Buscar

ArtigoDeOpinião_MuitoBarulhoPorNada

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

ARTIGO DE OPINIÃO — 209 208 — ARTIGO DE OPINIÃO
MUITO BARULHO POR NADA
Ryan Victor Santana Silva
A cidade onde vivo, Nossa Senhora 
da Glória, em Sergipe, tem grande impor-
tância na região, por isso foi contemplada 
com uma escola de Ensino Médio de perío-
do integral que atende a jovens de vários 
municípios. Estudo nessa escola e nossa 
rotina não é fácil: enfrentamos nove au-
las diárias, provas semanais, e isso é mui-
to cansativo. Porém há um aluno que, com 
sua página de humor no Instagram, tem a 
capacidade de converter esse cansaço em 
algo divertido. No mês de junho, ele criou 
um meme sobre uma possível Festa Juni-
na que aconteceria no Colégio. Nele divul-
gava um show com o cantor Pepe Moreno, 
um bingo de um carneiro, paredões nos in-
tervalos e o sorteio de um smartphone ca-
ríssimo, tudo por apenas três reais. A pos-
tagem bem-humorada viralizou, muitos a 
compartilharam, inclusive eu. Após sua re-
percussão, seu criador foi punido pela es-
cola e suspenso por um dia.
O fato gerou polêmica e dividiu opi-
niões. O diretor acredita que a punição 
foi adequada, pois alega que o estudan-
te usou o nome da escola sem consenti-
mento e criou uma propaganda enganosa 
que pode comprometer a imagem da uni-
dade de ensino. Alguns professores e alu-
nos acharam a medida punitiva despropor-
cional, pois se tratava apenas de uma brin-
cadeira. Tenho plena convicção de que o 
castigo foi exagerado.
Interpretar exige uma série de conhe-
cimentos, para que possamos compreen-
der sentidos subentendidos, é o que diz o 
educador Paulo Freire. O meme já é con-
siderado por muitos estudiosos um gênero 
textual da era digital e, por isso, exige no-
vos saberes, para que haja plena compreen-
são. Aqueles que possuem essa bagagem 
conseguiram decodificar o humor por trás 
da criação desse aluno. Inclusive, estudan-
tes de outra escola da cidade, habituados 
com essa linguagem, também entenderam 
a brincadeira e criaram um meme parecido, 
só que utilizando o nome da escola deles.
Embora os motivos apresentados pe-
la equipe gestora para a suspensão sejam 
pertinentes, o castigo foi inadequado, pois 
eles não conseguiram compreender a in-
tenção do meme.
Professor Jorge Henrique 
Vieira Santos
CE Manoel Messias Feitosa, 
Nossa Senhora da Glória-SE
Certamente, a postagem não poderia 
ser uma propaganda enganosa, pois seu 
conteúdo é absurdo e exagerado. Quem 
acreditaria em paredões entre os interva-
los das aulas? E o show, o smartphone, tu-
do por três reais? Pense bem, se fosse real-
mente uma propaganda enganosa, o que 
levaria tantos outros alunos a repostarem? 
Será que todos queriam difamar o Colégio?
Além disso, não é de hoje que lutamos 
por liberdade de expressão em nosso país. 
Será que devemos abrir mão dessa con-
quista e aceitar ter que pedir autorização 
para nos expressarmos?
Não culpo a gestão por não ter inter-
pretado corretamente, culpo-a por não 
querer entender. Diversas vezes, esse alu-
no tentou explicar o intuito de sua criação, 
e, mesmo assim, seus argumentos não fo-
ram considerados.
O poder censura. No ambiente esco-
lar existe uma hierarquia. A base de tudo 
são os alunos, que sustentam os funcio-
nários, os professores e o diretor. Entre-
tanto, quando se trata de uma relação de 
poder, essa sequência muda. Apesar de 
sustentarmos todas as outras posições, 
somos a categoria mais frágil, e a corda 
sempre arrebenta desse lado. Somos obri-
gados a aceitar tudo o que nos é impos-
to e essa aceitação acaba nos silenciando 
sob a crença de que o mais sensato sem-
pre é obedecer. Essa obediência à hierar-
quia pode provocar consequências futuras 
que terão reflexo na sociedade.
Esse aluno censurado de hoje será o 
adulto passivo de amanhã. E ele foi sim 
censurado. De certo modo, essa suspen-
são, por mais banal que seja agora, aca-
bará coagindo o aluno a ser um cidadão 
que, por medo de sofrer retaliações, opta 
por não expressar sua opinião. É um medo 
que não fica apenas na esfera escolar, per-
passa e reflete na sociedade. Isso é tudo o 
que um governo autoritário quer.
A gestão fez muito barulho para solu-
cionar um problema simples, e isso pode 
afetar o futuro do jovem. O correto seria 
ter resolvido o conflito por meio do diálo-
go e procurado soluções que não o cen-
surassem. A escola deveria estimular essa 
habilidade do aluno, adaptando-se a esse 
novo gênero e utilizando-o para a aprendi-
zagem. Assim, nossa geração não seria tão 
passiva diante das péssimas decisões polí-
ticas que nosso país vem tomando.

Continue navegando