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Prévia do material em texto

Responsável pelo Conteúdo: 
Prof. Dr. Rodrigo Medina Zagni 
 
Revisão Textual: 
Profa. Esp. Vera Lidia Cicarone 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Entre natureza e cultura: O histórico de 
constituição da antropologia 
Nesta unidade, vamos tratar do tema “Entre natureza e 
cultura: o histórico de constituição da Antropologia”. 
Do debate acerca das diferenças morfológicas entre indícios 
de existência de distintos grupos humanos no tempo e no 
espaço, bem como das diferenças culturais guardadas entre os 
povos, desenvolveu-se a Antropologia, no Ocidente, junto das 
assim chamadas Ciências Sociais. O esforço engendrado, na 
tentativa de explicar essas diferenças, mobilizou uma série de 
autores com a intenção de compreender, em termos 
científicos, mais especificamente antropológicos, as mudanças 
biotípicas e as diferenças culturais. 
Sendo assim, este é um conteúdo fundamental, não só porque 
nos serve de base informativa para compreender as origens da 
Antropologia e das Ciências Sociais, mas também porque 
servirá de base para a compreensão de diferentes formas de se 
entender o objeto primordial da Antropologia: o Homem e 
suas obras. 
Atenção 
Para um bom aproveitamento do curso, leia o material teórico atentamente antes de realizar 
as atividades. É importante também respeitar os prazos estabelecidos no cronograma. 
 
 
 
 
 
 
 
Observe atentamente a fotografia ao 
lado. Ela foi tomada na Prisão de Abu Ghraib, 
no Iraque, por soldados da frente de ocupação 
estadunidense, que mantiveram ali 
encarcerados, até agosto de 2006, iraquianos 
suspeitos de terrorismo. As fotos revelam o 
tratamento degradante dado pelos soldados 
encarregados da guarda dos detentos, os quais 
eram submetidos, cotidianamente, a sessões de 
tortura e abuso sexual. Houve também 
evidências de vilipêndio a cadáveres, segundo 
o processo desencadeado pela própria Corte 
Marcial dos Estados Unidos, que levou à 
condenação de militares estadunidenses. 
Tratando desse tema, mediante uma perspectiva cultural, pode-se afirmar que esse tipo 
de violência resulta não só do estranhamento cultural, mas também da convicção de que uma 
cultura diversa é inferior e deve ser subjugada. Trata-se de um choque cultural entre Ocidente 
e Médio-Oriente, do qual resultou a bestialização da própria cultura iraquiana. 
Mas o que a Antropologia, ciência que estuda o Homem e suas obras, tem a contribuir 
para a compreensão desse tipo de ocorrência? Como é possível compreender, cientificamente, 
as diferenças que povos guardam entre si, entre distinções biotípicas e culturais, e que acabam 
sendo o cerne de condutas de estranhamento e de violência por parte de povos que se 
autodenominam superiores em termos rácicos ou culturais? 
Evidentemente, o caso da violência estadunidense contra iraquianos, referida na 
fotografia, envolve outras questões além do estranhamento cultural e das distinções biotípicas 
que guardam árabes e anglo-saxões, como questões econômicas, políticas e militares. Mas a 
dimensão racista e de estranhamento cultural da violência ali expressa é, de tal forma, 
evidente. 
Nesta unidade, enveredaremos pelo histórico de constituição da ciência antropológica, 
primordialmente focada na compreensão acerca das diferenças entre natureza e cultura e das 
quais fenômenos como o da violência referida na fotografia derivam. 
Convido-o, portanto, a enveredar pelo conteúdo teórico, a fim de tentarmos responder 
a estes e a outros questionamentos. 
 
Contextualização 
 
 
 
 
 
Fundamentalmente, podemos 
dividir a existência humana em duas 
dimensões essenciais: a existência física 
ou, melhor dizendo, biológica, que se 
refere aos caracteres que nos constituem 
em termos biotípicos (estatura, 
compleição física, cor da pele, cor e tipo 
de cabelos, cor e formato dos olhos etc.), 
e a existência cultural, que se refere 
àquilo que nos constitui em termos 
culturais (o idioma que falamos para nos 
comunicarmos, a indumentária que nos 
cobre o corpo, o penteado de nossos 
cabelos, a música que produzimos ou 
escutamos, a fé religiosa, as convicções e ideologias políticas e, mais amplamente, as visões de 
mundo que professamos). 
É evidente que resulta dificultoso 
separar, radicalmente, natureza de cultura, 
uma vez que aspectos considerados 
naturais podem ser culturalmente 
influenciados, ou vice-versa. Por exemplo, 
a compleição física pode ser alterada no 
indivíduo por conta da vigência de valores 
culturais que determinem um padrão 
estético como dominante e ao qual o 
indivíduo, para ser melhor aceito em 
sociedade, tenha que se adequar: é o caso 
das jovens que se submetem a regimes de 
fome para adquirirem uma compleição 
física estabelecida pela indústria da moda e 
da propaganda como “correta”, mesmo 
que sob o risco de morte por anorexia. É o 
caso, pela via contrária, da estética 
determinada ou limitada pela natureza, por exemplo, do indivíduo que adere aos penteados 
do tipo “Black Power”, que se referem, por sua vez, a uma identidade social construída por 
afrodescendentes nos Estados Unidos, caso em que elementos culturais estão relacionados à 
identificação com a mesma cor de pele ou tipo de cabelo (ainda que possa ser utilizado por 
distintas etnias). 
Material Teórico 
 
 
É evidente, também, que não apenas as dimensões física e cultural constituem a 
existência humana; dessa forma estaríamos ignorando o intelecto, ou seja, tanto as 
capacidades imaginativas da condição humana quanto o pensamento sistematizado como 
reflexão filosófica, nos moldes lógico-dedutivos, bem como as realizações por ele criadas. 
Mas atendo-nos à aparente oposição entre natureza e cultura, conseguimos identificar, 
nas diversas formas com que o Homem tentou compreender essas relações, os primórdios de 
um pensamento antropológico, tentando já delimitar seu campo de interesse entre a cultura e 
a ideia de “evolução humana”, conforme a célebre discussão que envolveu Robert Lowie, em 
1917, contra aqueles que defendiam uma antropologia focada exclusivamente na dimensão 
biotípica do existir humano, determinando, inclusive, aspectos culturais. 
A questão é que pensar uma ciência que compreenda o Homem em termos totalizantes 
nos levaria, obrigatoriamente, ou a cindir essa ciência entre física e cultural, ou a propor uma 
visão integrada em que ambas as dimensões fossem articuladas ou mesmo confundidas. 
Podemos dizer, então, que a Antropologia, cuja etimologia refere 
exatamente o “estudo do Homem”, tenha se comprometido, desde os 
seus primórdios, com a compreensão do Homem exatamente na 
totalidade referida. “Antropo” é o radical de origem grega que refere o 
“Homem”, enquanto “logia” remete ao sufixo, de mesma origem, alusivo 
a “logos”, a saber, o tipo de conhecimento que designamos lógico-
dedutivo, o princípio da razão humana, motivo pelo qual, comumente, 
palavras terminadas em “logia” designam um campo de conhecimento 
científico. 
Sendo assim, podemos aferir que a Antropologia consiste na área 
de conhecimento científico que tem, como objeto de compreensão, o 
Homem. 
Dizer isso não basta para que se saiba, em verdade, o que constitui 
a Antropologia, muito menos para saber seu histórico de estabelecimento, 
mas já nos dá importantes subsídios para que comecemos nosso percurso 
compreensivo. 
Referir uma área de conhecimento como ciência obriga-nos a 
esclarecer que o termo “ciência” teve distintos significados no tempo. No 
passado grego, com a consolidação da reflexão filosófica, entre os séculos 
V e III a.C., atributo principalmente da Escola Socrática ou Escola 
Clássica da Filosofia Antiga (constituída por Sócrates, Platão e 
Aristóteles), tem-se ciência na acepção pura do saber como “tomar 
ciência de algo”. Ocorre que o tipo de saber sobre esse algo em questãoé aquele que, segundo a professora Marilena Chauí, impôs a vitória da 
razão sobre a mitologia e o conhecimento religioso, até então 
Tobacco Card Illustration 
of Plato 
A tobacco card from 
Ogden's Leaders of Men series. 
The cards were included in 
packs of Ogden's cigarettes. 
IMAGEM: © 
PoodlesRock/Corbis 
DATA DE CRIAÇÃO 1923 
COLEÇÃO Corbis Art 
 
Tobacco Card Illustration of 
Aristoteles 
A tobacco card from 
Ogden's Leaders of Men series. 
The cards were included in 
packs of Ogden's cigarettes. 
IMAGEM: © 
PoodlesRock/Corbis 
DATA DE CRIAÇÃO 1923 
COLEÇÃO Corbis Art 
 
 
 
hegemônicos como sistemas explicativos na Grécia Antiga. Ciência desponta, neste caso, com 
o significado a partir de outro termo: consciência. A consciência, por sua vez, constitutiva do 
ser, como lugar da razão humana e de sua capacidade de discernimento (primordialmente de 
empreender juízos, no que resulta uma consciência moral) seria tarefa, segundo o filósofo 
contemporâneo Martin Heidegger, da “ratio”, ou seja, da própria razão. Sendo assim, essa 
ciência, como saber, encontra forma na própria reflexão filosófica, motivo pelo qual ciência e 
filosofia são campos que se confundem até, pelo menos, o séc. XVII. 
É importante frisar que a reflexão 
filosófica não consiste num mero divagar sobre 
problemáticas da natureza e da condição 
humana, mas numa tarefa racional 
sistematizada, ou seja, empreendida em 
etapas: a percepção sensorial sobre algo 
(sensorial, porque provém da capacidade de 
nossos sentidos perceberem esse algo, ou seja, 
por meio da observação, da audição, do 
paladar, do tato ou do olfato), no caso, algo 
restrito à qualidade de fenômeno, que, por sua 
vez, se refere apenas às ocorrências que 
podem ser percebidas por nossa limitada 
utensilagem sensorial, significando que 
poderia haver um número incontável de 
ocorrências para as quais não teríamos meios 
de percepção, ou, como escreveu William 
Shakespeare: “Há muito mais entre o céu e a 
Terra do que sonha nossa vã filosofia”. Após 
percebido, sensorialmente, o fenômeno, vem a 
etapa da problematização, que se resume na 
transformação da constatação sobre uma 
determinada ocorrência fenomenológica em um problema concreto, que leve à identificação 
de seus motivadores causais, ou seja, à pergunta sobre o “porquê” de o fenômeno ocorrer, ou 
sobre quais seriam seus modus operandi, melhor dizendo, sobre o “como” os fenômenos 
ocorrem. Por fim, segue-se a fase hipotética, que consiste na elaboração de hipóteses para a 
resposta da problemática elaborada, uma fase, portanto, especulativa. 
Até o séc. XVII, essa sistematização, que confundia filosofia e ciência, levou à 
constituição das Ciências Formais (Matemática e Lógica) e das Ciências da Natureza 
(Química, Física, Biologia etc.). Percebemos que, até então, não havia uma Antropologia 
sistematizada como ciência, sequer o termo existia, o que não significa, de nenhuma maneira, 
que não se tentasse compreender o Homem desde suas características físicas ou culturais. Dos 
caracteres físicos ocupavam-se a Biologia e a Medicina, primordialmente, enquanto, para os 
aspectos culturais, não haveria ciência, senão gêneros da literatura, na forma de ensaios sobre 
 
 
a condição humana e seus dilemas, confundindo-se o entendimento a respeito das diferenças 
culturais entre os povos com a arte, campo no qual também se encontravam a história, a 
psicologia e a geografia humana, por exemplo. 
Contudo, o séc. XVII assistiu a uma mudança 
significativa de paradigmas no campo das ciências, 
primordialmente com a publicação, em 1637, do tratado 
“Discurso sobre o método para bem conduzir a razão na 
busca da verdade dentro da ciência” (Discours de la 
méthode pour bien conduire sa raison, et chercher la verité 
dans les sciences), do matemático e filosófico René 
Descartes, na França. 
A consolidação do método, ou seja, do caminho 
(significado do sufixo grego “todos”) necessário para que 
fosse ultimado um objetivo (significado do radical grego 
“metha”) é responsável pela dissociação, até hoje vigente, 
entre ciência e filosofia. Mais especificamente, à 
percepção, à problematização e à especulação foram 
adicionadas etapas como a experimentação, ou seja, a 
realização de testes cujo objetivo seria validar as hipóteses 
elaboradas, verificando-se sua probabilidade ou 
improbabilidade; a teorização, a partir da identificação de 
leis que explicassem os motivadores causais e/ou o modus operandi do fenômeno estudado; e 
a generalização, a saber, a elaboração de leis e de uma teoria que não explicassem apenas um 
caso particular, mas, em termos gerais, todos os casos cabíveis naquela ordem de fenômeno, 
resultando em leis gerais e teorias gerais. O percurso seria o da indução (caso particular) para 
a dedução (caso geral). O método seria, portanto, o caminho a ser seguido rigorosamente, 
nas etapas aqui elencadas, para que, ao término, se chegasse a uma verdade científica cuja 
explicação para o fenômeno tivesse o peso de lei geral. 
A partir daí, Filosofia e Ciência consistiriam formas distintas, mas correlacionadas de 
conhecimento. Isso, porque a reflexão filosófica seria constituída de três etapas (percepção, 
problematização e especulação), enquanto a ciência, de seis etapas (percepção, 
problematização, especulação, experimentação, teorização e generalização). Vemos que a 
Filosofia não chega sequer à experimentação, portanto não pode chegar a nenhuma verdade 
conclusiva; sua tarefa consiste em perceber, problematizar e especular sobre a realidade, 
enquanto a ciência não só chega à teorização, pelo individual, mas inclusive à generalização 
de uma verdade, pela dedução. 
Mas não pensemos que a Filosofia seja menos importante que as ciências, pura e 
simplesmente por não ser ciência; isso, porque não poderia haver ciência sem Filosofia, uma 
vez que as três etapas iniciais de toda e qualquer ciência constituem-se como reflexão 
Engraving of 
french 
philosopher 
Rene Descartes 
from 1870. 
Fonte: 
http://www.ist
ockphoto.com/
file_closeup/?i
d=14182269&r
efnum=419002
&source=sxchu
04&source=sxc
hu04 
 
Vasco da Gama's fleet at sea 
Da Gama's ship the Sao Raphael is the leading one of 
the two ships under sail in 1497. From "Livro de 
Lisuarte de Abreu," circa 1565. Located in the 
Pierpont Morgan Library, New York, New York, USA. 
Ann Ronan Picture Library. 
IMAGEM: © Heritage Images/Corbis 
COLEÇÃO 
Corbis Art 
 
 
 
filosófica. Sendo assim, a Filosofia não é Ciência, mas também não há Ciência sem Filosofia, 
motivo pelo qual a Filosofia acaba sendo a mãe de todas as ciências. 
Contudo, apesar de as diferenças culturais 
constituírem um problema muito maior para este 
novo período em relação aos anteriores, devido 
aos descobrimentos do séc. XVI (resultantes das 
grandes navegações), não se pode dizer, ainda, 
de uma Antropologia constituída como ciência, 
senão de práticas ainda muito embrionárias, 
sequer nominadas dessa forma. 
Mas a consolidação do método no século 
seguinte - o séc. XVIII - levou à passagem de uma 
era de antropocentrismo, na qual o Homem e sua 
razão ocupavam o cerne das explicações sobre os 
enigmas da natureza e da própria condição 
humana, para o cientificismo do séc. XIX, aquele 
no qual as ciências eram tidas como as 
ferramentas últimas pelas quais o Homem 
desvendaria todos os mistérios da humanidade. 
A consolidação do método nas ciências, 
no séc. XVIII, legou ao séc. XIX a convicção, 
ainda, de que sua utilização possibilitaria ao 
Homem compreender, em termos científicos, 
muito mais do que já haviam, até ali, 
possibilitado as ciências formais e da natureza. 
Isso, para dizer que o próprio Homem, em termos culturais, bem como as sociedades 
humanas poderiam ser, também, compreendidos a partir da utilização do método, 
possibilitando a uma gama distinta de ciências chegar às verdades últimas sobre fenômenos 
essencialmentehumanos e sociais. Inauguravam-se, assim, as Ciências Humanas e Sociais. 
História, Sociologia, Psicologia Social, Geografia Humana e Antropologia deixavam de 
ser, segundo seus objetos de interesse, meros gêneros literários para constituírem novas 
ciências. É claro que, à exceção da História, nenhuma das outras áreas aqui citadas eram 
reconhecidas, na literatura, com as designações que ganhariam como ciência; assim, por 
exemplo, não havia um gênero literário antropológico com este nome, mas sim uma 
perspectiva que, após o séc. XIX, ganhou a designação de Antropologia. 
Especificamente a Antropologia consolidou-se não somente na qualidade de Ciência 
Humana e Social, mas também constituída por um fortíssimo caráter de Ciência Natural. 
Enquanto Ciência Humana, enfocou aspectos como religiosidade, costumes, artes e tudo 
aquilo que pudesse revelar o Homem a partir das suas obras, materiais ou imateriais; 
Andreas Vesalius with dissected human body 
Andreas Vesalius, 16th century Flemish anatomist. Print 
after Steven van Calcar, originally published in "De humani 
corporis fabrica" ("On the Structure of the Human Body?), 
1543. 
IMAGEM: © The Print Collector/Corbis 
COLEÇÃO Corbis Art 
 
 
 
enquanto Ciência Social enfocou a convivência humana na construção de teias de relações 
sociais e complexos de sociabilidade; e, por fim, como Ciência Natural privilegiou o estudo 
sobre os aspectos físicos da constituição e do desenvolvimento humano, privilegiando 
aspectos evolutivos, genéticos, anatômicos e fisiológicos. 
Mas quais os objetos dessa nova ciência, a Antropologia, que teve como berço o 
cientificismo desse séc. XIX? E no que esses objetos se distinguiriam daqueles sob enfoque das 
demais ciências? 
A questão é complexa, se levarmos em consideração que a Antropologia almejava 
enfocar o Homem na sua totalidade, biológica e cultural, fundamentalmente, confundindo-se, 
via de regra, ambas as dimensões como uma só. A complexidade deve-se ao fato de que a 
Psicologia Social também enfocava o Homem, especificamente seu comportamento em 
sociedade; enquanto a Sociologia se interessava pela dimensão social da existência humana, 
determinada pela relação interindivíduos, configurando grupos, instituições e estruturas 
sociais; e a História se interessava pela saga humana, focando a compreensão de processos de 
transformações sociais no passado. O que poderia conferir, para a Antropologia, então, 
alguma clareza e mesmo especificidade na delimitação de seu objeto de interesse? Como 
garantir que a Antropologia não se confundiria com as demais ciências humanas nesse 
momento ainda nascedouro? 
Para responder a esses questionamentos, cabe um recuo 
histórico sobre os marcos da própria constituição da Antropologia 
e das ciências sociais no Ocidente. 
Para isso, não podemos nos limitar a compreender o séc. 
XIX, em que se deu a formação da disciplina antropológica, 
apenas pelo viés epistemológico, ou seja, pelos caracteres que 
levaram à constituição da Antropologia como ciência; é preciso 
compreender este período desde uma perspectiva sócio-histórica. 
Nesse sentido, o séc. XIX foi caracterizado, por inúmeros 
autores que se debruçaram sobre a História Contemporânea, 
entre eles o historiador Eric J. Hobsbawm, como o século de 
ocorrência do nacionalismo, de consolidação da Revolução 
Industrial, do imperialismo e do neocolonialismo. 
É preciso, portanto, 
articular, para 
melhor 
compreender a 
relação entre esses processos históricos e o desenvolvimento da 
própria Antropologia. 
Sabemos que a Revolução Industrial, ocorrida a partir do 
final do séc. XVIII, na Inglaterra, consolidou-se por volta da 
Caricature of Eric Hobsbawm 
Caricature by John Minnion of Eric Hobsbawm, historian, author 
and Emeritus Professor of Economic and Social History at the 
University of London since 1982. 
IMAGEM: © John Minnion/Lebrecht Music & Arts/Corbis 
FOTÓGRAFO John Minnion 
COLEÇÃO Historical 
 
 
 
década de 1830, determinando uma nova natureza de relações entre países industrializados, 
que ocupavam papel central no sistema capitalista, e países não-industrializados, que 
ocupavam papel periférico no mesmo sistema. Fundamentalmente, entre os países centrais do 
capitalismo industrial, estabeleceu-se uma desenfreada concorrência pelo que determinaria a 
condição de liderança nos mercados já mundializados: mão-de-obra, matéria-prima e 
mercados consumidores. 
No bojo da concorrência capitalista, os países industrializados, como Inglaterra (líder no 
sistema internacional), Alemanha (após sua unificação em 1871), França e EUA, passaram a 
disputar não só mercados para escoação de sua produção industrial, 
mas, fundamentalmente, territórios fornecedores de matérias-primas e 
que constituíssem, também, mercados consumidores. Neste sentido, 
territórios perfiréricos, estritamente África, Ásia e América Latina, 
estiveram sob assédio dos países ricos, industrialmente desenvolvidos, 
interessados fundamentalmente nas possibilidades de extração de 
matérias-primas para a indústria, especialmente ferro, aço e minérios requeridos para as 
atividades fabris, e de consolidação de monopólios comerciais, garantidos ambos pela força. 
Desta forma, a consolidação da Revolução Industrial levou, pela concorrência 
capitalista, ao fenômeno do imperialismo pela via da dominação neocolonial. 
Quando pensamos em um “império”, pensamos, inicialmente, no exemplo de Roma, 
que, ao expandir-se no espaço, anexando territórios circunvizinhos, impunha um modelo de 
civilização a povos que eram designados, apenas por não pertencerem ao império, como 
“bárbaros”. O imperialismo, portanto, desde seu uso dado para referir o expansionismo 
romano, significa, em essência, um movimento de expansão para esse novo momento não tão 
somente de dominação de um território e de seu povo, perdendo estes a soberania e sendo 
reduzidos à condição de colônia dos países ricos, mas também de expansão, 
fundamentalmente, de mercados na nova economia industrial. 
A Inglaterra carecia, praticamente, de todo tipo de matéria-prima para sua indústria, à 
exceção do que estivesse relacionado à tecelagem; a Alemanha era carente de regiões 
mineradoras; os Estados Unidos, de açúcar e frutas; bem como a França. No entanto esses 
países ocupavam condição central no desenvolvimento capitalista industrial, isso, exatamente, 
porque engendraram sua expansão imperialista com base na dominação neocolonial de 
territórios inteiros. Enquanto Inglaterra, França e Alemanha se ocupavam da neocolonização 
do norte da África e sul-sudeste da Ásia, os EUA engendravam políticas imperialistas em 
relação à América Latina. 
O neocolonialismo, apesar de obedecer à ordenação de um novo tipo de capitalismo 
(o industrial), seguia a ordenação política do colonialismo imediatamente anterior (atinente ao 
capitalismo mercantil), aquele que ocorria também na África e na Ásia e, após a descoberta do 
Novo Mundo, na América, fruto das navegações do séc. XVI. Ou seja, seguia a natureza 
política da dominação exercida por metrópoles economicamente desenvolvidas, submetendo, 
pela força da ocupação, colônias pobres em termos econômicos, mas ricas em recursos 
An illustration of power plants to 
indicate progress 
IMAGEM: © ImageZoo/Corbis 
NOME DO CRIADOR Compass 
COLEÇÃO Alloy 
 
 
 
humanos e físicos, que serviam de retaguarda econômica das metrópoles fundamentalmente 
europeias e, para esse novo momento, também dos EUA. 
O contato de povos europeus, pela via da dominação neocolonial, com outros povos 
de constituição étnica completamente distinta (como africanos, asiáticos e latino-americanos) 
agudizou o problema do estranhamento cultural e levou à elaboração de sistemas explicativos 
focados na legitimação da ideológica convicção de uma superioridade branca, europeia, sobre 
demais povos, entendidos como inferiores. 
É nesse contexto que a ciência antropológicapassou a ser desenvolvida, a partir de 
uma perspectiva eurocentrista, como recurso da própria dominação neocolonial e como 
repertório pretensamente científico que legitimaria o próprio imperialismo e que se constituiria 
como uma ferramenta para a gestão dos povos dominados. 
Conhecer para melhor dominar. Pode-se dizer que esse tenha sido um imperativo 
fundamental para o desenvolvimento dessa primeira antropologia, primordialmente rácica. 
A ideia de que tipos humanos distintos 
poderiam ser divididos em raças provém da 
Biologia, especialmente após a publicação, em 
1859, das teses de Charles Darwin, na célebre 
obra “Sobre a Origem das Espécies por Meio 
da Seleção Natural ou a Preservação de Raças 
Favorecidas na Luta pela Vida” (On the Origin 
of Species by Means of Natural Selection, or 
the Preservation of Favoured Races in the 
Struggle for Life). Na obra, desponta a teoria 
da evolução das espécies a partir da 
sobrevivência dos mais aptos, ou seja, 
daqueles cujas características possibilitariam 
sobreviver às transformações operadas no 
meio natural, transmitindo seus caracteres, 
pela hereditariedade, à prole, perpetuando sua 
espécie. Diferenças biotípicas no mesmo gênero animal possibilitariam distinguir raças, nesses 
termos, mais ou menos aptas à própria sobrevivência. A ideia rácica nasceu, então, já 
embebida num universo valorativo, distinguindo entre mais ou menos aptas as raças tidas, 
então, como superiores e inferiores. 
O impacto seguinte à publicação das teses de Darwin foi de tal forma avassalador que 
reverberou, significativamente, nas nascentes ciências humanas, primordialmente a partir da 
obra de Herbert Spencer, responsável pelo deslocamento do evolucionismo darwinista, com 
suas categorias rácicas, da Biologia para as Ciências Humanas e Sociais, mais especificamente 
para a Antropologia. O Spencerianismo ou o Darwinismo Social utilizava não somente as 
categorias rácicas, mas o próprio sistema valorativo entre seres mais ou menos aptos 
(superiores e inferiores), para explicar a distinção entre indivíduos e grupos humanos. 
Modern Human and Cro-Magnon skulls 
IMAGEM: © Carolina Biological/Visuals Unlimited/Corbis 
DATA DA FOTOGRAFIA 21 de junho de 2010 
FOTÓGRAFO Carolina Biological 
COLEÇÃO Encyclopedia 
 
 
 
Povos passaram, então, a serem escalonados de acordo com suas características 
biotípicas, entendendo-se a cultura de forma determinada também por essas características, 
entre superiores (povos entendidos como civilizados) e inferiores (povos entendidos como 
incivilizados ou bárbaros). 
A perspectiva rácica validava, com o peso da fecha científica, a dominação que povos 
europeus engendravam contra asiáticos, africanos e, no caso dos estadunidenses, contra 
latino-americanos, criando um repertório científico que parecia tornar plausível o 
inimaginável: a tutela de povos tidos como involuídos por povos autorreferidos como 
civilizados, quando o que se verifica, em termos históricos, é o peso da violência neocolonial 
exercida em prol do desenvolvimento econômico e da força política dos países centrais do 
sistema capitalista industrial. 
Nesses termos, a violência que os ingleses empreenderam na Índia, na China e nas 
colônias africanas; os franceses, na Argélia; os alemães, em colônias na África; e os 
estadunidenses, nas inúmeras intervenções militares de caráter imperialista na América Latina 
(como em Porto Rico, Filipinas, Panamá, Haiti, República Dominicana etc.), segundo o 
discurso antropológico matizado pelas categorias rácicas, pareciam ser legítimas. 
 
Em função da vigência dessas categorias profundamente determinadas por 
ideologismos e convicções grandiloquentes de superioridade, países europeus, autorreferidos 
como portadores de sociedades evoluídas, comumente trataram sociedades periféricas como 
involuídas, referindo-as como infantis. A metáfora da infância remete-nos às etapas do próprio 
desenvolvimento humano, fazendo crer que as sociedades passariam, obrigatoriamente, pelas 
mesmas etapas de crescimento: nascimento, infância e juventude, designativas de 
imaturidade; e idade adulta, velhice e morte, por sua vez, designativas da maturidade seguida 
Trade card for 
Price's lighting 
tapers depicting 
the Indian Muti 
A trade card for 
Price's lighting tapers 
depicting the Indian 
Mutiny of Lucknow in 
1857 with Sir Henry 
Lawrence in the 
vignette. He was 
killed on July 2nd, 
but the little garrison 
held out until 
September 25th 
when they were 
relieved, but was then 
besieged again. 
IMAGEM: 
© Michael 
Nicholson/Corbis 
FOTÓGRAFO 
Michael Nicholson 
COLEÇÃO 
Encyclopedia 
 
 
 
pela decadência. Sendo assim, povos autorreferidos como maduros (adultos) deveriam 
educar, inclusive pela via da força, povos apontados como intantis ou imaturos. 
Levou um tempo considerável até que a 
confusão inicial entre natureza e cultura conduzisse a 
adequadas distinções, ao passo que, hoje, voltam as 
duas dimensões da existência social a estarem 
profundamente imbricadas, mais uma vez se 
emaranhando. Tempo também foi necessário para 
que a Antropologia se libertasse dos esquemas 
explicativos de corte evolucionista, que marcaram a 
constituição da ciência nesse período formativo, mas 
que desvelam seu caráter inicial profundamente 
racista e seu desempenho como instrumento de 
Estados imperialistas e da dominação neocolonial 
que estes engendraram contra povos que ora a 
Antropologia se esforça em compreender, não mais 
em dominar. 
Caricature of Charles Darwin 
"Natural Selection." A caricature by James Jacques Tissot of British naturalist 
Charles Darwin from "Vanity Fair," 30 September 1871. 
IMAGEM: 
© The Print Collector/Corbis 
COLEÇÃO 
Corbis Art 
 
 
 
 
 
 
Para o caso de você desejar se aprofundar em algumas questões trabalhadas no conteúdo 
desta unidade, disponibilizamos, aqui, uma relação de materiais complementares que podem 
ser extremamente elucidativos. 
Livros: 
HOBSBAWN, Eric J. A era das revoluções – 1789-1848. São Paulo: Paz e Terra, 2008. 
__________. A era do capital – 1848-1875. São Paulo: Paz e Terra, 2005. 
__________. A era dos impérios – 1875-1914. São Paulo: Paz e Terra, 2008. 
 
Filmes: 
“Brincando nos campos do Senhor”; dir.: Hector Babenco 
“Queimada”; dir.: Gillo Pontecorvo 
“1900 – Homo Sapiens”; dir.: Peter Cohen 
“Criação”; dir.: Jon Amiel 
 
Material Complementar 
 
 
 
 
 
 
 
 
BOAS, Franz. Antropologia Cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. 
CARVALHO, E. A. Antropologia. Sao Paulo: Objetivo, 1972. 
CHILDE, V. Gordon. A evolução cultural do homem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1966. 
DAMATTA, Roberto. Relativizando: uma introdução à Antropologia Social. Rio de Janeiro: 
Rocco, 1991. 
DARWIN, Charles. A origem das espécies. Porto: Livraria Chardron, 1957. 
KUPER, Adam. Antropólogos e Antropologia. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978. 
LAPLANTINE, Fraçois. Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense, 1998. 
MARGARIDA MARIA MOURA. Nascimento da Antropologia Cultural: A Obra de Franz Boas. 
São Paulo: Hucitec, 2004. 
MELLO, L. G. Antropologia Cultural: Iniciacao, Teoria e Temas. 11. ed. Petropolis: Vozes, 
2004. 
OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. Sobre o pensamento antropológico. Rio de Janeiro: Tempo 
Brasileiro, 1988. 
ROONEY, A.K.; VORE, P.L. de (orgs). You and the others: Readings in Introductory 
Anthropology. Cambridge: Erlich, 1976. 
SPERBER, Dan. O saber dos antropólogos. Lisboa: Edições 70, 1992. 
 
 
 
Referências 
 
 
 
 
 
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Anotações

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