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All the Stars and Teeth - Adalyn Grace

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ARIDA
Ilha da magia da alma
Representada pela sáfira
VALUKA
Ilha da magia elementar
Representada pelo rubi
MORNUTE
Ilha da magia do encantamento
Representada pelo bêrilo rosa
CURMANA
Ilha da magia da mente
Representada pela ônix
KEROST
Ilha da magia do tempo
Representada pela ametista
SUNTOSU
Ilha da magia da restauração
Representada pela esmeralda
ZUDOH
Ilha da magia da maldição
Representada pela opala
CAPÍTULO UM
Este dia foi feito para velejar.
A salmoura do oceano cobre a minha língua e eu saboreio seus
grãos. O calor do final do verão venceu o mar; ele mal balança
enquanto estou contra a borda do estibordo.
A água azul-turquesa se estende a distância, cheia de peixes
cirurgião-patela e cardumes de guaiúba que flutuam para longe do
nosso navio e se escondem sob finas camadas de espuma do mar.
Através da neblina da manhã, há um contorno de montanhas
cobertas por nuvens que moldam a ilha mais ao norte do reino,
Mornute. É uma das seis ilhas que ainda não vi, mas que um dia
governarei.
— Para onde estamos indo? — Pergunto. — Para os vulcões de
Valuka? Ou as selvas de Suntosu? — O clima é suave o suficiente
para que minhas palavras sejam levadas à proa onde meu pai está,
com vista para a água.
Anos no mar enrugaram sua pele bronzeada, fazendo com que
ele parecesse ter mais de quarenta anos. As rugas também o fazem
parecer severo, o que eu gosto. O Alto Animancer de Arida, o Rei de
Visidia, deve sempre parecer severo.
— O mar é um animal perigoso, Amora — diz ele. — E você é
preciosa demais para perder. Mas prove sua força para o nosso
povo hoje à noite e saberei que você é capaz de enfrentá-lo. Por
enquanto, concentre-se em conquistar o trono. — Seus profundos
olhos castanhos piscam para mim e ele sorri. — E em anunciar seu
noivado.
Minha garganta aperta. Ferrick é um homem bom o suficiente,
se alguém sonha em se estabelecer com um conhecido da infância.
Mas prefiro meus pretendentes diários e seus presentes.
Amabons, ginnadas e vestidos dos melhores tecidos, tudo para
conquistar a princesa impressionável que eles pensam que sou. Os
meninos do reino acham que podem comprar meu amor e título, e
eu deixo que eles acreditem. Nada se compara as bugigangas
luxuosas de pretendentes famintos, e não estou interessada em
acabar com a sua generosidade.
— Você está pronta? — As palavras do meu pai são baixas,
mas firmes; algo em seus olhos muda. Ele não está falando do meu
compromisso iminente.
Instintivamente, minha mão vai para a mochila de couro apoiada
no meu quadril. O conteúdo faz barulho quando toco suas bordas
rígidas.
— Estou — digo, embora as palavras sejam ousadas em
comparação ao que realmente sinto. Porque, mesmo sendo a única
filha do rei, meu povo não me entregará a coroa e deixar que eu
reine pelo direito de nascença. Aqui, no reino de Visidia, devo
primeiro provar o meu valor a eles se quiser ganhar o título de
herdeira. E devo fazê-lo dando uma demonstração adequada da
magia aridiana; a magia compartilhada apenas através do sangue
da família Montara.
Hoje à noite, só tenho uma chance de mostrar que estou apta
para reivindicar o título de Animancer – um mestre de almas. Mas
meu povo não irá se contentar com um bom desempenho. Eles
exigem excelência, e eu os darei exatamente isso. No final da noite,
provarei a todos que nunca haverá alguém mais adequado ao trono.
As vastas montanhas de penhascos verdes e exuberantes se
estendem diante de nós enquanto o mar puxa nosso navio em
direção às docas de Arida, minha ilha natal. As falésias estão
densamente cobertas pela flora bioluminescente, que, embora linda
à luz do dia, rouba a respiração de uma pessoa quando elas
espalham suas brilhantes pétalas roxas e rosas sob a lua.
É magnífico, mas um grosso nó de amargura contrai meu peito
enquanto nos aproximamos. Tento ignorá-lo, mas afunda no meu
intestino como uma âncora.
Eu amo Arida, mas deuses, o que eu não daria para virar este
navio e continuar navegando.
Nossas velas incham quando o vento nos leva em direção ao
porto, e meu pai se prepara para atracar. Pode-se esperar que eu
dirija o reino um dia, mas meu pai ainda se recusa a me ensinar
algo tão simples quanto navegar no Duquesa. Como sou uma das
duas herdeiras em potencial de Montara, ele me diz que viajar é
muito perigoso. Apesar de ter passado muitos anos implorando e
argumentando que eu deveria navegar e ver meu reino, ele
dificilmente me deixa tocar o leme.
Mas isso significa que é hora de se esforçar mais. Hoje é meu
aniversário, afinal.
Afasto minhas preocupações com as gaivotas que circundam o
mastro principal e me junto a ele. Os lábios do meu pai franzem
enquanto eu sorrio; ele sabe exatamente o que eu quero.
— Por favor? — Descanso minha mão macia ao lado da mão
áspera no leme, desejando o brilho beijado pelo sol e calos ásperos
do mar que ele usa com orgulho – os sinais reveladores de um
viajante.
Não resta muito tempo antes de atracarmos. As águas estão
ficando rasas, batendo furiosamente contra o navio enquanto nos
aproximamos de Arida. Uma pequena multidão de servos e
soldados reais nos espera na areia vermelha, prontos para nos levar
e preparar-nos para esta noite.
— Não. — Papai endireita os ombros para me bloquear.
Eu o rodeio para reivindicar seu olhar. — Sim. Só desta vez?
O suspiro que ele dá faz seu peito largo tremer. Deve sentir o
quanto eu quero isso, porque pela primeira vez na minha vida se
afasta e me oferece o leme. Minha mão livre agarra a madeira lisa,
sem perder um segundo, e reprimo um arrepio com a sensação
entre as palmas das mãos.
Natural. Como se minhas mãos fossem feitas para isso.
— Você deve ir devagar — diz meu pai, mas não estou
prestando atenção. O navio sente cada pedaço da besta, capaz de
assumir a promessa de aventura do mar e conquistar qualquer coisa
em seu caminho. É forte, destemido, mas sinto sua relutância em
me ouvir. Este navio é como meu povo; exige um capitão merecedor
e não aceita menos.
Raspo minha unha delicadamente contra a madeira e torço o
leme, apenas dois centímetros. O navio estremece em resposta,
considerando-me. Meu pai fica perto, as mãos tremendo e prontas
para assumir o controle, caso algo dê errado. Eu não vou deixar.
Sou Amora Montara, Princesa de Visidia e herdeira do trono do
Alto Animancer. Não há navio que eu não possa navegar. Não há
nada que eu não possa dominar.
O vento muda com uma rajada de ar, perturbando as velas e
empurrando a embarcação dois centímetros ou mais para a
esquerda. Não é uma grande mudança, mas o navio está me
desafiando e não sou de perder. Ajusto meu aperto no leme para
corrigi-lo.
Não preciso olhar para cima para saber que estamos entrando
em águas rasas. Posso sentir isso no comportamento do navio, na
maneira como sua constante calmaria se transforma em algo rígido
e feroz.
— Aperte mais a sua mão esquerda. — A voz de meu pai está
distante, mas eu faço o que ele diz. O navio range em resposta.
Eu sou Amora Montara. Cravo minha unha no Duquesa
novamente quando o navio estremece. O poder de Arida está dentro
de mim. Você vai obedecer.
Duquesa geme quando atingimos a areia, e o impacto sacode
meu peito. Perco o equilíbrio e luto para conseguir uma melhor
firmeza, mas o leme está escorregadio da névoa do oceano, e meu
rosto bate nele. Madeira irregular arranha minha bochecha, fazendo
o navio rir enquanto se acomoda na areia. Eu me afasto, passando
um dedo pela minha pele. Ele sai pingando sangue.
O navio venceu e sabe disso. Não me lembro da última vez que
algo me fez sangrar.
— Amora! — A voz do meu pai estala de horror. A raiva incha
na minha barriga enquanto encaro as mãos que me traíram.
Navio maldito. Tudo o que precisava fazer era ouvir.
— Pela lâmina de Cato, você está sangrando.
Esta noite, devo ser perfeita. Não há espaço para ferimentos
feios que sinalizem fraqueza.
— É apenas um arranhão. — Eu o afasto. — Mira será capaz de
cobrir.
A culpa atravessa nas rugas entre as sobrancelhas comprimidas
do meu pai. A visão disso faz a raiva rasgar minhas veias como
veneno. Não é culpadele que eu esteja sangrando. Não é culpa
dele que eu não possa comandar nem um navio que não quer me
ouvir.
Pego o seu braço antes que ele possa dizer mais alguma coisa.
Descemos a ponte do Duquesa, para onde Mira espera na areia
da cor de sangue fresco, entre vários homens e mulheres rígidos
que vestem blazers leves com detalhes em ouro rosa. Ela usa
calças pretas largas e uma blusa combinando que ondula em seu
corpo pequeno, presa por pequenas alças de pérolas que brilham
sob seus cabelos - um fluxo espesso de ondas tão escuras e
elegantes quanto as penas de um corvo. A guarnição sólida de ouro
rosa ao longo de sua roupa combina com o emblema real que ela
usa com orgulho no peito; é o mesmo que os outros usam – o
esqueleto de uma enguia enrolada em uma coroa de osso de baleia.
Embora ela seja um pouco mais velha do que eu, o rosto afiado
de Mira está prematuramente enrugado pela ansiedade constante.
Nos seus cinco anos como minha dama de companhia, ela
aproveitou todos os momentos possíveis para me irritar, tão
protetora quanto meus pais. Quando vê minha bochecha, ela
engasga e me puxa para frente.
— Hoje entre todos os dias. — Ela tira um lenço do bolso e
esfrega na minha bochecha. A desaprovação feroz persiste nas
palpébras de seus olhos azuis apertados, e enquanto espero o
veredito, ela franze a testa. — A ferida está fresca, então podemos
escondê-la se agirmos rapidamente. Venha, vamos prepará-la.
Olho de volta para o meu pai, procurando o seu sorriso de
encorajamento. Mas ele fica franzido quando os oficiais o atraem,
sussurrando segredos não destinados a sucessores não
comprovados. Dou um passo em direção a ele, silenciosamente
implorando para que se vire e busque meu conselho ou me convide
para a discussão, mas Mira agarra minha mão.
— Você sabe que não lhe dirão nada. — Embora sua voz seja
suave, as palavras parecem garras. — Não até depois da sua
apresentação.
Afasto a mão de Mira, deixando o navio roubar minha atenção.
Sua madeira range de tanto rir quando se assenta na areia,
zombando de mim.
O som afunda nos meus ossos e me pergunto: se não posso
nem governar um navio, como estou pronta para governar um reino
inteiro?
CAPÍTULO DOIS
Ikaeans encantaram a luz das tochas, cobrindo o caminho lotado
embaixo da minha varanda em tons deslumbrantes de rosa, azuis e
roxos.
Centenas de visidianos escalam os penhascos íngremes da
praia até onde a celebração começa na parte inferior do palácio,
alguns deles usando caminhos pavimentados, enquanto os mais
aventureiros tecem dentro e fora dos eucaliptos arco-íris e sobem a
costa, engasgando com zombarias e respirações rápidas,
competindo uns com os outros. Um grupo de soldados de
Curmanan espera na costa para ajudar aqueles que não podem ou
preferem não fazer a escalada. Eles levantam crianças e famílias no
ar e sobem os penhascos do norte até onde a celebração aguarda.
Eles são hábeis o suficiente com sua magia de levitação, que vem
tão facilmente quanto suas respirações.
A batida constante dos tambores é mais intensa do que era
antes; cada uma delas enche meus ossos enquanto o oco som de
percussão enche meu peito. O ar pulsa com energia e risos, quente
com o cheiro de carne de porco ricamente temperada e ameixas
assadas.
Cada pessoa – jovem e velha – está fora hoje à noite. Quando
chegar a hora da minha apresentação, não haverá como me
esconder dos olhos de Visidia.
— Não é magnífico? — Yuriel pergunta. — É melhor do que o
teatro por aí, com todas aquelas modas e magias. Deveríamos
reunir o reino dessa maneira com mais frequência. — Meu primo se
senta no canto da minha cama de dossel, encostado contra um
edredom de penas de ganso enquanto apanha uma bandeja cheia
de sobremesas luxuosas. Sentado lá, ele parece quase um cisne,
cuidadoso para manter qualquer coisa que se pareça com chocolate
longe das penas de pavão rosa tingidas que compõem seu traje
excêntrico, mas bebendo profundamente de um copo de cristal de
vinho tinto de ameixa mesmo assim. Fico distraída com o brilho
surpreendente de seus olhos cor de lavanda e a bela maquiagem
rosa fluorescente que sai deles.
— Quando eu governar, reunirei o reino para muitas
celebrações. — Afasto-me da varanda e fecho as cortinas de veludo
atrás de mim. Dizer isso em voz alta aquece meu sangue, fazendo
minha pele formigar com antecipação por esta noite.
Em apenas algumas horas, tudo o que passei dezoito anos
trabalhando serão finalmente meus.
Meu título como herdeira de Visidia. A oportunidade de navegar
e ver meu reino. O direito de não apenas aprender seus segredos,
mas de comandá-lo.
— Fico feliz em ver que você está confiante — diz Yuriel entre
mordidas pegajosas de caramelo gelado. — Vou cobrá-la por isso.
Embora Yuriel e eu somos ambos Montaras, nossas
semelhanças terminam no sangue em nossas veias. Com um pai
que é pálido como a neve em pó, a pele do meu primo é várias
tonalidades mais claras que o meu próprio marrom cobre. E
enquanto meu cabelo é uma massa de cachos escuros, o dele,
como todas as coisas em Ikae, sua cidade natal, é extravagante. É o
tom mais forte de branco, puro mesmo nas raízes. Onde eu sou alta
e curvada com músculos, ele é macio e delicado - um garoto
propaganda de Ikae.
Mas nossa maior diferença é que, apesar de sua linhagem real,
Yuriel não pode aprender magia da alma. Ele desistiu de tentar
quando tinha cinco anos e acidentalmente usou magia de
encantamento para tornar o cabelo de tia Kalea verde fluorescente.
Embora ele fosse jovem demais para ser responsabilizado por
essa escolha, agora é um dever que tia Kalea e eu assumimos
sozinhas. Se eu não for considerada uma herdeira apta, meu povo
passará para ela; a única Montara remanescente que ainda
consegue reivindicar uma mágica.
Mas isso não vai acontecer. Ninguém na minha família jamais
falhou em sua apresentação, e dediquei muito da minha vida para
não ser a primeira.
— Amora? — Mira aparece na sala conectada. Suas íris são
brancas e vidradas; o olhar de um Curmanan usando a fala da
mente. — Seus pais estão prontos para você. — Ela pisca o azul de
volta em seus olhos. — Quando estiver pronta, Casem irá
acompanhá-la até eles.
Yuriel balança as sobrancelhas quando me viro para dar uma
olhada final em mim. O arranhão na minha bochecha é quase
imperceptível sob camadas de cremes e pós. Meu vestido de crepe
é feito para chamar a atenção – azul royal com um top apertado e
estruturado, bordado com finas espirais douradas que acentuam
minhas curvas e iluminam o calor da minha pele de cobre. É
apertado em todas as áreas que posso apreciar, e com meus
cachos castanhos escuros presos frouxamente na nuca, o efeito
criado é feroz.
Mira me oferece uma capa que parece ter sido encharcada de
safiras derretidas e polvilhada pela luz das estrelas. Ela a prende no
meu vestido, logo abaixo dos ombros, e minha respiração fica presa.
Brilha como o sol refletindo na água escura e mancha pontas dos
meus dedos com brilho enquanto as escovo pelo tecido macio.
— Você realmente se superou — digo a ela, pegando o sorriso
orgulhoso que tenta esconder.
— Ferrick é um homem de sorte — diz ela. — Você está bonita.
Minha felicidade se despedaça. Com o tempo que levou para
me encaixar nesse vestido, eu certamente deveria estar linda. E me
senti assim antes de Mira mencionar Ferrick.
— Obrigada — eu digo rapidamente, tentando apagar os
pensamentos do meu futuro noivo. — Estou pronta para ver meus
pais.
— Boa sorte! — Yuriel aplaude enquanto se serve outro copo de
vinho. Eu o deixo para trás no meu quarto; minhas botas estalando
contra o chão de mármore enquanto sigo Mira pela porta. Meu
guarda, Casem, espera com a cabeça encostada na parede.
Como um Valukan, Casem é capaz de manipular o ar ao seu
redor. Mas Casem prefere o armamento à magia, e raramente
pratica suas habilidades. Ele veste com orgulho o uniforme que
todos os guardas reais e soldados visidianos usam,
independentemente de qual ilha eles vieram: um blazer azul royal
marcante e uma capa de safira cintilante, com costuras prateadas
ao longo da revestimento.O emblema real da enguia esquelética
brilha intensamente em sua capa quando ele mergulha em um arco
ao nos avistar, embora seus pálidos olhos azuis permaneçam em
Mira por mais tempo do que em mim. Ele é como um favo de mel
ambulante, com sua pele bronzeada e cabelo loiro claro, e eu juro
que ele se derrete toda vez que olha para ela.
Talvez um dia eles tenham coragem de se beijar e acabar com
seu desejo constante.
— Vocês dois planejam curtir a celebração? — Eu pergunto
enquanto caminhamos, agradecida por ter alguém sóbrio para
conversar. — Ou meu pai os colocou em serviço?
O silêncio momentâneo deles é a resposta suficiente.
— Duvido que seja necessário. — Casem olha por cima do
ombro, sorrindo para nós. — Mas cuidar de você hoje à noite é um
privilégio. Embora, eu admito... o porco assado cheira como se
fosse cozido pelos deuses. Eu não me oporia se você conseguisse
guardar comida extra...
— Casem! — Mira engasga, mas o guarda ri e eu sorrio.
— Vou dizer à equipe da cozinha para deixar algo de lado —
asseguro-lhe quando subimos as escadas, meu coração disparando
enquanto nos aproximamos da sala do trono.
As colossais portas duplas olham para mim, uma presença
iminente que arrepia meus ossos. Faço uma pausa diante delas,
respirando fundo enquanto tomo um momento para me estabilizar.
Após dezoito anos de espera, isso está finalmente acontecendo.
Ornamentalmente esculpido com o mapa da terra que
comandamos, todo o reino de Visidia se desdobra através das
placas douradas, retratadas por uma coleção de ilhas incrustadas
de jóias cintilantes. Ilha da magia da alma e a capital do nosso reino,
Arida é representada por uma safira brilhante que fica
orgulhosamente no meio do mapa.
Minha pele esquenta enquanto eu passo meu dedo em minha
ilha natal, seguindo diretamente acima até a casa de Yuriel -
Mornute, marcado por rosa berila. Uma ilha luxuosa e rica, cheia de
habitantes elegantes que usam sua magia de encantamento para ter
cabelos roxos em um dia e rosa no seguinte. Mornute é conhecida
não apenas por sua mágica, mas também por suas exuberantes
vinhas nas montanhas. A ilha do encantamento produz e exporta a
maior parte do álcool de Visidia. Embora a cerveja seja deliciosa, o
vinho é de longe o meu favorito.
À esquerda fica a ilha natal de minha mãe e Casem, Valuka.
Marcado por um rubi, é onde a magia elementar é praticada.
Enquanto minha mãe escolheu que sua afinidade seja a água,
aqueles com magia Valuka podem escolher entre manejar terra,
fogo, água ou ar.
Abaixo de Valuka, há uma ilha mais ilusória para mim – Kerost,
a ilha da magia do tempo, retratada com uma ametista. Embora seja
impossível manipular o próprio tempo, aqueles com essa mágica
são capazes de mudar a maneira como os corpos interagem com o
tempo, diminuindo a velocidade ou acelerando a si mesmos. Temos
soldados e funcionários aqui no palácio que vêm de todas as ilhas,
mas já faz muito tempo desde que vi a mágica do tempo em ação.
Meu pai me contou histórias sobre quão cansativa essa magia pode
ser para seus usuários, e é por isso que é a mágica menos
praticada de Visidia.
À extrema direita de Arida, fica uma espessa pedra de
esmeralda que marca o centro de Suntosu, a ilha da magia da
restauração. Os curandeiros habilidosos costumam trabalhar para o
reino, onde são enviados para enfermarias por toda Visidia,
encarregados de cuidar dos doentes e feridos. Mas Suntosu
também é a casa de Ferrick, meu noivo, e por esse motivo eu
percorro rapidamente pela ilha, não querendo pensar em ter que
anunciar nosso noivado. Em vez disso, trago meu dedo para cima,
até o ônix que marca Curmana, o local de nascimento de muitos de
nossos funcionários reais, incluindo Mira. Penso nos Curmanans
que assisti mais cedo, ajudando outros a subir os penhascos.
Mas nem todos são hábeis em levitação; alguns, como Mira,
são talentosos falantes da mente, capazes de se comunicar
diretamente na mente de outra pessoa sem precisar usar os lábios.
Meu pai contratou vários deles para trabalhar com os conselheiros
de cada ilha, e a mágica deles é como nos comunicamos tão
rapidamente. Também é um ótimo recurso para as últimas fofocas
do reino.
Quando vou puxar minha mão, meu polegar passa por um
pequeno buraco no mapa, no extremo sul de Arida, e me inclino
para examinar o buraco que antes continha uma linda opala branca.
Zudoh. Uma ilha especializada em magia amaldiçoada, banida
do reino quando eu era criança. Não sei muito sobre a magia deles
– apenas que era usada para proteção. Eles poderiam criar
barreiras e encantos que, quando tocados, levariam as pessoas a
ver coisas estranhas. A ilha era conhecida principalmente por sua
infraestrutura avançada e madeira de engenharia única que se
prestava à produção de nossas casas e de nossos navios. Como a
ilha mais ao sul, seu clima é o mais frio de todos. Diz-se que os
invernos em Zudoh são rigorosos e cheios de neve e nevascas.
Não me lembro muito do banimento deles, aconteceu quando
eu tinha apenas sete anos de idade. É um assunto delicado de
conversas em todo o reino, frequentemente mencionado em
sussurros atrás de portas fechadas. Até mesmo meu pai não gosta
de discutir isso. Sempre que eu pressionava por detalhes, ele era
rápido em dar as costas e dizer que Zudoh não concordava com a
maneira como os Montaras governam, e que eles nunca o farão.
Além disso, tudo o que sei sobre o banimento de Zudoh foi obtido
mantendo um ouvido na rede de fofocas do reino.
Ouvi dizer que os conselheiros de Zudoh se voltaram contra
meu pai durante uma de suas visitas à ilha, e houve uma briga que
o deixou gravemente ferido. Lembro-me vagamente de um breve
período em que meu pai parou de me treinar e eu não tinha
permissão para vê-lo. Naquela época, assumi que ele estava
ocupado; apenas anos depois eu liguei os pontos.
É irritante, esperam que um dia eu governe este reino, mas
ainda assim me tratam como uma criança por manterem tantas
informações em segredo "até que eu esteja pronta".
É por isso que estou ansiosa para hoje à noite, mais do que
qualquer coisa. No momento em que minha apresentação terminar e
eu for oficialmente reconhecida como herdeira do trono, exigirei
saber tudo o que há para saber sobre o meu reino. Não vou mais
me perguntar. Meu pai não será mais capaz de me manter
escondida em Arida, me dizendo para continuar praticando minha
magia. Ele terá que me tratar com o respeito que a futura rainha
merece. Eu posso ser uma das poucas herdeiras possíveis, mas eu
não sou a coisa frágil e quebrável que ele acredita que eu seja.
— Amora? — A voz de Mira me chama de volta.
Dois guardas do palácio ladeiam meus lados, cada um com a
mão apoiada nas maçanetas grossas da porta, esperando.
Eu respiro. — Abram.
As portas trazem uma onda de ar quando se separam, deixando
alguns fios soltos de cachos livres de suas bobinas em meu
pescoço e nos meus olhos. Meu peito fica apertado quando minha
respiração acelera. Olho de relance para Casem e Mira, que estão
de joelhos, com a cabeça baixa, e entro.
As portas se fecham atrás de mim.
Não há necessidade de luz na sala do trono. Tochas e o brilho
das estrelas esgueiram-se pela parede traseira aberta e inundam o
espaço cavernoso. Como em qualquer outro lugar dentro do palácio,
o chão é de mármore branco, embora aqui esteja parcialmente
coberto por um grosso tapete de safira, enfeitado com detalhes
dourados. Na extremidade, três tronos feitos de pérolas e ossos de
baleia estão no topo de seis degraus de mármore preto.
Em breve haverá quatro cadeiras. Uma vez casada, Ferrick
sentará ao meu lado toda vez que eu reunir o conselho.
Minhas mãos suam, mas não há tempo para me demorar na
quarta cadeira invisível. Meus pais estão diante dos dois tronos da
frente; a varanda panorâmica exposta com vista para Arida se
espalha atrás deles. A luz da tocha encantada ilumina seus perfis e
transforma seus sorrisos brilhantes em luas radiantes em miniatura.
— Amora. — Meu pai fala primeiro. — Você está linda. — Há
uma mesa atrás dele, embora eu não possa ver o que está nela.
A realidadedo que está prestes a acontecer transforma minhas
pernas em pedra. Trêmula, forço-as a avançar, passo a passo.
Pilares de mármore se erguem ao meu lado - há mais quatro entre
meus pais e eu. Eu conto cada um enquanto me movo.
Um.
Mais uma hora até eu provar a Visidia que devo ser a herdeira
deles.
Dois.
Mais duas horas até eu ficar noiva de um homem que nunca
vou amar.
Três.
Mais três horas até eu dar o comando de preparar um navio
para zarpar amanhã, e exigir saber todos os segredos sobre esse
reino que já foram escondidos de mim.
Quatro.
Finalmente o nervoso vem, cavando em mim. Me fazendo suar.
No final da escada, eu me curvo e meu pai ri.
— Venha, Amora — diz ele. — Venha se sentar.
Engulo um nó na garganta e subo os degraus rapidamente
enquanto começo a andar em direção à minha cadeira – a de trás.
Minha mãe agarra meus ombros e me vira.
— Essa não — ela sussurra, apontando-me para a maior
cadeira – a que pertence ao Alto Animancer.
Meu coração é um monstro que se enfurece contra a minha
caixa torácica quando meu pai segura meu braço e me guia para
seu assento.
A sala parece enorme vista daqui. Não há estrelas deste ângulo,
nem janelas para a ilha. Somos apenas eu e um espaço vazio que
parece grande demais.
— Um dia, quando os deuses levarem minha alma ou a ilha não
me achar mais apto a governar, é aqui que você ficará sentada.
Você governará este reino, como os deuses a criaram para fazer. —
A voz de meu pai é distante; meus batimentos cardíacos
estrondosos latejam nos meus ouvidos, mais alto que suas palavras.
— Eu conheço sua magia, seu controle e sua força. Nos últimos
dezoito anos, observei crescer dentro de você todos os dias e não
podia estar mais orgulhoso. O poder de Arida é forte dentro do seu
sangue, e ainda assim você o conquistou. Agora é hora de provar
isso ao nosso povo. Mostre a eles que quando meu tempo acabar,
eles poderão depositar sua confiança em você. — Ele se aproxima,
desenhando duas dragonas elegantemente cruéis da mesa.
As peças ornamentais dos ombros são assustadoramente altas,
incrustadas com grossas pedras preciosas para representar as
várias ilhas de Visidia, e formam picos irregulares e perigosos que
certamente cortarão minha própria bochecha se eu me virar muito
rápido.
O desejo aumenta, quase me sufocando. Eu nunca percebi o
quão leves meus ombros eram até este momento.
— Amora, você jura aceitar essa posição que os deuses lhe
ofereceram, usando sua magia com honestidade e julgamentos
justos? — Ele pergunta enquanto prende a primeira.
— Eu juro. — Agarro os braços da cadeira para me firmar.
— Você jura defender as leis da magia da alma, sabendo que
toda vez que a exerce, deve ser com um propósito? — Meu pai
prende a segunda dragona.
— Eu juro.
Ele recua um passo para me olhar. — E, o mais importante,
você jura sua dedicação em proteger o povo de Visidia, mantendo
essa mágica durante toda a sua vida? Mesmo sabendo das
consequências?
Olho para ele com firmeza, com o queixo erguido. — Eu juro.
Seus olhos brilham quando a luz da tocha os pega. — Então
seu treinamento termina aqui e você pode ser Animancer ao nascer
do sol. Você tem minha benção.
As pedras roçam meu pescoço e orelhas, forçando arrepios na
minha pele. Quando tremo, mamãe pressiona a mão no meu braço,
sua presença me estabilizando.
— Feliz aniversário, meu amor. Estamos orgulhosos de você. —
Sua linda pele marrom brilha tão radiante quanto as falésias à beira-
mar ao nascer do sol, a quente sombra âmbar quase uma
combinação perfeita da minha. Seus cachos ruivos escovados são
volumosos embaixo da sua elegante coroa – uma série de conchas
e corais brilhantes, com várias estrelas do mar secas tecidas e
incrustadas com delicadas pedras preciosas de safira. Combina com
seu vestido azul royal, solto e aparentemente discreto, mas tecido
com detalhes ricos. Uma linha vermelha rubi reveste sua capa e a
marca como alguém originalmente de Valuka, e um punhado de
minúsculos diamantes são espalhados por seu corpete. Suas jóias
são o que realmente cintilam – brincos gordos de pérola e diamante,
rubis e safiras brilhantes que adornam a gola do vestido enquanto
ela se espalha pelo pescoço e anéis finos que fazem seus dedos
cintilarem enquanto ela se move.
Algo em sua outra mão capta a luz e brilha. Quando me percebe
olhando, ela sorri e abre a palma da mão.
— Isso pertencia à sua avó — diz ela, balançando um colar na
ponta dos dedos. A corrente é de ouro maciço. Ela serpenteia em
torno de uma safira pesada que paira no meio, com gotas de
diamantes penduradas sob ela. É uma das coisas mais bonitas que
já vi. — Ela me confiou quando você era criança. Essas jóias são
dignas da futura rainha de Visidia.
Antes que eu saiba o que está acontecendo, o colar está preso
no meu pescoço. Minha mãe beija minha têmpora, mas meus pais
ainda não terminaram.
Quando meu pai tira uma coroa de trás do trono, toda a
respiração do meu corpo escapa.
O capacete gigante foi construído a partir de ossos de baleia e
banhada em marfim. Dezesseis pilares ósseos saltam da base e
sobressaem pelo menos um pé e meio no ar. São afiados como
pingentes de gelo, prontos para empalar, e são suavizados apenas
pelas indulgentes flores brancas e azuis que mamãe enfia atrás da
minha orelha e tece nos ossos.
Se há uma coisa que tenho certeza sobre esta noite, é que
estou destinada a usar essa coroa.
Quando eu me apresentar hoje, não haverá dúvida de que serei
a futura Animancer de Visidia, depois que o tempo do pai tiver
passado. Quando meu povo me vir hoje à noite, eles saberão, assim
como eu.
Levanto-me e abraço minha mãe primeiro, depois meu pai.
Ambos me seguram com força, mas tomam cuidado para não bater
na coroa ou cortar suas bochechas nas minhas dragonas afiadas.
— Faça uma ótima apresentação lá fora. — Minha mãe ajusta
as flores no meu cabelo, dando-me uma última olhada antes de
sorrir em aprovação.
— Mostre ao nosso povo que o poder dos Montaras é forte —
diz o pai.
— Eu farei mais do que isso. — Eu traço meu dedo ao longo da
minha coroa, minha respiração mais fácil e meus músculos
relaxando a cada segundo que passa. — Vou mostrar a eles que eu
sou forte.
Com o peso confortável da bolsa nos quadris, estou pronta.
Meu pai abraça meu ombro gentilmente, apenas uma vez, e
oferece a mão para a mãe.
Está na hora.
CAPÍTULO TRÊS
Todas as cabeças se viram enquanto Casem me acompanha do
palácio até o meio da celebração. Vinhas pesadas, emaranhadas
com flores cor-de-rosa brilhantes estão penduradas ao lado do
penhasco, roçando meus ombros e tentando serpentear em volta da
minha coroa enquanto escalamos a encosta da montanha, onde
realizarei minha cerimônia ainda esta noite.
Casem me leva através de um mar de pessoas que se separam
quando passamos, sem me deixar ficar em qualquer lugar por muito
tempo. Enquanto caminhamos, ele respira profundamente e geme.
— Pelo sangue de Cato, desejo que meus aniversários cheirem tão
bem.
Dezenas de vendedores estão empoleirados no caminho da
montanha, oferecendo tudo o que poderia imaginar e muito mais -
carne de porco assada, bolos de mel úmidos, pudim de banana e
doces ricos de Ikae, peixe cru e fatias de manga com cobertura de
açúcar, frango, frutas, tudo. Existem até mesmo alguns que vendem
coroas de brinquedo ou sabres incrustados com pedras de safira
ousadas.
Duas mulheres aridianas se posicionam perto dos barris de
vinho, rindo ruidosamente enquanto um guarda real tenta conduzi-
las para longe e então para as barracas de comida. Uma delas
afasta as mãos do guarda com outra risada quase contagiosa. Atrás
deles, tochas rosa e azuis iluminam a noite, brilhando com a magia
do encantamento de Mornute. Elas iluminam as figuras de artistas e
civis que dançam e cantam ao ritmo da bateria, alegres e
despreocupados. Risos revestidos de vinho borbulham no ar e se
sobrepõem à música. Na praia abaixo, outros ainda estão chegando
em seus navios, pegando comida e cumprimentando-se
alegremente antes de começarem a subir.
— É a princesa! — O sussurro agudo de uma garota Valukanchama minha atenção. Ela olha para minha coroa com uma
mandíbula frouxa, e aqueles que a cercam não são diferentes.
Observam meus adornos antes de se lembrarem e se curvarem.
Diante deles, mantenho meu pescoço alto, apesar do peso da
minha coroa, e meus ombros para trás, mesmo quando as dragonas
lutam contra mim. Embora parte de mim queira afastar suas
formalidades, a verdade é que eu as desejo. Ver meu povo
mergulhado em respeitosos laços, endireita ainda mais os meus
ombros enquanto meu peito se enche de orgulho.
Durante toda a minha vida treinei para proteger essas pessoas,
e agora elas finalmente verão o quão capaz eu sou.
Enquanto atravesso a multidão, a maioria dos visidianos se
afasta nervosamente, olhando a coroa e as dragonas com
reverência, enquanto outros correm para me cumprimentar com os
apertos de mão oferecidos. Embora reconheço os rostos de alguns,
centenas de estrangeiros se reuniram em minha casa para ver sua
princesa garantir seu título de Animancer de Arida. Eles vestem as
cores de suas ilhas de origem, criando um mar de vários tons e
modas.
Como Yuriel, os cidadãos de Mornute estão enfeitados de penas
– a atual tendência da moda. Uma mulher encantou seu vestido
para parecer uma única pena de cisne, com um fino brilho que
ondula na cintura até que se desdobra em torno dela. O homem ao
seu lado tem uma maquiagem azul vibrante que sai do fundo de
seus olhos. Ele usa uma capa de pêssego com ombreiras de penas
que brotam do pescoço. A cada poucos passos que dá, a capa
brilha com a imagem passageira de um flamingo voando sobre ela.
Os filhos de Valuka estão vestidos de maneira mais simples,
usando xales soltos e lindas saias ou calças de linho – roupas leves
que liberam seus movimentos. Eles brincam em torno de uma das
tochas, roubando sua chama e jogando-a para frente e para trás.
Uma garotinha loira perde o controle da chama e queima a ponta do
xale de rubi. Sua mãe vê o que está acontecendo e golpeia a mão
da menina. Ela afasta as crianças da chama e a acende com um
aceno de sua palma.
Mágica em uma quantidade que nunca vi antes está
acontecendo ao meu redor, e eu desejo isso. Uma mulher com uma
pele marrom-violeta e um rosto macio emoldurado por cachos
parecidos com nuvens veste uma capa de esmeralda de Suntosan,
enquanto usa sua mágica para curar a criança Valuka ferida pelo
fogo. Atrás dela, um homem de Curmanan de túnica preta flutua
dois copos de vinho ao seu lado e carrega pratos cheios de comida
para sua família.
No meio dessas pessoas, crianças e seus pais se reúnem para
assistir a um show de marionetes, uma das dezenas de
apresentações de rua que acontecem hoje à noite.
— Venha um! — Uma voz vibra dramaticamente por trás do
tenda.
— Venham todos! — Uma multidão de crianças responde
automaticamente, observando com um olhar esbugalhado.
Somente após a resposta deles o narrador continua. — Venham
se reunir para ouvir a história dos grandes Montaras –
conquistadores de magia, protetores do reino!
Os pais puxam as crianças para o colo, e me pergunto se elas
acham essa exibição tão maravilhosamente exagerada quanto eu.
Pego a manga de Casem quando as cortinas de veludo escuro
da tenda se abrem para o início de um show e o puxo de volta para
as sombras para assistir.
— Sério? — Ele pergunta, suspirando enquanto o silencio.
— Era uma vez — o narrador sussurra — um monstro cruel que
tentou destruir Arida com sua magia. — As luzes piscam na tenda
quando um dos artistas levanta a mão – está coberta por um boneco
feito de uma forma grosseira para se parecer com um monstro. —
Este animal era cruel e procurava corromper aqueles com múltiplas
magias. Naquela época, ninguém sabia dos perigos disso. Eles
estavam exaurindo seus corpos, levando a mortes lentas e
dolorosas à medida que o excesso de magia os consumia.
— A mágica tem um jeito de tornar uma pessoa gananciosa —
continua ele. — Quanto mais alguém tem, mais eles tendem a
querer. A fera atacou essa ganância oferecendo a outros a chance
de aprender sua magia – a magia mais poderosa que o mundo já
viu, ela havia afirmado. As pessoas aproveitaram a oportunidade,
nunca esperando o que o monstro realmente queria delas: suas
almas!
Suspiros soam da platéia e, ao meu lado, Casem abafa uma
risada. Eu cutuco seu cotovelo, parando-o antes que alguém
perceba.
Para Casem e os espectadores, essa é simplesmente outro
conto antigo de nossa história com a qual crescemos. Para mim,
este é o meu sangue. Minha descendência.
—… a mágica era uma coisa perigosa, perversa — continua o
narrador. — Hoje, chamamos isso de magia da alma. Ligou-se à
alma após a alma gananciosa daqueles que possuíam múltiplas
magias, matando-as! E mesmo com metade da população de Arida
destruída, a fera não estava contente. À medida que sua fome
aumentava, ela procurava espalhar sua praga. — A besta persegue
uma série de bonecos gritando pelo pequeno palco antes de engoli-
los. Casem pressiona os lábios com força, forçando um sorriso. Eu
deixei que tivesse esse.
— Quando toda a esperança parecia perdida — continua a
história — uma pessoa se posicionou contra o monstro – Cato
Montara! — Um boneco de aparência real do meu grande ancestral
pula no palco, animando crianças e adultos. Muitos deles levantam
réplicas falsas da faca esfoladora de Cato e aplaudem.
— Cato ainda não havia estabelecido a monarquia; era apenas
um homem humilde e sem magia que procurava proteger as
pessoas que amava. Ele fez um acordo com a besta – se pudesse
convencer todos a se contentarem em praticar apenas uma mágica
para sempre, então a besta teria que dar a Cato sua mágica e
deixar Arida em paz. O animal riu na cara dele e concordou, pois
acreditava que as pessoas eram gananciosas demais para tais
termos. Não esperava que Cato pudesse convencer os outros a
parar de praticar todas, exceto uma de suas magias – e mesmo
assim ele o fez.
— Cato então venceu a fera com nada além de uma única faca
de esfolar, e por causa de seu acordo, sua magia estava
eternamente ligada à linhagem de Montara! — As crianças ofegam
admiradas, olhando suas facas de brinquedo.
A voz do narrador aumenta dramaticamente. — Mas se
voltássemos em nossos caminhos, a fera poderia um dia voltar.
Então, para proteger nosso povo de ser tentado por várias mágicas
novamente, Cato decidiu que as pessoas escolhem apenas um tipo
de magia para praticar e vão morar na ilha que agora representaria
essa mágica. Ele ficou em Arida, com aqueles que escolheu como
conselheiros de cada ilha, e criou o reino. O rei Cato fez de Visidia o
que é agora, mas — o narrador abaixa a voz em advertência — não
somos os únicos responsáveis por manter a fera afastada. Os
Montaras nos protegem, mantendo-o trancado em seu sangue. Se
alguma vez se libertar dos Montaras, buscará vingança em todos a
Visidia. Destruirá cada uma de nossas almas.
As crianças começam a mudar de preocupação, e a voz do
narrador volta novamente, perfeitamente sincronizada. — Mas não
temas; contanto que não violemos nosso voto de praticar apenas
uma mágica, e tenhamos um Animancer que seja forte o suficiente
para manter o poder da besta e dominar sua mágica, Visidia
permanecerá para sempre em segurança.
Orgulho aquece minha pele se arrepiando. É um show incrível,
projetado perfeitamente para introduzir a apresentação que estou
prestes a dar. Estou tão entretida que pulo quando um garotinho
grita da platéia: — Se a mágica é tão perigosa, por que os Montaras
ainda a praticam? — Ele ganha um shhh forte de uma mulher que,
suponho, é a mãe dele. Outros oferecem alguns risos silenciosos.
O narrador está preparado para a pergunta. Sua voz é tímida e
suave como melaço. — Não é tão simples. Magia é uma coisa
estranha, meu garoto; não é algo que apenas desaparece quando
negligenciado. E a magia aridiana é particularmente perigosa, pois a
besta que a deu aos Montaras está constantemente lutando pelo
controle da alma de seu usuário. A magia deve ser usada e
exaurida, caso contrário, ela apodrecerá e crescerá até que a besta
se torne forte o suficiente para assumiro controle.
— Quando o rei Cato a trancou dentro da linhagem de Montara
— continua o narrador — ele fez a missão de sua família dominar e
conter a besta, aqueles que recebem o título de Animancer – um
mestre de almas. Essa é a razão pela qual nos reunimos aqui esta
noite, para assistir a princesa Amora concretizar sua posição como
herdeira de Visidia, provando ser capaz de se tornar Animancer.
Que ela um dia governe, assim como seu pai, o rei Audric.
Nervosimo enche meu peito. Pego o braço de Casem para
puxá-lo para longe antes que alguém nos note, mas um bufo da
multidão me interrompe.
— Certo, porque outro governante preguiçoso é realmente o
que precisamos.
Meu aperto no braço de Casem afrouxa.
Um soprano frívolo responde com uma risada. — Preguiçoso?
Por favor, você está balbuciando como um torcedor sem noção do
Kaven. As ilhas estão prosperando.”
— Talvez a sua ilha esteja prosperando. Mas quase ninguém
está visitando Valuka desde que as fontes termais secaram. Sem
mencionar Kerost, que mal consegue se manter flutuando.
Vários guardas do palácio estão por perto, com os olhos
brilhando de curiosidade. Eles não fazem nenhum movimento para
parar a calúnia.
Da minha posição atrás deles, aqueles que assistem à
performance não me notam até eu dar um passo à frente para me
apresentar: — Desculpe-me? — O silêncio prende as conversas,
uma a uma, os rostos se voltam para mim horrorizados. Os guardas
se endireitam de uma vez. — A que governante preguiçoso você
está se referindo?
Eles olham para a minha coroa. Nas dragonas. Mas seus olhos
estão perdendo a mesma admiração que notei anteriormente. O
medo ocupa seu lugar.
— Nós devemos ir. — Casem segura meu braço e me afasta da
platéia. Eu deixo.
— Do que aquela mulher estava falando? — Meu sangue
queima, aquecendo meus ouvidos e pescoço com aborrecimento.
Quem é o Kaven? O que eles queriam dizer com Kerost mal
conseguir flutuar?
Casem me acena com um toque de sua mão. — Eu não me
importaria com isso. Claramente ela não tem ideia do que está
falando.
— Mas é como se eles tivessem medo de mim. E os guardas do
palácio simplesmente ficaram parados lá!
A testa dele enruga. — Amora, você está usando uma coroa de
ossos e facas para ombreiras. Não interprete o respeito deles como
medo. E o que você esperaria que os guardas fizessem? Até os
tolos podem falar livremente.
Mas as palavras não me acalmam; há algo mais. — Eu deveria
falar com meu pai.
Os lábios de Casem pressionam em uma linha fina. — Você
deveria estar relaxando. Se você ficar muito agitada antes da
cerimônia, ficará com toda sua magia irritada...
— Isso não é um debate — eu respondo. — Eu preciso falar
com ele. Não me faça lutar com você, Casem.
Os olhos de Casem caem na minha bolsa, depois na adaga ao
meu lado. Treinei com Casem e seu pai, o mestre em armas de
nossos soldados, desde criança. Mamãe e papai insistiram que eu
aprendesse a me proteger, então Casem é meu parceiro de treino
há anos. Mas ele prefere o arco, e posso contar com uma mão as
vezes que ele me derrotou com uma espada.
— Tudo bem — ele bufa, suavizando com um longo suspiro. —
Mas o rei não vai ficar feliz.
Encontramos meu pai perto do topo da montanha, em uma área
isolada perto da orla do jardim, com conselheiros de toda a Visidia
reunidos em volta dele. Apesar das bebidas que vários deles
tomam, são tudo menos joviais. Quando passo pelos guardas, vejo
seus corpos tensos e suas expressões sérias.
O pai de Casem, Olin Liley, está entre eles em um paletó de
safira impecável com detalhes dourados. O conselheiro aridiano da
realeza se endireita quando o filho se aproxima, estreitando os olhos
naquilo que só posso adivinhar que seja um aviso.
Casem estava certo - o pai não parece feliz. Mas há um jovem
diante dele que parece ainda mais irritado.
O conselheiro é mais jovem que os outros, com vinte e poucos
anos, no máximo. Suas roupas são caras – uma calça fina de um
cáqui macio, uma camisa de linho sem rugas e botas de couro que
quase atingem seu joelho. Seu paletó é de um tom brilhante de um
rubi e, quando as abotoaduras captam a luz, vejo que estão
gravadas com o emblema real. O acabamento que reveste
finamente o casaco é de um ouro brilhante – é um representante
real de Valuka, então.
— Precisamos descobrir uma maneira de impedir isso,—
argumenta ele, com o rosto enrugado como se estivesse
completamente exasperado. — Por favor, apenas me escute, certo?
Todos podem acreditar no que querem sobre Kerost, mas Kaven
não vai parar até que ele...
— Kaven não passa de conversa. — A dura dispersão de meu
pai faz com que os valukanos se arrepiem. Mas antes que ele possa
dizer mais alguma coisa, Olin coloca a mão no ombro dele.
— Temos companhia, Vossa Majestade. — Ele acena para mim
e as sobrancelhas do meu pai levantam de surpresa quando se vira.
— Quem é Kaven? — Eu exijo. Os conselheiros voltam a
atenção quando eu passo em frente. Seu foco se volta para meu
pai, cuja expressão feroz é amplificada dez vezes sob a coroa. Não
é tão alta quanto a minha, mas é incrível – um esqueleto revestido
de marfim de uma enguia Valuna. É uma criatura do fundo do mar
das lendas; uma fera de um metro e meio de comprimento com
fileiras de dentes afiados como um punhal – cada um do tamanho
do meu dedo indicador – que, segundo os boatos, nossos ancestrais
lutaram quase um século atrás. Sua boca é tão grande que o rosto
do pai fica dentro dela. O maxilar superior se curva em volta da
cabeça e a metade inferior fica embaixo do queixo do pai, como se o
comesse. A espinha incrustada de jóias da enguia se estende por
suas costas e se curva para cima no cóccix dele.
Eu me pergunto se pareço tão aterrorizante na minha coroa
quanto ele na dele.
— Você não deveria estar aqui, Alteza — responde Olin. —
Deveria estar nos jardins, se preparando para a sua apresentação.
— Sua atenção se volta para Casem, que murcha atrás de mim.
— E eu estarei, assim que alguém me diga o que está
acontecendo. — Olho ao redor e para o conselheiro Valukano que
agora está de pé atrás de papai. Ele disse algo sobre Kerost, e
quando olho os representantes ao seu redor, há uma cor em
particular que não vejo: ametista.
— Onde estão os Kers? — Meu peito aperta quando a
expressão plácida do pai desliza. Quanto mais olho em volta, mais
surpreendente é a ausência deles. Não é apenas um representante
do Kerost que está desaparecido. Em toda a emoção da noite, eu
não tinha notado que uma ilha inteira do meu povo estava
desaparecida. — Eles estão bem?
— Eles estão bem — diz o pai, ao mesmo tempo em que o
conselheiro de Valukan diz: — Estão se revoltando contra Visidia.
Meu pai geme, virando por cima do ombro para encarar o
Valukan. O jovem olha de volta para ele, enquanto os conselheiros
ao redor se mexem desconfortavelmente.
— Estou tentando ajudá-lo — pressiona o consultor. — O
mínimo que você pode fazer é me ouvir...
— Vocês todos estão dispensados. — A raiva na voz estridente
do pai faz o conselheiro recuar. Ele abre a boca como se quisesse
protestar, mas fechou-a quando seus olhos castanhos encontraram
os meus. Tento não olhar de volta quando meu pai diz: — Gostaria
de um momento a sós com minha filha.
Olin e os outros se curvam antes de empurrar o ombro do
garoto Valukano para fazê-lo se mover. — Bem! Mas não diga que
eu não avisei! — Ele rosna algumas palavras bem escolhidas,
enquanto o resto dos conselheiros se desculpa por sua ignorância e
afasta os valukanos.
Eventualmente, apenas Casem permanece, embora ele se
afaste para um ponto a alguns metros de distância, fora do alcance
imediato da audição.
— Estranho que eu não o tenha conhecido antes — digo a meu
pai. — Eu poderia jurar que conhecia todos os conselheiros.
Ele resmunga. — Lorde Bargas estava aparentemente doente
demais para fazer a viagem e enviou seu filho em seu lugar. Menino
encantador aquele. Invadiu aqui e exigiu uma reunião como se ele
fosse o rei.
Embora eu não queira, a clara irritação do pai pelo valukano me
faz rir. Isso alivia a tensão em seus ombros e limpa um pouco o ar
entrenós.
— Eu não sabia que lorde Bargas tinha um filho — digo, embora
o conselheiro certamente parecesse o filho do representante
principal de Valuka – pele marrom suave, mandíbula quadrada forte
e um nariz quase irritantemente reto. Ele também tinha um porte
semelhante ao barão. Um pouco atarracado, com ombros e braços
largos e musculosos nos quais o resto do corpo não tinha crescido,
o olhar arrogante de alguém com riqueza para exibir. — O que ele
quis dizer quando disse que os Kers estavam se revoltando?
— Ninguém está se revoltando. Os Kers estão apenas tentando
fazer uma declaração; não é nada com que você precise se
preocupar.
— Então me diga o que eles estão protestando — eu
argumento, incitando um tique na mandíbula do pai. — Certamente
é alguma coisa, se estão tentando fazer uma declaração.
— Pela lâmina de Cato, você é tão teimosa quanto seu velho. —
Ele dá um passo à frente e é impossível determinar se é a raiva que
ilumina seus olhos. Eu me firmo, preparada para discutir, mas ele
coloca a mão na minha cabeça, pouco antes da minha coroa, e o
fogo dentro de mim se esvai.
— Eles querem algo que eu não posso lhes dar. — A voz do pai
diminui do poderoso barítono que ele usou com os conselheiros
para a voz suave e quieta que ele usa em casa. — Kerost sempre
foi atormentado por tempestades cruéis. É por isso que
empregamos grupos de valukans com afinidade com a água para
morar lá, para ajudar a acalmar as marés e impedir que as
tempestades destruam a ilha. Mas os Kers não gostam de ser
dependentes. Algumas temporadas atrás, comecei a receber relatos
dos Kers subornando os Valukans para treinamento. Eles queriam
que os valukans lhes mostrassem como controlar a água.
Suas palavras arrancam o ar dos meus pulmões. — Eles
queriam aprender várias magias? Mas isso é suicídio!
Papai grunhe, tirando a mão da minha cabeça. — Se um
número suficiente de pessoas praticasse várias magias, nosso
domínio sobre a fera cairia. As almas seriam arruinadas, e a fera
correria desenfreada. Por isso tive que remover os valukans de
Kerost, para acabar com a tentação. Infelizmente, eles foram vítimas
de uma forte tempestade no início da temporada passada. E sem a
ajuda dos valukans, destruiu parte da ilha deles.
É como se mil sanguessugas sugassem o sangue das minhas
veias, me deixando fria e enjoada.
— E os Suntosans? — Eu pressiono. — Você pelo menos
manteve curandeiros lá para ajudá-los?
— Eu tive que removê-los da situação também — diz ele, e fico
feliz em ver que há pelo menos uma pitada de vergonha
avermelhando suas bochechas. — Era para ser apenas até que
concordassem em parar de tentar aprender várias magias. Mas
então a tempestade aconteceu, e o momento foi... infeliz.
Como ele pôde esconder isso de mim? Não apenas ele, mas
Mira também. Sendo alguém tão antenada a todas as notícias do
reino, certamente ela saberia.
Eu devo ser o governante deste reino e pretendo ser grandiosa.
Mas como posso proteger Visidia se nem sei o que está
acontecendo aqui?
— Eu precisava garantir que você não perdesse o foco — diz
meu pai, como se estivesse lendo meus pensamentos. — Lembre-
se, Amora, até você ou Yuriel ter filhos, é apenas um dos dois
possíveis herdeiros que restam para o trono. No momento, a coisa
mais importante que pode fazer por esse reino é se sair bem hoje à
noite e reivindicar esse título.
Fecho os olhos com força quando a frustração cresce dentro de
mim, tentando reprimi-lo o suficiente para ver a situação claramente.
Eu sei que hoje à noite é importante. E faz sentido que os Kers
estejam com raiva. Mas se o pai deixasse que pratiquem múltiplas
magias, o acordo de Cato com a besta seria anulado e o reino
cairia.
No entanto, sem a ajuda dos valukans, as casas dos Kers estão
sendo destruídas. Também não podemos deixar isso acontecer.
— Precisamos de outra maneira de ajudá-los — eu digo. —
Podemos fortalecer sua compreensão dos perigos potenciais da
prática de múltiplas magias, mas também devemos fornecer
materiais mais fortes para seus prédios e ajudá-los a reparar. Não
vamos tirar sua única fonte de proteção.
Ele coloca a mão no meu ombro. — E eu não pretendo. Mas,
como rei de Visidia, tenho que proteger todo o nosso povo. Ao
manter os Valukans lá, houve uma sentença de morte em nosso
reino. Mas confie que estamos tentando, Amora. Confie que eu vou
consertar isso.
É claro que quero confiar que o pai fará as coisas certas, mas o
que não entendo é por que ele ainda não está em Kerost, ajudando-
os a se reconstruir. Se a tempestade foi na última temporada, por
que ainda estamos tentando descobrir isso?
— Onde Kaven se encaixa nisso? — Minha cabeça fica mais
grossa a cada segundo. Como eu tenho sido tão ignorante? Como
todos conseguiram esconder isso de mim?
Claramente desejando que a discussão terminasse, o suspiro
do meu pai é longo e irritado. — Ele é um homem que não concorda
com algumas das decisões que tomei — responde categoricamente.
— Mas ninguém pode concordar com tudo que faço, pode? Ele não
é uma ameaça para nós. Agora acalme seus pensamentos. Tudo
ficará bem por mais uma noite.
Pensando no rosto zangado do Valukan, não tenho certeza se
acredito na sua fácil demissão. Quero discutir com o pai e dizer que
mereço saber mais, mas quando abro a boca, tia Kalea vem subindo
a colina com um sorriso. Minha tia não espera permissão para se
aproximar, nem sequer para pra pensar por um momento que ela
pode estar interrompendo algo importante. Despreocupadamente,
apenas evitando minhas dragonas, ela joga os braços em volta de
mim com uma risada calorosa.
— Oh, minha linda garota! Que visão você é! Enquanto se
afasta, ela bate no pai levemente no ombro. — Como um idiota
como você conseguiu criar uma mulher tão radiante, Audric? Ela
está deslumbrante!
Meu pai ri. — Ela recebe todo o seu charme de Keira. Receio
que tudo o que ela receba de mim seja teimosia.
— E seu senso de aventura — acrescento, o que o deixa quieto,
seus olhos suavizando. É um momento estranho e lento, onde ele
passa os olhos por mim e depois para a coroa, como se me visse
nela pela primeira vez. Quando ele sorri de novo, está quente de
orgulho e isso aquece meu sangue.
— E meu senso de aventura. — Ele se vira para a irmã e dá um
tapinha no ombro dela. — Se você me der licença, devo encontrar
minha esposa antes da cerimônia, mas traga Jordi e Yuriel e nós
celebraremos com um pouco de vinho depois. Tenho três barris
reservados apenas para nós. Ele sorri, parecendo o irmão mais
velho e bobo que eu só o vejo quando minha tia está por perto.
— E Amora — adiciona calmamente. Me viro, quase recuando
quando ele inclina a cabeça para mim. — Eu te amo. Vai se lembrar
disso depois desta noite, não vai? Quando você for oficialmente
herdeira e partir para todas essas suas grandes aventuras.
— Não fique todo sentimental comigo agora — digo a ele,
tentando esconder meu constrangimento. — Eu também te amo.
Seu sorriso é suave quando ele se inclina para beijar minha
testa. Os dentes da coroa de enguia roçam minha bochecha.
E então ele se foi, deixando minha tia em seu lugar.
Ela está adorável em seu vestido azul suave. É um vestido de
festa – uma mistura de safira de Arida e tons suaves de Mornute.
Diz que ela entende que suas raízes estão com Arida, mas que não
é mais sua casa. É uma mulher pequena, com pele parecida com a
do pai, profundamente bronzeada e escovada com ouro por tanto
tempo passado ao sol. É gorda e jovem, com apenas as rugas
suaves ao redor dos olhos sugerindo sua idade.
— Estou tão feliz por ter te encontrado antes da apresentação
— diz tia Kalea. — Como você está se sentindo?
Desde que me lembro, as mãos da tia Kalea sempre foram as
mais macias e quentes que já conheci. Ela as coloca em volta dos
meus braços, me segurando perto para que possa me inspecionar
com olhos derretidos. São os mesmos olhos que os do pai, mas
significativamente menos severos. E embora ela consiga mascarar
sua expressão, a preocupação repousa na tensão de suas
respirações entre o nó de suas palavras. Se ela quiser manter suavida luxuosa em Mornute, não pode me dar ao luxo de cometer
erros esta noite. E também não posso me permitir.
Se eu não conseguir demonstrar controle sobre minha magia e
provar que domei a fera dentro de mim, ficarei presa até que tia
Kalea prove que pode se tornar a sucessora do trono. Dado que a
lei determina que um Montara sem magia da alma totalmente
controlada não possa permanecer livre, não posso ignorar a
possibilidade de que eu possa até mesmo ser executada se for
considerada um risco muito alto. Nossa mágica é perigosa demais
para não ser totalmente controlada.
— Como se eu estivesse treinando minha vida inteira para isso
— digo. Tia Kalea procura nos meus olhos por outro longo
momento, e há um flash de preocupação antes que ela me puxe
para um abraço firme.
— Pode fazer isso — ela sussurra, seus cachos grossos
fazendo cócegas no meu pescoço. — Ninguém está mais pronto
para isso do que você.
Embora eu saiba que ela está certa, a ansiedade que me
atormenta desde o show de marionetes está aumentando. Me forço
a sorrir para ela, tentando apagá-la.
Somente depois que tia Kalea recua, Casem hesita um passo à
frente. — Não pretendo apressar você — diz ele — mas é hora de
Amora ir.
— Claro. — Tia Kalea assente, colocando um cacho marrom
suave atrás da orelha. Tento não encarar as linhas de preocupação
enrugadas entre as sobrancelhas dela, ou pensar em como o nosso
futuro depende de eu ter um desempenho adequado.
Ela beija minha bochecha antes de se afastar. Mas antes que
solte minha mão, seus olhos capturam os meus, e eu não estou
preparada para o que vejo dentro deles. Seus olhos não são mais
os castanhos ricos que combinam com os do pai – eles piscam um
rosa brilhante e penetrante, lá por um momento e voltam a castanho
no seguinte.
— Faça o seu melhor. — O sorriso da tia Kalea treme. — Por
favor. Pelo reino.
A ansiedade não se extingue; surge até que são como mãos em
volta da minha garganta. O barulho que faço quando suas mãos
escorregam das minhas dificilmente é humano. O chão debaixo de
mim é como o mar, balançando enquanto suas palavras afundam.
Tia Kalea aprendeu a magia de encantamento.
Não sou mais uma das duas possíveis herdeiras; Eu sou a
única herdeira possível. Se eu falhar, não sobrará ninguém para
proteger Visidia da vingança da fera dentro da linhagem de Montara.
Tia Kalea me mostrar isso era um aviso – se ela fosse forçada a
aceitar a magia da alma de Aridian, essa seria sua segunda mágica.
O vínculo com a besta será cortado.
— Você deveria esperar. — Minhas palavras são tão trêmulas
quanto minhas mãos. — Como pôde fazer isso?
— Foi um acidente. — Seus olhos estão molhados quando ela
volta para mim, mas eu me recuso a olhar para eles por mais um
segundo. Pego o braço de Casem. Os olhos dele se estreitam com
a incerteza, não a tendo visto usar magia de encantamento.
— Leve-me para os jardins — digo a ele, precisando me afastar
dela enquanto a mágica dentro de mim se mexe. — Agora. —
Casem obedece sem hesitar.
É apenas uma curta caminhada até a entrada dos jardins, e
minha cabeça ainda está girando com mil pensamentos quando
chegamos. Eu tenho que me esforçar ao máximo para ignorá-los e
me concentrar na tarefa em questão, assim como todo mundo me
disse para fazer. Não posso me distrair com a traição dela.
Esta noite, devo ser perfeita.
Um local de adoração, os jardins ficam no topo do pico mais alto
de toda a Arida, a cerca de três quilômetros ao norte do palácio. A
entrada é através de uma caverna coberta por trepadeiras pesadas
e hera espessa que Casem puxa para trás, para que eu possa
entrar sem prender meus adornos.
— Você tem cinco minutos antes que os outros cheguem — diz
enquanto eu mergulho para dentro da caverna, recebida pela flora
bioluminescente que reveste as paredes e ajuda a guiar meu
caminho para os jardins.
No momento em que entro, a visão rouba minha respiração,
como sempre.
Estes jardins são lindos durante o dia, mas sua verdadeira
magnificência brilha sob as estrelas.
Um campo de flores indomadas se estende diante de mim,
algumas altas o suficiente para roçarem na minha bolsa, enquanto
outras gotejam das árvores em perfeita espiral. Grande parte da
flora é bioluminosa, pétalas e bulbos brilhando em tons de verde,
rosa, azul e roxo.
Passo minhas mãos no bulbo de uma flor mais alta que o meu
quadril, e ela balança para trás como se estivesse surpresa, suas
pétalas se abrindo ao meu toque. Eles brilham quando se abrem,
acordando.
Atrás delas, nos fundos do jardim, repousa uma pequena
cachoeira que brilha tão intensamente quanto as flores, criando um
cenário de tirar o fôlego que muitos viajam de todo o reino para ver.
Na base da cachoeira, há uma laje de pedra plana com uma
fogueira esculpida no centro, que foi erguida como palco para minha
apresentação. Sento-me na beira de um lado enquanto as vozes
começam a se agitar atrás de mim. Pelo canto do olho, vejo meus
pais entrando nos jardins, mas não me viro para eles, no caso de tia
Kalea também estar lá.
Pressiono a mão no peito e respiro fundo para firmar meu
coração. Isso não ajuda muito, então corro o dedo pela borda da
bolsa e inclino a cabeça, rezando para que os deuses me firmem. É
um sentimento familiar, que me tranquiliza, mesmo quando a
antecipação belisca minha pele e vibra ao meu redor. Mais e mais
pessoas entram nos jardins, aquecendo o ar com suas conversas e
criando um espaço tão cheio de cores e estilos diferentes que é
vertiginoso de se olhar. Eu me levanto, me recusando a deixar
alguém ver o quão profundamente meus nervos correm.
Não consigo pensar em Ferrick, em algum lugar dessa multidão
com um anel que eu receberei no momento em que essa
apresentação terminar.
Não consigo pensar em Kaven, tentando iniciar uma rebelião
dentro do meu reino. Ou de Kerost, quebrado e sofrendo com as
tempestades.
E me recuso a pensar na tia Kalea, que será a morte de Visidia,
caso eu falhe esta noite.
Mas não vou deixar isso acontecer.
Tiro a sacola do quadril e preparo os dentes e ossos que
esperam lá dentro.
CAPÍTULO QUATRO
Passei semanas preparando o conteúdo da minha mochila,
garantindo que todos os dentes e pequenos ossos estejam prontos
para serem feridos com o cabelo do prisioneiro em que devo utilizar
a minha mágica.
Porque, embora isso possa ser uma demonstração de mágica,
também é uma execução.
Ouço o barulho das correntes antes de ver os prisioneiros que
estão envoltos nelas. São dez – sete homens e três mulheres – e
todos marcados no pescoço com dois X ousados, a marca de
alguém julgado e condenado por assassinato. Hoje à noite, alguns
estão com marcas falsas.
Os guardas os arrastam através da multidão de espectadores
para a base da laje de pedra em que estou. Então eles se afastam,
deixando os prisioneiros embaixo de mim com medo e raiva em
seus olhos.
Minha mágica funciona de duas maneiras – a leitura etérea da
alma e a capacidade física de acabar com uma alma através da
morte. Estes prisioneiros estão aqui para testar o primeiro lado da
minha magia; devo determinar quem executar encontrando a alma
irremediável entre o grupo.
Nunca na minha vida uma execução foi pública. Papai e eu as
realizamos anualmente, tarde da noite e nas profundezas de uma
prisão subterrânea, levando apenas as almas dos prisioneiros mais
imperdoáveis de Visidia para satisfazer e reprimir nossa mágica.
Para que uma pessoa fosse selecionada para esta demonstração,
sua alma teria que estar além da redenção.
A primeira da fila é uma mulher mais velha, cujos olhos escuros
travam nos meus com força. Encontro minha magia esperando na
minha barriga e puxo pequenos pedaços dela, acordando a besta.
Seu calor lambe minha pele, me convidando para ir mais
profundamente, conectando-me à alma dessa mulher.
A magia espalha calor por minhas veias e por minhas têmporas,
e eu me afundo no poder, saboreando-o. Minha visão embaça antes
de se afiar rapidamente, revelando um jardim inteiro de almas diante
de mim. São das cores das nuvens – algumas como uma
tempestade ameaçadora e outras como um diamais claro – e
dançam com os movimentos finos da fumaça. Pressiono minhas
unhas nas palmas das mãos para me concentrar, e encontro a alma
da mulher diante de mim.
É como uma estrela do mar morta – desbotada, acinzentada e
áspera, mas ainda assim algo que já foi bonito. Ela é mais velha, e
com a idade tem havido dor e dificuldades, o suficiente para
confundir e quebrar sua alma.
Essa mulher é uma farsa. Alguém que está aqui apenas para
me testar.
Eu passo por ela e vou para o próximo prisioneiro, avaliando
sua alma enevoada. Está nublada pela ganância e pela ira,
manchada com os sinais de assassinato. Mas ele sente remorso
pelos erros que cometeu. Ele sente culpa, o que significa que não é
quem procuro.
Movendo-se rápida, mas cuidadosamente pela linha, a magia
queima meu núcleo enquanto procuro alma após alma.
Eu sei que é ele no momento em que o encontro. Na superfície,
seu olhar é frio, mas, quanto mais eu cavo, mais sua alma
apodrece. É irregular e roxa como um hematoma, descascando nas
bordas e a caminho de desaparecer completamente. Sua maldade
me arrepia até os ossos.
A alma deste homem mostra a mancha de alguém que cometeu
os crimes mais sórdidos que se possa imaginar, pior ainda que o
assassinato. Um espaço branco brilha por trás das bordas
descascadas, me dizendo que não há volta para ele. Ele não sente
remorso por suas escolhas, nem simpatia por suas vítimas.
— É ele.
Dois guardas avançam para levantar o homem sobre a laje de
pedra, enquanto os outros prisioneiros são puxados para trás.
Alguns suspiram de alívio.
Sob meus cílios, espio meu pai. Ele assente um pouco, e eu
relaxo, sabendo que já consegui a primeira metade dessa
apresentação. Escolhi o prisioneiro certo, e agora é hora de provar o
domínio do lado físico da minha magia.
— Qual é o seu nome? — Tiro minha adaga da bainha na minha
coxa e a uso para cortar um punhado de cabelo do homem.
Sua resposta vem com uma voz tão rouca que ele precisa tossir
para sair. — Aran.
— Aran — repito — olhei para sua alma e vi não apenas sua
corrupção, mas também o prazer que você sente pelo caos e pela
dor que causou. Você não tem remorso pelos crimes que o
trouxeram até aqui, sua alma foi longe demais para ser consertada.
Arrepios rolam pela minha espinha quando ele inclina a cabeça
para trás e sorri. Tento não imaginar quem ele matou, ou se sua
família está assistindo da multidão. Como futura governante deste
reino, não posso ter pena dessa família, e eles sabem disso. Aran
certamente não teve pena das famílias de suas vítimas.
O silêncio aumenta à medida que eu estabilizo minha respiração
nervosa, golpeio uma pederneira e deixo as chamas da fogueira
queimarem entre nós. — Você tem alguma última palavra?
Aran cospe aos meus pés, mas não recuo. Em vez disso, enrolo
os cabelos cortados em torno de um dos dentes da minha pilha e
deslizo minha unha por ela. Sua mandíbula se contrai quando ele
instintivamente passa a língua por cima dos dentes, e eu sei que a
mágica está funcionando quando vejo o momento em que o medo
se instala em seus ossos.
— Tudo bem, então. — Eu seguro o dente acima do fogo. —
Vamos começar.
Jogo o dente nas chamas e o homem convulsiona
violentamente, cuspindo uma poça de sangue. No meio desse
sangue, há um dente, que me agacho para pegar, meu corpo
pulsando enquanto a magia arde dentro de mim. Me afundo no
poder.
O lado físico da minha magia é baseado em trocas
equivalentes. Se quero machucar os ossos de alguém, preciso
oferecer um osso primeiro – qualquer osso, e algo mais que seja
ligado à alma em que eu quero usar minha magia. Hoje à noite, eu
uso o cabelo de Aran. Para tudo que é tirado, um pagamento igual
deve ser dado, e é por isso que a pessoa não morre até que eu
utilize o seu sangue.
Eu poderia acabar com ele lentamente, se quisesse. Poderia
quebrar osso após osso, ou drenar seu sangue até que ele não
passasse de um saco de carne.
Mas não sinto prazer nessas mortes. É meu dever como
Montara usar minha magia, ou a fera dentro de mim ficará mais forte
e tentará assumir o controle. E assim, papai e eu escolhemos um
prisioneiro por ano cada – o pior dos piores – para ajudar a conter
nossa mágica.
Faço a morte deles o mais rápida e indolor possível; mas, para
fazer isso, preciso de muito do sangue deles, que é onde entram os
dentes. Embora eu pudesse usar qualquer coisa para obter o
sangue – um braço, uma perna, um olho – fazer com que alguém
perdesse alguns dentes é o mais maneira humana que conheço
para obter a quantidade que preciso.
Enquanto trabalho, sei, sem dúvida, que ninguém será capaz de
questionar minha habilidade. Tenho o controle total da besta e da
magia que corre minhas veias. O sangue de Aran flui
constantemente de sua boca enquanto arremesso outro dente ao
fogo, e seus olhos se arregalam de medo.
Confiante, olho de soslaio para o rosto do meu povo e fico de
pé, querendo que eles me vejam. Que vejam a herdeira do trono; a
sua princesa, que passou a vida inteira dominando essa mágica não
por si mesma, mas por eles.
Mas, com o meu foco na multidão, vejo que não me observam
com o orgulho ou a reverência que espero. Horror assola seus
rostos.
Eu avisto um homem cobrindo os olhos de sua filha, o rosto
torcido em choque. A réplica da faca de Cato treme em suas mãos.
Então vejo tia Kalea, seus lábios enrolados de nojo por uma
magia que ela nunca quis. Em minha mente, vejo seus olhos
cintilando de cores e tenho que acalmar minhas mãos trêmulas
antes que alguém possa perceber.
Estou fazendo tudo o que devo para cumprir meu dever, e ainda
assim não há respeito ou amor aos olhos de Visidia. Só medo e
repulsa.
Minhas mãos hesitam sobre o fogo quando a confiança que eu
construí como armadura ao meu redor se despedaça. Tudo o que fiz
foi por eles. E mesmo assim... meu próprio povo me teme.
Meu peito aperta quando a realização me oprime fortemente.
Assisto cada gota de sangue espirrar dos lábios de Aran para o
chão. Ouço as respirações agudas ao meu redor e sinto o peso do
terror do meu povo pressionando-me, tão pesado que não consigo
respirar. O pânico sobe do meu estômago até a garganta, subindo,
se instalando e arranhando.
Minha atenção sai da minha magia quando absorvo a reação do
meu povo, e a mágica dentro de mim se esvai. É isso que a besta
estava esperando; meu controle escapa e ela salta.
A magia afunda suas presas em mim mais profundamente do
que nunca. O calor outrora reconfortante agora queima as pontas
dos meus dedos e se espalha pelo meu corpo como fogo, me
despedaçando. É como se algo atrapalhasse a minha respiração,
quase incapaz de encontrar ar o suficiente para encher meus
pulmões. Enfio minhas mãos trêmulas contra os lados e tento me
concentrar nas centenas de rostos medrosos que olham para mim.
Mas não posso fazer isso. A magia me consome.
Um poder cru e urgente percorre cada fenda do meu ser
enquanto esfrego o meu polegar coberto de sangue no dente do
prisioneiro, sentindo o peso de sua força vital pulsar sob as pontas
dos meus dedos. Jogo-o nas chamas, depois pego um osso da
minha mochila e faço o mesmo. Aran grita quando um osso do seu
dedo se torce e quebra. Mas não me encolho, encontro outro osso e
um punhado de dentes. Atiro-os no fogo e abro caminho para dentro
e através do corpo do prisioneiro, rasgando-o polegada por
polegada.
Mais suspiros soam da platéia, junto com gritos indiscerníveis
de protestos, enquanto Aran engasga com os dentes que caem de
sua boca. Mas o barulho dificilmente me atinge através da névoa.
Eu não sinto o calor do fogo contra minhas bochechas, ou o cheiro
da chama que queima meus cabelos enquanto pego esses dentes,
sangue e tudo para reabastecer minha mochila.
— Sua alma é perversa — me ouço dizendo a Aran enquanto
ele cava as unhas no chão e respira fundo. — Você não merece
uma morte rápida.
A besta sussurra sem piedade na minha cabeça, dizendo-me
para livrar a ilha desse homem contaminado, e depois encontrar
outros. Limpe sua alma da terra e destrua o resto dos prisioneiros
também. E então, por que parar nos prisioneiros?Toda alma é má
de alguma maneira, então por que não levá-las todas?
Sem fôlego, sou atraída para a pilha de ossos ao meu lado.
Gotas de suor frio descem pelo meu pescoço enquanto eu pego um,
enrolo com seu cabelo, e mergulho-o em seu sangue. O fogo
chicoteia diante de mim, fervendo de fome. Eu ofereço o osso, e ele
se parte e racha quando as chamas o devoram.
O grito de Aran raspa contra a sua garganta desgastada quando
cada osso em seu dedo se quebra, um de cada vez. Mesmo com o
barulho da cachoeira atrás de nós, seus soluços atravessam os
jardins.
— Misericórdia. — Ele cospe sangue com cada palavra
distorcida. — Por favor, pelos deuses, misericórdia.
— Os deuses não ouvem os pedidos dos ímpios — ouço-me
dizer. — E eu também não.
Em algum lugar distante, vozes gritam, mas não me importo
com o que dizem. Deixei que minha magia o atravessasse, jogando
osso após osso no fogo até Aran não ser mais do que um monte de
membros mutilados na laje de pedra. Seu corpo contorcido está
quebrado, os membros impossivelmente torcidos. Ele é argila
deformada que moldei à minha vontade e pintei com sangue.
Eu me preparo para outro ataque quando uma mão agarra meu
ombro. Me viro, rosnando para os olhos castanhos derretidos que
olham de volta para mim. Demoro um momento até perceber que
eles pertencem a meu pai. Seus olhos estão molhados, e minha
pele coça de desconforto.
— Amora. — É um apelo desesperado que se instala em meus
ossos e apaga a magia ardente. Cambaleio quando minha visão
pisca, a névoa desaparecendo. — Por favor, você tem que parar.
A multidão em nossa volta se agita, gritando sons distorcidos
que fazem parecer que meu cérebro está sendo comprimido. Me
concentro apenas no pai, usando-o como uma âncora para me
arrastar de volta à realidade. A magia interna assobia seu protesto,
mostrando as presas enquanto luta para manter o controle. Eu a
enfio dentro de seu porão, sufocando enquanto empurro a volta.
Meu pai me abraça com força, os dedos fortes cravando na
minha pele cada vez mais até minha visão clarear e eu engasgar
com o cheiro de sangue. Começo a tremer enquanto observo as
manchas nas palmas das minhas mãos e dedos, a fumaça
queimando meus pulmões. As pedras abaixo de mim balançam
quando a realização aparece: perdi o controle da minha magia.
A tontura faz meu peso me trair e eu caio de joelhos.
Soltei a besta, e ele roubou meus sentidos até me reivindicar
completamente.
Aran está diante de mim, morto. Ele não parece mais humano,
toda carne desfiada e membros mutilados. Eu aperto minhas mãos
na terra enquanto tento reconhecê-lo, mas é inútil. Quando usada
corretamente, minha mágica é destinada a dar a alguém uma morte
rápida. Mas não havia nada de rápido nisso; Aran foi torturado e
mutilado.
E fui eu quem fez isso.
Pressiono minha testa contra a sujeira, os olhos ardendo
quando me inclino diante de seu corpo. — Eu sinto muito. Pelos
deuses, sinto muito.
Mas minhas desculpas não importam. Ao ouvir as palavras que
o povo de Visidia grita, sei que nem os deuses podem me ajudar
agora.
— É a besta!
— Ela destruirá tudo!
— Ela é quem deveria ser executada! Vai matar todos nós!
Vejo o rosto da minha mãe na frente da multidão. Seu corpo fica
rígido enquanto tia Kalea está com o queixo caído de horror. Yuriel
está entre eles, apertando sua mão no braço da mãe com força. Seu
rosto outrora corado com vinho está agora em pânico. Papai está
diante de mim, de costas para a multidão, para que apenas eu
possa ver o terror em seus olhos ou a fúria da sua respiração.
Quando suas mãos começam a tremer, ele as pressiona firmemente
ao lado do corpo. Minhas próprias mãos estão cobertas de sangue,
e eu não sou a única olhando para elas.
— Não posso protegê-la disso — sussurra meu pai com
urgência, quase como se as palavras desesperadas fossem para si
mesmo. Então ele diz mais alto, em um sussurro áspero que quebra
sua voz. — Pelos deuses, Amora, eu não posso te proteger disso!
Não tenho tempo para me recompor antes que braços me
puxem por trás. Dois guardas deslizam as mãos debaixo dos meus
braços, evitando por pouco cortar seus rostos nos ossos
pontiagudos da minha coroa e nas dragonas irregulares enquanto
me prendem com força.
— Sinto muito. — O peito do meu pai se agita. — Vou dar o meu
melhor para consertar isso.
O mundo está girando. Girando. Girando. Uma frieza cruel se
espalha profundamente em meus ossos. Começa no meu estômago
e se espalha pelas pernas, depois pelos meus braços. Pontos
pretos atormentam minha visão e ameaçam me dominar quando os
tremores secundários de muita magia fazem seu movimento.
Se não fosse pelos braços ao meu redor, eu não seria capaz de
ficar de pé. Controlar a fera em meu interior e mantê-la domada
consome tudo o que há em mim.
Tento manter meus olhos em meu pai, firmando minha visão o
suficiente para vê-lo virar o rosto e fechar os olhos com decepção. É
um olhar que atravessa meu peito e me machuca.
Centenas de visidianos olham para mim sem piedade, e eu
fecho meus olhos contra seus gritos, desejando que a magia me
consumisse completamente.
Mal me permiti ouvir meu pai enquanto ele fala, suas palavras
como mil facas.
— Levem-na para a prisão.
CAPÍTULO CINCO
Eu estabilizo minha visão trêmula nas barras da cela, usando-as
como um foco para me escorar.
Abraçando meus joelhos com força, tento conservar meu calor
contra o frio intenso que rasga minha pele. Embora já tenha estado
nessas prisões muitas vezes antes, nunca foi dessa forma – sem as
minhas armas e esquecida em uma cela.
Eu tinha cinco anos quando meu pai me levou às prisões, numa
noite de outono. Estava com os olhos turvos e meio acordada
enquanto viajávamos pelo ziguezague, observados apenas pelas
estrelas enquanto o resto de Arida dormia. Foi assim até que a luz
da lua piscou atrás de nós, meus olhos foram forçados a se ajustar
à pouca luz da tocha da prisão e ele me disse que era hora de
reivindicar minha magia.
Eu estava empolgada. Mas, também houve um arrepio nos
meus ossos que floresceu mais profundamente nas prisões que
viajamos. A sensação de estar prestes a realizar algo significativo,
sem entender realmente o que isso significava.
Séculos atrás, os Valukans ajudaram a construir a prisão na
base da montanha, esvaziando-a para formar três longos túneis,
cada um deles formando uma prisão única.
O primeiro túnel é para pequenos crimes e sentenças curtas. A
segurança neste setor é mínima, com guardas do palácio
posicionados do lado de fora da entrada.
O segundo é reservado para crimes mais ofensivos, como
agressão ou mesmo assassinato em alguns casos. A segurança lá é
mais forte; todos os guardas são portadores de magia e altamente
treinados vindos das várias ilhas.
A terceira prisão é para os criminosos mais perigosos e é
reservada apenas para aqueles com almas que o pai ou eu
consideramos as mais perigosas. É uma prisão para quem não
matou apenas uma vez, mas mataria cem vezes mais. Aqueles que
agrediram suas vítimas da maneira mais desprezível e não sentem
remorso. Sua segurança é uma das melhores do reino; não há
celas, mas salas fechadas protegidas por guardas que eu nunca iria
querer enfrentar em uma luta.
Papai e eu viajamos pelas profundezas do terceiro túnel. Os
nervos agarravam meu pescoço, fazendo meus cabelos se
arrepiarem enquanto as paredes ao nosso redor se tornavam mais
apertadas e escuras. A cada passo à frente, o cheiro metálico de
sangue ficava mais denso no ar.
Nós não paramos até chegarmos à sala selada mais distante,
parando apenas para que um guarda pudesse usar três chaves para
nos deixar entrar.
Não me lembro muito do que aconteceu depois, mas lembro do
rosto da prisioneira e das correntes que a prendiam. Ela era uma
mulher pouco mais velha do que eu sou agora, com cabelos loiros e
olhos azuis em pânico. Recordo-me de que não conseguia parar de
encará-los, imaginando o que ela fez para merecer esse destino
quando meu pai pressionou uma adaga em minhas mãos – a
mesma que eu uso agora.
— É assim que deve ser, Amora. — Papai guiou minha mão
trêmula

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