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PROCESSOS INVESTIGATIVOS E ESTRATÉGIAS DE CONTATO EM EDUCAÇÃO INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 1 FUNÇÕES, FINALIDADES E CARACTERÍSTICAS DA AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO 1.1 Avaliação no processo educativo A análise educacional teve origem no século XVII e se tornou inseparável do ensino a partir do século XIX, com a obrigatoriedade da educação. Entretanto, não existe um acordo comum sobre como avaliar e quais são os parâmetros de exigência para o processo de avaliação. Mesmo assim, existem algumas definições desse processo. Conforme Perrenoud (1999, p. 9) enfatiza: Aliar é — cedo ou tarde — criar hierarquias de excelência, em função das quais se decidirão a progressão no curso seguido, a seleção no início do secundário, a orientação para diversos tipos de estudo, a certificação antes da entrada no mercado de trabalho e, frequentemente, a contratação. Avaliar é também privilegiar um modo de estar em aula e no mundo, valorizar formas e normas de excelência, definir um aluno modelo, aplicado e dócil para uns, imaginativo e autônomo para outros. A ausência de acordo em relação à avaliação tem gerado, ao longo do tempo, variações nas práticas avaliativas, que se dividem em duas abordagens: a avaliação somativa, que busca selecionar, e a avaliação formativa, que visa o aprendizado. Entretanto, essas duas abordagens não são as únicas. Na diversidade de práticas educacionais, elas se apresentam de formas distintas. Além disso, as práticas de avaliação são adaptadas ao tipo de pessoa e sociedade que pretendemos formar. Uma avaliação que exige a repetição do que foi ensinado é inadequada para uma educação que visa sensibilizar o público para promover mudanças. Por sua vez, uma avaliação que oportuniza a aprendizagem das pessoas não se coaduna com uma prática voltada para a manutenção da ordem social. 1.2 A avaliação a serviço da seleção Segundo Perrenoud (1999), a avaliação acadêmica tem sido tradicionalmente associada à criação de uma hierarquia de excelência. Os alunos são comparados e classificados de acordo com um padrão predefinido de excelência. Ao longo do ano letivo, os resultados obtidos nos diversos instrumentos de avaliação produzem uma classificação provisória de excelência que contribui para a determinação da classificação final. A previsão da hierarquia é, em última análise, crucial para o desenvolvimento do contrato instrucional entre o professor e o aluno, enquanto permite ao professor ganhar silêncio, atenção e obter a tarefa de alunos que agem por medo do fracasso. Nesse sentido, além de contar ao aluno o que ele sabe ou não, o papel sinaliza para o aluno o que pode acontecer com ele no final do ano letivo (ZABALA, 1998). Uma vez que os alunos são responsáveis por seus próprios resultados, eles devem trabalhar para mudar suas circunstâncias. Se não, já se sabe quais serão as consequências. O professor não se responsabiliza por qualquer tipo de ação relacionada aos resultados. Deve aplicar os instrumentos de avaliação, registar e comunicar os resultados, utilizando-os como instrumentos de controlo do aluno. Como apontou Zabala (1998), a avaliação, nessa visão, é uma das engrenagens da função didática e mais especificamente da seleção e orientação escolar, visando controlar o trabalho dos alunos, ao mesmo tempo, em que gerencia o fluxo. 1.3 A avaliação a serviço das aprendizagens Na década de 1960, a necessidade de as escolas oferecerem oportunidades de aprendizagem para todos começou a permear as discussões internacionais sobre educação. Para atender a essa necessidade, fica claro que o conteúdo, a estratégia e o ritmo devem ser adequados às necessidades do aluno. Nesse cenário, a avaliação começa a se modificar para que se constitua como ferramenta de conciliação entre ensino e aprendizagem (ZABALA, 1998). No Brasil, essas discussões começaram no início dos anos 1980, permitindo que a disseminação de ideias sobre visões avaliativas tomasse forma. O objetivo da avaliação do processo é permitir o ajuste das atividades educacionais para promover a aprendizagem de todos os alunos. Essa avaliação ajuda a fazer um diagnóstico não apenas do desempenho do aluno, mas também da eficácia das atividades educacionais. Um diagnóstico só faz sentido se puder modificar as escolhas feitas para melhorar os resultados. Veja: Uma verdadeira avaliação formativa é necessariamente acompanhada de uma intervenção diferenciada, com o que isso supõe em termos de meios de ensino, de organização dos horários, de organização do grupo de aula, até mesmo de transformações radicais das estruturas escolares (ZABALA, 1998, p. 15). Em síntese, a avaliação do processo faz parte de uma educação mais igualitária e justa que se preocupa em garantir o direito à educação para todos que frequentam a escola. 1.4 O processo avaliativo e o pensamento liberal As correntes pedagógicas liberais têm como princípio fundamental a crença de que a escola deve capacitar os indivíduos para desempenhar funções sociais, de acordo com suas aptidões pessoais. A partir das características que assumiram em diferentes momentos da história da educação brasileira, as correntes pedagógicas liberais foram classificadas em: clássica, renovada progressista, renovada não diretiva e tecnicista. Em alguns períodos, as características de cada corrente se tornaram mais evidentes, e os sinais temporais a seguir visam indicá-los. Entretanto, de modo geral, as características de todas as correntes acabaram se mesclando e, atualmente, elas coexistem no cenário educativo. A corrente pedagógica liberal tradicional, a primeira a ser introduzida, prevaleceu no ensino brasileiro durante o período de 1549 a 1932, iniciando-se com a chegada dos jesuítas ao país. Naquele momento histórico, a educação era vista como responsável por permitir que o aluno alcançasse a realização plena como indivíduo, por meio de seu próprio esforço. As atividades de ensino eram centradas no professor, considerado o detentor absoluto do conhecimento. Os estudantes deveriam receber os conhecimentos transmitidos pelo professor de maneira passiva e repeti-los quando avaliados. Foi a ordem religiosa jesuíta que desenvolveu os testes escolares nos séculos XVI e XVII através do documento chamado Ratio Studiorum. A avaliação na abordagem tradicional é realizada por meio de ferramentas que visam verificar se o estudante é capaz de reproduzir com precisão os conhecimentos ensinados. Se os resultados não forem satisfatórios, a responsabilidade recai sobre o próprio estudante que não se esforçou o suficiente e, portanto, merece ser punido. Durante o período de 1932 a 1969, as correntes pedagógicas renovadas predominaram e foram divididas em progressista e não diretiva. Na pedagogia renovada progressista, a escola tinha como função adaptar as necessidades individuais ao meio social. O papeldo professor era ser um mediador de conhecimentos e experiências, enquanto o aluno era considerado o sujeito da aprendizagem. Nessa perspectiva, a avaliação passou a ter um caráter menos punitivo, reconhecendo os esforços e êxitos dos alunos pelo professor. Na pedagogia liberal não diretiva, o enfoque principal da formação escolar incide sobre as posturas. Tal formação se concentra mais nos aspectos psicológicos do que nos pedagógicos e sociais. Cabe ao docente desenvolver um estilo próprio de trabalho para facilitar a aprendizagem dos alunos, permitindo o desenvolvimento de suas posturas. As práticas avaliativas favorecem a autoavaliação, pela qual os indivíduos conseguem perceber seus progressos, estabelecer objetivos e buscar meios para alcançá-los. Entre 1961 e 1969, surgiu a corrente pedagógica liberal tecnicista que tinha como objetivo a utilização da escola como meio de fomentar o desenvolvimento econômico do país. A partir de 1969, iniciou-se a implementação da educação tecnicista, na qual a escola passou a desempenhar o papel de formar indivíduos com habilidades, atitudes e conhecimentos específicos, para poderem atuar no mercado de trabalho, especialmente na indústria. Era responsabilidade do professor gerenciar e organizar as circunstâncias para transmitir os conteúdos já definidos nos manuais técnicos. Os alunos, por sua vez, deveriam receber esses conhecimentos prontos e reproduzi-los com precisão. As avaliações eram realizadas para verificar o aprendizado dos alunos, com o intuito de reforçar as informações e controlar os comportamentos individuais, conforme os objetivos previamente estabelecidos. 1.5 Práticas avaliativas contemporâneas As técnicas avaliativas modernas partem de uma visão educativa da avaliação, ou seja, os resultados obtidos são utilizados para favorecer o processo de aprendizagem de todos os estudantes. O propósito da avaliação educativa é oferecer provas embasadas e consistentes, a fim de que o docente possa ajudar o aluno em sua trajetória de aprendizado. Os desfechos da verificação não são considerados atribuição única dos estudantes. Esses desfechos também dizem respeito à atuação do professor e, nessa condição, auxiliam na gestão do ensino e no suporte à aprendizagem. Para que a avaliação formativa se efetive, as práticas de avaliação devem ser realizadas em distintos momentos do processo educativo. 1.6 Os diferentes momentos da avaliação Se a avaliação é concebida como um meio de regular as aprendizagens, não é coerente executá-la somente no término do processo de ensino e aprendizagem, quando há escassa oportunidade para revisar as decisões tomadas. Portanto, a avaliação deve ser executada no início, durante e no fim do percurso de aprendizagem. A primeira avaliação tem como propósito averiguar as competências, conhecimentos e habilidades que os alunos já possuem. Além disso, busca identificar o potencial de cada um em aprender e desenvolver novos conhecimentos e habilidades. Essa avaliação é o ponto inicial para identificar os saberes prévios que os alunos trazem para a escola, provenientes de suas interações, vivências e experiências anteriores. A detecção dos saberes previamente adquiridos pelos estudantes é crucial para que se possa adaptar os objetivos, os tópicos e as táticas às suas particularidades e carências. A avaliação preliminar proporciona ao docente a possibilidade de solucionar as seguintes questões: O que os alunos sabem em relação ao que eu quero ensinar? Que experiências já tiveram? O que são capazes de aprender nesse momento e o que eu posso fazer para promover a aprendizagem? Quais são os seus interesses? As informações obtidas a partir da análise dos resultados da avaliação diagnóstica possibilitam que o docente elabore um caminho a ser seguido para assegurar a aprendizagem de todos os discentes. Por exemplo, um professor de uma turma do ciclo de alfabetização, ao receber seus alunos no início do ano letivo, realiza uma atividade de leitura de nomes para identificar os estudantes que já conseguem ler com independência e aqueles que necessitarão de maior apoio. Para tal, ele organiza as crianças sentadas em círculo, no chão, e coloca no centro da roda cartões com os nomes dos alunos, escritos em letras de forma. Posteriormente, solicita às crianças que encontrem, dentre as folhas, o próprio nome. Ele observa o desempenho dos alunos e registra aqueles que conseguiram executar a tarefa sem ajuda, os que precisaram de auxílio e os que não conseguiram cumprir a solicitação. O registro feito será utilizado para planejar as próximas atividades de leitura. Entretanto, o planejamento educacional é, num primeiro momento, hipotético e, portanto, deve ser acompanhado para garantir sua eficácia para todos os estudantes. Para monitorar a evolução dos alunos durante todo o processo de ensino e aprendizagem, o professor deve utilizar diversas ferramentas de avaliação. A análise realizada durante o processo é denominada por Zabala (1998) de avaliação reguladora ou formativa. Segundo o escritor, essa avaliação é formativa porque visa mudar as táticas empregadas e o progresso constante do estudante avaliado. Em resumo, a avaliação deve ser um meio de ensino que informa e avalia a evolução de aprendizagem do estudante. A partir dela, o professor pode apresentar ao aluno, constantemente, as sugestões educativas mais apropriadas. Imagina-se que o objetivo do professor seja ensinar aos alunos problemas de adição com e sem reagrupamento. Nesse sentido, ele já realizou uma avaliação diagnóstica para verificar se todos os alunos dominam a resolução de problemas de adição sem reagrupamento. Com base nessa avaliação, o professor planeja os materiais e situações-problema que serão utilizados em sala de aula. Durante todo o processo, é fundamental para o professor garantir que todos os alunos estejam compreendendo o novo conteúdo. Para isso, ele pode utilizar estratégias como listas de problemas, solicitando que os alunos resolvam os cálculos na lousa ou expliquem oralmente como chegaram às suas respostas. Dessa forma, o professor busca promover a participação ativa e o entendimento dos alunos ao longo das atividades de aprendizagem. Durante todas essas etapas, o professor está constantemente acompanhando o desempenho dos alunos e coletando informações para seu planejamento. Conforme surgem novas demandas e necessidades de aprendizagem, ele pode ajustar suas estratégias e materiais de acordo. Ao final de um período específico, quando um tema ou conjunto de objetivos é concluído, é essencial verificar se as metas de aprendizagem foram alcançadas por todos os alunos. Essa avaliação, denominada por Zabala (1998) como avaliação final ou integradora, permite ao professor utilizar diferentes instrumentos de avaliação, como provas, exercícios, produções escritas, seminários, entre outros, para garantir que os objetivos tenham sido efetivamente cumpridos. A avaliação final formativa pretende proporcionar uma visão abrangente do percurso do aluno, combinando o conhecimento adquirido ao longo do processo de aprendizagem. Ela fornece um panorama completo, partindo dos conhecimentos iniciais identificados pela avaliação inicial, destacando a trajetória seguida pelo aluno, as medidas específicas adotadas e o resultado alcançado. Com base nesses elementos, a avaliação final subsidia a elaboração de previsões e orientações sobre as ações necessárias para o contínuo aprendizado do aluno, visando garantir o progresso e o êxito no processo de aprendizagem. A fim de garantir que todos os alunos alcancem os objetivos estabelecidos, é de suma importância que o professor tenha conhecimento dos processos de aprendizagem e dos resultados individuais, além da eficácia das estratégias pedagógicas adotadas. Por meio de práticas avaliativas realizadasem diferentes momentos, busca-se aprimorar as ações educativas. Esse aperfeiçoamento é essencial para que cada aluno desenvolva seu máximo potencial de competências, de acordo com suas reais possibilidades. 2 AVALIAÇÃO ESCOLAR NO BRASIL No ambiente escolar, o conceito de avaliação tem sido frequentemente associado à realização de provas, exames, atribuição de notas, repetição ou promoção de ano. Essa abordagem reduz a educação a uma mera transmissão e memorização de informações prontas, enquanto o estudante é visto como um receptor passivo. Por esses e outros motivos, a prática avaliativa nas escolas tem sido amplamente debatida e estudada, revelando-se um assunto singular e delicado. Gatti (1987, p.1) destaca a complexidade desse tema ao afirmar: "Falar sobre avaliação é criar uma situação de ameaça. Será uma questão cultural? Será uma associação com situações negativas? Será uma questão política? Há muito a ser explorado nesse campo". Em primeiro lugar, é importante compreender quais concepções estão vinculadas às práticas avaliativas dentro da escola. Para isso, iremos analisar a trajetória do ensino no Brasil e como os testes e avaliações foram desenvolvidos. A cultura avaliativa não surge do nada, ela é construída ao longo do tempo, por meio de uma complexa rede de significados que permeia essa prática consolidada no meio escolar e acadêmico. É importante ressaltar que estudos de natureza histórica evidenciam a presença de práticas avaliativas desde os primórdios da humanidade e na antiguidade, como rituais de poder e seleção. No entanto, a concepção de avaliação como sinônimo de provas e exames no contexto brasileiro remonta a 1599, quando foi introduzida pelos jesuítas. Esse período marca o início da educação no Brasil, conhecido como período jesuítico (1549-1590). De acordo com Bello (2001, p. 2), "A educação indígena foi interrompida com a chegada dos jesuítas". O autor afirma que os primeiros sacerdotes desembarcaram em março de 1549, liderados pelo Padre Manoel de Nóbrega, e logo estabeleceram a primeira escola elementar brasileira, seguindo os moldes europeus. No Brasil, o primeiro mestre a exercer a função de professor foi o jovem irmão Vicente Rodrigues, que começou sua carreira aos 21 anos e a desempenhou por 50 anos, atuando tanto como professor quanto como ministro em prol da fé católica e do trabalho educativo. Os jesuítas logo perceberam que seria fundamental que os indígenas soubessem ler e escrever para serem catequizados com sucesso. Assim, além de trazerem os valores morais, costumes e religiosidade europeus, os jesuítas também introduziram métodos pedagógicos. Orientada pelo Ratio Studiorum, a pedagogia jesuítica enfatizava a memorização e dava grande importância à retórica, à redação, à leitura dos clássicos e às artes cênicas. Xavier (1994) relata que os alunos vivenciavam constantemente a emulação e os castigos físicos, sendo punidos ou recompensados de acordo com sua disciplina e desempenho escolar, o que pressupõe a existência de um sistema de avaliação para classificação. O professor era considerado detentor de todo o conhecimento e o único responsável pela transmissão dos conteúdos, cabendo aos alunos obedecê-lo em todas as circunstâncias, como destaca Luckesi (2002, p. 22): Os jesuítas (século XVI), nas normas para a orientação dos estudos escolásticos, seja de classes inferiores ou nas superiores, ainda que definissem com rigor os procedimentos a serem levados em conta, num ensino eficiente, tinham uma atenção especial com o ritual das provas e exames. Eram solenes essas ocasiões, seja pela constituição das bancas examinadoras e procedimentos de exames, seja pela comunicação pública dos resultados, seja pela emulação ou pelo vitupério daí decorrente. Os jesuítas estiveram presentes no Brasil por um período de 210 anos, de 1549 a 1759. No entanto, após sua partida, ocorreram poucas mudanças significativas no campo pedagógico no país durante os períodos do Império e da República, na sociedade colonial. Em 1759, ocorreu um marco na história da educação brasileira com a promulgação das "reformas pombalinas da instrução pública". Essas reformas receberam esse nome devido ao Marquês de Pombal, que era o primeiro ministro do Rei de Portugal, D. José I. Esse período educacional brasileiro é conhecido como Período Pombalino e se estendeu até meados de 1808. O Marquês de Pombal tinha como objetivo recuperar a economia por meio de uma concentração do poder real e modernizar a cultura portuguesa e suas colônias. No entanto, a reforma educacional empreendida por Pombal não foi motivada por um espírito libertador e igualitário. Foi impulsionada pela necessidade de preencher o vazio deixado pela expulsão dos jesuítas e de preparar indivíduos capacitados para assumir cargos de liderança no Estado absolutista. Segundo Haidar (1973), as reformas pombalinas representaram uma ruptura com a predominância das ideias religiosas e, com base em princípios seculares inspirados no Iluminismo, estabeleceram a primazia do Estado no campo da instrução. O ensino passou a ser influenciado pela pedagogia tradicional secular, embora devamos destacar que o Estado português ainda estava vinculado ao estatuto do padroado, mantendo uma estreita ligação com a Igreja Católica. Nesse contexto, a substituição da orientação jesuítica não ocorreu necessariamente por meio de ideias formuladas por pensadores seculares, ou pelo menos desvinculadas do ambiente religioso. Em vez disso, uma nova abordagem, também de natureza católica, foi desenvolvida por padres de outras ordens religiosas, com destaque para os oratorianos. A reforma pedagógica introduzida pelas reformas pombalinas foi a das "aulas régias", que consistiam em disciplinas isoladas ministradas por um professor nomeado e remunerado pela coroa portuguesa, por meio dos recursos do "subsídio literário" estabelecido em 1772. As "aulas régias" permaneceram no Brasil até 1834. Ainda segundo Haidar (1973, p.38), ao expulsar os jesuítas e assumir oficialmente a responsabilidade pela instrução pública, Pombal não apenas buscava reformar o sistema e os métodos educacionais, mas também utilizá-los para promover os interesses políticos do Estado. Além disso, como aponta Bello (2001), os professores enfrentavam grandes desafios, sendo muitas vezes "improvisados e mal remunerados". Geralmente, eram nomeados por indicação de bispos e se tornavam proprietários vitalícios de suas "aulas régias". No entanto, devido aos interesses do Estado, essa política educacional acabou tendo pouco impacto positivo no ensino, e não houve alterações significativas no uso de provas e exames como forma de avaliar o conhecimento dos alunos, no sentido de "medir" seu desempenho. Durante o período entre 1808 e 1821, conhecido como Período Joanino, a família real portuguesa chegou ao Brasil acompanhada por cerca de dez mil pessoas, incluindo súditos e a escolta britânica. D. João VI, com o objetivo de garantir a segurança e o conforto da corte, implementou várias mudanças no país. Entre elas, destacam-se a abertura das Academias Militares, Escolas de Direito e Medicina, o Jardim Botânico, a Biblioteca Real e, especialmente relevante para os habitantes da época, a criação da Imprensa Régia. Conforme mencionado por Bello (2001, p. 4): O surgimento da imprensa permitiu que os fatos e as ideias fossem divulgados e discutidos no meio da população letrada, preparando terreno propício para as questões políticas que permearam o período seguinte da História do Brasil. Durante o período joanino, várias mudanças ocorreram na administração, fazendo com que o Brasil deixasse de ser uma colônia e se tornasse Reino Unido, o que posteriormente resultou no retorno de D. João a Portugal. Com receio de perder o poder, Dom João VI designou seu filho, D. Pedro I, como prínciperegente do Brasil. No Período Imperial (1822-1888), o foco do governo estava voltado para o poder e a acumulação de riquezas, o que relegava a educação a um segundo plano. Enquanto os portos se expandiam, as escolas eram escassas em quantidade e o ensino seguia os padrões tradicionais de separação entre os que possuíam conhecimento e os que não possuíam. Durante o período de transição do Império para a República, o país passou por grandes transformações na economia e na política. A expansão da indústria cafeeira, a construção de portos, ferrovias e redes telegráficas, além do início do crescimento industrial, abriram novos caminhos para a educação no Brasil. Durante o período conhecido como Primeira República, que abrange os anos de 1889 a 1929, o Brasil passou por diversas transformações. De acordo com Ghiraldelli Jr. (1990, p.16), ocorreram mudanças significativas na sociedade brasileira por volta de 1890, marcando uma transição do modelo econômico agrário exportador para um modelo urbano, comercial e exportador. Foi nessa época que o país viveu um período de otimismo e um interesse crescente pela educação, como destacado pelo autor: [...] devido ao advento da República, assim como a urbanização do país, foram fatores decisivos para a criação de novas necessidades para a população, o que possibilitou que a escolarização aparecesse como meta almejada pelas famílias que viam nas carreiras burocráticas e intelectuais um caminho mais promissor para seus filhos (GHIRALDELLI JR., 1990, p.16). No mesmo período, a educação assume o controle das escolas públicas, suprimindo o poder clerical e atribuindo ao Estado a responsabilidade pela sua gestão. Após a declaração da Independência do Brasil, Dom Pedro I promulgou a primeira Constituição Brasileira, que incluía o artigo 179, estabelecendo que a instrução primária fosse gratuita para todos os cidadãos. Influenciada pelo positivismo, a escola passou a disseminar uma visão de mundo e da sociedade de acordo com os interesses burgueses, buscando assim consolidar a burguesia industrial como classe dominante. No entanto, segundo Bello (2001, p.17), as diversas reformas implementadas nesse período não alcançaram efetivamente as melhorias desejadas na educação e afirma: A Reforma Rivadávia Corrêa, de 1911, pretendeu que o curso secundário se tornasse formador do cidadão e não como simples promotor a um nível seguinte. Retomando a orientação positivista, prega a liberdade de ensino, entendendo-se como a possibilidade de oferta de ensino que não seja por escolas oficiais, e de frequência. Além disso, prega ainda a abolição do diploma em troca de um certificado de assistência e aproveitamento e transfere os exames de admissão ao ensino superior para as faculdades. Os resultados desta Reforma foram desastrosos para a educação brasileira. Ainda segundo Bello (2001), a década de 1920 foi um período de intensas transformações no cenário político brasileiro, com uma série de acontecimentos que influenciaram significativamente as políticas adotadas no país. Nesse contexto, ocorreram eventos marcantes, tais como o Movimento dos 18 do Forte em 1922, a Semana de Arte Moderna em 1922, a fundação do Partido Comunista em 1922, a Revolta Tenentista em 1924 e a Coluna Prestes entre 1924 e 1927. Esses movimentos trouxeram consigo novas ideias, perspectivas e atores para o campo político brasileiro, desafiando e questionando as estruturas tradicionais. No âmbito educacional, durante esse período, diversas reformas de abrangência estadual foram implementadas, visando melhorar a qualidade e o acesso à educação. Destacam-se as reformas de Lourenço Filho no Ceará em 1923, de Anísio Teixeira na Bahia em 1925, de Francisco Campos e Mario Casassanta em Minas Gerais em 1927, de Fernando de Azevedo no Distrito Federal (atual Rio de Janeiro) em 1928 e de Carneiro Leão em Pernambuco também em 1928. Essas reformas representaram esforços para reestruturar os sistemas educacionais locais, modernizando métodos de ensino, promovendo a universalização do acesso à educação e buscando uma formação mais ampla e crítica dos estudantes. É importante ressaltar que o pensamento positivista exerceu uma grande influência no ambiente acadêmico desse período. As ideias positivistas, baseadas na crença no progresso, na ciência e no papel central da educação na transformação da sociedade, contribuíram para a construção de uma imagem do professor como detentor do conhecimento e responsável pela transmissão dos valores e ideais da época. Conforme apontado por Perrenoud (1999), a avaliação assume um papel crucial como uma arma de controle e poder nas mãos do professor. Nessa perspectiva, ela se torna um mecanismo que pode influenciar diretamente o silêncio e a disciplina dos estudantes. O autor destaca os efeitos da avaliação como um instrumento de controle e seleção, ressaltando o descaso em relação àqueles que não alcançam o sucesso determinado pelo professor. Sob essa ótica, para o autor: A escola não se sentia responsável pelas aprendizagens, limitava-se a oferecer a todos a oportunidade de aprender: cabia a cada um aproveitá-la! A noção de desigualdade de oportunidades, não significou até um período recente, nada além disto: que cada um tenha acesso ao ensino, sem entraves geográficos ou financeiros, sem inquietação com seu sexo ou sua condição de origem (PERRENOUD, 1999, p. 14). No período de 1930 a 1945, conhecido como Segunda República e Estado Novo, houve um questionamento da didática tradicional, o que desencadeou um movimento de reorganização da educação e o surgimento do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, que propunha a reconstrução social da escola. Esse período foi marcado pelo equilíbrio entre as influências da concepção humana tradicional e da abordagem humanista moderna. Durante esse tempo, as leis orgânicas do ensino eram reguladas por decretos-leis, posteriormente consolidados na Reforma Capanema. Essa reforma estabeleceu diretrizes para o ensino primário, secundário, industrial, comercial, normal e agrícola. Além disso, foram criados órgãos importantes, como o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), o Instituto Nacional do Livro, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC). De acordo com Ghiraldelli Jr. (1990, p. 83), "a criação dessas instituições e a implementação da Reforma Capanema delinearam um sistema educacional para o país, que até então não existia". Durante o Estado Novo, pode-se observar a continuidade de um sistema educacional excludente, baseado em critérios diferenciados. Com a necessidade de formar mão-de-obra técnica, o governo oficializou o dualismo educacional, como destacado por Ghiraldelli Jr. (1990, p. 84), que consistia na "organização de um sistema de ensino dividido, com um ensino secundário público destinado às elites dominantes e um ensino profissionalizante voltado para as classes populares". Ghiraldelli Jr. (1990, p. 87) também enfatiza que o sistema educacional estava impregnado de concepções autoritárias, e a própria legislação evidenciava que a escola tinha o papel de contribuir para a classificação dos indivíduos, determinando quem teria acesso à cultura e quem seriam os líderes e os liderados. O autor descreve o processo de classificação, realizado por meio de testes rigorosos, afirmando que: [...] o ensino secundário era exigente, seu currículo tinha um caráter enciclopédico e um sistema de provas e exames em excesso. Além disso, aliados à rigidez, estavam presentes dispositivos para mantê-lo alinhado com a ideologia autoritária do regime. A lei aconselhava a não adoção da co-educação dos sexos, além de instruir a educação militar para os meninos, com diretrizes fixadas pelo Ministério da Guerra. A limitação imposta pelo governona educação era a mesma tanto para conservadores quanto para defensores da Escola Nova, e os moldes inflexíveis determinavam o processo de aquisição de conteúdo pelos alunos, no contexto dos conflitos educacionais que acompanhavam os movimentos e confrontos políticos da ditadura. Nesse sentido, adotava-se o modelo de avaliação como meio de mensurar o conhecimento e identificar aqueles que haviam adquirido ou não os conteúdos transmitidos. Essa distorção na prática de avaliação, que se resume a uma mera verificação de quem sabe ou não, está estreitamente ligada a uma compreensão fragmentada do processo de ensino-aprendizagem e a uma visão limitada da educação como uma fonte emancipatória para o indivíduo. Muitos educadores ainda encaram a ação educacional como uma combinação de partes independentes, como a aula expositiva, a disciplina, a avaliação e a recuperação. A avaliação é vista como um elemento autônomo, mas de grande importância. Ainda é possível encontrar diversas instituições e professores que supervalorizam as notas, utilizando-as como recompensa ou punição. Afirma Luckesi (2006, p.76), ao ponderar sobre a atribuição de notas como um meio classificatório, que: O ato de avaliar importa coleta, análise e síntese dos dados que configuram o objeto da avaliação, acrescido de uma atribuição de valor ou qualidade, que se processa a partir da comparação da configuração do objeto avaliado como um determinado padrão de qualidade previamente estabelecido para aquele tipo de objeto. O valor ou qualidade atribuídos ao objeto, ato ou curso de ação, a partir do valor ou qualidade atribuídos, conduz a uma decisão nova, a uma ação nova: manter o objeto como está ou atuar sobre ele. O escolanovismo foi a corrente que mais cresceu naquele momento, enquanto os educadores conquistaram seu espaço, mesmo que de forma limitada ao período ditatorial e além das questões da educação. Em relação a esta questão Ghiraldelli (1990, p.93) afirma que: É correto dizer, portanto, que boa parte do pensamento educacional e pedagógico brasileiro consubstanciou-se no escolanovismo e, portanto, nos postulados liberais que, em tese, diziam lhe dar sustentação. É portanto, muito útil, para entendermos a evolução da pedagogia no Novo Estado e, para compreendermos a própria Pedagogia Nova, atentarmos para a postura dos expoentes de tal corrente a respeito da ditadura varguista. Inicia-se um novo momento na história do Brasil, chamado período de redemocratização (1945-1947), com o fim do Estado Novo em 29 de outubro de 1945. Os vanguardistas, cheios de anseios e planos para uma nova educação brasileira, tiveram que esperar pelo nascimento da democracia e vislumbravam um novo modelo de avaliação, no qual as ideias libertárias fariam sentido para todos os alunos. Toda uma agitação ideológica ganhou as ruas e revigorou a sociedade brasileira, com o crescimento do movimento popular e a formação de partidos, além das eleições para a 29ª presidência. Nas palavras de Ghiraldelli Jr. (1990, p.107): Em pouco tempo os comitês passaram a não só desenvolver o trabalho de agitação em favor das eleições para a Assembleia Nacional Constituinte, mas também se transformaram em associações de bairros dispostas a reivindicarem melhorias urbanas como esgoto, calçamento, parques infantis, escolas etc. No âmbito da Educação os comitês envolveram o Partido Comunista, pela primeira vez em sua história, com a realização organizada de cursos de alfabetização de adultos e crianças e de ‘cursos técnicos populares’. Em 1947, estava tudo por se fazer, pois o trabalho de alfabetização era visto apenas como um meio para o crescimento do eleitorado. A população exigia mais escolas, os professores reivindicavam melhores condições de trabalho e os alunos reclamavam das precárias condições de ensino. Foi nesse contexto que teve início a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1946, que só seria concluída em 1961. No entanto, a Lei 4024/61, também conhecida como LDB/61, resultante do trabalho de dois grupos com orientações políticas diferentes, não atendeu às expectativas e necessidades educacionais. A lei era ineficaz e pouco mudou após sua implementação. Quanto à avaliação, não havia menção alguma sobre o assunto nesse documento. As principais mudanças trazidas pela LDB/61 foram a possibilidade de acesso ao ensino superior para os formados em cursos técnicos e a criação do Conselho Federal de Educação e dos Conselhos Estaduais, estabelecendo um esquema de controle rígido do sistema educacional brasileiro. Logo após sua promulgação, a LDB/61 ganhou uma conotação de obsolescência devido à demora para sua aprovação. Em seguida, surgiram outras ações no campo das políticas educacionais públicas, desta vez inseridas no contexto político dominado pelos militares. Por exemplo, em 1968, foi promulgada a Lei 5540/68, que instituiu o vestibular, e em 1971, foi criada a Lei 5692/71, também conhecida como LDB/71, com o objetivo de atualizar a antiga LDB/61. Essa nova lei foi resultado do trabalho de membros do governo indicados pelo então Ministro da Educação, Coronel Jarbas Passarinho. Na Lei 5692/71, pode-se observar um avanço em relação à importância dada à avaliação, no entanto, fica evidente seu uso como meio de avaliar o conhecimento do aluno e decidir se ele é promovido ou não. Dessa forma, a LDB/71 define os seguintes critérios para a avaliação escolar (BRASIL, 1971): Art. 14 – A verificação do rendimento escolar ficará, na forma regimental, a cargo dos estabelecimentos, compreendendo a avaliação do aproveitamento e a apuração da assiduidade. § 1.º - Na avaliação do aproveitamento, a ser expressa em notas ou menções, preponderarão os aspectos qualitativos sobre os resultados quantitativos e os resultados obtidos durante o período letivo sobre os da prova final, caso esta seja exigida. § 2.º - O aluno de aproveitamento insuficiente poderá obter aprovação mediante estudos de recuperação proporcionados obrigatoriamente pelo estabelecimento. § 3º [...] § 4.º - Verificadas as necessárias condições, os sistemas de ensino poderão admitir a adoção de critérios que permitam avanços progressivos dos alunos pela conjugação dos elementos de idade e aproveitamento. Uma nova Lei de Diretrizes e Bases, intitulada Lei 9394/96 ou LDB/96, foi projetada em 1988 e sancionada em 1996 como continuidade das políticas educacionais. Seu objetivo era reestruturar o sistema educacional brasileiro, estabelecendo regulamentações abrangentes nas áreas de formação de professores, gestão escolar e currículo. Essa lei foi o resultado de debates realizados ao longo de oito anos, envolvendo duas propostas distintas. Por um lado, havia discussões abertas com a sociedade, que defendiam uma maior participação da sociedade civil nos mecanismos de controle do sistema de ensino. Por outro lado, havia articulações entre o Senado e o Ministério da Educação (MEC), sem a participação popular, que defendiam um poder mais centralizado sobre a educação. No final, a proposta que prevaleceu foi a que defendia um controle mais centralizado, mesmo sem a participação popular, na "disputa" de ideias. A LDB/96, considerada a lei educacional mais importante do Brasil, trouxe modificações nas denominações do sistema de ensino. Agora, o sistema envolve a educação básica, que abrange a educação infantil (até 6 anos), o ensino fundamental (8 séries do antigo primário) e o ensino médio (3 séries), além do ensino técnico, que agora é obrigatoriamente separado do ensino médio, e o ensino superior. Essa lei fundamenta as ações subsequentes do governo no campo educacional, que serão discutidas a seguir, como os Parâmetros Curriculares Nacionais - Ensino Médio (PCNEM) e as Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. No que diz respeito à avaliação, a Lei de Diretrizes e Bases/1996 aborda o processoavaliativo no Art. 24, inciso V, que estabelece a verificação do rendimento escolar, considerando os seguintes critérios (BRASIL, 1996): a) Avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais: b) Possibilidade de aceleração de estudos para alunos com atraso escolar; c) Possibilidade de avanços nos cursos e nas séries mediante verificação do aprendizado; d) Aproveitamento de estudos concluídos; e) Obrigatoriedade de estudo de recuperação, de preferência paralelos ao período letivo, para os casos de baixo rendimento escolar a serem disciplinados pelas instituições de ensino em seu regimento. A Lei é explícita ao definir a avaliação como um processo contínuo, no qual o aluno tem a oportunidade de acumular os resultados obtidos ao longo do período letivo e, especialmente, ao longo de sua vida. A avaliação não é vista como um meio de classificação, mas sim como um instrumento para diagnosticar deficiências que precisam ser corrigidas. Ela não é definitiva, pois implica em uma ação seguida de uma nova avaliação para verificar as mudanças implementadas. 3 SISTEMA NACIONAL DE AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA (SAEB) 3.1 O que é o SAEB? Conforme Araújo e Lúzio (2005), o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) desempenha um papel fundamental na avaliação externa da qualidade do ensino no Brasil, sendo reconhecido como um dos sistemas mais avançados e abrangentes da América Latina. O SAEB foi concebido e implementado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), uma autarquia vinculada ao Ministério da Educação, e desde 1990 tem realizado avaliações em larga escala na educação básica. Essas avaliações têm contribuído para o monitoramento e aperfeiçoamento do sistema educacional, fornecendo dados e indicadores importantes para o desenvolvimento de políticas e práticas educacionais mais eficazes. 3.2 Aspectos históricos d o SAEB No início, as avaliações do SAEB eram realizadas de forma bienal, contemplando uma amostra representativa de alunos matriculados nas etapas finais do ensino fundamental e médio, tanto em escolas públicas quanto privadas. Essas avaliações forneciam dados abrangentes sobre a qualidade dos sistemas educacionais em âmbito nacional, regional e estadual. No entanto, segundo Pestana (1998), embora o SAEB fosse uma ferramenta importante para gestores e para o planejamento educacional do país, sua aplicação não refletia de maneira significativa nas escolas, sendo insuficiente para retratar a realidade escolar. Com isso, o impacto direto do SAEB no cotidiano escolar era limitado. Em 2005, a partir da necessidade de tornar a avaliação mais detalhada, em complemento à avaliação já feita pelo SAEB foi criada a Prova Brasil. Por ser censitária, esta avaliação expande o alcance dos resultados, e segundo os documentos oficiais, oferece dados não apenas para o Brasil e unidades da Federação, mas também para cada município e escola participante. A Prova Brasil avalia todos os estudantes da rede pública urbana de ensino, de 4ª e 8ª séries do ensino fundamental. 3.3 Histórico do SAEB Em 1990, o SAEB deu início ao seu primeiro ciclo, abrangendo uma amostra de escolas que ofereciam as séries iniciais do Ensino Fundamental (1ª, 3ª, 5ª e 7ª séries) na rede pública urbana. De acordo com Pestana (1998), o Ministério da Educação (MEC) coordenou todo o processo, enquanto as secretarias estaduais de educação foram responsáveis pela aplicação dos testes e questionários. Os alunos foram avaliados em Língua Portuguesa, Matemática e Ciências, sendo que, nas séries de 5ª e 7ª, também foram incluídas avaliações de redação. Esse modelo de avaliação permaneceu até a edição de 1993. Conforme a autora, em 1995, o SAEB passou por uma avaliação externa, o que resultou em mudanças metodológicas significativas no sistema de avaliação. A principal alteração foi em relação ao público avaliado, que foi restrito às séries finais dos ciclos. Com essa modificação, o SAEB passou a examinar conteúdos que abrangiam praticamente todo o cronograma proposto para a Educação Básica no país. Essa mudança buscou uma avaliação mais abrangente e representativa dos conhecimentos e habilidades adquiridos pelos alunos ao longo de sua formação educacional. Outra mudança significativa foi a adoção de uma nova metodologia para a construção das avaliações e análise dos resultados, a Teoria de Resposta ao Item (TRI). Essa abordagem permitiu a comparação dos resultados ao longo do tempo e entre diferentes séries, uma vez que a unidade de análise passou a ser o item da prova, em vez da prova completa ou do aluno individualmente. Anteriormente, eram aplicadas provas clássicas com cerca de 30 questões sobre conteúdos específicos. Atualmente, com o uso da TRI e uma técnica de balanceamento de conteúdos, o SAEB utiliza aproximadamente 150 questões em cada disciplina avaliada, embora cada aluno responda apenas entre 30 e 35 questões. Os resultados analisados com base na TRI permitem a comparação e a colocação desses resultados em uma escala única de desempenho. Conforme destacam Araújo e Lúzio (2005, p. 35), "é possível avaliar o nível médio de desempenho dos alunos nas áreas selecionadas, mesmo que eles tenham respondido a conjuntos diferentes de itens". A partir de 1995, o SAEB expandiu sua aplicação para todas as redes de ensino, tanto públicas quanto privadas, em todas as unidades da Federação. Nos ciclos de 1997 e 1999, os alunos das 4ª e 8ª séries foram avaliados em Língua Portuguesa, Matemática e Ciências, enquanto os alunos do 3º ano do Ensino Médio realizaram os testes em Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia, Física, Química e Biologia. A partir de 2001, o SAEB passou a avaliar apenas Língua Portuguesa e Matemática. Em 2005, o SAEB passou por uma reestruturação e foi dividido em duas avaliações: a Avaliação Nacional da Educação Básica (ANEB) e a Avaliação do Rendimento Escolar (ANRESC), que ficou conhecida como Prova Brasil. Essa nova configuração permitiu uma análise mais detalhada do desempenho dos alunos e contribuiu para o aprimoramento da qualidade da educação no país. Segundo o INEP (2009), o SAEB continua realizando avaliações de forma amostral, seguindo critérios estatísticos, para avaliar as redes públicas e privadas por meio da ANEB, que agora tem um foco na gestão da educação básica. Essa avaliação amostral permite uma análise abrangente do sistema educacional. Por outro lado, a Prova Brasil é realizada de forma censitária, abrangendo todas as escolas que possuem uma quantidade mínima de alunos nas séries finais de cada ciclo, atualmente 5º e 9º ano do Ensino Fundamental e 3º ano do Ensino Médio. Seu objetivo é gerar resultados individuais por escola e município. Desde 2007, as duas avaliações passaram a ser operacionalizadas em conjunto, utilizando a mesma metodologia. Isso possibilita uma visão ampla e consistente do desempenho dos alunos e do sistema educacional na totalidade. Na edição de 2005, o número mínimo de alunos por turma na última etapa dos anos iniciais ou finais era de 30 estudantes, e a partir da edição de 2007 esse número foi reduzido para 20 alunos por série. Nessa edição, a Prova Brasil foi aplicada aos alunos do final de cada ciclo do Ensino Fundamental, ou seja, 5º e 9º ano, com testes de Língua Portuguesa e Matemática, visando avaliar a habilidade de leitura e resolução de problemas. A partir dos anos de 2007, 2009 e 2011, as escolas rurais que possuíam o mínimo de 20 alunos matriculados nas séries finais de cada ciclo do Ensino Fundamental passaram a participar da Prova Brasil. A partir dessa edição, a Prova Brasil passou a ser realizada em conjunto com a aplicação amostral da ANEB,utilizando os mesmos instrumentos de avaliação. No contexto brasileiro, as avaliações em larga escala ganharam destaque a partir da década de 90, seguindo uma tendência internacional. Com a ampliação do acesso à escola, surgiram questionamentos sobre a qualidade do ensino oferecido, especialmente diante dos altos índices de evasão e reprovação. O Brasil também participou de conferências internacionais que ressaltaram a importância do acesso a uma educação de qualidade. Um exemplo disso foi a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em 1990, na cidade de Jomtien, Tailândia. Nesse evento, foi produzido um documento intitulado "Declaração Mundial sobre Educação para Todos: Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem", que reafirmou a educação como um direito de todos e a necessidade de melhorar a qualidade educacional. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei 9.394/1996 (LDB) estabelece, em seu inciso IX do artigo 4º, que o Estado tem o dever de garantir padrões mínimos de qualidade de ensino na educação escolar pública. Embora o conceito de "qualidade" não seja explicitado nos documentos, a busca por ela se tornou uma justificativa para a implementação de políticas de avaliação pelo Estado. Essas políticas visam conhecer e medir os resultados dos alunos, qualificar programas e serviços, além de avaliar todo o sistema educacional. Desde 1990, as avaliações externas se tornaram uma parte consolidada da cultura educacional brasileira, realizadas a cada dois anos. Atualmente, essas avaliações são aplicadas nos 3º, 5º e 9º anos do Ensino Fundamental, bem como no 3º ano do Ensino Médio, abrangendo as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática. Segundo os documentos oficiais, o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) visa principal realizar um diagnóstico do sistema educacional brasileiro, identificando fatores que possam influenciar o desempenho dos alunos e fornecendo indicativos sobre a qualidade do ensino oferecido. As informações obtidas têm a finalidade de subsidiar a formulação, reformulação e monitoramento de políticas educacionais, visando à melhoria da qualidade, equidade e eficiência do ensino. Em 2013, conforme a Portaria n. 482/2013, foi estabelecida a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), integrada ao SAEB. A ANA faz parte do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), um acordo formal entre o Governo Federal, estados, municípios e entidades, que estabelece o compromisso de alfabetizar crianças até, no máximo, 8 anos, ao final do ciclo de alfabetização (BRASIL, 2012). A proposta apresentada tem caráter piloto e será reflexiva, desenvolvida e testada em 2013, para ser aprimorada e consolidada em 2015. Nesse contexto, a matriz desenvolvida refere-se exclusivamente ao 9º ano do ensino fundamental, sendo aplicada como piloto ao final desse ciclo. As matrizes para o 5º ano e para a 3ª ano do ensino médio serão elaboradas posteriormente, após a análise dos resultados da aplicação piloto, a fim de servirem como parâmetro para a construção e revisão das demais matrizes do SAEB. Da mesma forma, para a 3ª série do ensino médio, sendo que a matriz do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) servirá como referência para a aplicação experimental de 2013. O SAEB atual, passou por um processo de validação pública para garantir sua efetividade e relevância. Nesse processo, foi reconhecido que a inclusão da disciplina de ciências na avaliação é um elemento importante para uma avaliação mais abrangente e completa da qualidade da educação. No entanto, essa inclusão precisa estar alinhada aos objetivos estabelecidos para o SAEB, que visam fornecer informações relevantes sobre o desempenho dos alunos e a qualidade do ensino. Dentre os objetivos do SAEB, destacam-se (LACERDA, 2011): Realizar um diagnóstico do sistema educacional brasileiro: o SAEB busca fornecer uma análise abrangente do desempenho dos alunos em diferentes disciplinas, incluindo ciências, a fim de identificar pontos fortes e fracos do sistema educacional. Avaliar fatores que podem interferir no desempenho do aluno: além de avaliar o conhecimento dos alunos em ciências, o SAEB também busca identificar fatores que podem influenciar seu desempenho, como a infraestrutura das escolas, recursos pedagógicos disponíveis, formação dos professores, entre outros. Fornecer indicativos sobre a qualidade do ensino oferecido: ao incluir ciências na avaliação, o SAEB busca avaliar a eficácia do ensino nessa disciplina e fornecer informações sobre a qualidade do ensino de ciências nas escolas brasileiras. Contribuir para a formulação e reformulação de políticas educacionais: os resultados do SAEB são utilizados como subsídios para a formulação e reformulação de políticas educacionais, visando a melhoria da qualidade, equidade e eficiência do ensino no país Ao considerar os dois últimos objetivos mencionados, é importante ressaltar que o SAEB não procura gerar resultados individuais dos estudantes, mas sim fornecer informações relevantes para as unidades escolares e as redes de ensino em que eles estão inseridos. Os resultados da avaliação adquirem significado quando analisados a partir das unidades mínimas de agregação, como escolas (no caso da Prova Brasil), redes e sistemas educacionais. É nesse contexto que se torna possível avaliar a qualidade e a equidade educacional. Embora a avaliação em larga escala seja uma realidade em nosso país, ainda há espaço para aprimoramentos que visem a obtenção de resultados mais efetivos. O diagnóstico por si só não é suficiente para promover mudanças significativas em uma determinada situação. Apesar dos avanços que o Brasil tem feito na coleta de dados e nos sistemas de avaliação, é necessário construir mecanismos que permitam a utilização dos resultados por parte de gestores, professores e, principalmente, governantes, de modo a melhorar a qualidade do ensino oferecido (GATTI, 2012). A realidade no Brasil revela um cenário em que milhões de crianças e jovens enfrentam desânimo, frustração e abandono escolar ano após ano. Isso nos leva a refletir sobre os significados presentes na avaliação, que merecem ser considerados em dimensões amplas e diversificadas, refletindo a complexidade da subjetividade dos atores envolvidos: tanto aqueles que avaliam quanto os avaliados. O processo de avaliação é influenciado pelas relações sociais estabelecidas dentro e fora do contexto escolar. A análise evidencia que o Brasil acumula uma experiência considerável em processos de avaliação em larga escala, revelando a complexidade das diversas etapas envolvidas. Isso abrange a qualidade dos instrumentos utilizados, as estratégias e situações empregadas para obter informações sobre o aprendizado dos estudantes, bem como os métodos utilizados para interpretar o desempenho. Desde a criação do SAEB em 1990, o INEP tem produzido indicadores sobre o sistema educacional brasileiro. Alguns desses indicadores apontam para problemas graves na eficiência do ensino oferecido pelas redes de escolas brasileiras, como os baixos desempenhos em leitura e na compreensão de conceitos básicos de matemática. Diante dessa realidade, o governo federal, assim como vários governos estaduais e municipais, tem se empenhado em reverter essa situação. Nesse sentido, a adoção da Teoria de Resposta ao Item (TRI) para a construção de bancos de itens calibrados e de escalas de proficiência comparáveis ao longo do tempo tem proporcionado inferências relevantes sobre as aprendizagens dos estudantes e a análise da eficácia das ações implementadas para melhorar a qualidade do ensino. A solidez com que o SAEB foi desenvolvido influenciou a escolha de metodologias semelhantes para outros processos, como o ENEM, Prova Brasil, Provinha Brasil, entre outros, abrindo também possibilidadesfuturas para acompanhar longitudinalmente o desempenho dos alunos e interpretar as escalas de proficiência. Apesar dos avanços alcançados ao longo dos anos, ainda existem muitos obstáculos a serem superados, especialmente em um país marcado por profundas desigualdades no que se refere à formação, acesso à cultura, educação e uso de novas tecnologias. Isso ressalta a necessidade cada vez maior de realizar uma avaliação consistente com os desafios curriculares da educação contemporânea e desenvolver metodologias de ensino que efetivamente abordem a possibilidade de uma mudança qualitativa. 4 CONCEPÇÃO DE AVALIAÇÃO PROPOSTA NA LDB/96 4.1 A contraposição à avaliação classificatória Ao longo da história da educação brasileira, a avaliação escolar foi realizada por muitos anos com o único propósito de classificação. Gatti (2002, p. 2) afirma que: Como nossas escolas emergiram sob a égide da preparação de elites, a avaliação seletiva no cotidiano escolar firmou-se, por centenas de anos, como cultura preponderante. Mesmo em momentos nos quais aparecem propósitos de democratização das escolas e os primeiros debates sobre a expansão do sistema de ensino, a cultura que dá forma aos processos avaliativos na escola é a que tem como referência critérios altamente seletivos. De acordo com Gatti (2002), historicamente, o sistema educacional utilizou os professores como ferramentas de reprodução das disparidades sociais. Nesse contexto, a avaliação, cujo objetivo era classificar os alunos, tornou-se mais uma questão política do que pedagógica. Ao invés de se concentrarem na aprendizagem e no conhecimento, os professores se preocupavam em selecionar os melhores alunos e adaptá-los ao sistema. No entanto, a partir da década de 60, a seletividade da avaliação começou a ser questionada, quando muitos alunos buscaram ingressar no ensino superior, mas foi impedido pelos vestibulares. Embora os processos de avaliação tenham sido alvo de questionamentos na época, havia poucos estudiosos dedicados ao assunto. Somente na década de 80, diante da necessidade de coletar dados sobre o desempenho dos alunos e os fatores relacionados ao seu rendimento escolar, o Ministério da Educação organizou uma oficina de trabalho com um grupo de educadores para debater essa questão. A partir desse evento, a avaliação passou a receber uma abordagem renovada. A necessidade de um novo enfoque na avaliação escolar é evidenciada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996. Essa lei destaca a importância de uma avaliação contínua e cumulativa, na qual os instrumentos e formas de avaliação devem priorizar uma visão abrangente dos conteúdos estudados, permitindo ao aluno utilizar as competências adquiridas em etapas anteriores. As alíneas b e c do inciso V do artigo 24 da LDB/96 apontam que a avaliação deve estar voltada para a promoção, não para a retenção, oferecendo ao aluno a oportunidade de demonstrar seus conhecimentos e possibilitando seu progresso. Desde a década de 60, os pesquisadores debatem a importância de uma avaliação não classificatória, e a LDB/96 regulamentou esse conceito. A avaliação é considerada um processo contínuo e não seletivo, inseparável da prática histórica do ser humano. Seu objetivo é julgar para orientar ações mais adequadas em relação aos objetivos a serem alcançados. Um aspecto relevante a ser mencionado é o impacto do sistema de avaliação classificatória no controle do conhecimento. Isso faz com que os alunos se dediquem apenas às provas, buscando responder corretamente a questões que nem sempre compreendem plenamente. Além disso, as perguntas muitas vezes são mal formuladas e permitem interpretações diversas. O processo de construção do conhecimento, que envolve a gradual aquisição de saberes, acaba sendo negligenciado nesse contexto. O professor se concentra em situações isoladas que enfatizam a memorização, enquanto o aluno é instruído a seguir normas preestabelecidas e reproduzir, no momento exato, o conteúdo apresentado pelo professor. As respostas são classificadas como certas ou erradas de acordo com critérios estabelecidos pelo docente, o que reduz o aluno a um mero reprodutor e não o considera um sujeito ativo na construção de seu próprio conhecimento. Por outro lado, a avaliação deve ser um instrumento que permita ao professor se envolver ativamente no processo educacional do aluno, estar atento às suas necessidades e fornecer subsídios para que ele alcance o sucesso. Em uma perspectiva diferente, avaliar implica em criar oportunidades para ação e reflexão, por meio de um acompanhamento constante realizado pelo professor. Esse acompanhamento visa estimular o aluno a investigar novas questões, enfrentar problemas e buscar soluções. Assim, a avaliação deixa de ser um momento final no processo de ensino-aprendizagem e se torna um processo contínuo, que busca compreender as dificuldades do aluno e oferecer novas oportunidades para adquirir conhecimento. Nesse contexto, Abreu e Masetto (2005, p. 23) afirmam que a avaliação deve ser: Estar relacionada com a aprendizagem; ser pensada, planejada e realizada de forma coerente e consequentemente com os objetivos propostos para aprendizagem; ser contínua, para acompanhar o processo de aprendizagem; permitir um contínuo reiniciar do processo de aprendizagem; estar voltado para o desempenho do aluno; incidir, também, sobre o professor e o plano de ensino; exigir observação e registro por parte do professor e do aluno; conter tanto a avaliação feita por outros, como autoavaliação. A concepção de avaliação está intrinsecamente ligada à concepção de aprendizagem. Dessa forma, é possível utilizar diferentes modalidades de avaliação em um mesmo processo, dependendo das necessidades e concepções do avaliador. É relevante ressaltar que como ocorre a aprendizagem influencia diretamente a maneira como a avaliação é realizada. Conforme Fischer (2010, p. 44), a compreensão do processo de aprendizagem determina o modo de avaliá-lo, pois: Quando não se possui dúvida alguma acerca de “como o aluno aprende”, igualmente não se tem dúvida sobre como avaliá-lo. Ou seja, se acreditamos que o aluno aprende de tanto ouvir, de tanto ver, ou de tanto repetir, também acreditamos que ele mostra aprender ou reproduzir o que viu ou ouviu. [...] Ainda hoje, muitos sistemas avaliativos são baseados em testes, cujas questões exigem que o respondente prove a quantidade do seu saber. Observa-se, segundo Fischer (2010, p. 45), que as novas concepções acerca do processo de ensino-aprendizagem impactam a nossa compreensão sobre o ato de aprender e avaliar. Ao reconhecer a constante interação entre sujeito e objeto na construção do conhecimento, a escola percebe que esse processo é tão ou até mais significativo que o resultado. Diante de todas essas questões e perspectivas, é compreensível que a avaliação ultrapasse a mera atribuição de notas em testes ou provas, sendo um processo muito mais abrangente e complexo. Ela está implicitamente presente tanto na aprendizagem do aluno quanto, na prática do professor, manifestando- se de diversas maneiras e em distintas circunstâncias. Dependendo das concepções do avaliador e do contexto em questão, a avaliação educacional pode ter finalidades diversas, que podem ser conflitantes ou convergentes. Em um mesmo processo avaliativo, é possível empregar diferentes abordagens de avaliação, cada uma embasada em seus próprios princípios e metas. 4.2 Avaliação classificatória Segundo Luckesi (2005, p. 16), a prática atual de avaliação escolar estabeleceu a classificação como principal função da avaliação, em vez do diagnóstico, como seria adequado. Dessa forma, o propósito de identificar as dificuldades de aprendizagem dos alunos por meio da avaliação acaba sendo negligenciado, restringindo-se apenas à atribuição de notas e à classificaçãodos alunos como abaixo ou acima da média. Consequentemente, a avaliação não cumpre seu verdadeiro papel e os resultados que ela gera não contribuem de forma intrínseca para melhorar a situação do aluno. O modelo de avaliação classificatória tem sido alvo de críticas, especialmente porque seu uso distorcido na escola acarreta empobrecimento no processo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, o texto de Luckesi (2005, p. 16) nos alerta: Em avaliação da aprendizagem, necessitamos de aprender a olhar nosso educando como um todo e, então, aprenderemos que a qualidade de um ato, cognitivo, afetivo ou psicomotor, tem a ver com seu refinamento, com seu aprofundamento e foi isso que o legislador quis nos dizer quando colocou na lei que, “na aferição do aproveitamento escolar, deve levar em conta a qualidade sobre a quantidade”. A avaliação não deve ser encarada como um procedimento isolado, mas sim como parte integrante do processo de formação do aluno. É essencial incorporar a avaliação nas discussões relacionadas ao ensino-aprendizagem, mesmo que, em muitas ocasiões, esteja permeada por práticas conservadoras que promovem exclusão e classificação. Ao longo da história da Educação, ocorre uma transição gradual do tradicionalismo das avaliações rígidas para um processo mais elaborado, que reconhece o aluno como sujeito tanto do conhecimento produzido quanto do conhecimento adquirido. Nesse contexto, a avaliação também se concentra, principalmente, na prática docente, explorando suas qualidades e deficiências, o que leva a uma reflexão sobre os aspectos que precisam ser aprimorados. A avaliação, quando concebida como problematização, questionamento e reflexão sobre a prática educativa, desempenha um papel fundamental no processo de ensino-aprendizagem, sendo inseparável dele. Segundo Gadotti (1988), educar implica agir como sujeito, problematizando o mundo em busca de superar contradições e se comprometer com a constante reconstrução desse mundo. Dessa forma, a avaliação se transforma em reflexão e ação, impulsionando novas reflexões. É dever do educador refletir de forma contínua sobre sua realidade e acompanhar de perto o aluno na construção do conhecimento. Ao avaliar na escola, o professor precisa adotar uma perspectiva construtiva do conhecimento. Hoffmann (1996) propõe duas premissas básicas para a avaliação nessa abordagem: a) é fundamental, ao avaliar na escola, confiar na habilidade do aluno em construir suas próprias verdades; e b) valorizar suas expressões e interesses. Na abordagem de construção do conhecimento, a avaliação adota uma nova perspectiva em relação ao erro e à dúvida. Ao invés de considerá-los como sinais de fracasso e falta de conhecimento, eles são vistos como elementos significativos para o progresso educacional. Os erros e dúvidas dos alunos permitem ao professor observar e investigar como eles constroem suas próprias verdades e se posicionam diante do mundo. Conforme destacado por Vasconcelos (2005), é fundamental fazer uma distinção entre avaliação e nota. A avaliação é um processo que envolve uma reflexão crítica sobre a prática educacional, permitindo a identificação de avanços, dificuldades e a busca por soluções para superar obstáculos. Por outro lado, a atribuição de notas, seja por meio de números ou conceitos, é uma exigência do sistema educacional, mas não deve ser confundida com a avaliação em si. A avaliação é uma componente essencial do processo de ensino- aprendizagem e, por isso, requer uma análise contínua. Ao longo da história, ela tem sido vinculada à aprovação ou reprovação, sendo responsável por selecionar os estudantes aptos ou não aptos. Em muitas instituições de ensino, as avaliações ainda consistem em provas e exames que não estão diretamente relacionados ao processo de aprendizagem, o que suscita questionamentos sobre o verdadeiro significado da avaliação e como essa prática pode assegurar uma educação de qualidade para o aluno. 4.3 Avaliação diagnóstica Perrenoud (1999, p. 151) destaca que a avaliação desempenha um papel fundamental ao permitir que o professor verifique os resultados obtidos e embase suas decisões visando alcançar bons desempenhos. No entanto, quando a avaliação é realizada de forma isolada do processo de ensino, com o único propósito de atribuir notas e conceitos, os alunos envolvidos nesse contexto tendem a enfrentar dificuldades na escola. Sem um caráter diagnóstico, a avaliação perde seu objetivo de promover a aprendizagem e o desenvolvimento do aluno, resultando em uma falta de contribuição para seu crescimento. Como afirma Perrenoud (1999, p. 151): Toda avaliação formativa baseia-se na aposta bastante otimista de que o aluno quer aprende e deseja ajuda para isso, isto é, que está pronto para revelar suas dúvidas, suas lacunas, suas dificuldades de compreensão da tarefa. [...] Quanto mais perto do ensino secundário, mais a avaliação formativa acha-se em ruptura com as estratégias habituais dos alunos e exige um tipo de revolução cultural, baseada em confiança recíproca e uma cultura comum que tornam a transparência possível. Avaliação é uma estratégia pedagógica essencial no combate ao fracasso escolar, quando empregada em prol das aprendizagens. Seu propósito é verificar o alcance dos conteúdos propostos pelo professor ao longo do processo de ensino-aprendizagem. Desse modo, busca fornecer retroalimentação tanto ao professor quanto ao aluno durante o desenvolvimento do processo educativo. Assim, possibilita a correção de falhas, a dissipação de dúvidas e o estímulo à continuidade do trabalho em direção aos objetivos estabelecidos. Além disso, a avaliação oferece informações aos professores sobre o desenvolvimento do trabalho, a adequação de métodos e materiais, a comunicação com o aluno e a linguagem utilizada. Identificar o que foi aprendido ou não, por meio da avaliação diagnóstica, é uma forma de auxiliar o professor na retomada dos conteúdos não assimilados pelo aluno. Essa prática possibilita o replanejamento das ações, suprindo as necessidades e alcançando os objetivos estabelecidos. Além disso, a avaliação diagnóstica também realiza uma sondagem dos conhecimentos e experiências prévias do aluno, bem como identifica os pré-requisitos necessários para a aquisição de novos conhecimentos. Desse modo, ela permite a identificação de progressos e dificuldades tanto dos alunos quanto dos professores em relação aos objetivos propostos. Gil (2006, p. 247) destaca a importância da avaliação diagnóstica ao afirmar que: Constitui-se num levantamento das capacidades dos estudantes em relação aos conteúdo a serem abordados, com essa avaliação, busca-se identificar as aptidões iniciais, necessidades e interesses dos estudantes com vistas a determinar os conteúdos e as estratégias de ensino mais adequadas. Para conhecer melhor o saber que o aluno possui, é fundamental considerar a avaliação inicial ou diagnóstica. Essa avaliação promove um acompanhamento constante da aprendizagem, permitindo-nos perceber o desenvolvimento do aluno, suas conquistas e dificuldades, uma vez que tem um caráter processual. Com base nas constatações obtidas, é necessário criar, redimensionar ou implementar o plano de trabalho docente, visando garantir que o conhecimento se torne uma parte integrante das aquisições do aluno. 4.4 Avaliação Formativa A avaliação formativa, cujo objetivo é promover a melhoria contínua do aluno avaliado, é uma abordagem da avaliação. Nessa perspectiva, a avaliação é vista como um instrumento educativo que informa e valoriza o processo de aprendizagem do aluno, oferecendo propostas educacionais mais adequadas em todos os momentos. A avaliação envolve fazer julgamentos valorativos, analisando e qualificando a realidade, desde ações complexas até as mais simples. É uma prática humana que permite observaro ambiente e buscar alcançar uma situação próxima do ideal esperado, seja modificando-o ou preservando-o. O erro, dentro do contexto da avaliação, deve ser encarado como uma oportunidade de aprendizado, como um guia que aponta novas direções e abre possibilidades para o estudante. De acordo com Luckesi (2005), a avaliação da aprendizagem deveria ser um apoio para a qualificação do processo vivenciado pelo aluno, auxiliando-o a alcançar seus objetivos. A avaliação não deveria ser uma fonte de decisões punitivas, mas uma fonte de decisões sobre os caminhos para um crescimento saudável e feliz. De acordo com Perrenoud (1999) e Luckesi (1995), a avaliação, nessa perspectiva, é entendida como uma avaliação qualitativa fundamentada em informações relevantes, que orienta a tomada de decisões e as ações voltadas para o desenvolvimento da aprendizagem. A avaliação formativa tem como principal objetivo promover o aprendizado dos alunos, desencadeando, observando e interpretando as suas aprendizagens. 5 CONCEPÇÃO DE AVALIAÇÃO PROPOSTA NA LDB/96 5.1 Avaliação mediadora Jussara Hoffmann apresenta a avaliação mediadora como uma abordagem avaliativa que se assemelha à concepção de avaliação em favor da aprendizagem defendida por Perrenoud (1999), Luckesi (1995) e outros pesquisadores. Essa modalidade avaliativa proposta por Hoffmann visa promover uma educação de qualidade, reconhecendo o aluno como sujeito ativo de sua aprendizagem. Ao contrário do modelo tradicional de avaliação baseado em transmitir, verificar e registrar, a abordagem proposta por Hoffmann é reflexiva e desafiadora. Nesse contexto, o educador estimula a troca de ideias entre ele e seus alunos, buscando a produção de conhecimento enriquecido por meio da compreensão dos fenômenos estudados. Em relação à avaliação, Hoffmann (2011, p. 14) nos convida a refletir sobre três questões fundamentais, propondo uma transição da avaliação voltada para classificação, seleção e seriação para uma avaliação voltada para a aprendizagem do aluno, formação, promoção e cidadania. 1. O sistema de avaliação tradicional, classificatório, assegura um ensino de qualidade? 2. A manutenção das provas e notas é garantia do efetivo acompanhamento dos alunos no seu processo de aprendizagem? 3. O sucesso de um aluno na escola tradicional representa o seu desenvolvimento máximo possível? Hoffmann (2011, p. 18) nos alerta sobre o papel classificatório e elitista assumido pelas escolas, em detrimento de uma "falsa qualidade", ao avaliarem para reter ou promover, sem permitir que o aluno demonstre sua capacidade. A autora ressalta que a escola está inserida em uma sociedade marcada por violência, miséria, epidemias e instabilidade econômica e política. Para alcançar o desenvolvimento, é necessária uma educação igualitária que acolha os filhos dessa geração em conflito e os projete, conscientes de seu papel em uma possível transformação. Se desde cedo essa criança for considerada um futuro impossível, ela não terá a oportunidade justa de mostrar o quanto podemos contar com ela. Hoffmann (2011) propõe a avaliação mediadora, que busca acompanhar o aluno para promover seu desenvolvimento. Nessa abordagem, o professor orienta o aluno nas tarefas, oferece novas leituras ou explicações, sugere investigações e proporciona vivências enriquecedoras que contribuem para a ampliação do conhecimento. Por outro lado, Hoffmann (1996) destaca que muitos professores entendem e praticam a educação e a avaliação como momentos separados e não interligados. Ao não reconhecer a importância da avaliação no processo de aprendizagem, os professores, mesmo ao tentarem inovar, simplesmente entregam o conteúdo, aplicam uma prova escrita e atribuem uma nota, encerrando o ato da avaliação. Ao considerar a nota como o único objetivo, o professor revela que não compreende que a avaliação é apenas um dos vários momentos de coleta de dados que devem ocorrer ao longo do processo de ensino-aprendizagem. Esses momentos fornecem informações valiosas para realizar uma avaliação justa e embasar a tomada de decisões em relação ao trabalho pedagógico e ao progresso do aluno. Infelizmente, o aluno acaba sendo rotulado como "fraco" ou "competente", sem considerar seu potencial de desenvolvimento. Assim, Hoffmann (1996, p.57) afirma: Se o aluno é considerado um receptor passivo dos conteúdos que o docente sistematiza, suas falhas, seus argumentos incompletos e inconsistentes não são considerados senão algo indesejável e digno de um dado de reprovação. Contrariamente, se introduzimos a problemática do erro numa perspectiva dialógica e construtivista, então o erro é fecundo e positivo, um elemento fundamental à produção de conhecimento pelo ser humano. [...] Refletir a respeito da produção de conhecimento do aluno para encaminhá-lo à superação, ao enriquecimento do saber significa desenvolver uma ação avaliativa mediadora. Segundo Hoffmann (1996, p. 56), a concepção de avaliação que permeia a relação entre professores e alunos é aquela que envolve o julgamento de valor dos resultados obtidos. No contexto do processo educacional, os vínculos estabelecidos entre professor e aluno conferem à avaliação um papel crucial, conforme destacado pela autora: A avaliação, enquanto relação dialógica, vai conceber o conhecimento como Apropriação do saber pelo aluno e também pelo professor, como ação-reflexão-ação que se passa na sala de aula em direção a um saber aprimorado, enriquecido, carregado de significados, de compreensão. Dessa forma, a avaliação passa a exigir do professor uma relação epistemológica com o aluno - uma conexão entendida como reflexão aprofundada a respeito das formas como se dá a compreensão do educando sobre o objeto do conhecimento. Na mesma obra, Hoffmann (1996) destaca que, para implementar essa abordagem avaliativa, é necessário que o professor possua uma compreensão abrangente e aprofundada de sua disciplina, de modo a estabelecer conexões entre as suposições formuladas pelo aluno e a base científica do conhecimento. Nessa perspectiva a autora acrescenta, na mesma obra: Minhas investigações sobre avaliação sugerem fortemente que a contradição entre o discurso e a prática de alguns educadores e, principalmente, a ação classificatória e autoritária, exercida pela maioria, encontra explicação na concepção de avaliação do educador, reflexo de sua estória de vida como aluno e professor. [...] Temos de desvendar contradições e equívocos teóricos dessa prática, construindo um “resignificado” para a avaliação e desmistificando-a de fantasmas de um passado ainda muito em voga. (HOFFMANN, 1996, p.12). Hoffmann (2011) destaca que a avaliação desempenha um papel fundamental na observação contínua da aprendizagem, permitindo a implementação de ações educativas efetivas para melhorar a condição do aluno. É essencial que a avaliação acompanhe o processo de aprendizagem, servindo como uma ferramenta auxiliar para o professor avaliar o progresso do aluno e refletir sobre seu próprio trabalho em relação ao que foi proposto. Além de mensurar o aprendizado do aluno, a avaliação, se encarada como prática pedagógica, deve também ser usada para avaliar o desempenho do professor e avaliar o trabalho conjunto de ambos. Para Hoffmann (2011), a avaliação mediadora é um elemento indispensável para identificar falhas no processo de ensino-aprendizagem e alcançar o objetivo principal, o desenvolvimento integral do aluno. 5.2 Avaliação contínua e cumulativa A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 (LDB/96) estabelece a importância da verificação do rendimento escolar, destacando a necessidade de os professores adotarem critérios de avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, priorizando os aspectos qualitativos em relação aos quantitativos e os resultados ao longo do período em relação às eventuaisprovas finais (Art. 24, V). Os aspectos avaliados não se resumem apenas a notas, mas sim a registros que acompanham as atividades dos alunos. A avaliação contínua e cumulativa serve como um lembrete para todos os professores de que nenhuma avaliação deve ser baseada apenas no período bimestral, trimestral ou semestral. Ela deve ser resultado de um acompanhamento diário, transparente e negociado entre o professor e o aluno, sendo, portanto, de natureza diagnóstica. Ou seja, caso seja constatada a não assimilação de conhecimentos durante o processo de avaliação, medidas são tomadas para superar as limitações na aprendizagem. A nota, quando atribuída, resulta de um processo de aprendizagem no qual professor e aluno estabelecem um acordo de convivência e definem a avaliação como satisfatória ou insatisfatória. Em essência, a avaliação contínua e cumulativa existe para nos convencer de que uma nota não deriva exclusivamente de uma eventual prova mensal, bimestral ou semestral. Nesse caso, uma avaliação insatisfatória não implica em reprovação, mas sim indica a necessidade de promoção ou retomada do aprendizado. Considerando que a função cumulativa da avaliação tem o objetivo de fornecer uma medida, que pode ser expressa em forma de nota ou conceito, sobre o desempenho do aluno, entendemos que ela deve ocorrer ao final de cada unidade de ensino, ao final de cada bimestre ou no encerramento do ano letivo. Isso ocorre porque essa avaliação proporciona um diálogo mais objetivo entre os professores e seus alunos. Recomenda-se, portanto, que fique bem claro o valor atribuído às provas, testes, trabalhos e pesquisas dentro dessa abordagem avaliativa. Esses elementos são utilizados como instrumentos na avaliação para coletar informações e estabelecer medidas, mas não devem ser considerados o processo final de avaliação. É aconselhável que o professor utilize diferentes instrumentos ao longo do processo avaliativo, em suas diversas funções, considerando que alguns alunos podem enfrentar maiores dificuldades com determinados instrumentos. E sobre isso Antunes (2002, p.17) afirma: Acreditamos que uma avaliação do rendimento escolar pode ser considerada eficiente quando produto de uma observação contínua ao longo período escolar e não somente concentrada nos momentos de provas e exames. [...] Somente um “leque” de múltiplos componentes pode o professor, como verdadeiro juiz, proferir um criterioso veredicto. 5.3 Avaliação externa e em larga escala Na realidade, além das novas perspectivas sobre a avaliação da aprendizagem que não possui caráter classificatório, como mencionado anteriormente, observamos uma tendência recente de adoção do modelo de avaliação classificatória, que tem ganhado espaço na educação brasileira, impulsionada pelas políticas educacionais. Essa tendência se manifesta por meio das avaliações externas e em larga escala realizadas em nossas escolas. A avaliação externa refere-se ao processo em que instituições escolares públicas e privadas são inseridas com o intuito de avaliar e identificar possíveis falhas, buscando aprimorar a qualidade do ensino (WERLE, 2010, p. 23). Na prática, essa modalidade de avaliação representa o uso da abordagem classificatória para diagnosticar o desempenho dos alunos das escolas brasileiras, fornecendo um indicativo da qualidade do ensino no país. Durante muito tempo, a educação no Brasil careceu de uma metodologia que possibilitasse uma avaliação sistemática da qualidade das práticas educativas e das instituições escolares. Conforme destacado por Gatti (2002), foi na década de 80, com a necessidade de avaliar os resultados do Projeto Edurural, que se iniciou uma abordagem mais abrangente de avaliação de programas educacionais. Essa abordagem tinha como objetivo avaliar não apenas o desempenho acadêmico, mas também outros aspectos como gestão, infraestrutura, corpo docente, envolvimento das famílias, entre outros. Gatti (2002, p. 24) faz uma declaração a respeito dessa avaliação: Com metodologia clara e bem definida durante a coleta e análise do material, mostrou-se o que se poderia fazer com estudos dessa natureza, na direção de propugnar uma escola mais condizente com as necessidades das populações menos favorecidas socialmente. O cuidado com as interpretações, com clareza dos limites de significação dos dados, tendo presentes os pressupostos sobre os quais se assentava o modelo avaliativo, ofereceu uma oportunidade para, a partir de uma ação direta, formar pessoas e pensar a área criticamente. Foram estabelecidas várias instâncias de avaliação da educação, abrangendo diferentes níveis de ensino, como: Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), tem como propósito identificar prioridades e aprimorar a qualidade do ensino, oferecendo dados sobre a qualidade, equidade e eficiência da educação no país. Ele desempenha um papel fundamental no acompanhamento das políticas educacionais brasileiras; Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) é um exame direcionado aos estudantes que estão prestes a concluir ou já concluíram o ensino médio. Conforme o artigo 9º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, é responsabilidade da União autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar os cursos oferecidos pelas instituições de ensino superior; Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) no âmbito do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior - SINAES, o exame é um dos mecanismos utilizados para acompanhar o progresso da aprendizagem e o desempenho acadêmico dos estudantes em relação aos conteúdos estabelecidos nas diretrizes curriculares do curso de graduação correspondente. Uma das propostas das avaliações institucionais, realizadas pelo governo, é buscar constantemente a melhoria do ensino, refletindo de maneira clara os compromissos com a sociedade. Na avaliação institucional, se pode abordar diversas questões, como estrutura, organização, funcionamento e expectativas. A constituição de sistemas de avaliação é considerada um dos aspectos centrais de uma política educacional em diversos países, incluindo o Brasil. No entanto, é importante destacar as advertências de Afonso (2009), Werle (2011), Sordi (2012) e Gatti (2012) sobre os riscos de uma avaliação externa que priorize mais o resultado do que o processo em si. Depois da década de 80, de acordo com Afonso (2009), o governo iniciou um processo de "gerenciamento" da educação, conhecido como "Estado avaliador". Segundo o autor, o governo passou a incorporar a lógica do mercado, importando modelos de gestão privada para o setor público, com ênfase nos resultados ou produtos dos sistemas educacionais. Na perspectiva do Estado avaliador, as avaliações em larga escala realizadas pelo governo nas instituições educacionais adquiriram uma função estratégica de controle sobre as atividades educativas. Sordi (2012) afirma que esses mecanismos de regulação externa sobre a escola "afetam a autonomia da instituição na definição de seus próprios caminhos". A autora também nos alerta que a cultura de avaliação perpetua um ciclo vicioso de descredito e desmotivação entre os atores da escola diante do fenômeno avaliatório. O fortalecimento das avaliações externas, segundo os autores mencionados, está relacionado ao pensamento gerencialista que orienta as escolas a demonstrarem eficiência e eficácia no uso dos recursos disponíveis. “A meta acaba sendo melhorar os índices, o que necessariamente não implica melhorias nas aprendizagens dos estudantes” (SORDI 2012, p.4). Gatti (2012, p. 2) nos chama a atenção para a busca por melhores resultados nas avaliações externas: No caso do Brasil, a busca pela qualidade do ensino, equacionada nos termos de suas avaliações externas, ocorre principalmente no interior das redes públicas de ensino, [...] e a tendência das ações implementadasé a de assumir um caráter meramente supletivo e compensatório. Werle (2011) questiona se as avaliações externas vinculadas ao rankeamento de escolas, à liberação de recursos e à ênfase na "transparência" para a sociedade estariam associadas a concepções mercadológicas do governo. Ela levanta essa questão, afirmando: "É importante refletir sobre os efeitos dessas práticas avaliativas e sobre como elas podem impactar a qualidade do ensino e o desenvolvimento das escolas". Assim a autora afirma: Pode-se levantar a hipótese de que as políticas de avaliação não estejam presentes no cenário educacional brasileiro simplesmente para produzir comparações e emulação, mas para responder a estratégias gerencialistas de modernização e racionalização voltadas para resultados (WERLE, 2011, p.790). Sordi (2012, p. 12) nos convida a refletir sobre a necessidade de avaliar a educação como um bem público, contestando os modelos avaliativos centralizados e distantes do contexto das escolas. Ela ressalta que questionar esses modelos não implicam desprezar a avaliação e sua dimensão formativa. Além disso, a exigência de prestação de contas por parte das escolas, demonstrando capacidade de desenvolvimento sem recursos adicionais, tem se fortalecido e acaba gerando reflexos negativos na escola e em seus atores. Nas palavras da autora Sordi (2012), é importante destacar que os processos de regulação podem ser prejudiciais, pois reduzem a complexidade da aprendizagem a índices de qualidade. No entanto, negar a avaliação das escolas é negar o direito da população de conhecer a qualidade do ensino que lhes é oferecido. Tratando-se da educação como política pública, é imprescindível realizar avaliações, uma vez que não se admite que esse bem, atualmente tratado como 'mercadoria', possa existir sem qualidade. Garantir a qualidade da educação é um direito a ser assegurado à população, especialmente àqueles que frequentam as escolas públicas. As avaliações do SAEB, em muitos aspectos, assumem características de uma avaliação reguladora e influenciam as direções que as escolas tomam em busca da "qualidade", que é frequentemente confundida com o cumprimento das metas estabelecidas pelo SAEB. Surge então a pergunta: quais elementos pedagógicos eles verdadeiramente oferecem para promover a inovação educacional, mesmo que seja apenas nas duas áreas mencionadas? (GATTI, 2012, p. 3). Nesse contexto, torna-se evidente a dificuldade de estabelecer critérios unificados de avaliação e determinar qual modelo é mais adequado. No entanto, diante de tantas incertezas, fica claro que a educação está passando por um processo de mudança e busca por um novo significado. Nesse processo de ensino-aprendizagem, uma avaliação classificatória e limitadora não se encaixa. Podemos concluir, portanto, que a avaliação desempenha um papel fundamental no processo de ensino-aprendizagem. Seu objetivo é coletar informações que permitam estabelecer uma correspondência entre os dados obtidos e os objetivos estabelecidos. Isso possibilita ao professor avaliar o progresso do aluno em relação ao trabalho realizado e orientar suas decisões em relação aos conhecimentos que estão sendo construídos. Nesse contexto teórico, surge a seguinte pergunta central que impulsiona esta pesquisa: de que maneira uma avaliação externa, como a proposta pela Prova Brasil/SAEB, pode contribuir para um diagnóstico mais preciso do ensino e promover mudanças, na prática dos professores, resultando em uma melhoria na qualidade da educação. 6 OS DESAFIOS DA IMPLEMENTAÇÃO DE MUDANÇA EDUCACIONAL Nos últimos anos, tem havido um aumento significativo do interesse pela avaliação institucional nas escolas. Esse interesse pode ser comprovado pela maior abrangência que esse tipo de avaliação tem ganhado em eventos e publicações na área de avaliação educacional, assim como pela sua presença em dispositivos legais e documentos oficiais relacionados à promoção e avaliação da qualidade educacional. Embora ainda seja um campo relativamente restrito em comparação com outras formas de avaliação educacional, ele indica uma tendência crescente de valorizar modelos de avaliação nos quais a própria escola desempenha um papel central. Isso se deve, na maioria, à expectativa de que a avaliação institucional possa contribuir significativamente para a melhoria da qualidade da educação. Ela possui o potencial de envolver toda a comunidade escolar no processo de avaliação e promoção da qualidade da escola, e sua principal função é formativa, ou seja, voltada para o aprimoramento contínuo. No entanto, para que a avaliação institucional seja efetivamente implementada nas escolas e se torne uma forma de avaliação formativa, é essencial que as redes de ensino e as unidades escolares assumam essa responsabilidade. Não basta ser apenas uma intenção teórica ou política pública, nem é suficiente ter apenas um potencial positivo. O verdadeiro potencial e as limitações da avaliação institucional residem na forma como as redes de ensino e as escolas concretamente a adotam e atribuem significado a ela, por meio de suas ações e práticas. Segundo Fullan (2009), o processo de mudança educacional geralmente passa por três etapas principais: início, implementação e continuidade ou institucionalização. A fase inicial está relacionada à decisão de adotar ou prosseguir com uma mudança e ao processo que leva a essa decisão. A implementação refere-se às primeiras experiências de colocar em prática uma ideia ou programa. Já a continuidade ou institucionalização é o estágio em que a mudança se torna parte integrante da rotina, ou seja, é uma implementação que não é descontinuada. No entanto, é importante ressaltar que essas fases não são lineares nem independentes, e o que ocorre em uma fase repercute nas demais. Apesar dos desafios específicos envolvidos na adoção de uma mudança educacional por um órgão governamental ou instituição de ensino, pesquisas têm demonstrado que a decisão de iniciar ou dar continuidade a uma inovação não é suficiente para que a mudança ocorra efetivamente. A mudança real dependerá do que acontece na prática, ou seja, da sua implementação. Das três fases da mudança educacional, a implementação é o elemento- chave, pois está diretamente relacionada às ações efetivas das pessoas envolvidas. Portanto, é mais importante concentrar-se no que de fato acontece na prática do que em mudanças formais, como alterações na legislação ou o desenvolvimento de projetos bem elaborados. O foco principal é o uso real da mudança. Nessa perspectiva, conforme destacado por Fullan (2009), a implementação da mudança educacional torna-se crítica, pois é por meio dela que os objetivos da mudança são alcançados. Diante disso, é essencial investigar os fatores que afetam a implementação dessa mudança. Segundo o autor, esses fatores podem ser agrupados em nove variáveis básicas, distribuídas em três categorias: características da inovação ou projeto de mudança, papéis locais e fatores externos. No entanto, o autor ressalta que essa lista é simplificada e que os fatores não devem ser considerados conjuntos isolados, mas sim como um sistema de variáveis em constante interação. Dentre as características do projeto de mudança, destacam-se a necessidade, a clareza, a complexidade e a qualidade ou praticidade da inovação. A necessidade está relacionada às prioridades e à identificação das necessidades comuns entre os envolvidos na mudança. Isso implica que todos os participantes precisam compreender e compartilhar os propósitos da mudança e seu significado, pois, caso contrário, a implementação ficará comprometida. Portanto, para que a mudança efetivamente ocorra, não é suficiente apresentá-la ou impô-la e esperar que seu significado seja compreendido apenas pelos proponentes. É fundamental que os agentes da mudançaestejam convencidos da sua necessidade, a ponto de superarem as inseguranças envolvidas nesse processo de transformação. Diante disso, Fullan (2009, p. 32) problematiza Ninguém resolve a crise de reintegração em nome de outra pessoa. Cada tentativa de pré-esvaziar o conflito, argumentar, protestar com um planejamento racional, somente será abortiva: por mais razoáveis que sejam as mudanças propostas, o processo de implementá-las ainda deve permitir que o impulso de rejeição se liberte. Quando aqueles que têm poder para manipular mudanças agem como se apenas tivessem que explicar, e quando suas explicações não são aceitas, desdenham da oposição como ignorância ou preconceito, eles expressam um profundo desprezo pelo significado das vidas das outras pessoas. Pois os reformistas já assimilaram essas mudanças para seus fins, e fizeram uma reformulação que lhes faz sentido, talvez por meses ou anos de análise e debates. Se eles negarem aos outros a chance de fazer o mesmo, eles os tratarão como marionetes penduradas pelos fios de suas próprias concepções. Muitas vezes, as tentativas de promover mudanças ocorrem por imposição, sem que os envolvidos tenham a oportunidade de compreender seu verdadeiro significado. Talvez isso ocorra porque os proponentes assumem que, uma vez que eles já tenham compreendido a importância da mudança, os demais automaticamente a implementarão. No entanto, é fundamental estar atento para que os indivíduos envolvidos na mudança tenham a oportunidade de superar suas incertezas, em um processo de "conservadorismo dinâmico", a fim de assimilarem a relevância da mudança. Portanto, se desejamos que a mudança ocorra efetivamente, devemos prestar atenção ao seu significado subjetivo. A fim de aprofundar essa questão, Fullan (2009) propõe uma distinção entre os termos "reestruturação" e "reculturação". Enquanto a reestruturação, por ser uma decisão de alguns, pode ser implementada por decreto e repetida diversas vezes, a reculturação está relacionada à mudança de crenças, ideias e hábitos de um determinado grupo, sendo, por isso, muito mais complexa e não resultado de uma imposição externa. No contexto da mudança educacional, é mais importante promover a reculturação dos agentes de mudança do que a simples reestruturação, o que requer que eles compreendam profundamente o significado da mudança, a fim de modificarem seu comportamento e suas crenças. Essa é a razão pela qual alcançar a mudança é tão desafiador. Conforme a perspectiva do autor, a crença e a compreensão são os pilares fundamentais da mudança, sendo considerados a base para alcançar uma reforma duradoura. Sem alcançar a compreensão teórica subjacente à mudança, suas metas e seu propósito, a implementação será superficial e, sem dúvida, não terá uma sustentabilidade a longo prazo. O problema para a implementação, então, não é apenas que os professores ‘aprendam a fazer’, mas que eles aprendam a base teórica [...] o conhecimento ausente sobre por que estão fazendo o que estão fazendo. (MCLAUGHLIN; MILTRA, 2000, p. 10 apud FULLAN, 2009, p. 44). É nesse contexto que o significado da mudança para os envolvidos na implementação se torna crucial para o sucesso da mesma. Portanto, é essencial que aqueles interessados na mudança estejam atentos a esse significado, visando a promover uma compreensão mais profunda do propósito da mudança. Vale ressaltar a importância de caminhar em direção a um "significado compartilhado" dentro da instituição. Embora a compreensão do significado seja uma ação individual, seu valor real para alcançar resultados está na construção de um significado compartilhado por todo o grupo. Esse alerta é especialmente relevante ao considerar a implementação de uma política ou processo de avaliação institucional, onde o trabalho coletivo desempenha um papel decisivo, como será abordado posteriormente. Os demais fatores que compõem o conjunto de características da mudança podem ser resumidos da seguinte forma. A clareza da inovação proposta é um ponto crítico na implementação, pois se os envolvidos na escola não compreenderem claramente os objetivos da mudança, os meios para implementá-la e os processos de avaliação, é possível que simplesmente não a coloquem em prática. Por outro lado, a complexidade refere-se ao nível de desafio enfrentado pelos indivíduos ao realizar uma mudança. No entanto, não basta que a mudança seja simples ou exija pouco esforço, pois mudanças excessivamente simplificadas podem não trazer benefícios significativos (FULLAN, 2009). Por fim, a qualidade e praticidade da mudança estão frequentemente relacionadas a um planejamento adequado da implementação. No entanto, muitas vezes os proponentes da mudança concentram-se apenas na sua adoção, deixando pouca atenção para a fase de implementação, o que compromete a qualidade do projeto, especialmente devido à falta de tempo para um preparo adequado. Portanto, o planejamento da implementação desempenha um papel crucial para garantir que a mudança ocorra de forma efetiva. As características locais que afetam a fase de implementação abrangem a atuação dos órgãos centrais dos sistemas e redes de ensino, da comunidade, da direção escolar e dos professores. O primeiro fator é o apoio dos gestores dos sistemas ou redes de ensino, essencial para promover mudanças nas práticas do sistema ou da rede. No entanto, esse apoio não deve se limitar a palavras; é necessário demonstrar esse apoio por meio de ações concretas. O apoio do órgão central é ainda mais fundamental quando se trata de uma mudança mais abrangente, que afeta a própria cultura organizacional da rede, como é o caso, por exemplo, de uma política de avaliação institucional. Outro fator crucial na implementação é a parceria com a comunidade, especialmente por meio do conselho escolar. Segundo Fullan (2009), em praticamente todas as escolas que apresentaram melhorias consistentes, foi notável a parceria entre as unidades escolares e os pais. Além disso, o apoio ativo da direção escolar também é de extrema importância para empreender as mudanças necessárias. Para que esse apoio seja efetivo, é essencial que o diretor se esforce para compreender a perspectiva dos professores e ajudá-los a compreender o significado da mudança. Uma maneira de fazer isso é por um trabalho coletivo e de diálogo. Esse trabalho coletivo ganha ainda mais destaque quando se trata do papel dos professores na mudança. A qualidade das relações de trabalho entre os professores está diretamente relacionada à implementação bem-sucedida. O trabalho coletivo dos profissionais da escola está baseado na ideia de "aprendizagem social". Segundo o autor, esse tipo de aprendizagem é fundamental no processo de mudança. Nas escolas em que essa abordagem é desenvolvida, as chances de uma implementação bem-sucedida aumentam consideravelmente. A perspectiva proposta por Fullan (2009) é que as escolas se tornem "comunidades profissionais de aprendizagem", o que pressupõe o trabalho conjunto não apenas entre os professores, mas também entre eles e a equipe diretiva. 6.1 Articulação da avaliação institucional e do projeto pedagógico Existe uma tendência em categorizar os projetos pedagógicos e as avaliações institucionais em polos opostos: técnico/regulatório e político/emancipatório. No primeiro caso, o foco está nos resultados, que são considerados fixos, enquanto no segundo caso, o foco recai nos processos, que são contínuos e abertos. Essa divisão pode ser equiparada à distinção feita por Silva (2012) entre "definição estipulativa não inventiva" e "definição programática" do projeto pedagógico. A primeira refere-se a uma abordagem burocrática do projeto, em que ele é visto como uma referência formal que a escola deve cumprir, mas que não reflete adequadamente como o trabalho é efetivamente realizado. Já a segunda definiçãoexpressa a ideia de uma dinâmica singular e processual da instituição escolar, que avalia suas finalidades, as práticas adotadas e os resultados obtidos. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB 9.394/96, conforme artigos 12, 13 e 14, estabelece pela primeira vez que as escolas devem elaborar e executar suas propostas pedagógicas visando melhorar a qualidade do ensino, e essa responsabilidade deve ser atribuída aos profissionais da escola (BRASIL, 1996). Quando o Estado delega às instituições de ensino a tarefa de produzir e executar o projeto pedagógico, em conformidade com as normas estabelecidas em todo o sistema, aponta o caminho para a construção da autonomia destas por meio da gestão democrática (LIMEIRA, 2012, p. 6). No entanto, mesmo com o avanço representado por esse marco legal, alguns estudiosos enxergam esse processo sob uma perspectiva regulatória ou técnica. Veiga (2003), por exemplo, argumenta que certas normas e regulamentos entram em conflito com a possibilidade de um projeto pedagógico "emancipatório e edificante", uma vez que são orientados por preocupações de padronização, uniformidade, controle burocrático e planejamento centralizado. Isso resulta na produção de um sistema que permanece essencialmente o mesmo, com algumas modificações. Azanha (1998) também reconhece o risco de soluções genéricas, estabelecimento de normas, prazos e especificações homogêneas para que as escolas cumpram a exigência legal do projeto pedagógico. Segundo o autor, se a tarefa essencial da escola é a elaboração e execução desse projeto, e se a escola é uma instituição social única, situada em um determinado contexto, com valores, conhecimentos e práticas que permeiam as relações sociais e definem papéis e expectativas institucionais, é necessário um esforço coletivo para enfrentar seus problemas. A escola, juntamente com seu diretor, corpo docente, funcionários e associações de pais, precisa examinar sua própria realidade específica e local, avaliar suas dificuldades e se organizar para superá-las. Caso contrário, o projeto pedagógico não será capaz de refletir a realidade escolar, as aspirações da equipe de professores, dos alunos e da comunidade. Ele não orientará as ações desenvolvidas na instituição e, consequentemente, não será capaz de romper com a formalidade e a burocracia que frequentemente o caracterizam. Somente o projeto pedagógico resultante das reflexões da própria escola e de sua comunidade poderá ser verdadeiramente autônomo, como Veiga (2003) o denomina, emancipatório ou edificante. Ao mesmo tempo, o autor vai além, afirmando que a dificuldade de participação dos membros da comunidade escolar não se deve apenas às imposições que vêm de cima para baixo, mas também à nossa própria cultura escolar, fortemente fundamentada no trabalho individualizado do professor: [...] não obstante a insistente e cansativa retórica sobre a necessidade do trabalho participativo e a imposição de órgãos escolares que reúnem professores, pais e alunos, não há, geralmente, a tradição de um esforço coletivo para discutir, analisar e buscar soluções no âmbito das escolas (AZANHA, 1988, p. 15). Atualmente, é incomum encontrar escolas que estimulem a discussão, a troca de experiências e a aprendizagem coletiva entre seus professores, o que poderia promover uma cultura colaborativa. O isolamento do professor não contribui para que ele reflita sobre sua própria prática, sobre sua abordagem em sala de aula e sobre sua visão dos alunos. Além disso, impede que ele perceba que seus colegas são, na maioria das vezes, os recursos mais efetivos para buscar soluções para os desafios que enfrentam diariamente. A falta de compartilhamento de conhecimentos pedagógicos gera dúvidas e inseguranças. Portanto, o trabalho isolado do professor não pode ser considerado sinônimo de autonomia (SILVA et al., 2009). Diante dessa dificuldade em compartilhar experiências e refletir sobre os problemas no âmbito dos professores, como podemos esperar que a comunidade escolar participe das discussões do projeto pedagógico? As avaliaçãoes padronizados que avaliam o desempenho dos alunos têm sido alvo de críticas tanto na literatura acadêmica quanto por parte de alguns gestores públicos. Isso ocorre devido à política de accountability ou prestação de contas, que responsabiliza as escolas pelos resultados a serem alcançados. Essa política de responsabilização é percebida como uma interferência externa que vai contra a autonomia escolar. Além disso, os críticos argumentam que, em estados que adotam essa política para oferecer recompensas por bons resultados e impor sanções por desempenhos fracos, ela intensifica a competição entre as escolas e, em casos extremos, leva algumas delas a expulsar alunos com dificuldades de desempenho (SILVA et al., 2009). As avaliações de larga escala são frequentemente consideradas reguladoras, em contrapartida, às avaliações institucionais, que envolvem a participação dos atores escolares e são vistas como alternativas, emancipatórias e contra-hegemônicas (SORDI, 2006). Além disso, ao analisarem a autoavaliação realizada por algumas escolas, Ribeiro e Gusmão (2010, p. 843) revelam que, [...] embora o Indique não tenha sido elaborado para se contrapor às avaliações externas, é assim que parte dos usuários tem identificado o instrumento. Os testes de larga escala são vistos como “modelo que vem de cima para baixo”, que “culpabiliza a escola” e que “pune e fiscaliza”, e o Indique é visto como algo que pode ser construído dentro da escola e que resgata a importância da avaliação do processo. No entanto, diante das dificuldades de engajamento coletivo destacadas anteriormente, é importante reconhecer que o simples fato de uma avaliação ser teoricamente institucional não garante necessariamente a efetiva participação da coletividade e, consequentemente, sua natureza emancipatória. Além disso, como aponta Ball (1989), a análise dos processos micropolíticos em uma escola revela que a apropriação das políticas educacionais (que vêm de cima para baixo) não ocorre de forma unidirecional e unívoca: essas políticas são reconfiguradas conforme a infraestrutura, gestão, corpo docente e estudantil de uma escola, enfim, em função das relações sociais internas, inseridas também em um contexto mais amplo. Movimentos de resistência e aceitação, conflitos e consensos, enfim, o conjunto de crenças, conhecimentos e práticas de uma instituição escolar moldam sua cultura e ajudam a compreender por que algumas escolas se transformam enquanto outras permanecem inalteradas. Dessa forma, parece ser menos relevante classificar os processos de desenvolvimento do Projeto Político-Pedagógico (PPP) e da Avaliação Institucional (AVI) como técnicos ou políticos, reguladores ou emancipatórios. O que se torna crucial é assegurar a construção e o aprendizado da participação da comunidade escolar, bem como a aceitação dos processos avaliativos, como condições para a melhoria do ensino. Cabe ressaltar a importância da criação de uma cultura de avaliação, na qual o processo avaliativo seja um espaço de reflexão e mudanças das ações institucionais, A consolidação dessa cultura se dá com a intensa participação de toda a comunidade acadêmica, no momento em que ela participe tanto da definição de procedimentos avaliativos e sua implementação, como da apropriação dos resultados, que devem ser traduzidos em ações direcionadas ao aperfeiçoamento das práticas acadêmicas e administrativas [da instituição]. (SANCHES; RAPHAEL, 2006, p. 108) Segundo Sordi (2006, p. 54), a avaliação hegemônica, que se concentra apenas no desempenho dos alunos, gera resistências em relação aos processos de avaliação institucional, destacando assim a necessidade de os gestores institucionais dedicarem o máximo de cuidado a esses últimos. Por sua vez, Sanchese Raphael (2006) acreditam que atualmente há uma maior aceitação da avaliação institucional, porém, a dificuldade de planejamento decorrente da análise dos resultados obtidos ainda representa um desafio. O mesmo se aplica ao projeto pedagógico: não se questiona sua importância, mas é reconhecido que ele é um documento que muitas vezes fica obscuro dentro das escolas e não direciona efetivamente o seu percurso. 7 AVALIAÇÕES EM LARGA ESCALA, QUALIDADE EM EDUCAÇÃO E ACCOUNTABILITY A educação e a busca por qualidade na área não conquistaram seu espaço em diferentes esferas sociais muito rapidamente, mas sim graças a condições que tornaram isso possível, entre outras razões. O acesso ampliado ao ensino superior, por exemplo, tornou-se um tema frequente nas famílias de diversas classes sociais, muitas vezes influenciadas pelos anúncios das instituições de ensino, que destacam e valorizam os resultados positivos alcançados em exames de avaliação em larga escala, como o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Emerique (2007), Travitzki (2013) e Menegão (2015) abordaram a busca e o reconhecimento da qualidade educacional, destacando a dificuldade de conceituar esse termo, uma vez que ele abrange diferentes questões. Entre essas questões, destaca-se o interesse do mercado na produção e divulgação de resultados e rankings, o que acabou promovendo uma competição entre as instituições de ensino. Conforme argumentado, os resultados do ENEM são apresentados como indicadores de qualidade das escolas, visando proporcionar igualdade de oportunidades aos estudantes. Essa abordagem sugere que as instituições escolares que obtêm bons resultados no ENEM são consideradas de melhor qualidade, enquanto aquelas com desempenho inferior podem ser vistas como menos capazes de garantir uma educação de excelência. Conforme destacado por Menegão (2015), nas últimas décadas, houve um deslocamento dos aspectos sociais e culturais da educação em detrimento da racionalidade de função econômica, o que dificulta garantir a educação como um direito social. Esse deslocamento tem levado à busca por "responsáveis" pelo sucesso ou fracasso nos resultados esperados, sendo que políticas de responsabilização, inspiradas no modelo inglês de accountability, têm sido legitimadas por meio de critérios padronizados. Essa observação levanta questões importantes sobre a atual concepção e direcionamento da educação. Ao priorizar a função econômica da educação, pode-se negligenciar o papel crucial dos aspectos sociais e culturais na formação dos estudantes. A educação não pode ser reduzida apenas a um meio de preparação para o mercado de trabalho, mas deve abranger uma formação integral que considere o desenvolvimento humano em todas as suas dimensões (MENEGÃO, 2015). A busca por "responsáveis" pelos resultados educacionais pode parecer uma tentativa legítima de garantir a qualidade do sistema educacional. No entanto, ao basear-se em critérios padronizados, corre-se o risco de simplificar a complexidade do processo educacional e de culpar apenas os professores e as instituições escolares pelos resultados, sem considerar os diversos fatores que influenciam o desempenho dos alunos, como o contexto socioeconômico, a infraestrutura das escolas, a formação dos docentes, entre outros (TRAVITZKI, 2013). A accountability é um conceito que surgiu no âmbito empresarial e no setor público, sendo utilizado como um processo de avaliação e responsabilização contínua dos agentes públicos. O objetivo é permitir que os cidadãos exerçam controle sobre o poder concedido aos seus representantes (ROCHA, 2011). Inicialmente aplicado no contexto empresarial, o termo accountability refere-se à prestação de contas e transparência na gestão das organizações. No entanto, o conceito também foi adotado no setor público, buscando garantir a responsabilização dos agentes que exercem cargos e funções públicas. A accountability no setor público está relacionada à ideia de prestar contas à sociedade, aos cidadãos e às instituições responsáveis pelo controle e fiscalização dos atos governamentais. Por meio desse processo, busca-se promover a transparência, a ética e a eficiência na administração pública. A ideia central da accountability é assegurar que os agentes públicos sejam responsáveis por suas ações e decisões, tornando-os passíveis de cobrança e controle pelos cidadãos. Através desse mecanismo, a sociedade pode monitorar e avaliar o desempenho dos governantes e como o poder é exercido, contribuindo para a legitimidade e a qualidade da gestão pública. O conceito de accountability implica em tornar as informações acessíveis, promover a participação cidadã, estabelecer mecanismos de controle e prestação de contas, e garantir a responsabilização dos agentes públicos por suas ações. Dessa forma, busca-se fortalecer a confiança entre os governantes e a sociedade, bem como promover a efetividade e a transparência na gestão pública. A importância de accountability começou a ser amplamente discutido e implementado na área da educação após a publicação do relatório "A Nation at Risk" (Uma Nação em Risco, em tradução literal) nos Estados Unidos. Esse documento teve um impacto significativo, pois diagnosticou os diferentes níveis de ensino e estabeleceu metas para áreas de conhecimento, tempo de ensino e salários dos professores, entre outros aspectos. Antes da década de 1980, o termo accountability não era amplamente utilizado nos debates educacionais e não era considerado um fator decisivo para melhorar o desempenho das escolas e dos sistemas educacionais. No entanto, a partir dos anos 1990, a política de school accountability (responsabilização escolar) ganhou força e passou a ser amplamente discutida, (i) estabelecimento de padrões educacionais mínimos para cada ano escolar; (ii) realização de testes de proficiência para averiguar os conhecimentos adquiridos pelos alunos; (iii) divulgação dos resultados dos testes por escola; (iv) adoção como objetivo explícito de política, a melhoria no desempenho dos estudantes nestes testes e (v) responsabilização dos professores/diretores da escola pelo resultado dos alunos (ANDRADE, 2008, p. 433). A política de school accountability procura estabelecer mecanismos de responsabilização das escolas, de forma que elas sejam avaliadas e prestem contas de seu desempenho e resultados educacionais. Essa abordagem visa incentivar a melhoria contínua da qualidade da educação, identificando as áreas que precisam de intervenção e promovendo mudanças positivas. A accountability na educação envolve a definição de metas e padrões de desempenho, a realização de avaliações em larga escala, a divulgação pública dos resultados, a prestação de contas dos gestores educacionais e o estabelecimento de consequências para o não cumprimento das metas estabelecidas. Além disso, busca-se também promover a transparência, a participação da comunidade e a responsabilização dos professores e demais profissionais envolvidos no processo educacional. Andrade (2008) menciona que, na década de 1990, foi implementado no Brasil um sistema nacional de avaliação para os ensinos fundamental e médio, baseado nos seguintes pontos: (i) estabelecimento de critérios sobre o que os alunos deveriam saber em cada ano escolar e (ii) realização de avaliações de conhecimentos em português e matemática em uma amostra representativa de alunos. Dessa forma, a criação de um sistema de avaliação de conhecimentos em português e matemática para uma amostra representativa de alunos dos ensinos fundamental e médio marcou o início das ações do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) no Brasil. Também é mencionado pelo autor o ENEM, que, a partir do final dos anos 1990, passou a avaliar o perfil dos estudantes ao final do ensino médio. O ENEM se tornou uma opçãopara os estudantes participarem desse nivelamento. Conforme Andrade, apenas em 2006, o governo federal incorporou o ponto (iii) da política de SA, ou seja, passou a divulgar os resultados por escola, tanto da Prova Brasil quanto do ENEM. Não foram adotados os pontos (iv) e (v) da política de SA: estipular a melhoria no desempenho dos alunos como objetivo da política educacional e responsabilização [dos professores pelos resultados] (ANDRADE, 2008, p. 446). Mesmo que os pontos (iv) e (v) não sejam adotados explicitamente, podemos perceber, assim como em algumas produções acadêmicas analisadas, a presença de uma política de accountability na avaliação do ENEM. Isso ocorre porque o exame direciona as instituições a atingirem metas estabelecidas, o que implica na responsabilização dos professores pelos resultados de desempenho dos estudantes. A política de accountability no contexto do ENEM se baseia na ideia de estabelecer objetivos claros e mensuráveis para as instituições de ensino, que avaliadas por meio dos resultados obtidos pelos estudantes no exame. Esses resultados são divulgados publicamente e podem influenciar a reputação e o prestígio das escolas, bem como a avaliação do trabalho realizado pelos professores. Andrade (2008) discute a possibilidade de uma “política mais agressiva" que se baseia em experiências americanas, onde se promove a adoção de um "mecanismo de incentivos no qual professores/diretores são considerados responsáveis pelo desempenho dos alunos e são remunerados de acordo com isso". O autor compara essa remuneração baseada no desempenho dos alunos a uma competição "desigual", onde "escolas com alunos de perfil socioeconômico mais favorecido tendem a levar vantagem na disputa pelo prêmio, independentemente do verdadeiro esforço dos professores/diretores" de escolas com alunos em condições socioeconômicas desfavoráveis (ANDRADE, 2008). Além disso, o autor argumenta que os professores enfrentariam dificuldades em melhorar ou manter sua remuneração, uma vez que seus salários estão vinculados à melhoria no desempenho dos alunos (ANDRADE, 2008). A prática de vincular o salário dos professores ao desempenho em avaliações ainda não é amplamente adotada, porém, essa possibilidade tem sido discutida e mencionada em anúncios de políticas públicas educacionais, que enfatizam a suposta deficiência do sistema educacional. De acordo com Foucault (2014, p. 35), "ninguém é admitido na ordem do discurso se não atender a certas exigências ou se não for, inicialmente, qualificado para isso". Embora nem todas as áreas do discurso sejam acessíveis e abertas, outras são disponibilizadas, sem restrições prévias, para cada indivíduo que fala, o que autoriza, nesse caso, a adoção de uma perspectiva mercantilista em relação à educação. Devido à sua autoridade para discutir os desafios e soluções na área da educação, é comum serem feitas cobranças em relação aos resultados em diferentes contextos e por diferentes atores. Segundo Maroy e Voisin (2013), a "nova accountability" reforça a ideia de que, atualmente, a prestação de contas não deve se limitar apenas aos recursos, meios ou processos de ensino e aprendizagem, mas principalmente aos sistemas de ensino e seus resultados. As autoras argumentam que nas avaliações externas, não apenas os resultados dos alunos são avaliados, mas por meio desses resultados também são analisados o desempenho das instituições e do sistema educacional, incluindo, especialmente, o trabalho dos professores. De acordo com estudos recentes (MARÇAL, 2014; MENEGÃO, 2015; DI NALLO, 2011), profissionais da área da Educação expressam a percepção de que a classificação derivada de avaliações em larga escala, como o ENEM, tem consequências nas relações interpessoais e na identidade da escola, dos professores e dos estudantes. Marçal (2014) e Menegão (2015) afirmam que a responsabilização dos professores pelos resultados pode dificultar a implementação de abordagens mais ativas, reflexivas, coletivas e autônomas em relação ao seu próprio trabalho e aos objetivos educacionais, que seriam mais benéficas para a formação dos alunos do que participar de uma corrida por posições em rankings. Essas pesquisas ressaltam a importância de repensar a utilização de avaliações em larga escala e o papel da responsabilização dos professores, buscando promover uma abordagem mais abrangente e reflexiva sobre a qualidade da educação. Conforme estudos recentes (MARÇAL, 2014; MENEGÃO, 2015; DI NALLO, 2011), profissionais que atuam na área da Educação compartilham a visão de que a classificação proveniente de avaliações abrangentes, como o ENEM, produz efeitos nas relações interpessoais e na identidade da escola, dos professores e dos estudantes. Marçal (2014) e Menegão (2015) argumentam que a responsabilização dos professores pelos resultados pode dificultar a adoção de abordagens mais participativas, reflexivas, colaborativas e autônomas em relação ao seu próprio trabalho e aos propósitos educacionais, que seriam mais vantajosas para o desenvolvimento dos alunos do que se envolver em uma competição por posições em rankings. Esses estudos enfatizam a necessidade de reavaliar o modo como as avaliações em larga escala são utilizadas e o papel desempenhado pela responsabilização dos professores, visando promover uma abordagem ampla e reflexiva em relação à qualidade da educação. Por isso, para Menegão (2015), os professores passam pelo “susto” de verem os resultados de seu trabalho, por meio das notas dos alunos nos testes, figurarem com desempenho abaixo do esperado nos rankings. O “assustar”, nesse caso, como pensam os elaboradores da política de avaliação e alguns sujeitos serviria como mecanismo para o professor rever seu papel e tomar uma atitude mais “séria” e “comprometida” para com os alunos (MENEGÃO, 2015, p. 243). Desconhecemos se a intenção dos elaboradores do exame em questão é "assustar" os professores, e isso não é o foco da nossa pesquisa. Nosso objetivo é destacar que os discursos enfatizam as políticas educacionais presentes no ENEM, assim como ocorreu anteriormente com os vestibulares, vistos como a oportunidade de futuro para os jovens. Esses discursos acabam gerando tanto alunos considerados bem-sucedidos/fracassados, como professores percebidos como comprometidos/descomprometidos ou qualificados/desqualificados. Conforme a pesquisa de Menegão (2015), os professores, influenciados pela divulgação dos rankings, tendem a modificar sua prática pedagógica na tentativa de melhorar sua imagem. Consequentemente, tanto os alunos quanto os professores são afetados pelas desvantagens do sistema meritocrático. Pois, são frequentemente rotulados como pouco esforçados, preguiçosos, desinteressados ou como vítimas das condições socioeconômicas, culturais e sociais, para as quais a solução ideal seria oferecer apoio/reforço e muita prática (MENEGÃO, 2015, p. 243). Apesar de reconhecermos a responsabilidade do Estado e dos professores na promoção da aprendizagem dos estudantes, concordamos com Di Nallo (2011) ao afirmar que as avaliações em larga escala não devem se basear exclusivamente em parâmetros numéricos. Em vez disso, os resultados devem ser interpretados considerando o contexto escolar, o perfil dos alunos e da comunidade, o perfil dos professores, a infraestrutura da escola, os recursos didáticos disponíveis e os aspectos da gestão escolar. Essa abordagem mais ampla permitiria compreender outros fatores relacionados ao desempenho dos alunos. No entanto, parece que prevalece a ideia de que a mensuração e a codificação dos resultados são o aspecto mais importante, permitindo prever as consequências com base nesses resultados. Isso reduz o processo educacional a dados quantitativos de uma avaliação e cria as condições para a emergência de um Estado-avaliador(FOUCAULT, 2000), cujo papel se concentra no controle e na gestão com base nos resultados das avaliações. Segundo Afonso (2009, p. 18), nenhum sistema de avaliação, prestação de contas e responsabilização (accountability) bem fundamentado em termos políticos, culturais, éticos, técnico-científicos e educacionais, pode esgotar-se na mera recolha e publicitação de informações baseadas em testes, mesmo que estandardizados. Esta situação é ainda mais questionável quando os resultados acadêmicos dos alunos acabam por ser também um critério fundamental para a avaliação das escolas e para a avaliação dos próprios professores (AFONSO, 2009, p. 18). Segundo o autor, em Portugal, embora não haja um sistema formal de responsabilização, os exames nacionais padronizados funcionam como uma forma de controle exercido pelo Estado-avaliador. Além disso, os rankings escolares podem ser vistos como uma forma de responsabilização promovida pela sociedade civil e pelo mercado, impulsionada pela mídia. No contexto brasileiro, também não existe um sistema de responsabilização claramente definido, e as políticas continuam desarticuladas. No entanto, existem formas de responsabilização, uma vez que as instituições, os alunos e os professores estão sujeitos à "fiscalização" realizada por diversos setores da sociedade (AFONSO, 2009). 8 AVALIAÇÕES E RANKINGS INSTITUCIONAIS Ao examinar as avaliações em larga escala e os rankings baseados nesses resultados, o foco não está na origem dessa divulgação, mas sim nas mudanças e transformações que tornam os rankings e seus números como indicadores de qualidade para indivíduos e instituições educacionais. A qualidade educacional é abordada de várias maneiras na literatura. Segundo Emerique (2007), ela pode ser traduzida como efeito-escola e considera as diferentes abordagens do conhecimento adotadas pelas instituições de ensino. Isso implica na seleção de conteúdos e na formação do cidadão, entre outros aspectos. As instituições conseguem oferecer aos alunos experiências variadas, enriquecidas por meio de inúmeras atividades extracurriculares. Assim, podemos observar que diferentes elementos são considerados na busca pela qualidade educacional, e isso está relacionado à forma como os sistemas gerenciam suas instituições de ensino, considerando os indicadores fornecidos pelos resultados das políticas de avaliação em larga escala. Tanto para as instituições de ensino quanto para os alunos e suas famílias, a noção de qualidade é abrangente e engloba diversos aspectos. Segundo Emerique (2007), o efeito-escola categoriza as escolas em diferentes tipos, como "escola fraca", "escola que não dá base para o aluno", "escola que todo mundo passa de ano", ou como "escola forte", "escola que dá base", "escola puxada", "escola que prepara", entre outros termos. Essas classificações podem trazer reconhecimento ou discriminação social aos alunos, uma vez que estudar em uma escola de prestígio agrega prestígio, enquanto estudar em uma escola estigmatizada agrega estigma aos estudantes. No caso das escolas privadas, a classificação também ocorre em relação à capacidade de pagamento, o que reforça a imagem institucional de uma escola boa ou ruim. Essa imagem é construída pela forma como é mencionada, sendo os rankings uma forma peculiar de "falar" e "escolher" uma escola "pelo conjunto de alunos e famílias que a escola reúne formando um corpo social" (EMERIQUE, 2007, p. 81). No contexto escolar, a imagem social desempenha um papel importante ao atrair ou repelir alunos, uma vez que sua composição é resultado das escolhas dos usuários, cuja combinação desses fatores pode amplificar o efeito- escola, ou seja, a percepção de qualidade educacional. No que diz respeito ao ENEM, segundo Emerique (2007), ao considerar que o Exame se tornou uma referência na escolha das escolas com base nessa noção de qualidade educacional. Em 2006, conforme relato do INEP, as médias das escolas foram divulgadas no site do órgão como uma forma de aumentar a transparência dos resultados e permitir a comparação entre instituições, o que foi provavelmente utilizado pelas famílias na seleção das escolas para seus filhos (EMERIQUE, 2007). No entanto, Travitzki (2013) aponta uma dificuldade para que o ENEM seja considerado um indicador de qualidade na educação básica por ser amostral, voluntário e com uma taxa de participação geralmente baixa, o que resulta em efeitos de seleção de amostra que distorcem os resultados. O autor defende que a avaliação da qualidade do Ensino Médio deveria seguir o mesmo padrão de avaliação dos cursos de Ensino Superior ou por meio da comparação entre escolas de nível socioeconômico semelhante. Travitzki (2013) adverte sobre o perigo de avaliar as escolas com base exclusivamente nos resultados de testes individuais e na análise quantitativa de rankings, destacando que a amostra de escolas não é representativa o suficiente para uma discussão abrangente sobre qualidade no ensino. Ele ressalta que as instituições que ocupam as melhores posições nos rankings podem ter indicadores superiores de infraestrutura em comparação com o total de escolas. Portanto, ele recomenda que a interpretação de resultados estatísticos e a análise do efeito-escola como medida de qualidade educacional sejam realizadas com cautela. Além disso, a análise estatística realizada por Travitzki (2013) revela que, no máximo, 21% das diferenças entre as médias das escolas no ranking podem ser atribuídas às próprias escolas, enquanto o restante dos resultados é explicado por diferentes condições de contexto das instituições, como o nível socioeconômico das famílias, a etnia dos alunos, a dependência administrativa e o estado em que estão localizadas, entre outros fatores. Isso ressalta a importância de considerar uma ampla gama de elementos ao avaliar a qualidade educacional de uma escola, em vez de se basear exclusivamente em rankings. Conforme Camelo (2010), em uma análise relacionada à economia, as avaliações como o ENEM podem funcionar como um mecanismo de incentivo para melhorar a aprendizagem, uma vez que o bom desempenho no exame pode trazer consequências positivas, afetando o esforço e a motivação dos estudantes em seus estudos. Sob essa perspectiva econômica, os exames poderiam contribuir para melhorar a qualidade do ensino, devido à pressão exercida pelos pais e estudantes. Em seu estudo, Camelo (2010) utilizou métodos econométricos para analisar a divulgação das notas médias do ENEM por escola e chegou à conclusão de que a publicação dos resultados não teve impacto no desempenho dos estudantes nas disciplinas de matemática e português, nem influenciou a alocação de recursos nas escolas. Além disso, a divulgação dos resultados não foi considerada um instrumento significativo para mobilizar pais e alunos. Apesar das diferentes opiniões sobre o ENEM, Marçal (2014) destaca que avaliações como essa estão se consolidando no cenário educacional brasileiro, sendo adotadas pelos governos em diferentes níveis da federação. Isso indica a crescente importância e presença dessas avaliações no sistema educacional do país. Segundo a autora, o ENEM é considerado um possível instrumento indicador de mudança educacional devido à legitimidade conferida ao exame pelo governo e à visibilidade proporcionada pelos meios de comunicação. Emerique (2007) argumenta que a divulgação do ranking de escolas de melhor desempenho, diferenciando entre escolas públicas e privadas, contribui para a classificação da educação em municípios e estados. Travitzki (2013) enfatiza que a perda ou ganho de posições no ranking não é benéfico para o sistema educacional, pois, além das limitações estatísticas da classificação, cria-se um ambiente de competição, levando jornalistas a buscar descobrir os segredos de eficiência e qualidade por trás dasmelhores posições no ranking, como se houvesse uma fórmula para melhorar a educação brasileira a partir do sucesso no ENEM. Todas essas considerações destacam o significado que o ENEM passou a ter para a educação brasileira, sendo visto como um indicador de qualidade e legitimado como o "termômetro" e a "medida" da qualidade, corroborando a percepção de que o exame é o principal indicador nacional de qualidade do ensino médio. Isso é evidenciado por publicações que identificam as "escolas campeãs" e as apresentam como exemplos de sucesso a serem seguidos na "competição" (PRESOTTI, 2012). As escolas são influenciadas pelo seu posicionamento no ranking, seja para promover seu ensino, seja para justificar resultados insatisfatórios, já que não estar entre as melhores funciona como uma propaganda negativa que afeta a qualidade do ensino prometida (EMERIQUE, 2007). Por conta disso, o ENEM passou a desempenhar também o papel de um novo sistema de classificação de instituições, substituindo a antiga classificação baseada no número de aprovações nos vestibulares elitistas, que refletiam as disparidades sociais de acesso à universidade. Quanto à publicação dos resultados do ENEM, vários pesquisadores destacam que o ranqueamento exerce pressão sobre gestores e professores, desviando o foco do trabalho pedagógico e regulando o ensino ao definir os objetivos e o propósito da escola de forma externa. A definição da função da escola e dos indicadores para aferir a qualidade na educação é estabelecida pelos técnicos das agências financiadoras, criando uma dinâmica de controle "de fora para dentro" (PRESOTTI, 2012; MARÇAL, 2014; MENEGÃO, 2015). Diante disso, Menegão (2015) enfatiza a importância de compreender como os professores relacionam as avaliações em larga escala com o currículo escolar, propondo uma discussão sobre o que deve ser valorizado e ensinado nas escolas. Embora a pesquisa dessa autora se concentre no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), também aborda elementos de outros indicadores, como o ENEM, e discute os impactos causados pela avaliação externa em larga escala, especialmente a tensão e a pressão geradas nos contextos escolares para melhorar o desempenho das escolas no IDEB. A crítica apresentada pela autora enfoca a importância de considerar a qualidade educacional a partir do acesso, permanência e aprendizagem significativa e abrangente para todos os estudantes, independentemente de suas condições socioeconômicas e culturais. Para cumprir esses objetivos e sua função social, a escola depende das políticas públicas, da gestão em termos mais amplos e de órgãos orientadores para tais políticas (MENEGÃO, 2015). Até agora, fica evidente que as políticas de avaliação têm impacto direto nas práticas diárias dos professores, que por sua vez estão sujeitos a uma avaliação indireta, uma vez que seu desempenho é associado aos resultados dos alunos. Assim, a imagem das instituições de ensino, vinculada ao "sucesso" ou "fracasso" por meio da publicação de rankings, afeta a todos que fazem parte delas: professores, alunos, comunidade escolar e sistemas educacionais. De acordo com Popkewitz (2011), historicamente, os números eram usados para registrar e medir as populações, com seus resultados disponíveis para o mercado, visando padronizar as populações. Com a inclusão dos números nas questões sociais, eles passaram a ser utilizados em prol da transparência em diversos setores da sociedade, incluindo a educação, em que dados quantitativos passaram a enfatizar a necessidade de mudanças nas escolas e na comunidade escolar, dando visibilidade aos desempenhos e resultados das escolas por meio de gráficos e fluxogramas apresentados como fatores estatísticos para medir a mudança (POPKEWITZ, 2011). Segundo o autor, os números adquiriram importância em discursos que validam campos do conhecimento, como as ciências sociais, nos quais eles têm a função de reduzir a incerteza em processos de mudança que vão além de questões econômicas e governamentais. Com o tempo, os números se tornaram atores nos processos de mudança, sendo incorporados às práticas sociais, como planejamento, avaliação e formulação de políticas (POPKEWITZ, 2011). Isso reforça a argumentação de que a divulgação de resultados e a criação de rankings de instituições de ensino são produzidas em discursos que legitimam as práticas de avaliação em larga escala, apresentando-as como um instrumento de mobilização para melhorar a qualidade da educação. Esses discursos possibilitam a repetição de enunciados que enfatizam a avaliação em larga escala como "a" oportunidade para um futuro melhor (FOUCAULT, 2015). De acordo com Popkewitz (2011), as comparações internacionais de estudantes fazem parte da indústria contemporânea da educação, destacando o Programa da OCDE para Avaliação Internacional de Estudantes (PISA) como exemplo da relação entre organismos internacionais e a institucionalização da classificação de alunos por meio de avaliações externas. Essa perspectiva está alinhada com os argumentos apresentados neste estudo. Segundo Popkewitz (2011), o Programa da OCDE representa um tema missionário relacionado ao progresso e à criação de uma vida melhor. Por meio da avaliação nas áreas de leitura, matemática e ciências, o programa busca medir habilidades aplicáveis às situações da vida cotidiana, que são consideradas fundamentais para o mercado de trabalho, bem como para o desenvolvimento de capacidades e qualidades ao longo da vida (POPKEWITZ, 2011). O autor analisa e discute a avaliação de desempenho dos alunos pelo PISA, bem como os dados coletados sobre fatores estudantis, familiares e institucionais. Ele argumenta que as diferenças de desempenho incorporam uma tese cultural específica sobre modos de vida, que acaba classificando os alunos como bem-sucedidos ou fracassados. Essa posição de sujeito é divulgada internacionalmente por meio do ranking do PISA, que posiciona globalmente tanto os estudantes quanto as nações, com base na identificação dos países com desempenho superior ou inferior. Popkewitz (2011) destaca que esses indicadores de qualidade falam sobre tipos específicos de pessoas, cujas habilidades práticas e situações da vida cotidiana são classificadas e comparadas por meio de números, estabelecendo equivalências entre elas. Conforme o autor, assim como um tipo de estudante é "fabricado", também é construído um tipo específico de professor, o professor eficaz (effective teacher), que se torna um agente de mudança com características que correspondem às expectativas atribuídas a ele. Os números, nesse sentido, moldam uma tese cultural sobre quem é e como deve ser o professor, com base nos resultados de testes e exames padronizados. Em nosso estudo, consideramos os números presentes nos rankings, relacionados às avaliações em larga escala, como elementos que influenciam a vida dos envolvidos no processo educacional. Concordando com Popkewitz (2011) ao afirmar que esses números organizam, classificam e constroem sujeitos. O autor sugere que a ideia de produção de tipos de pessoas incorpora os princípios de vida como "sistemas" que posicionam estrategicamente os indivíduos no mercado, onde é necessário que eles se mantenham em posições de sucesso em oposição às situações de fracasso. 8.1 A visibilidade para o ENEM como um meio de democratização do ensino O ENEM pode ser considerado tanto uma política de avaliação quanto uma política curricular, uma vez que os currículos escolares estão cada vez mais sendo organizados com base nas questões das provas do Exame. No entanto, segundo Moura (2014), se a avaliação não estiver relacionada ao Projeto Pedagógico (PP) da escola, dificilmente alcançará os objetivos estabelecidos no projeto, o que diminuiria sua importância e papel. Durante grande parte desua realização, o ENEM permitiu a obtenção de certificação para a conclusão do Ensino Médio, além de possibilitar o acesso às universidades. Isso conferia ao Exame um valor extremamente alto, já que "uma pessoa de 18 anos que nunca frequentou a escola e não possui grandes recursos financeiros poderia estar, graças ao ENEM, em uma boa faculdade aos 19 anos, dependendo de sua nota no exame" (TRAVITZKI, 2013, p. 252). Isso levou a sociedade a enxergar o Exame como uma possível forma de democratização da educação em um país desigual como o Brasil. Com relação às desigualdades nos sistemas públicos de ensino, Emerique (2007), em sua pesquisa sobre o ensino no município do Rio de Janeiro, observou que o anúncio de redução das desigualdades educacionais passava por: introdução da política de cotas sociais em colégio público de ensino médio, convênios entre instâncias administrativas estaduais e federais, parceria entre a esfera pública e a privada; parceria entre a esfera privada e organização da sociedade civil (Colégios Privados E, G e H com a ONG“ patrocinadora de bons alunos”) - experiências que têm como princípio dar acesso aos alunos com menores vantagens sociais a uma melhor oferta escolar (escolas de qualidade) (EMERIQUE, 2007, p. 255) No entanto, Emerique (2007) argumenta que isso não caracterizaria a promoção de igualdade de oportunidades, mas sim uma tentativa de "justiça escolar" em que a meritocracia estaria ligada à equidade (desigualdade justa), pois a "justiça" ocorreria com a seleção de alunos de diferentes segmentos sociais. Segundo a autora, a ideia de qualidade do ensino é baseada no resultado e não no processo que leva a esse resultado, não considerando o privilégio prévio de certas instituições que possuem alunos altamente motivados. Além do anúncio de democratização do ensino e a possibilidade de ingresso no Ensino Superior através do ENEM, é importante analisar o que gestores e professores das instituições de Ensino Superior dizem sobre o Exame em diferentes períodos (MIOLLO, 2001; FERNANDES, 2013). Os resultados da pesquisa de Miollo (2001) com gestores e professores indicam que houve diferentes formas de utilização do ENEM para o acesso ao Ensino Superior. Em algumas instituições, o Exame era utilizado como o único processo de ingresso, enquanto em outras, era complementar ao vestibular. Entre as respostas dos entrevistados, alguns afirmaram que o processo deveria ter sido testado para verificar se seria melhor do que o vestibular, mas outros consideraram o ENEM como "uma alternativa válida, oportuna, democrática, com crescimento dos interessados nessa modalidade". Em 2018, o número de Instituições de Ensino Superior (IES) que utilizaram o ENEM como processo seletivo de ingresso alcançou 95 instituições, abrangendo mais de 3.327 cursos e envolvendo mais de um milhão de candidatos competindo por pouco mais de 10.000 vagas (MORENO, 2018). Em meio às discussões sobre o ENEM como uma política de democratização da educação, Fernandes (2013) destaca que uma das metas do Plano de Desenvolvimento da Educação de 2008 (PDE) é a inclusão social por meio da educação, buscando torná-la acessível mesmo em regiões mais distantes do país. A pesquisa de Fernandes (2013) revela a preocupação das universidades públicas em relação ao perfil do novo público selecionado pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), pois havia dúvidas se o "novo ENEM" seria capaz de diferenciar os candidatos que possuíam os conhecimentos, saberes, competências e habilidades consideradas importantes pela universidade para selecionar os ingressantes em seus cursos de graduação (FERNANDES, 2013, p. 53). Dessa forma, no contexto da Educação Básica obrigatória e universal, são estabelecidos controles sociais para que os estudantes possam usufruir do direito à educação, o que implica considerar o ENEM como um "dispositivo de controle social e avaliação institucional" (GALEAZZI, 2013, p. 112), uma vez que políticas educacionais como essa funcionam como dispositivos de governo, de modo que incorporam demandas e propósitos regidos pela configuração de sujeito tipificada como necessária em determinada sociedade. Nesse sentido, “a partir das contribuições de Foucault, pode-se entender por governo a possibilidade de estruturar o campo de ação dos outros; o que é imanente às relações de poder” (GASPAROTTO, 2010, p. 66). A partir da teorização de Foucault, compreendemos o controle das práticas sociais não como algo predefinido, mas como algo socialmente constituído por meio das relações de poder, onde a vontade de poder direciona as atividades voltadas para a produção de sujeitos de um determinado tipo (GALEAZZI, 2013, p. 112-113). A relação estabelecida entre sucesso e o ENEM demonstra como o Exame pode deixar marcas nos sujeitos que são considerados "fracassados", pois não considera as oportunidades (ou a falta delas) que os estudantes tiveram ao longo de sua trajetória escolar. Além dos alunos, podemos ampliar essa perspectiva para incluir também os professores nessa dinâmica de sucesso e fracasso, já que os resultados alcançados pelos estudantes têm um impacto direto nos professores, funcionando como um mecanismo de controle social da escola, pois a partir desses resultados, os jovens passam a exigir um melhor desempenho da instituição (GALEAZZI, 2013, p. 113). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AFONSO, A. J. Avaliação educacional: regulação e emancipação. São Paulo: Cortez, 2009. AFONSO, A. J. Nem tudo o que conta em educação é mensurável ou comparável: crítica à accountability baseada em testes estandardizados e rankings escolares. Revista Lusófona de Educação, 13, p. 13-29, 2009. ANDRADE, E. “School Accountability” no Brasil: experiências e dificuldades. Revista de Economia Política, São Paulo, n. 28, p. 445-453, 2008. ANTUNES, C. A avaliação da aprendizagem escolar. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. ARAÚJO, C. H.; LUZIO, N. 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