas muito violenta quando deseja alguma coisa. Chega a 
ser cruelmente dominadora". 
CARTA DA MÃE 
"Gabrielle perguntou várias vezes pelo senhor. Es tá 
extraordinariamente bem, mas, recentemente, começou 
a preocupar-se outra vez à noite e, durante o dia, parece 
não ser ela própria. 
Insiste que a chamem de Susan (o nome da irmã), 
e não por seu próprio nome; fica também chupando o po· 
legar, mostrando-se desatenta e desinteressada pela coisas. 
Chamou-me novamente no meio da noite passada. "Com 
que você está preocupada?" - "Eu mesma, eu devia me 
fazer morta, mas eu não quero, porque eu sou tão bonita." 
"Manifestou também o desejo de que eu estivesse 
morta e dormindo com o pai dela, "e então eu penso, mas 
eu quero só essa mamãe". 
"Ela quer levar Susan ao senhor, "porque o Dr. 
Winnicott é um ótimo melhorador de bebês". 
"Quando ela faz alguma coisa, tal como pintura, 
desanima-se rapidamente e, então, atrapalha tudo. Adora 
limpar e aprimorar as coisas." 
CARTA DO DR. WINNICOTT AOS PAIS 
"Aflige-me não poder marcar uma hora para Gabrielle 
imediatamente. Este período é muito difícil para mim. 
Seria possível vocês dizerem a ela que pretendo vê-la, 
99 
desordem, o 
que foi aceito. " 
100 
embora não possa fazê-lo de imediato? Não hesitem em 
telefonar-me ou escrever-me se acharem que eu me esqueci . 
Vocês podem transmitir o meu carinho à Gabrielle" . 
CARTA DOS PAIS 
"Gabrielle tem pedido tão insistentemente para vê-lo 
e parece-nos tão deprirrúda ultimamente, que resolvemos 
comunicar-lhe. 
"Numa das noites passadas, ela pediu que verificás-
semos os trens noturnos para Londres, a frm de que pudesse 
ir vê-lo, "porque eu não agüento esperar mais ." 
Ela está cada vez mais relutante em ir dormir. Uma 
razão apresentada por ela é não querer crescer para que, 
não crescendo , não tenha bebês (isso mostra uma mudança 
de atitude - anteriormente ela desejava' ter bebês). Mais 
recentemente, no entanto, não quer dorrrúr, porque "eu 
quero sentir viva". 
"Chupa o polegar constantemente, e, em geral, parece 
triste e tensa. Acorda bem cedo pela manhã e, também, 
durante a noite, com as preocupações com a "mamãe 
preta" . 
"Tivemos de prometer à Gabrielle que lhe escrevería-
mos; achamos também que alguma coisa deve ser feita para 
ajudá-la. Em anexo vai uma pintura feita hoje de manhã 
e que Gabrielle insistentemente deseja enviar-lhe". 
CARTA DOS PAIS 
"Sentimo-nos muito aliviados ao saber que o senhor 
conseguiu um horário para Gabrielle. Parece ter feito grande 
diferença para ela, quando lhe dissemos que iria vê-lo. 
"Assim eu posso pôr pra fora todas as minhas preocupações 
- mas não vai ter temposuficiente". Ela parou de chupar o 
polegar durante toda aquela manhã. 
"Gostaríamos de falar-lhe sobre uma preocupàção 
especial com relação à Gabrielle, mas não sabemos bem 
como explicar. Parece-nos que ela tem problemas com sua 
identidade. Ela não adrrúte ser ela própria, negando aberta-
mente que tinha mordido as nádegas de Susan; ou ela é 
The Piggle 
Oitava Consulta 
Susan, recusando-se ser chamada por seu próprio nome, 
fazendo poças no chão e choramingando. 
"Há também uma parte dela que nos parece tão 
surpreendentemente amadurecida, que pode ocorrer que 
nossa resposta gere nela dificuldade em unir as duas partes 
distintas. 
"Ela está com um resfriado forte e tossindo. Espero 
que não haja inconveniente em levá-la". 
OBSERVAÇÃO DA MÃE 
"Não entendo absolutamente por que ela teve tanto 
problema com sua identidade e teve que ser a mamãe ou 
Susan, não a Piggle. Quando assoa o nariz, refere-se ao 
resfriado de Susan. Recordo-me de que mesmo naquela 
época em que respondia por seu próprio nome, ela dizia 
como Susan estava, quando lhe perguntavam como ela 
estava passando. Gostaria de saber se isso está relacionado 
com o fato de ela ter saído cedo do seu consultório e com 
o comentário "eu pus minhas preocupações ruins dentro do 
Dr. Winnicott, e peguei boas preocupações" - ou algo 
semelhante". 
101 
NONA CONSULTA 
(29 de janeiro de 1965) 
Gabrielle (agora com três anos e quatro meses) foi 
logo para a sala, em direção aos brinquedos, permitindo 
que o pai fosse para a sala de espera. 
Gabrielle: Eu já vi ele antes várias vezes [quando pegou 
um dos animais macios da confusão geral de 
brinquedos pequenos. Apanhando alguns tren-
zinhos:] Isso aqui é de encaixar no vagão; 
às vezes Susan fica mesmo excitada de manhã. 
Eu grito para os adultos : "Susan tá excitada!" 
Ela fala: "Minha irmã grande tá de pé." Ela 
acorda mamãe e papai de noite; um monstri· 
nho. Mama! Papa! Ela tem de tomar uma ma-
madeira de noite! [Quase descrevendo-me 
Susan ao invés de ela própria.] 
Durante todo esse período, ela estava ocupada com os 
brinquedos : "Não tem nada para encaixar nesse aqui" (mos-
trando-me uma vagão sem gancho). "Esse tá todo bom ... " 
Tirou algo da desordem geral . Falei : "Lava-olho" (era o 
lava-olho Optrex azul, pelo qual ela sempre se interessou). 
Tirou algumas coisas do balde. Ela estava com um resfriado 
horrível e queria um lenço de papel, que lhe entreguei. 
Mas, na sua conversa, isso se misturava ao assunto sobre 
vagões. Ao assoar o nariz, ela falou : "Susan está com um 
resfriado forte". 
Eu: Imagino que eu estarei espirrando amanhã. 
Gabrielle: O senhor estará espirrando amanhã. Eu sei, 
Sr. Winnicott, o senhor encaixa isso aqui. 
104 The Piggle 
Mostrei-lhe que ela estava tentando formar algo 
unindo muitas partes, e que isso significava formar alguma 
coisa unindo Susan, Winnicott, mamãe e papai. Essas Desenvolvimento 
coisas estavam separadas dentro dela, e ela não conseguia de conceitos sobre 
reuni-las em uma só coisa. Agora ela estava cantando, en- objetos totais 
quanto empurrava o trem, e segurou o barbante que estava 
todo enrolado numa das locomotivas de madeira. Referiu-se 
a uma embolação e fez com que eu a ajudasse . 
Gabrielle: Um pedaço de barbante. Põe ele lá. [Ela conver-
sava consigo mesma]. Nós decidimos que Susan 
é de fato um monstrinho. Nós chamamos ela 
de Senhora Roçatudo. Simão e Rei 1 chutatudo 
ao redor e ao redor da fogueira; uma meni-
ninha assando castanhas. Essa menininha tá 
demorando muito [evidentemente um comen-
tário do pai sobre Susan]. 
Sobre a mamãe preta . Ela vem toda noite. Eu 
não posso fazer nada. Ela é muito cheia de ca-
prichos. Ela vai pra minha cama. Eu não posso 
encostar nela. "Não, essa é minha cama. Eu vou 
ficar com ela pra mim. Eu tenho de dormir 
nela". Papai e mamãe estão na cama num outro 
quarto. "Não, essa é minha cama. Não! Não! 
Não! Essa é minha cama". Essa é a mamãe 
preta. Alguém tá querendo fazer bonito. Duas 
molequinhas [outra vez, evidentemente, um 
comentário de alguém sobre as duas crianças]. 
Papai pode dizer que eu sou maldosa. 
Eu: O que é ser maldosa? 
1 A canção infantil: "O Vellio SenhorSimão, o Rei 
E o jovem Senhor Simão, o Escudeiro 
E a vellia Senhora Roçatudo 
Chutaram o Senhor Chuta tudo, 
Ao redor da nossa fogueira"! 
No original: "Old Sir Simon the King 
And Y oung Sir Simon the squire 
And old Mrs. Hickabout 
Kicked Mr. K.ickabout 
Round about our coai fue". (N. T.) 
Nona Consulta 
Gabrielle: Pessoas que são teimosas. Eu sou teimosa 
às vezes. [Aqui houve uma referência à viagem 
de trem para Londres.] Nós fomos no metrô. 
Olha! [pegou o brinquedo que é o animal ma-
cio.] Susan ficou triste porque Gabrielle ia 
para Londres. Oh! [voz monótona] quando 
minha irmã grande vai voltar? Ela precisa da 
minha ajuda para usar o peniquinho. Hoje de 
manhã, eu destampei a privada; ela veio pra 
perto de min1 ; queria que eu tirasse alguma 
coisa para fazer cocô. Eu tenho uma grande 
preocupação toda noite. É a mamãe preta. Eu 
quero minha cama, Ela não tem uma cama. 
Não tem capa de chuva, então eu tenho de 
ficar molhada. Ela não toma conta das suas 
menininhas. 
Eu: Você está falando sobre sua mãe e que ela não 
sabia cuidar de você. 
Gabrielle: Mamãe sabe sim. É a mamãe com o rosto preto 
muito horrendo. 
Eu: Você a odeia? 
Gabrielle: Eu não sei o que está acontecendo comigo. 
Meu Deus, a mamãe preta me empurra pra 
fora da cama, e eu tenho uma cama tão gostosa. 
"Não, Piggle, você não tem uma cama gostosa" 
[aqui ela estava "dentro de" uma experiência]. 
"Não Piggle, você não tem uma cama gostosa". 
Ela fica com raiva da man1ãe. "Você arrumou 
uma cama tão horrenda para esta menina hor-
renda! "A mamãe preta gosta de mim. Ela acha 
que eu estou morta. Terrível [necessariamente 
sem clareza). É touro [?] * me ver. Ela não 
entende de crianças ou de bebês. A mamãe 
preta não entende de bebês. 
Eu: Sua mamãe não entendia de bebês quando ela 
teve você , mas você lhe ensinou a ser uma boa 
mãe para Susan. 
1QS 
Separando a 
mãe boa da 
mãe má 
Gabrielle: Susan fica terrivelmente triste se eu vou fazer Experiência de 
compras, e ela fica feliz quando eu volto. Oh! contacto entre 
mamãe, mamãe, mamãe! [falou isso com grande a self e a mamãe 
*Conforme o original. (N. T.) 
106 
tristeza]. Eu não quero uma irmã grande e boa 
que beija, quando ela fica triste e para ir embo· 
ra. Tem brinquedos atrás das costas do senhor. 
É difícil tirar eles. Aqui estão algumas casas. 
Susan me acordou de noite uma vez. 
Eu: Oh! que amolação! 
Gabrielle estava engatando uma locomotiva a alguns 
vagões, mas com dificuldade, porque eles não queriam en· 
caixar·se. Houve, então, um longo período de atividade 
indefinida; admito que eu poderia estar sonolento nesse 
período em que nada defmido ocorria (minhas anotações 
aqui são deficientes, o que indica minha própria dificulda· 
de). Ela estava resmungando algo sobre trens, algo sobre 
rodas, e depois disse: "Eu estou com frio. Eu tinha umas 
luvas". Meu alheamento aqui também deve ser levado em 
consideração. Esse alheamento poderia estar relacionado 
com o material indefmido, devido ao alheamento de Ga· 
brielle. De certo modo, "captei" a projeção dela, ou "apre· 
endi" seu estado de espírito. Nesse ponto, fiz uma anotação 
definida de que eu estava com sono; mas não tenho a menor 
dúvida de que teria despertado se algo estivesse acontecen· 
do. Esse período vago terminou, quando ela pediu-me que 
desenhasse um tigre na lâmpada elétrica amarela. 
Gabrielle: Isso é lindo. Eu já vi isso antes. Eu vou mostrar 
papai. Muito tempo mamãe não queria um bebê, 
e depois ela queria um menino mas teve uma 
menina2 • Nós vamos ter um menino, quando 
nós crescermos. Eu e Susan. Nós vamos ter de 
achar um homem papai para casar. Aqui estão 
umas botas. O senhor ouviu o que eu disse, 
Sr. Winnicott? Eu tenho uns vagões lindos para 
a bagagem. 
Fiz algumas interpretações aqui, colocando Gabrielle 
na posição de menino em relação a Susan no triângulo edí· 
pico. Ela prosseguiu: "Essa é a minha cama, então eu não 
The Piggle 
boa (antes da 
vinda da irmã· 
zinha) agora 
perdida. Experi· 
ência de perda, 
lembrança da 
experiência boa. 
2 Observação da mãe: Ela sabia que eu não me importava se fosse menino ou 
menina quando ela nasceu, e que eu queria um menino quando tive uma menina, isto 
é, quando Susan nasceu. 
Nona Consulta 
posso ir de trem para o Sr. Winnicott. Não, você não quer 
ir para o Sr. Winnicott. Ele realmente entende mesmo de 
sonhos ruins. Não, ele não entende. Ele entende. Não, 
ele não entende". (Esse diálogo era entre ela mesma e 
uma outra parte do seu próprio eu). "Ele não quer que 
eu me livre dela". 
Referi-me à mamãe preta como a um sonho, tentando 
deixar bem claro para Gabrielle que a man1ãe preta pertence 
ao sonho, e que, ao acordar, há as idéias contrastantes da 
mamãe preta e das pessoas reais. Havia chegado um momen-
to em que podíamos conversar sobre sonhos, ao invés de 
uma realidade interior, ilusoriamente "real" internamente. 
Gabrielle: Eu tava deitada completamente imóvel com 
minha espingarda. Eu tentei atirar nela. Ela 
simplesmente foi embora. O senhor sabe o 
que que as pessoas fazem comigo? Eu tava 
dormindo. Eu não conseguia conversar. Foi 
só um sonho. 
Eu. Sim, era um sonho com a mamãe preta no 
sonho. 
Perguntei-lhe se desejava que a mãe má fosse uma 
pessoa de verdade ou uma pessoa de sonhos. 
Gabrielle: O senhor sabe que na TV tem pessoas que 
atiram? (nesse momento ela "atirou", em-
purrando o dedo muitas vezes no buraco na 
barriga do veadinho.] Eu queria saber por que 
ela fez um barullio tão esquisito. Alguém pôs 
palha dentro dela. Ela está chorando. Ela não 
está pronta pra fazer bebês. O senhor recebeu o 
cartão que eu mandei? Eu não queria dizer 
nada. O senhor sabe o que é que eu tenho? Eu 
tenho alguns dominós para ... [mencionou o 
nome de um menininho da vizinhança. Ela esta-
va brincando com navios.] Alguém atirando e 
então eles não conseguem ficar em pé (pegou um 
vagão verde]. Essa cor é bonita (produziu um 
som melodioso]. Susan às vezes me faz cócegas. 
Gabrielle, então , falou alguma coisa parecida com 
107 
108 
"Gagaguer". Isso estava relacionado com o diálogo entre 
ela e Susan: "O que é isso?" (Era um pedaço de uma 
cerca). "Sr. Winnicott, eu não posso ficar aqui muito 
mais tempo, então . o senhor podia me ver outro dia?" 
Seria fácil supor que ela estava insatisfeita comigo 
porque eu estivera com sono, mas, na realidade, é provável 
que todo o episódio (mesmo incluindo minha sonolência) 
estivesse relacionado com a grande ansiedade de Gabrielle, 
o que tornava impossível uma comunicação clara. A an-
siedade estava certamente ligada ao sonho com a mamãe 
preta. Nesse momento, fiz indagações sobre sonhos e ela 
· disse: "Eu sonhei que ela estava morta. Ela não tava lá". 
Nesse instante fez algo que, tenho certeza, era altamente 
significativo, seja lá o que viesse a simbolizar. Minha afir-
mação prende-se ao fato de ter havido uma alteração geral 
na qualidade da sessão. Tinha-se a impressão de que tudo 
mais havia parado para que isso acontecesse. Ela pegou o 
lava-olho azul e o colocava e tirava da boca, produzindo 
ruídos de sucção, e poder-se-ia dizer que ela sentiu algo 
muito próximo a um orgasmo generalizado. 
Gabrielle: Eu gostava muito dela. Baaah. Isso é bom. 
Quem atirou na mamãe? Papai tinha uma espin-
garda, e ela está quebrada. A mamãe preta é mi-
nha mamãe ruim. Eu gostava da mamãe preta 
[isso era um sonho representado sob a forma de 
brinquedo. Ela prosseguiu, falando sobre o vagão 
bonito:] Vamos brincar mais. 
Foi nesse instante que eu disse que estava na hora de ir. 
·Em outras palavras, a ansiedade tinha sido superada de al-
guma forma, durante a sessão - era um novo estágio para 
atingir a ambivalência. 
À noite, os pais telefonaram-me para perguntar se eu 
desejava fazer algum relato; disse que a sessão havia sido 
de difícil compreensão, mas que tudo convergiu para um 
ponto em que a mamãe preta morreu com tiros. Nessa situa-
ção, a mamãe preta é a mãe boa que foi perdida. O inciden-
te com o lava-olho e a experiência orgásticapareceram-me 
o ponto em que Gabrielle descobriu a mãe boa perdida 
juntamente com sua própria capacidade orgástica, a qual 
foi evidentemente perdida com a mãe boa. 
The Piggle 
Ansiedade rela-
cionada com um 
tema ainda 
obscuro 
Este é o elemento 
significativo da 
experiência 
comportamental 
total da criança 
com o setting 
analftico 
Preto, agora, 
torna-se a negação 
da mamãe lumi-
nosa ou branca 
ou idealizada da 
era pré-ambiva-
lente, da mãe 
como um objeto 
subjetivo 
Nona Consulta 
OBSERVAÇÃO 
Há agora uma lembrança de uma mãe real; orgiasti-
camente conúda e também morta com tiros em ambiva-
lência, substituindo a divisão mais primitiva entre a mãe 
boa e a mãe preta, relacionadas entre si em decorrência da 
divisão entre o subjetivo e o que é objetivamente perce-
bido. 
Alguns dias depois, os pais telefonaram-me para 
relatar uma grande mudança na criança. Tinha-se tornado 
"uma pessoa mais espirituosa e urna criança com mais 
entusiasmo". Agora brincava com a irmãzinha e sentia-se 
menos perseguida. A conseqüência disso é que a irmã-
zinha não a agredia tanto. Tinha-se tomado carinhosa com 
a mãe e conseguia brincar com ela mais do que anterior-
mente. Ela disse espontaneamente: "Eu passei núnhas 
preocupações ruins para o Dr. Winnicott e peguei umas 
preocupações boas" (beneficiando-se da nova separação 
de identidade). 
Essa melhora durou três semanas. Depois, a criança 
começou a preocupar-se novamente com a mamãe preta. 
Durante essas três semanas, houve tanta melhora que os 
pais se animaram. A criança tinha ficado doente fisicamen-
te, mas, apesar disso, continuou mais cheia de vida do que 
antes e brincava com sua irmã. Ela tinha falado repetidas 
vezes : "Quando é o aniversário do Winnicott? Eu quero 
mandar um presente para ele, mas não pode ser embrulha-
do". Certa vez, ela disse à mãe: "Você vira uma mamãe pre-
ta, quando você está com raiva" . Na camada mais profunda, 
no entanto, a mamãe preta é a mamãe boa original ou sub-
jetiva. 
COMENTÁRIOS 
(Um resfriado forte.) 
1. Problema com objetos interiores ou objetos de sua 
experiência atual, em termos da realidade psíquica interna. 
2. Mamãe preta: são rivais com relação à cama, con-
ceito de ser "maldosa". 
3. Mamãe preta como uma versão cindida da mãe, 
aquela que não compreende os bebês, ou aquela que os 
109 
Embrulhado 
significaria 
obscurecido por 
mecanismos de 
defesa, tal qual 
o significado do 
seu brinquedo, 
quando ela se 
mostra a/heÜJ 
ao mesmo 
11 o 
compreende tão bem que sua ausência ou perda faz tudo 
ficar preto. 
4. Elemento positivo na mamãe preta. Tristeza em 
"mamãe, mamãe, mamãe" == lembrança. 
5. Momentos de enfado na entrevista: recíproco. 
6. Mamãe preta agora em termos de sonho: fantasia. 
7. Lembrança transformando-se em experiência eró-
tica oral com qualidade orgástica. 
8. Morte da mamãe preta querida (morta com tiros). 
Isso é raiva da mamãe que foi perdida: acompanha a alterna-
tiva de incorporação da raiva. 
9. O presente para o Dr. Winnicott- sem embrulhar 
-isto é, aberto, natural, óbvio (bebê). 
CARTA DOS PAIS, 
ESCRITA PELA MÃE 
"Gabrielle gostaria que lhe escrevesse pedindo para 
vê-la. Não apresentou, como de costume, nenhuma razão, 
mas parece-me que ela considera isso urgente. Sua solici-
tação foi feita na noite do meu aniversário; parece tê-la 
magoado muito que o aniversário não era dela, embora ela 
tenha feito o máximo para que o aniversário fosse um 
êxito; veio até mim várias vezes para dar-me tapinhas de 
brincadeiras e não conseguiu dornúr, "por causa do meu 
aniversário". 
"Pareceu-nos muito bem desde a última entrevista 
com o senhor; dá a impressão de uma robustez e certeza 
maiores do que anteriormente. 
"As únicas coisas negativas para relatar, das quais 
me recordo, são o fato de ela chupar o polegar e a forma 
pela qual chama atenção para sua pessoa na companhia de 
adultos, gritando numa linguagem inarticulada e ficando 
geralmente excitada; com as crianças, mostra-se tímida. 
"Com a irmãzinha ela é tão indulgente e compreensi-
va que às vezes me envergonho de mim mesma". 
"Percebo que não lhe disse nada realmente impor-
tante dessa vez; a vida dela é muito individualizada e vivida 
dentro do seu próprio eu. 
"(Desde que isso foi escrito, Gabrielle mandou dois 
desenhos para o senhor, que enviamos em anexo. No enve-
The Piggle 
Ligação entre 
chupar o polegar 
e a experiência 
orgástica com o 
objeto 
Nona Consulta 
lope estava escrito 'Lembranças para o Sr. Winnicott')". 
CARTA DA MÃE 
"Gabrielle não voltou em absoluto ao que era antes. 
Dá·nos a impressão de estar muito mais integrada, embora, 
às vezes, isso pareça ser conseguido através de uma deter-
minação inflexível dela. 
"Ela demonstrava urgência em querer vê-lo. "Como 
é que se pode levar bebês ao Dr. Winnicott? Eu quero levar 
Susan". Gostaríamos de saber até que ponto Susan passou 
a ser uma parte de Gabrielle. Está sempre falando sobre 
Susan, principalmente sobre seu atrevimento e travessuras, 
embora as pessoas lhe perguntem sobre ela própria. 
"Se eu estivesse alerta . às preocupações com ela, 
insistiria no seu freqüente e melancólico chupar de polega-
res, e nas explosões de destruição proposital. Ao contrário 
de sua irmã, não é destruidora de modo fortuito; ela é meti-
culosamente cuidadosa com suas coisas, separando-as e la-
vando-as sempre. A destruição parece recair subitamente 
sobre ela, quando despedaça e rasga as coisas, dando a im-
pressão de fazê-lo quase desapaixonadamente, apenas com 
uma determinação inflexível. 
"Mas ela também brinca agora com mais criatividade 
e com maior freqüência do que antes". 
111 
Tomada por 
uma agressão 
cindida e 
desintegrada 
D.bCHv1A CONSULTA 
(23 de março de 1965) 
Gabrielle (agora com três anos e seis meses) foi tra-
zida pelo pai, e precisei fazê-la esperar um pouco. Ela tinha 
dito repetidas vezes: "Volte para seus brinquedos". Iniciou 
as atividades como de costume, nós dois no chão; ela estava 
balbuciando o tempo todo. Houve alguma coisa como: "O 
livro de Susan no trem. Meu livro favorito. Natalie Susan, 
um nome bonito. É italiano. Eu sou Deborah Gabrielle". 
Divertia-se ao articular esses nomes' . Ela estava entre 
os brinquedos e, ao apanhar um deles, disse: "Que diabo 
que é isso? Todos os tipos de coisas que eu não tenho . .. ". 
E, enquanto unia os vagões, disse : "Tantos brinquedos. 
Meu Deus, que quantidade de brinquedinhos". (Eu não 
tinha acrescentado brinquedo algum desde sua primeira 
visita , exceto o lavo-olho Optrex, conforme relatado). 
Conversava consigo mesma, muito satisfeita. Pros-
seguiu : "Diacho, o que é ... ?" Ela estava apanhando um 
outro trenzinho e unindo os vagões. 
Comentei, nesse ponto, que ela estava unindo-nos, 
sua própria pessoa e a minha. 
Gabriel/e: No trem ... suco de maçã . .. nós divertimos 
muito no trem, todos juntos. Tinha um trem 
longo, longo. Esse aqui é longo [houve um gesto 
com o braço para descever o comprimento]. 
Eu: Essa distância longa está relacionada com o 
tempo que passou entre hoje e sua última visita, 
e Gabrielle está demorando muito para desco· 
brir se eu estou vivo. 
1 Confronte com a orgástica colocação do objeto na boca na última sessão. 
114 
Isso pareceu-lhe uma espécie de indício. 
Gabriel/e: Quando é o seu aniversário? Eu quero dar al-
guns presentes pro senhor. 
Nesse momento, senti-me preparado para a idéia de 
unir nascimento e morte . 
Eu: E o que você me diz do dia da minha morte? 
Gabriel/e: Nós vamos ver o que nós podemos arranjar 
para o senhor. Mamãe escreveu uma carta para 
a França; leva três horas quase um dia pra che-
gar lá. 
Eu: Se eu estivesse morto, demoraria mais ainda. 
Gabriel/e: O senhor não ia abrir ela, porque o senhor esta-
va morto. É horrível. 
Então fez referências à semelhança com um tiro, um 
embrulho amarrado com barbante. Abaixa-se o objeto e a 
pólvora explode; é muito perigoso; eles só morrem se uma 
cobra mordê-los. Prosseguiu de certa forma com o temada 
morte (anotado sem exatidão). 
Gabriel/e: É horrível. As cobras são terríveis. Mas só se 
alguém machucar elas. Aí elas mordem. Mamãe 
foi uma vez ao zoológico, e lá tinha um papagaio 
que falou : "Ei, querida" [ela falou isso como um 
papagaio, de modo muito engraçado]. 
Eu: Você quer dizer que havia outras coisas no zo-
ológico, como cobras. 
Gabriel/e: Eu disse pro meu papai: "Essas são venenosas?" 
Eu já ia pôr a mão para fazer carinho nela, mas 
papai me puxou [houve aqui alguma referência 
a uma menininha:] A gente podia dizer que ela 
tava feliz pelo seu rosto. 
Eu: Você é uma menininha feliz? 
Gabrielle falou alguma coisa sobre Susan. 
Gabriel/e: Eu quero destruir se eu construo alguma coisa. 
Mas ela não quer fazer isso. Ela tomava mama-
deira com um bico. Primeiro, eu comecei a 
7he Piggle 
Lidando com o 
conceito do 
objeto retaliatório, 
relacionado com 
o sadismo oral e 
e ambivalência 
Décima Consulta 
dar de comer a ela, mas ela ia embora e não deF 
xava. Ela é um bebezinho bom. 
Eu: Às vezes você atira nela. 
Gabrielle: Não, às vezes eu fico em paz com ela. 
Eu: Esta é uma razão pela qual você gosta de vir 
aqui, para fugir dela. 
Gabrielle: Sim, eu não posso ficar muito tempo, porque 
daqui a pouco eu vou almoçar; então eu posso 
vir outro dia? 
Nessa ocasião, ela estava demonstrando sua ansiedade 
usual com relação ao fato de viver uma vida que é separada 
de Susan e ter-me para ela, o que lhe é tão importante. 
Prosseguiu: "Desculpa porque nós chegamos cedo, porque 
eu não podia mais ficar em casa, porque eu tava com muita 
vontade de ir para o Sr. Winnicott. Susan quer demais ir 
para o Sr. Winnicott. Ela fala "Não! Não! Não!" ; ao invés 
de "sim" da fala "não" e ela acorda de noite. Ela acorda 
todos os bebês. É terrível. Ela não me acorda. Eu nem escu-
to. Eu quase não escuto ela. Ela fala? "Mamãe mamãe papo-
la papai papai papola mamãe mamãe mamelo osso de 
galinha" . 
Gabrielle estava dispondo as casas, como as palavras, 
uma depois da outra, com uma torre no final: Acho que 
issÕera um trem .. Ela comentou : "Os cachorros não podem 
comer ossinhos, porque eles têm um tipo de lasca dentro 
deles". Nesse ponto, ela estava esfregando a mão debaiXo 
das rodas do trem, de uma maneira que parecia demonstrar 
algo que faz consigo própria. Ela disse: "Dói muito. O 
senhor tem um cachorro?" 
Eu: Não. 
Gabrielle: Vovó tem, ele chama Fofinho. 
Ela fez uma disposição com os brinquedos, espalhan-
dos-os de tal forma que cada um ficou separado3 • Chamei 
sua atenção para o fato, e ela disse': "Sim", e depois algo 
2 V. carta da mãe, logo depois da Segunda Consulta. 
11 5 
Ansiedade com 
relação. ao 
prazer comigo 
e meus brinque-
dos, livre de 
Susan 
A caminho da 
masturbação2 
3 Confronte com os brinquedos separados no seu lado da linha, quando estabele· 
cia sua própria identidade; v. Sétima Consulta. 
116 
sobre "bater outra vez". Tocou meu joelho, mas saiu 
pulando e dizendo: "Eu tenho de ir até o papai. Eu vou 
voltar. Eu quero trazer minha boneca." Era uma boneca 
mUito grande chamada Frances. Trouxe a boneca para que 
eu a cumprimentasse. Ela estava acariciando meu sapato. 
A ansiedade tinha-se manifestado paralelamente aos con-
tactos afetuosos. Nesse sentido, a separação de cada objeto, 
uns dos outros, era uma defesa. O contacto comigo era 
fundamental, e apareceram várias modalidades de senti-
mento de culpa com relação a isso - sentimento de culpa, 
porque Susan não estava lá; sentimento de culpa também 
pela destruição do objeto que foi encontrado -poder-se-ia 
dizer que, atrás dessa separação de um objeto do outro, 
havia um estado caótico interior composto de partes frag-
mentadas do objeto. 
Gabriel/e: Uma noite eu tive um sonho ruim. Era sobre ... 
Eu fechei os olhos. Eu vi um cavalo bonito. Ele 
chamava Garanhão*. Ele tinha ouro nas orelhas 
e na crina. Ele era tão bonito. Ouro, ouro boni-
to e brilhante [ela pôs a mão entre as pernas]. O 
cavalo bonito ia chegando e pisando no milho 
[ela explicou que o milho é um tipo de cereal). 
Eu: Você está descrevendo papai e mamãe, quando 
eles estão fazendo novos bebês, alguma coisa 
relacionada com o amor. 
Gabriel/e: Sim. 
Eu: Talvez onde a mamãe tem cabelo [referindo-se 
ao milho]. 
Então, ela falou algo sobre entrar no quarto do papai 
e da mamãe para fazer o cavalo parar de pisar no milho; 
interpondo-se entre eles. Acrescentou: "Às vezes eu tenho 
permissão de parar para o jantar", dando-me, dessa forma, 
um cenário real para o sonho no qual ela impede a relação 
sexual - também um cenário no qual Susan é excluída, 
uma vez que Susan representa uma complicação à qual ela 
não faz concessões. 
The Piggle 
Separação de 
um objeto do 
outro, e o 
oposto: o 
chocar-se contra 
Relato de um 
sonho 
*A palavra "Stallion" em inglês, que traduzimos por "Garanhão, denota simples-
mente um cavalo destinado a reprodução, não tendo a conotação pejorativa do sentido 
figurado de "garanhão" em português. (N. T.) 
Décima Consulta 
Gabriel/e: Nós gostamos de ficar sentadas na cama, mas 
de manhã nós ficamos cansadas por causa 
disso [apanhando uma figura minúscula]. Esse 
homem não consegue sentar. Papai [confronte 
com Garanhão] é bonito. 
Gabrielle tinha agora disposto os brinquedos de modo 
diferente, com todas as árvores e figuras de pé; havia uma 
impressão geral de vida nessa disposição. 
Gabrielle: Papai é bonito. Tem um quadro na parede lá de 
casa com duas pessoas caminhando e alguém 
apenas parado lá em pé. 
Comparei essa descrição com o sonho no qual algo 
está pisando em alguma coisa. 
Eu: Você veio me falar sobre o garanhão que pisa 
no milho. 
Gabrielle fez nova disposição com os brinquedos, de 
tal forma que havia uma flla longa e curva de casas, e uma 
outra ma longa de casas parecia dirigir-se diretamente para 
dentro da curva. Ela referiu·se a Susan, que destruía tudo, 
dessa forma usando Susan como uma projeção de suas pró-
prias idéias indesejáveis de destruição. 
Gabrielle: Susan abre as bolsas das mulheres e tira o 
pó-de-arroz e cheira, e ela atrapalha a mamãe, 
quando ela está vestindo. É horrível. 
Eu: Faz você ter vontade de atirar nela. 
Gabrielle: Mamãe tem uma estátua bonita. 
Nesse instante, ela pôs o cachorro ( carneirinho) 
de pé, mas apanhou também o outro cachorro grande e 
macio (veadinho), começando a espremê-lo para tirar a 
serragem de sua barriga, dando continuidade às atividades 
destrutivas da última sessão. Enfiou o dedo nele delibera-
damente, puxando o enchimento que caiu no chão. Sua 
ansiedade manifestou-se pela busca de contacto com o·pai, 
ocasião em que ela saiu para dizer-lhe para não gritar "Tá na 
hora". 
117 
O trabalho 
da sessão 
118 
Eu: Hoje você veio sem ser chamada. 
Ela mostrava-se satisfeita, como se alguma coisa ti-
vesse sido corrigida, e voltou para a disposição dos brin-
quedos, colocando os animais e tudo mais de pé no tapete. 
Referiu-se a um segredo, e colocou as mãos entre as pernas. 
Gabriel/e: Querido Sr. Carregador. Eu estava lendo a re-
vista "Everybody's" e fui levada para Crewe. 
Vou levar comigo no trem. Eu vou carregar o 
Sr. Crewe. 
Ela estava fazendo nova disposição com os brinquedos, 
de forma ordenada, e repetindo "Lendo a revista "Every-
body's", fui levada para Crewe"4 . 
Gabriel/e: Não espere por mim. Vou pro Alabama tocando 
o meu bandolim*. Música bonita. 
Eu reconhecia as várias canções. Agora ela estava 
cantando de modo alegre e despreocupado, introduzindo 
suas próprias variações. 
Gabriel/e: O senhor podia ir passando algumas coisas 
para mim? Ele está fazendo seu brrrrrrh [signi-
ficando fezes]. 
e ela esvaziou, tanto quanto pôde, a serragem da barriga do 
veadinho. 
Gabriel/e: Olha ele! 
Eu: Ele fez muito brrrrrh na cesta e no tapete. 
Gabriel/e: Desculpa. O senhor importa? 
Eu: Não. 
The Piggle 
Isso marca o 
fim da fuga 
4 "0h Sr. Carregador, o que vou fazer? Eu estava lendo "Everybody's" e fui 
levada para Crewe" (slogan de propaganda comercial da época anteriorà Primeira Guerra 
Mundial). 
No original: "Oh Mr. Porter, whatever shall I do? I was reading Everybody's and 
got carried on to Crewe". 
* A tradução literal do trecho da canção seria "Vou pro Alabama com banjo no 
meu joelho". (N. T.) 
( ' 
Décima Consulta 
Eu: Não. 
Gabriel/e: Cheira mesmo. 
Eu: Você está retirando os segredos dele. Ele ainda 
tem mais um pouco de brrmh. 
Gabriel/e [pouco depois]: Está na hora de ir? Piggle soltou 
um cheiro horrível. 
Eu: Soltar um cheiro é revelar segredos [ela pôs um 
pouco do brrrrrh no trator, nos vagões e em to-
dos os lugares]. Coisas de ouro [relacionando 
com o quadro l 
Gabrielle, então, pegou todos os brinquedos e os ajun-
tou, fazendo uma aglomeração. 
Eu: Agora todos estão em contacto um com o outro 
e nenhum está sozinho. 
Referiu-se ao cachorro esvaziado (veadinho): 
Gabrielle: Seja bondoso com ele. Deixa ele bater todo o 
leite e comer toda a comida. 
Eu: Agora você tem de ir logo. 
Gabriel/e: Eu tenho de ir agora [e comprimiu a serra-
gem dentro do vagão). Eu vou tomar um 
trem para voltar. Agora nós temos de ir. Eu 
vou simplesmente deixar a confusão toda pro 
o senhor. 
Deixou também sua enorme boneca, Frances, porém vol-
tou para apanhá-la, encontrando-me ainda (deliberadamen-
te) assentado no chão, em meio à mesma confusão consi-
derável que ela fizera. Na realidade não levou consigo 
nenhum trenzinho. 
COMENTÁRIOS 
1. Fácil restabelecimento do relacionamento comu-
nicado deliberadamente através do brinquedo. 
2. Meu aniversário. Interpretação: dia da morte. 
3. Separação (brinquedos separados), e o chocar e 
o bater como contacto. 
4 . Sentimentos de culpa em decorrência dos impulsos 
119 
da fantasia 
intestinal para a 
idéia dos adultos 
e sua capacidade 
de dar a luz a 
bebês de verdade, 
isto é, aceitação 
do que está do 
lado de dentro, 
entre o comer e 
a defecação 
Contraste com 
a separação 
120 
destrutivos com relação ao bom objeto. 
5. O mesmo, em termos do homem e da mulher, na 
experiência sexual. 
6. Identificação com o homem, sadismo com relação 
à bàrriga e ao seio (recipiente). 
7. Cheiros secretos e confusão ; dourado e bonito. 
8. Coisas internas liberadas da função dupla- isto é, 
a de representar sua realidade psíquica interior, agora comu-
nicável sob forma de sonho. 
CARTADA MÃE 
"Gabrielle gostaria de ver o senhor novamente; há 
algum tempo ela tem perguntado se o senhor poderia vê-la, 
e eu adiei bastante em levar isso ao seu conhecimento. 
"Sob certos aspectos, ela parece estar bem - come-
çou a freqüentar uma escola maternal durante duas horas e 
meia por dia, o que adora. Ela brinca ao lado, ao invés de 
com, as crianças, e isso a satisfaz. No entanto, ela tem mui-
tas ansiedades, e nós temos a impressão de que sempre tem 
dificuldades em usar todo o seu eu, e que uma parte parece 
permanecer presa e congelada. 
"Dar-lhe-ei uma descrição do que ocorreu no dia em 
que pediu urgentemente para vê-lo, caso isso esclareça 
alguma coisa. 
"Na noite anterior, pediu-me para mamar no meu 
seio. Ela o tinha pedido várias vezes, e eu protelava, mas 
dessa vez permiti que ela o fizesse. Sugava com grande 
prazer, em todas as posições e modos, com ansiedades 
ocasionais de estar mordendo-me. 
"Na noite seguinte, teve um sonho muito ruim, que 
a fez deixar o quarto, e foi encontrada soluçando debaixo 
de um tapete, num canapé, na manhã seguinte. Perguntou 
se as bruxas tinham seios. Ela disse que ela era tão travessa 
que seria uma ladra, quando crescesse, e Susan seria a 
chefe dos ladrões. 
"Na manhã seguinte, perguntou-me se eu tinha um 
pipi grande. Falou que ela achava que sim. Eu disse que eu 
era mulher como ela seria. "Eu acho que a senhora usa 
saias e blusas" (falou com dúvida); Perguntei de onde ela 
achava que eu tinha conseguido meu pipi grande. "O 
The Piggle 
Décima Consulta 
papai". "E o papai?" - "Dos alunos dele"*.- "Eu posso 
ver o Sr. Winnicott?" -Mais tarde: "É Doutor Winnicott? 
Ele melhora as pessoas?" - "Ele não faz você melhorar?" 
- "Não, ele só me escuta. Ele não me faz melhorar". 
"Quando nós viajamos recentemente, ela domúa num 
quarto ao lado do nosso, interligado por uma porta. Isso foi 
muito excitante para ela, e causou bastante problema". 
CARTADA MÃE 
"Meus agradecimentos pelo horário marcado para 
Gabrielle. Ultimamente ela tem ido a Londres muitas 
vezes para vê-lo, e é com dificuldade que a persuadimos de 
que não pode vê-lo exatamente no momento em que 
desejar. 
"Vista externamente, ela dá a impressão de estar bem 
sob muitos aspectos, porém mostra-se deprimida· com fre-
qüência. "Não, eu não estou cansada, só triste". Quando 
a pressionamos, diz que é por causa da mamãe preta, mas 
não fala nada além disso. 
"Ultimamente tem havido conversas e especulações 
constantes sobre bebês". 
121 
*O original, "From his studentes" , é uma construção ambígua, que poderia 
também ser traduzida por "Das alunas dele". (N. T.) 
D:gCIMA-PRIMEIRA CONSULTA 
( 16 de junho de 1965) 
Gabrielle (agora c.om três anos e nove meses) foi tra-
zida pelo pai. Entrou na sala num estado que poderia ser cha-
mado deleite tímido. Dirigiu-se imediatamente para os brin-
quedos, como costumava fazer; conversava todo o tempo 
com uma voz acentuadamente adenoidal, começando por: 
"A ota noite eu acordei e tive um sonho com um trenzinho. 
Eu chamei Susan no quarto do lado. Parece que Susan 
entende. Foi aniversário dela, e ela agora tem dois anos". 
Continuou brincando com os trenzinhos, dizendo: "Agora 
nós precisamos de um vagão porque os trens não andam 
sem vagões. Susan entende melhor" (sugerindo "melhor do 
que D.W.W."). 
Gabriel/e: Ela não sabe falar. 
Eu: Seria melhor se eu não falasse? 
Gabriel/e: Se o senhor ouvisse, isso seria o melhor [ela 
estava dando andamento ao processo de unir 
as partes do trem]. 
Eu: É para eu falar ou ouvir? 
Gabriel/e: Ouvir! Às vezes Susan e eu ficamos caladas feito 
uma porta. Essa locomotiva não encaixa nes-
se .. . [um dos ganchos não queria entrar no 
aro.] Eu estou fazendo isso aqui ficar muito 
. comprido. Nós vimos uns trens que não tinham 
isso atrás. 
A mão de Gabrielle acariciava a locomotiva que colo- . 
cara na parte de trás do trem que estava montando. Ela 
estava com uma respiração ruidosa, devido talvez à ade-
nóide e à necessidade de respiração pela boca. 
Compare com 
a timidez 
inicial 
124 
Naquele momento, ela queria que eu a ajudasse com 
um gancho problemático; consegui alargar o aro com minha 
tesourinha. Enquanto eu estava de costas para ela, ela disse: 
"Dr. Winnicott, o senhor tem um paletó azul e o cabelo 
azul." Virei-me e vi que ela olhava o mundo através do co-
pinho Optrex de vidro azul, aquele que fora altamente sigrú· 
ficativo na última vez que viera (de fato, agora havia dois 
deles). Agora ela voltara ao brinquedo com o trenzinho, 
colocando de lado pedaços de trens que não podiam ser 
engatados em decorrência de defeitos. Ela sussurrava 
"sopra trem"; "olha o que que tava aqui"; "sim, é gozado!' 
- e colocou o outro copinho Optrex azul sobre um dos 
vagões. Tinha ela, então, quatro conjuntos de trens; colocou 
esses copinhos nos olhos novamente e cantou: "Dois bal· 
dinhos colocados na parede./Dois baldinhos pendurados na 
parede." Mostrava-se bem descontraída, terminando a 
canção com um chiado: "Dez gatinhos pequenos foram ... " 
Ela uniu pedaços de trem para fazer um trem princi-
pal, sussurrando e conversando consigo mesma, aglutinando 
as palavras e, às vezes, entoando canções infantis. 
Gabriel/e: Sally gira ao redor do cano da chaminé, num 
sábado à tarde. Olha esse trem comprido agora. 
Eu: O que você está me dizendo sobre este trem? 
[lembrando-me do meu papel de ouvinte.] 
Gabriel/e: É comprido feito uma cobra [ela disse isso várias 
vezes.] 
Eu: É como uma coisa grande do papai? 
Gabriel/e: Não, uma cobra. As cobras são venenosas se 
elas picam. Se a gente não sugar o sangue, o 
homem morre. Ela pode me picar. Sim, se eu 
mexer. Se eu não mexer, ela não memorde. 
Eu devo tomar cuidado então [pausa]. Esse trem 
é muito comprido [procurando mais vagões). 
Soprador sopra - bufa-bufa-bufa-soprador so· 
prador soprador [cantando] sopra bufa. 
Gabrielle cantou até o final a música "Sally ligue a 
chaleira" - alterando o último verso para alguma coisa 
relacionadà com "Susan tire-a outra vez". 
Gabriel/e: Susan não sabe falar "Sumiu", então ela fala 
The Piggle 
Sugerindo a 
transferência 
de seus senti· 
mentos com 
relação ao copo 
Optrex para mim 
como um todo. 
Identificação 
com o analista 
Aqui é um 
vislumbre de 
[e/ação e 
sadismo oral 
(v. abaixo) 
aparecendo de 
forma projetada 
Décima-Primeira Consulta 
"Miu". Ela é boba. 
Eu: Você também já teve dois anos e agora você 
tem quatro. 
Gabrie/le: Não, três e três quartos. Eu sou muito grande; 
eu não tenho quatro anos ainda. 
Eu: Você quer ter quatro anos? 
Gabrielle: Sim. Ah! Ah! 
Apanhou o objeto circular quebrado e brincou com 
ele, cantando. 
Gabrielle: Bata-o-bolo, bata-o-bolo, seu padeiro, 
Bata o bolo para mim muito ligeiro. 
Eu: Para que tamanha pressa? 
Gabrielle: Bem, ele tem que ficar pronto antes da meia-
noite, quando todo mundo estiver deitado. 
Puxa ele e bata ele e faz ele com b. Põe no for-
no para Susan e pra mim [ela repetia isso, 
substituindo "mamãe" por "Susan"]. 
Eu: Talvez as panquecas são os seios da mamãe? 
Gabrielle: Sim [disse-o sem convicção - talvez seria me-
lhor eu ter dito "mamás"]. Vai soltar? [ela 
estava tentando colocar alguma coisa na parte 
fmal do trem]. Não quer pregar. 
Gabrielle, então, contou de um até "dezonze", tendo 
pulado alguns números. Houve um clímax no número oito, 
relacionado com o comprimento do trem. "Quanto que vai 
ser se eu colocar mais um, nove? Não, ver ser quatro" 
(isso parecia um disparate). "Ei, eu não posso entrar aqui". 
Então esticou o braço além de mim para apanhar o animal 
macio (veadinho), cujo interior ela praticamente esvaziara 
na última sessão. Pegou esse animal, agora colocado do ou-
tro lado dos brinquedos, e sistematicamente esvaziou mais 
uma boa porção do enchimento, fazendo uma confusão 
razoavel. Verbalizou isso até certo ponto, falando sobre 
apanhar coisas do interior dos cachorrinhos e fazer uma 
confusão no chão. 
Gabrie/le: Vou fazer um pouco mais. Vou abrir o edre-
dão. Ela vai ter que fazer um pouco mais. 
Cheira gostoso. Um cheiro gostoso de perfume. 
125 
Como se ela 
registrasse 
o número de 
sessões até 
agora 
126 
Por que o que tem do lado de dentro cheira 
bom? Bem, o senhor vê aqui, é de um monte de 
feno . [apanhando serragem com um dos copi-
nhos]. Hoje é aniversário do menino do vizinho. 
Gabrielle falou que ele se chamava Bernard, e tam-
bém sobre um outro chamado Gregory, etc. A essa altura,. 
havia uma grande confusão de serragem (ou feno seco, ou 
seja lá o que for). 
Gabriel/e: Agora tem bagunça em todo lugar. [Copinho de 
vidro no olho:] O senhor consegue me ver? 
Algum objeto caiu no chão. 
Gabriel/e: Foi bum no chão e fez um tremor na sala. 
Para acordar os trens pra eles andarem outra 
vez. Nós fomos num trem. Londres é tão longe. 
Eu: O que você está me dizendo através do trem é 
que suas partes formam Piggle, três e três quar-
tos; e também é a coisa comprida do papai. 
Era um trem muito longo agora (ela tinha unido os 
carros e os vagões). Manejando o trem, ela fez com que 
ele voltasse um pouco e disse: "Nosso trem andou para 
trás (isto é, os trens nos quais ela e o pai vêm. Ela fizera 
uma curva aberta com o trem). Esse carro precisa de bar-
bante". · 
Nós o arrumamos, para que ela pudesse puxar o tren-
zinho. Mencionou a idéia de amarrá-lo, e fez gracejos com 
a palavra abocanhador, talvez porque eu estivesse usando 
a tesoura para cortar um pedaço daquela massa embaraçada 
de barbante para ela. Gabrielle disse, "Um pipi grande, 
cortado fora; não" (área obscura aqui). Isso estava rela-
cionado com um sonho com trens. Pedi-lhe que falasse mais 
sobre o sonho. 
Gabriel/e: Puxando um trem comprido; oh, ele sai, faz ele 
tentar acertar alguma coisa, oh Deus. Agora 
começa tudo outra vez. 
Ela ajuntou todo o trem deliberadamente, dessa for-
The Piggle 
Décima-Primeira Consulta 
ma desmontando-o e fazendo uma confusão, longe dela 
e na minha direção. No sonho, tudo se recomeça. 
Gabrielle: Um dia tinha uma bruxa, uma bruxa do mar, 
uma bruxa mulher, não uma bruxa homem 
[jogo de palavras]; horrível abraçadora-de-
bebês. Eu não consigo achar o buraquinho 
para isso passar dentro dele . As mulheres 
têm dois buracos, uma para xixi e outro 
para bebês [nesse instante, ela pôs um trem 
numa carroça, como se por representação]. 
Pipi do papai dentro de um buraco de mo-
ça; olha, saiu [referindo-se à chaminé do 
trem]. 
Então Gabrielle falou-me de umas crianças que colo-
cam pedras na estrada de ferro . Um homem deu uma 
batida terrível. Os meninos eram levados. Eles gostavam 
de fazer isso. Eles estavam com raiva do pipi do papai? 
Gabrielle: Sim. Eram os homens que estavam tentando 
trabalhar na estrada de ferro, não era o maqui-
nista. 
Ela estava manuseando o volante do trator, dizendo: 
"Eu vou sentar no banco do trator" (e ela o fez, embora 
o assento do trator tenha apenas uns dez centímetros d.e 
comprimento): "Eu estou dirigindo ele" (o trator estava 
debaixo dela e próximo do seu "buraco de moça"). Ela 
fez com que o trator andasse até o D.W.W. "Eu não consigo 
levantar. Eu levantei ele" . Nesse momento, ela fez um jogo 
muito rápido, primeiramente colocando o trator acima da 
posição do meu pênis, e depois subindo rapidamente para o 
peito (eu sabia que ela vira o seio da mãe recentemente e 
tivera grande reação). Ela estava fazendo jogos de palavras 
todo o tempo. 
Gabrielle: Tomam, tombam, tamborilam, gotas de chuva, 
eu ouço o trovão, eu ouço o trovão*. Gotas 
127 
* No original "Tipple, topple, pitter, patter, raindrops, I hear thunder, I hear 
thunder". (N. T.) 
128 
de chuva tamborilam. Aqui está um homem de 
óculos [eu estava com óculos, bem como o 
homenzinho de brinquedo]. Ele vai dirigir o 
trator. Esse homem é engraçado. 
Falei que ela estava rindo de mim por ser um homem 
com um pipi ao invés de seios. Ela dobrou a figura do ho-
mem para trás e empurrou ·o dedo no lugar onde deveria 
estar o seu pênis, com o homem totalmente sob seu poder, 
dizendo: "Desenhe na lâmpada elétrica! " 1 • Desenhei o 
rosto de um homem como antes - ela disse alguma coisa 
que incluía "um pipi grande, como um seio". 
Gabriel/e: O que é isso? O que é isso? 
Eu: Você está com raiva do pipi do homem; ele 
não devia ter isso. 
Gabriel/e: O homem é um grande ladrão; ele é terrível. 
Eu disse que ela estava falando sobre o homem usar 
seu pipi de um modo terrível para fazer bebês (lembrando-
me do esvaziamento do cachorrinho). 
Nesse instante, iniciou deliberadamente um novo 
brinquedo, colocando uma longa ma de casas num ângulo 
com outra ma, para que houvesse um quintal (estava na 
hora, mas ela não estava pronta para ir ainda). 
Eu: O que eu ouvi hoje? 
Gabriel/e: Um dos vizinhos fala, "Você me fala que eu 
lhe falo." 
Repetiu isso várias vezes porque se divertia. Ignorou 
meu pedido para que ela se fosse, porque ela não tinha 
terminado. Fez uma procura deliberada dos animais peque-
nos e, ao encontrá-los, colocou-os no meio do quintal. 
Fiz aí minha interpretação principal, e pareceu-me 
ser o que ela desejava. 
Eu: O homem é um ladrão. Ele rouba os seios da 
mãe. Ele, então, usa o seio roubado como uma 
coisa comprida (como o trem), um pipi, que ele 
1 V. Décima Consulta. 
The Piggle 
Controle de 
um homem: de-
fesa contra a 
ansiedade com 
relação à 
função sexual 
masculina sádi· 
ca e cindida 
Inveja do 
pênis 
Um piada boa 
Trabalho prin-
cipal da sessão 
Décima-Primeira Consulta 
coloca no buraco de bebê da moça, e lá dentro 
ele planta bebês [animais no brinquedo]. Assim, 
ele não se sente tão mal em ser um ladrão.2 
Ela estava então pronta para ir e foi buscar o pai. 
Gabrielle: É melhor nós irmosagora, porque nosso trem 
vai estar nos esperando para ir, e é melhor nós 
corrermos. 
E não se convenceu, quando o pai tentou explicar que não 
havia pressa, porque eles teriam que esperar de qualquer 
forma. Piggle mostrava-se muito feliz, quando saiu com o 
pai, e não precisou de dar adeus mais do que normalmente. 
COMENTÁRIOS 
1. D.W.W. para ouvir. Inclui controle sobre D.W.W. 
2. Controle da função sexual masculina cindida 
medo do pênis , incluindo: 
3. Inveja do pênis mostrada claramente. 
4. Interpretação do homem e de sua função sexual 
masculina, incluindo fantasia sexual, isto é, fun da função 
sexual cindida. 
5. Incluindo a reparação do homem com relação ao 
sentimento de culpa decorrente da agressividade (v. sessões 
anteriores e sua própria posição depressiva). 
CARTA DA MÃE 10 de julho de 1965 
"Gabrielle pediu para vê-lo novamente. Voltou subita· 
mente à tristeza e ao tédio depois de se mostrar notadamente 
tão bem. 
"Uma das coisas que achei merecedora de preocupação 
é a ferocidade com que ela se bate, quando a repreendo, 
por exemplo, por fazer barulho e acordar a irmã. Ela fica 
excessivamente "boa" e depois tem desejos súbitos de fazer 
o mal a qualquer preço. É muito difícil enfrentar sua irmã, 
2 V. trabalho de Melanie Klein sobre a reparação e a potência masculina. 
129 
130 
cujo choro é tão cheio de cólera e reprovação desalentada, 
que Gabrielle fica imóvel com as mãos nos ouvidos depois 
de se defender, e sempre desiste . Elas se dão excessivamente 
bem e dividem espontaneamente entre si qualquer pilhagem, 
como chocolate ou biscoito. 
"Há um outro assunto do qual gostaria de tratar com 
o senhor; são suas idéias sobre ser uma menina. Ela pergun-
tou onde é o buraco por onde o bebê entra, e então pergun-
tou se eu também queria ser um menino; ela deseja bastante 
ser menino, mas não explicou por quê. Diz que na escola 
ela não gosta "dos meninos". Não sei se isso seria relevante; 
nós perdemos a chave do banheiro; dessa forma, quando o 
pai está no banho, Gabrielle e Susan amontoam-se no banho 
e ficam um pouco excitadas." 
CARTA MINHA PARA OS PAIS 12 de julho de 1965 
"Devo perdir-lhe para dizer à Gabrielle que não posso 
vê-la no momento. Será necessário esperar até setembro3 . 
"Não me desespero em absoluto pelo rumO que as 
coisas estão tomando. As crianças têm realmente que lidar 
com seus problemas em casa, e não me surpreenderia se 
Gabrielle achasse um caminho dentro da fase atual. Natural-
mente ela pensa em vir ver-me porque já o fez em muitas 
ocasiões, e eu certamente a verei novamente, embora não 
o faça no momento". 
CARTA DA MÃE 13 de julho de 1965 
"Eu estava apenas transmitindo o pedido de Gabrielle 
e não dando a minha opinião sobre a necessidade de ela 
vê-lo. Isso eu acho quase impossível de avaliar, uma vez que 
eu estou muito envolvida. 
"Gabrielle está deprimida e chorosa, mas tenho certeza 
de que ela é bem capaz de enfrentar isso e outras coisas a 
curto prazo. A úrúca coisa realmente importante e difícil 
de avaliar é se a longo prazo uma parte suficiente do seu eu 
estará disponível para que ela faça um uso criativo da mesma. 
The Piggle 
3 O verão de 1965 foi um período que exigiu demais de mim e que incluiu uma 
temporada de doença. 
Décima-Primeira Consulta 
Ela parece-me artificial às vezes, diferente dela mesma, 
como se não houvesse investido todo o seu eu no que faz 
e diz. Mas talvez não seja este o momento de falar-lhe sobre 
essas preocupações a longo prazo. 
"O recado em anexo, de Gabrielle, é exatamente 
conforme as instruções dela". 
RECADO DE GABRIELLE (DITADO) 
"Querido Sr. Winnicott, Querido Sr. Winnicott, Que-
rido Sr. Winnicott, eu espero que o senhor esteja bem 
(não sei escrever)". 
CARTA DA MÃE (DOIS MESES MAIS TARDE) 
"Gabrielle parece bem adaptada agora, embora eu 
não saiba em que base. Ela tornou-se uma menininha muito 
ordeira, e que exerce muito controle, com muitas conside-
rações prudentes antes de entrar em algum curso de ação. 
"Ela adora a escola maternal - onde fica duas horas 
e meia por dia - e anseia por um amigo, mas acha muito 
difícil fazer amizades e, geralmente , brinca sozinha, embora 
brinque de forma criativa. Ela parece um pouco dependente 
da companhla da irmã e é muito íntima dela. 
"Ela tem agora uma visão muito mais benevolente da 
mãe do que anteriormente. 
"Como sempre , surpreendem-me o seu insight com 
relação às pessoas e às situações (incluindo a minha própria 
pessoa) e a sua capacidade de formular suas percepções. 
"Quando o nome do senhor é mencionado, suas 
feições se endurecem e ela muda de assunto. Essa foi tam-
bém sua reação, quando lhe disse que o senhor telefonou 
para informar-se dela (mas, via de regra, não menciono 
nossas conversas por telefone). Alguns rrúnutos depois 
disso , disse-me 1 razão pela qual ela pensava que a "Wattie" 
- nossa muito estimada ex-faxineira - foi embora ; é por-
que a Wattie parou de gostar de Gabrielle. Diz também que 
as crianças da escola não gostam dela. · 
"Ela passou por um período muito difícil no final de 
julho e início de agosto; parecia muito deprimida e ficava . 
131 
132 
acordada metade da noite . A princípio, ela não conseguia 
acreditar que não poderia vê-lo. Ela tinha um sonho recorren-
te, em que sua mãe e o pai foram cortados em pequenos pe-
daços e fervidos em algum recipiente; sempre que fechava os 
olhos, a imagem voltava, o que a levava a tentar ficar acordada. 
"A conversa seguinte eu anotei no dia 7 de agosto, de-
pois que isso já vinha acontecendo há certo tempo: "O sonho 
voltou, o dos pedaços". "Vocês não pode tentar ajuntá-los, 
melliorá-los?" "Não, não posso . Eles são muito pequenos, 
em lascas, e eu machuco com a água fervendo. Tão pequenos 
como essas coisinhas que machucam a boca. Eu tenho de ir 
ao Sr. Winnicott. Dr. Winnicott. Ele desadoece as pessoas 
doentes? Eu acho que ele não gosta de ninguém o mesmo 
tanto que ele gosta de mim. Ele tem muitas coisas delicadas 
lá. Eu não ia poder lévar Susan, ela ia quebrar elas". 
"No dia seguinte, ela mencionou haver tentado unir 
os pedaços, mas alguém sempre os separa. Eu não sei qual 
será o destino fmal dessa fantasia; parece que esta só se 
apaziguou. 
"Alguns dias mais tarde, ela anunciou: "Eu receio não 
ter sido uma menina tão boa como eu sou. Eu sou uma me-
nina arrumada; eu arrumo as coisas" (o que de certa forma 
é uma benção numa fam11ia tão desorganizada). Eu sinto 
que faço parte do cenário só no nível mais superficial." 
CARTA DA MÃE (TRÊS SEMANAS MAIS TARDE) 
"Gabrielle pediu para vê-lo várias vezes. Não consigo 
imaginar o grau de urgência. 
"Anteriormente ela pedira que lhe dissesse que estava 
com raiva do senhor e que não lhe pedisse para vê-la. Quan-
do lhe falei para ela mesma fazê-lo ou para ditar uma carta, 
ela disse que era muito tímida. 
"Ela está muito destruidora nos últimos tempos; 
insistentemente deseja achar coisas "levadas" para fazer, 
e o anuncia com orgulho. Geralmente é sob a forma de 
rasgar ou cortar coisas, ou fazer uma confusão com elas. 
Isso é novidade como um todo. Ela está menos ansiosa 
com relação às coisas, quero dizer, menos obviamente 
ansiosa. Ela passa muito tempo chupando o polegar e 
torcendo o cabelo; então, deve estar com algum problema". 
The Piggle 
D:gCIMA-SEGUNDA CONSULTA 
(8 de outubro de 1965) 
Encontrava-me à porta, quando o pai e a criança 
(agora com quatro anos e um mês) chegaram de táxi. O 
pai dirigiu-se logo para a sala de espera, e eu disse: "Olá 
Gabrielle". Ela fixou os olhos em mim e entrou diretamente 
no cômodo onde os brinquedos estavam, empilhados debai-
xo da estante, como de costume. Ela estava com uma 
bolsa de couro bem pesada, pendurada, pela alça, no om-
bro. Depois de olhar-me suficientemente, assentou-se no 
chão e disse: "Bem, vamos ver os brinquedos". Então 
apanhou o carneirinho. 
Gabriel/e: Nós temos um desse lá em casa. Desculpa que 
nós chegamos tão tarde, mas o trem parou e 
parou, e parou, e depois a parte de trás do tremincendiou, mas felizmente ninguém ficou ferido 
(linguagem bem de adulto!]. E então o trem 
parou muito muito tempo. Os trens devem 
andar rápido e não parar, mas o trem parou 
mesmo. 
Enquanto ela falava isso, unia um trenzinho; depois 
ela estava brincando e conversando consigo própria num 
sussurro ... Fez uma espécie de amontoado de trens curtos, 
incluindo uma carroça com cavalo e um trator. Ela estava 
um pouco intrigada, porque alguns dos vagões não tinham 
conexão, e ouvi isso repetindo-se no seu sussurro ... De 
alguma forma ela os arrumava ou abandonava .. 
Dessa vez, eu estava assentado na cadeira pela primei-
ra vez, não no chão, fazendo anotações como de costume. 
Foi surpreendente o modo com que ela, como sempre, teve 
134 
confiança imediata em mim e na situação . Ela era como 
uma representação da "capacidade de estar sozinha na 
presença de alguém" , assentada no chão, brincando, mur-
murando, e obviamente consciente de minha presença. 
Observei que, por acaso, ela encostou o corpo na 
minha perna, quando se abaixou para apanhar os brinque-
dos novos. Isso não foi absolutamente exagerado, não 
havendo qualquer retraimento, quando isso aconteceu. 
Ela é assim com o pai. Às vezes, ela quase se assentava no 
meu sapato, conversando um pouco alto consigo mesma 
e produzindo alguns ruídos de trem. Depois de quinze 
minutos ela disse : "Ufa!" Isso queria dizer que estava bem 
quente. Por acaso, colocou a cabeça contra o meu joelho, 
bem naturalmente e sem exagero. Continuei sem dizer nada. 
Sua bolsa continuava atirada sobre o ombro. Ela sempre 
apoiava uma mão na bolsa, quando ia levantar-se. 
Formou um quadrado com quatro casas compridas 
e pôs uma outra no centro. Eu sabia que isso significava 
algo importante, relacionado com sua capacidade de ser um 
recipiente, e, mentalmente, associei isso com o fato de ela 
agora carregar uma bolsa. A essa altura, tirou a bolsa e 
depois o cardigã; durante todo esse tempo, havia possibi-
lidade de ela roçar o meu joelho, uma vez que eu estava 
assentado na cadeira. Falou que estava fazendo calor, o 
que era um fato. Depois, ela brincou com os pedaços de 
uma piorra. Nesse momento, houve o primeiro sinal de uma 
leve ansiedade, embora, de fato, a ansiedade não fosse evi-
dente durante toda a consulta. A ansiedade manifestou-s~ 
quando ela olhou para mim, enquanto eu escrevia. O peda-
ço de uma piorra é um dos vários brinquedos daquele 
amontoado que teve um papel tão importante no passado. 
Tirou, separadamente, objetos de outra cesta, pedacinho 
por pedacinho, enquanto conversava consigo mesma, 
usando os lábios, mas não audivelmente, exceto no caso de 
algumas palavras como "brinquedos". Então virou-se e 
sorriu ; eu sabia que algo especial estava acontecendo. 
De fato, tinha ela encontrado a velha lâmpada elétrica pe· 
quena que teve um grande papel em sessões anteriores. 
Gabrielle: Põe uma saia ao redor dela. 
Amarrei um papel ao redor da lâmpada, que era agora 
The Piggle 
Décima.Segunda Consulta 
uma senhora, e ela colocou-a na estante, à nossa frente. 
Eu: É a mamãe? 
Gabrielle: Não. 
É característica desta criança que "sim" e "não" 
têm sentido exato nas sessões. 
Eu: É nisso que um dia Gabrielle quer se transfor-
mar quando crescer? 
Gabrielle: Sim. 
Houve um pouco mais de contacto comigo, e, pelo 
que estava acontecendo, pude detectar ansiedade. Vi que 
ela estava esfregando um carrinho com o dedo. Eu sabia 
que ela se referia à masturbação, e continuei sem dizer 
nada. 
Gabrielle: Esse carro é um carro bobo. Ele vai pra esse 
lado e pro outro e ele não devia fazer isso. 
E ela rolava o carrinho de um lado para o outro nas suas 
mãos. Depois, pegou um figura pequenininha que usava 
como mulher. 
Gabrielle: Essa senhora tá sempre deitada. Ela deita outra 
vez e outra vez e outra vez. 
Eu: Esta é a mamãe? 
Gabriel/e: Sim. 
Tentei obter maiores informações, sem lograr êxito. 
Continuou brincando e disse: "Agora o que que nós temos 
aqui?" Ela estava conversando consigo mesma: "Por favor, 
eu posso ficar com isso ... e isso ... e isso?" E, então, 
falou com alguns dos animais: "Você levante-se." Introdu-
ziu a palavra "preto" com relação a um dos animais. "Pre-
to é nada. O que é isso?" 
Eu me interesso muito pelo uso que Gabrielle faz da 
idéia de "preto", e aqui havia uma nova versão desse tema. 
Eu: Preto é aquilo que você não vê? 
135 
136 
Gabriel/e: Eu não consigo ver o senhor, porque o senhor 
é preto. 
Eu: Você quer dizer, então, que eu sou preto 
quando eu estou longe e você não consegue 
me ver? Então, você pede para vir ver-me e 
você olha bem para mim e · eu fico claro ou 
qualquer outra coisa que não seja preto? 
Gabriel/e: Quando eu vou embora e olho para o senhor, 
o senhor fica todo preto, né, Dr. Winnicott? 
Eu: Então, depois de certo tempo você tem que me 
ver para me fazer ficar branco outra vez. 
Parece que ela já tinha lidado com essa idéia, e conti-
nuou com um brinquedo minucioso. Ela estava tentando 
fazer uma figurinha ficar de pé num vagão, uma tarefa 
impossível, e, ao fazê-lo, bateu com a cabeça contra o meu 
joelho. Não entendi plenamente o que estava ocorrendo. 
Eu: Se tem um intervalo grande, então você começa 
a ter preocupações com esta coisa preta que 
sou eu que fiquei preto, e, então, você. não sabe 
o que é a coisa preta. 
Aqui estava referindo-me à mamãe preta e aos objetos 
pretos dos seus estados de ansiedade. 
Gabriel/e: Sim [de modo razoavelmente convicente ]. 
Eu: Então, quando você veio, você olhou bem para 
mim para me fazer ficar branco outra vez. 
Gabriel/e: Sim. 
Em seguida, passou para o assunto da bolsa, que esta-
va no chão, onde se assentava. 
Gabriel/e: Eu tenho uma chave na minha bolsa. Está den-
tro daqui. Espero que esteja lá dentro [e ela 
apalpava a bolsa para localizá-la]. Ela destranca 
a porta. Eu tranco ela pro senhor, se o senhor 
quiser sair. O senhor não tem chave aqui, né? 
Ela demorou-se muito para apertar o fecho da bolsa, mur-
murando: "Não consigo; sim, eu consigo". Continuou 
The Piggle 
Aqui preto é 
em parte uma 
defesa, i e., é 
o não ver-me 
quando estou 
ausente, ao invés 
de lembrar-se de 
de mim, na 
minha ausência 
Décima-Segunda Consulta 
apertando-o e exagerando nos movimentos ne.cessários. Ao 
conseguir terminar de fechar a bolsa, deu um suspiro, 
indicando que tinha trabalhado muito (trabalhando contra 
o conflito) . 
Voltou para os brinquedos, contemplando uma cesta 
pequena. Continuei sem dizer nada, além do relatado. Ela 
pegou o cachorro ( carneirinho) e apertou sua barriga. 
Lembrei-me do que ela fizera nas duas ou três sessões 
anteriores, o que culminara na terrível bagunça da última 
sessão. Tinha ela enfiado o dedo na barriga do outro anin1al 
e esvaziado o conteúdo pelo chão. Ela, naturalmente, lem-
brou-se da mesma coisa e disse: "Sr. Winnicott, onde está 
aquele cachorro?" Apontei para um envelope grande que, 
de fato , guardava o cachorro vazio. Ela disse: "ah!" 
Ela estava novamente manuseando o carro e colocan-
do-o no nariz e na boca. Pegou um lápis, que, por acaso, 
era um cray on vermelho, e bateu na própria barriga com 
ele ; e, então, usou-o para colorir a saia da senhora da lâm-
pada, e colocou um chapéu na lâmpada (o copinho da loção 
Optrex). Batia na cabeça da lâmpada com o lápis, prova-
velmente tentando colori-la. Em seguida, tirou a saia da 
lâmpada, a qual, ela disse, representava-a como uma senhora 
adulta , e começou a riscar a parte de baixo com o lápis. 
Depois recolocou a saia. Havia agora uma cor vermelha na 
saia. Em seguida, apoiou uma figura pequena contra uma 
casa grande . 
Eu: O que é isso? 
Gabrielle: Ele está disparando para dentro da igreja*[ então 
ela expressou o que estava em sua mente todo 
o tempo]. O que que acontece com o cachorro 
no saco? Onde que ele está lá dentro? 
Eu: Olhe se você quiser. 
Gabrielle: Tá bem. 
Exalllinou-o com a máxima cautela, demorando bas-
tante , e, mesmo no final , não o tirou do envelope. Final-
mente , torceu-o e colocou-ode volta no seu lugar debaixo 
da estante, dizendo : "O nariz dele soltou ; ele perdeu o 
nariz; um cachorro num saco". 
*Construção amb ígua também no original. (N . T.) 
137 
Pré-visão 
da puberdade 
138 
Eu: Na última vez, você tirou toda a parte de dentro 
e deixou espalhar pelo chão todo. 
Gabrielle: Sim. 
Comecei a tentar interpretações: "É um seio se eu sou 
a mamãe, ou um pipi se eu sou o papai". Ela disse, bem 
categoricamente: "Não, é uma coisa pipi" (o "não" queria 
dizer que não era um seio). 
Eu: Você queria fazer um bebê a partir desta con-
fusão. 
Gabrielle: Sim. 
Eu: Mas você não sabe como, exatamente. 
Gabrielle: Não. 
Nesse ponto, ela estava brincando com um trenzinho, e 
começou a mostrar certa ansiedade, embora não fosse de 
modo evidente. 
Gabrielle: 
Eu: 
Agora nós vamos no trem logo. Nós deixamos 
Susan em casa. Susan pode ficar com muita 
raiva porque nós ficamos tanto tempo fora. 
Então você começou a ficar com um pouco de 
medo, ao pensar que o papai era só seu no trem, 
principalmente quando você pensa no que você 
deseja fazer com ele; porque você quer fazer com 
o papai o mesmo que você estava me mostrando 
quando você tirou o enchimento do cachorro. 
Quando você gosta de mim, você fica com 
vontade de comer meu pipi [isso se manifestou 
primeiro no medo da cobra que picava, v. acima]. 
Ela falou com um dos carros que estava manuseando : 
"Não segura na minha saia!" E, então, começou a vestir o 
cardigã, uma manobra que levou um tempo considerável. 
Eu: De fato, você estava com um pouco de medo, 
justamente quando você pensou em comer o 
que tem dentro do pipi. 
Gabrielle: Sim. Ufa! [através dessa exclamação ela queria 
de fato dizer : "Está fazendo um calor, né? E 
eu estou tão cansada!"]. 
The Piggle 
Décima-Segunda Consulta 
. Eu: Você precisa de ajuda? 
Gabriel/e: Não. 
Fiz então um bom número de interpretações. 
Eu: Você ficou com um pouco de medo de pensar 
no Winnicott preto, que estava lá, mas não po-
dia ser visto; ou, de fato , ele não estava lá, 
e você ficou com raiva dele por não estar lá. 
Você estava com medo também por causa do 
nariz do cachorro que soltou, porque isto era 
morder e arrancar meu pipi. Você estava com 
raiva de mim, por eu não ser sempre seu. 
Você ficou com medo de pensar que, quando 
você gosta de mim, você arranca o enchimento 
do meu pipi. 
Gabrielle: Sim. 
Eu: Se for o seio da mãe, você tira o que tem lá 
dentro para engordar e crescer; mas, quando 
é um pipi, você quer realmente ficar com o 
recheio para transformar em bebês. 
Gabriel/e: Oh! Sim. 
Eu: A chave na sua bolsa é como ter um lugar lá 
dentro para você guardar o que você tirar de 
mim, um pipi que é seu para sempre, alguma 
coisa que possa virar um bebê. 
Todo o tempo, ela prosseguia com a manobra com o 
cardigã. Já tinham transcorrido quarenta e cinco minutos, 
e ela falou alguma coisa sobre tudo estar terminado agora. 
Já vestira o cardigã. Estava cansada. Levantou-se, com a 
mão na bolsa. Abriu a bolsa, pegou a chave e raspou o fecho 
com ela. 
Eu: Se você fosse um homem, você empurraria seu 
pipi para dentro do buraco que a saia cobre. 
Gabriel/e: O senhor sabe que eu vou beber suco de laranja 
no trem? Papai falou que nós temos de lembrar 
de levar um pouquinho para Susan. 
Eu: Você ficou com medo de eu estar, realmente, 
139 
Ansiedade: 
Regressão defen-
siva atrdves de 
' idéias 
140 
só por sua conta. Quando você está sozinha 
conúgo ou com o papai, o pipi entra e faz 
bebês, então você não tem de ir até ele e esva-
ziar o enchimento dele; assim, você não se sente 
tão mal, mas então você acha que Susan vai fi. 
car com ciúme porque é tão bom. 
Gabrielle retomou o brinquedo. Durante todo esse 
tempo não houvera ansiedade evidente, apenas a ansiedade 
que o observador poderia postular com base no comporta-
mento e observações verbais. Ela brincou com dois, depois 
três, e depois quatro objetos. 
Concluí que ela estava mostrando-me que poderia 
pôr duas pessoas juntas e que ela poderia colocar-se entre 
o papai e a mamãe para uni-los ou separá-los, e que isso 
seriam três. Todavia era demais para ela encaixar também 
Susan - um quarto elemento não se encaixava. Isso pare-
ceu-me correto. 
Gabriel/e: Sr. Winnicott, eu vou só ao banheiro. Eu vou 
voltar num minuto. 
E ela saiu, deixando a bolsa no chão, junto aos brinquedos, 
com absoluta confiança. Fechou a porta cuidadosamente 
(a qual, quando ela vinha anteriormente, era difícil de 
fechar; a mesma tinha sido consertada, e parece que ela 
notou a mudança). Voltou dentro de três minutos, nova-
mente fechou a porta c9m cuidado, e retomou o brinquedo. 
Gabriel/e [enfiando a mão na bolsa]: Pus ela; onde eu 
pus ela? Onde pus ... ? [repetidamente]? A 
chave devia estar lá dentro, mas não está. 
Ah! Tá ali [achava-se jogada entre os brinque-
dos]. 
Então ela pegou a chave e experimentou-a na núnha porta 
(o trinco cobre o buraco da fechadura e não pode ser mo-
vimentado, porque está preso pela tinta. Tentei ajudar, 
mas não consegui). 
Eu: Você pode tentar do outro lado [lado de fora]. 
Gabriel/e: Mas eu ia ficar presa do lado de fora [piada 
The Piggle 
Décima-Segunda Consulta 
intencional). E eu queria estar do lado de den-
tro. Então, quando eu tentasse ir, eu destran-
cava ela do lado de fora ... [dando a entender: 
esta idéia simplesmente não dá certo]. Eu não 
ia poder entrar para me deixar sair. Eu só ia 
poder sair se eu me trancasse do lado de dentro. 
E logo . . . 
Eu: Logo estará na hora de ir. 
Gabrie/le: Sim. Se eu fechar pelo lado de fora, eu tranco o 
senhqr do lado de dentro. 
Eu: E eu ficarei como a chave dentro da bolsa. [Isso 
quase não precisava ser dito.] Está na hora de ir. 
Ela já estava pronta para ir, então apanhou a bolsa 
com a chave bem segura dentro, no compartimento certo. 
Mas deixou cair da bolsa um cartão postal. Chamei sua 
atenção para isso, e ela mostrou-me o cartão : "Alguns 
coelhinhos atravessando o rio; às vezes, nós fazemos isso 
quando nós saímos para passear". Saiu e fechou a porta, 
usando sua chave mágica e dizendo "adeus"; e, também, 
continuou a dizê-lo com a porta fechada, depois de buscar 
o pai, e quando os dois saíram juntos. 
COMENTÁRIOS 
Eu na cadeira - primeira vez. 
1. Tema do recipiente com objeto internalizado 
= D.W.W. seguro e preservado. 
2. Ela própria como uma moça de saia. 
3. Atividade masturbatória clitoriana fenúnina. 
4. Idéia da mulher sempre deitada (preparação para 
o tema da menstruação). 
5. Preto como negação da ausência (ato de olhar 
como negação de não ver), encobrindo a lembrança do 
objeto ausente. 
6. O fecho da bolsa. Chave na porta. Vermelho na 
saia (fluxo menstrual) . Idéia do erotismo genital fenúnino 
- vulvar, vaginal. 
7. Cautela com relação ao ataque sádico à barriga do 
veadinho (ou do cachorro). 
8. Bebê vindo do homem. Imaturidade para ser acei-
141 
142 
tável. 
9. Tema da quarta pessoa - não há lugar para a irmã 
(Susan). 
CARTADA MÃE 
"Desejava agradecer-lhe muito por ter-me enviado o 
texto datilografado da sua última sessão com Gabrielle. 
Foi uma grande gentileza sua, e eu fico satisfeita em saber 
que o senhor percebeu o quanto essa leitura me agradaria. 
"Creio que meu marido lhe falou pelo telefone que 
ela está muito mais tranqüila, desde a última entrevista 
com o senhor - chupa o polegar com menos freqüência, 
as explosões de destruição são raras, e consegue encarar 
suas fraquezas com mais humor. 
"Ocorreu-me outro dia que nós sempre escrevemos ao 
senhor sobre o que está errado com Gabrielle, e não sobre 
o que está bem e que tenha chegado nos eixos; mas na oca-
sião é o que nos parece urgente. 
"Gostaria de dizer-lhe - embora o senhor deva sabê· 
lo - o quanto me tem ajudado escrever-lhe; de algum modo 
dar forma às minhas perplexidades e receios, com o conhe-
cimento de que eles serão recebidos com grande compreen-
são, assim como a sensação de estar em contato com o 
senhor - tenho certeza, tudo isso me ajudou a suportar 
nossas ansiedadescom relação a Gabrielle e a novamente 
encontrar nosso relacionamento correto com ela. Minhas 
ansiedades eram muito intensas na época do nascimento 
de Susan - não me recordo se lhe disse que tenho um ir-
mão, do qual eu me ressenti imensámente, que nasceu 
quando eu tinha exatamente a mesma idade que Gabrielle, 
quando Susan nasceu". 
CARTA DA MÃE 
"Sua carta chegou quando me assentava para escre· 
ver-lhe. Pàrece que Gabrielle está bem; resta pouco daquele 
desolado chupar de polegares e ela tanto brinca com entu-
siasmo quanto encontra seus próprios divertimentos. 
"Há dois ou três dias atrás, ela reclamou de sonhos 
The Piggle 
Décima-Segunda Consulta 
ruins: "O Dr. Winnicott não ajuda."- E depois: "Como que 
os homens colocaram a antena da televisão depois que 
ela tinha caído?" 
"No dia seguinte, à hora do almoço: "Quanto mais 
eu vou ao Dr. Winnicott, mais sonhos ruins eu tenho". 
Eu, um pouco pomposamente: "Talvez, eles queiram di-
zer-lhe alguma coisa, e você deveria escutá-los". "Eu não 
quero". Para Susan: "Nós vamos mandar uma faca para o 
Dr. Winnicott recortar os sonhos dele." Para mim: "Por que 
Doutor Winnicott? (ela faz esta pergunta freqüentemente)-
"Porque ele é médico." Depois houve uma brincadeira com a 
palavra "docdoc" *, que é a palavra que Susan usa para 
designar chocolate. 
"Depois do almoço, ela ditou a carta em anexo. 
Mais tarde ela disse: "O Dr. Winnicott vai achar engraçado 
receber essa carta" - Eu: "É para ser engraçado ou muito 
sério?"- "Um pouco dos dois"." 
CARTA DE GABRIELLE 
"Nós vamos mandar uma faca para o senhor re-
cortar seus sonhos, e nós h vamos mandar nossos dedos 
para levantar as coisas, e nós vamos mandar para o senhor 
algumas bolas de neve para lamber quando a neve che-
gar, e nós vamos mandar para o senhor alguns lápis cra-
yon para o senhor desenhar um homem. Nós vamos man-
dar para o senhor um terno para o senhor usar quando 
o senhor for para a faculdade. 
"Lembranças às suas flores e suas árvores e seu peixe 
no aquário. 
O carinho de 
(Assinatura) Gabrielle" 
"Nós vamos ver o senhor com os melhores votos nas nos· 
sas cabeças". (Na realidade, não tenho um jardim, mas 
da janela de trás do consultório pode-se ver um pequeno 
jardim no terraço de um prédio.) · 
143 
*A palavra "doe", que é uma fonna reduzida de "doctor", é um vocativo comum 
no inglês coloquial (N. T.) 
144 
CARTADA MÃE 
"Desde a última vez que lhe escrevi - há apenas 
três ou quatro dias - Gabrielle está muito triste, deitan-
do-se no chão, sempre chupando o polegar, com os olhos 
cheios de lágrimas à menor provocação, e não dorme à 
noite. Pediu para vê-lo insistentemente. Peguntou várias 
vezes o que tinha ela mandado na carta que lhe escreveu ; 
esclareceu que tinha se esquecido . 
"No dia seguinte àquele em que lhe escreveu, ela es-
tava deitada no chão com o polegar na boca. "Cansada?" 
- "Não, triste" - "?" - "Por causa do Dr. Winnicott, 
por causa do pipi do Dr. Winnicott." - "Eu quero ver o 
Dr. Winnicott amanhã. Desta vez eu vou mesmo falar com 
ela falar qual é o problema".- "Que sorte a sua, que você 
sabe; muitas pessoas não sabem." - "Eu não sei, mas eu 
posso sempre dizer a ele." 
"Por acaso" ela deixou uma cesta de maçãs cair em 
Susan do alto da escada, e quebrou seu telefone. Depois 
ela fica muito violenta consigo mesma, pede a Susan para 
dar tapas nela, e bate em si própria com grande intensidade. 
Julgo a violência de suas auto-recriminações um pouco ame-
drontadora, embora elas .não estejam outra vez em evidên-
cia, exceto muito recentemente. 
"P. S. Ao reler esta carta, percebi que pintei um qua-
dro muito negro. O que descrevi é apenas o que veio à tona 
muito recentemente e bem de súbito, embora, ao lado de 
tudo isso, eu sinta que ela está geralmente bem, desde a 
última sessão com o senhor". 
Th e Piggle 
DÉCIMA-TERCEIRA CONSULTA 
(23 de novembro de 1965) 
Ocorreu uma entrada bem singular, caracterizada por 
timidez; Gabrielle estava agora com quatro anos e três me-
ses. Quando entrou no consultório, fechou a porta e foi di-
retamente para os brinquedos. Encontrava-me novamente 
assentado na cadeira, escrevendo na mesa. 
Gabriel/e: Sai [e tirou todos os brinquedos e colocou-os 
no chão, conversando muito consigo mesma]. 
A igreja fica ali, não é, Sr. Winnicott? [Havia 
disposições especiais de casas]. As casas peque-
nas, numa ma, e as casas grandes, numa outra 
ma. 
Referimo-nos a estes objetos agrupados como mas de crian-
ças e adultos. 
Gabrielle: Sim, esses são os adultos, e esses aqui são as 
crianças [e daí por diante]. 
Então, ela fez uma divisão proporciof)al de crianças e adultos. 
Gabrielle: O senhor sabia, quando Susan estava esperando 
o jantar, ela caiu do carrinho e cortou o lábio. 
Ela estava jantando. Seu lábio foi mordido. 
Ele foi curado. Isso não é engraçado? Curado. 
Eu: Você fica curada? 
Gabriel/e: Não. Eu tive um machucado que eu arranhei 
muito muito tempo. 
Ela demonstrava que era o oposto de Susan, ao man-
146 
ter as feridas abertas. Eu podia perceber que ela estava 
falando sobre mim, nos meus vários papéis. 
Eu: Susan não veio ver·me. 
(Eu sabia que ela sempre teve vontade de trazer Susan, mas 
era muito importante para ela não trazer Susan e me ter 
totalmente a seu dispor). Continuou brincando, · e disse: 
"Olha agora, isso soltou do trem; eu mesma sei consertar". 
E ela o fez. 
Eu: Você sabe consertar as coisas, então agora você 
não precisa de mim para consertá-las. Logo, eu 
sou o Sr. Winnicott. 
Gabriel/e: Alguns homens estavam fazendo um conserto 
no trem. O senhor sabia que não tinha lugar, 
e nós tivemos que ficar de pé e nós andamos e 
andamos e então nós achamos um lugar e nós 
sentamos num lugar onde tinha uma bolsa; 
alguém tinha deixado a bolsa lá. 
Ela estava dispondo dois vagões; às vezes, colocava pon-
ta com ponta; outras vezes, cabeça com cabeça. Em seguida, 
ela disse: "Todos os Cavalos do Rei não conseg:Jiam ... " 
Eu: Eles não conseguiram consertar Humpty 
Dumpty*. 
Gabriel/e: Não, porque ele era um ovo. 
Eu: Você acha que você não pode ser consertada 1 • 
Gabriel/e: Toda noite Susan quer um ovo, ela gosta demais 
deles; eu não gosto muito de ovo. Susan gosta 
tanto de ovo que ela não come nada a não ser 
ovo. Isso não é engraçado? 
A essa altura, encontrava-se em dificuldades com um con-
serto verdadeiro. 
Gabriel/e: Eu não tenho lugar nenhum para prender isso. 
The Piggle 
* Humpty Dumpty é uma personagem de Alice no Pafs das Maravilhas. (N. T.) 
1 Acho que isso foi falado no momento errado; eu deveria ter esperado por uma 
volução. 
Décima-Terceira Consulta 
Não tem gancho. Nós podemos achar um? 
Havia uma disposição diferente de brinquedos, com vários 
trens, vagões e casas colocados em linhas paralelas, de modo 
ordenado, mas sem uma precisão obsessiva. Gabrielle co-
mentou : "O Dr. Winnicott tem muitos brinquedos para eu 
brincar", e continuou a manusear os trenzinhos, separan-
do-os da confusão na qual se encontravam. 
Gabrielle: O gancho soltou desse aqui; ele não é um 
bobão? Eu estou consertando ele [e ela o fez, 
com muita habilidade). Eu consigo mesmo co-
locar ele de novo. 
Eu: Gabrielle também sabe consertar as coisas. 
Gabrielle: Papai sabe consertar as coisas; nós dois somos in-
teligentes. Mamãe não é inteligente de jeito 
nenhum. Na escola eu flz um trator para mim 
e então eu fiz um para Susan também. En-
quanto eu fazia ele, eu ficava cheia de cola. 
Tinha uma bagunça de cola. Era um trator 
bonito. Um para Susan, mas eu deixei ele na 
escola. Depois foi a metade do semestre, e eu 
não pude apanhar ele. Sabia, Sr. Winnicott, 
que o trem foi devagar, mas ele não parou no 
caminho todo para Londres [neve no chão 
hoje]. Depois ele andou rápido outra vez. 
Subitamente Gabrielle notou o vaso grande na estan-
te, acima de sua cabeça. 
Gabrielle: Eu gosto daquele vaso com o desenho chinês. 
E descreveu todos os pormenores dos jogos, pintados no 
vaso, com os quais as crianças brincavam. Tivemos de virá-lo 
várias vezes.Ela disse: "Uma das crianças caiu." Observou 
tudo e ficou satisfeita. 
Gabriel/e: [cantando) : Eu não vejo o senhor tem muito 
tempo, então eu estava tínúda quando eu vim 
ver o senhor, e eu não vou ver o senhor amanhã 
nem amanhã nem amanhã. 
Eu: Você fica triste com isso? 
147 
148 The Piggle 
Gabrielle: Sim. Eu gosto de ver o senhor todo dia, mas eu 
não posso, porque eu tenho que ir à escola. 
Eu devo ir à escola. 
Eu: Você vinha aqui para ser consertada, mas agora 
você vem porque gosta. Quando você vinha para 
ser consertada, você vinha, indiferente de ter de 
ir à escola ou não. Mas agora você vem porque 
gosta, então você não pode vir tantas vezes. Isso 
é triste . 
Gabrielle: Quando eu venho ver o senhor, eu sou sua visi-
ta. O senhor é minha visita, quando o senhor 
vem a Oxford. Isso não é estranho? Talvez o 
senhor vem depois do Natal. 
Eu: Tem alguma coisa para consertar em você, hoje? 
Gabrielle: Não, eu não quebro mais. Agora eu quebro as 
coisas em pedacinhos. Esse parafuso entrou. 
Eu: Sim, você o consertou sozinha, e você pode 
consertar você mesma2 • 
Gabrielle: Hoje, Susan entrou na casinha do cachorro. 
Esse é um brinquedo novo. 
Ela estava pisando no elefante; o elefante guinchou. 
Então, pediu-me para ajudá-la a consertar o tren-
zinho com o qual ela tinha dificuldade. 
Gabrielle: O senhor é um médico, um médico de verdade, 
é por isso que o senhor é chamado "Dr. Winni-
cott". 
Eu: Você quer ser consertada, ou você quer vir 
por prazer? 
Gabrielle: Por prazer, porque assim eu posso brincar mais 
[ela disse isso muito positivamente]. Eu estou 
ouvindo alguém assobiar lá fora. 
Como não tinha ouvido o assobio, eu disse: "Ou era eu 
escrevendo?" 
Gabrielle: Não. Alguém tá buzinando agora [verdade]. 
Não tem ganchos suficientes. Quando nós está-
2 Eu poderia ter dito : "Você tem dentro de você um Winnicott que conserta, 
que você carrega de um lado para o outro", etc. 
Décima-Terceira Consulta 
vamos vindo para o senhor, estava cedo, então 
nós demos uma volta, então eu tenho de com-
prar alguma coisa para Susan e mamãe. Eu gos-
to de Susan e da mamãe. 
Eu: Aqui só tem Gabrielle e eu. Susan fica com rai-
va quando você vem ver-me? 
Gabrielle: O senhor sabe que Susan ... ela gosta de me ver 
dançar. Quanto anos ela teni? Ela tem dois. Eu 
tenho quatro. No outro aniversário eu vou ter 
cinco e Susan vai ter três. 
A essa altura, tinha ela disposto quase todos os brinquedos 
em linhas paralelas, aproximadamente dez ou doze linhas; 
tinha, também, formado um ângulo com um conjunto de 
três casas. 
:Cabriel/e: Dr. Winnicott, eu vou só ao banheiro. O senhor 
toma conta dos brinquedos. Não deixe Papai 
entrar. 
Fechou a porta cuidadosamente ao sair, demorando-se três 
minutos no banheiro. 
Gabriel/e: Pronto. Sr. Winnicott, eu vou ficar um pouco 
mais do que eu fico normalmente. Eu posso 
brincar mais, se eu tiver mais tempo. Eu não pre-
ciso de correr. 
Eu: Às vezes, você fica com medo de alguma coisa, 
e, então, você acha que tem de ir de repente. 
Gabriel/e: Porque fica tarde. Eu não consigo desfazer isso 
[eu o desfiz para ela]. O senhor acha que isso 
podia ficar ali em cima? (isto é, na estante, ao 
lado do retrato de uma moça de dezessete 
anos]. Isso podia ficar lá em cima também. 
Não tira eles de lá não, tá? - Deixa eles lá. 
Eu: Até você vir a próxima vez. Você sente que isso 
dá a você alguma esperança de voltar até mim 
outra vez. · 
Gabriel/e: Para sempre. 
Então, ela olhou para o retrato, colocado como estava 
numa moldura oval, e disse: "Olha, ela está num ovo." 
149 
Capacidade de 
auto-indulgência, 
mas que, também, 
gera ansiedade 
150 
Eu: Se ela não tivesse um lugar para ficar, ela seria 
como Humpty Dumpty e se despedaçaria; mas 
você tem um lugar aqui, onde você pode ficar. 
Nesse momento, ela deu-me uma aula sobre ovos. 
Gabrie/le: Se alguém quebrar um ovo sem cozinhar ele, 
quando ele está mole, ele escorre pra todo 
lugar e tudo fica sujo; mas se alguém cozinhar 
ele bem e quebrar ele, ele só despedaça. 
Eu\ Eu ponho um ovo ao redor de Gabrielle, e ela 
se sente bem. 
Gabrie/le: Sim. 
Pegou, então, todas as casas azuis e colocou-as num 
círculo, com a casa vermelha no centro, e disse: "Eu vou 
fazer uma fila de casas como essa", e pôs todas as casas 
umas contra as outras numa fila cerrada. 
Gabrielle: Se eu encontrar outras, eu vou colocar elas na 
fila_ 
Ela estava então apanhando figurinhas de pessoas, 
árvores e animais: "Muitas coisas" (falava durante todo o 
tempo). Colocou-as de pé no tapetç, o mais longe possível. 
Eu não conseguia ouvir o que ela dizia, porque conversava 
consigo mesma, feliz, à vontade, satisfeita, com criatividade 
e imaginação. Encontrava-se de costas para mim, e disse 
alguma coisa assim: "Eu vou deixar isso assim. Sr. Winni-
cott, eu posso levar esse aqui e esse aqui e esse aqui? Eu 
devolvo eles. Eu vou levar dois. Eu deixo três ou quatro 
para o senhor.! Eu estou com três." (Na realidade, no fmal, 
ela não tinha pecessidade de levar nada, e tinha, aparente-
mente, esquecido o assunto). 
Gabrielle: De quem que é a vez de limpar o banheiro, 
agora? 
Parecia haver uma resposta complexa para essa pergunta. 
Relacionava-se com a competição com a irmã por esse 
privilégio. Não aceitei de imediato que havia realmente 
competição, nessa área, em casa, considerando-se o ponto 
The Piggle 
i j 
Décima-Terceira Consulta 
de vista dos pais. Ela estava fazendo ruídos de animais 
com alguns dos animais na mão. 
Gabriel/e: Eu gosto de limpar o banheiro. Você fica lá 
[conversava com os animais]; você não, vaca; 
você, cachorro; você vaca, não se mexa de jeito 
nenhum; senão ... você vai ser transformada em 
bruxas. 
Eu: Você está me contando um sonho? 
Gabrielle: Sim. Eu não gosto dele. É terrível. Ser transfor-
mado numa pessoa pequena, com pés muito 
pequenininhos. Eu me transformei num gigante 
de manhã. Antigamente não tinha lojas. 
Eu: Bem? [eu a estimulei a continuar]. 
Gabrielle: Bem, eles não construíram lojas, e, se eles ven-
diam lavanda, eles saíam andando e cantando: 
"Quem vai comprar minha lavanda?" ... [can-
tando) . Um centavo pode gastar. Se Susan não 
deixar alguém subir a escada, eles têm de pagar 
seis centavos; isso é muito, né? Eu só faço eles 
pagarem um centavo, isso não é muito, né? 
Tentei entender o que ela queria dizer; relacionava-se com o 
fato de Susan ser avarenta. Nesse instante ela olhou para o 
lado de fora da janela. 
Gabrielle: Alguém tem um jardim no terraço; isso é engra-
çado; eu não posso subir lá. Eu fico imaginando 
como que eles molham as flores. Ela abrem aja-
nela com uma vara de ferro e então fazem a 
água subir por uma chaminé . Eles deixam ela 
esguichar em todas as flores, assim fica tudo 
molhado. Eles levantam uma colher pela cha-
miné e trazem toda a água para baixo, e então 
eles fazem isso outra vez . [Depois de certo tem-
po:] Aquele é o barracão de ferramentas do 
senhor? Oh, o senhor não pode chegar lá, né? 
Essas flores são de plásticos? 
Eu: Não, elas são de verdade. 
Gabriel/e: Eu gosto de plástico. Essas são de plástico 
[não é verdade]. 
Eu: Você gosta de crianças e animais de plástico, 
151 
152 The Piggle 
ou de verdade? [Aqui ela optou pelo real]. 
Gabrielle: Que que é aquele negócio de madeira? [Tinha 
descoberto a ponta de uma régua cilfudrica 
de madeira que outra criança deixara aqui e 
que se encontrava entre os livros.] Eu posso 
tirar isso? 
Eu: Sem dúvida. · 
Gabriel/e: Pra que que é isso? 
Eu: É uma régua. 
Gabrielle usou a régua como um rolo, como se fosse exata-
mente o que estivesse procurando. Antes de tudo, o rolo era 
para abrir massas. Aqui ela representava um outro papel, o 
de cozinheira; chamei sua atenção para o fato. A ação de 
rolar transformou-se num jogo que envolvia todo o consul-
tório. 
Gabrielle: Quando a mulher vem consertar as coisas, a 
cozinheira fmge que vai dormir. A gente tem de 
falar com ela para acordar, e aí ela cozinha 
um pouco mais. 
Ela estava tentando expressaro que acontecia com os 
outros papéis do Winnicott, quando o Winniccot está repre-
sentando um determinado papel. O Dr. Winnicott que con-
serta foi viajar de férias, então existe o Winnicott que cozi-
nha. Quando ela precisa de conserto, então o Dr. Winnicott 
volta. Dirigiu-se à lareira a gás. 
Gabriel/e: Como o senhor acende a lareira a gás? 
Dirigi-me até lá e mostrei. 
Eu: Agora o Winnicott que conserta e o Winnicott 
que cozinha foram embora, e tem o outro 
Winnicott que ensina. E então tem o Winnicott 
que brinca. 
(Pessoamente, na situação, eu não tive dúvida de que o mais 
valioso dos quatro papéis era o papel de brincar, principal· 
mente quando ela representa o que descrevi como "sozinha 
em minha presença".) Houve um outro papel do qual ela 
\, 
Décima-Terceira Consulta 
se lembrou e que se relacionava com o uso da cesta de lixo; 
poder-se-ia dizer que era um Winnicott q_ue a ajuda a livrar-
se do que não mais lhe interessa (Winnicott "Lata de Lixo"). 
No decorrer do tempo, Gabrielle desenvolveu um jogo 
organizado; ela rolava a régua de um lado para o outro e 
aproximava-se cada vez mais de mim, de tal forma que a 
régua bateria contra meus joelhos, quando ela a rolasse. 
Naquele momento, ela estava indicando uma quinta forma 
pela qual eu tinha sido importante para ela - uma pessoa 
em quem ela batia quando se movimentava e que, dessa 
forma, poderia ser usada no seu esforço para distinguir entre 
o que não era ela própria e o que era realmente o seu eu. 
Num momento em que a régua bateu no meu joelho, virei-
me de costas e participei do jogo com prazer, para lhe dar 
a satisfação que precisava. (Não é possível para urna criança 
dessa idade extrair o significado de um jogo, a menos que, 
antes de tudo, haja brinquedo e diversão. Como princípio, 
o analista sempre permite que se Lrltroduza a diversão antes 
de se usar o conteúdo do jogo para interpretações.) Parece 
que Gabrielle tinha terminado sua lista dos meios pelos 
quais tinha ela me utilizado. Houve um período no fmal 
da sessão em que teve a sensação de estar ficando um pouco 
mais do que de costume, simplesmente porque ela gostava 
de ficar comigo quando não sentia medo, e quando conse-
guia obter prazer e expressar de modo positivo seu relacio-
namento comigo como pessoa. Bem no fmal, ela acrescen-
tou mais um papel à lista, e disse : "Eu vou deixar as coisas 
para o senhor guardar:'. E então saiu e, com cuidado, 
fechou a porta completamente. Alcançou o pai na sala 
de espera. Naquela ocasião, eu, de fato, abri a porta e me 
despedi de ambos, o que era, até certo ponto, um gesto 
que devia ao pai ; tive a impressão de que Gabrielle termina-
ra o que tinha a me dizer. 
COMENTÁRIOS 
1. Divisão proporcional de adultos e crianças - ter-
me a seu total dispor. 
2. Desenvolvimento da capacidade de "consertar-se" 
por conta própria. 
3. O trem (análise) movia-se lentamente, mas todo o 
153 
154 
tempo em direção a Londres = seu destino. 
4. Tristeza pela perspectiva de terminar. 
5. Segurança com relação ao seu lugar na minha vida. 
6. Expressão de estar solidamente unida; agora ela 
se mostra satisfeita e criativa. 
7. Revisão dos vários papéis para os quais ela usou o 
D.W.W. 
CARTA DOS PAIS 
(ESCRITA NUMA VIAGEM DE FÉRIAS AO EXTERIOR) 
"Gabrielle mostrou-nos a carta do senhor; é muita 
bondade sua arrumar-lhe um horário para consulta. 
"Sob vários aspectos, elà está em boa forma: robusta, 
exuberante, e, de certa forma, criativa na invenção de jogos 
e canções. 
"Aqui, ela faz caminhadas -durante muitas horas, 
pedala na água das geleiras e aprecia passar por caminhos 
difíceis ; está sempre em contacto com o lado do seu eu que 
ela designa de "menina tquro". 
"No contacto com estranhos, principalmente homens, 
mostra-se tímida, muito afetada e reage com um tipo emba-
raçoso de feminilidade espúria. Geralmente os estranhos se 
afeiçoam mais rapidamente a sua irmã Susan, que tem cabe-
los ondulados,~ é extrovertida e bochechuda, do que a 
Gabrielle, com seus olhares inquisitivos. 
"Gabrielle é muito chegada a Susan, lida com ela 
com grande prudência, adula-a, e é sempre a mediadora 
entre ela e nós. Surpreendemo-nos pela freqüência com que 
ela tenta conseguir o que deseja, desviando a atenção de 
Susan, ou através de alguma invenção, ao invés de usar um 
ataque direto, embora, às vezes, um ciúme triste e derrota-
do de Susan a consuma, e.Susan não pode fazer nada certo. 
Outro dia, em meio a uma briga feroz, ela beijou Susan 
subitamente e disse : "Mas eu gosto de você". Isto é bem 
diferente de Susan, que oscila entre um respeito ardente 
por Gabrielle e um desejo cruel de destruir sua superio-
ridade." 
The Piggle 
I . 
DÉCIMA-QUARTA CONSULTA 
(18 de março de 1966) 
Gabrielle (agora com quatro anos e seis meses) foi 
trazida pelo pai. Sem dúvida, estava muito satisfeita por 
estar novamente à porta de entrada. Permaneci imóvel; 
pouco a pouco, ela arrastou-se por trás do pai e entrou na 
casa, assim despercebida. Foi diretamente para o consul-
tório e disse: "Vou tirar meu casaco", e jogou-o no chão, 
apanhando, imediatamente, os brinquedos. Ela conversava 
durante todo o tempo em que fazia disposições com os 
brinquedos: "Exe, exe, lá; oh, ficou tudo embolado". 
Percebi que ela estava com o nariz muito congestionado. 
Não tardou que ela estivesse também tossindo, mas, exceto 
isso, fisicamente, ela se mostrava muito bem. 
Gabrielle: Assim. Assim. Certo! 
Estava totalmente ocupada no chão, de costas para mim, 
restabelecendo o elo de ligação com as outras sessões. Suas 
palavras descreviam o que ela fazia. Em dado momento, 
perguntou : "É assim mesmo que faz isso ou não?" Ela 
mostrava um superego com o qual facilmente se identi· 
ficava. Respondi: "Sim, eu acho que é, mas você pode 
fazê-lo como quiser." 
Gabrielle continuou a descrever como os brinquedos 
se encontravam. Como se ela os tivesse deixado dentro de 
um só pacote, dessa vez encontrou dois brinquedos em um 
pacote e dois num outro. Ela estava tentando estabelecer 
relações entre os vagões de tipos diferentes de trenzinhos. 
Então deu-me algo para consertar, tal como fizera anterior-
mente. Enquanto eu o consertava, foi em direção a um 
brinquedo novo na estante, um menininho puxando um 
156 
trenó com uma garotinha dentro . 
Gabriel/e: Isso é do Natal? É bonito. Funciona? 
Eu: Ele só funciona, se você imaginá-lo funcio-
nando. 
Em seguida, voltou para apanhar o que eu tinha consertado. 
Gabriel/e: Obrigado. Eu vou tirar todos os brinquedos. 
Puxou tudo, fazendo uma pilha grande no chão e, dessa 
forma, renovava o contacto com seus velhos amigos. 
Gabriel/e: Olha, essa cesta tá com manchas de morango, 
e essa aqui também. 
Logo, ambas eram cestas de morango. Com um ruído excla-
mativo, pegou a cesta e esvaziou todo o seu conteúdo sobre 
os outros brinquedos. 
Gabriel/e: Esse devia ficar lá, né? 
Separou o burro e a carroça que, normalmente, ficavam na 
estante. · 
Eu: Mas como que isso foi parar no meio das outras 
coisas? 
Gabrielle: Uma vez nós tiramos ele de lá de cima. 
Nesse momento, ela estava encostada na minha perna. 
Pegou o carneirinho e perguntou: "O que que aconteceu 
com o cachorro?" Entreguei-lhe o envelope com os restos 
do cachorro. 
Gabrielle: Por que ele está lá dentro? [olhou lá dentro]. 
O senhor não consertou ele ainda. O senhor 
é teimoso! O senhor tem mesmo de mandar 
consertar ele. 
Em seguida, pegou o objeto rrústerioso e perguntou: "Que 
que é isso?" Nós nunca soubemos o que é; provavelmente 
é uma parte de uma piorra. 
The Piggle 
Décima-Quarta Consulta 
Gabrielle: O que é isso? Não vale nada. 
Eu expliquei que era um navio petroleiro. O que ela queria 
dizer é que ele não tinha ganchos. Ela estava agora acaban-
do de fazer o con tacto de renovação, e disse: "O senhor tem 
um búzio? Eu quero o som". A essa altura, ela estava assen-
tada no meu pé, e eu falei sobre ela assentar-se na praia com 
o pai. Foi como se ela sentisse uma ligação com tudo que a 
praia pudesse representarpara ela; não conseguiu acreditar 
que não houvesse nenhum som do mar. 
Ela apanhou um trenzinho de muitas rodas e enume-
rou-as, dando-lhe cores. Acariciou a locomotiva amorosa-
mente, colocou-a na boca, esfregou-a através das coxas e 
depois sobre a cabeça, de trás para a frente. Isso transfor-
mou-se em tal jogo que a locomotiva descia pelo seu rosto 
e caía no chão, seguindo-se um barulho que tinha um clí-
max. Tentou engatá-la ao vagão, mas não logrou êxito. 
Pegou as figurinhas do velho e do menino e colocou-as 
assentadas, dizendo: "Você senta aqui. Você senta ali". 
Então, ainda renovando velhos pormenores, ela disse: 
"O senhor podia desenhar [na lâmpada]? Faça um zigue-
zague para cima e para baixo. Isto é uma lâmpada mesmo." 
Eu a deixei cair. 
Gabrielle: Ela devia ficar na luz. 
Agora tinha ela praticamente parado com os brinquedos; 
depois, perguntou : "O senhor vai à igreja?" Não sabia o 
que devia responder. 
Eu: Bem, às vezes. E você? 
Gabrielle: Eu gostaria de ir, mas mamãe e papai não gosta-
riam de ir. Eu não sei por quê. 
Eu: Por que as pessoas vão à igreja? 
Gabrielle: Eu não sei. 
Eu: Tem alguma coisa a ver com Deus? 
Gabrielle: Não. 
Ela, nesse momento, tinha colocado uma casa na boca. 
Então lembrou-se de alguma coisa da última sessão e per-
guntou : "Onde tá aquela coisa que rola?" Era a régua ci-
líndrica deixada por algum outro paciente. Encontrei-a, 
157 
158 
e ela instituiu um jogo que foi a parte principal de sua 
comunicação. Como o jogo tinha raízes com o passado, 
pudemos usar todos os tipos de atalhos. Ajoelhamo-nos 
bem próximos e de frente um para o outro na sala anterior. 
Ela rola a régua para mim e isto me mata. Eu morro e ela 
se esconde. Então volto a viver e não consigo encontrá-la. 
Gradualmente, fiz uma espécie de interpretação. 
Quando já tínhamos feito aquilo muitas vezes, e, ocasio-
nalmente, era eu quem a matava, ficou muito claro que isso 
se relacionava com a tristeza. Por exemplo, se ela me mata: 
va, quando me restabelecia, eu não podia lembrar-me dela. 
Ela representava isso escondendo-se, mas, de fato, fmalmen-
te eu a encontrava, e, em seguida, eu dizia: "Oh, eu melem-
bro do que é que eu tinha esquecido." Embora aquele 
jogo trouxesse grande prazer, a ansiedade e a tristeza 
estavam latentes. Aquele que se escondia tinha que deixar 
uma perna ou qualquer coisa à mostra, de tal forma que a 
agonia de não ser capaz de lembrar-se da pessoa perdida não 
fosse prolongada ou absoluta. Isso se relacionava, entre ou-
tras coisas, com o que ocorria, quando ela não me via duran-
te um longo período de tempo. Pouco a pouco, o jogo 
alterou-se, pois o aspecto do esconder-se tornou-se mais 
especializado. Por exemplo, eu tinha de rastejar pela parte 
de trás da escrivaninha onde ela estava escondendo-se, e 
então nós dois nos encontrávamos lá. Finalmente, ficou 
bem claro que, através do jogo, ela representava a idéia de 
nascer. Em determinado ponto, esclareci que urna razão 
pela qual ela estava feliz era que ela me tinha .só para ela. 
Com relação a esse pormenor, quando saiu pela porta da 
frente, ouvi-a dizer ao pai: "Onde está Susan?" 
Vez por outra, eu tinha de repetir uma saída brusca 
de debaixo das cortinas, o que parecia ser uma espécie de 
nascimento. Então eu tinha de transformar-me numa casa, · 
para dentro da qual ela rastejava, rapidamente tornando-se 
maior, até gue eu não podia mais contê-la e a empurrava 
para fora. A medida que o jogo se desenvolvia, eu disse: 
"Eu odeio você", enquanto eu a empurrava para fora. 
Ela achava esse jogo excitante. De repente, sentiu 
uma dor entre as pernas e, logo depois, saiu para urinar. 
O clímax disso era entrar em contacto com a necessidade 
que a mãe tem de livrar-se do bebê, quando ele fica grande 
demais. Associada a isso, está a tristeza por tornar-se maior 
ThePiggle 
Trabalhando 
as várias reações 
à separação e 
ao término 
Décima-Quarta Consulta 
e mais velha, e por achar mais difícil representar esse jogo 
de estar dentro da mãe e nascer. 
A sessão terminou com um período em que ela 
pegou as duas cortinas no meio do consultório e correu 
com elas para a frente e para trás. 
Gabrielle: Eu sou o vento, cuidado! 
Não havia muita hostilidade no jogo, e eu me referi à 
respiração, o elemento essencial para estar-se vivo e do qual 
não se poderia gozar antes do nascimento. 
Nesse momento, ela mostrava desejo de sair. 
COMENTÁRIOS 
1. Em harmonia com o superego. 
2. Evidência de capacidade potencial de prazer 
genital. 
3. Elaboração das reações a separações prolongadas e 
preparação para o término. 
4. O tema do nascimento. 
159 
DÉCIMA-QUINTA CONSULTA 
(3 de agosto de 1966) 
Gabrielle (agora com quase cinco anos) chegou com o 
pai; seu aspecto era muito bom e ela mostrava-se segura de 
si. Estava ávida e cheia de expectativas. Conversamos um 
pouco sobre as férias que ela tivera há pouco tempo atrás, 
e sobre minha casa que, obviamente, estava sob os cuida-
dos dos bombeiros. Foi diretamente para os brinquedos 
(enquanto o pai se dirigia para a sala de espera); antes que 
eu tomasse meu lugar na cadeira baixa, ao lado da escri-
vaninha onde se encontravam os papéis nos quais faço 
anotações, ela pegou uma parte da piorra velha e disse: 
"Cachorrinho booito. Eu tenho quatro anos agora - em 
agosto" (querendo dizer que ela estava na iminência de com-
pletar cinco anos). Aconteceu muita coisa que não pode ser 
transcrita, por ser uma espécie de versão simplificada do 
contacto com as minúcias na confusão de brinquedos. 
Gabrielle: Navios. Minha calcinha tá aparecendo. Onde tá 
o rolo? 
Mostrei-lhe a régua cilíndrica, que ela usara naquele 
jogo especial da última sessão. 
Gabriel/e: Isso é bom. Nós vamos fazer o jogo ... 
Dirigi-me à parte principal do consultório, e nós tomamos 
posições. Fingi não saber as regras do jogo, e ela mostrou-
me como nós mandamos o rolo de um lado para o outro. 
O rolo matou-me quando bateu no meu joelho, e eu caí 
morto; em seguida, brincamos durante certo tempo com 
o jogo de esconder. Enquanto eu anotava essas coisas, 
ela disse: "O senhor sempre escreve." Disse-lhe que eu 
162 
fazia anotações para que pudesse lembrar-me dos por-
menores do que acontecera. 
Eu: Eu me lembro de tudo sem anotações, mas 
não consigo chegar às minúcias, e eu gosto de 
me lembrar de tudo para que eu possa pensar 
sobre tudo. 
Primeiramente, fizemos o jogo de mandar o rolo de 
uma lado para o outro, seguindo-se um jogo de esconder 
que se iniciava quando ela me matava. Depois eu a matava, 
e me escondia para que ela me encontrasse. Expliquei que 
ela me mostrava que se esquecia de mim e que eu me esque-
cia dela, quando estávamos longe um do outro ou em férias, 
mas, na verdade, sabíamos que poderíamos encontrar-nos 
um com o outro. -
Não tardou para que ela terminasse o que tinha a 
dizer, através dessa linguagem de jogo de esconder, e vol-
tasse aos brinquedos. Nesse momento, ela fez algo de as-
pecto propositalmente sedutor. Pegou a lâmpada elétrica 
com o rosto desenhado e colocou-a na boca, olhando 
para mim de modo signiflcativo; em seguida suspendeu a 
saia e colocou a lâmpada na calcinha. Parecia um convite 
de teatro de revista. Concomitantemente, ela disse que 
conhecia um modo travesso de cantar Bom Rei Wences-
laus*, que sua mãe conhece: 
Gabriel/e: O bom Rei Wenceslau pela janela olhou 
o banquete de Estêvão. 
Uma bola de neve acertou seu focinho. 
que flcou como um pimentão; 
A lua brilhava muito aquela noite 
*Canção de Natal. (N. T.) 
No original: Good King Wenceslas looked out on 
the feast of Stephen. 
A snowball hit him the snout and 
made it all uneven; 
. Brightly shone the moon that night 
though the pain was cruel. 
Then the doctor carne in sight, 
riding on a mule ... 
ThePiggle 
Separação sem 
desespero 
Décima-Quinta Consulta 
embora cruel fosse a dor. 
Aí então apareceu o doutor 
montado numa mula ... 
No decorrer desse episódio, que tinha em si uma excitação 
generalizada, eu desenhara o cachorro,cooperando com ela. 
Ele começou como uma cópia do rosto na lâmpada. 
Gabriel/e: Vou mostrar ao senhor o que eu sei desenhar. 
Raramente coloco orelhas; tem cabelo compri-
do, muito bonito - olha, eu derramei em cima 
do outro papel e em cima da mesa. É um pe-
queno rabisco . . . 
Expliquei, então, que era como se ela estivesse desenhado 
para mostrar-me um sonho, e parte do sonho se tinha der-
ramado para a vida acordada. Parece que isso era o que 
ela desejava, pois, em seguida, contou-me um sonho; tinha-se 
a impressão de que ela veio, talvez, para contar-me aquele 
sonho. 
Gabriel/e: Eu tive um sonho com o senhor. Eu bati na 
porta da sua casa. Eu vi o Dr. Winnicott na 
piscina de sua casa. Então eu mergulhei. Papai 
me viu na piscina abraçando e beijando o Dr. 
Winnicott, então ele também mergulhou. 
Então, mamãe mergulhou, depois Susan e 
[aqui enumerou todos os outros membros 
da fam11ia, inclusive os quatro avós]. Tinha 
peixes e tudo. Era uma água seca molhada. 
Nós todos saúnos e caminhamos no jardim. 
Papai desembarcou na praia. Foi um sonho bom. 
Senti que ela trouxera, então, tudo na transferência e tinha, 
daquela forma, reorganizado toda sua vida em termos da · 
experiência de um relacionamento positivo com a figura 
subjetiva do analista e seu interior. 
Eu: A piscina é aqui nesta sala, onde tudo aconte-
ceu e onde tudo pode acontecer na imaginação. 
~eferiu-se ao fato de suas mãos estarem molhadas porque 
163 
Resumindo o 
trabalho da 
análise 
164 
ela estava nadando. 
Gabriel/e: Eu vou desenhar o que eu sei, na lâmpada. 
Mostrava-se, então, bem feliz e calma. Tirou todos os 
brinquedos pequenos e pedaços de brinquedos, enquan-
to cantava o tema da música "Juntos". 
Gabriel/e: Que confusão no seu chão! 
Tive de consertar um gancho. Ela conversou muito, 
enquanto, pouco a pouco, usava todos os brinquedos. 
Em seguida, pegou a figurinha do pai (de aproximadamente 
oito centímetros de comprimento, de aspecto muito real, 
feita sobre a base de um limpador de cachimbo) e come-
çou a maltratá-la. 
Gabriel/e: Eu estou torcendo as pernas dele [etc.]. 
Eu: Ai! Ai! [como uma interpretação do papel atri· 
buído a mim]. 
Gabrielle: Eu estou torcendo ele mais - sim - o bra~o 
dele agora. 
Eu: Ai! 
Gabrielle: Agora o pescoço dele! 
Eu: Ai! 
Gabriel/e: Agora não sobrou nada- ele tá todo torcidinho. 
Eu vou torcer o senhor Il}ais um pouco. O 
senhor chora mais. 
Eu: Ai! Ai! Uiliili! 
Ela estava muito satisfeita. 
Gabriel/e: Agora não sobrou nada. Tá todo torcidinho, 
e ·a perna dele soltou, e agora a cabeça dele 
soltou, então o senhor não pode chorar. Eu 
vou jogar o senhor fora. Ninguém gosta do 
senhor. 
Eu: Então eu nunca vou poder ser de Susan. 
Gabriel/e: Todo mundo odeia o senhor. 
Nesse momento, ela pegou uma figurinha de um menino, 
3emelhante à anterior e repetiu a operação. 
The Piggle 
Ódio por ódi~ 
(cf. sessão 
anterior) 
Décima-Quinta Consulta 
Gabriel/e: Eu estou torcendo as pernas do menino [etc.] . 
Em meio a tudo aquilo, eu disse: "Então o Winnicott que 
você inventou era todo seu, e agora ele está todo acabado, e 
ele nunca vai poder ser de mais ninguém." 
Ela estava insistindo para que eu chorasse mais, 
porém argumentei que não sobrou mais choro nenhum. 
Eu: Acabou todo. 
Gabriel/e: Ninguém nunca vai ver o senhor de novo. 
O senhor é médico? 
Eu: Sim, sou médico, e eu podia ser médico de 
Susan, mas o Winnicott que você inventou 
está acabado para sempre. 
Gabriel/e: Eu ftz o senhor. 
Ela estava manuseando o trenzinho (fazendo barulho 
de trem). 
Gabriel/e: Eu quero tirar isto. 
Eu: Isto não sai. 
De fato, ela sabia que o trator estava preso à carroça de 
feno e que não podia ser destacado. 
Gabriel/e: Oh, Deus, ele não sai. 
Então, ela disse que tudo estava azul; tinha apanhado 
os dois copinhos de loção Optrex e estava olhando o mundo 
através deles. Perguntou como eles poderiam ser atados 
aos seus olhos. Aquilo dava-lhe a impressão de estar nadan-
do ou de estar sob a água. Então franzimos nossos olhos 
um para o outro. Eu sabia firmar os copinhos com os mús-
culos orbiculares, e depois de certo treino ela conseguiu 
firmar um deles. 
Gabriel/e: Eu queria levar eles para casa comigo. 
Em seguida, começou a conversar sobre fragmentos dé 
cerâmica encontrados ao longo das estradas na França, 
dando o ponto de vista de uma criança sobre arqueologia, 
ao descobrir o que pertenceu à vida há muito tempo atrás. 
165 
166 
Ela, então, explorou a lata de crayons e achou ou redesco-
briu o tubo de Seccotine (uma cola). Era aquilo que ela 
queria, e iniciou seu último brinquedo (mas tinha outras 
coisas para dizer-me - eu recebi a carta que ela me enviou? 
E assim por diante). 
Pegou uma folha de papel e pôs cola Seccotine no 
meio e formou, também, uma moldura quadrangular com 
a cola. Desejava saber quantos pacientes eu veria ainda. 
Eu: Você é a última, antes de minhas férias. 
Gabriel/e: Eu vou fazer cinco anos - dentro de bem pou-
cou tempo. 
Manifestou que desejava ver-me para fazer este trata-
mento - Winnicott acabou, enquanto ela ainda tinha qua-
tro anos. 
Eu: Eu gostaria de encerrar com você também, para 
que eu possa ser todos os outros Winnicotts e 
não ter de ser este Winnicott que você inventou 
especialmente para tratamentos. 
Percebi que o que ela estava fazendo com a cola Sec-
cotine era uma espécie de túmulo ou monumento comemo-
rativo do Winnicott que tinha sido des"truído e morto. Acei-
tando sua intimação, peguei um pedaço de papel e desenhei 
nele uma Gabrielle. Então torci os braços, pernas e cabeça 
e perguntei-lhe se doía. Ela riu e disse: "Não, faz cócegas!" 
Ornamentou bastante ao redor da moldura de cola 
Seccotine, incluindo . a cor vermelha. Aquilo era para levar 
para casa. Seria bom para Susan. 
Gabriel/e: Eu devo pôr um pouco mais de azul. 
O papel dobrou-se, e toda a cola Seccotine tinha acabado; 
tive de ajudá-la a fazer um buraco para que se pudesse 
prender um barbante. Era agora um papagaio de papel. 
Gabriel/e: Eu tenho que ir ao Papai e pedir dois azulejos 
bonitos, com o menino alegre neles. 
Deixando-me a cuidar do papagaio, ela foi à sala de espera e 
The Piggle 
Décima-Quinta Consulta 
trouxe dois azulejos antigos (menino alegre) que o pai tinha 
comprado e que estavam embrulhados como se fossem um 
presente - presume-se para a mãe. Abri-os e adnúrei-os. 
Ela prosseguiu, explicando ao pai : 
Gabrielle: Ele acabou. Ninguém quer ver o Winnicott. 
Acabou todo . Eu rasguei ele. Eu ftz isso de 
presente para Susan. É fedorento, é horrível 
- eu acabei com o tubo todinho de cola Secco-
tine . Você vai ter que comprar mais, não sai 
mais nada. 
Acrescentei algo sobre puxar a tomada para mostrar o 
signillcado fecal das ftguras masculinas destruídas e do mo-
numento comemorativo. Isso agradou a ela. 
Gabrielle: Tá espalhado na minha mão toda. Eu estou 
brincando com essa coisa horrível, fedorenta 
e grudenta. Qual é o nome dela - ah sim, 
Seccotine, nome horrível, cheiro horrível. 
Nós usamos cola Yoohoo, nenhum cheiro, 
o senhor sabe ... 
Percebi que ela viera para liquidar comigo em todas as 
camadas e em todos os sentidos, e disse o que pensava. 
Ela falou: "Sim, para acabar com o senhor". 
Eu: Então, se eu fosse visitar sua casa, se eu visse 
Susan, seria um Winnicott diferente -não este 
que você inventou que era todo seu e que agora 
está acabado. 
Gabrielle: Agora a cola acabou toda - o que nós vamos 
fazer? Todo o Winnicott todo em pedacinhos, 
o que nós fazemos quando tudo tá acabado? 
Feliz de não ver o Winnicott se ele fede e é 
grudento assim. Ninguém quer ele. Se o senhor 
vier pra nossa casa, eu vou dizer: "O homem 
grudento já vem." Nós íamos fugir. 
Ela deu aquilo por encerrado. 
Gabrielle: Eu gosto de fazer pintura quando eu vou ao . .. 
167 
168 The Piggle 
Esse papel é bonito. Tá na hora d'eu ir? 
Eu: Sim quase. 
Gab.rielle: Eu tenho que me lavar - eu vou voltar para ver 
o senhor. Colore ele de vermelho [o papagaio]! 
Segurei-o pelo barbanteenquanto ela se lavava. Voltou 
para buscá-lo e saiu com o pai, arrastando e tentando 
fazer voar seu papagaio pesado, molhado e pegajoso. 
COMENTÁRIOS 
1. Maturação desbrochando na idade apropriada. 
2. Resiste à separação e sabe que a re-união é possível. 
3. Exercitando a sedução feminina. 
4 . Resumindo a análise, tendo reorganizado sua vida 
dentro de uma transferência positiva. 
5. Desta forma, o ódio pode ser sentido e exercitado 
com segurança, uma vez que o mesmo não destruiria a boa 
experiência interanalítica. 
DÉCIMA-SEXTA CONSULTA 
(28 de outubro de 1966) 
Gabrielle contava agora cinco anos e dois meses de 
idade. Esta sessão foi diferente das anteriores. Na reali-
dade dava mais a impressão de ser uma visita de um amigo 
a outro amigo. Depois de esperar com o pai durante cinco 
minutos, pois tinham chegado cedo, o pai dirigiu-se para a 
sala de espera; ela rapidamente percebeu as várias mudanças 
no consultório e iniciou o que obviamente desejava fazer. 
A hora que passamos juntos foi dividida em três par-
tes, sendo que a primeira foi a mais importante delas . Ela 
perguntou pelo rolo compressor. Trata-se da régua cilín-
drica. Ficamos 25 minutos no conhecido jogo, do qual 
participou sem grande excitação, mas com uma intensi-
dade que é própria dos jogos na idade de cinco anos. Ela 
rodava o rolo compressor na minha direção e, quando ele 
ati.tigia meu joelho, eu morria. Quando eu estava morto, 
ela se escondia. A essa altura já conhecíamos muito bem 
todas as várias direções. No decorrer do jogo, ela tomava 
suas posições uma após a outra; eu tinha de voltar a viver, 
começar a lembrar-me de que havia outra pessoa da qual 
me esquecera e, então, aos poucos, procurar por ela. Em 
seguida, fmalmente eu a encontraria. As vezes, era ela quem 
morria da mesma forma e então procurava por mim. Pros-
seguiu até ficar satisfeira por ter brincado suficientemente 
com esse jogo. Em seguida, entrou na segunda fase. 
Enquanto eu permanecia assentado na cadeirinha, 
fazendo anotações como das outras vezes, ela assentava-se 
no chão de costas para mim - "sozinha em minha presen-
ça". Ela conversava com os animais e os brinquedos, e só 
ocasionalmente deixava claro para min1 que eu deveria 
escutar. No início, ela pegou o carneirinho e perguntou: 
170 
'.'Onde está o cachorro?" Encontrei o envelope onde 
ficam os restos do cachorro, e ela me contou tudo sobre o 
buraco nele existente, explorando-o com o dedo. Falou 
que o cachorro não estava tão vazio a ponto de não poder 
ficar em pé; e ela colocou-o de pé ao lado do carneirinho. 
Então começou a tirar os brinquedos, esvaziando o balde. 
Durante certo tempo, ela estava engatando um trenzinho, 
enquanto conversava de modo inteligível, mas com ela 
mesma. Em dado momento, ela disse : "Olha um trem com-
prido que eu fiz!" Mas, na realidade, não era longo ; ela 
estava apenas lembrando-se de como ele era nas sessões an· 
teriores, e não, brincando com a fmalidade de comunicar-se. 
Eu: Você está se lembrando do que os trens signifi· 
cavam para você quando você era a pequena 
Piggle ao invés de uma Grabrielle grande. 
Gabriel/e: Vamos brincar outra vez. 
E, cuidadosamente, guardou outra vez alguns brinquedos 
que tinha tirado, e arrumou-os debaixo da estante. Enquan· 
to isso, manuseando uma cesta e outros brinquedos de 
modo carinhoso e dizia coisas como: "Assim". Naquele 
ínterim sua cabeça tocou meu cotovelo. Não foi de propó-
sito, e ela não se retraiu. Simplesmente aconteceu. Ela 
guardou o cachorro no envelope e disse adeus. E colocou 
o carneirinho ao lado do envelope. Então, falou : "Agora!" 
- querendo dizer que passaríamos a algo diferente. 
Levantamo-nos, e a princípio parecia que teríamos 
mais da brincadeira com o rolo compressor (jogo de escon-
der). O que fez, no entanto, foi encontrar um livro de 
gravuras para crianças. Assentei-me com ela e folheamos o 
livro. Ela olhava o livro com grande cuidado e parecia 
gostar dos fragmentos da estória que eu conseguia contar. 
Então olhamos um outro livro que tinha muitas gravuras, 
mas aquele era um pouco complicado; então trocamos 
outra vez e achamos um livro de estórias ilustrado. Repeti· 
lhe a estória, enquanto ela passava as páginas. No fmal, 
escolheu um livro de animais para examinar. Sempre que 
possível ela dava o nome dos animais, e estava muito alegre 
e satisfeira. Dei-lhe a ·oportunidade de conversar comigo 
sobre as coisas; a palavra "preto" apareceu em uma das 
estórias e eu lembrei-lhe a mamãe preta. 
The Piggle 
. ( 
Décima-Sexta Consulta 
Eu: Você está com vergonha de me dizer as coisas 
que voéê pensa. 
Ela concordou, mas pareceu-me fazê -lo sem entusiasmo. 
Eu: Eu sei quando você está realmente com ver-
gonha; é quando você quer me dizer que gosta 
de mim . 
Ela foi bem positiva no seu gesto de assentimento. 
Agora estava na hora de ir, e ela já estava bem pre-
parada para ir buscar o pai. Obviamente ela gostara da 
visita; não consegui achar qualquer evidência de ela estar 
decepcionada por ter desejado alguma coisa que não tivesse 
feito . Ela mostrava-se totalmente natural ao dizer adeus, 
e tive a impressão de ser ela uma menina de cinco anos 
realmente natural e normal, em termos psiquiátricos. 
171 
POSFÁCIO 
Pelos pais de Piggle 
Os leitores talvez se interessem por algumas observações sobre a experi-
ência dos pais neste caso e desejem saber algo atualizado sobre a criança. 
O fato de os pais poderem participar de um processo de crescimento 
e reparação foi-lhes de grande valor. Tal participação evitou o que se pode 
freqüentemente observar: os pais sentem que foram ignorados e, dessa forma, 
talvez se predisponham a sentimentos de rivalidade e competição com o 
terapeuta; talvez tenham inveja do terapeuta e da criança, ou, alternadamen-
te·, para evitar tais sentimentos penosos, assim como para evitar a conduta 
obstrutiva insidiosa que pode deles resultar, os pais se retraem, saindo do 
campo de influências de um relacionamento vivo com a criança, simples-
mente entregando~a a um profissional com mais conhecimento e prática. 
Embora o perigo de uma mistura não profissional possa ocorrer a 
alguns leitores, parece que isto foi evitado pelo uso tático de "achar, ter a 
impressão de" e pela longa experiência do analista; esta experiência parecia 
fundar-se num conhecimento tão grande que poderia ser novamente esqueci-
da e usada de uma maneira espontânea e livre, com uma certeza total, na qual 
se podia confiar. 
Talvez deva-se permitir aos pais que opinem em discussões posteriores 
sobre os prós e os contras de um tratamento "de acordo com a demanda". 
Naquela época, não podíamos aceitar um tratamento em outros termos. 
Além do mais, o consenso que se criou, que aquele era o momento adequado 
para uma outra sessão, é digno de nota; ficamos de fato surpresos ao ler o 
manuscrito e perceber como a paciente retomava os fios da sessão anterior, 
como se nenhum tempo tivesse transcorrido entre as duas sessões, ou como 
se ela estivesse, no momento; preparada para a próxima etapa. 
No entanto, dentro deste esquema, quando o tratamento não pode 
ser feito no momento da demanda (como ocorreu entre a décima-primeira 
e a décima-segunda sessões), as repercussões podem ser muito violentas 
e, como pode parecer neste caso, por pouco não se conseguiria evitar um 
174 ThePiggle 
desastre interno para a paciente. 
Os leitores, talvez, desejem saber também como a paciente está agora 
e quais são os resultados a longo prazo de tal processo de tratamento. 
Gabrielle não é uma moça constrangida - é espontânea e membro 
bem ativo de um grupo de colegas na escola. Tem-se a impressão de que 
ela recuperou o equilíbrio que perdera antes de iriiciar o tratamento. Por volta 
dos oito anos de idade, ela teve certas dificuldades de aprendizagem (mos-
trava-se entediada na escola e não aprendeu a ler com facilidade); todavia, 
é agora muito competente no seu trabalho e é sempre capaz de encontrar 
algo interessante nele . Ela tem uma índole maiscaseira do que estouvada. 
Sua aspiração atual é, ao que parece, ser professora de biologia. Seu hobby 
principal é o cultivo de plantas para interiores. Sua certeza de valores, sua 
independência interna de julgamento e, também, talvez seu modo de entrar 
em contacto com as pessoas em vários níveis e situações levam-nos a pensar 
que a influência da experiência gratificante de ser compreendida, a nível 
profundo, ainda continue atuando. 
Praticamente, não houve comentários posteriores sobre as sessões 
- muito raramente, talvez, haja uma risada em decorrência de uma lem-
brança ou algum pormenor de um jogo. A triste notícia do falecimento do 
Dr. Winnicott foi dada fortuitamente por um visitante; as reações dela foram 
encobertas pela situação social. O Dr. Winnicott tinha preparado Gabrielle 
para a eventualidade de sua morte de modo bem sensato; desde então, ela 
mencionou essa sessão uma ou duas vezes, uma vez que aquilo, de certo mo-
do, se enquadrava à situação. 
O Dr. Winnicott tinha o hábito de fazer anotações durante as sessões, 
e Gabrielle pensa que ele estava escrevendo sua autobiografia e que ela, de 
alguma forma, estava envolvida numa parte dela. "Ela costumava escrever 
e eu costumava brincar". 
Quando se discutiu com ela a publicação deste material (que ela ainda 
não viu), hesitou a princípio; depois refletiu que poderia ser útil aos outros 
-como, de fato, se espera que seja. Ela deu sua aquiescência. 
1975 
( I 
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