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HISTÓRIA DA HOMINIZAÇÃO ÀS PRIMEIRAS CIVILIZAÇÕES CAPÍTULO 4 - COMO ERAM A RELIGIÃO, O MITO E AS LEIS NO CONTEXTO DAS PRIMEIRAS CIVILIZAÇÕES? Fernando Silva de Almeida INICIAR Introdução Você já se questionou sobre a importância da religião na história das primeiras civilizações? Ou melhor, conhece a importância da criação das primeiras religiões e mitos e sua influência na sociedade contemporânea? E, por fim, sabia que no antigo território da Mesopotâmia foram evidenciados os primeiros conjuntos de leis que regeram o cotidiano das primeiras civilizações da história? O objetivo deste capítulo é apresentar alguns dos principais acontecimentos que foram responsáveis pela formação das primeiras religiões do mundo antigo, bem como das primeiras leis conhecidas desse período, além de abordarmos a importância do mito na sociedade. Sendo assim, discutiremos vários processos históricos, como as primeiras evidências de manifestações religiosas na Pré-História, a formação das primeiras religiões conhecidas, o surgimento do politeísmo (e, consequentemente, do monoteísmo) e de algumas das principais religiões do planeta (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo) que, juntas, são praticadas por mais de três bilhões de pessoas no mundo. Esperemos que, ao longo do capítulo, você possa aprender novos conhecimentos sobre essa temática e que essas informações sejam úteis não só no estudo da história, da religiosidade, das leis e dos mitos, mas também no contexto cultural em que vivemos atualmente, no qual conhecer cada vez mais sobre o passado é um requisito necessário para se situar melhor no presente. 4.1. A religiosidade na antiguidade O objetivo deste tópico é apresentar um histórico sobre a origem do pensamento religioso no passado, demonstrando algumas hipóteses a respeito da criação das primeiras religiões do mundo antigo. Como surgiram as primeiras práticas religiosas? Qual foi a motivação por trás desse processo histórico? Qual é a importância dessas primeiras manifestações na criação das primeiras religiões da Antiguidade? Ao longo deste tópico, apresentaremos algumas hipóteses sobre o surgimento das primeiras manifestações religiosas, bem como mostraremos alguns exemplos de práticas existentes entre as primeiras civilizações. A tarefa da História ou da Arqueologia não é abordar a proximidade existente entre as religiões e uma suposta verdade absoluta. Essas disciplinas compreendem que a religiosidade pertence a cada indivíduo, dentro do grupo cultural no qual está inserido. Sabe-se que, ao longo da história, surgiram inúmeras religiões e, enquanto muitas desapareceram ou enfraqueceram por diversos motivos, outras se tornaram cada vez mais dominantes. A religião está presente em toda a sociedade e o seu aparecimento faz parte de um processo histórico que formou um conjunto muito vasto e diversificado de práticas, pertencentes a uma grande quantidade de povos de diferentes regiões e culturas. Além disso, conforme Coulanges (2009), a religião se tornou acessível a todos, sem distinção de classe ou etnia. O próprio ser humano possui uma grande diversidade cultural, seja no passado mais distante ou no presente, e a grande variedade de religiões é uma consequência disso. Historicamente, a religião se tornou algo que é essencial ao ser humano e, conforme Funari (2010, p. 162), [...] corresponde a um conjunto de práticas sociais específicas e que fazem parte da cultura de um determinado grupo humano ao longo de sua existência. [...] um conjunto específico de crenças em um ou mais poderes divinos ou sobre-humanos com o objetivo de render culto ao criador ou ao regente do universo. A origem da palavra vem do latim re-ligare e significa um retorno por meio da fé a algo que está além da experiência do cotidiano e do ser humano, que talvez tenha sido perdido em algum momento (GOMES, 2008). No Cristianismo, esse retorno seria a proximidade com a origem e com a essência de tudo o que existe no universo ou, em outras palavras, com Deus. Figura 1 - A fé é uma das principais características da religião. Fonte: A religiosidade do ser humano está associada, entre outros fatores, aos aspectos evolutivos que proporcionaram o desenvolvimento da capacidade cerebral e a formação de pensamentos complexos nos primeiros hominídeos, processos que alcançaram seu ápice com o aparecimento do Homo sapiens, espécie que possui um cérebro altamente desenvolvido e cujo nome significa “homem que sabe” ou “homem sábio”. O aumento da capacidade cerebral permitiu a observação de fenômenos da natureza e a reflexão sobre seu significado e sobre as experiências que estão além do que era conhecido. Sendo assim, ao observar a natureza, ou o nascimento ou a morte de uma pessoa, por exemplo, o ser humano pode ter sido absorvido por sentimentos que não poderiam ser compreendidos sem a criação de significados ligados ao sagrado. Dessa forma, as religiões podem ter sido criadas com base em alguns princípios que começaram a ser seguidos de forma cada vez mais frequente pela sociedade, por exemplo: os conjuntos de crenças em torno daquilo que é desconhecido, os rituais, os instrumentos materiais ou os locais onde o sagrado se manifesta com mais intensidade (como artefatos simbólicos e monumentos naturais) e o surgimento de indivíduos que têm a capacidade de se comunicar com entes religiosos (GOMES, 2008). Essas práticas criavam, então, um sentido para o fenômeno e forneciam respostas e resultados práticos para aqueles que acreditavam. As religiões foram encaradas inicialmente pelas ciências humanas a partir de diferentes estágios, representando desde o estágio considerado mais primitivo até chegar ao estágio superior (GOMES, 2008). Essa transformação foi um dos pilares do evolucionismo cultural, uma corrente do século XIX que afirma: ao longo do tempo, o ser humano evoluiu e adquiriu um sistema cultural mais complexo. Entretanto, essa linha de pensamento sofreu várias críticas e, entre elas, podemos citar a inconsistência da interpretação de um caminho linear em direção à civilização e ao progresso; a falta de validade científica da construção de hierarquias das práticas religiosas; a desconsideração da grande diversidade de religiões existentes, que seguiram caminhos distintos e passaram por diversas transformações ao longo da história. Stocksnapper, Shutterstock, 2018. Conforme Gomes (2008), uma das primeiras manifestações religiosas que se tem conhecimento é o animismo, praticado por sociedades que acreditavam na existência de espíritos e seres sobrenaturais na natureza. Essa manifestação faz parte do primeiro estágio considerado, pelo evolucionismo, o estágio teológico e é ainda comum entre muitos povos indígenas da América do Sul. Entre suas várias características está o fato de que os animais são vistos como espíritos, mas também possuem características humanas. No animismo, existem sacerdotes, indivíduos responsáveis pela comunicação entre os espíritos e as pessoas, conhecidos como xamãs em algumas sociedades e como pajés em diversas etnias indígenas brasileiras (GOMES, 2008). Uma variação desse fenômeno seria o totemismo, muito comum em grupos indígenas da América do Norte, caracterizado pela reverência aos elementos da natureza, como animais e plantas. Acredita-se que as primeiras populações humanas possuíam uma religiosidade semelhante ao que encontramos hoje em inúmeros povos indígenas. Tal interpretação é baseada em diversas evidências encontradas no registro arqueológico pré-histórico, seja em representações rupestres em cavernas ou até mesmo na fabricação de instrumentos de pedra, cuja função é puramente simbólica. Em cavernas e também a céu aberto, foram encontradas pinturas e gravuras em rocha que demonstram a existência de algumas práticas religiosas no passado, como rituais, desenho de animais que eram tabus alimentares e de elementos da natureza, como os rios, demonstrando a importância das águas para as sociedades do passado (FUNARI, 2010). Outras evidências são o enterramento dos mortos, representando oculto aos antepassados e a existência da vida após a morte. Como exemplo dessas práticas religiosas antigas, citamos os sítios, que representam os períodos mais antigos da civilização maia, na América Central (FUNARI, 2010). As representações observadas em seu registro arqueológico demonstram elementos de religiosidade que são expressos na forma de animais, como o jaguar, o crocodilo, algumas aves, os peixes e as serpentes. Sendo assim, os maias perceberam a existência desses animais como uma explicação para o desconhecido, construindo significados para essa relação. Nos sítios arqueológicos, os maias se encontram em desenhos que representam episódios míticos, alguns referentes, inclusive, aos mitos de criação do mundo. Outra característica da religião maia foram os sacrifícios humanos (FUNARI, 2010). Em sítios arqueológicos dessa cultura, foram encontrados esqueletos decapitados de homens e crianças, bem como de alguns animais, como o jaguar. Não se sabe exatamente qual era o propósito desses sacrifícios, porém, acredita-se que eram direcionados para as divindades mais importantes dessa civilização, demonstrando a importância dessas práticas no contexto sociocultural. Além do animismo, o estágio teológico incluiria também o politeísmo, baseado na criação de diversas divindades que seriam responsáveis por diferentes fenômenos, e o monoteísmo, baseado na crença em um só deus. Nessas subdivisões, houve a valorização do culto aos ancestrais e o estabelecimento da crença em deuses antropomórficos (GOMES, 2008). Esse estágio teria se manifestado entre as primeiras civilizações do planeta, como os egípcios, gregos, mesopotâmicos, e culminaria na crença em Deus, um ser único, onipotente, onisciente e onipresente, elemento característico das principais religiões praticadas no mundo contemporâneo. O livro As religiões que o mundo esqueceu: como egípcios, gregos, celtas, astecas e outros povos cultuavam seus deuses (FUNARI, 2010) é uma ótima referência para conhecer as características principais das religiões de civilizações do mundo antigo. É uma leitura bem agradável e é indicada para aqueles que querem conhecer melhor as diversas práticas religiosas que hoje em dia não existem mais. O segundo estágio do pensamento religioso seria o estágio metafísico, em que o culto aos espíritos e aos deuses começou a ser substituído pelo abandono parcial de alguns valores espirituais (GOMES, 2008). Seria um estágio associado à introdução do pensamento filosófico nas primeiras civilizações humanas, que ocorreu no momento em que diversos fenômenos da natureza começaram a não ser mais explicados pela existência de forças sobrenaturais, como os espíritos e os deuses, mas sim a outras forças VOCÊ QUER LER? abstratas. Nesse período da história humana, começaram a ser realizados os primeiros questionamentos intelectuais e as primeiras reflexões sobre a natureza, os espíritos e outros fenômenos. Por fim, essas observações se referem a algumas das principais características presentes nas primeiras manifestações religiosas da Pré- História. Não há como saber exatamente os detalhes dessas primeiras práticas, contudo a existência de algumas evidências arqueológicas e documentos escritos permitem que possamos compreender alguns desses processos. 4.2. O surgimento do monoteísmo Neste tópico, abordaremos os processos históricos que originaram as principais religiões monoteístas da história. Quais foram essas religiões? De onde elas surgiram? E como se fortaleceram? Conhecer esse passado ligado ao sagrado é ampliar o conhecimento existente sobre o mundo antigo, principalmente no que se refere à formação das primeiras manifestações religiosas que substituíram a crença em vários deuses pelo culto ao deus único e que ocorreram paralelamente à formação das primeiras civilizações. Esses acontecimentos possuem bastante importância, pois as consequências desses fenômenos são sentidas no mundo atual, por meio das religiões mais conhecidas. Atualmente, sabemos que o monoteísmo, junção das palavras gregas mono (único) e theos (deus), se caracteriza pela crença na existência de um único deus. Seu surgimento influenciou toda a civilização ocidental e se tornou marcante durante a história do Oriente Próximo, principalmente no que se refere à história dos hebreus, se manifestando também em algumas outras culturas do mundo antigo, como os egípcios, representados pela figura do faraó Akhenaton, aproximadamente em 1300 a.C. (GOMES, 2008). Também é importante destacar o monoteísmo no contexto de criação das principais religiões da atualidade, como o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo. Vale lembrar que no mundo antigo, principalmente no que diz respeito à história da Mesopotâmia, eram muito comuns os casos de monolatria, em que se cultuava um único deus, contudo, reconhecendo-se a existência de outras divindades (PINSKY, 2011). Essa era uma prática muito comum no Oriente Próximo, onde em cada aldeia ou em cada povo existia um deus principal, porém eram conhecidos deuses que eram protetores de outras regiões e outros povos. Por outro lado, o monoteísmo é caracterizado na crença de apenas um deus e desconsidera-se a presença de outros deuses, não havendo um reconhecimento nem de sua existência, tampouco de sua influência na sociedade (PINSKY, 2011). Portanto, quando nos referimos ao surgimento do monoteísmo, estamos nos apoiando na criação de religiões que têm como premissa básica a existência e a crença em um deus único. VOCÊ SABIA? Existe mais de um tipo de monoteísmo. Entre as vertentes, podemos citar: o monoteísmo substancial, no qual inúmeros deuses são originários de uma única divindade, o panteísmo, que considera que o deus é o próprio universo, e outros exemplos (como o panenteísmo e o deísmo). Durante muito tempo, as práticas religiosas do mundo egípcio se baseavam na monarquia divina dos faraós. Suas ações tinham legitimidade, pois se apoiavam no desejo ou na permissão dos deuses, que se tornaram mais ou menos importantes conforme a dinastia que estava no poder. Akhenaton foi o faraó que promoveu importantes mudanças no cenário político e religioso do Egito, negando todos os deuses existentes e considerando Aton como o único deus (FUNARI, 2010). As ações de Akhenaton se tornaram a experiência mais característica de monoteísmo no Egito, contudo não se configuram como a mais importante influência na formação das principais religiões monoteístas. O fato de que Akhenaton sabia da existência de outros deuses pode, inclusive, ser utilizado como uma hipótese de que a sua crença em um deus único era um caso de monolatria. Em relação ao Oriente Próximo, uma característica que chama a atenção é a existência de várias divindades, as quais faziam parte do cotidiano da sociedade no início da história dessa região. Uma das civilizações mais antigas da Mesopotâmia, os sumérios, organizavam a sociedade de acordo com um plano concebido por essas divindades. Os deus e as deusas da história da Mesopotâmia e dos sumérios eram representados como justos, amantes do bem, da verdade e da justiça (FUNARI, 2010). Esse sentimento Figura 2 - Mapa do Egito mostrando a figura dos faraós, governantes que eram considerados praticamente como deuses pelo povo. Fonte: Jose Ignacio Soto, Shutterstock, 2018. provocava um modo de perceber o mundo a partir de uma relação entre deuses e seres humanos, como se o que acontecesse na vida real fosse uma consequência do que ocorria no plano divino. O príncipe do Egito (LAZEBNIK, 1998) é uma animação adaptada do Livro do Êxodo e retrata a vida de Moisés como príncipe do Egito até guiar os filhos de Israel para fora do Egito. Alguns fatos contados na animação destoam da versão bíblica da história, contudo vale a pena assisti-la pela versão de um acontecimento importante da história bíblica. Conforme Funari (2010), cada cidade da Suméria tinha o seu próprio deus protetor, que possuía um templo dedicado a ele. Enquanto algumas divindades tinham uma importância local, outras eram conhecidas em um territóriomais amplo. Além disso, os deuses sumérios estavam presentes em todas as situações do cotidiano e eram imaginados como seres antropomórficos. Possuíam emoções humanas, que poderiam ser boas (alegria, amor e apego) e ruins (raiva e agressividade). Vários fenômenos que ocorriam de forma natural, como as cheias dos rios Tigre e Eufrates que eram causadas por degelos que ocorriam em regiões montanhosas da atual Armênia, eram interpretados pelos sumérios como uma consequência da ação dos deuses (FUNARI, 2010). Dessa forma, se esses fenômenos traziam coisas boas, como a fertilidade do solo, eles seriam o resultado da satisfação dos deuses, mas se fossem ruins, como a destruição de áreas agrícolas, isso era a ira ou a disputa entre as divindades. Por mais que as manifestações dos antigos sumérios estivessem relacionadas a inúmeros deuses, essas práticas religiosas influenciaram várias civilizações que apareceram em períodos posteriores (FUNARI, 2010). Entre as influências da religião Suméria, estão as primeiras histórias sobre o Dilúvio, a figura do sacerdote, a prática do exorcismo, a criação de dias festivos, a criação de templos sagrados, a história de criação do ser humano VOCÊ QUER VER? a partir do barro e a existência de cidades mesopotâmicas citadas no Antigo Testamento. Essas referências demonstram a importância da história dos sumérios na construção das primeiras religiões monoteístas. Apesar de a civilização hebraica não ter a antiguidade dos egípcios ou das primeiras civilizações mesopotâmicas, atribui-se a ela os primórdios do monoteísmo (GOMES, 2008). As manifestações religiosas praticadas por esse povo podem ser consideradas como uma ligação entre a cultura do Oriente Próximo e do Ocidente. O Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo, por exemplo, são originários da religião praticada pelos hebreus, cuja origem está na Mesopotâmia – fato que é escrito inclusive na Bíblia e que foi comprovado por pesquisas científicas (PINSKY, 2011). Outro elemento que comprova essa origem é a apropriação de vários mitos mesopotâmicos pelos hebreus, como o dilúvio sumério protagonizado por Ziusudra, semelhante à história da Arca de Noé (PINSKY, 2011). O Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo compõem as três principais religiões monoteístas que fortemente influenciaram o povo, a cultura e a religião no mundo contemporâneo. Em relação ao Judaísmo, destacamos o fato de ter sido uma das primeiras religiões a adotar o monoteísmo e ter sido responsável pela criação do livro sobre a criação do mundo e do ser humano, salientando diversos valores morais que necessitavam ser seguidos. Além disso, serviu de base para a formação do Cristianismo, pois a citação do Messias no Velho Testamento dividiu os fiéis que acreditavam em Jesus Cristo (como o próprio Messias) e os judeus que acreditavam no Antigo Testamento (BORDONAL, 2009). O Islamismo foi outra religião que também teve um papel importante na popularidade das religiões monoteístas. Foi criado no século VII a partir de um sincretismo entre o Judaísmo, o Cristianismo e crenças arábicas (BORDONAL, 2009). O Alcorão é o livro sagrado do Islamismo e foi publicado tendo como referência as palavras proferidas por Maomé. Atualmente, essa obra é seguida por mais de um bilhão de pessoas. Vale lembrar que o Islamismo possui uma grande importância na discussão Figura 3 - Cena da crucificação de Jesus Cristo, um evento narrado pela Bíblia e que diz respeito às principais religiões da atualidade. Fonte: Renata Sedmakova, Shutterstock, 2018. proposta por este tópico, pois surgiu e se fortaleceu em uma região com uma tradição politeísta já estabelecida entre as populações árabes. Uma curiosidade sobre o Islamismo e a sua consolidação no mundo árabe é o fato de que Maomé se envolveu em diversos conflitos, inclusive com tribos árabes politeístas, que o acusavam de heresia (BURGIERMAN et al., 2001). O verdadeiro nome de Maomé é Abul Alcacim Maomé ibne Abdalá ibne Abdal Mutalibe ibne Haxim. Esse personagem histórico não é considerado no Islamismo como um ser divino, mas sim um dos mais perfeitos seres humanos que já existiram. Conforme a religião, Maomé teria sido escolhido pelo anjo Gabriel para recitar os versos que foram diretamente enviados por Deus e que Deus o havia escolhido como o último profeta da humanidade. Figura 4 - Mesquita, local sagrado da religião Islâmica. Fonte: Shutterstock, 2018. VOCÊ O CONHECE? Por fim, estudar a origem do monoteísmo na história da Antiguidade é compreender processos históricos que fundamentais para o surgimento e para a expansão das práticas religiosas que compõem religiões, como o Cristianismo, Judaísmo e Islamismo e suas mais variadas vertentes. Essas religiões ainda são bem relevantes atualmente e fazem parte do contexto cultural da maioria dos indivíduos em todo o planeta. Entender o passado delas é um requisito fundamental para se manter informado sobre o que acontece em nossa sociedade atualmente. 4.3. O Código de Hamurabi Neste tópico, apresentaremos algumas das principais características do Código de Hamurabi, o principal documento histórico sobre as primeiras leis da Antiguidade. Quem foi Hamurabi, a quem se atribui a criação desse conjunto de leis? Qual é a importância desse documento no cotidiano da sociedade babilônica? E qual é a importância dessa descoberta na atualidade? Responderemos a esses questionamentos ao longo deste tópico, assim como apresentaremos outras particularidades desse documento, que se tornou uma das principais fontes escritas da Antiguidade. Atribui-se à Mesopotâmia o surgimento da escrita (PINSKY, 2011). Esse marco, que divide a Pré-História e a História, proporcionou a produção de inúmeros documentos que nos fornecem importantes pistas sobre o cotidiano das primeiras civilizações da Antiguidade. Um deles é o Código de Hamurabi, composto por 281 leis (uma foi excluída devido às superstições da época), escritas em uma rocha vulcânica de mais de dois metros de altura, encontrada por uma expedição francesa no sudoeste do Irã. Trata-se de um documento extremamente importante por se caracterizar como um dos primeiros conjuntos de leis escritas encontrados em ótimo estado de preservação. Ele versa sobre diferentes temas, que incluem leis sobre quebra de contrato, falso testemunho, roubo, estupro, família, entre outros e cujo objetivo principal era garantir a manutenção de uma cultura em comum, na qual o mais forte não poderia prejudicar os mais fracos (BORDONAL, 2009). Além dessa importante fonte documental da Antiguidade, existem outras que relatam alguns acontecimentos do mundo antigo, como a Estela dos Abutres (em que foram registrados alguns conflitos entre as cidades-estados de Lagash e Umma), o Código de Urukagina (no qual estão os primeiros registros de codificação de normas jurídicas da cidade-estado de Lagash), o Código de Ur-Nammu (que transformava costumes antigos em leis e previa a aplicação de penas pecuniárias) e o Código de Eshunna (que mistura o direito penal e o direito civil e que serviu como base para a criação do Código de Hamurabi). Hamurabi foi um grande rei, conquistador e um excelente administrador. Seu governo – que durou 58 anos aproximadamente – era baseado na língua, na religião e no direito, aspecto que é o principal tema do código que leva seu nome. Durante seu reinado, foi responsável pela conquista de quase todo o território mesopotâmico, incluindo alguns povos, como os sumérios e os acádios, se tornando um dos principais governantes do império babilônico. Hamurabi morreu aproximadamente no ano de 1750 a.C., possivelmente devido a causas naturais, e seu conjunto de leis se tornou um dos documentos históricos mais importantes da Antiguidade e hoje pode ser visitado no Museu do Louvre, em Paris. Figura 5 - A balança do direito, que representa a justiça e o equilíbrio. Fonte: corgarashu, Shutterstock, 2018. O filme O escorpião rei 2: a saga de um guerreiro (MCCORMICK, 2008), apesar de não possuir um compromisso com os fatos históricos, é influenciadopor costumes do mundo antigo, em especial quando menciona os reis Sargão da Acádia e Hamurabi, que aparece em uma das cenas. Esses reis foram dois dos mais responsáveis governantes da Antiguidade oriental. O Código de Hamurabi foi produzido durante o período hegemônico do império babilônico, entre 1800 e 1500 a.C. O fato de esse documento ter sido escrito em uma rocha pode significar a existência de um caráter imutável do conjunto de leis, que posteriormente deu origem ao termo “escrito na pedra”, uma forma comum de se considerar a importância e a imutabilidade de algumas leis. Por outro lado, o motivo de ele ter sido encontrado gravado somente em uma rocha é o fato de que muitas cópias do código escritas em papéis podem ter se perdido, pois se tratam de materiais perecíveis. Ele não foi um projeto de transformação da sociedade, mas sua legislação abordava temas comuns do cotidiano, a partir do reconhecimento de três classes sociais distintas: os homens ricos e os homens livres (Awelum), o povo, representado principalmente pelos funcionários públicos (Mushkenum) e os escravos (Wardum) (PINSKY, 2011). De um lado, os homens ricos possuíam mais privilégios que as demais classes, mas ao mesmo tempo pagavam mais tributos. De outro lado, os escravos nunca deixaram de ser considerados como propriedade e eram punidos mais severamente caso atentassem contra as classes mais privilegiadas. Em relação à escravidão, no império babilônico os escravos não possuíam o mesmo status dos escravos africanos trazidos ao Brasil durante o período colonial, por exemplo: os Wardum tinham alguns direitos garantidos pelo Código de Hamurabi, como a impossibilidade de seu proprietário tornar escravos seus filhos com uma mulher livre (PINSKY, 2011). O código regulava outros aspectos da escravidão, por exemplo: a devolução de um escravo caso esse tivesse adoecido em um determinado período inicial após VOCÊ QUER VER? a compra, a satisfação que deveria ser dada pelo vendedor caso o comprador tivesse alguma reclamação sobre o escravo e a permissão de cortar a orelha do escravo caso ele não reconhecesse seu senhor (BORDONAL, 2009). Em relação ao papel da mulher, ela tinha uma certa independência do marido, poderia administrar o dote que recebia do pai ao casar, escolher outro marido caso esse se torne prisioneiro de guerra e poderia também assumir cargos públicos. Além disso, a mulher que teve filhos, caso eles fossem rejeitados pelo homem, tinha direito à restituição do donativo e ao recebimento de outros bens para que pudesse cuidá-los. Por outro lado, o marido poderia castigá-la caso fosse identificado alguma infidelidade e poderia também, em alguns casos, possuir uma segunda esposa, mas ela não teria os mesmos direitos da primeira (BORDONAL, 2009). Uma importante contribuição do Código de Hamurabi é o desenvolvimento do direito privado, em que havia várias punições para os indivíduos que atentassem contra a propriedade alheia (BORDONAL, 2009). Temos como exemplos: caso alguém tivesse roubado o tesouro de algum templo, deveria ser morto e quem recebeu o objeto também; se alguém tivesse roubado Figura 6 - Os escravos africanos na América eram tratados de forma bem distinta dos escravos do período babilônico. Fonte: joppo, Shutterstock, 2018. algum animal doméstico, teria que pagar uma quantia em retorno e, se não pudesse pagar, seria morto; se alguém tivesse perdido um animal doméstico de outra pessoa, teria que conseguir outro etc. Ainda sobre a propriedade privada, a terra poderia pertencer ao Estado e ao templo sagrado, mas também a indivíduos particulares – nesse caso, seria cultivada a partir de um sistema de posse que incluía rendeiros, colonos e até pessoas que não tinham título regular, mas que ofereciam ao rei serviços em troca da terra. VOCÊ SABIA? O Código de Hamurabi foi um dos primeiros documentos históricos a defender a ideia de que todos são inocentes até que se prove o contrário. Por mais que muitas leis fossem muito severas, os indivíduos que eram acusados de algo teriam o direito de se defender antes de serem punidos. O texto História Antiga (BORDONAL, 2009) apresenta a totalidade do Código de Hamurabi e serve de referência para a leitura e reflexão sobre as leis que eram aplicadas na Antiguidade. A seguir, apresentaremos algumas delas, com o intuito de demonstrar práticas do cotidiano dos indivíduos que viviam no império babilônico durante o reinado de Hamurabi: "Art. 3° - Se alguém em um processo se apresenta como testemunha de acusação e não prova o que disse, se o processo importa perda de vida, ele deverá ser morto." "Art. 15 - Se alguém furta pela porta da cidade um escravo ou uma escrava da Corte ou um escravo ou uma escrava de um liberto, deverá ser morto." "Art. 25 - Se na casa de alguém aparecer um incêndio e aquele que vem apagar lança os olhos sobre a propriedade do dono da casa e toma a propriedade do dono da casa, ele deverá ser lançado no mesmo fogo." "Art. 27 - Se um oficial ou um gregário foi feito prisioneiro na derrota do rei e em seguida o seu campo e o seu horto foram dados a um outro e este deles se apossa, se volta a alcançar a sua aldeia, se lhe deverá restituir o campo e o horto e ele deverá retomá-los." "Art. 33 - Se um oficial superior foge ao serviço e coloca um mercenário em seu lugar no serviço do rei e ele parte, aquele oficial deverá ser morto." "Art. 48 - Se alguém tem um débito a juros, e uma tempestade devasta o seu campo ou destrói a colheita ou por falta d’água não cresce o trigo no campo, ele não deverá nesse ano dar trigo ao credor, deverá modificar sua tábua de contrato e não pagar juros por esse ano." "Art. 55 - Se alguém abre o seu reservatório d’água para irrigar, mas é negligente e a água inunda o campo de seu vizinho, ele deverá restituir o trigo conforme o produzido pelo vizinho." "Art. 130 - Se alguém viola a mulher que ainda não conheceu homem e vive na casa paterna e tem contato com ela e é surpreendido, este homem deverá ser morto, a mulher irá livre." "Art. 142 - Se alguém toma uma mulher e essa não lhe dá filhos e ele pensa em tomar uma concubina, se ele toma uma concubina e a leva para sua casa, esta concubina não deverá ser igual à esposa." "Art. 192 - Se o filho de um dissoluto ou de uma meretriz diz a seu pai adotivo ou a sua mãe adotiva: ‘tu não és meu pai ou minha mãe’, dever- se-á cortar-lhe a língua." Como podemos perceber, foram citados aqui alguns casos que envolvem a aplicação de penas de morte, punições severas ou menos severas, comuns ao longo do Código de Hamurabi. A visualização do texto integral do código se constitui como uma importante fonte de aprendizado sobre as primeiras leis escritas que temos conhecimento do mundo antigo. 4.4. O mito na antiguidade Neste tópico, apresentaremos algumas características do mito, focando em algumas particularidades dos mitos indígenas e sua relação com a história desses povos. Poderíamos utilizar outros exemplos, como a mitologia grega e romana, contudo o objetivo aqui é discutirmos alguns elementos gerais presentes nos mitos, independentemente de sua origem. Qual é a característica principal dos mitos? Eles se configuram somente como histórias sem compromisso com a verdade ou podem ser comparados com outras evidências históricas? Respondermos, ao longo deste tópico, a esses questionamentos apresentando algumas de suas particularidades. Analisando o sentido mais tradicional do mito, podemos considerá-lo como uma história contada sobre os acontecimentos que ocorreram no passado, mas que também fazem parte do presente, relacionados à formação da sociedade, aos costumes ou a outras características culturais existentes entre esses grupos (GOMES, 2009). Esses acontecimentos podem ser caracterizados por histórias mágicas, que misturam diferentes elementos da natureza com elementos sobrenaturais. Sendo assim, essas histórias podem ser compostas por seres humanos, animais, plantas, objetos, espíritos, divindades, entre outros. O mito, no entanto, não deve ser confundido com as lendas,que geralmente têm um caráter mais simplificado e se caracterizam pela existência de relatos folclóricos que são transmitidos oralmente – enquanto ele possui um caráter particular, referente a uma busca das origens, da explicação de fenômenos da natureza ou de determinados aspectos religiosos (GOMES, 2009). Em uma sociedade, em função da maior complexidade do mito em relação à lenda, aqueles que sabem contá-lo com detalhes são reconhecidos e respeitos pelos demais membros do grupo. Algumas lendas conhecidas da história brasileira, por exemplo, são a do boto, do curupira, do lobisomem etc. Assim como o pensamento religioso, o mito foi interpretado pelo evolucionismo cultural como uma das principais características das primeiras fases culturais da humanidade, em que o ser humano seria incapaz de explicar acontecimentos históricos a partir de uma lógica racional (GOMES, 2009). Porém, ao longo do tempo, pesquisadores perceberam que os mitos podem fornecer evidências relevantes sobre o passado de uma sociedade, pois abordam fenômenos e histórias que dizem respeito ao próprio contexto cultural dessas sociedades. Algumas das histórias que originalmente seriam interpretadas como fantasiosas demonstram a existência de relatos coerentes sobre o passado e, além disso, quando comparadas com outras fontes documentais sobre os mesmos grupos, é possível verificar semelhanças entre o mito e a história. Portanto, entendemos que os mitos possuem histórias fantásticas, enredos complexos, ideologias e demais características que parecem irreais, mas que se referem ao próprio comportamento humano dessas sociedades e podem ser utilizadas como fontes de pesquisa. Um exemplo disso são os deuses e heróis da mitologia grega como Aquiles, por exemplo. Não se sabe ao certo se esse personagem de fato existiu, pois é considerado um herói mitológico, um dos participantes da Guerra de Troia e foi o principal personagem da Ilíada, de Homero. Apesar não haver comprovação científica de sua existência, os relatos sobre esse personagem estão relacionados à própria história da Grécia antiga e se constituem como importantes fontes históricas desse período. Aquiles foi um dos mais famosos heróis da mitologia grega. A mais conhecida teoria sobre sua morte postula a ideia de que era invulnerável em todo o corpo, com exceção do calcanhar, que foi atingido por uma flecha envenenada, causando sua morte. Além de Ilíada, ele é citado em obras como: Ifigénia em Áulide, de Eurípedes e Aquilíada, de Estácio, além de retratado em pinturas e objetos materiais, como vasos e esculturas. Ao longo deste tópico, apresentaremos algumas características do pensamento mítico a partir do ponto de vista das populações indígenas da América do Sul. De acordo com elas, o mundo é habitado por diferentes espécies de sujeitos ou pessoas, humanas e não humanas, que o apreendem segundo pontos de vista distintos. Sendo assim, podemos afirmar que a distinção clássica entre natureza e cultura ou entre história e mito (comum na cultura ocidental) não pode ser utilizada para descrever dimensões associadas às cosmologias indígenas, pois o modo como essas populações percebem os animais e outras subjetividades é diferente do modo como nós percebemos esses mesmos elementos. VOCÊ O CONHECE? Para os Nukak da Amazônia colombiana, por exemplo, os mitos estão relacionados até mesmo com a expansão do território, que é considerado a partir de quatro dimensões físicas e uma dimensão mítica, todas percebidas como reais (POLITIS, 2009). Das imediações do acampamento, dos distantes lugares ocupados por ancestrais de gerações passadas, mas que podem ser visitados a qualquer momento, tudo é considerado de um jeito ou outro como seu território: um mais perto e mais conhecido, o outro mais distante e Figura 7 - As populações indígenas possuíam uma forte relação com o mundo mítico. Fonte: Marzolino, Shutterstock, 2018. menos frequentado. Quando a dimensão mítica é confrontada com outras fontes documentais, percebemos que essas fontes corroboram a versão mítica dos Nukak. Outro exemplo surge a partir da experiência dos povos Yanesha, do Peru. Durante dois dias de trabalho de campo com esses grupos, o antropólogo Fernando Santos-Granero percorreu diversos caminhos e observou que, não importasse por onde ele caminhasse ao longo das estradas e trilhas que cruzam o território Yanesha, seu acompanhante, Francisco, conectava diferentes locais ou características da paisagem com eventos passados, quer pessoais, históricos ou míticos, demonstrando que os mitos possuem relações com o mundo real. Coincidentemente, o caráter mítico das histórias contadas por Francisco correspondia às características dos territórios ocupados pelos Yanesha no passado (SANTOS-GRANERO, 2005). A maioria das abordagens sobre a história das populações indígenas utilizadas pela Arqueologia tem tomado os componentes físicos das fontes como os únicos documentos possíveis de utilizar para compreender a história desses povos. Dessa forma, os mitos têm sido negligenciados pelos arqueólogos a partir do argumento de que não podem ser encontrados “empiricamente”. Alguns pesquisadores argumentam, por exemplo, que em alguns casos até tabus alimentares não são incluídos na interpretação dos arqueólogos, pois só existem nos mitos, mesmo quando há outras fontes que comprovem a existência desses tabus. No caso dos Nukak, os tabus são resultados de específicas crenças ideológicas e míticas, que têm uma longa tradição nas sociedades indígenas amazônicas e se configuram como práticas exercidas cotidianamente, isto é, não fazem parte somente do mundo mítico (POLITIS, 2009). A ligação com a esfera sobrenatural afeta fortemente como os povos indígenas concebem, percebem e usam o mundo físico. Natureza e cultura para os povos ameríndios, na maior parte das vezes, são parte de um mesmo campo. Essas cosmologias, então, orientam toda a ação dos grupos indígenas, principalmente em relação às atividades do cotidiano e, consequentemente, influenciam o registro arqueológico. Para demonstrar isso, podemos utilizar alguns exemplos, como os povos Hotï, da Venezuela (STORRIE, 1999 apud POLITIS, 2009): um xamã teve um sonho com o fim do mundo e o anunciou para o povo, provocando pânico e uma migração para o leste na busca da borda do mundo e o caminho para a “casa da morte”. Essa migração ocorreu de verdade e, caso os mitos fossem considerados uma fantasia sem sentido, estaríamos nos afastando da compreensão de alguns processos históricos importantes dessas sociedades. Para os grupos indígenas brasileiros, são os mitos que contam a verdadeira história do mundo. Nesse sentido, eles não seriam somente contos de fantasia ou ficção, e sim a explicação mais coerente sobre a origem do universo, incluindo a explicação de temas como a origem do cosmos, da humanidade, dos animais, da sexualidade, dos espíritos, das atividades de caça, das mulheres, entre outros (FUNARI, 2010). Essas explicações estão relacionadas com as manifestações religiosas e as festas, e não são compreendidas como algo fora do cotidiano das populações indígenas. O livro Terra dos mil povos: a história indígena do Brasil contada por um índio (JECUPÉ, 1998) é indicado para aqueles que desejam compreender a história indígena brasileira a partir de outra perspectiva. Dessa forma, o leitor conhecerá inúmeros aspectos da cultura indígena e como esses povos contam a sua própria história. Em alguns mitos de origem de determinados povos indígenas, por exemplo, aqueles que criaram o universo frequentemente são um par de companheiros ou até irmãos (FUNARI, 2010). Um desses companheiros é o mais preguiçoso, enquanto o outro traz novidades para o ser humano. Um trouxe a humanidade, a agricultura, a água, o fogo e a linguagem, enquanto o outro acrescentou algumas confusões, atrapalhando algumas dessas novidades, transformando os homens em animais que seriam caçados, criando o adultério, entre outros processos. Em várias sociedades, os mitos de criação possuem uma origem similar,em que não há o bem e o mal, e sim a ordem e a criatividade. CASO VOCÊ QUER LER? O Código de Hamurabi foi formado por um conjunto de leis composto por punições rígidas para aqueles que pensavam estar acima da lei e, em alguns casos, essas punições poderiam ser bem severas, ocasionando o sofrimento e a morte daqueles que a infligiram. Uma situação fictícia que poderíamos citar é quando marido e mulher passam a viver juntos após o casamento e, de repente, a mulher passa a trair o marido com outro homem e depois de um tempo acaba cometendo o assassinato do seu marido. Conforme o Código de Hamurabi, qual seria punição para a mulher que cometeu esse crime? As leis criadas por Hamurabi tinham o objetivo de promover a justiça e conter a realização de crimes por parte dessa sociedade. O caso citado se refere ao artigo n° 153 do código, que diz: “Se a mulher de um homem livre tem feito matar seu marido por coisa de outro, se deverá cravá-la em uma estaca”. Trata-se de uma maneira extremamente cruel de castigo, contudo, era assim que os povos babilônicos governados por Hamurabi tratavam esse tipo de crime. Outras leis sobre o tratamento de relações extraconjugais envolviam amarrar e lançar a mulher na água caso ela tenha sido infiel e, caso não tenha sido pega em flagrante, deverá jurar em nome de Deus que não cometeu tal ato. Por fim, as leis criadas por Hamurabi tratavam de assuntos diversos, e as relações extraconjugais eram mais severas quando o crime fosse cometido contra um homem livre, que formava a classe social mais rica do império babilônico. O Código de Hamurabi foi uma das primeiras referências de leis do mundo antigo e influenciou outras civilizações a organizarem a sociedade de maneira similar. Ao longo do tempo, muitas leis que tratam do mesmo assunto se tornaram menos severas e, hoje em dia, são raros os casos que envolvem castigos cruéis como os praticados durante o mundo antigo. Assim como ocorre com a religião, não faz parte da investigação histórica ou antropológica o julgamento sobre os mitos, sejam eles relacionados aos povos mesopotâmicos, egípcios, gregos, romanos, indígenas, entre outros. Além disso, seria uma árdua tarefa apresentar em poucas páginas toda a complexidade existente de mitos. Existem inúmeros exemplos e processos históricos associados a eles, que envolvem a existência de mecanismos políticos, econômicos, culturais, entre outros. Síntese Aprendemos, neste capítulo, vários assuntos ligados à construção da religiosidade e das primeiras leis do mundo antigo e também à formação dos mitos entre as sociedades humanas. Neste capítulo, você teve a oportunidade de: entender os processos que levaram o ser humano a se tornar um ser religioso e criar as primeiras religiões; compreender como a religiosidade passou a considerar cada vez mais o monoteísmo como principal aspecto das religiões; compreender o papel do Código de Hamurabi no contexto de criação da escrita e das primeiras leis da Antiguidade; analisar o papel do mito nas sociedades humanas e a relação que as histórias míticas possuem com a realidade dessas populações. Referências bibliográficas BORDONAL, G. C. História antiga. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2009. BURGIEMAN, D. R.; CAVALCANTE, R.; VERGARA, R. O que está escrito no Alcorão? Revista Superinteressante, São Paulo, 24 fev. 2017. Disponível em: <https://super.abril.com.br/historia/a-palavra-de-deus/ (https://super.abril.com.br/historia/a-palavra-de-deus/)>. Acesso em: 3/2/2018. COULANGES, F. de. A cidade antiga: estudos sobre o culto, o direito e as instituições da Grécia antiga e de Roma. Tradução de Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martin Claret, 2009. FUNARI, P. P. (org.). As religiões que o mundo esqueceu: como egípcios, gregos, celtas, astecas e outros povos cultuavam seus deuses. São Paulo: Contexto, 2010. GOMES, M. P. Antropologia: ciência do homem, filosofia da cultura. São Paulo: Contexto, 2008. JECUPÉ, K. W. A terra dos mil povos: história indígena brasileira contada por um índio. Petrópolis: Vozes, 1998. JOÃO, M. T. D. Tópicos de história antiga oriental. Curitiba: Intersaberes, 2013. LAZEBNIK, P. O príncipe do Egito. Direção: Brenda Chapman; Simon Wells; Stephen Hickner. Produção: Penney Finkelman Cox, Sandra Rabins. 99 min., col., son., leg. Estados Unidos: Paramount Pictures Brasil, 1998. MCCORMICK, R. O escorpião rei 2: a saga de um guerreiro. Direção: Russel Mulcaht. Produção: Stephen Sommers. 91 min., col., son., leg. Alemanha: Universal Pictures, 2008. PINSKY, J. As primeiras civilizações. São Paulo: Contexto, 2011. 25 ed. POLITIS, G. Nukak: ethnoarchaeology of an Amazonian people. Walnut Creek: Left Coast Press, 2009. SANTOS-GRANERO, F. Writing history into the landscape: Yanesha notions of space and territoriality. In: SURRALLÉS, A.; HIERRO, P. G. (ed.). The Land Within: indigenous territory and the perception of environment. Copenhagen: IWGIA, 2005. p. 170-199. https://super.abril.com.br/historia/a-palavra-de-deus/
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