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RECONHECIMENTO DE RISCOS QUÍMICOS Texto de apoio José Tarcísio Penteado Buschinelli 1 - Introdução Este texto tem objetivo ser um apoio aos alunos deste curso EAD de Reconhecimento de riscos químicos. Vamos focar nos agentes químicos e características e situações que podem levar ao adoecimento de trabalhadores em exposições ocupacionais. As exposições agudas causadas por acidentes como vazamentos, derramamento, incêndios, explosões não são objetos deste curso. 2 - O que é exposição ocupacional Exposição ocupacional a agentes químicos é o contato entre o agente químico e o organismo do trabalhador, por via respiratória, dérmica ou ocular, capaz de causar efeitos adversos locais e/ou sistêmicos no organismo, em decorrência de suas atividades laborais. Parece óbvio que sem contato de um agente químico com o organismo não há exposição, mas infelizmente tem sido comum na prática cotidiana de muitos profissionais de saúde e segurança do trabalho conclusões precipitadas sobre uma exposição pela simples presença de um agente químico no ambiente de trabalho, ou mesmo a sua citação em um rótulo ou uma ficha de informações sobre produtos químicos (FISPQ) sem maiores considerações sobre as características físico-químicas deste agente e do cenário em que utilizado. A via de exposição também é importante. Óleos e graxas não refinados1, por exemplo, podem causar câncer de pele se tiver contato frequente com este 1 Óleos e graxas não refinados possuem contaminação por Hidrocarbonetos aromáticos policíclicos e por este motivo são classificados como carcinogênicos, enquanto os óleos refinados, a maioria dos produtos tecido. Etilenoglicol é extremamente perigoso por ingestão mas não há relatos de intoxicações deste agente por outras vias, como pulmões ou pele. Sílica livre cristalina causa efeitos graves por inalação de particulados respiráveis, mas não é considerada perigosa por via oral e nem por contato cutânea, e mesmo por inalação, se em forma de particulado com diâmetro maior que o respirável. 2 – Diferença entre perigo e risco Talvez a resposta seja intuitiva ou óbvia, mas a confusão entre perigo e risco seja a principal fonte de confusões. Em relação aos agentes químicos, o Programa Internacional de Segurança Química define (1): Perigo (hazard): propriedade inerente de um agente ter o potencial de causar efeitos adversos quando um organismo, sistema ou (sub)população é exposta a este agente. Risco (risk): probabilidade de um efeito adverso ser causado a um organismo, sistema ou (sub)população, sob as circunstâncias de exposição a este agente. Ou seja, perigo é uma questão qualitativa ou ligado a natureza do agente, e risco deve ser medido quantitativamente para verificar-se a probabilidade deste agente causar efeitos. Uma substância química pode estar presente e ser manuseado no processo de trabalho, mas sem risco algum para os trabalhadores. Para avaliar o risco deve-se levar em conta vários fatores além da própria substância. Os principais fatores envolvidos estão listados abaixo: Apresentação – está em forma que permita o contato (exposição) por qualquer via? Exemplo. um agente em forma de massa sólida viscosa que não gera poeira não constitui nenhum risco por inalação simplesmente porque o agente não ficará disperso no ar. à venda atualmente, não possuem essa contaminação e por isso não são classificados como carcinogênicos. Via de contato – em caso de existir exposição, a via em que ocorre no ambiente de trabalho é relevante na toxicologia do agente? Exemplo: o agente tem grande toxicidade (perigo) por ingestão, mas o contato dos trabalhadores é somente por via respiratória e cutânea. Frequência de uso e tempo de exposição – o agente tem efeitos somente por exposições repetidas e por longo período de tempo, e a exposição é esporádica e de curta duração. Exemplo: exposição ocupacional a metais como mercúrio ou a poeira de sílica livre cristalina. Características físico-químicas – a substância pode possuir grande perigo e até ser absorvido pela via respiratória, mas é pouco volátil e o seu manuseio é realizado a temperatura ambiente e sem formar névoas. Exemplo – o dietilenoglicol que tem ponto de ebulição de 240 °C. Ou seja, uma avaliação qualitativa criteriosa pode já definir se um determinado agente químico (perigo) não vai representar nenhum risco aos trabalhadores, ou se será necessário um aprofundamento da avaliação, podendo chegar-se à medição quantitativa. Sempre ao abordar um agente químico deve-se obter as seguintes informações: Toxicidade: é capacidade inerente de uma substancia química provocar danos aos sistemas biológicos, ou seja, é o perigo deste agente (2) (3). Pode-se dizer que o ácido cianídrico e o chumbo inorgânico possuem uma toxicidade muito maior que o álcool etílico. O Limite de Exposição Ocupacional (LEO) permite dar uma ideia desse parâmetro. Os Threshold Limits Values (TLVs) da American Conference of Governmental Industrial Hygienists (ACGIH) podem ser um parâmetro para comparar toxicidade. O tolueno possui um LEO de 20 ppm, enquanto o de outro solvente, o etanol, é de 1.000 ppm. A grosso modo pode-se dizer que o perigo do tolueno é 50 vezes maior que o do etanol. Da mesma forma o TLV de chumbo inorgânico é de 0,05 mg/m3, enquanto que o de zircônio inorgânico é de 5 mg/m3. Já o berílio inorgânico é 0,00005 mg/m3, ou 100.000 vezes mais perigoso que o zircônio (4). Via da exposição: algumas substâncias possuem efeitos diferentes dependendo da via de contato com o organismo. Os compostos de chumbo inorgânico podem ter contato com a pele sem problemas, pois não tem absorção por esta via, mas a ingestão e inalação pode levar a intoxicação pelo metal (5). A sílica livre cristalina pode ser ingerida sem problemas, mas quando inalada ao longo do tempo em forma de particulado na faixa de particulado respirável leva a silicose pulmonar e câncer de pulmão (6). Deve-se ressaltar que não existe exposição sem contato. A via de contato com o agente deve ser bem observada, se ela existe. Pode ser com a substância em qualquer forma: poeira, líquido ou sólido puro, gás, vapor, névoa ou neblina. A via pode ser na pele, inalação pela via respiratória. Ingestão é uma via rara em exposição ocupacional, mas pode ocorrer por deglutição de poeira inalada. Tempo/repetitividade/ da exposição e frequência de uso: existem agentes químicos que só produzem efeitos em exposições contínuas ou repetidas ao longo de um período de tempo prolongado e não têm efeitos adversos significativos em exposições agudas. Para estes agentes é definido um LEO para uma concentração média ponderada no tempo ao longo de 8 horas diárias, 40 horas por semana, o Time Weighted Average (TWA). Como exemplo, pode-se citar o chumbo e o mercúrio e a sílica livre cristalina. Já outras, o principal efeito adverso se manifesta em exposições agudas, e se utiliza o Short Term Exposure Limit (STEL) que é definido para a média de 15 minutos de exposição. Algumas tem a notação C, de Celing (teto) que significa que a substância não pode ultrapassar esse valor, nem por um instante. Um exemplo é o glutaraldeído, cujo valor TLV-C é de 0,05 ppm. Os TLVs tipo STEL ou STEL-C são definidos geralmente para substâncias irritantes, depressoras do Sistema Nervoso Central e asfixiantes. Outras possuem os dois tipos de limites, ou seja, mesmo que ela esteja abaixo do TLV-TWA, não pode oscilar acima de um valor STEL. Como exemplo pode-se citar o benzeno que tem um TWA de 0,5 ppm, mas um STEL de 2,5 ppm (7). Características físico-químicas: líquidos voláteis e gases podem ocasionar exposição ocupacional com grande facilidade. No caso de sólidosmaciços, isso só ocorre se sofrerem processos como corte, moagem e abrasão que geral poeira. Já para os sólidos em forma de pó podem levar a exposição significativa em operações de transporte, pesagem, mistura e embalagem. Em contraste, os sólidos pastosos normalmente não oferecem risco, exceto pela via cutânea, desde que possuam efeitos ou possibilidade de absorção por esta via. Biodisponibilidade: as características físico-químicas que influenciam na absorção também têm grande influência. Um mesmo agente, como um metal, por exemplo pode ser melhor absorvido se estiver em forma de um composto hidrossolúvel, e praticamente não ser absorvido se o composto for insolúvel. Compostos de chumbo muito solúveis em água, como acetato e cloretos oferecem muito mais perigo aos trabalhadores do que sulfeto de chumbo, que é praticamente insolúvel na água. Proteção coletiva: manuseio em processos enclausurados, com ventilação exautora eficiente, umectação, entre outras medidas de higiene do trabalho, podem minimizar ou eliminar a exposição e desta forma a probabilidade de dano (ou risco) pode ser muito baixa ou praticamente inexistente. O reconhecimento do risco deve ser realizado levando em conta a proteção coletiva, mas não a individual, como luvas, proteção respiratória, entre outras. O EPI deve ser implantado ou não, dependendo da conclusão se há realmente risco e qual a medida para aquela agente naquela via de exposição. 3 – Importância da identificação correta de substâncias químicas É fundamental inicialmente ter a informação exata da(s) substância(s) químicas que existe(m) no ambiente de trabalho e que tem potencial de expor o grupo de trabalhadores. Na toxicologia, diferenças sutis na estrutura molecular podem levar a grandes diferenças nos efeitos. Mesmo diferenças que não tem nenhuma consequência nas propriedades químicas de uma molécula podem levar a grandes diferenças em bioquímica. Um exemplo é a isomeria óptica. Todos os aminoácidos, exceto a lisina, na natureza do planeta Terra são L- aminoácidos (isômeros ópticos levogiros) não obstante terem propriedades químicas exatamente iguais, bioquimicamente são diferentes, pois um D- aminoácido simplesmente não é utilizado pelos organismos vivos de nosso planeta (8). Também em toxicologia isso acontece. Somente o isômero L da talidomida é teratogênica, enquanto que o D é um excelente sedativo (9). O problema é que quando fabricado quimicamente há formação de 50% de cada. Como muitas vezes os nomes das substâncias são parecidos e há muitos sinônimos foram elaborados vários sistemas de numeração de substâncias químicas. O mais utilizado é o Chemical Abstracts Service (CAS), sistema de numeração instituído em 1965 que possui mais de 60 milhões de substâncias indexadas (6). Um exemplo da importância da numeração CAS na toxicologia ocupacional é o auxílio na diferenciação de substâncias com nomes parecidos A metilbutilcetona causa neuropatia periférica grave com paralisia de MMII, enquanto a metilisobutilcetona não (10). Quadro 1 – Representação das estruturares moleculares da MBK e da MIBK e seus respectivos números CAS Fonte: 5 No exemplo das cetonas citado acima, pode-se ver que os números CAS delas são completamente diferentes. Além das substancias puras, algumas misturas também possuem número CAS, como, por exemplo, cada isômero de xileno possui um número CAS próprio e ainda a mistura dos isômeros (orto, meta e para) tem registro específico como 1330-20-7. Também misturas comerciais de grande importância. O querosene e a gasolina2 são misturas complexas com centenas de hidrocarbonetos, mas possuem registro no CAS como 8008-20-6 e 8006-61- 9, respectivamente (11). Na identificação de riscos químicos deve-se em primeiro lugar listar as substâncias com os números CAS que são disponíveis nas Fichas de Informações de Produtos Químicos (FISPQs). Essas devem conter as informações de composição com os seus respectivos números CAS. Desnecessário ressaltar que a FISPQs com composições como “cetonas”, “hidrocarbonetos aromáticos”, “hidrocarbonetos alifáticos” , são inaceitáveis, e não cumprem a Norma Regulamentadora -26 (12) que exige que se deve seguir a norma 14.725 de 2010 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Esta norma ABNT por sua vez segue as orientações da ONU sobre rotulagem de produtos químicos: o Sistema Globalmente Harmonizado de Classificação e Rotulagem de Produtos Químicos (GHS) (13). 3.1 Características físico-químicas e a exposição dos trabalhadores 3.1.1) Sólidos Materiais sólidos podem levar a exposição ocupacional se o seu manuseio produzir particulados para o ambiente, como em operações de pesagem, mistura, ensacamento, carregamento de reatores, entre outras. Se estivem em forma de pó seco, o risco de exposição é bem maior, enquanto que os materiais em forma de granulados ou briquetes têm menor potencial de formação de particulados sólidos nestes tipos de manuseio. Já os briquetes, placas, pedras, ou outras formas de material sólido, a possibilidade de exposição é elevada em operações de moagem ou abrasão da superfície. Já o manuseio de sólidos pastosos como gordura e sabões não há emissão de particulados e há possibilidade de exposição somente por contato cutâneo. Também sólidos muito higroscópios, que ficam pastosos com a absorção da unidade do ar, como a soda cáustica pura (NaOH), não geram 2 Há mais de um número CAS para essas misturas, dependendo da sua forma de produção, se por destilação, craqueamento, etc. particulados, mas a preocupação é a possibilidade de acidentes em caso de contato acidental com a pele e/ou olhos. Exemplo: Adição de soda cáustica pura (NaOH) em um tanque de tratamento de efluentes para correção de pH. A soda cáustica é higroscópica e se apresenta como um sólido pastoso por causa da absorção da umidade do ar, e nesta tarefa a soda é retirada com uma pequena pá e adicionada em um tanque com água. O trabalhador deve utilizar proteção para olhos e pele para evitar queimaduras por projeção acidental do agente, mas não há exposição ocupacional propriamente dita, pois o agente não é volátil e este tipo de manuseio não gera névoas. A situação é a mesma se adição for realizada em forma de solução de soda cáustica já preparada. A formação de fumos metálicos é outra possibilidade de exposição de trabalhadores a sólidos metálicos. Processos que levam a fusão de metais a elevadas temperaturas podem gerar grandes quantidades de fumos metálicos dependendo da temperatura do processo e da temperatura de ebulição do metal. Se o aquecimento gerado pelo processo não sobe muito além do ponto de fusão e ficam muito abaixo do ponto de ebulição não há geração significativa de fumos metálicos significativos de fumos metálicos. Desta forma é importante para o reconhecimento de riscos saber a temperatura em que o metal atinge no processo e qual a temperatura que o metal começa e emitir fumos. Exemplo 1 – A solda por arco elétrico em aço atinge temperaturas de cerca de 3.000 °C. O ponto de fusão do ferro é de 1.538 °C e o de ebulição é 2.861 °C e o de manganês 1.246 °C e 2.061 °C respectivamente. Assim é esperado uma emissão significativa de fumos destes metais que fazem parte da liga (aço) no processo. Exemplo 2 – Na soldagem de fios de cobre e circuitos eletrônicos por meio da fusão da liga de estanho-chumbo por meio do ferro de solda (solda “eletrônica”) atinge cerca 400 °C. O ponto de fusão do chumbo é de 327 °C e o de ebulição é de 1.749 °C. Como a temperatura do ferro de solda funde o chumbo somente um pouco acima da sua temperatura de fusão e muito abaixo da temperatura de ebulição, não é esperado que este processo emita fumos metálicos. Esta hipótese é confirmada na literaturatécnica que confirma que somente há emissão de fumos metálicos de chumbo a partir de 500 °C (14) Muitas vezes se depara com situações em que pode haver exposição simultânea a vapores e particulados na mesma operação, como pinturas. Neste caso deve-se atentar para de que forma está sendo realizada a pintura. Se for com pincel ou rolo somente haverá exposição ao solvente que evapora da tinta. Se a tinta for a base água, como a látex para paredes, não haverá exposição a qualquer solvente orgânico. Se a tinta for a base solventes orgânicos haverá exposição a estes agentes e deve-se conhecer bem quais são através das FISPQs. Por outro lado, o conhecimento dos componentes sólidos da tinta, como os pigmentos, não tem nenhuma importância, já que estes não evaporam, e, portanto, não há exposição a estes agentes. Já a pintura na compressor haverá exposição a névoa do produto, e assim haverá exposição tanto as resinas e pigmentos quanto ao solvente, e desta forma todos os componentes da tinta devem ser objeto de atenção. Os metais em forma metálica são objeto de preocupação também quando há processos de abrasão (lixamento, esmerilhamento) na superfície, que na maioria das vezes contém óxidos do metal, e, portanto, estão em forma absorvível. 3.1.2 Gases e vapores Em consequência de sua elevada dispersão no ambiente são as formas de maior potencial de absorção de substâncias químicas nos ambientes de trabalho, tanto por via respiratória quanto por via cutânea (se tiver efeito por essa via) e são geralmente grande preocupação dos higienistas ocupacionais. Nessas situações sempre se deve considerar todos os presentes na área como potencialmente expostos. 3.1.3 – Líquidos A simples presença de um agente químico em forma de líquido no ambiente de trabalho é sempre fonte potencial de vapores, e por isso saber a volatilidade de tal substância é fundamental para o bom reconhecimento de riscos. Quanto menor o ponto de ebulição (PE) da substância, mais volátil é, e consequente é maior a possibilidade de existir uma concentração elevada de vapores e os trabalhadores serão expostos se as manusearem sem proteção adequada. Em conjunto com esta variável, a temperatura do ambiente de trabalho e/ou do processo deve ser observada. Para fins práticos de higiene ocupacional considera-se que um líquido deixa de ser volátil quando possui temperatura de ebulição maior que 250 °C (10) (15). Entre 200 °C a 250 °C a emissão de vapores já pode ser considerada como muito baixa, sendo considerada com potencial de risco apenas para agentes com limites de exposição ocupacional muito baixos, como por exemplo o toluenodiisocianato (TDI, número CAS 584-84-9), cujo limite na ACGIH é de apenas 0,001 ppm (4). Também a superfície de evaporação do líquido também possui grande influência: quanto maior a superfície de líquido exposta ao ambiente, maior o potencial de exposição. Uma superfície sendo pintada, por exemplo, possibilita maior evaporação de solvente orgânico da tinta, expondo muito mais do que a abertura de um recipiente pequeno com o mesmo solvente. A nebulização de uma substância no ambiente, como uma pintura em spray, leva, além da exposição às gotículas da névoa formada, a uma grande evaporação em consequência da grande superfície de evaporação produzida pelas gotículas somadas. As exposições a agentes químicos em laboratórios, por exemplo, geralmente não se concretizam em riscos, tendo em vista que o manuseio delas é normalmente realizado dentro de fluxos laminares, as substâncias químicas estão em pequenas quantidades e as áreas de evaporação são pequenas (como tubos de ensaio), e ainda os ensaios químicos em que são utilizadas normalmente não são contínuos. 3.1.3.1) Soluções líquidas com substâncias iônicas Estas soluções geralmente são feitas em água. Nas soluções aquosas com compostos iônicos hidrossolúveis somente a água evapora. Os compostos iônicos geralmente são sólidos cristalinos. Como exemplos pode-se citar as soluções de cloreto de sódio (NaCl), soda cáustica (NaOH), sulfato de níquel (NiSO4), ácido crômico (H2Cr2O7), sulfato ferroso (FeSO4), entre outras. Todos sabem que a chuva não é salgada, mesmo que venha do mar. Só existe exposição às substâncias dissolvidas no líquido se o processo em que estiver sendo utilizada gerar névoa. Como exemplo pode-se citar a exposição a ácido crômico em galvanoplastias. A solução de água com este agente sofre borbulhamento por formação de hidrogênio durante a reação de deposição eletrolítica de cromo metálico, e este borbulhamento gera névoa que contém o solvente (água) e o soluto (ácido crômico). Em alguns banhos de sulfato de níquel não há formação de névoa, e, portanto, a exposição é somente a vapor d’água. Por este motivo no reconhecimento de riscos químicos deve-se ter especial atenção se o processo forma névoas ou não, sob pena de considerar-se “risco” a exposição a vapor d’água. Essa situação pode ser vista nas figuras abaixo Figura 1 – Copo com comprimido colorido efervescente coberto com filtro de café Fonte: produção do autor Figura 2 – O borbulhamento de CO2 no líquido forma névoa da solução que mancha a face o papel branco voltado à superfície do líquido Fonte: produção do autor Figura 3 – Após a cessação do borbulhamento, o mesmo copo é aquecido no forno de micro ondas, gerando vapor, mas sem chegar à ebulição. Fonte: produção do autor Figura 4 – Comparação entre os filtros: o da direita é o mesmo da figura 2 que apresenta a mancha formada pelo corante do comprimido que atingiu o papel em forma de névoa, e o da esquerda foi molhado pelo vapor d’água formado pelo aquecimento no micro ondas (figura 3), mas não tem mancha do corante, pois não houve formação de névoa. Fonte: Produção do autor Evidente que o contato com a pele com a solução líquida poderá levar a efeitos locais pelo agente lá dissolvido, mas a absorção cutânea de compostos iônicos dissolvidos em água é desprezível na pele íntegra, tanto que um hipertenso pode banhar-se no mar sem preocupação de absorver sódio. Durante o preparo das soluções aquosas a partir do agente puro poderá ocorrer exposição, pois geralmente os compostos iônicos são sólidos cristalinos e o seu manuseio, quando secos, pode levar à geração de poeira. Por outro lado, se o preparo for realizado com a diluição de uma solução mais concentrada já pronta, não haverá exposição ao agente. Algumas substâncias não iônicas, mas extremamente polares e muito hidrossolúveis, como o açúcar (sacarose) tem o mesmo comportamento. Um ácido não volátil como o sulfúrico (H2SO4, número CAS 7664-93-9) que tem elevado ponto de ebulição (337 °C) também não expõe os trabalhadores aos seus vapores, sendo perigoso apenas por contato da solução com a pele e olhos ou se o processo gera névoas. Já ácidos voláteis como o acético (número CAS 64-19-7) que ponto de ebulição de 118 °C pode levar a exposição aos seus vapores. Desta forma para avaliar a possível exposição ou não a vapores de ácidos deve conhecer o seu ponto de ebulição. Além de névoas e vapores, os líquidos podem levar a exposição por meio de neblinas. Essas são caracterizadas por vapores que são condensados formando gotículas (particulados líquidos) no ar. A sua diferença das névoas é que, como são formados por vapores, são constituídos somente pela parte líquida que evapora, e não possui as substâncias dissolvidas. 3.2.2.1) Misturas de líquidos Caso o líquido não seja uma substância pura, mas uma mistura, deve-se atentar se esta é homogênea ou heterogênea, se é uma mistura de líquidos miscíveis ou solução de um líquido com compostos iônicos. Em uma mistura homogênea de líquidos miscíveis, há evaporação de todas as substâncias nela presentes, mas a proporção dos vapores no ambiente dependeda concentração na mistura e da volatilidade de cada uma. Exemplo 1 de mistura miscível é a de água com ácido acético, que é conhecida por vinagre. Como ambas são voláteis (água com PE = 100 °C e o ácido acético com PE = 118 °C), haverá vapores das duas no ambiente, mas em proporções diversas. Se a mistura for de 50% para cada, o ácido acético estará em menor concentração no vapor, pois é menos volátil. O odor característico do vinagre, que possui cerca de 5% de ácido acético, é bom exemplo de uma solução de água com ácido acético (16). Exemplo 2 - uma solução de água com dietilenoglicol, que é a mistura utilizada nos radiadores de carro. Como o dietilenoglicol possui um ponto de ebulição de 230 °C, haverá muito pouco desta substância nos vapores emanados da solução. Por esse motivo, apesar de o dietilenoglicol possuir grande toxicidade, essa é por via oral, e assim o seu manuseio não gera risco ocupacional, pois é muito pouco volátil e a sua absorção cutânea é desprezível. Somente poderá levar a alguma preocupação se for nebulizado e inalado em forma de névoa. Em uma mistura de vários solventes orgânicos, como um thinner, se as concentrações forem iguais, as maiores concentrações serão sempre dos mais voláteis. Como exemplo na tabela abaixo: Quadro 2 - Composição hipotética de um solvente de tinta esmalte e suas características físico-químicas. Substância Sinônimos Número CAS PE (em °C) 2-butanona Metil-etil-cetona MEK 78-93-3 80 Metil-benzeno Tolueno, Toluol 108-88-3 110 Propil-benzeno Propil-benzol, cumeno 98-82-8 152 Butil-benzeno Butil-benzol, Fenilbutano 104-51-8 183 Fonte: (16). Supondo que cada um componha 20% do produto, as proporções no vapor às quais um trabalhador estaria exposto seriam muito diversas, com a seguinte ordem de proporção no vapor emanado: MEK > Tolueno > isopropil- benzeno > butil-benzeno. Estes últimos estariam em concentrações muito baixas, pois são pouco voláteis. Uma mistura de substâncias orgânicas também pode ser pouco volátil. Misturas com hidrocarbonetos com pontos de ebulição elevados formam pouco ou nenhum vapor. Exemplo 1 Óleo diesel. Esse combustível (CAS 68334-30-5) é uma mistura de hidrocarbonetos na faixa de 9 a 30 carbonos, com pontos de ebulição entre 163 e 357 °C. É obtido por destilação do petróleo nesta faixa de temperaturas (17). Assim, a mistura é pouco volátil, sendo que o pouco vapor que emana está na faixa entre 163 e 200 °C, ou entre 9 e 11 carbonos. Substâncias com pontos de ebulição mais baixos do que a faixa de destilação do diesel, como n-hexano (PE= 68 °C), benzeno (PE=80 °C), ou tolueno (PE= 110 °C) não são encontradas neste combustível por uma questão de física básica. Substâncias mais voláteis como o benzeno e o tolueno podem aparecer em misturas destiladas do petróleo em faixas de destilação que incluem as suas temperaturas de ebulição, como a gasolina (CAS 86290-81-5) que é uma mistura de hidrocarbonetos destilados do petróleo com pontos de ebulição entre 30 e 260 °C (18). Já o gás liquefeito de petróleo (GLP) que é composto de propano e butano, com pontos de ebulição respectivamente de -42 e -1 °C, também não podem conter benzeno ou tolueno, que possuem pontos de ebulição muito mais elevados (19). Exemplo 2 - Óleo mineral (CAS 74869-22-0) é uma mistura de hidrocarbonetos com longas cadeias de carbono (de 15 a 50), com uma faixa de PE entre 371 °C e 538 °C (20). Esta mistura com compostos de elevados pontos de ebulição não emite vapores se manuseada em temperatura ambiente. Somente quando aquecidas a elevadas temperaturas podem formar vapores ou quando o manuseio levar a formação de particulados líquidos (névoas), o que ocorre quando o óleo é borrifado, poderá ocorrer exposição a este agente. A típica exposição ocupacional a óleos minerais é pelo contato com a pele e pode ser evitada com uso de proteção individual adequada. Para facilitar, a ACGIH publica seus Limites de Exposição Ocupacional (LEOs) a substâncias químicas com duas unidades diferentes (4): • em partes por milhão (ppm) se esta expõe os trabalhadores principalmente em forma de gases e vapores • em mg/m3 se a exposição ocorre principalmente na forma de particulados líquidos (névoas) ou sólidos (poeiras). Exemplos: a gasolina que tem uma grande faixa de voláteis, tem seu limite estabelecido em ppm, enquanto que o óleo diesel, o querosene e o óleo mineral têm seus limites publicados em mg/m3, já que a exposição a estes produtos somente é significativa somente se houver formação de névoas. 4 - Conclusões O reconhecimento de riscos químicos não é a simples listagem dos agentes químicos que são utilizados nos ambientes de trabalho, mas devem seguir uma sequência que se inicia com a correta caracterização do(s) agente(s), ou perigos, com um estudo das suas características físico-químicas, das tarefas e dos ambientes de trabalho, a fim de se caracterizar se há realmente uma exposição ao agente. Em caso positivo, deve-se partir para uma avaliação da magnitude da exposição a fim de verificar a probabilidade da ocorrência de efeitos adversos por aquele agente, se baixa, média ou elevada. Referências 1. IPCS. IPCS risk assessment terminology. [Online].; 2004 [cited 2021 Janeiro 27. 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