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16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 1/43 Fundamentos �losó�cos e críticos do conceito de fantástico Prof.ª Elaine Zeranze Descrição A definição do fantástico e seus desdobramentos histórico-literários. Propósito Estudar uma modalidade literária é fundamental para os estudos em Literatura, pois viabiliza o seu reconhecimento em determinadas categorias e permite, na análise de um texto, visualizar sua construção dentro de certos paradigmas. Preparação Antes de iniciar os seus estudos, pesquise o termo “gêneros literários” no e-dicionário de termos literários. 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 2/43 Objetivos Módulo 1 O fantástico: gênero ou modo? Relacionar o fantástico às ideias de gênero e modo literários. Módulo 2 O fantástico, o estranho e o maravilhoso Identificar características de narrativas limítrofes ao fantástico. Módulo 3 Realismo mágico e real maravilhoso Reconhecer narrativas classificadas nas modalidades real maravilhoso e realismo mágico. Introdução 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 3/43 Embora muito antiga, e remonte aos clássicos, a teoria dos gêneros literários não encontrou ainda consenso. Há quem diga que seu conhecimento é fundamental para os estudos literários, como existem também seus detratores, pregando o fim das classificações em virtude da liberdade literária, defendendo ora a posição do autor, ora a do texto ou ainda privilegiando a interpretação do leitor. Sendo a teoria dos gêneros um debate ainda não resolvido, isso se estende a suas modalidades, e o fantástico não foge a essa regra. Logo, seu enquadramento tem levantado questões acerca de seu reconhecimento como gênero ou modo literários. O que segue é um recorte teórico e crítico de alguns estudos que giram em torno do conceito de fantástico e seus desdobramentos históricos e críticos. Bons estudos! 1 - O fantástico: gênero ou modo? Ao �nal deste módulo, você será capaz de relacionar o fantástico às ideias de gênero e modo literários. 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 4/43 O que é o gênero literário? A classificação de textos é tão antiga quanto a própria literatura. Filósofos e críticos se dedicaram a buscar uma base comum na estrutura textual que, com o tempo, fez surgir variadas teorias do gênero literário. De origem latina, a palavra gênero (gĕnus,ĕris) pode signi�car: classe, tipo, espécie, geração etc. Com isso, podemos relacionar o gênero a outros sentidos, como o de geração, e não apenas ao classificatório. É a partir do sentido de geração que conseguimos entender a historicidade presente nos textos literários. Nosso cânone e principal referência do que mais tarde se tornaria a primeira teoria dos gêneros é Aristóteles (384-322 a.C.) e sua obra intitulada Poética. Nessa obra, ao subdividir a poesia em espécies, o discípulo de Platão cria categorias que hoje entendemos como a origem dos gêneros literários. Partindo do conceito de mimesis, a arte de imitar a natureza, de criar a partir da verossimilhança; Aristóteles diferencia as artes miméticas através dos meios, objetos ou modos de imitar, separando-as em três categorias básicas: Anatol Rosenfeld (1985) defende a tese de que pouca coisa se alterou na teoria dos gêneros desde a Poética. Com base nos gêneros tripartidos aristotélicos, o autor aponta para a existência de um significado substantivo e um significado adjetivo para essas classificações. Na significação substantiva, Rosenfeld se pauta na extensão, estrutura e personagens. Para denominar a significação adjetiva, o crítico aponta para os traços estilísticos das obras literárias. Neste enquadramento, entrevemos um dos problemas da teoria dos gêneros: o de encontrar traços estilísticos de diversos gêneros em uma única obra. Exemplo Percebemos a possibilidade de, em uma obra épica, encontrar fortes traços líricos entre outras diversas combinações. “Não há poema lírico que não apresente ao menos traços narrativos ligeiros e dificilmente se Dramática Épica Lírica 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 5/43 encontrará uma peça em que não haja alguns momentos épicos e líricos.” (ROSENFELD, 1985, p. 18) Pensando na evolução histórica da teoria dos gêneros, após Aristóteles, dois momentos foram significativos para a crítica literária: Primeiro Durante a Idade Média, em que apareceram subdivisões em gêneros menores. Segundo Durante o pré-romantismo e o romantismo, com o surgimento do drama burguês e do romance como estruturas revolucionárias para a teoria literária. Angélica Soares, em Gêneros Literários (2004), aponta para o movimento pré-romântico alemão o Sturm und Drang como o instante em que a teoria dos gêneros encontra obstáculos ao tempo que ganha força. turm und Drang Sturm und Drang foi um movimento literário alemão no final do século XVIII que exaltava a natureza, os sentimentos, o individualismo e tentou derrubar o culto racionalista do Iluminismo. Goethe e Schiller começaram suas carreiras como membros desse movimento. Exemplo de pintura do movimento Sturm und Drang, de Henry Fuseli. O Sturm und Drang traz como premissa a ideia de gênio e a defesa da espontaneidade de criação. Com isso, a tarefa de conciliar teoria dos gêneros e autonomia do escritor tornou-se um embaraço, sendo prontamente acolhida pelo filósofo Friedrich Schlegel. Sem excluir o gênio criador, Schlegel elabora uma nova teoria de gêneros baseada na estruturação das obras românticas. 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 6/43 No final do século XIX, a teoria dos gêneros ficou em vias de extinção com Brunetière que, influenciado pelas ideias evolucionistas de Darwin, afirmou que o gênero, após nascer e se desenvolver, estaria fadado à morte. Contudo, é o estatuto de cultura e historicidade que resguarda o gênero da finitude. Nessa direção também interessa o estudo de Lukács, que expõe a transformação temporal da epopeia em romance, demonstrando a modificação dos gêneros ao longo da história, como podemos conferir no trecho a seguir: Epopeia e romance (...) não diferem pelas intenções configuradoras, mas pelos dados histórico-filosóficos com que se deparam para a configuração. O romance é a epopeia de uma era para a qual a totalidade extensiva da vida não é mais dada de modo evidente, para a qual a imanência do sentido à vida tornou-se problemática, mas que ainda assim tem por intenção a totalidade. (LUKÁCS, 2000, p.55) No excerto acima, fica evidente a dificuldade de se pensar o gênero na modernidade, visto o caráter fragmentado da época. Distante da tradição e do mundo compartilhado, as formas modernas dão conta e refletem o dilaceramento do sujeito. Para alguns autores, o gênero ou modalidade fantástica germina neste solo. Tzvetan Todorov vai além e faz o corte temporal limitando o gênero fantástico à expressividade de uma época estranha, e, consequentemente, exclui autores como Edgar Allan Poe e Kafka. Para Ceserani, esta é uma atitude seletiva e purista do crítico, que reduz “o campo de ação do fantástico e o identifica somente com um gênero literário historicamente limitado a alguns textos e escritores do século XIX e prefere falar de “literatura fantástica do romantismo europeu” (CESERANI, 2006, p. 8) A�nal, por que estudar os gêneros? Para Todorov, é totalmente diferente estudar uma obra em si ou sob uma perspectiva estrutural. E, partindo desse pontode vista, apresenta algumas questões polêmicas levantadas por filósofos e críticos literários que problematizaram o conceito e a importância de estudar a estrutura dos gêneros literários. Todorov foi um importante nome do estruturalismo, abordagem inspirada no modelo da linguística saussuriana, que visa explicar a lógica das repetições de estruturas/conjunto de relações nos fenômenos. 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 7/43 Linguística saussuriana Ferdinand de Saussure (1857-1913) foi um linguista suíço, considerado o pai da linguística moderna. Deste modo, pensar o gênero literário pela lógica estruturalista significa buscar algo de comum entre os fenômenos da linguagem literária que possa sugerir uma regra. Mas existiria um nível de generalidade a limitar os tipos de gêneros? Para Todorov, há diferentes níveis de generalidade e seu conteúdo dependerá da perspectiva adotada. (TODOROV, 2017, p.9) Uma das oposições à teoria dos gêneros se direciona justamente ao que esta procura de universal nas obras. Em defesa da particularidade, do valor aplicado à originalidade, critica teorias que se voltam para que há de ordinário nelas. Esse discurso marca uma posição de defesa da singularidade, na qual cada obra literária deva ser estudada como tal. Contudo, em As estruturas narrativas (2006), Todorov diz que o estabelecimento de modelos se dá com fins aplicativos, e além de elucidar a natureza e as características do fenômeno literário, serve, inclusive, para verificar o que há de específico, afinal, tudo o que não está no molde é o que há de original em determinada obra particular. Comentário Todorov defende as estruturas e categorias literárias da crítica de engessamento, ao lembrar da flexibilidade destas frente às mudanças inevitáveis. Para ele, “o modelo ideal é aquele que tenha algumas traves mestras, mas ofereça ao mesmo tempo certa flexibilidade, para poder variar no momento da aplicação e ser capaz de revelar tanto o repetido quanto o novo.” (TODOROV, 2006, p. 10) Benedetto Croce, em Estética como Ciência da Expressão e Linguística Geral (1969), refletindo um pensamento de base liberalista, rejeitava com veemência a noção de gênero justamente por seu caráter generalista. Criticava o fato de o leitor/crítico preocupar-se com a estrutura em detrimento de seu objetivo maior, o sentido impresso no texto. Entretanto, ignorar o que há de modelar seria ignorar a própria linguagem, dirá Todorov. 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 8/43 O individual não pode existir na linguagem, e nossa formulação de caráter específico de um texto torna-se automaticamente a descrição de um gênero (...). o exemplo nos é fornecido sem cessar pela teoria literária, já que os epígonos imitam precisamente o que havia de específico no iniciador. (TODOROV, 2017, p. 11) Georg Lukács, importante crítico literário, sai em defesa da forma literária, afirmando que ali situa-se o verdadeiramente social. “Toda a forma é a resolução de uma dissonância fundamental da existência, um mundo onde o contrassenso parece reconduzido a seu lugar correto, como portador, como condição necessária do sentido” (LUKÁCS, 2000, p. 61) Por tudo isso, é possível concluir que, para a teoria dos gêneros, é de grande importância estudar a obra levando em conta sua historicidade como parte portadora de sentido, uma vez que é, ao mesmo tempo, modelada e produtora da realidade na qual se inscreve. O fantástico como gênero literário Todorov, embora não tenha sido o primeiro a delimitar o fantástico como gênero literário, tornou-se referência no tema por conta do célebre ensaio intitulado A narrativa fantástica (2006), texto que serviu de base para críticos a favor e avessos a esta classificação. Por muito tempo, o fantástico foi deixado de lado pelos estudos literários e sua conceitualização limitada e dissonante, promovendo muitos equívocos e debates nessa seara, perpetuados ainda hoje. Sentindo a necessidade de produzir um estudo mais aprofundado, e que respondesse às questões levantadas acerca do fantástico, Todorov se viu impelido a realizar uma obra voltada a essa temática. 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 9/43 Publicada em 1970, Introdução à Literatura Fantástica propõe soluções aos problemas que estavam postos. Nela, o fantástico recebe o estatuto de gênero e uma definição. Devido à sua base estruturalista, para dar conta de tudo aquilo que extrapola o fantástico, gêneros vizinhos, o estranho e o maravilhoso, foram concebidos. Introdução à Literatura Fantástica (1970) No ensaio A narrativa fantástica, Todorov apresenta um elemento que se torna fundamental em toda sua conceitualização, a hesitação. Comentário Para o autor, o fantástico perdura somente no tempo da incerteza. Esta hesitação se trata de uma ambiguidade narrativa diante de situações regidas por leis desconhecidas da nossa realidade. Optando o herói ou o leitor por uma explicação natural ou sobrenatural, ou seja, desfazendo a dúvida, sai-se do campo do fantástico. Hesitar no fantástico é estar na organização natural, sem a expectativa de acontecimentos insólitos, e ser surpreendido por situações que coloquem tanto personagem quanto leitor diante do inexplicável. Ali, o leitor e o herói hesitam em aceitar ou negar o que veem. Esta incerteza é a condição primordial para instituir o gênero. Veja o exemplo dado por Todorov: Alvare, a personagem principal do livro de Cazotte O Diabo Apaixonado, vive há meses com um ser, do sexo feminino, que ele acredita ser um mau espírito: o diabo ou um de seus subordinados. O modo como apareceu esse ser indica claramente que se trata de um representante do outro mundo; mas seu comportamento especificamente humano (e mais ainda feminino), os ferimentos reais que recebe, parecem provar, ao contrário, que se trata simplesmente de uma mulher, e de uma mulher que ama. Quando Alvare lhe pergunta de onde ele vem, Biondetta responde: “Sou Sílfide de origem e uma 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 10/43 das mais consideráveis dentre elas...” E no entanto, existem as Sílfides? “Eu não concebia nada do que ouvia, continua Alvare. Mas que havia de concebível em minha aventura? Tudo isso me parece um sonho, dizia a mim mesmo; mas será́ outra coisa a vida humana? Eu sonho de modo mais extraordinário do que os outros, eis tudo... Onde está o possível? Onde está o impossível? (TODOROV, 2006, p. 145-146) Para além da hesitação, Todorov determina mais três condições para o estabelecimento do fantástico: A primeira condição é a avaliação dos acontecimentos pelo leitor através de seu mundo para decidir se tal fenômeno é natural ou sobrenatural. A segunda, Todorov nomeou de jogo de espelhos, no qual a hesitação acontece por uma projeção do leitor, ou seja, a incerteza do leitor se torna também a do personagem. Na terceira, o leitor deve rechaçar tanto a explicação do insólito por uma elucidação natural, como o advento de um sonho, por exemplo, quanto à sua absorção, o que deslizaria para o maravilhoso, ou seja, “tanto a interpretação alegórica como a interpretação poética” (TODOROV, 2006, p. 39) devem ser recusadas. Ainda que o crítico coloque a segunda condição como expletiva, a primeira e a terceira são fundamentais para o estabelecimento de fantástico. Já encerrando o ensaio, Todorov se questiona: por que o fantástico? Responde apontando para três funções: Primeira condição Segunda condição Terceira condição 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html#11/43 A social A literária do sobrenatural A função do próprio fantástico. Segundo Cailois (apud CESERANI, 2006), “o fantástico é, assim, ruptura da ordem reconhecida, irrupção do inadmissível dentro da inalterável legalidade cotidiana, e não substituição total de um universo real por um exclusivamente fantasioso.” (CAILOIS apud CESERANI, 2006, p. 47) Tanto a função social quanto a literária do sobrenatural servem para barrar uma censura. Na primeira, rompe-se com as leis institucionalizadas e particulares dos autores, ou seja, pelo sobrenatural é possível driblar a censura de temas proibidos, como o incesto, a necrofilia, a sensualidade excessiva, nos diz Todorov. O fantástico é um meio de combate contra uma e outra censura: os desencadeamentos sexuais serão mais bem aceitos por qualquer espécie de censura se pudermos atribuí-lo ao diabo. (TODOROV, 2006, p. 160) Como função literária, a transgressão ocorre no seio da própria narrativa, para isso o maravilhoso precisa: “trazer uma modificação da situação precedente, romper o equilíbrio (ou o desequilíbrio).” (TODOROV, 2006, p. 160) Por fim, Todorov faz uma breve discussão sobre a função do próprio fantástico, que está presa à reação provocada por ele. Atenção! 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 12/43 Também como transgressão, funciona como reação à consciência positivista da época, é afinal uma transgressão da linguagem pela própria linguagem, pois explica o que o cientificismo não dá conta, o subjetivo. Neste ponto, vemos a clara influência do estruturalismo, que confere ao significante a autonomia que as coisas perderam. O fantástico como modo literário A análise de Todorov que concebe o fantástico como gênero, embora limitada a algumas obras de uma época específica, tornou-se referência para pensar, inclusive, o que foi feito posteriormente, ainda que tal entendimento não se limite ao de gênero literário. Contrária à definição de Todorov, a francesa Irène Bessière escreve o ensaio O relato fantástico: forma mista de caso e adivinha (1974). Nele, questiona o fato de Todorov ter reduzido o fantástico a um traço não específico, ao da hesitação. Para ela, o fantástico não está inserido em uma categoria ou gênero, “mas supõe uma lógica narrativa que é tanto formal quanto temática e que, surpreendente ou arbitrária para o leitor, reflete, sob o jogo aparente da invenção pura, as metamorfoses culturais da razão e do imaginário coletivo.” (BESSIÈRE, 2012, p. 2) Para Bessière, o fantástico é um dos métodos da imaginação, e está diretamente ligado à: Não sendo idealizado como resultado, mas como a própria causa, em um jogo entre a realidade e desrealização. O seu domínio do que é natural ou não, é determinado culturalmente. Diferente de Todorov que defendia a tese do fantástico ser datado e localizado, para Bessière, ele vai estar presente em diferentes épocas e culturas e refletirá esses marcos. Logo, a modalidade fantástica “pressupõe uma percepção essencialmente relativa das convicções e das ideologias do tempo, postas em obra pelo autor.” (BESSIÈRE, 2012, p. 3) Diante de uma realidade problemática, o fantástico não se resume ao oposto do mundo natural, pois tudo o que é exibido provém deste mundo. Portanto, não é a inverossimilhança que o define, e sim, as Mitogra�a Religiosidade Psicologia (normal e patológica) 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 13/43 contraditórias verossimilhanças. (...) o fantástico instaura a desrazão na medida em que ultrapassa a ordem e a desordem e que o homem percebe a natureza e a sobrenatureza como marcas de uma racionalidade formal. (BESSIÈRE, 2012, p. 4) Outro ponto em que Bessière se mostra contrária a Todorov é no que diz respeito à resolução do fantástico. Para Todorov, o fantástico se desfaz no momento em que se decide pela via do natural ou do sobrenatural, pois ele só dura o tempo da dúvida. Já a autora francesa, tomando como exemplo uma ficção de Jorge Luis Borges (1899-1986), fala de uma impossibilidade de solução, ou ainda, da existência de todas as soluções. Atenção! De forma resumida, o que Bessière critica é a limitação provocada pela definição do fantástico como gênero, sustentando que, abraçado pelo modo, o fantástico abarca uma maior diversidade de obras cujo principal objetivo é promover a incerteza. Ceserani, em O fantástico (2006), faz referência ao ensaio de Bessière, dizendo que sua análise é fortemente influenciada pela definição de Jolles a respeito do fantástico, concebendo esta modalidade narrativa como “contra-forma” ou, de forma mais precisa, como “modo”. Para Ceserani, esse modo literário serve a uma “contingência histórica, para alargar as áreas da “realidade” humana. (CESERANI, 2006, p. 67) Para além da contingência histórica, Remo Ceserani promove um estudo em que sistematiza o relato fantástico a partir do que nomeou “Procedimentos formais e sistemas temáticos do fantástico”. Os procedimentos formais seriam de ordem narrativa e retórica, e alguns exemplos são: Foco narrativo em primeira pessoa. 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 14/43 Quanto aos sistemas temáticos, Ceserani exemplifica com os temas mórbidos, de amores improváveis e do vazio. Em 1937, três amigos, Borges, Bioy Casares e Ocampo discutem os melhores e mais importantes textos de literatura fantástica da história, e desta conversa, três anos mais tarde, sai a primeira publicação de Antologia da Literatura Fantástica (1940). No prólogo, Bioy Casares afirma que, como gênero, a literatura fantástica, com regras bem definidas, teria surgido no século XIX e na língua inglesa. Contudo, não acredita existir somente um tipo de conto fantástico, mas vários, logo para dar conta de um estilo ficcional que, nas suas palavras, é anterior às letras, é preciso averiguar as regras gerais como também as especiais para cada um. O fantástico: gênero ou modo? No vídeo, a especialista discutirá o conceito de fantástico a partir de duas perspectivas teórico-literárias: gênero e modo. Inclusão do leitor: surpresa, terror. Figuratividade. 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 15/43 Falta pouco para atingir seus objetivos. 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 16/43 Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 Todorov tornou-se referência para os estudos do gênero fantástico. Esse fato se deu pela publicação do célebre ensaio A narrativa fantástica, e depois pela obra Introdução à literatura fantástica. Para o crítico búlgaro, há um elemento crucial para que a narrativa fantástica se estabeleça. Marque qual das alternativas representa esse elemento: Parabéns! A alternativa D está correta. Para Todorov, a hesitação, ou seja, a incerteza diante de acontecimentos insólitos, é o elemento principal que marca a narrativa fantástica. Para o autor, o fantástico perdura somente enquanto perdura a incerteza. A partir do momento em que a dúvida é desfeita, sai-se do campo do fantástico. Questão 2 O fantástico como gênero foi questionado por diversos autores. Pode-se dizer que um dos principais ataques à teoria de Todorov se deu por conta A Temáticas fúnebres. B Ser hermético. C Amor romântico. D Hesitação. E Narrador onisciente. 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 17/43 Parabéns! A alternativa C está correta. Segundo alguns críticos a Todorov, a limitação do fantástico a algumasobras europeias, e devido ao corte histórico, dos séculos XVIII e XIX, fez com que expressivos autores da modalidade fantástica ficassem de fora, tais como Edgar Allan Poe e Franz Kafka. A da inclusão do fantástico na teoria dos gêneros aristotélicos. B da limitação temporal e de algumas obras específicas do século XX. C da limitação temporal e de algumas obras específicas dos séculos XVIII e XIX. D da limitação às narrativas de língua francesa. E da limitação aos contos russos. 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 18/43 2 - O fantástico, o estranho e o maravilhoso Ao �nal deste módulo, você será capaz de identi�car características de narrativas limítrofes ao fantástico. O fantástico, um gênero sempre evanescente Como discutido anteriormente, Todorov define o fantástico pela hesitação. Tanto personagem quanto leitor precisam duvidar dos acontecimentos insólitos que conturbam a ordem narrativa, estabelecida por uma realidade conhecida. O fantástico ocorre nesta incerteza (...) é a hesitação experimentada por um ser que só conhece as leis naturais, face a um acontecimento aparentemente sobrenatural. (TODOROV, 2017, p. 30-31) Afinal, qual a necessidade literária de promover esse desconforto? Para entender a razão da inserção de eventos perturbadores é preciso compreender o contexto histórico do qual emerge o fantástico. Para o crítico búlgaro, o aparecimento de narrativas com conteúdo sobrenatural, que traz como temas o grotesco, o sombrio, tabus e interdições, é o positivismo. Quando a ciência derruba os ícones e resta apenas a realidade, o resultado é o desamparo. O indivíduo burguês se vê submerso numa realidade e subjetividade nascidas a fórceps e a sua linguagem, arbitrária, concreta, científica e empírica não preenche o vazio transcendente. A representação literária da realidade não se mostra suficiente para dar conta das angústias do sujeito burguês europeu. 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 19/43 Para Todorov, não é coincidência que neste cenário surjam as narrativas fantásticas, pois é este o gênero que desponta da necessidade de tapar um buraco deixado pela morte do mundo transcendental provocado pelo mundo moderno. Comentário Todorov, contudo, atenta para um detalhe importante, o de não pensar o fantástico como simples oposição ao naturalismo, ou seja, à representação fiel da realidade. Ele reside, na verdade, na ambiguidade fantástica, onde, através do recurso linguístico, a hesitação ocorre dentro do sentido. Para ilustrar, Todorov nos serve com o exemplo de Aurélia de Nerval, que, para ele, teria como tema principal a linguagem. Observe as seguintes passagens: Parecia-me que entrava numa moradia conhecida... Uma velha criada que eu chamava de Marguerite e que me parecia conhecer desde a infância me disse... E eu tinha a impressão de que a alma de meu antepassado estava naquele pássaro... Acreditei cair num abismo que atravessava o globo. Sentia- me levado sem sofrimento por uma correnteza de metal fundido... Tive a sensação de que essas correntezas eram compostas de almas vivas, em estado molecular... Tornava-se claro para mim que os antepassados tomavam a forma de certos animais para nos visitar na terra... (NERVAL apud TODOROV, 2017, p. 44 grifos do autor) Pelos grifos, podemos notar de que modo o autor trabalha a linguagem a fim de criar uma atmosfera de ambiguidade. O uso das locuções e do tempo imperfeito mantém a narrativa em dois mundos e a sua retirada nos jogaria para o mundo do maravilhoso, como veremos adiante Outro mecanismo efetivo é o de manter a própria loucura à prova, como nos mostra o exemplo a seguir: 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 20/43 As narrativas daqueles que me tinham visto assim me causavam uma espécie de irritação quando eu via que se atribuíam à aberração do espírito os movimentos ou as palavras coincidentes com as diversas fases daquilo que constituía para mim uma série de acontecimentos lógicos. (NERVAL apud TODOROV, 2017, p. 45) Ora, se na remoção das locuções entramos em terreno maravilhoso, ao aceitarmos a tese da loucura, entraremos, pois, no gênero estranho. Daí a sutileza e habilidade do autor ao trabalhar a linguagem a serviço de manter leitor e personagem na ambiguidade, sustentando assim a hesitação, portanto, dentro do que Todorov nomeou como gênero fantástico puro. A partir dos exemplos acima, vimos, então, que há um limite para o gênero fantástico, e extrapolá-los seria adentrar em gêneros vizinhos. Atenção! Optar pela absorção do sobrenatural na verdade narrativa ou pela explicação realista que desfaça o acontecimento insólito, seria sair do fantástico e entrar nos gêneros maravilhoso e estranho respectivamente. “‘Cheguei quase a acreditar’: eis a fórmula que resume o fantástico. A fé absoluta como a incredulidade total nos leva para fora do fantástico; é a hesitação que lhe dá vida.” (TODOROV, 2017, p. 36) Para ilustrar de que modo se estabelecem os limites do fantástico, segue o seguinte diagrama: Para Todorov, o fantástico pode desvanecer a qualquer instante, logo é um gênero evanescente. O autor o compara ao tempo presente, que se situa no limiar entre passado e futuro, um “puro limite”. “A comparação não é gratuita: o maravilhoso corresponde a um fenômeno desconhecido, jamais visto, por vir: logo a um futuro; no estranho, em compensação, o inexplicável é reduzido a fatos conhecidos, a uma experiência prévia, e daí ao passado. Quanto ao fantástico mesmo, a hesitação que o caracteriza não pode, evidentemente, situar-se senão no presente.” (TODOROV, 2017, p. 48-49, grifo nosso) 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 21/43 O estranho Filipe Furtado formulou o termo metaempírico que, a princípio, tem-se como sinônimo de sobrenatural, elemento comumente associado ao fantástico. Entretanto, o termo se pretendia muito mais abrangente, na medida em que personagens e ocorrências não necessariamente associados ao sobrenatural seriam abarcados pelo conceito, desde que se revelassem alheios ao mundo empírico, ou ainda sem efetiva realização. O vocábulo, assim, adequa-se a designar figuras, ideias, objetos, cenários ou ações passíveis de emergir tanto do fantástico, quanto de gêneros vizinhos. Nas palavras de Furtado: A narrativa fantástica encena a manifestação metaempírica conferindo-lhe um grau de verossimilhança tão elevado quanto possível, enquanto deixa a porta entreaberta para uma explicação racional que quase conduza à sua reintegração na natureza conhecida. (FURTADO, 1980, p. 117) Dentro da acepção todoroviana, o fantástico permanece apenas na fração de tempo da hesitação. Diante de um acontecimento insólito, leitor e personagem precisam decidir se aquilo que percebem se deve ou não à “realidade”, tal como ela existe para a opinião comum. Há, portanto, dois caminhos a seguir: Maravilhoso Se abraçarmos a manifestação meta-empírica, entramos no gênero maravilho. Estranho Caso sejamos conduzidos pela lógica narrativa a uma explicação natural, entramos, pois, no campo do gênero estranho. 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 22/43 Façamos um breve parêntese para compreender de que forma a escolha do foco narrativo viabiliza a construção de um clima que favoreça a manifestação fantástica. Analisando a função do narrador na composição da narrativa fantástica, Filipe Furtado aponta para uma figura em geral homodiegética. Ou seja, o narrador faz parte da história, ou altera o curso da história em certamedida, sendo um personagem secundário (testemunha). Isso se deve ao ônus advindo da escolha pelo protagonismo do narrador, porque ao optar por uma saída racional, o resultado da derrota para o sobrenatural é quase sempre a sua morte, loucura ou uma metamorfose monstruosa. Daí a preponderância do narrador como testemunha, que se resume a testemunhar e a contar os acontecimentos insólitos atravessados pelo protagonista. (FURTADO, 1980, p. 111) O fantástico-estranho, gênero limítrofe e transitório, possui, até o momento de seu estabelecimento, diretrizes muito sensíveis, pois precisam até este instante caminhar em solo incerto, qualquer elemento a mais poderá romper com a ambiguidade e colocar o gênero em risco. Daí a importância da construção meticulosa do sujeito da enunciação na diegese, afinal este terá papel decisivo para instaurar a ambiguidade na presença do sobrenatural. E, assim como um narrador protagonista coloca em dúvida a veracidade do que está sendo narrado, um narrador onisciente rompe com a instabilidade devido à sua “proximidade” ao evento insólito. Logo, o fantástico-estranho se organiza enquanto a narrativa recebe eventos inexplicáveis, e a dúvida é sustentada entre duas orientações, até chegar ao momento de sua resolução, que deverá apresentar um esclarecimento natural. Exemplo Todorov dá como exemplo a obra de Cazotte, O diabo apaixonado (1772), em que, os sonhos de Alphonse são justificados pelo uso de entorpecentes. Logo, seja pelo uso de drogas, insanidade ou ainda por um simples sonho, o fantástico é desfeito pela racionalidade. Contudo, Todorov revela ainda a existência de um estranho puro. Nele, os acontecimentos são todos passíveis de explicação racional, entretanto, não deixam de ser extraordinários e impressionantes. A novela A queda da casa de Usher, de Edgar Allan Poe, é um grande exemplo. Nela, o insólito é promovido por uma série de coincidências que bem poderiam tomar o rumo do sobrenatural. Contudo, o narrador de Poe intervém, revelando o que ali acontecera, como podemos ler no fragmento a seguir. O comentário é feito no instante em que a casa assombrosamente desaba: 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 23/43 Talvez o olhar escrutinador de um observador pudesse descobrir uma rachadura quase imperceptível, que se estendia do telhado do prédio pela frente, descendo em zigue-zague pela parede, até se perder nas águas turvas do lago. (POE, 2011, n.p.) A novela de Poe, contudo, é classificada por Todorov como estranho puro. Para o gênero estranho, não foi estabelecida pelo crítico uma delimitação temporal, a não ser no caso de obras ligadas ao fantástico, como no exemplo de O diabo apaixonado. De resto, elas se perdem no campo geral da literatura: sua definição se prende à estrutura narrativa que apresentem os elementos mencionados. A queda da casa de Usher, logo, é definida como tal por conta da sucessão de coincidências insólitas presentes na narrativa, como uma suposta ressureição da irmã e o desmoronamento da casa após a morte de todos seus habitantes, o que, prontamente, é explicado racionalmente pelo narrador. Outro elemento gerador de estranheza na novela de Poe, e que o afasta do fantástico, é o que Todorov nomeou de “experiência dos limites”. Em “A queda da casa de Usher é o comportamento doentio do irmão e da irmã que desconcerta o leitor (...) O sentimento de estranheza parte, pois, dos temas evocados, os quais se ligam a tabus mais ou menos antigos”. (TODOROV, 2017, 54-5) Ora, lembremos aqui do contexto em que se origina o fantástico, segundo a concepção todoroviana. Ele surge como gênero de uma época marcada pela estranheza, cujas temáticas apresentam transgressões de interdições contemporâneas, que funcionavam como uma espécie de catarse permitida. Em Poe, além do autor evocar temas/tabus antigos, o incômodo se dá pelo excesso e não pelo tema em si. O maravilhoso 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 24/43 Se em uma ponta do diagrama de Todorov situa-se o estranho, na outra, encontramos o maravilhoso. Na linha central, podemos ver o fantástico, entre o fantástico-estranho e o fantástico-maravilhoso, dois gêneros limítrofes que são decididos perante a escolha de uma saída racional ou sobrenatural. A partir da escolha pelo sobrenatural, entramos nas narrativas maravilhosas-fantásticas. Seus acontecimentos, ao cabo, não são esclarecidos segundo as leis naturais, logo, são aceitos como se apresentam, e, por isso, advém a necessidade de incorporação de novas leis dentro da narrativa, agora respondendo a uma lógica metaempírica. Todavia, no esquema de Todorov, temos também o maravilhoso puro. Neste caso, não há uma delimitação ou regras que o definam, caracterizando-se, apenas, pelos eventos sobrenaturais que se apresentam durante a narrativa. Atenção! Contudo, há uma premissa: nem leitor ou narrador devem reagir a eles, pois estes são verossímeis dentro do contexto em que se inserem. São verdades narrativas a presença de seres mágicos, como fadas, a animais falantes ou um sono de cem anos, como vemos nos contos de Perrault. Perrault Charles Perrault foi um escritor francês do século XVII, autor de grande número de contos de fadas, tais como A Bela Adormecida e Chapeuzinho Vermelho. Logo, o que distingue o maravilhoso-fantástico do maravilhoso puro é a surpresa suscitada por eventos sobrenaturais. Desse modo, resumindo: Fantástico-maravilhoso O fantástico-maravilhoso aproxima-se do gênero fantástico por conta da estranheza, ou melhor, da hesitação, ainda que por fim sua decisão seja abarcar o sobrenatural. Maravilhoso puro No maravilhoso puro, esse estranhamento está ausente, não há qualquer surpresa mediante a presença do insólito. 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 25/43 Todorov, entretanto, chama a atenção para a necessidade de separar o maravilhoso puro de outras narrativas em que o maravilhoso está presente, sob algumas justificativas. Chega, inclusive, a falar de um maravilhoso imperfeito por conta das explicações que fornece, ainda que também insólitas. São eles: Neste tipo de narrativa, não são eventos sobrenaturais que evocam o maravilhoso, mas a dimensão excessiva (hiperbólica) daquilo que nos é natural. Por exemplo, em As mil e uma noites fala-se de cobras tão grandes e largas, capazes de engolir um elefante. Neste caso, o sobrenatural não é apresentado como tal, diz Todorov, ele responde às leis de lugares supostamente desconhecidos para o leitor, logo estas leis não são passíveis de serem postas à prova. Ainda com o exemplo de As mil e uma noites, nele, Simbad descreve o pássaro de roca, animal desconhecido dos manuais de zoologia, uma ave cujas patas são tão grossas quanto o troco de uma árvore. Aqui, Todorov percebe a presença do maravilhoso provocado pelo que chamou de aparecimento de gadgets, ou seja, engenhocas ou aperfeiçoamentos tecnológicos inexistentes à época, mas perfeitamente possíveis. É um passo para a narrativa de ficção científica. Uma porta secreta que abre por comando de voz ou um tapete voador são alguns exemplos desses gadgets que dão um toque maravilhoso à narrativa. Aperfeiçoamento do maravilhoso instrumental e o que hoje chamamos de Science-fiction, o maravilhoso nestas obras são compreensíveis à luz das leis que regem estas histórias. Segundo Todorov, “são narrativas que, a partir de premissas irracionais, os fatos se encadeiam de uma O maravilhoso hiperbólico O maravilhoso exótico O maravilhoso instrumental Maravilhoso científico 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 26/43 maneiraperfeitamente lógica.” (TODOROV, 2017, p. 63) No século XIX, eram histórias que explicavam eventos insólitos pelo magnetismo, sendo esse último tão sobrenatural quanto os próprios eventos. Fantástico, estranho ou maravilhoso? No vídeo, a especialista apresenta e discute as diferenças entre fantástico, estranho e maravilhoso, além de discorrer sobre gêneros limítrofes. 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 27/43 Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 O fantástico, para Todorov, acontece num período histórico marcado por uma corrente filosófica, que defendia que a única forma de conhecimento verdadeiro é o científico. Essa doutrina era denominada: A Classicismo B Parnasianismo C Idealismo 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 28/43 Parabéns! A alternativa E está correta. A narrativa fantástica germina em solo positivista, para dar conta do vazio deixado pelo mundo transcendente e representar as angústias do sujeito moderno cujo discurso racional e científico não fornecem respostas. Questão 2 Todorov estrutura um esquema com categorias que vão do maravilhoso ao estranho. No centro, em uma fina linha, está situado o fantástico. Entretanto, podemos ver ao seu lado, como gêneros vizinhos, o fantástico-estranho e o fantástico-maravilhoso. Este último diferencia-se do maravilhoso por um detalhe. De acordo com as alternativas, diga qual elemento é necessário para se definir um texto como fantástico-maravilhoso. D Existencialismo E Positivismo A A presença de eventos sobrenaturais. B A existência de dispositivos com tecnologias ainda inexistentes para a época. C A presença de hesitação mediante eventos insólitos. D O exagero de situações ou seres imaginários. E A presença de seres com poderes sobre-humanos. 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 29/43 Parabéns! A alternativa C está correta. O fantástico-maravilhoso se diferencia do maravilhoso devido a hesitação advinda de eventos sobrenaturais, esse estranhamento aproxima o gênero do fantástico, enquanto o maravilhoso tem esses eventos incorporados a sua narrativa, logo não provocam estranheza do narrador ou do leitor. 3 - Realismo mágico e real maravilhoso Ao �nal deste módulo, você será capaz de reconhecer narrativas classi�cadas nas modalidades real maravilhoso e realismo mágico. O mágico como forma de ser Segundo, Pietri (1986): 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 30/43 Não era um jogo da imaginação, mas um realismo que refletia fielmente uma realidade até então invisível, contraditória e rica em peculiaridades e deformações, que a tornavam inusitada e surpreendente para as categorias da literatura tradicional. (PIETRI, 1986, p. 135) A citação acima é de Arturo Uslar Pietri, autor venezuelano e criador do conceito “realismo mágico”. Tanto o realismo mágico, de Pietri, quanto o real maravilhoso, de Carpentier, dizem respeito a um mesmo movimento literário na América Latina. Distanciando-se do realismo clássico, esta escola literária busca expandir o conceito de mimesis no intuito de abraçar as particularidades do continente americano, que até então seguia o modelo literário europeu que, para uma realidade tão sui generis, mostrava-se insuficiente. Comentário Com base na mistura de povos, de nativos indígenas, colonizadores europeus e escravos africanos, é feita a matéria da América Latina. Por tudo isso, Santeria, Popol-Vuh, santos cristãos, entre outras manifestações religiosas e de fé, figuram no cotidiano enredado por uma atmosfera mágica. anteria Religião sincrética, na qual se observam influências da religião iorubá, o cristianismo e as religiões dos povos indígenas das Américas. Popol Vul Traduzido como “livro da comunidade”, é um registro da cultura maia, no qual está presente a concepção de criação do mundo maia. “A fé religiosa e as crendices populares que se alternam com a realidade, permitem a convivência entre os acontecimentos reais e os sobrenaturais do texto, isto é, tornam possível a incorporação do insólito ao cotidiano, ao banal (...)” (CAMARANI, 2007, p. 30) O caráter paradoxal é o que mais se destaca nos dois conceitos, em que real e sobrenatural dividem o mesmo espaço, sem provocar estranheza. Quando pegamos como referência o gênero fantástico, a hesitação diante do insólito é a sua premissa. Quando pensamos no gênero maravilhoso, ainda que o sobrenatural seja verossímil dentro da narrativa, percebemos a dicotomia entre natural e sobrenatural fora dela. 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 31/43 Todavia, nas modalidades real maravilhoso e realismo mágico, a magia é um aspecto da realidade latino-americana. É justamente na presença do insólito que desponta o real. Para compreender a ebulição de obras hispano-americanas, que em meados do século XX exibem um realismo acompanhado do cotidiano mágico, é preciso entender o contexto em que essas obras emergem. Até o início do século XX, as obras latino-americanas espelhavam-se nos movimentos literários europeus. Com realidades tão distantes, esses modelos passaram a se tornar insuficientes, resultando numa cópia da literatura europeia com ambientação americana. Alguns autores que, insatisfeitos, questionavam tais modelos, eram: Astúrias Carpentier Pietri 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 32/43 Eles conversavam sobre a necessidade de se ter uma literatura identitária, cujo norteamento mimético não estivesse limitado pelo descritivismo da realidade, como se fazia no início do século XIX, ou ainda dominado pelo realismo empírico do século XX. Havia um movimento conspirando na direção de uma remodelagem literária que não excluísse o realismo, mas excedesse seus limites. Influenciados pelas vanguardas europeias, principalmente pelo movimento surrealista, a expansão do real se inscreve para absorver especificidades latino-americanas como o ambiente exuberante, a fé, o milagre, a santeria etc. Contudo, a narrativa mágica americana traz diferenças bem demarcadas das vanguardas no emprego do insólito. Dos encontros desses intelectuais, vem a constatação de que modelo algum europeu seria suficiente para representar a diversidade “inclassificável de uma mestiçagem contraditória”, segundo palavras do próprio Pietri. Para o venezuelano, do realismo ao modernismo do século XIX, a literatura hispano-americana não passou de um contorno escondido sob o véu literário europeu que não permitia toda a exuberância mágica do cotidiano latino-americano se revelar. A respeito desta nova representação da realidade, Pietri salienta que esta não compreendia um jogo de imaginação, mas sim o retrato fiel da realidade que até então estivera deixada de lado, e o espanto que causara se dava em comparação à literatura tradicional. Como bem observou Leyla Perrone-Moisés: O real americano só é maravilhoso se o considerarmos do ponto de vista não americano, para os americanos é apenas o real. (PERRONE-MOISÉS, 1997, p. 252) Realismo mágico Como disse Gabriel Garcia Marquez (via webstories da Folha de São Paulo): "É só realismo. A realidade é que é mágica. Não invento nada. Não há uma linha nos meus livros que não seja realidade. Não tenho imaginação." 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 33/43 Um dosescritores mais brilhantes da história da literatura venezuelana, Arturo Uslar Pietri foi um dos idealizadores do movimento que pregava a liberdade literária na América hispânica. Pietri foi o precursor do conceito “realismo mágico”, cuja primeira menção aparece no texto Letras y hombres de Venezuela, de 1948, em que utiliza o termo para qualificar os contos venezuelanos da década de 30 e 40. Comumente vinculado a outros movimentos, como o real maravilhoso de Carpentier, o realismo mágico, segundo alguns críticos, possui suas particularidades. A junção se deve ao fato de esses movimentos serem contemporâneos, respondendo a um desejo criativo e, acima de tudo, libertário. Visava, portanto, produzir uma literatura que funcionasse como afirmação das particularidades da realidade da América hispânica. Para o próprio Pietri, Carpentier cunha um novo nome para um mesmo fenômeno, dirigindo sua crítica apenas à imprecisão conceitual do uso do termo maravilhoso. Sobre o conceito “real maravilhoso” dirá ser um bom nome, todavia, chama a atenção para o fato da magia nem sempre ter a ver com maravilhas, sendo o elemento mágico o mais comum na realidade americana. Para Pietri, o desejo de criar uma literatura distinta dos modelos estrangeiros nasce da percepção de uma realidade latino-americana que difere, em diversos aspectos, da realidade europeia. Para ele, a necessidade de desvincular o mágico americano da concepção de mágico europeu se dá, primordialmente, porque: Mágico europeu Possui uma conotação imaginária, abstrata. Mágico americano Na América Latina, este elemento não se separa do concreto. Ao passo que o elemento sobrenatural das narrativas fantásticas partia do imaginário, na latino-américa ele emerge do real. Logo, o papel do autor consiste na percepção sensível desses elementos mágicos e na sua representação literária. Nas palavras de Pietri: 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 34/43 O que aqueles escritores americanos estavam propondo era completamente diferente. Eles não queriam fazer jogos inusitados com os objetos e palavras da tribo, pelo contrário, revelar, descobrir, expressar, em toda a sua inusitada plenitude, aquela realidade quase desconhecida e quase alucinatória que era a da América Latina, para penetrar no grande mistério criativo da miscigenação cultural. (PIETRI, 1986, p. 135, tradução livre) Ora, se a realidade ficcional dialoga com o real, e daí desponta seu objeto; logo, do cotidiano, percebido como mágico, emerge uma nova noção de realismo literário. Para Pietri, a literatura da América hispânica estava transbordando de fantasias sobrepostas à realidade. Contudo, a expressão do fenômeno mágico, para o autor, era entendida como revelação, apenas direcionada à tradição literária, pois, no dia a dia latino- americano, a magia sempre se fez presente. Comentário Um dos desdobramentos do realismo mágico é o seu entendimento, pelos autores e pelo público hispano- americano, enquanto uma espécie de reescritura da história da América Latina, ou ainda, a sua redescoberta. É, pois, uma escrita feita pelo olhar do colonizado, com suas manifestações da vida coletiva e suas particularidades, o que contribui para uma nova compreensão do passado e interpretação do presente latino-americano. Em outras palavras, uma história escovada à contrapelo. Deste viés, é possível empreender uma leitura crítica de velhos problemas que assolam a América Latina, da hegemonia ideológica, que resume esta parte do continente a uma eterna colônia, às questões de desigualdade social. Daí o investimento de Pietri ao escrever o ensaio Godos, Insurgentes y Visionarios (1986). Nele, exibe toda a sua concepção de história e cultura latino-americana, rompendo com a ideologia do colonizador e exaltando a cultura nacional, olhando para a mestiçagem de forma positiva, onde residiria a verdadeira riqueza cultural. Dentro desta perspectiva, de reescritura, podemos recortar um período literário que vai das Lendas da Guatemala (1930), de Miguel Ángel Astúrias, a Cem anos de solidão (1967), de Gabriel García Márquez. Real maravilhoso 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 35/43 O conceito de “real maravilhoso” surge pela primeira vez no ensaio de Alejo Carpentier de 1948. No ano seguinte, o autor retorna a esse texto no prólogo do seu romance intitulado O reino deste mundo, que podemos ler como a concretização dessas ideias. No ensaio, inspirado numa viagem que Carpentier fez ao Haiti, o autor idealiza a natureza do maravilhoso, que infere não ser privilégio daquele país, mas de toda América. O real maravilhoso encontra-se a cada passo nas vidas dos homens que inscreveram datas na história do Continente. (CARPENTIER, 1985, p. 14) Contrapondo-se à literatura fantástica, produzida na Europa e reproduzida nas Américas, o maravilhoso manifesta-se em algumas obras de literatura hispano americana imbricado à realidade. Carpentier, idealizador e atento a esse movimento latino, cria o conceito de real maravilhoso, situando-o no lado oposto da narrativa batida, entediante e burocrática a que havia se tornado o modelo maravilhoso europeu. Embora apresente semelhanças com as vanguardas europeias, mais precisamente com o movimento surrealista, o real maravilhoso está conectado com o real extrapolando seus limites. Para Carpentier, ele deve ser compreendido pelo viés cultural e, principalmente, percebido no contexto da fé, pois surge na alteração da realidade, exibindo riquezas só alcançadas a partir da elevação do espírito. A partir desta concepção, marca as diferenças entre ele e o surrealismo, como também fizera seu amigo Pietri. Daí que o maravilhoso invocado na descrença – como fizeram os surrealistas durante tantos anos – nunca tivesse passado de uma artimanha literária bastante aborrecida, ao prolongar-se, como certa literatura onírica ‘regrada’ e certos elogios da loucura, dos quais já começamos a estar fartos. (CARPENTIER, 1985, p. 13) Logo, o surrealismo padeceria de ausência de fé naquilo que representava, incapazes, nas palavras de Carpentier, de conceber uma mística válida, não passando de uma falsificação do maravilhoso. No ensaio Lo Barroco y lo Real Maravilloso, Carpentier reafirma esse distanciamento pela seguinte sentença: “O extraordinário não é belo forçosamente. Não é bonito nem feio; é antes de tudo surpreendente pelo 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 36/43 insólito.” (CARPENTIER, 1969, p. 143) Assim, o maravilhoso se inscreve no que é incomum e está ligado diretamente à história e à cultura de um povo, e, sobretudo, representa um mundo ainda encantado. No romance O reino deste mundo, Carpentier deixa claro o embate entre o mundo desencantado do colonizador e o mundo mágico dos escravos. Como podemos ver nas duas passagens a seguir, a personagem Mackandal está a cumprir sua sentença, morrer na fogueira. De um lado, escravos veem Mackandal metamorfosear-se em mosquito e voar, vencendo a morte trágica, do outro, os homens brancos assistem Mackandal queimar e chocam-se com a reação dos negros a quem julgam sem compaixão. Veja, a seguir, as duas passagens do romance O reino deste mundo: “Mackandal já estava amarrado com as costas coladas ao poste de tortura. O verdugo tinha presa uma brasa nas tenazes. Repetindo um gesto que ensaiara na véspera em frente ao espelho, o governador desembainhou o sabre e deu ordem para que se cumprisse a sentença. O fogo começou a subir até o maneta, chamuscando-lhe as pernas. Nesse momento, Mackandal agitou o coto, que não tinham podido amarrar, num gesto ameaçador, que nem por minguado era menos terrível, urrando conjuros desconhecidos e jogando o torso violentamentepara a frente. As cordas caíram, e o corpo do negro esticou-se no ar, voando sobre as cabeças, antes de mergulhar nas ondas do negro mar de escravos. Um só grito ressoou na praça: — Mackandal sauvé! (...) Naquela tarde os escravos regressaram para as fazendas rindo durante todo o trajeto. Mackandal tinha cumprido sua promessa, permanecendo no reino deste mundo. Uma vez mais os brancos eram batidos pelos Altos Poderes da Outra Costa. E enquanto Monsieur Lenormand de Mezy, de touca de dormir, comentava com sua beata esposa a insensibilidade dos negros ante o suplício de um O reino deste mundo 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 37/43 semelhante — tirando disso certas considerações filosóficas sobre a desigualdade das raças humanas, que pretendia desenvolver num discurso cheio de citações latinas (...)” (CARPENTIER, 1985, p. 20) O real maravilhoso conta a história da América, que é permeada de elementos mágicos por conta da diversidade de povos, que chegam a esse continente carregados de elementos míticos. Devido à aura mágica, que constitui a realidade latino-americana, não podemos confundir o real maravilhoso com o realismo descritivo ou com o fantástico europeu, até mesmo com os movimentos vanguardistas. Embora suas contribuições sejam inegáveis, afinal, o colonizador europeu é, também, matéria constitutiva da América, a escola literária latino-americana deve ser compreendida em seu movimento de libertação e promoção de uma literatura identitária. Realismo mágico e real maravilhoso No vídeo, a especialista apresenta o realismo mágico e o real maravilhoso, relacionando-os ao contexto do qual emergem. 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 38/43 Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 A seguinte frase é de Gabriel García Márquez e foi proferida pelo escritor durante uma entrevista em que falava a respeito de suas obras. Leia abaixo a declaração de García Márquez e marque a opção do movimento literário ao qual ele se refere. "É só realismo. A realidade é que é mágica. Não invento nada. Não há uma linha nos meus livros que não seja realidade. Não tenho imaginação." 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 39/43 Parabéns! A alternativa E está correta. A sentença de García Márquez resume o que foi o movimento realismo mágico, que buscava na magia do cotidiano o verdadeiro realismo, sem fórmulas artificiais ou invenções sobrenaturais, era apenas a representação do dia a dia de uma cultura rica em misticismos e eventos maravilhosos. Questão 2 O realismo mágico e o real imaginário foram movimentos limitados à expressão literária. Uma de suas intenções era a de criar uma literatura identitária, mas para isso era necessário romper com modelos anteriores. Leia as alternativas e marque aquela que melhor corresponde a essa afirmativa. A Naturalismo B Realismo C Fantástico-maravilhoso D Parnasianismo E Realismo mágico A Os movimentos literários da segunda metade do século XX na América Latina rompem com o modelo europeu como forma de afirmação de uma cultura nacional. B Os movimentos literários da segunda metade do século XX na América Latina rompem com o modelo norte-americano como forma de rechaçar o neoliberalismo econômico reproduzido nas artes. 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 40/43 Parabéns! A alternativa A está correta. Alguns autores de países hispano-americanos em meados do século XX realizaram um movimento na direção de uma literatura identitária. Para isso, foi necessário romper com a reprodução de modelos hegemônicos europeus, que não davam conta de representar as particularidades histórico-culturais da América Latina. Considerações �nais Por meio de um breve recorte histórico, pudemos entender como os gêneros literários se constroem como estrutura classificatória, estabelecendo as variedades literárias através de generalizações. Vimos também a influência da historicidade nos estudos de gênero e de que forma a classificação do fantástico, neste conceito, despertou críticas avessas a ela. A partir das críticas à teoria do fantástico como gênero, e da defesa de seu enquadramento dentro dos parâmetros de modo literário, conseguimos perceber a sua expansão na história da literatura. Por fim, percorremos os movimentos identitários da América Latina, que buscavam se libertar dos modelos europeus, para então construir uma literatura nacional, partindo dos elementos de sua rica cultura. C Os movimentos literários do século XIX na América Latina rompem com o modelo europeu como forma de afirmação de uma cultura nacional. D Os movimentos literários do século XX retomam o modelo europeu como forma de afirmação de uma cultura colonial. E No século XX, nas Américas, nada se produziu de inovador no campo literário. 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 41/43 Podcast Para encerrar, ouça um resumo dos principais tópicos abordados. Referências ARISTÓTELES. Poética. Tradução Eudoro de Sousa. Imprensa Nacional: Casa da Moeda, 1990. BESSIÈRE, I. O Relato Fantástico: forma mista do caso e da adivinha (traduzido). In: Revista Fronteiraz, n. 3, PUC- São Paulo, s.d. CAMARANI, A. L. S. O universo mágico de Guimarães Rosa e Mia Couto: Primeiras estórias e Estórias abensonhadas. In: Anais VII Seminário de Pesquisa Grande Sertão: Veredas e Corpo de Baile: 50 anos, Unesp/Araraquara, 2007. p. 26-35. CARPENTIER, A. Los pasos perdidos. Santiago: Orbe, 1969. CARPENTIER, A. O Reino Deste Mundo. 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Para saber mais a respeito do real maravilhoso, pesquiseo termo “real maravilhoso” no e-dicionário de termos literários. 16/04/2023, 21:10 Fundamentos filosóficos e críticos do conceito de fantástico https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/04570/index.html# 43/43
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