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AULA 3 PERFIS CRIMINAIS E COMPORTAMENTAIS – CRIMINAL MINDS Prof. José Benedito Caparros Junior 2 TEMA 1 – O QUE É PSICOLOGIA E QUAL A SUA HISTÓRIA? Quando se fala em psicologia, é comum se deparar com algumas definições um pouco destorcidas ou, até mesmo, completamente errôneas do que vem a ser essa ciência. Logo, também é comum se deparar com muitas perguntas, que variam das mais básicas às mais complexas, tais como: o que é psicologia? Qual a origem da psicologia? Qual a ponte da psicologia com comportamentos normais ou anormais? A psicologia pode explicar o fenômeno criminal? Existe alguma relação entre psicologia e biologia? Psicologia e filosofia são a mesma coisa? Para respondermos às perguntas mais complexas e elaboradas acerca da psicologia, precisamos iniciar pelas questões mais básicas e genéricas. Esse é um caminho lógico e didático, que deve ser respeitado para que a aprendizagem ocorra de forma mais sólida, contextualizada, crítica e significativa. Portanto, antes de discutirmos a utilidade, a validade e o modo como a ciência da psicologia é posta em prática em áreas e campos de atuação, como clínicas, hospitais, escolas, empresas, centros de pesquisas e, em especial para a nossa disciplina, no sistema de justiça e segurança, precisamos começar pelo início. Assim, a primeira questão que deve ser elucidada logo de imediato é: o que é psicologia? Para responder a essa pergunta, vamos recorrer a algumas citações: A ciência da psicologia não tem a ver apenas com intuições ou senso comum. A ciência psicológica é o estudo, por meio da pesquisa científica, da mente, do cérebro e do comportamento. (Gazzaniga; Heatherton; Halpern, 2018, p. 5) Psicologia é o estudo científico do comportamento e dos processos mentais. Engloba não apenas o que as pessoas fazem, mas também seus pensamentos, suas emoções, percepções, processos de raciocínio, memórias, e até mesmo as atividades biológicas que mantêm o corpo funcionando. (Renner et al., 2012, p. 16) Ou seja, a psicologia é o ato de estudar tudo aquilo que se refere à mente, ao cérebro e ao comportamento. Então, como funciona o estudo e a prática laboral da psicologia em nossa sociedade? Essa também é uma excelente pergunta. Contudo, antes de estudarmos a psicologia da atualidade e a maneira como ela é útil na área jurídica, em especial no que se refere ao perfil e comportamento criminal, é importante que entendamos seu contexto histórico. É por meio do estudo do início da psicologia que poderemos ter embasamento crítico ao lidar com o assunto. 3 Dito isso, vamos responder a mais uma pergunta que fizemos no começo deste tema: Qual a origem da psicologia? Para responder a essa pergunta, tarefa que não é fácil, precisamos entender que a história da psicologia pode ser dividida em dois períodos distintos, separados por cerca de 2 mil anos de distância. Esses dois períodos fazem da psicologia, por mais dicotômico que seja, uma das disciplinas mais antigas do mundo e, ao mesmo tempo, uma das mais novas. O primeiro período é o mais antigo; ele direciona nossos estudos à Grécia Antiga, especificamente nos séculos V e VI a.C., quando grandes filósofos como Platão e Aristóteles já buscavam entender alguns temas acerca da mente e comportamento humano, temas que ainda hoje compõem a psicologia moderna. Filósofos discutiam ideias sobre o funcionamento da mente, ou alma, humana e, para isso, elaboravam e discutiam ideias. Conforme Schultz e Schultz (2014, p. 4), “Essas ideias estão em alguns dos tópicos básicos abordados nos cursos de psicologia: memória, aprendizagem, motivação, pensamento, percepção e comportamento anormal”. É possível afirmar que a curiosidade dos antigos acerca de temas como esses, bem como de suas contribuições filosóficas, oportunizou a construção do estudo do comportamento humano e de seus processos mentais de forma científica. Ou seja, oportunizou a construção da psicologia moderna! Assim, o segundo período é aquele que se refere ao surgimento formal da psicologia, isto é, o estudo como ciência. Esse período se iniciou no final do século XIX, ou seja, muito recentemente. Por conta dessa divisão que há na linha histórica da psicologia, reconhece- se que esta é uma das disciplinas mais antigas do mundo e ao mesmo tempo uma das mais novas. O estudo científico da psicologia precisou de tempo para que ocorresse e precisou que outros campos e áreas do saber evoluíssem primeiro para que, com suas contribuições e inovações técnicas, oportunizassem tecnologias para subsidiar o estudo científico da psicologia. Conforme melhor explica Renner et al. (2012, p. 19): Considera-se que o início formal da psicologia como disciplina científica tenha se dado ao final do século XIX, quando, em Leipzig, na Alemanha, Wilhelm Wundt estabeleceu o primeiro laboratório experimental dedicação aos fenômenos psicológicos. Quando Wundt montou seu laboratório em 1879, seu objetivo era estudar os elementos fundamentais da mente. Ele considerava a psicologia como o estudo da experiência consciente [...] era direcionada a descobertas dos componentes mentais fundamentais da percepção, da consciência, do pensamento, das emoções e de outros tipos de estados e atividades mentais. 4 Mas como Wundt entendia a psicologia naquela época? Ele a entendia como o estudo da consciência humana e procurou aplicar métodos experimentais ao estudo de processos mentais internos. Embora seu uso de um processo conhecido como introspecção seja visto como não confiável e não científico hoje, seu trabalho inicial em psicologia ajudou a preparar o terreno para futuros métodos experimentais. Estima-se que 17.000 alunos assistiram às palestras de psicologia de Wundt, e centenas mais seguiram em psicologia e estudaram em seu laboratório de psicologia. Enquanto sua influência diminuiu à medida que o campo amadureceu, seu impacto na psicologia é inquestionável. Tabela 1 – Linha do tempo da evolução da psicologia Percursores da psicologia – psicologia pré-formal 5.000 a.C. Trepanação era uma técnica rudimentar para extrair maus espíritos 430 a.C. Hipócrates e sua proposta de quatro temperamentos da personalidade 1637 Descarte descreve os espíritos dos animais 1690 John Locke introduz a ideia da tábula rasa 1807 Franz Josef Gall propõe a frenologia Primeiros psicólogos – psicologia formal 1879 Wilhelm Wundt inaugura o primeiro laboratório de psicologia no mundo, em Leipzig, na Alemanha 1890 Princípios de psicologia é publicado por William James 1895 Formulado o modelo funcionalista 1900 Sigmund Freud cria a psicanálise (psicodinâmica) 1905 Mary Calkins trabalha em memórias 1915 Período em que estudos e testes de inteligência ganham notoriedade 1920 Psicologia Gestalt torna-se influente 1924 John Watson, um dos primeiros behavioristas, publica Behaviorismo 1951 Carl Rogers publica Terapia Centrada no Cliente, contribuindo para estabelecer a perspectiva humanista 1953 B. F. Skinner publica Ciência e comportamento humano, em defesa a perspectiva comportamental 1954 Abraham Maslow publica Motivação e Personalidade, desenvolvendo o conceito de autoatualização 1957 Leon Festinger publica Teoria da dissonância cognitiva, produzindo grande impacto sobre a psicologia social 1969 Discussões quanto à base genética do QI alimentam controvérsias duradouras 1980 Morre Jean Piaget, influente biólogo e psicólogo do desenvolvimento 1981 David Hubel e Torsten Wiesel ganham o Prêmio Nobel pelo trabalho sobre células da visão no cérebro 1985 Aumenta o destaque da perspectiva cognitivista 5 1990 Maior ênfase em multiculturalismo e diversidade 2000 Elizabeth Loftus realiza trabalho pioneiro sobre falsas memórias e declarações de testemunhas oculares 2010 Novos campos da psicologia surgem, comoa neuropsicologia e a psicologia evolucionista Fonte: Adaptado de Renner et al., 2012, p. 20. Enquanto a psicologia não emergiu como uma disciplina separada até o fim de 1800, sua história mais antiga pode ser rastreada até o tempo dos primeiros gregos. Essa primeira parte da história da psicologia deixou uma herança de temas, elementos e ideias a serem pesquisadas pela psicologia moderna. Mas então, o que torna a psicologia diferente da filosofia? Enquanto os filósofos antigos se baseavam apenas em observação e lógica, os psicólogos de hoje utilizam metodologias científicas para estudar e tirar conclusões sobre o pensamento e o comportamento humano. A própria fisiologia contribuiu para o eventual surgimento da psicologia como disciplina científica. As primeiras pesquisas fisiológicas sobre o cérebro e o comportamento tiveram um impacto dramático na psicologia, contribuindo para a aplicação de metodologias científicas no estudo do pensamento e comportamento humano. Assim, na atualidade, a psicologia se debruça sobre o comportamento humano e sobre os processos mentais (mente). Mas como poderíamos definir comportamento humano e mente? Para Gazzaniga, Heatherton e Halpern (2018, p. 5), podemos entendê-los da seguinte forma: Comportamento descreve a totalidade das ações humanas (ou animais) observáveis. Essas ações variam de sutis a complexas. Algumas são observadas exclusivamente em seres humanos, como discutir filosofia ou realizar cirurgias. Outras são vistas em todos os animais, como comer, beber e acasalar. Mente se refere à atividade mental. São exemplos de mente em ação as experiências perceptivas (visão, odores, sabores, sons e toques) que temos ao interagir com o mundo. A mente também é responsável por memórias, pensamentos e sentimentos. A atividade mental resulta de processos biológicos que ocorrem junto ao cérebro. Mas como podemos estudar algo tão complexo e misterioso como a mente? Mesmo que abríssemos o crânio de um voluntário e olhássemos para dentro desse crânio aberto, só veríamos a matéria cinzenta do cérebro. Não conseguiríamos ver o que esse voluntário estava pensando, naturalmente. Isso significa que não conseguiríamos observar suas emoções, memórias, percepções e sonhos. Então, retomando a pergunta, como os psicólogos estudam a mente? 6 A respostas é bastante simples. Os psicólogos usam o comportamento humano como uma pista para o funcionamento da mente. Embora não possamos observar a mente diretamente, tudo o que fazemos, pensamos, sentimos e dizemos é determinado pelo funcionamento da mente. Assim, os psicólogos tomam o comportamento humano como os dados brutos para testar suas teorias sobre como a mente funciona. Além disso, precisamos entender que no passado, devido a poucas tecnologias disponíveis, os psicólogos se dedicavam ao estudo da psicologia atendo-se ao estudo mais aprofundado dos comportamentos em vez dos estados mentais. Contudo, esse cenário vem se alterando. O surgimento “da tecnologia para observação da atividade do cérebro em ação permitiu que os psicólogos estudassem os estados mentais, levando assim a um conhecimento mais amplo do comportamento humano” (Gazzaniga; Heatherton; Halpern, 2018, p. 5). Ou seja, com o passar dos tempos, a psicologia usufruiu de técnicas e tecnologias para causar a sua própria evolução, o que acarretou no surgimento de várias abordagens psicológicas. As abordagens da psicologia oferecem visões diversas e enfatizam diferentes fatores. Do mesmo modo que podemos usar mais do que um mapa para nos acharmos em uma região específica – por exemplo, um mapa que mostra estradas e rodovias e outro mapa que mostra pontos de referência –, os psicólogos desenvolveram diversas perspectivas para compreender o comportamento e/ou a mente: • Perspectiva psicodinâmica: abordagem baseada na visão de que o comportamento é motivado por forças internas inconscientes sobre as quais o indivíduo tem pouco controle. • Perspectiva comportamental: abordagem que sugere que o comportamento observável e mensurável deve ser o foco do estudo. • Perspectiva cognitiva: abordagem que se concentra em como as pessoas pensam, entendem e raciocinam sobre o mundo. • Perspectiva humanista: abordagem que sugere que todos os indivíduos naturalmente se esforçam para crescer, se desenvolver e controlar sua vida e seu comportamento. • Perspectiva neurocientífica: abordagem que se concentra no funcionamento da mente levando em consideração seu funcionamento biológico. 7 Alguns psicólogos dedicam-se às funções cognitivas, enquanto outros lidam com as forças inconscientes; e há, ainda, os que trabalham somente com o comportamento observável ou com processos fisiológicos e bioquímicos. A psicologia moderna compreende várias abordagens de estudo que pouco parecem ter em comum, exceto o grande interesse na natureza e no comportamento humano [...]. (Schultz; Schultz, 2014, p. 3) A psicologia está na interseção de muitas outras disciplinas, incluindo biologia, medicina, linguística, filosofia, antropologia, sociologia e inteligência artificial (IA). Por exemplo, a neuropsicologia é aliada à biologia, uma vez que o objetivo é mapear diferentes áreas do cérebro e explicar como cada uma sustenta diferentes funções cerebrais, como memória ou linguagem. Outros ramos da psicologia estão mais intimamente ligados à medicina. Psicólogos de saúde ajudam as pessoas a controlar doenças e dor. Da mesma forma, psicólogos clínicos ajudam a aliviar o sofrimento causado por transtornos mentais. TEMA 2 – PSICOLOGIA JURÍDICA OU FORENSE Como estudamos no tema anterior, há várias abordagens psicológicas. Todavia, para além dessas abordagens, há também várias áreas em que as atividades dos psicólogos são demandadas. Isto é, sempre ocorre uma combinação entre abordagem e área de atuação. Por exemplo, na área jurídica, há psicólogos de abordagem psicodinâmica e há psicólogos de abordagem neurocientífica. Ou seja, psicólogos das mais diversas abordagens podem atuar na área jurídica. Por óbvio, essa mesma lógica se aplica a todas as áreas que demandam serviços especializados de psicólogos. É importante entendermos que as combinações são as mais variadas possíveis. O que importa é não confundirmos abordagem com área de trabalho. A especialização que cada psicólogo escolhe é um dos principais elementos que lhe dará mais e melhor direcionamento tanto no que se refere à abordagem quanto à área de sua atuação. Visto que o exercício da psicologia é regulamentado por lei, o responsável por regulamentar, orientar e fiscalizar o exercício profissional do psicólogo é o Conselho Federal de Psicologia (CFP). Quanto à regulamentação das áreas de especialização da psicologia, essa autarquia publicou a Resolução CFP n. 13/2007, na qual consta: • psicologia escolar/educacional; • psicologia organizacional e do trabalho; • psicologia de trânsito; 8 • psicologia do esporte; • psicologia clínica; • psicologia hospitalar; • psicologia jurídica. Para a nossa aula, o foco é a área da psicologia jurídica. Contudo, de antemão, cabe ressaltar que a terminologia psicologia jurídica e psicologia forense podem sofrer alterações de autor para autor, bem como de país para país. Psicologia jurídica é o termo frequentemente usado no Brasil, no entanto, nos Estados Unidos, o termo frequentemente utilizado é psicologia forense. Não existe uma unanimidade acerca da diferenciação do conceito de psicologia jurídica e psicologia forense no Brasil. Há autores que defendem que os termos são sinônimos e que, portanto, não há diferenciação teórica e prática entre um e outro. Por outro lado, há autores também brasileiros que entendem que os dois termos existem, porém cada qual com o seu próprio e específico conceito. Em outras palavras, há autores que defendem que psicologia jurídica e psicologiaforense não são a mesma coisa, e que cada um desses termos possui o seu próprio significado e função. Para esta disciplina, adotaremos o modelo teórico que reconhece ambos os termos e que, sobretudo, faz distinção entre um ou outro. Isto é, partiremos do pressuposto que psicologia jurídica é uma coisa, e psicologia forense, outra. Essa divisão será útil à medida que avancemos o conteúdo. Haja vista essa introdução e a concordância acima, podemos entender a psicologia jurídica tanto como uma especialização quanto uma área da psicologia como ciência. Portanto, é uma área em que psicólogos de diferentes abordagens podem vir a ter interesse em atuar e, com isso, especializa-se e definir esse como o seu locus na psicologia. Mas como podemos definir psicologia jurídica? Para Silva (2012, p. 9-10): Compreende o estudo, assessoramento e intervenção eficaz, construtiva e pró-social, acerca do comportamento humano e as normas legais e as instituições que o regulam. Adicionalmente, tem a missão de melhorar a administração da justiça, humanizar o exercício do direito e da aplicação das leis, imprimir um matiz científico à norma e, sobretudo, trazer uma visão crítica para confrontar se as práticas judiciais estão em conformidade com o que é humanamente necessário, eficaz e realmente justo. Ou seja, os psicólogos jurídicos são cientistas e críticos da melhoria do sistema judicial e de sua integridade, objetivando garantir a aplicação da justiça [...]. 9 No mesmo sentido, porém em outras palavras, Oliveira (2000) define que a psicologia jurídica é compreendida por toda e qualquer prática da psicologia aplicada à área do direito. Ou seja, o entendimento e a prática da psicologia jurídica são muito amplos e podem se dar das mais diversas formas possíveis. Em complementação a isso, o autor traz à luz a diferenciação entre psicologia jurídica e psicologia forense, como uma forma de seccionar essa prática e, com isso, deixá-la mais delineada e especializada. Assim, Oliveira (2000, p. 61) afirma que psicologia jurídica “é o conjunto em que está contido o subconjunto psicologia forense”. Desse modo, o autor afirma que “a psicologia forense é uma subespecialidade da psicologia jurídica, bem como a alusão ao perito forense” (2000, p. 61). O termo psicologia forense (derivado do “foro”, instituição judiciária de administração da justiça) se estabelece como um subespecialidade da psicologia jurídica, na qual o perito forense se utiliza dos conhecimentos necessários para resolver um caso judicial. Haja vista a diferenciação explicitada, agora cabe entendermos como trabalha um psicólogo forense e sua intersecção com o comportamento criminal. Para Lopes e Araujo (2018), as práticas do psicólogo forense são, entre outras, justamente “atividades periciais, tais como perfil psicológico de provável criminoso, avaliação de testemunho e credibilidade [...]”. Ainda de acordo com as autoras, diversas técnicas são utilizadas por esse profissional especializado, tal como o criminal profiling. Teremos uma aula só para tratar do criminal profiling, mas, de antemão, vamos fazer algumas definições importantes. O criminal profiling é uma estratégia utilizada pela polícia em investigação e identificação de suspeitos de determinado crime. Em outras palavras, é uma técnica que pretende estudar o comportamento e a personalidade de um Psicologia Jurídica Psicologia Forense 10 criminoso ainda não identificado. A psicologia, em sua forma mais abrangente, produz muitas contribuições para a construção, aprimoramento e prática dessa técnica. Como mencionado, teremos uma aula específica para abordar o assunto com mais riqueza de detalhes e, com isso, seguir afunilando o nosso conhecimento em perfis criminais e comportamentais. TEMA 3 – TEORIAS PSICOLÓGICAS – TEORIA PSICODINÂMICA Por que os indivíduos cometem crimes? Por que o crime está presente em nossa sociedade? Qualquer pessoa pode ser violenta? Na realidade, é muito difícil responder o motivo pelo qual o crime ocorre. Durante séculos, as pessoas têm procurado respostas para essas perguntas. Os sistemas de justiça criminal ao redor do mundo, neste momento, estão muito preocupado com essas questões e, além deles, muitos profissionais das mais diversas áreas estão tentando respondê-las. Desse modo, é importante reconhecer que são muitas as explicações que se preocupam e tentam elucidar o motivo pelo qual pessoas cometem crimes. Embora elas não tenham sido respondidas de modo que o comportamento criminal fosse extinto da face da terra, devemos reconhecer que houve uma grande evolução na compreensão do comportamento criminoso, na forma de fazer justiça, na forma como a sociedade passou a se organizar etc. Estudos na área da psicologia permitiram que teorias acerca desse assunto fossem formuladas, testadas e aplicadas. A psicologia possui destaque ímpar no campo do perfil e do comportamento criminal, e ela subsidia muitas outras ciências e estudos, como a criminologia, o direito, a medicina, fisiologia, sociologia etc. É com base em teorias psicológicas que estudiosos se concentram na associação entre inteligência, personalidade, aprendizagem e comportamento (criminoso). Assim, em qualquer discussão sobre a causa do crime, são imprescindíveis as teorias psicológicas. Assim, ao tratarmos das teorias psicológicas para o comportamento delinquente, devemos retomar as abordagens da psicologia. Dentre as cinco principais abordagens que estudamos, será destacada a contribuição de três delas: • A primeira ocorrerá com base nas contribuições da abordagem psicodinâmica: centrada na noção de que a experiência de um indivíduo na primeira infância influencia sua probabilidade de cometer crimes futuros. 11 • A segunda ocorrerá com base nas contribuições da abordagem comportamental: centrada no comportamento humano, o qual é desenvolvido levando em consideração a interação do sujeito com o seu meio. • A terceira ocorrerá com base nas contribuições da abordagem neuropsicológica: neuropsicologia é um procedimento da psicologia que estuda relações entre o cérebro e as manifestações do comportamento humano. 3.1 Teoria psicodinâmica Na teoria psicodinâmica de Freud, a personalidade (ou a psique) tem três componentes distintos. Esses componentes formam o aparelho psíquico do sujeito: • id: representando desejos primitivos e a necessidade de gratificação; • superego: representando restrições morais e sociais; • ego: representando a realidade e a capacidade de atrasar a gratificação. Crédito: T and Z/Shutterstock. 118531669 Nessa estrutura, cabe ao ego encontrar um equilíbrio entre as exigências do id e as restrições impostas pelo superego. Ou seja, o id e o superego estão em funções opostas e conflitantes, e o ego, na função de manter o equilíbrio entre os dois. Isso é alcançado principalmente por meio da utilização de mecanismos de defesa que permitem que os desejos do id sejam satisfeitos de forma a que o 12 superego considera aceitável. São pelo menos quinze tipos de mecanismos de defesa existentes e explicados pela psicodinâmica. Para um freudiano, então, o comportamento que está fora do que a sociedade considera aceitável – seja "anormal" ou "criminoso" – é o resultado do desenvolvimento anormal da psique. Ou seja, o ego não está realizando a mediação entre id e superego da forma esperada. Na teoria freudiana clássica, a estrutura da psique é determinada nos primeiros cinco anos de vida, logo, as raízes do comportamento violento ou agressor também são encontradas neste período, especialmente na relação entre a criança em desenvolvimento e seus pais. O desequilíbrio na estrutura freudiana (id, superego e ego) implica uma série de possíveis causas para comportamentos criminosos posteriores. Em complementação a isso, Luzes (2010, p. 6) afirmaque: Nesta falha da formação da estrutura psíquica do sujeito é evidente a verificação da responsabilidade dos pais. A relação parental é importantíssima para a estruturação da personalidade, quando esta é conturbada verifica-se um problema traumático para o sujeito que aflora na adolescência com as ações delituosas, “o quadro que emerge na adolescência é o resultado do efeito traumático no psiquismo em estruturação”. Pais drogados, ébrios, ausentes ou agressivos são exemplos desta relação conturbada que pode gerar sérios danos à formação de personalidade do sujeito, já que é na relação familiar é que primeiro se dá o recalque do indivíduo de que fala a teoria freudiana. Retomando o desequilíbrio na formação da estrutura da psique (id, superego e ego), verificamos que três dinâmicas em desequilíbrio podem ocorrer, sendo elas: i) superego fraco; ii) superego desviante; e iii) superego forte. • Superego fraco: o superego é o regulador moral do comportamento. Desenvolve-se no final da fase fálica (cerca de 5 anos) à medida que a criança internaliza o seu pai de forma simbólica. Assim, mesmo na fase adulta, o superego continua a agir como um pai dentro da psique do sujeito. Quando algum desejo impróprio ou imoral do id emerge à consciência, o superego pune o ego com ansiedade e culpa. Um superego fraco, em consequência dos relacionamentos anormais dentro da família, conduziria a uma pessoa com poucos se algumas das inibições usuais de encontro ao comportamento antissocial. Eles agiriam de forma a gratificar sua identidade, independentemente das restrições sociais ao fazê-lo. • Superego desviante: alternativamente, uma criança pode desenvolver um superego da maneira normal, mas o próprio superego tem valores desviantes. Consequentemente, um filho criado normalmente em uma 13 família com um pai criminoso pode desenvolver um superego que não reage a atos criminosos em que o pai se envolveria. • Superego forte: parece contraintuitivo que um superego forte poderia aumentar o risco de uma pessoa cometer crimes ou atos violentos, já que o superego é o regulador do comportamento moral. Contudo, há pelo menos duas maneiras em que isso pode acontecer. o Primeira maneira: um superego excessivamente poderoso (rígido) tornaria uma pessoa ansiosa e culpada a maior parte do tempo, já que ele estaria exercendo tensão e punição sobre o ego. Isso pode fazer com que determinada pessoa cometa crimes, a fim de ser pega e punida para aliviar a culpa imposta por seu próprio superego. o Segunda maneira: um superego excessivamente forte pode impedir que a pessoa expresse impulsos que ela considere “imorais” de forma muito rígida e inflexível. Frisa-se que esses impulsos “imorais” podem não ser necessariamente considerados dessa forma pela sociedade. Ou seja, o superego forte pode reprimir impulsos considerados aceitáveis pela sociedade e, consequentemente, considerá-los imorais. Assim, o sujeito estaria sempre sobre uma tensão extremamente grande. Normalmente, esses impulsos aceitáveis pela sociedade poderiam se manifestar ou serem traduzidos em mecanismos de defesa (por exemplo, sublimando sua agressão ao esporte). Se o superego impede que isso aconteça, a agressão ou o desejo sexual poderiam acumular-se ao longo do tempo até que se tornem suficientemente fortes para sobrecarregar o ego e, consequentemente, resultar em comportamento violento ou criminoso. TEMA 4 – TEORIAS PSICOLÓGICAS – TEORIA COMPORTAMENTAL De acordo com a teoria comportamental, o comportamento humano é desenvolvido por meio de experiências de aprendizagem. A marca registrada da teoria comportamental é a noção de que as pessoas alteram ou mudam seu comportamento de acordo com as reações que esse comportamento provoca em outras pessoas. Em uma situação ideal, o comportamento é apoiado por recompensas e extinto por reações negativas ou punições. Para os psicólogos comportamentais, os crimes podem ser respostas aprendidas diante de situações da vida. A teoria da aprendizagem social, que é um ramo da teoria do 14 comportamento, é a mais relevante para o estudo do comportamento criminal. O teórico de aprendizagem social mais atual e importante é Albert Bandura. Bandura sustenta que os indivíduos não nascem com uma capacidade inata de agir violentamente. Ele sugeriu que, ao contrário, a violência e a agressão são aprendidas em um processo de modelagem comportamental. Em outras palavras, as crianças aprendem a violência por meio da observação e da interação com os outros. Essa modelagem comportamental pode surgir de dois conceitos-chave: o condicionamento e o comportamento modelo. No que se refere a este último conceito-chave, pode-se afirmar que: “a imitação de modelos acontece nas situações em que o pai, mãe ou alguma pessoa significativa causava dor em outras pessoas e conseguia benefícios com essa estratégia perversa. A criança observa e replica o comportamento; mais tarde, condiciona-se a praticá-lo” (Fiorelli; Mangini, 2009, p. 223). Já no que se refere ao condicionamento, primeiramente precisamos elucidar que ele pode ser dividido em condicionamento clássico e condicionamento operante. Estes são conceitos centrais para a abordagem comportamental na psicologia. Embora ambos resultem em aprendizagem, os processos são bastante diferentes. Assim, para entendermos como o condicionamento afeta o comportamento, mesmo que de forma extremamente breve, inicialmente precisamos diferenciar o condicionamento clássico do operante. Para fazer essa distinção de forma simples, inteligível e didática, utilizaremos exemplos nada complexos envolvendo animais, neste caso, cães. A teoria comportamental possui um nível de precisão que permite que ela possa ser aplicada a humanos e animais, em distintas situações e complexidades. O condicionamento clássico é um processo que envolve a criação de uma associação entre um estímulo naturalmente existente e um anteriormente neutro. Ou seja, o processo de condicionamento clássico envolve emparelhar um estímulo previamente existente e neutro (como o som de um sino) com um estímulo não condicionado (a fome). Este estímulo não condicionado natural e automaticamente desencadeia o ato de salivar como uma resposta ao alimento, que é conhecido como a resposta não condicionada. Depois de associar o estímulo neutro e o estímulo não condicionado, o som do sino sozinho começará a evocar salivação como resposta. O som do sino é agora conhecido como o estímulo condicionado e salivação em resposta ao sino é a resposta condicionada. Condicionamento clássico é muito mais do que um termo básico usado para 15 descrever um método de aprendizagem; ele também explica comportamentos que podem afetar sua saúde física e mental. Crédito: Thyago Macson. Já o condicionamento operante se concentra no uso de reforço ou punição para aumentar ou diminuir um comportamento. Por meio desse processo, uma associação é formada entre o comportamento e as consequências desse comportamento. Imagine que um treinador está tentando ensinar um cão a buscar uma bola. Quando o cão persegue com sucesso e pega a bola, o cão recebe elogios como recompensa. Quando o animal não consegue recuperar a bola, o treinador retém o louvor. Eventualmente, o cão forma uma associação entre seu comportamento de buscar a bola e receber a recompensa desejada. Crédito: Thyago Macson. Uma das maneiras mais simples de lembrar as diferenças entre o condicionamento clássico e operário é saber se o comportamento é involuntário 16 ou voluntário. Condicionamento clássico envolve associar uma resposta involuntária e um estímulo, já o condicionamento operante é sobre associar um comportamento voluntário e uma consequência. Desse modo, no que se refere à abordagem comportamental da psicologia e o comportamento criminoso, pode-se afirmar que uma determinadacriança exposta, voluntariamente ou involuntariamente, a certos acontecimentos condicionantes pode aprender e eliciar comportamentos antissociais. Assim: o condicionamento constitui fator marcante: o indivíduo, continuamente submetido a experiências em que a violência constitui o diferencial, com o tempo integra-a ao seu esquema de comportamento; o cérebro desenvolve padrões de respostas para estímulos violentos e o indivíduo comporta-se de maneira não apenas destinada a responder a tais estímulos, mas, também, a provocá-los. (Fiorelli; Mangini, 2009, p. 224) TEMA 5 – TEORIAS PSICOLÓGICAS – TEORIA NEUROPSICOLÓGICA A neuropsicologia é uma especialidade da psicologia, tal como as anteriores citadas. De acordo com o CFP (2004, s.p.), essa especialidade “atua no diagnóstico, no acompanhamento, no tratamento e na pesquisa da cognição, das emoções, da personalidade e do comportamento sob o enfoque da relação entre estes aspectos e o funcionamento cerebral”. A neuropsicologia utiliza conhecimentos oriundos da neurociência e da prática clínica da própria psicologia para se pôr em prática. A neuropsicologia utiliza ferramentas padronizadas para realizar a avaliação neuropsicológica de um sujeito, na qual são verificadas as “habilidades de atenção, percepção, linguagem, raciocínio, abstração, memória, aprendizagem, habilidades acadêmicas, processamento da informação, afeto, funções motoras e executivas” (CFP, 2004, s.p.). As avalições neuropsicológicas são úteis para que se estabeleçam “parâmetros para emissão de laudos com fins clínicos, jurídicos ou de perícia” (idem). Ou seja, a neuropsicologia é uma área da psicologia, devidamente regulamentada pelo CFP, resultado do estudo da zona de intersecção dos saberes da neurociência e da psicologia. Muitos acreditam que estudos científicos acerca da neurociência são fenômenos recentes, algo que surgiu nas últimas décadas. Contudo, isso não é verdade. Ao pesquisar a história da neurociência, verifica-se que existe uma série de teorias acerca do início da neurociência. Porém, há evidências de que egípcios da antiguidade já sabiam sobre a importância do cérebro. No contexto dessa época, podemos citar o papiro de Edwin Smith, de 1700 a.C., sendo o primeiro texto médico conhecido na história. O papiro discute o cérebro, as meninges, a 17 medula espinhal e o líquido cefalorraquidiano. Ele contém detalhes de 48 casos médicos, incluindo sete que lidam diretamente com o cérebro, o que indica que o autor egípcio sabia que o cérebro controla o movimento. Percorremos um longo caminho desde o Antigo Egito e agora conhecemos as partes do cérebro responsáveis por muitas de suas funções. O rápido ritmo do desenvolvimento científico concedeu aos estudos neurocientíficos técnicas de imagem moderna. No entanto, muitas das perguntas mais importantes sobre o cérebro ainda não foram respondidas. Por que dormimos e sonhamos? Como a atividade química e elétrica no cérebro resulta em consciência? Estas e outras questões alimentarão a neurociência no século XXI. Neste sentido, nas últimas décadas, uma quantidade crescente de pesquisas tem sido direcionada para a compreensão da etiologia neurobiológica do comportamento criminoso. Estudos recentes de imagem cerebral têm sido úteis no fornecimento de evidências empíricas que conectam deficiências estruturais e funcionais em várias regiões cerebrais com comportamento antissociais. Em relação às anormalidades estruturais associadas ao comportamento criminoso, os estudos têm se concentrado em grande parte em regiões envolvidas na tomada de decisões (por exemplo, córtex pré-frontal) e regulação emocional (por exemplo, amígdala, hipocampo). As formas diferentes de violência não têm a mesma base cerebral, conforme evidenciou estudos com psicopatas em que os criminosos não têm empatia nem remorso. Já sabíamos que eles têm um baixo funcionamento da amígdala, o centro emocional do cérebro. A pesquisa mostrou ainda mais: que nesses indivíduos a estrutura física dessa área é 18% menor do que no resto da sociedade. Com o centro emocional reduzido e sem funcionar direito, os psicopatas passam a não sentir medo. É por isso que eles quebram as regras da sociedade – pois não têm medo da punição. Quando estudamos homens que batem em suas esposas, no entanto, descobrimos que suas amígdalas são muito ativas, mas o córtex pré-frontal não funciona direito. O córtex pré-frontal é a área que regula as emoções. Nossa conclusão é que a alta atividade da amígdala resulta em reações exageradas a estímulos leves, como receber críticas da esposa, o que os deixa mais agressivos. Esses homens que respondem exageradamente aos estímulos não possuem os recursos cognitivos para controlar essa emoção. São formas diferentes de comportamentos antissociais, com tipos diferentes de predisposições biológicas. (Santos, 2018, p. 62) 18 Crédito: Thyago Macson. REFERÊNCIAS CONSELHO FEDEERAL DE PSICOLOGIA. Conheça o CFP. Disponível em: <https://site.cfp.org.br/cfp/conheca-o-cfp/>. Acesso em: 3 jan. 2020. FIORELLI, J. O.; MANGINI, R. C. R. Psicologia jurídica. 9. ed. São Paula: Atlas, 2018. LOPES, P. S.; ARAUJO, R. B. Criminal profiling: uma técnica de investigação em auxílio ao psicólogo forense. Psicologado, 2018. Disponível em: <https://psicologado.com.br/atuacao/psicologia-juridica/criminal-profiling-uma- tecnica-de-investigacao-em-auxilio-ao-psicologo-forense>. Acesso em: 3 jan. 2020. OLIVEIRA, E. A. de. Psicologia jurídica, forense e judiciária: relações de inclusão e delimitações a partir dos objetivos e da imposição de imparcialidade. Tese (Doutorado) – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016. Disponível em: <https://teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47131/tde- 05082016-150735/publico/edson_oliveira_corrigida.pdf>. Acesso em: 3 jan. 2020. RENNER, T. et al. Psico. Porto Alegre: AMGH, 2012. SCHULTZ, D. P.; SCHULTZ, S. E. História da psicologia moderna. 10. ed. São Paulo: Learning, 2014. ´ TEMA 1 – O QUE É PSICOLOGIA E QUAL A SUA HISTÓRIA? Nesta falha da formação da estrutura psíquica do sujeito é evidente a verificação da responsabilidade dos pais. A relação parental é importantíssima para a estruturação da personalidade, quando esta é conturbada verifica-se um problema traumático para... Retomando o desequilíbrio na formação da estrutura da psique (id, superego e ego), verificamos que três dinâmicas em desequilíbrio podem ocorrer, sendo elas: i) superego fraco; ii) superego desviante; e iii) superego forte. Superego fraco: o superego é o regulador moral do comportamento. Desenvolve-se no final da fase fálica (cerca de 5 anos) à medida que a criança internaliza o seu pai de forma simbólica. Assim, mesmo na fase adulta, o superego continua a agir como um... Superego desviante: alternativamente, uma criança pode desenvolver um superego da maneira normal, mas o próprio superego tem valores desviantes. Consequentemente, um filho criado normalmente em uma família com um pai criminoso pode desenvolver um su...
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