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APOSTILA DE LITERATURA FANTÁSTICA EM LING ESP

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Os movimentos literários denominados "Realismo Mágico" e "Real Maravilhoso" foram mobilizados por um grupo de intelectuais latino-americanos, tendo como ponte de partida os seguintes autores:
	
Julio Cortázar e Arturo Uslar Pietri.
	
Arturo Uslar Pietri e Alejo Carpentier.
	
Arturo Uslar Pietri e J. J. Veiga.
	
Jacques Cazotte e Charles Perrault.
	
Gabriel García Marquez e Alejo Carpentier.TEMA 01: A Literatura Fantástica em Língua Espanhola
Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico
Prof.ª Elaine Zeranze
Descrição
A definição do fantástico e seus desdobramentos histórico-literários.
Propósito
Estudar uma modalidade literária é fundamental para os estudos em Literatura, pois viabiliza o seu reconhecimento em determinadas categorias e permite, na análise de um texto, visualizar sua construção dentro de certos paradigmas.
Preparação
Antes de iniciar os seus estudos, pesquise o termo “gêneros literários” no e-dicionário de termos literários.
Objetivos
Módulo 1
O fantástico: gênero ou modo?
Relacionar o fantástico às ideias de gênero e modo literários.
Módulo 2
O fantástico, o estranho e o maravilhoso
Identificar características de narrativas limítrofes ao fantástico.
Módulo 3
Realismo mágico e real maravilhoso
Reconhecer narrativas classificadas nas modalidades real maravilhoso e realismo mágico.
Introdução
Embora muito antiga, e remonte aos clássicos, a teoria dos gêneros literários não encontrou ainda consenso. Há quem diga que seu conhecimento é fundamental para os estudos literários, como existem também seus detratores, pregando o fim das classificações em virtude da liberdade literária, defendendo ora a posição do autor, ora a do texto ou ainda privilegiando a interpretação do leitor.
Sendo a teoria dos gêneros um debate ainda não resolvido, isso se estende a suas modalidades, e o fantástico não foge a essa regra. Logo, seu enquadramento tem levantado questões acerca de seu reconhecimento como gênero ou modo literários.
O que segue é um recorte teórico e crítico de alguns estudos que giram em torno do conceito de fantástico e seus desdobramentos históricos e críticos.
Bons estudos!
1
O fantástico: gênero ou modo?
Ao final deste módulo, você será capaz de relacionar o fantástico às ideias de gênero e modo literários.
O que é o gênero literário?
A classificação de textos é tão antiga quanto a própria literatura. Filósofos e críticos se dedicaram a buscar uma base comum na estrutura textual que, com o tempo, fez surgir variadas teorias do gênero literário.
De origem latina, a palavra gênero (gĕnus,ĕris) pode significar: classe, tipo, espécie, geração etc.
Com isso, podemos relacionar o gênero a outros sentidos, como o de geração, e não apenas ao classificatório. É a partir do sentido de geração que conseguimos entender a historicidade presente nos textos literários.
Nosso cânone e principal referência do que mais tarde se tornaria a primeira teoria dos gêneros é Aristóteles (384-322 a.C.) e sua obra intitulada Poética. Nessa obra, ao subdividir a poesia em espécies, o discípulo de Platão cria categorias que hoje entendemos como a origem dos gêneros literários.
Partindo do conceito de mimesis, a arte de imitar a natureza, de criar a partir da verossimilhança; Aristóteles diferencia as artes miméticas através dos meios, objetos ou modos de imitar, separando-as em três categorias básicas:
Dramática
Épica
Lírica
Anatol Rosenfeld (1985) defende a tese de que pouca coisa se alterou na teoria dos gêneros desde a Poética. Com base nos gêneros tripartidos aristotélicos, o autor aponta para a existência de um significado substantivo e um significado adjetivo para essas classificações.
Na significação substantiva, Rosenfeld se pauta na extensão, estrutura e personagens. Para denominar a significação adjetiva, o crítico aponta para os traços estilísticos das obras literárias. Neste enquadramento, entrevemos um dos problemas da teoria dos gêneros: o de encontrar traços estilísticos de diversos gêneros em uma única obra.
Exemplo
Percebemos a possibilidade de, em uma obra épica, encontrar fortes traços líricos entre outras diversas combinações. “Não há poema lírico que não apresente ao menos traços narrativos ligeiros e dificilmente se encontrará uma peça em que não haja alguns momentos épicos e líricos.” (ROSENFELD, 1985, p. 18)
Pensando na evolução histórica da teoria dos gêneros, após Aristóteles, dois momentos foram significativos para a crítica literária:
Primeiro
Durante a Idade Média, em que apareceram subdivisões em gêneros menores.
Segundo
Durante o pré-romantismo e o romantismo, com o surgimento do drama burguês e do romance como estruturas revolucionárias para a teoria literária.
Angélica Soares, em Gêneros Literários (2004), aponta para o movimento pré-romântico alemão o Sturm und Drang como o instante em que a teoria dos gêneros encontra obstáculos ao tempo que ganha força.
Sturm und Drang
Sturm und Drang foi um movimento literário alemão no final do século XVIII que exaltava a natureza, os sentimentos, o individualismo e tentou derrubar o culto racionalista do Iluminismo. Goethe e Schiller começaram suas carreiras como membros desse movimento.
O Sturm und Drang traz como premissa a ideia de gênio e a defesa da espontaneidade de criação. Com isso, a tarefa de conciliar teoria dos gêneros e autonomia do escritor tornou-se um embaraço, sendo prontamente acolhida pelo filósofo Friedrich Schlegel. Sem excluir o gênio criador, Schlegel elabora uma nova teoria de gêneros baseada na estruturação das obras românticas.
No final do século XIX, a teoria dos gêneros ficou em vias de extinção com Brunetière que, influenciado pelas ideias evolucionistas de Darwin, afirmou que o gênero, após nascer e se desenvolver, estaria fadado à morte. Contudo, é o estatuto de cultura e historicidade que resguarda o gênero da finitude. Nessa direção também interessa o estudo de Lukács, que expõe a transformação temporal da epopeia em romance, demonstrando a modificação dos gêneros ao longo da história, como podemos conferir no trecho a seguir:
Epopeia e romance (...) não diferem pelas intenções configuradoras, mas pelos dados histórico-filosóficos com que se deparam para a configuração. O romance é a epopeia de uma era para a qual a totalidade extensiva da vida não é mais dada de modo evidente, para a qual a imanência do sentido à vida tornou-se problemática, mas que ainda assim tem por intenção a totalidade.
(LUKÁCS, 2000, p.55)
No excerto acima, fica evidente a dificuldade de se pensar o gênero na modernidade, visto o caráter fragmentado da época. Distante da tradição e do mundo compartilhado, as formas modernas dão conta e refletem o dilaceramento do sujeito.
Para alguns autores, o gênero ou modalidade fantástica germina neste solo. Tzvetan Todorov vai além e faz o corte temporal limitando o gênero fantástico à expressividade de uma época estranha, e, consequentemente, exclui autores como Edgar Allan Poe e Kafka. Para Ceserani, esta é uma atitude seletiva e purista do crítico, que reduz “o campo de ação do fantástico e o identifica somente com um gênero literário historicamente limitado a alguns textos e escritores do século XIX e prefere falar de “literatura fantástica do romantismo europeu” (CESERANI, 2006, p. 8)
Afinal, por que estudar os gêneros?
Para Todorov, é totalmente diferente estudar uma obra em si ou sob uma perspectiva estrutural. E, partindo desse ponto de vista, apresenta algumas questões polêmicas levantadas por filósofos e críticos literários que problematizaram o conceito e a importância de estudar a estrutura dos gêneros literários.
Todorov foi um importante nome do estruturalismo, abordagem inspirada no modelo da linguística saussuriana, que visa explicar a lógica das repetições de estruturas/conjunto de relações nos fenômenos.
Linguística saussuriana
Ferdinand de Saussure (1857-1913) foi um linguista suíço, considerado o pai da linguística moderna.
Deste modo, pensar o gênero literário pela lógica estruturalista significa buscar algo de comum entre osfenômenos da linguagem literária que possa sugerir uma regra.
Mas existiria um nível de generalidade a limitar os tipos de gêneros? Para Todorov, há diferentes níveis de generalidade e seu conteúdo dependerá da perspectiva adotada. (TODOROV, 2017, p.9)
Uma das oposições à teoria dos gêneros se direciona justamente ao que esta procura de universal nas obras. Em defesa da particularidade, do valor aplicado à originalidade, critica teorias que se voltam para que há de ordinário nelas. Esse discurso marca uma posição de defesa da singularidade, na qual cada obra literária deva ser estudada como tal.
Contudo, em As estruturas narrativas (2006), Todorov diz que o estabelecimento de modelos se dá com fins aplicativos, e além de elucidar a natureza e as características do fenômeno literário, serve, inclusive, para verificar o que há de específico, afinal, tudo o que não está no molde é o que há de original em determinada obra particular.
Comentário
Todorov defende as estruturas e categorias literárias da crítica de engessamento, ao lembrar da flexibilidade destas frente às mudanças inevitáveis. Para ele, “o modelo ideal é aquele que tenha algumas traves mestras, mas ofereça ao mesmo tempo certa flexibilidade, para poder variar no momento da aplicação e ser capaz de revelar tanto o repetido quanto o novo.” (TODOROV, 2006, p. 10)
Comentário
Todorov defende as estruturas e categorias literárias da crítica de engessamento, ao lembrar da flexibilidade destas frente às mudanças inevitáveis. Para ele, “o modelo ideal é aquele que tenha algumas traves mestras, mas ofereça ao mesmo tempo certa flexibilidade, para poder variar no momento da aplicação e ser capaz de revelar tanto o repetido quanto o novo.” (TODOROV, 2006, p. 10)
O individual não pode existir na linguagem, e nossa formulação de caráter específico de um texto torna-se automaticamente a descrição de um gênero (...). o exemplo nos é fornecido sem cessar pela teoria literária, já que os epígonos imitam precisamente o que havia de específico no iniciador.
(TODOROV, 2017, p. 11)
Georg Lukács, importante crítico literário, sai em defesa da forma literária, afirmando que ali situa-se o verdadeiramente social. “Toda a forma é a resolução de uma dissonância fundamental da existência, um mundo onde o contrassenso parece reconduzido a seu lugar correto, como portador, como condição necessária do sentido” (LUKÁCS, 2000, p. 61)
Por tudo isso, é possível concluir que, para a teoria dos gêneros, é de grande importância estudar a obra levando em conta sua historicidade como parte portadora de sentido, uma vez que é, ao mesmo tempo, modelada e produtora da realidade na qual se inscreve.
O fantástico como gênero literário
Todorov, embora não tenha sido o primeiro a delimitar o fantástico como gênero literário, tornou-se referência no tema por conta do célebre ensaio intitulado A narrativa fantástica (2006), texto que serviu de base para críticos a favor e avessos a esta classificação.
Por muito tempo, o fantástico foi deixado de lado pelos estudos literários e sua conceitualização limitada e dissonante, promovendo muitos equívocos e debates nessa seara, perpetuados ainda hoje.
Sentindo a necessidade de produzir um estudo mais aprofundado, e que respondesse às questões levantadas acerca do fantástico, Todorov se viu impelido a realizar uma obra voltada a essa temática. Publicada em 1970, Introdução à Literatura Fantástica propõe soluções aos problemas que estavam postos. Nela, o fantástico recebe o estatuto de gênero e uma definição.
Devido à sua base estruturalista, para dar conta de tudo aquilo que extrapola o fantástico, gêneros vizinhos, o estranho e o maravilhoso, foram concebidos.
No ensaio A narrativa fantástica, Todorov apresenta um elemento que se torna fundamental em toda sua conceitualização, a hesitação.
Comentário
Para o autor, o fantástico perdura somente no tempo da incerteza. Esta hesitação se trata de uma ambiguidade narrativa diante de situações regidas por leis desconhecidas da nossa realidade. Optando o herói ou o leitor por uma explicação natural ou sobrenatural, ou seja, desfazendo a dúvida, sai-se do campo do fantástico.
Hesitar no fantástico é estar na organização natural, sem a expectativa de acontecimentos insólitos, e ser surpreendido por situações que coloquem tanto personagem quanto leitor diante do inexplicável. Ali, o leitor e o herói hesitam em aceitar ou negar o que veem. Esta incerteza é a condição primordial para instituir o gênero. Veja o exemplo dado por Todorov:
Alvare, a personagem principal do livro de Cazotte O Diabo Apaixonado, vive há meses com um ser, do sexo feminino, que ele acredita ser um mau espírito: o diabo ou um de seus subordinados. O modo como apareceu esse ser indica claramente que se trata de um representante do outro mundo; mas seu comportamento especificamente humano (e mais ainda feminino), os ferimentos reais que recebe, parecem provar, ao contrário, que se trata simplesmente de uma mulher, e de uma mulher que ama. Quando Alvare lhe pergunta de onde ele vem, Biondetta responde: “Sou Sílfide de origem e uma das mais consideráveis dentre elas...” E no entanto, existem as Sílfides? “Eu não concebia nada do que ouvia, continua Alvare. Mas que havia de concebível em minha aventura? Tudo isso me parece um sonho, dizia a mim mesmo; mas será́ outra coisa a vida humana? Eu sonho de modo mais extraordinário do que os outros, eis tudo... Onde está o possível? Onde está o impossível?
(TODOROV, 2006, p. 145-146)
Para além da hesitação, Todorov determina mais três condições para o estabelecimento do fantástico:
A primeira condição é a avaliação dos acontecimentos pelo leitor através de seu mundo para decidir se tal fenômeno é natural ou sobrenatural.
A segunda, Todorov nomeou de jogo de espelhos, no qual a hesitação acontece por uma projeção do leitor, ou seja, a incerteza do leitor se torna também a do personagem.
Na terceira, o leitor deve rechaçar tanto a explicação do insólito por uma elucidação natural, como o advento de um sonho, por exemplo, quanto à sua absorção, o que deslizaria para o maravilhoso, ou seja, “tanto a interpretação alegórica como a interpretação poética” (TODOROV, 2006, p. 39) devem ser recusadas.
Ainda que o crítico coloque a segunda condição como expletiva, a primeira e a terceira são fundamentais para o estabelecimento de fantástico.
Já encerrando o ensaio, Todorov se questiona: por que o fantástico?
Responde apontando para três funções:
A social
A literária do sobrenatural
A função do próprio fantástico.
Segundo Cailois (apud CESERANI, 2006), “o fantástico é, assim, ruptura da ordem reconhecida, irrupção do inadmissível dentro da inalterável legalidade cotidiana, e não substituição total de um universo real por um exclusivamente fantasioso.” (CAILOIS apud CESERANI, 2006, p. 47)
Tanto a função social quanto a literária do sobrenatural servem para barrar uma censura. Na primeira, rompe-se com as leis institucionalizadas e particulares dos autores, ou seja, pelo sobrenatural é possível driblar a censura de temas proibidos, como o incesto, a necrofilia, a sensualidade excessiva, nos diz Todorov.
O fantástico é um meio de combate contra uma e outra censura: os desencadeamentos sexuais serão mais bem aceitos por qualquer espécie de censura se pudermos atribuí-lo ao diabo.
(TODOROV, 2006, p. 160)
Como função literária, a transgressão ocorre no seio da própria narrativa, para isso o maravilhoso precisa: “trazer uma modificação da situação precedente, romper o equilíbrio (ou o desequilíbrio).” (TODOROV, 2006, p. 160)
Por fim, Todorov faz uma breve discussão sobre a função do próprio fantástico, que está presa à reação provocada por ele.
Atenção!
Também como transgressão, funciona como reação à consciência positivista da época, é afinal uma transgressão da linguagem pela própria linguagem, pois explica o que o cientificismo não dá conta, o subjetivo.
Neste ponto, vemos a clara influência do estruturalismo, que confere ao significante a autonomia que as coisas perderam.
O fantásticocomo modo literário
A análise de Todorov que concebe o fantástico como gênero, embora limitada a algumas obras de uma época específica, tornou-se referência para pensar, inclusive, o que foi feito posteriormente, ainda que tal entendimento não se limite ao de gênero literário.
Contrária à definição de Todorov, a francesa Irène Bessière escreve o ensaio O relato fantástico: forma mista de caso e adivinha (1974). Nele, questiona o fato de Todorov ter reduzido o fantástico a um traço não específico, ao da hesitação. Para ela, o fantástico não está inserido em uma categoria ou gênero, “mas supõe uma lógica narrativa que é tanto formal quanto temática e que, surpreendente ou arbitrária para o leitor, reflete, sob o jogo aparente da invenção pura, as metamorfoses culturais da razão e do imaginário coletivo.” (BESSIÈRE, 2012, p. 2)
Para Bessière, o fantástico é um dos métodos da imaginação, e está diretamente ligado à:
Mitografia
Religiosidade
Psicologia (normal e patológica)
Não sendo idealizado como resultado, mas como a própria causa, em um jogo entre a realidade e desrealização. O seu domínio do que é natural ou não, é determinado culturalmente.
Diferente de Todorov que defendia a tese do fantástico ser datado e localizado, para Bessière, ele vai estar presente em diferentes épocas e culturas e refletirá esses marcos. Logo, a modalidade fantástica “pressupõe uma percepção essencialmente relativa das convicções e das ideologias do tempo, postas em obra pelo autor.” (BESSIÈRE, 2012, p. 3)
Diante de uma realidade problemática, o fantástico não se resume ao oposto do mundo natural, pois tudo o que é exibido provém deste mundo. Portanto, não é a inverossimilhança que o define, e sim, as contraditórias verossimilhanças.
(...) o fantástico instaura a desrazão na medida em que ultrapassa a ordem e a desordem e que o homem percebe a natureza e a sobrenatureza como marcas de uma racionalidade formal.
(BESSIÈRE, 2012, p. 4)
Outro ponto em que Bessière se mostra contrária a Todorov é no que diz respeito à resolução do fantástico. Para Todorov, o fantástico se desfaz no momento em que se decide pela via do natural ou do sobrenatural, pois ele só dura o tempo da dúvida. Já a autora francesa, tomando como exemplo uma ficção de Jorge Luis Borges (1899-1986), fala de uma impossibilidade de solução, ou ainda, da existência de todas as soluções.
Atenção!
De forma resumida, o que Bessière critica é a limitação provocada pela definição do fantástico como gênero, sustentando que, abraçado pelo modo, o fantástico abarca uma maior diversidade de obras cujo principal objetivo é promover a incerteza.
Ceserani, em O fantástico (2006), faz referência ao ensaio de Bessière, dizendo que sua análise é fortemente influenciada pela definição de Jolles a respeito do fantástico, concebendo esta modalidade narrativa como “contra-forma” ou, de forma mais precisa, como “modo”.
Para Ceserani, esse modo literário serve a uma “contingência histórica, para alargar as áreas da “realidade” humana. (CESERANI, 2006, p. 67)
Para além da contingência histórica, Remo Ceserani promove um estudo em que sistematiza o relato fantástico a partir do que nomeou “Procedimentos formais e sistemas temáticos do fantástico”. Os procedimentos formais seriam de ordem narrativa e retórica, e alguns exemplos são:
Foco narrativo em primeira pessoa.
Inclusão do leitor: surpresa, terror.
Figuratividade.
Quanto aos sistemas temáticos, Ceserani exemplifica com os temas mórbidos, de amores improváveis e do vazio.
Em 1937, três amigos, Borges, Bioy Casares e Ocampo discutem os melhores e mais importantes textos de literatura fantástica da história, e desta conversa, três anos mais tarde, sai a primeira publicação de Antologia da Literatura Fantástica (1940). No prólogo, Bioy Casares afirma que, como gênero, a literatura fantástica, com regras bem definidas, teria surgido no século XIX e na língua inglesa. Contudo, não acredita existir somente um tipo de conto fantástico, mas vários, logo para dar conta de um estilo ficcional que, nas suas palavras, é anterior às letras, é preciso averiguar as regras gerais como também as especiais para cada um.
O fantástico: gênero ou modo?
No vídeo, a especialista discutirá o conceito de fantástico a partir de duas perspectivas teórico-literárias: gênero e modo.
Questão 1
Todorov tornou-se referência para os estudos do gênero fantástico. Esse fato se deu pela publicação do célebre ensaio A narrativa fantástica, e depois pela obra Introdução à literatura fantástica. Para o crítico búlgaro, há um elemento crucial para que a narrativa fantástica se estabeleça. Marque qual das alternativas representa esse elemento:
Para Todorov, a hesitação, ou seja, a incerteza diante de acontecimentos insólitos, é o elemento principal que marca a narrativa fantástica. Para o autor, o fantástico perdura somente enquanto perdura a incerteza. A partir do momento em que a dúvida é desfeita, sai-se do campo do fantástico.
Questão 2
O fantástico como gênero foi questionado por diversos autores. Pode-se dizer que um dos principais ataques à teoria de Todorov se deu por conta
Segundo alguns críticos a Todorov, a limitação do fantástico a algumas obras europeias, e devido ao corte histórico, dos séculos XVIII e XIX, fez com que expressivos autores da modalidade fantástica ficassem de fora, tais como Edgar Allan Poe e Franz Kafka.
2
O fantástico, o estranho e o maravilhoso
Ao final deste módulo, você será capaz de identificar características de narrativas limítrofes ao fantástico.
O fantástico, um gênero sempre evanescente
Como discutido anteriormente, Todorov define o fantástico pela hesitação. Tanto personagem quanto leitor precisam duvidar dos acontecimentos insólitos que conturbam a ordem narrativa, estabelecida por uma realidade conhecida.
O fantástico ocorre nesta incerteza (...) é a hesitação experimentada por um ser que só conhece as leis naturais, face a um acontecimento aparentemente sobrenatural.
(TODOROV, 2017, p. 30-31)
Afinal, qual a necessidade literária de promover esse desconforto?
Para entender a razão da inserção de eventos perturbadores é preciso compreender o contexto histórico do qual emerge o fantástico.
Para o crítico búlgaro, o aparecimento de narrativas com conteúdo sobrenatural, que traz como temas o grotesco, o sombrio, tabus e interdições, é o positivismo. Quando a ciência derruba os ícones e resta apenas a realidade, o resultado é o desamparo.
O indivíduo burguês se vê submerso numa realidade e subjetividade nascidas a fórceps e a sua linguagem, arbitrária, concreta, científica e empírica não preenche o vazio transcendente. A representação literária da realidade não se mostra suficiente para dar conta das angústias do sujeito burguês europeu.
Para Todorov, não é coincidência que neste cenário surjam as narrativas fantásticas, pois é este o gênero que desponta da necessidade de tapar um buraco deixado pela morte do mundo transcendental provocado pelo mundo moderno.
Comentário
Todorov, contudo, atenta para um detalhe importante, o de não pensar o fantástico como simples oposição ao naturalismo, ou seja, à representação fiel da realidade. Ele reside, na verdade, na ambiguidade fantástica, onde, através do recurso linguístico, a hesitação ocorre dentro do sentido
Para ilustrar, Todorov nos serve com o exemplo de Aurélia de Nerval, que, para ele, teria como tema principal a linguagem. Observe as seguintes passagens:
Parecia-me que entrava numa moradia conhecida... Uma velha criada que eu chamava de Marguerite e que me parecia conhecer desde a infância me disse... E eu tinha a impressão de que a alma de meu antepassado estava naquele pássaro... Acreditei cair num abismo que atravessava o globo. Sentia-me levado sem sofrimento por uma correnteza de metal fundido... Tive a sensação de que essas correntezas eram compostas de almas vivas, em estado molecular... Tornava-se claro para mim que os antepassados tomavam a forma de certos animais para nos visitar na terra...
(NERVAL apud TODOROV, 2017, p. 44 grifos do autor)
Pelosgrifos, podemos notar de que modo o autor trabalha a linguagem a fim de criar uma atmosfera de ambiguidade. O uso das locuções e do tempo imperfeito mantém a narrativa em dois mundos e a sua retirada nos jogaria para o mundo do maravilhoso, como veremos adiante
Outro mecanismo efetivo é o de manter a própria loucura à prova, como nos mostra o exemplo a seguir:
As narrativas daqueles que me tinham visto assim me causavam uma espécie de irritação quando eu via que se atribuíam à aberração do espírito os movimentos ou as palavras coincidentes com as diversas fases daquilo que constituía para mim uma série de acontecimentos lógicos.
(NERVAL apud TODOROV, 2017, p. 45)
Ora, se na remoção das locuções entramos em terreno maravilhoso, ao aceitarmos a tese da loucura, entraremos, pois, no gênero estranho. Daí a sutileza e habilidade do autor ao trabalhar a linguagem a serviço de manter leitor e personagem na ambiguidade, sustentando assim a hesitação, portanto, dentro do que Todorov nomeou como gênero fantástico puro.
A partir dos exemplos acima, vimos, então, que há um limite para o gênero fantástico, e extrapolá-los seria adentrar em gêneros vizinhos.
Atenção!
Optar pela absorção do sobrenatural na verdade narrativa ou pela explicação realista que desfaça o acontecimento insólito, seria sair do fantástico e entrar nos gêneros maravilhoso e estranho respectivamente. “‘Cheguei quase a acreditar’: eis a fórmula que resume o fantástico. A fé absoluta como a incredulidade total nos leva para fora do fantástico; é a hesitação que lhe dá vida.” (TODOROV, 2017, p. 36)
Para ilustrar de que modo se estabelecem os limites do fantástico, segue o seguinte diagrama:
Para Todorov, o fantástico pode desvanecer a qualquer instante, logo é um gênero evanescente. O autor o compara ao tempo presente, que se situa no limiar entre passado e futuro, um “puro limite”.
“A comparação não é gratuita: o maravilhoso corresponde a um fenômeno desconhecido, jamais visto, por vir: logo a um futuro; no estranho, em compensação, o inexplicável é reduzido a fatos conhecidos, a uma experiência prévia, e daí ao passado. Quanto ao fantástico mesmo, a hesitação que o caracteriza não pode, evidentemente, situar-se senão no presente.” (TODOROV, 2017, p. 48-49, grifo nosso)
 O estranho
Filipe Furtado formulou o termo metaempírico que, a princípio, tem-se como sinônimo de sobrenatural, elemento comumente associado ao fantástico. Entretanto, o termo se pretendia muito mais abrangente, na medida em que personagens e ocorrências não necessariamente associados ao sobrenatural seriam abarcados pelo conceito, desde que se revelassem alheios ao mundo empírico, ou ainda sem efetiva realização. O vocábulo, assim, adequa-se a designar figuras, ideias, objetos, cenários ou ações passíveis de emergir tanto do fantástico, quanto de gêneros vizinhos. Nas palavras de Furtado:
A narrativa fantástica encena a manifestação metaempírica conferindo-lhe um grau de verossimilhança tão elevado quanto possível, enquanto deixa a porta entreaberta para uma explicação racional que quase conduza à sua reintegração na natureza conhecida.
(FURTADO, 1980, p. 117)
Dentro da acepção todoroviana, o fantástico permanece apenas na fração de tempo da hesitação. Diante de um acontecimento insólito, leitor e personagem precisam decidir se aquilo que percebem se deve ou não à “realidade”, tal como ela existe para a opinião comum. Há, portanto, dois caminhos a seguir:
Maravilhoso
Se abraçarmos a manifestação meta-empírica, entramos no gênero maravilho.
Estranho
Caso sejamos conduzidos pela lógica narrativa a uma explicação natural, entramos, pois, no campo do gênero estranho.
Façamos um breve parêntese para compreender de que forma a escolha do foco narrativo viabiliza a construção de um clima que favoreça a manifestação fantástica.
Analisando a função do narrador na composição da narrativa fantástica, Filipe Furtado aponta para uma figura em geral homodiegética. Ou seja, o narrador faz parte da história, ou altera o curso da história em certa medida, sendo um personagem secundário (testemunha). Isso se deve ao ônus advindo da escolha pelo protagonismo do narrador, porque ao optar por uma saída racional, o resultado da derrota para o sobrenatural é quase sempre a sua morte, loucura ou uma metamorfose monstruosa. Daí a preponderância do narrador como testemunha, que se resume a testemunhar e a contar os acontecimentos insólitos atravessados pelo protagonista. (FURTADO, 1980, p. 111)
O fantástico-estranho, gênero limítrofe e transitório, possui, até o momento de seu estabelecimento, diretrizes muito sensíveis, pois precisam até este instante caminhar em solo incerto, qualquer elemento a mais poderá romper com a ambiguidade e colocar o gênero em risco.
Daí a importância da construção meticulosa do sujeito da enunciação na diegese, afinal este terá papel decisivo para instaurar a ambiguidade na presença do sobrenatural. E, assim como um narrador protagonista coloca em dúvida a veracidade do que está sendo narrado, um narrador onisciente rompe com a instabilidade devido à sua “proximidade” ao evento insólito.
Logo, o fantástico-estranho se organiza enquanto a narrativa recebe eventos inexplicáveis, e a dúvida é sustentada entre duas orientações, até chegar ao momento de sua resolução, que deverá apresentar um esclarecimento natural.
Exemplo
Todorov dá como exemplo a obra de Cazotte, O diabo apaixonado (1772), em que, os sonhos de Alphonse são justificados pelo uso de entorpecentes. Logo, seja pelo uso de drogas, insanidade ou ainda por um simples sonho, o fantástico é desfeito pela racionalidade.
Contudo, Todorov revela ainda a existência de um estranho puro. Nele, os acontecimentos são todos passíveis de explicação racional, entretanto, não deixam de ser extraordinários e impressionantes. A novela A queda da casa de Usher, de Edgar Allan Poe, é um grande exemplo. Nela, o insólito é promovido por uma série de coincidências que bem poderiam tomar o rumo do sobrenatural. Contudo, o narrador de Poe intervém, revelando o que ali acontecera, como podemos ler no fragmento a seguir. O comentário é feito no instante em que a casa assombrosamente desaba:
Talvez o olhar escrutinador de um observador pudesse descobrir uma rachadura quase imperceptível, que se estendia do telhado do prédio pela frente, descendo em zigue-zague pela parede, até se perder nas águas turvas do lago.
(POE, 2011, n.p.)
A novela de Poe, contudo, é classificada por Todorov como estranho puro. Para o gênero estranho, não foi estabelecida pelo crítico uma delimitação temporal, a não ser no caso de obras ligadas ao fantástico, como no exemplo de O diabo apaixonado. De resto, elas se perdem no campo geral da literatura: sua definição se prende à estrutura narrativa que apresentem os elementos mencionados.
A queda da casa de Usher, logo, é definida como tal por conta da sucessão de coincidências insólitas presentes na narrativa, como uma suposta ressureição da irmã e o desmoronamento da casa após a morte de todos seus habitantes, o que, prontamente, é explicado racionalmente pelo narrador.
Outro elemento gerador de estranheza na novela de Poe, e que o afasta do fantástico, é o que Todorov nomeou de “experiência dos limites”. Em “A queda da casa de Usher é o comportamento doentio do irmão e da irmã que desconcerta o leitor (...) O sentimento de estranheza parte, pois, dos temas evocados, os quais se ligam a tabus mais ou menos antigos”. (TODOROV, 2017, 54-5) Ora, lembremos aqui do contexto em que se origina o fantástico, segundo a concepção todoroviana.
Ele surge como gênero de uma época marcada pela estranheza, cujas temáticas apresentam transgressões de interdições contemporâneas, que funcionavam como uma espécie de catarse permitida. Em Poe, além do autor evocar temas/tabus antigos, o incômodo se dá pelo excesso e não pelo tema em si.
O maravilhoso
Se em uma ponta do diagrama de Todorov situa-se o estranho, na outra, encontramos o maravilhoso. Na linha central, podemos ver o fantástico, entre o fantástico-estranhoe o fantástico-maravilhoso, dois gêneros limítrofes que são decididos perante a escolha de uma saída racional ou sobrenatural.
A partir da escolha pelo sobrenatural, entramos nas narrativas maravilhosas-fantásticas. Seus acontecimentos, ao cabo, não são esclarecidos segundo as leis naturais, logo, são aceitos como se apresentam, e, por isso, advém a necessidade de incorporação de novas leis dentro da narrativa, agora respondendo a uma lógica metaempírica.
Todavia, no esquema de Todorov, temos também o maravilhoso puro. Neste caso, não há uma delimitação ou regras que o definam, caracterizando-se, apenas, pelos eventos sobrenaturais que se apresentam durante a narrativa.
Atenção!
Contudo, há uma premissa: nem leitor ou narrador devem reagir a eles, pois estes são verossímeis dentro do contexto em que se inserem. São verdades narrativas a presença de seres mágicos, como fadas, a animais falantes ou um sono de cem anos, como vemos nos contos de Perrault.
Perrault
Charles Perrault foi um escritor francês do século XVII, autor de grande número de contos de fadas, tais como A Bela Adormecida e Chapeuzinho Vermelho.
Logo, o que distingue o maravilhoso-fantástico do maravilhoso puro é a surpresa suscitada por eventos sobrenaturais. Desse modo, resumindo:
Fantástico-maravilhoso
O fantástico-maravilhoso aproxima-se do gênero fantástico por conta da estranheza, ou melhor, da hesitação, ainda que por fim sua decisão seja abarcar o sobrenatural.
Maravilhoso puro
No maravilhoso puro, esse estranhamento está ausente, não há qualquer surpresa mediante a presença do insólito.
Todorov, entretanto, chama a atenção para a necessidade de separar o maravilhoso puro de outras narrativas em que o maravilhoso está presente, sob algumas justificativas. Chega, inclusive, a falar de um maravilhoso imperfeito por conta das explicações que fornece, ainda que também insólitas. São eles:
MARAVILHOSO HIPERBÓLICO
Neste tipo de narrativa, não são eventos sobrenaturais que evocam o maravilhoso, mas a dimensão excessiva (hiperbólica) daquilo que nos é natural. Por exemplo, em As mil e uma noites fala-se de cobras tão grandes e largas, capazes de engolir um elefante
MARAVILHOSO EXÓTICO
Neste caso, o sobrenatural não é apresentado como tal, diz Todorov, ele responde às leis de lugares supostamente desconhecidos para o leitor, logo estas leis não são passíveis de serem postas à prova. Ainda com o exemplo de As mil e uma noites, nele, Simbad descreve o pássaro de roca, animal desconhecido dos manuais de zoologia, uma ave cujas patas são tão grossas quanto o troco de uma árvore.
O MARAVILHOSO INSTRUMENTAL
Aqui, Todorov percebe a presença do maravilhoso provocado pelo que chamou de aparecimento de gadgets, ou seja, engenhocas ou aperfeiçoamentos tecnológicos inexistentes à época, mas perfeitamente possíveis. É um passo para a narrativa de ficção científica. Uma porta secreta que abre por comando de voz ou um tapete voador são alguns exemplos desses gadgets que dão um toque maravilhoso à narrativa.
MARAVILHOSO CIENTÍFICO
Aperfeiçoamento do maravilhoso instrumental e o que hoje chamamos de Science-fiction, o maravilhoso nestas obras são compreensíveis à luz das leis que regem estas histórias. Segundo Todorov, “são narrativas que, a partir de premissas irracionais, os fatos se encadeiam de uma maneira perfeitamente lógica.” (TODOROV, 2017, p. 63) No século XIX, eram histórias que explicavam eventos insólitos pelo magnetismo, sendo esse último tão sobrenatural quanto os próprios eventos.
Questão 1
O fantástico, para Todorov, acontece num período histórico marcado por uma corrente filosófica, que defendia que a única forma de conhecimento verdadeiro é o científico. Essa doutrina era denominada:
A narrativa fantástica germina em solo positivista, para dar conta do vazio deixado pelo mundo transcendente e representar as angústias do sujeito moderno cujo discurso racional e científico não fornecem respostas.
Questão 2
Todorov estrutura um esquema com categorias que vão do maravilhoso ao estranho. No centro, em uma fina linha, está situado o fantástico. Entretanto, podemos ver ao seu lado, como gêneros vizinhos, o fantástico-estranho e o fantástico-maravilhoso. Este último diferencia-se do maravilhoso por um detalhe. De acordo com as alternativas, diga qual elemento é necessário para se definir um texto como fantástico-maravilhoso.
O fantástico-maravilhoso se diferencia do maravilhoso devido a hesitação advinda de eventos sobrenaturais, esse estranhamento aproxima o gênero do fantástico, enquanto o maravilhoso tem esses eventos incorporados a sua narrativa, logo não provocam estranheza do narrador ou do leitor.
3
Realismo mágico e real maravilhoso
Ao final deste módulo, você será capaz de reconhecer narrativas classificadas nas modalidades real maravilhoso e realismo mágico.
O mágico como forma de ser
Segundo, Pietri (1986):
Não era um jogo da imaginação, mas um realismo que refletia fielmente uma realidade até então invisível, contraditória e rica em peculiaridades e deformações, que a tornavam inusitada e surpreendente para as categorias da literatura tradicional.
A citação acima é de Arturo Uslar Pietri, autor venezuelano e criador do conceito “realismo mágico”. Tanto o realismo mágico, de Pietri, quanto o real maravilhoso, de Carpentier, dizem respeito a um mesmo movimento literário na América Latina. Distanciando-se do realismo clássico, esta escola literária busca expandir o conceito de mimesis no intuito de abraçar as particularidades do continente americano, que até então seguia o modelo literário europeu que, para uma realidade tão sui generis, mostrava-se insuficiente.
Comentário
Com base na mistura de povos, de nativos indígenas, colonizadores europeus e escravos africanos, é feita a matéria da América Latina. Por tudo isso, Santeria, Popol-Vuh, santos cristãos, entre outras manifestações religiosas e de fé, figuram no cotidiano enredado por uma atmosfera mágica.
Santeria
Religião sincrética, na qual se observam influências da religião iorubá, o cristianismo e as religiões dos povos indígenas das Américas.
Popol Vul
Traduzido como “livro da comunidade”, é um registro da cultura maia, no qual está presente a concepção de criação do mundo maia.
“A fé religiosa e as crendices populares que se alternam com a realidade, permitem a convivência entre os acontecimentos reais e os sobrenaturais do texto, isto é, tornam possível a incorporação do insólito ao cotidiano, ao banal (...)” (CAMARANI, 2007, p. 30)
O caráter paradoxal é o que mais se destaca nos dois conceitos, em que real e sobrenatural dividem o mesmo espaço, sem provocar estranheza. Quando pegamos como referência o gênero fantástico, a hesitação diante do insólito é a sua premissa. Quando pensamos no gênero maravilhoso, ainda que o sobrenatural seja verossímil dentro da narrativa, percebemos a dicotomia entre natural e sobrenatural fora dela.
Todavia, nas modalidades real maravilhoso e realismo mágico, a magia é um aspecto da realidade latino-americana. É justamente na presença do insólito que desponta o real.
Para compreender a ebulição de obras hispano-americanas, que em meados do século XX exibem um realismo acompanhado do cotidiano mágico, é preciso entender o contexto em que essas obras emergem.
Até o início do século XX, as obras latino-americanas espelhavam-se nos movimentos literários europeus. Com realidades tão distantes, esses modelos passaram a se tornar insuficientes, resultando numa cópia da literatura europeia com ambientação americana.
Alguns autores que, insatisfeitos, questionavam tais modelos, eram:
Astúrias
Carpentier
Pietri
Eles conversavam sobre a necessidade de se ter uma literatura identitária, cujo norteamento mimético não estivesse limitado pelo descritivismo da realidade, como se fazia no início do século XIX, ou ainda dominado pelo realismo empírico do século XX.
Havia um movimento conspirando na direção de uma remodelagem literária que não excluísse o realismo, mas excedesse seus limites.
Influenciados pelas vanguardas europeias, principalmentepelo movimento surrealista, a expansão do real se inscreve para absorver especificidades latino-americanas como o ambiente exuberante, a fé, o milagre, a santeria etc. Contudo, a narrativa mágica americana traz diferenças bem demarcadas das vanguardas no emprego do insólito.
Dos encontros desses intelectuais, vem a constatação de que modelo algum europeu seria suficiente para representar a diversidade “inclassificável de uma mestiçagem contraditória”, segundo palavras do próprio Pietri. Para o venezuelano, do realismo ao modernismo do século XIX, a literatura hispano-americana não passou de um contorno escondido sob o véu literário europeu que não permitia toda a exuberância mágica do cotidiano latino-americano se revelar.
A respeito desta nova representação da realidade, Pietri salienta que esta não compreendia um jogo de imaginação, mas sim o retrato fiel da realidade que até então estivera deixada de lado, e o espanto que causara se dava em comparação à literatura tradicional. Como bem observou Leyla Perrone-Moisés:
O real americano só é maravilhoso se o considerarmos do ponto de vista não americano, para os americanos é apenas o real.
(PERRONE-MOISÉS, 1997, p. 252)
Realismo mágico
Como disse Gabriel Garcia Marquez (via webstories da Folha de São Paulo): "É só realismo. A realidade é que é mágica. Não invento nada. Não há uma linha nos meus livros que não seja realidade. Não tenho imaginação."
Um dos escritores mais brilhantes da história da literatura venezuelana, Arturo Uslar Pietri foi um dos idealizadores do movimento que pregava a liberdade literária na América hispânica.
Pietri foi o precursor do conceito “realismo mágico”, cuja primeira menção aparece no texto Letras y hombres de Venezuela, de 1948, em que utiliza o termo para qualificar os contos venezuelanos da década de 30 e 40.
Comumente vinculado a outros movimentos, como o real maravilhoso de Carpentier, o realismo mágico, segundo alguns críticos, possui suas particularidades. A junção se deve ao fato de esses movimentos serem contemporâneos, respondendo a um desejo criativo e, acima de tudo, libertário. Visava, portanto, produzir uma literatura que funcionasse como afirmação das particularidades da realidade da América hispânica. Para o próprio Pietri, Carpentier cunha um novo nome para um mesmo fenômeno, dirigindo sua crítica apenas à imprecisão conceitual do uso do termo maravilhoso. Sobre o conceito “real maravilhoso” dirá ser um bom nome, todavia, chama a atenção para o fato da magia nem sempre ter a ver com maravilhas, sendo o elemento mágico o mais comum na realidade americana.
Para Pietri, o desejo de criar uma literatura distinta dos modelos estrangeiros nasce da percepção de uma realidade latino-americana que difere, em diversos aspectos, da realidade europeia. Para ele, a necessidade de desvincular o mágico americano da concepção de mágico europeu se dá, primordialmente, porque:
Mágico europeu
Possui uma conotação imaginária, abstrata.
Mágico americano
Na América Latina, este elemento não se separa do concreto.
Ao passo que o elemento sobrenatural das narrativas fantásticas partia do imaginário, na latino-américa ele emerge do real. Logo, o papel do autor consiste na percepção sensível desses elementos mágicos e na sua representação literária.
Nas palavras de Pietri:
O que aqueles escritores americanos estavam propondo era completamente diferente. Eles não queriam fazer jogos inusitados com os objetos e palavras da tribo, pelo contrário, revelar, descobrir, expressar, em toda a sua inusitada plenitude, aquela realidade quase desconhecida e quase alucinatória que era a da América Latina, para penetrar no grande mistério criativo da miscigenação cultural.
(PIETRI, 1986, p. 135, tradução livre)
Ora, se a realidade ficcional dialoga com o real, e daí desponta seu objeto; logo, do cotidiano, percebido como mágico, emerge uma nova noção de realismo literário. Para Pietri, a literatura da América hispânica estava transbordando de fantasias sobrepostas à realidade. Contudo, a expressão do fenômeno mágico, para o autor, era entendida como revelação, apenas direcionada à tradição literária, pois, no dia a dia latino-americano, a magia sempre se fez presente.
Comentário
Um dos desdobramentos do realismo mágico é o seu entendimento, pelos autores e pelo público hispano-americano, enquanto uma espécie de reescritura da história da América Latina, ou ainda, a sua redescoberta. É, pois, uma escrita feita pelo olhar do colonizado, com suas manifestações da vida coletiva e suas particularidades, o que contribui para uma nova compreensão do passado e interpretação do presente latino-americano. Em outras palavras, uma história escovada à contrapelo.
Deste viés, é possível empreender uma leitura crítica de velhos problemas que assolam a América Latina, da hegemonia ideológica, que resume esta parte do continente a uma eterna colônia, às questões de desigualdade social. Daí o investimento de Pietri ao escrever o ensaio Godos, Insurgentes y Visionarios (1986). Nele, exibe toda a sua concepção de história e cultura latino-americana, rompendo com a ideologia do colonizador e exaltando a cultura nacional, olhando para a mestiçagem de forma positiva, onde residiria a verdadeira riqueza cultural.
Dentro desta perspectiva, de reescritura, podemos recortar um período literário que vai das Lendas da Guatemala (1930), de Miguel Ángel Astúrias, a Cem anos de solidão (1967), de Gabriel García Márquez.
Real maravilhoso
O conceito de “real maravilhoso” surge pela primeira vez no ensaio de Alejo Carpentier de 1948. No ano seguinte, o autor retorna a esse texto no prólogo do seu romance intitulado O reino deste mundo, que podemos ler como a concretização dessas ideias. No ensaio, inspirado numa viagem que Carpentier fez ao Haiti, o autor idealiza a natureza do maravilhoso, que infere não ser privilégio daquele país, mas de toda América.
O real maravilhoso encontra-se a cada passo nas vidas dos homens que inscreveram datas na história do Continente.
(CARPENTIER, 1985, p. 14)
Contrapondo-se à literatura fantástica, produzida na Europa e reproduzida nas Américas, o maravilhoso manifesta-se em algumas obras de literatura hispano americana imbricado à realidade. Carpentier, idealizador e atento a esse movimento latino, cria o conceito de real maravilhoso, situando-o no lado oposto da narrativa batida, entediante e burocrática a que havia se tornado o modelo maravilhoso europeu. Embora apresente semelhanças com as vanguardas europeias, mais precisamente com o movimento surrealista, o real maravilhoso está conectado com o real extrapolando seus limites.
Para Carpentier, ele deve ser compreendido pelo viés cultural e, principalmente, percebido no contexto da fé, pois surge na alteração da realidade, exibindo riquezas só alcançadas a partir da elevação do espírito. A partir desta concepção, marca as diferenças entre ele e o surrealismo, como também fizera seu amigo Pietri.
Daí que o maravilhoso invocado na descrença – como fizeram os surrealistas durante tantos anos – nunca tivesse passado de uma artimanha literária bastante aborrecida, ao prolongar-se, como certa literatura onírica ‘regrada’ e certos elogios da loucura, dos quais já começamos a estar fartos.
(CARPENTIER, 1985, p. 13)
Logo, o surrealismo padeceria de ausência de fé naquilo que representava, incapazes, nas palavras de Carpentier, de conceber uma mística válida, não passando de uma falsificação do maravilhoso.
No ensaio Lo Barroco y lo Real Maravilloso, Carpentier reafirma esse distanciamento pela seguinte sentença: “O extraordinário não é belo forçosamente. Não é bonito nem feio; é antes de tudo surpreendente pelo insólito.” (CARPENTIER, 1969, p. 143)
Assim, o maravilhoso se inscreve no que é incomum e está ligado diretamente à história e à cultura de um povo, e, sobretudo, representa um mundo ainda encantado.
No romance O reino deste mundo, Carpentier deixa claro o embate entre o mundo desencantado do colonizador e o mundo mágico dos escravos.
Como podemos ver nas duas passagensa seguir, a personagem Mackandal está a cumprir sua sentença, morrer na fogueira. De um lado, escravos veem Mackandal metamorfosear-se em mosquito e voar, vencendo a morte trágica, do outro, os homens brancos assistem Mackandal queimar e chocam-se com a reação dos negros a quem julgam sem compaixão.
Veja, a seguir, as duas passagens do romance O reino deste mundo:
O REINO DESSE MUNDO
“Mackandal já estava amarrado com as costas coladas ao poste de tortura. O verdugo tinha presa uma brasa nas tenazes. Repetindo um gesto que ensaiara na véspera em frente ao espelho, o governador desembainhou o sabre e deu ordem para que se cumprisse a sentença. O fogo começou a subir até o maneta, chamuscando-lhe as pernas. Nesse momento, Mackandal agitou o coto, que não tinham podido amarrar, num gesto ameaçador, que nem por minguado era menos terrível, urrando conjuros desconhecidos e jogando o torso violentamente para a frente. As cordas caíram, e o corpo do negro esticou-se no ar, voando sobre as cabeças, antes de mergulhar nas ondas do negro mar de escravos. Um só grito ressoou na praça:
— Mackandal sauvé!
(...)
Naquela tarde os escravos regressaram para as fazendas rindo durante todo o trajeto. Mackandal tinha cumprido sua promessa, permanecendo no reino deste mundo. Uma vez mais os brancos eram batidos pelos Altos Poderes da Outra Costa. E enquanto Monsieur Lenormand de Mezy, de touca de dormir, comentava com sua beata esposa a insensibilidade dos negros ante o suplício de um semelhante — tirando disso certas considerações filosóficas sobre a desigualdade das raças humanas, que pretendia desenvolver num discurso cheio de citações latinas (...)” (CARPENTIER, 1985, p. 20)
O real maravilhoso conta a história da América, que é permeada de elementos mágicos por conta da diversidade de povos, que chegam a esse continente carregados de elementos míticos. Devido à aura mágica, que constitui a realidade latino-americana, não podemos confundir o real maravilhoso com o realismo descritivo ou com o fantástico europeu, até mesmo com os movimentos vanguardistas. Embora suas contribuições sejam inegáveis, afinal, o colonizador europeu é, também, matéria constitutiva da América, a escola literária latino-americana deve ser compreendida em seu movimento de libertação e promoção de uma literatura identitária.
Questão 1
A seguinte frase é de Gabriel García Márquez e foi proferida pelo escritor durante uma entrevista em que falava a respeito de suas obras. Leia abaixo a declaração de García Márquez e marque a opção do movimento literário ao qual ele se refere.
"É só realismo. A realidade é que é mágica. Não invento nada. Não há uma linha nos meus livros que não seja realidade. Não tenho imaginação."
REALISMO MAGICO
A sentença de García Márquez resume o que foi o movimento realismo mágico, que buscava na magia do cotidiano o verdadeiro realismo, sem fórmulas artificiais ou invenções sobrenaturais, era apenas a representação do dia a dia de uma cultura rica em misticismos e eventos maravilhosos.
Questão 2
O realismo mágico e o real imaginário foram movimentos limitados à expressão literária. Uma de suas intenções era a de criar uma literatura identitária, mas para isso era necessário romper com modelos anteriores. Leia as alternativas e marque aquela que melhor corresponde a essa afirmativa.
Alguns autores de países hispano-americanos em meados do século XX realizaram um movimento na direção de uma literatura identitária. Para isso, foi necessário romper com a reprodução de modelos hegemônicos europeus, que não davam conta de representar as particularidades histórico-culturais da América Latina.
Considerações finais
Por meio de um breve recorte histórico, pudemos entender como os gêneros literários se constroem como estrutura classificatória, estabelecendo as variedades literárias através de generalizações. Vimos também a influência da historicidade nos estudos de gênero e de que forma a classificação do fantástico, neste conceito, despertou críticas avessas a ela.
A partir das críticas à teoria do fantástico como gênero, e da defesa de seu enquadramento dentro dos parâmetros de modo literário, conseguimos perceber a sua expansão na história da literatura.
Por fim, percorremos os movimentos identitários da América Latina, que buscavam se libertar dos modelos europeus, para então construir uma literatura nacional, partindo dos elementos de sua rica cultura.
AULA 02
Vertientes literarias de lo fantástico en el contexto español
Curaduría de Humanidades
Descripción
Lo fantástico en la novela y en la poesía en el contexto de la literatura española.
Propósito
Estudiar lo fantástico en la novela y en la poesía en España contribuye para entender las vertientes literarias de este género en la literatura española.
Preparación
Antes de iniciar este estudio, ten a disposición el Diccionario de la lengua española, de la Real Academia Española (RAE), para entender algunos posibles términos más complicados.
Objetivos
Módulo 1
Lo fantástico en el contexto español: la novela
Identificar algunas características básicas de la novela fantástica en la literatura española.
Módulo 2
Lo fantástico en el contexto español: la poesía
Reconocer algunos rasgos específicos de la poesía fantástica en la literatura española.
Introducción
De manera consensual, se aceptan como obras pertenecientes a la literatura fantástica las que tengan, solo para citar unos pocos ejemplos, algún elemento maravilloso, altamente poético, onírico, grotesco, sobrenatural, o que tenga relación con el ocultismo, la magia o la parapsicología.
En el caso de la novela fantástica española, la literatura gótica, oriunda de otros países europeos como Francia e Inglaterra, empieza a ser muy consumida en España y pronto se convierte en una de las fuentes de inspiración para la escritura de novelas fantásticas.
A su vez, una de las características de la poesía fantástica española es la incorporación de elementos típicos de la literatura fantástica tradicional, adaptados a la contemporaneidad.
En este contenido, vamos a estudiar estos dos géneros literarios en el contexto español: la novela y la poesía fantásticas.
Lo fantástico en el contexto español: la novela
Al final de este módulo, podrás identificar algunas características básicas de la novela fantástica en la literatura española.
La narrativa fantástica y el género novela
La presencia de lo fantástico en la literatura es una temática ya ampliamente debatida y tiene diferentes definiciones. Aún así, los expertos en el tema suelen concordar en el hecho de que lo fantástico se refiere a “la vacilación experimentada por un ser que no conoce más que las leyes naturales, frente a un acontecimiento aparentemente sobrenatural” (TODOROV, 1981, p. 19).
Lo fantástico se estructura a partir de lo que, en general, entendemos como real e imaginario, más precisamente en el límite incierto entre estos dos conceptos.
Entre las muchas definiciones existentes de literatura fantástica, señalamos:
En un mundo que es el nuestro, el que conocemos, sin diablos, sílfides, ni vampiros se produce un acontecimiento imposible de explicar por las leyes de ese mismo mundo familiar.
(TODOROV, 1981, p. 18)
Según Todorov (1981), la literatura fantástica ocupa el tiempo de una incertidumbre, es decir, lo fantástico se forma a partir de la frontera borrosa de lo real y de lo imaginario.
Otra perspectiva aclara que la narrativa fantástica tiene como característica la alianza y la oposición “que establece entre los órdenes del real y del sobrenatural, promoviendo la ambigüedad, la incertidumbre en lo que se refiere a la manifestación de los fenómenos, raros, insólitos, mágicos, sobrenaturales” (CAMARANI, 2014, p. 7).
En la opinión de otro experto en el asunto:
Lo fantástico se define como contrapuesto a realista; en este tipo de novelas ocurren «cosas» que no ocurren todos los días, sino cosas que nos llevarían a sospechar que en su desarrollo han intervenido factores sobrenaturales, demoníacos o, cuando menos, suscitados porfuerzas no dominadas por el hombre ni explicadas por la ciencia.
(PUENTE SAMANIEGO, 1991, p. 10)
Aunque estas definiciones de la literatura fantástica sean distintas una de la otra, se acercan y están basadas, en su mayoría, en los aspectos que, por sus características verbales, sintácticas y/o semánticas, llaman la atención del lector por el hecho de que determinada escena literaria está fuera de lo que generalmente es considerado la normalidad.
Algunos expertos en esta temática, como es el caso de Borges (1985), entienden que la literatura fantástica es la más universal y antigua de todas, pues su acercamiento al mito la ubica en el origen de toda la narración. Según este autor, entonces, la literatura fantástica empieza por la mitología y la cosmogonía y, mucho tiempo después, llega a la novela. Vea abajo los siguientes eventos a lo largo de los siglos:
XI y XII
La novela es un género narrativo que tiene sus orígenes en los cantares de gesta: narraciones de temática aventurera y de comportamientos heroicos que servían para divertir, entretener y educar a las personas en los siglos XI y XII.
XV y XVI
Entre los siglos XV y XVI, surgieron los libros de caballería, de aventuras y gestos heroicos. Ya en el Renacimiento, aparecieron las llamadas novelas sentimentales, cuya temática es amorosa, de acuerdo con las leyes del amor cortés.
XIX
Pero fue solamente en el Romanticismo, en el siglo XIX, que la novela ganó madurez y se sostuvo como un género narrativo, cuya construcción presenta las categorías fundamentales de una narrativa, es decir, la capacidad de exponer un acontecimiento o una serie de acontecimientos más o menos encadenados, reales o imaginarios, a través de palabras y/o de imágenes.
En la opinión de algunos autores, lo fantástico siempre ha hecho parte del imaginario español. Por ejemplo, si observamos con atención a dos de los monumentos literarios españoles – El Quijote y La vida es sueño –, podemos percibir obras que están impregnadas “de una extrañeza que roza lo fantástico” o por lo menos “abren un amplio mundo de perspectivas en ese territorio” (MERINO, 2009, p. 55; 59).
Sin embargo, Merino (2009) aclara que, hasta hace muy poco tiempo, la academia y la crítica literaria española consideraban la literatura fantástica algo menor, de poca entidad estética e intelectual, al contrario del canon realista, es decir, de la novela realista.
Para dar embasamiento a lo que dice, Merino (2009) hace un paseo por la historia de la literatura española y señala, sólo para citar algunos ejemplos, tres eventos importantes:
La Reforma Protestante y la Contrarreforma
Que supusieron un gran enfrentamiento político y religioso.
La Inquisición
Que, en España, actuó con una rigurosa vigilancia ante la creación literaria y demostró una clara negación hacia lo fantástico.
Podemos tener una idea del rechazo eclesiástico ante la literatura fantástica cuando el autor habla del siglo XIX en el contexto franquista:
En España, donde la Iglesia Católica ha tenido y tiene tanta influencia social, no es de extrañar la visión despectiva del mundo académico hacia lo fantástico. Sin embargo, en los propios años del franquismo comienza, por fenómenos no ajenos a cierta incipiente «globalización» literaria y a la expansión del «boom» latinoamericano, la penetración de autores como Kafka, Borges, Cortázar, la llamada Fantasía Científica, Lovecraft... aunque no deja de ser sorprendente que lo fantástico, fuera de los autores bendecidos por lo académico, resultase un factor de disidencia, un elemento contracultural, mostrando otra más de las contradicciones del mundo intelectual del franquismo, pues para muchos críticos y estudiosos la verdadera literatura era la que llevaba consigo «la denuncia social», o, en el polo opuesto, la que pretendía «destruir el lenguaje» [...].
(MERINO, 2009, p. 62)
La Literatura gótica en España
Para comprender mejor lo fantástico en la novela española y su contexto, Roas Deus (2000, 2012) aclara: hay que conocer primero el surgimiento de la novela gótica. El autor explica que cerca de 1820, se empiezan a traducir en España novelas góticas inglesas: género literario entonces muy en boga en varios países europeos, especialmente en Gran Bretaña y Francia.
En la década siguiente, cuando la literatura gótica ya empezaba a entrar en decadencia en Europa, los escritores españoles comenzaron a escribir novelas góticas, como es el caso, por ejemplo, de Galería fúnebre de espectros y sombras ensangrentadas, de Agustín Pérez Zaragoza Godínez, publicada en 1831.
Este contexto fue impulsado por tres factores. Son ellos:
La liberalización del mundo editorial;
El desarrollo de la prensa;
La disminución de la censura, luego de la muerte de Fernando VII, en 1833.
Muchas revistas y muchos periódicos surgieron en España para servir como medio de propagación de la literatura fantástica y del romanticismo (movimiento literario que tuvo como una de sus características la novela gótica). Dicho género presentaba elementos sombríos como:
ambientes llenos de misterio y terror
criptas, fantasmas y seres extraños
bosques tenebrosos
castillos medievales embrujados
ruidos nocturnos con cadenas
demonios, monstruos, vampiros, zombis, etc.
Sin embargo, en las novelas góticas españolas, los elementos fantásticos se redujeron a “lo meramente ambiental (tendencia a lo macabro y lúgubre, escenografía terrorífica, muertes violentas), apareciendo unidos a motivos propios de la novela sentimental, a lo que hay que añadir a una explícita intención moral” (ROAS DEUS, 2000, p. 353).
Vamos a ver ejemplos de estos elementos a partir del análisis de algunos fragmentos de la ya citada obra de Zaragoza Godínez: Galería fúnebre de espectros y sombras ensangrentadas. A continuación, presentamos la portada del libro, con título, autor, local y año de publicación:
Al observar la frase que funciona como una especie de subtítulo del libro – “EL HISTORIADOR TRÁGICO de las catástrofes del linage humano” –, es posible ver la dramaticidad, que es un elemento propio del texto sentimental, a través de las palabras trágico y catástrofes. A la vez, dichas palabras apuntan hacia los elementos funesto y macabro de la obra, que son esencialmente góticos.
También queda sugerido aquí la temática de la moral, es decir, la intención del autor en hablar acerca de dicha temática como algo inextricablemente relacionado a la naturaleza humana – aspecto que observamos en la expresión “linage humano”.
A lo largo de las páginas del libro de Zaragoza Godínez, la narración se pasa en ambientes de terror, como en el fragmento a continuación, que retrata a un criminal en un calabozo de manos dadas con la muerte. La referencia a la muerte es clara a través de palabras y expresiones como cadáver, putrefaccion, gusanos, habia asesinado o sepulcro. Veamos:
El criminal, encadenado en un calabozo, llevaba atado contra su pecho el cadáver de su víctima, de manera que su rostro lívido tocase y mirase al suyo: la putrefaccion se inoculaba insensiblemente de muerte en el condenado, á quien se alimentaba con el mayor cuidado, y uno y otro acababan por caerse podridos sobre la cantidad prodigiosa de gusanos que los roian: el parricida por una especie de lei del Talion, veia destrozar sus entrañas por el mismo que habia asesinado; y esta idea tan terrible, esta espantosa invencion de dar á los cadáveres mismos el poder de vengarse de sus verdugos, de reducir á la nada con su misma nada á su homicida, y tomar en el mismo sepulcro el instrumento del castigo, es sin contradiccion el mas sensible y mas horroroso de los suplicios.
Un aspecto interesante del libro es el intento del autor en provocar la reflexión ante la temática de la moraleja, como podemos observar en el fragmento a continuación, donde hay una interlocución directa con el lector – “Reflexiona, lector mio” – acerca del sincero arrepentimiento del asesino, descrito como alguien cubierto de sangre, lleno de terror y de remordimientos. Veamos:
Figurémonos al asesino destrozado ya por sus remordimientos,y que sobre este roedor de la conciencia no puede hacer un gesto, ni el mas simple movimiento, sin sentir el peso enorme de su delito atroz: si solamente, en el físico parece insoportable el dolor, ¡cuánto mas sensible será en lo moral!
Reflexiona, lector mio, al traves de estas mal formadas é imperfectas líneas, sobre este rostro pálido y ensangrentado, esta tez ya verdinegra, estas pupilas rojas y fijas, estos cabellos erizados y empapados en sangre seca.... y sobre todo, esta boca ya torcida y sus labios amoratados que parece articulan aun: ¡Hijo mio, hijo mio, tú arrebatas la vida al que te ha dado el ser!....
(ZARAGOZA GODÍNEZ, A. P. Galería fúnebre de historias trágicas, espectros y sombras ensangrentadas. Alicante: Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 2011, p. 112-113)
Hace falta apuntar también a las ilustraciones a lo largo de la obra, que sirven para crear una escena en la mente del lector, ayudándolo a entrar en el ambiente del libro. En las imágenes, vemos elementos góticos que funcionan como elementos fantásticos en la novela española, como la ilustración a continuación, que muestra un asesinato a cuchilladas en una alcoba:
La superación de la novela gótica
Un aspecto de gran importancia para la comprensión de la producción de la novela gótica en España es que, aunque ésta ha tenido un éxito relevante entre los lectores, para los escritores, el movimiento ha ido por otro camino. Es decir:
“Quizá por influencia de la censura, que impidió la publicación de otras novelas góticas españolas, o quizá por el desinterés y la poca preparación de los novelistas españoles para lo fantástico, lo cierto es que la novela gótica no arraigó entre los escritores de la época. [...] El relevo de la novela gótica en los gustos del público llegó a través del cuento fantástico. La liberalización del mundo editorial había traído consigo la aparición de numerosas revistas, que sirvieron como medio de expresión para los autores románticos, impulsando, de ese modo, la divulgación de la estética e ideología del romanticismo. Y en estas revistas aparecerá un elemento fundamental en el desarrollo y difusión del género fantástico: el cuento.”
(ROAS DEUS, 2012, n. p.)
La novela gótica española fue superada aún en los años 1930, y el elemento fantástico en la narrativa se consumió predominantemente por medio del cuento. A través de su brevedad, el cuento fantástico se adaptó mejor a las exigencias de las publicaciones periódicas y respondió a las necesidades del lector moderno, que apenas disponía de tiempo para la lectura (ROAS DEUS, 2012).
El término novela siguió siendo usado como sinónimo de cuento, pues no había una terminología clara y una poética bien delimitada en relación con los diferentes géneros narrativos utilizados en aquella época.
¡Atención!
Muchos de los relatos fantásticos de aquel entonces eran definidos como cuento fantástico, historia fantástica, historia maravillosa, cuento nocturno, fantasía, leyenda, leyenda fantástica, tradición, balada, balada en prosa, entre otros términos que funcionaban como sinónimos. En algunos casos, también se usaron términos arcaizantes, tradicionales de la cultura románica, como conseja y cuento de vieja (ROAS DEUS, 2000).
La novela fantástica no ha desaparecido del todo en España, sino que ha dado lugar al cuento fantástico – género que cayó más en el gusto popular de la década de 1930.
Sin embargo, al hablar de la primera mitad del siglo XX, Merino (2009, p. 59) explica que “lo fantástico empieza a renacer entre nosotros”. Otros expertos en la temática refuerzan esa cuestión, como Puente Samaniego (1991), que da ejemplos de la producción literaria de novelas fantásticas en España, en el periodo de 1940-1970.
Actualmente, la producción de novelas fantásticas españolas está representada por títulos como:
Memorias de Idhun I: la resistencia (2004)
De Laura Gallego García.
Porta Coeli: la Orden de Santa Ceclina (2008)
De Susana Vallejo Chavarino.
Las puertas del infinito (2016)
De Víctor Conde y José Antonio Cotrina.
Ellos y nosotros – la segunda revolución (2018)
De Costa Alcalá.
La novela fantástica española asimiló mucho de la literatura gótica, que estaba muy de moda en Europa en el inicio de la primera mitad del siglo XIX. Después, cuando ya no era más leída por la mayoría de los europeos, la novela gótica comenzó a ser traducida en España, y muchos novelistas españoles empezaron a escribir textos con la temática fantástica. Un poco más tarde, cerca del año 1930, la novela fantástica fue sustituida por el cuento fantástico. Sin embargo, hasta los días actuales, dicha novela sigue siendo producida en España.
Después de esta charla sobre la novela fantástica en España, vamos a conocer algunas características básicas de la poesía fantástica en la literatura española. Pero antes, ¡vamos a practicar!
Cuestión 1
Lee el fragmento a continuación:
Lo que caracteriza la literatura fantástica es que entrecruza la realidad y la imaginación, casa lo previsible con lo inusitado, mezcla lo extraño y lo banal.
Según Julio Cortázar, este tipo de literatura es más bien algo a ser sentido, ya que, fuera de nuestro propio mundo interior, resulta difícil buscar una definición perceptiva de lo que es. La comprensión de lo fantástico entonces se radica en la percepción individual que cada uno tiene de su realidad, de su lógica “visceral”.
Este sentimiento visceral que caracteriza al escritor fantástico, Julio Cortázar lo clasifica de “extrañamiento”. Dicho término puede ser entendido de dos formas diferentes. Por un lado, se refiere a algo que puede suceder, pero que no se puede explicar a través de las leyes convencionales. Por otro lado, se refiere a la falta de algo o al sentimiento de la falta de una cosa, sentimiento de falta que la literatura fantástica lo confirma como algo que el ser humano se olvidó y lo busca a través de su inconsciente personal y colectivo.
(ORTIZ, D. H. Una ilusión de los sentidos: la literatura fantástica en la clase. En: II CONGRESO BRASILEÑO DE HISPANISTAS, 2002. Actas [...]. São Paulo: ABH, 2002. n. p.)
Considerando el punto de vista de Ortiz en este fragmento y lo que has estudiado en el contenido sobre una posible definición de literatura fantástica, señala la alternativa correcta:
Esta ubicada entre los limites de lo que ES real y de lo que ES imaginario
La literatura fantástica se caracteriza por la incertidumbre, es decir, el lector tiene cierta dificultad para distinguir lo que es real de lo que es fantástico y/o imaginario.
Cuestión 2
Lee el fragmento a continuación:
Feliz yo si con estas historias, con estos tristes y horrorosos recuerdos de la debilidad humana, puedo inspirar un terror saludable que produzca la continencia y arrepentimiento que la humanidad, la religión y la moral reclaman, para que la sociedad reformando las costumbres, no tenga que gemir bajo el rigor de las leyes y del crimen frecuentemente, desapareciendo de ella los puñales y los patíbulos, objetos precursores de la destruccion, de la calamidad y de toda catástrofe horrorosa é infamante que viene á parar en luto y llanto. Muy feliz, digo, si mis espectros y fantasmas, corriendo los lúgubres crespones de la imaginacion conmovida de mis lectores, pueden hacer brillar la moral que los ha dictado; y si el arte en estos apólogos no ha favorecido á mis intenciones, al menos me atreveré á lisonjearme de que la crítica depondrá su severidad en consideracion á los motivos y sinceridad que han dirigido mi pluma. Todos los medios son buenos cuando se encaminan á purificar las costumbres, presentando al crimen bajo aquellos colores mas odiosos que puedan influir en el ánimo de las criaturas, reprimir sus pasiones, meditar sobre sus deseos atentamente, y librarse, en fin, de una catástrofe que ocasiona su inevitable perdicion.
(ZARAGOZA GODÍNEZ, A. P. Galería fúnebre de historias trágicas, espectros y sombras ensangrentadas. Alicante: Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 2011. p. 17-19)
De acuerdo con el fragmento, sacado del prólogo de aquella quees considerada la primera novela gótica publicada en España, en el año 1831, ¿cuál elemento gótico el autor destaca?
La moral
El elemento gótico que el autor destaca es la moral. Asociado a otros elementos propios de la novela sentimental, la moraleja fue uno de los recursos utilizados por los novelistas españoles en la producción de las primeras novelas góticas con elementos fantásticos.
Módulo 2
Lo fantástico en el contexto español: la poesía
Al final de este módulo, podrás reconocer algunos rasgos específicos de la poesía fantástica en la literatura española.
Origen, contexto y definición de poesía
La poesía tiene su cuna en Grecia, en el siglo VII a.C. En aquella época, era común que la poesía no fuera leída, sino recitada por el poeta con el acompañamiento musical de una lira. De ahí, entonces, viene su nombre: poesía lírica.
Durante la Edad Media, los juglares y trovadores cantaban las gestas, es decir, los poemas de los grandes guerreros y reyes de la época. A la vez, surgió la poesía mística y religiosa, conocida como mester de clerecía, que dio forma y estructuró la poesía de ámbito religioso y monacal de los siglos posteriores. Vea los siguientes eventos a lo largo de los siglos:
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XVI
A lo largo del siglo XVI, tuvo lugar en España el Siglo de Oro, que trajo de vuelta temas clásicos a través de poetas como Calderón de la Barca y Francisco de Quevedo.
XIX
Mucho tiempo después, el siglo XIX trajo poetas que trabajaron con la temática romántica y nacionalista.
XX
En el siglo XX, la poesía pasó por cambios que la dejaron más libre y subjetiva. Actualmente, la llamada poesía urbana, también conocida como poesía 2.0, se destaca por tratar de temas de la actualidad política y social.
En el diccionario de la Real Academia Española, la poesía es definida como:
Manifestación de la belleza o del sentimiento estético por medio de la palabra, en verso o en prosa.
Idealidad, lirismo, cualidad que suscita un sentimiento hondo de belleza, manifiesta o no por medio del lenguaje.
(RAE, 2014, n
A partir de esas definiciones, es posible decir que, de manera general, se suele pensar que la poesía debe tratar de temas como rosas, fulgores, miradas, amor, etc. De lo contrario, no es poesía.
Hay otra perspectiva que ve la poesía como un género caracterizado por la subjetividad y por su tendencia a la expresión de contenidos emotivos, lo que anularía su capacidad ficcional.
De acuerdo con esa perspectiva, entonces, la poesía:
[...] se reduce a ser expresión «auténtica» o «sincera» de su autor, de su estado de ánimo, de su subjetividad, con lo que se le niega la capacidad de invención y creación de mundos imaginarios e independientes que sí se reconoce en los otros géneros literarios.
(EMA LLORENTE, 2019, p. 302)
A pesar de ese punto de vista, hay algunos autores que defienden que es posible incluir el discurso poético dentro de lo ficcional, es decir, la poesía también está apta a representar la imaginación y la ficción.
La literatura fantástica en la poesía
Sobre lo fantástico en la poesía, hay que llevar en cuenta:
[...] el propio reconocimiento de la ficcionalidad como rasgo que afecta a la constitución misma de la textualidad literaria. [...] De todos es sabido que en la lírica se han albergado tradicionalmente mayores grados de ilusión fantástica e irrealista, pareja con la mayor exigencia de cooperación imaginaria del lector.
(POZUELO YVANCOS, 1997, p. 262; 266)
Acerca de la poesía fantástica, algunos expertos problematizan el hecho de que el discurso poético se construye a través de un lenguaje indirecto o figurado, el cual aparece por medio de elementos expresivos oriundos de un significado ausente y literal, que constituye el verdadero sentido de lo dicho. Por ese motivo, tales expertos piensan que los elementos poéticos fantásticos o irreales de hecho no son una representación de lo fantástico, sino que sólo suponen un modo de hablar en la poesía.
En otras palabras, esos elementos del discurso poético aparecen en función de un significado literal que no es fantástico, sino lógico y comprensible. De acuerdo con esa perspectiva, entonces, lo fantástico en el discurso poético se resume a un problema del lenguaje poético y de cómo se interpretan sus figuras. Vea enseguida:
Ambigüedad entre lo literal y lo figurado
Por un lado, hay un problema en la distinción de lo que es literal y de lo que es figurado en la poesía, o sea, hay una ambigüedad, expresa por la dificultad en entender los límites entre lo fantástico y lo literal o su capacidad de referencia en el discurso poético.
Convivencia entre lo literal y lo figurado
Por otro lado, algunos autores, como Ema Llorente (2019), creen que no es necesario elegir entre una u otra interpretación, sino que convivan los dos significados en lo que dice respeto al fantástico en la poesía: lo literal y lo figurado o alegórico.
De ese modo:
Así puede verse cómo, en el caso del discurso lírico, la ambigüedad de lo fantástico se torna una ambigüedad lingüística e interpretativa, que, lejos de demandar una resolución unitaria y una anulación de lo figurado en función de lo literal, permite la superposición de los dos niveles, en una referencia desdoblada, igualmente relativa al objeto y al sujeto de la enunciación [...].
(EMA LLORENTE, 2019, p. 307)
Al hablar de la poesía fantástica española contemporánea, que empezó a producirse a partir de la segunda mitad del siglo XX hasta los días actuales, Ema Llorente (2010) explica que los poetas han incorporado un sentido más amplio de lo fantástico o de lo que se considera neofantástico en sus escritos.
Según Alazraki (2001, p. 276-277; 279), lo neofantástico se estructura a partir de tres diferencias con relación al fantástico tradicional. Son ellas:
La visión de mundo
“[...] lo neofantástico asume el mundo real como una máscara, como un tapujo que oculta una segunda realidad que es el verdadero destinatario de la narración neofantástica.”
El efecto conseguido por el texto o su intención
“[...] buscan expresar atisbos, entrevisiones o intersticios de sinrazón que escapan o se resisten al lenguaje de la comunicación [...].”
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el modus operandi
“El relato neofantástico prescinde también de los bastidores y utilería que contribuyen a la atmósfera o pathos necesaria para esa rajadura final. Desde las primeras frases del relato, [...] nos introduce, a boca de jarro, al elemento fantástico [...].”
De acuerdo con ese concepto de lo fantástico, la poesía incorpora elementos típicos de la literatura fantástica tradicional y los adapta a la contemporaneidad. De esa manera, algunos ejemplos de los temas que vemos son:
[...] la escisión y la fragmentación del cuerpo, la metamorfosis humana en otros seres o animales, el tema de los dobles y los espejos, los pasos de umbral y las realidades paralelas, las alteraciones de las coordenadas espaciales y temporales en los fenómenos de la inclusión y la regresión, la vivencia de la propia muerte, y la presencia de seres sobrenaturales como los vampiros, los gigantes, los espectros, las sombras o los fantasmas, temas, por otro lado, que ya aparecían en las definiciones canónicas de lo fantástico [...].
(EMA LLORENTE, 2010, p. 5)
De modo semejante, otro experto en esta temática señala las características de la poesía fantástica española de la posguerra. Según Domingo Martín (2019, p. 74), que habla del poeta español Carlos Edmundo de Ory, “la aparición de lo ominoso en sus versos, alejados del realismo al uso de la época, funciona como una herramienta cuestionadora de lo real, en su dimensión epistemológica y ontológica, así como de la propia noción del individuo”.
Análisis de poemas
Vamos a ver dos ejemplos de la manifestación de lo fantástico en la poesía española a partir del análisis de dos poemas.
El primer de ellos es de autoría de Ana Merino, poetisa española nacida en Madrid, en 1971. Veamos:
La voz de los relojes
Mi vida se hizo frágil
al saberse mortal.
Aquel ritmo frenético
de los instantes y su efervescencia
comenzó a ser corrosivo
y me

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