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AULA 6 PLANEJAMENTO URBANO Profª Michela Rossane Cavilha Scupino 2 CONVERSA INICIAL Atualmente, com as tendências que vêm se desenhando e são apresentadas por diferentes estudos como do IPCC e CDB, o planejamento urbano tem tomado dimensões multidisciplinares e deveria se tornar prioridade para as diferentes instâncias governamentais. Grandes desafios se configuram nas cidades e precisam ser observadas por quem planeja o urbano. A conservação da biodiversidade e a qualidade de vida das pessoas estão interligadas, assim como os serviços ecossistêmicos prestados pelos ambientes inseridos nesse contexto, sendo necessário resiliência. TEMA 1 – TENDÊNCIAS DE URBANIZAÇÃO COM IMPLICAÇÕES SOBRE A BIODIVERSIDADE Considerando que a maior parte da população reside nas cidades, problemas inseridos no contexto urbano adquirem relevância dada sua abrangência sobre a população e sobre o ambiente (WRI, 2018). Conforme a CDB (2012), há cinco tendências principais dos processos de urbanização que têm influência sobre a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos, quais sejam os apresentados na Figura 1. Figura 1 – Tendências dos processos urbanos TENDÊNCIAS DOS PROCESSOS URBANOS Espera-se que a área urbanizada triplique entre 2000 e 2030, enquanto as populações urbanas em níveis nacionais quase duplicarão, aumentando de 2,84 para 4,9 bilhões, durante esse período. Em outras palavras, as áreas urbanas estão se expandindo mais rapidamente que as populações urbanas A expansão urbana utilizará uma grande quantidade de recursos naturais, incluindo a água, em escala global, e consumirá terra agrícola de qualidade, com efeitos adversos sobre a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos em toda parte A maior parte da expansão urbana ocorrerá em áreas de baixa capacidade econômica e humana, o que limitará a proteção da biodiversidade e o manejo dos serviços ecossistêmicos A expansão urbana está ocorrendo rapidamente em áreas adjacentes a hotspots de biodiversidade e mais rapidamente em zonas costeiras ricas em biodiversidade e com pouca elevação do que em outras áreas As taxas de urbanização são maiores em regiões do mundo sem capacidade de informar a criação de políticas e onde existem arranjos de governança urbana com deficiência de recursos e pouco capacitados 3 Fonte: CDB, 2012, p. 7. Tendo em vista as tendências apresentadas, conclui-se que as políticas públicas atuais, em geral, corroboram com as cidades chamadas 3D (desarticuladas, dispersas e desconexas). Nelas, segundo WRI (2018, p. 28), ocorrem: Priorização do automóvel nas políticas de mobilidade urbana, resultado de um planejamento focado nesse meio de transporte somado à falta de investimentos no transporte coletivo. O automóvel transporta menos pessoas, gera mais congestionamento, ocupa mais espaço físico, utiliza a infraestrutura viária de forma ineficiente, polui mais e contribui para um maior número de acidentes no trânsito. ▪ Dispersão da urbanização e seus efeitos no distanciamento da moradia em relação aos empregos. A dispersão da ocupação do território por loteamentos formais e informais - tanto de baixa quanto de alta renda - e por conjuntos habitacionais para moradia da população de baixa e média renda acabou distanciando a maior parte da população das áreas de emprego, gerando sobrecarga nos sistemas de transporte e maior dispêndio de tempo nos deslocamentos diários. ▪ Maior prejuízo à população de baixa renda, que leva mais tempo para circular na cidade e tem dificuldade de acesso à moradia próxima do centro e das áreas com oferta de empregos e infraestrutura por conta do encarecimento do solo urbano nessas áreas e da ineficiência do transporte coletivo, entre outros fatores. Nesse contexto, a preocupação com o crescimento urbano e a expansão das cidades exige uma série de informações geográficas, populacionais, ambientais, econômicas que possam subsidiar o planejamento urbano. TEMA 2 – ÁREAS VERDES URBANAS Ainda que a definição de áreas urbanas seja controversa, de acordo com o art. 8º, parágrafo 1º, da Resolução Conama n. 369/2006, considera-se área verde de domínio público o espaço de domínio público que desempenhe função ecológica, paisagística e recreativa, propiciando a melhoria da qualidade estética, funcional e ambiental da cidade, sendo dotado de vegetação e espaços livres de impermeabilização (Brasil, 2006). Conforme MMA (Parques..., S.d.), as áreas verdes urbanas são consideradas como o conjunto de áreas intraurbanas que apresentam cobertura vegetal, arbórea (nativa e introduzida), arbustiva ou rasteira (gramíneas) e que contribuem de modo significativo para a qualidade de vida e o equilíbrio ambiental nas cidades. As áreas verdes urbanas podem também ser traduzidas na soma de três setores: as áreas públicas (parques, áreas com vegetação nativa), áreas privadas 4 (incluindo as Reservas Particulares do Patrimônio Natural – RPPN) e a arborização das ruas ou viária (com potencial para conectividade entre áreas). Independentemente do conceito adotado, as áreas verdes urbanas contribuem para a saúde da cidade e de seus residentes. Considerando sua importância ecológica e o seu relevante papel para a biodiversidade, essas áreas comumente são utilizadas como corredores ecológicos, proporcionando conectividade entre diferentes fragmentos, a exemplo dos Parques Lineares. Também podem compor para a mitigação da mudança do clima, conforme Figura 2. Figura 2 – Contribuição das áreas verdes na mudança do clima Fonte: CDB, 2012, p. 33. Nesse contexto, os governos locais e municipalidades possuem grande importância, uma vez que nenhum outro nível de governo pode efetivar ações de forma tão transformadora. Ocorre que as áreas verdes por vezes não são valorizadas pelo poder público e mesmo pela comunidade residente, servindo para fomentar a expansão imobiliária (Panasolo; Peters; Nunes, 2016). Dentre os benefícios da vegetação urbana, destacam-se os apresentados na Figura 3. Um dos benefícios das áreas verdes também se traduz na mitigação do efeito de ilhas de calor. Diferentes autores expõem a diferença de temperatura Os espaços verdes podem aumentar o armazenamento e a absorção de calor. Embora exista uma variação considerável na área de espaço verde entre as cidades, há um forte consenso de que os espaços verdes urbanos oferecem inúmeros serviços ecossistêmicos, entre eles, a provisão de sombra, a interceptação e infiltração da água das chuvas e a redução da poluição Mais espaço verde geralmente significa mais vegetação que pode agir como sumidouro de carbono para compensar parcialmente as emissões urbanas Os espaços verdes podem reduzir significativamente o efeito de ilha de calor urbana, onde áreas urbanas são mais quentes que as regiões As árvores podem contribuir indiretamente para a mitigação da mudança do clima, proporcionando mais sombra e resfriamento, reduzindo, assim, o consumo geral de energia. 5 entre as áreas mais urbanizadas e as periféricas em uma cidade. Esse fenômeno se dá por diferentes fatores, tais como: quantidade expressiva de construções (densidade) e poucas áreas verdes, poluição atmosférica provenientes da emissão de gases, balanço entre a radiação, energia e água à superfície, entre outros. Figura 3 – Algumas funções das áreas verdes Fonte: Panasolo; Peters; Nunes, 2016. O planejamento urbano exige uma leitura da paisagem abrangente que engloba, além da beleza cênica, das possibilidades de lazer, aspectos diferenciados da geomorfologia, vegetação, solo e das condições de ocupação urbana. É preciso buscar, de forma direcionada, os instrumentos necessários para a gestão e melhorias ambientais, apresentando diretrizesa serem adotadas. TEMA 3 – DESENVOLVIMENTO ORIENTADO AO TRANSPORTE SUSTENTÁVEL (DOTS) O pensar sobre transporte público em geral é realizado no âmbito do planejamento urbano municipal, focando em questões como atendimento da demanda atual e o estabelecimento de um cenário futuro. Nesse sentido, uma alternativa que integra o transporte público com suas diferentes interfaces é o DOTS (Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável), que é Função: interceptação, absorção e reflexão da radiação luminosa Manutenção do equilíbrio dos ciclos biogeoquímicos. Manutenção das taxas de evapotranspiração e do microclima. Conforto térmico, lúmnico e sonoro. Manutenção da biomassa com possibilidade de integração da comunidade local Função: infiltração de água pluvial Redução do escoamento superficial. Recarga de aquífero. Diminuição na amplitute das hidrógrafas. Prevenção de inundações. Melhoria da qualidade da infiltração. Função: promoção de lazer Estabilidade do solo. Mitigação dos efeitos da erosão. Proporciona áreas para prática de lazer e turismo. Beleza cênica. Atividades de educação ambiental. 6 uma estratégia de planejamento que integra o planejamento do uso do solo à mobilidade urbana com o objetivo de promover cidades compactas, conectadas e coordenadas. Incluir o DOTS como estratégia no plano diretor permite que a cidade priorize a transformação urbana junto aos eixos de transporte (Evers; Betti; Azeredo, 2018). A proposta seria promover áreas urbanas compactas cujas densidades estariam próximas a eixos ou estações de transporte de alta ou média capacidade, oferecendo às pessoas diversidade de usos, serviços, acesso a oportunidades de emprego, lazer, habitação e espaços públicos, todos a uma distância caminhável (WRI Brasil, 2018, p. 51). Com essa estratégia entende-se que a mobilidade seria mais eficiente e menos poluente. Ainda conforme WRI (2018, p. 13), a proposta seria o DOTS “contribuir para a reversão do modelo de crescimento 3D em direção à construção de cidades 3C (compactas, conectadas e coordenadas) ”. Assim, o desenvolvimento urbano e o crescimento econômico focariam na sustentabilidade e na inclusão. O DOTS também proporcionaria: diretrizes para evitar o espraiamento urbano, economizar recursos na construção e manutenção de equipamentos públicos e infraestrutura, e aproximar as áreas de moradia das oportunidades de emprego por meio de incentivo ao uso misto do solo. Esses benefícios colaboram no desenvolvimento econômico, social e na qualificação ambiental das áreas urbanas. O processo de elaboração e revisão dos planos diretores é uma oportunidade para incorporar o DOTS como estratégia de planejamento, buscando combater boa parte dos problemas urbanos. Problemas como a demarcação de um perímetro urbano que não considera as reais necessidades de expansão territorial, o aumento da ocupação das áreas de periferia, a distância entre a oferta de emprego e moradia, a falta de equipamentos públicos em bairros mais afastados e a degradação de áreas centrais das cidades podem ser superados por meio de instrumentos de planejamento baseados no DOTS. O adensamento populacional próximo às infraestruturas de transporte, a ampliação da oferta de oportunidades econômicas e profissionais, a diversificação do uso do solo, a universalização do acesso à infraestrutura e o aumento de sua eficiência são diretrizes urbanísticas que, em conjunto com instrumentos de ordenamento territorial do plano diretor, poderão viabilizar um modelo de cidade mais sustentável (WRI Brasil, 2018, p. 13). Os princípios para as cidades 3C, segundo a mesma referência (WRI, 2018), seriam os apresentados na Figura 4. Nesse sentido, uma cidade planejada, com foco nos princípios 3C utiliza instrumentos urbanísticos para aumentar a densidade populacional em áreas estratégicas, como o entorno de eixos de transporte coletivo, promove uma continuidade entre as diferentes áreas e estruturas (infraestrutura conectada) e faz a gestão da valorização da terra (gestão coordenada) (Pacheco, 2019) 7 Figura 4 – Princípios para atingir a cidade 3C Fonte: WRI, 2018, p. 15. Nesse contexto, o DOTS representaria a oportunidade para diferentes benefícios, baseado em seus oito eixos principais (Figuras 5 e 6). Figura 5 – Elementos dos DOTS e seus benefícios (1) DIRETRIZES E NORMATIVAS PARA O CRESCIMENTO COMPACTO •Relacionado à contenção da dispersão urbana, à regulação do perímetro urbano e a incentivos à densificação em áreas que possuem infraestrutura, como áreas próximas aos sistemas de transporte coletivo DIRETRIZES E NORMATIVAS PARA CENTRALIDADES E INFRAESTRUTURAS CONECTADAS •Relacionado à redução da necessidade de deslocamentos motorizados, incentivando o uso misto, aproximando as áreas de moradia e emprego e equilibrando a distribuição das atividades no território. Esse princípio incentiva, ainda, a criação de centralidades, conectadas através de um eficiente sistema de transporte coletivo. DIRETRIZES E NORMATIVAS PARA A GESTÃO COORDENADA •Relacionado à gestão eficiente do território urbano, principalmente as diretrizes vinculadas à gestão social da valorização da terra urbana. Além disso, apresenta normativas para otimização da infraestrutura existente no território urbano. TRANSPORTE COLETIVO DE QUALIDADE Diminuição da dependência do automóvel • Redução das emissões de gases de efeito estufa • Redução no tempo de deslocamentos • Melhor aproveitamento dos usos do espaço viário DENSIDADES ADEQUADAS Contenção da dispersão urbana • Sustentabilidade econômica do transporte coletivo • Maior interação social • Uso eficiente da infraestrutura urbana existente USO MISTO DO SOLO Redução de deslocamentos • Aumento da dinâmica social da cidade • Segurança urbana • Promoção da economia local ESPAÇOS PÚBLICOS E INFRAESTRUTURA VERDE Maior qualidade do ambiente urbano • Aumento do valor ambiental das áreas verdes • Maior vitalidade urbana Figura 1 - SKY VECTORS/SHUTTERSTOCK Figura 2 - GABI WOLF/SHUTTERSTOCK Figura 3 - BIGMOUSE/SHUTTERSTOCK Figura 4 - ALAZUR/SHUTTERSTOCK 8 Fonte: WRI, 2018, p. 14 Figura 6 – Elementos dos DOTS e seus benefícios (2) Fonte: WRI, 2018, p. 14 TEMA 4 – BIODIVERSIDADE E O PLANEJAMENTO URBANO Ainda que existam diferentes padrões de crescimento urbano, todos influenciam na biodiversidade da cidade. Considerando que muitas cidades se inserem em áreas ricas em biodiversidade, como planícies de inundação, estuários e regiões costeiras (CDB, 2012), é necessário que o planejamento urbano considere tratativas a respeito de como conciliar o crescimento e a ocupação de áreas-chave para a biodiversidade. Segundo a CDB (2012, p. 8), entende-se por biodiversidade urbana a variedade e riqueza de organismos vivos (incluindo variações genéticas) e diversidade de habitats encontrados dentro e às margens de assentamentos humanos. Essa biodiversidade abrange do entorno rural ao núcleo urbano. No nível da paisagem e do habitat, ela compreende: Remanescentes de paisagens naturais intocadas (p.ex., resquícios de florestas antigas). Paisagens agrícolas tradicionais (p.ex., campos, áreas de terra arável). Paisagens urbano-industriais (p.ex., centros urbanos, áreas residenciais, parques industriais, parques e jardins formais, áreas contaminadas). A diversidade de plantas e animais CENTRALIDADES E FACHADAS ATIVAS Identidade local • Dinâmica econômica local • Maior segurança pública • Incentivo ao transporte ativo GESTÃO DO USO DO AUTOMÓVEL Obtenção de recursos com a taxação por uso ineficiente do espaço urbano • Redução de congestionamento • Aumento da segurança viária DIVERSIDADE DE RENDA Garantia do direito à cidade para todos • Aumento de oportunidade de empregos • Possibilidade de diferentes produtos imobiliários TRANSPORTE ATIVO PRIORIZADORedução das emissões de gases de efeito estufa nos deslocamentos • Aumento da qualidade de vida e saúde da população • Interação social Figura 1 - PETOVARGA/SHUTTERSTOCK Figura 3 - ICONIC BESTIARY/SHUTTERSTOCK Figura 2 - DENIS CRISTO/SHUTTERSTOCK Figura 4 - ROBUART/SHUTTERSTOCK 9 na paisagem urbana apresenta alguns padrões interessantes: 1. O número de espécies vegetais em áreas urbanas costuma estar correlacionado com o tamanho da população humana – mais do que com o tamanho da área da cidade. 2. A idade da cidade afeta a riqueza de espécies: cidades grandes mais antigas têm mais espécies vegetais do que cidades grandes mais novas. 3. A diversidade pode apresentar correlação com a riqueza econômica. Por exemplo, em Phoenix, nos Estados Unidos, a diversidade de plantas e avifauna em bairros e parques urbanos apresenta uma correlação positiva significativa com a renda familiar média. 4. Vinte por cento das espécies de aves do mundo e 5% das espécies de plantas vasculares ocorrem em cidades. 5. Em média, 70% das espécies vegetais e 94% das espécies de aves encontradas em áreas urbanas são nativas da região adjacente. Nesse contexto, o planejamento urbano é fundamental para a sustentabilidade das cidades. Considerando que a urbanização se traduz atualmente como um dos elementos que contribui com a conversão de ambientes naturais em áreas antropizadas, faz-se necessário pensar em abordagens de conservação ou restauração de ecossistemas naturais incluídas no desenho urbano As interações dinâmicas entre sistemas ecológicos e sociais no ambiente urbano proporciona novos de ambientes que, por vezes, podem possibilitar a reconciliação entre o desenvolvimento humano e a biodiversidade. Conforme CDB (2012, p. 19), embora a urbanização desaloje muitas espécies, também sabemos que outras espécies evoluíram respostas adaptativas em seu comportamento e fisiologia para não apenas sobreviver, mas vicejar perante as novas pressões de seleção urbanas. Novas comunidades vegetais e animais evoluíram em áreas urbanas, muitas vezes com manejo ativo pela sociedade humana, e algumas delas hoje prestam serviços importantes que vão além dos limites urbanos. Um exemplo a ser citado são os polinizadores com as abelhas. As cidades vêm tomando importância em termos de manutenção desses grupos de animais com o desenvolvimento de vários projetos pelo mundo, como é o caso de cidades como: • Curitiba: criação de jardins de mel com a instalação de caixas de colmeias de abelhas nativas, sem ferrão, em parques e praças aproveitando a vegetação local; • Londres (BEE..., 2019): implantou um corredor de abelhas com plantio de espécies de flores; • Utrecht (Walsh, 2019): transformou pontos de ônibus em toda a cidade em “pontos de parada de abelhas”. A adaptação envolveu a instalação de telhados 10 verdes nos pontos de ônibus, criando espaços adequados para as espécies ameaçadas de extinção. Entende-se que tanto os jardins urbanos quanto as hortas urbanas oferecem uma dieta variada e consistente para as abelhas. Considerando ainda que há maior probabilidade de não haver uso de agrotóxicos, a tendência é de um melhor desenvolvimento. Conforme IUCN, WWF e IPE (Weigand Jr.; Silva; Silva, 2011, p. 3), a biodiversidade tem uma forte relação com a sociodiversidade, ou seja, com a diversidade de sociedades e culturas e suas formas únicas de interação e interdependência com os elementos da biodiversidade. Além de moldarem de forma determinante a biodiversidade, e serem moldados por ela, os seres humanos fazem parte dos processos evolutivos, especialmente dos organismos domesticados, criando a agrobiodiversidade. Nesse sentido, a CDB (2012) destaca: Como os serviços ecossistêmicos que beneficiam as populações urbanas são gerados em escalas múltiplas, é necessário adotar uma abordagem abrangente, integrada e multiescalar para o seu manejo. Não devemos considerar apenas o capital construído das cidades – mas todo o espectro de recursos, incluindo o capital social e natural nas escalas local, regional, nacional e global. Isso também significa que as instituições responsáveis pela proteção dos nossos recursos devem estender o seu alcance para essas escalas mais distantes. Uma ferramenta para analisar relações complexas entre áreas urbanas e rurais é a Análise da Pegada Ecológica. A pegada ecológica é a quantidade de terra necessária para sustentar o estilo de vida de cada cidadão, considerando não apenas os alimentos, mas materiais, energia, água e outros recursos naturais. Ela compara a pegada per capita (o equivalente, em hectares, à área necessária para produzir todos os recursos consumidos per capita) e a capacidade biológica (a área produtiva média equivalente disponível per capita) (CDB, 2012 p. 20). [...] As regiões urbanas devem aumentar a responsabilidade para motivar e implementar soluções que levem em conta suas conexões profundas e impactos sobre o resto do planeta. Essa responsabilidade envolve implementar a abordagem ecossistêmica da Convenção sobre Diversidade Biológica na paisagem urbana e estimular os governos locais a começar um processo para o cumprimento das Metas da Biodiversidade de Aichi (CDB, 2012 p. 21). Para medir a biodiversidade urbana, a forma mais frequente é se utilizar do índice de biodiversidade urbana, ou também conhecido como Índice de Cingapura. Configura-se como ferramenta para ajudar as cidades em suas iniciativas de conservação da biodiversidade e a integrarem considerações relacionadas com a biodiversidade no planejamento e governança do meio urbano. Serve, também, como plataforma na qual as cidades podem compartilhar soluções para a conservação da biodiversidade e superar problemas de urbanização (CDB, 2012, p. 53). 11 Esse índice é medido por indicadores e três componentes, quais sejam: biodiversidade nativa, serviços ecossistêmicos prestados pela biodiversidade e governança e manejo da biodiversidade (CDB, 2012). A Convenção da Diversidade Biológica expõe ainda que: As cidades desempenham um papel importante em prover serviços e instalações construídas, abordar desigualdades e manejar ambientes que ajudam a determinar a saúde humana. Com o planejamento e recursos adequados, várias preocupações relacionadas com a saúde humana podem ser abordadas para trazer benefícios mútuos para a saúde humana e ambiental. Atualmente, as doenças não-transmissíveis, especificamente doenças cardíacas, diabete, câncer e doenças respiratórias crônicas, são uma epidemia global. Mais de 36 milhões de pessoas morrem todos os dias de doenças não-transmissíveis e projeta- se que esse número alcance 44 milhões até 2020. A urbanização pode aumentar a exposição a fatores de risco comuns para doenças não- transmissíveis, como mudanças nos níveis de atividade física e na dieta. A urbanização também costuma vir acompanhada por mais poluição do ar, que causa uma elevada mortalidade a cada ano, como resultado de doenças cardiovasculares e respiratórias. As consequências das doenças não-transmissíveis são especialmente sentidas entre populações vulneráveis e em desvantagem econômica; quase 80% das mortes por doenças não-transmissíveis ocorrem atualmente em países de baixa e média renda (CDB, 2012, p. 29). O índice funcionaria como um indicador internacional que tem os seguintes objetivos: • medir a biodiversidade urbana; apoiar os governos nacionais e as autoridades locais na criação de pontos de referência nos esforços de conservação da biodiversidade; • auxiliar na avaliação do progresso na redução da taxa de perda de biodiversidade em ecossistemas urbanos; • ajudar a medir a pegada ecológica das cidades; • ajudar a desenvolver diretrizes para preparar um Plano de Ação para a biodiversidade das cidades e; • consciencializar as cidades das lacunas de informação sobre a sua biodiversidade. 12 TEMA5 – SERVIÇOS AMBIENTAIS URBANOS Ainda que haja divergências sobre o conceito de serviços ambientais, em geral são entendidos como os processos gerados pela natureza por meio dos ecossistemas e os benefícios obtidos da natureza, direta ou indiretamente. A relação dos recursos naturais aos seus serviços ambientais ultrapassa os limites territoriais, e seus benefícios ambientais, sociais e econômicos são percebidos sob diferentes perspectivas, embora ainda não se tenha a capacidade total de medir e avaliar a complexidade dessa relação, seus benefícios e os impactos que as atividades antrópicas causam à sua manutenção, continuidade e sustentabilidade. Essa relação é sempre paradoxal, ou seja, gera serviços e é afetada pelos serviços antrópicos e também os próprios serviços ambientais. A dimensão dos serviços ecossistêmicos deve ser contabilizada em toda a extensão de seus fatores de impactos positivos e negativos, seus fornecedores, usuários e beneficiários, e essa dimensão tem definição espacial muito maior do que a do território em que ela é gerada, e por isso passa a ter concepção interterritorial ou interfederativa. A proteção à biodiversidade é essencial para garantir o provimento de serviços ambientais, entre os quais a manutenção dos ciclos hídricos, a ciclagem de nutrientes, a regulação climática local, a prevenção de desastres ambientais e o armazenamento de carbono na vegetação nativa. Podem ser considerados exemplos de serviços ecossistêmicos urbanos: abastecimento de água oportunizados pelos corpos hídricos inseridos antes, no interior ou depois das áreas urbanas (provisão); agricultura urbana e periurbana, que pode aumentar a segurança alimentar e gerar renda para famílias urbanas em situação de vulnerabilidade social (provisão); regulação da qualidade da água, do ar e do solo; redução das temperaturas urbanas; habitats para espécies e como locais de armazenamento para a biodiversidade genética; fixação de carbono entre outros (CDB, 2012). A CDB (2012) expõe que a urbanização, ao mesmo tempo em que representa um desafio para o manejo dos serviços ecossistêmicos, é considerada uma oportunidade. As cidades dependem de ecossistemas localizados dentro e fora do ambiente urbano para obter uma ampla variedade de bens e serviços que são essenciais para a sustentabilidade econômica, social e ambiental. Os ecossistemas têm o potencial, nas cidades, de regular o clima, proteger contra riscos, satisfazer necessidades energéticas, dar 13 suporte à agricultura, prevenir a erosão do solo e propiciar oportunidades para recreação e inspiração cultural. Em muitas áreas urbanas, particularmente em áreas contaminadas e outras áreas urbanas sem uso, existem amplas oportunidades para criar ecossistemas funcionais novos que gerem serviços que promovam o bem-estar dos habitantes urbanos (CDB, 2012, p. 10) Conforme o ICLEI (2014), a dependência dos recursos naturais, dos serviços ecossistêmicos e da biodiversidade é essencial à saúde humana e à sua qualidade de vida. Complementa que “ambientes saudáveis, que agregam biodiversidade, desempenham um papel vital na manutenção e aumento da resiliência às mudanças climáticas e na redução dos riscos climáticos e vulnerabilidade” (ICLEI, 2014, p. 33). A mesma referência expõe que alguns serviços ecossistêmicos para ambientes urbanos poderiam aparecer por meio da aplicação de medidas de adaptação baseadas em ecossistemas (AbE), quais sejam: redução do risco de desastres naturais, sequestro de carbono, segurança alimentar, água limpa, absorção de água e melhora no gerenciamento de água pluvial, purificação do ar e remoção de poluentes, proteção costeira, criação de habitats para espécies importantes, como as polinizadoras, regulação microclimática, redução do ruído e prevenção da erosão do solo (ICLEI, 2014, p. 34). Conceitualmente, adaptação baseada em ecossistemas seria, conforme Travers et al. (2012, citado por ICLEI, 2014, p. 12): Uso dos serviços ecossistêmicos e da biodiversidade como parte de uma estratégia de adaptação mais ampla para auxiliar as pessoas e as comunidades a se adaptarem aos efeitos negativos das mudanças climáticas em nível local, nacional, regional e global. Existem diferentes tipos de serviços ambientais, que podem ser divididos em quatro categorias: • Serviços de provisão: relacionados com a capacidade dos ecossistemas em prover bens, sejam eles alimentos, matéria-prima para a geração de energia, fibras, água e outros (Guedes; Seehusen, 2011); • Serviços reguladores: benefícios obtidos com base em processos naturais que regulam as condições ambientais que sustentam a vida humana, como purificação do ar, regulação do clima, purificação e regulação dos ciclos das águas, entre outros (Guedes; Seehusen, 2011); • Serviços culturais: relacionados à importância dos ecossistemas em oferecer benefícios recreacionais, educacionais, estéticos, espirituais outros (Guedes; Seehusen, 2011); 14 • Serviços de suporte: processos naturais necessários para que os outros serviços existam, como a ciclagem de nutrientes, a produção primária, a formação dos solos, a polinização e a dispersão de sementes outros (Guedes; Seehusen, 2011). No caso da água, os esquemas de PSA, por exemplo, remuneram produtores rurais pela proteção e restauração de ecossistemas naturais, notadamente florestais, em áreas estratégicas para a produção de água. Ou seja, quando os usuários de água reconhecem o valor ou a importância do serviço ambiental de proteção dos recursos hídricos, gerando, assim, um incentivo econômico real para os produtores rurais, estimulando a execução de atividades que garantem a provisão dos serviços ambientais. Os serviços ecossistêmicos ainda são definidos como bens públicos, dada a não exclusividade e a rivalidade no consumo (Daly; Farley, 2004, citado por IPEA, 2010), tendo como resultado a combinação dessas características, o não recebimento pela produção/manutenção desses serviços pelos produtores e o não pagamento pelos consumidores, o que desvaloriza os serviços. Para inversão desse quadro, são necessárias políticas públicas que possibilitem a remuneração em diferentes formatos. Diferentes ações e políticas já foram criadas até o momento no Brasil, ainda que haja dificuldade em estabelecer uma metodologia que consiga efetivamente valor os serviços ecossistêmicos. As propostas de pagamento estão em torno dos serviços citados a seguir: serviços de suporte: ciclagem de nutrientes, formação do solo, produção primária etc.; serviços de provisão: alimentos, água doce, combustível, madeira e fibra etc.; serviços de regulação: clima, fluxo hídrico, doenças etc.; e serviços culturais: estético, espiritual, educacional, recreativo etc. [...] (IPEA, 2010, p. 30) O Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) é um instrumento econômico que visa à minimização da falha na gestão atual por meio de um novo mercado, estimulando a proteção, o manejo e o uso sustentável de ecossistemas naturais. O usuário de serviço ambiental retribui, financeiramente ou de outra forma de remuneração, aos provedores de serviço (Scupino, 2015). O Pagamento por Serviços Ambientais constitui-se em uma ferramenta de gestão que possibilita a manutenção e conservação de áreas verdes urbanas remanescentes proporcionando ambientes sadios, ricos em interação social, 15 desenvolvimento urbano e gestão ambiental equilibrada (Panasolo, Peters e Nunes, 2016). 16 REFERÊNCIAS “BEE corridor” planted in London to boost insect numbers. BBC News, 7 maio 2019. Disponível em: <https://www.bbc.com/news/uk-england-london- 48187846?utm_medium=website&utm_source=archdaily.com.br>. Acesso em: 21 nov. 2019. BRASIL. Resolução Conama n. 369, de 28 de março de 2006. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 29 mar. 2006. CDB – Convenção da DiversidadeBiológica. Panorama da biodiversidade nas cidades. Montreal: CDB, 2012. Disponível em: <http://sams.iclei.org/fileadmin/user_upload/SAMS/Documents/PUBLICACOES/L ivro_panorama_cidades_bio.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2019. EVERS, H.; BETTI, L.; AZEREDO, L. DOTS nos Planos Diretores. 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