Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
SINOPSE AVISOS DE CONTEUDO DEDICATORIA PROLOGO CAPITULO 1 CAPITULO 2 CAPITULO 3 CAPITULO 4 CAPITULO 5 CAPITULO 6 CAPITULO 7 CAPITULO 8 CAPITULO 9 CAPITULO 10 CAPITULO 11 CAPITULO 12 CAPITULO 13 CAPITULO 14 CAPITULO 15 CAPITULO 16 CAPITULO 17 CAPITULO 18 CAPITULO 19 CAPITULO 20 CAPITULO 21 CAPITULO 22 CAPITULO 23 AGRADECIMENTOS Na Escola Medio para Garotas, jovens distintas são treinadas para um dos dois papéis em sua sociedade polarizada. Dependendo de sua especialização, uma graduanda um dia irá administrar a casa de um marido ou criar seus filhos, mas ambas são prometidas uma vida de conforto e luxo, longe dos frequentes levantes políticos da classe mais baixa. Daniela Vargas é a melhor estudante da escola, mas seu futuro promissor depende de ninguém descobrir seu segredo mais obscuro — que sua linhagem é uma mentira. Seus pais sacrificaram tudo para conseguir documentos de identificação forjados para Dani poder se erguer acima de sua posição social. Agora que seu casamento com o filho de um importante político está se aproximando rapidamente, ela deve manter a verdade escondida ou ser enviada de volta para as margens da sociedade, onde fome e pobreza reinam como supremas. Em sua noite de formatura, Dani parece estar em segurança, apesar das surpresas que se desenrolam. Mas nada a prepara para todas escolhas difíceis que ela deve fazer, especialmente quando é pedida para espionar por um grupo de resistência desesperadamente lutando para trazer igualdade para Medio. Dani vai se ater ao privilégio que seus pais lutaram para ganhar para ela, ou desistir de tudo pelo que se empenhou em busca de um Medio livre — e uma chance de um amor proibido? ● Casamento arranjado; ● Bullying; ● Misoginia; ● Violência; ● Violência doméstica; ● Violência psicológica; ● Crises de ansiedade; ● Classicismo; ● Xenofobia; ● Discurso anti-imigração; ● Violência policial; ● Sangue; ● Morte; ● Incêndio; ● Acidente de carro; ● Homofobia; ● Masturbação; ● Protestos (violentos e pacíficos). Para A, que já move montanhas. Isso é para você. Tudo é por você. “Até sermos todos livres, nenhum de nós é livre.” — Emma Lazarus No início, havia dois deuses-irmãos: o Deus do Sal e o Deus do Sol. Na ilha interior, o Deus do Sol aquecia o solo, iluminava a folhagem abundante, e bronzeava a pele de suas crianças escolhidas. Na ilha exterior, o Deus do Sal mantinha a água cheia de peixe, as ondas calmas, e as praias seguras. Por milhares de anos, Medio existiu em harmonia e prosperidade. Mas então o Deus do Sol se apaixonou. Constancia era a filha do rei de Medio. Ela era forte, corajosa, e sua mente brilhante competia com a do próprio deus. Toda manhã ele brilhava mais e mais em sua janela, até que um dia ele entrou através dela na forma de um homem, se apoiou em um joelho, e pediu para ser dela para sempre. Então Constancia se tornou uma deusa assim como uma rainha, e por um tempo, os divinos andaram pela ilha na forma de humanos. Deus e governantes igualmente. Mas dentro do quarto que o Deus do Sol compartilhava com sua esposa, a Deusa da Lua brilhava noite após noite, e logo ela, também, se apaixonou. Uma noite de verão, quando o Deus do Sol andava sozinho por seu jardim iluminado pela lua, a Deusa da Lua desceu na forma de uma linda mulher. Seu cabelo estava sendo atirado pela escuridão, os olhos brilhavam com estrelas, e seu amor ardente pelo deus-rei o persuadiu. Constancia era sua igual. Sua parceira e esposa. Mas na Deusa da Lua ele encontrou seu oposto, e estava intoxicado por ela. Durante seis dias e seis noites ele se sentou imóvel como uma estátua no jardim, tentando escolher entre elas enquanto a ilha esperava na escuridão. Enquanto isso, o Deus do Sal sentiu a indecisão de seu irmão, e fervilhou. Pela eternidade, as marés de seu mar não obedeceram ninguém além da Deusa da Lua, mas toda vez que ele vislumbrava seu rosto ela se viraria lentamente contra ele, encolhendo em seus olhos até ela não lhe mostrar nada. Quando o Deus do Sol finalmente tomou sua decisão, seu irmão raivoso ascendeu do mar como um homem para ouvir sua proclamação. Com Constancia em um braço e a Deusa da Lua no outro, o Deus do Sol anunciou que daquele momento em diante, os três governariam como um só. Constancia, sua igual, e a deusa, sua oposta. O reino, ele prometeu, prosperaria além de qualquer coisa que haviam imaginado, e para cada um dos seis dias de sua isolação, haveria um dia de celebração para acompanhá-lo. O Deus do Sal silenciosamente desapareceu, mas alguns dias depois da revelação do Deus do Sol, uma tempestade fustigou a ilha. Casas foram destruídas, e os camponeses se reuniram em terror enquanto as praias e planícies eram destruídas. Essa era a vingança do Deus do Sal contra um irmão que ele pensava ter roubado algo que pertencia a ele. Depois de dias de chuva e ondas punitivas, ele apareceu na casa de seu irmão e emitiu seu ultimato: Ele se casaria com a Deusa da Lua, ou destruiria a ilha que seu irmão amava, e todas as pessoas que residiam lá. O Deus do Sol encontrou o desafio em sua forma divina, trocando sua pele humana para batalhar com seu irmão. A luta assolou por um dia e uma noite. Fogo e ondas. Destruição atrás de destruição. Mas no fim, o Deus do Sol foi vitorioso, e o Deus do Sal banido da ilha para sempre. Sabendo que ele foi derrotado, o Deus do Sal concordou em ser exilado, mas enquanto partia, colocou uma maldição na ilha exterior que ele havia governado. Todo lugar onde as ondas alcançavam. Os peixes apareceriam inchados e mortos nas praias. O chão estava empanturrado de sal; nada podia crescer. De coração quebrado pela traição do irmão, o Deus do Sol foi para a casa que compartilhava com suas esposas, e por semanas chuva caiu como suas lágrimas no solo devastado de Medio. Logo, se tornou claro que não poderia mais permanecer no lugar de tudo que havia acontecido com ele. Com um coração pesado, o Deus do Sol abandonou sua forma humana permanentemente e voltou ao corpo celestial que carregava seu nome. Mas antes que o fizesse, o deus-rei reuniu seu povo, aquele vivendo dentro da ilha. Ele os chamou de escolhidos, e exigiu que como último ato de lealdade, construíssem um muro para conter a maldição de seu irmão e proteger os puros. Em troca dessa devoção, daria um presente às suas crianças escolhidas. Daquele dia em diante, para cada um dos servos fiéis do Deus do Sol, haveria duas esposas para servi-lo como as esposas do Deus do Sol serviam a ele. No parto, as mulheres da ilha seriam destinadas: Uma tocada em sua testa por Constancia por conta de sua natureza sábia e sagazes, seu raciocínio rápido e lealdade. A outra receberia um beijo em sua testa pela Deusa da Lua por conta de sua beleza e coragem, seu calor cativante e a paixão que se esgueirava por baixo. Elas seriam chamadas de Primera, para sua primeira esposa, e Segunda, para sua segunda. E assim foi… — Guia da Escola Medio para Garotas, Introdução1 1 N/T: palavras em espanhol, exceto pelas que aparecem com muita frequência, foram deixadas em itálico para não serem confundidas com o português, dado que muitas são semelhantes. A chave para a força de uma Primera2 é sua contenção e imunidade ao escândalo. Ela não deve apenas se comportar como alguém sem nada a esconder - ela não deve ter nada a esconder. — Guia da Escola Medio para Garotas, 14ª edição Daniela Vargas acordou com o som de passos subindo a estrada. No momento em que o som de vidro quebrando no pátio alertou o campus da presença de intrusos, ela estava vestida e pronta. Para quê? Ela não tinha certeza. Depois de uma infância de policiais militaresde pés pesados perseguindo-a de perto, ela sabia que não devia confundir o luxo dos seus arredores com proteção. Ela estava apenas tão segura quanto vigilante. A gritaria ficou mais alta. Houveram rumores de motins na fronteira por meses, na capital por semanas, mas Dani não pensou que eles iriam chegar tão longe quanto o santuário fechado da Escola Medio para Garotas. O campus era privado e isolado: pedra branca, vegetação luxuriante. Um lugar onde as jovens mais brilhantes e promissoras do país pudessem treinar para se tornarem as esposas que os futuros maridos de Medio mereciam. Dani estava ali há cinco anos. Tempo suficiente para chegar ao topo de sua classe, para garantir a colocação como Primera para o jovem político mais promissor da capital. Faltavam apenas dois dias para a formatura e então ela 2 Os homens têm direito a duas esposas, e eles se referem a elas como: Primera e Segunda. começaria a vida pela qual seus pais haviam sacrificado a família, o lar e muito mais para dar a ela. Supondo que o que estava acontecendo lá fora não a fizesse ser presa ou morta primeiro. Outra garrafa estilhaçou, desta vez mais perto, o cheiro de gasolina entrando pela janela aberta. Dani fechou os olhos e murmurou uma oração meio esquecida ao deus no ar, à deusa nas chamas. Mantenham a calma, ela implorou a eles. Ninguém ao seu redor entenderia. Os deuses de seus pais não estavam tão na moda no interior da ilha — apenas o rosto barbudo do Deus do Sol, que governava as ambições masculinas e a prosperidade financeira. Por um breve e inesperado momento, Dani desejou que sua mãe estivesse aqui. Não demorou muito para descartá-lo como ridículo. Ela tinha dezessete anos, uma mulher adulta, faltando dois dias para ser esposa. As Primeras não precisam de conforto. — Acordem! — veio uma voz do pátio. Bêbada de bebida ou de rebelião. Perigosa. — Vocês não veem que tudo isso é uma mentira? Vocês não veem que as pessoas estão morrendo? Vocês não conseguem ver? Pela primeira vez na vida, Dani esperava a chegada da Polícia Militar com algo diferente do terror. Ela queria que eles viessem. Para dispersar o protesto para que ela pudesse voltar a fazer o que todos eles faziam de melhor - fingir que Medio estava prosperando e em paz. Fingindo que não havia nada além de solo infértil e oceano além do muro fronteiriço que mantinha sua nação-ilha dividida ao meio. Uma vez que eles fossem embora, Dani poderia voltar a fingir também. Que ela pertencia. Que ela queria estar aqui tanto quanto seus pais queriam que ela estivesse. Passos passaram muito perto da janela, e Dani se abaixou sob o peitoril, encostada na parede, ouvindo os sons suplicantes de uma casa da qual ela não se lembrava de ter fugido. Subindo e descendo o corredor, as outras garotas do quinto ano provavelmente ainda estavam dormindo. Com a certeza de que não tinham segredos para descobrir. Dani as invejava. Os desordeiros não tentavam entrar. Eles gritavam os nomes dos parentes que haviam perdido em vozes carregadas de tristeza, entoando, implorando para que as pessoas que se escondiam lá dentro acordassem antes que fosse tarde demais. Dani quase sentiu falta do ronco de sua colega de quarto, Jasmín, que se formara no ano anterior. Com um número ímpar de alunas Primera, Dani teve a opção de um quarto individual em seu último ano e, com tudo o que tinha em jogo, aproveitou a chance. Mas pelo menos com Jasmín aqui, Dani teria alguém para quem fingir. Alguma razão para reprimir o medo que se enrolou em seu estômago. Ela baniu o pensamento. Jasmín estava a quilômetros de distância agora, em uma mansão dentro do condomínio fechado mais exclusivo de Medio. Ela teve sucesso. E Dani também teria. Ela apenas tinha que aguentar esta noite. Quando a polícia chegou - toda composta de botas autoritárias, cabeças com capacetes e canos de rifle - a escola estava fechada. Os manifestantes se espalharam em uma centena de direções, os gritos aumentando de volume enquanto os oficiais perseguiam através do emaranhado de árvores. Embora estivesse feliz com a paz, Dani não teve coragem de agradecer à deusa da lei pela presença dos oficiais esta noite. A maioria dos manifestantes tinha escapado, pelo que parecia, mas alguns estavam sendo capturados e contidos, e Dani estremeceu ao pensar para onde estavam indo. As celas na única prisão de Medio eram todas úmidas e sem esperança, mas havia rumores que as reservadas para rebeldes e simpatizantes também não tinham janelas. Escuras como a seiva escorrendo pelas árvores cítricas, dia e noite. Pessoas que entravam nelas raramente saíam. Uma batida na porta interrompeu o silêncio, e Dani encontrou alívio na forma como deixou cair suas orações, seu medo de ser descoberta, tudo que estava fora de lugar neste quarto. No momento em que atendeu a porta, ela era quem eles esperavam que fosse. Nem um fio de cabelo, ou um pensamento, fora do lugar. — Todo mundo está bem aqui? — perguntou a residente, ladeada de ambos os lados pela polícia. Sua voz tremeu, e Dani se perguntou do que ela deveria ter medo. — Sou só eu — disse Dani. — E eu estou bem. A residente - Ami, Dani lembrou - apenas assentiu. Claro que Dani estava bem. Afinal, ela era uma Primera e as Primeras não permitiam que suas emoções tomassem o controle. Nem mesmo quando tudo o que elas mais amavam estivesse em jogo. Especialmente não nesse momento. — Precisamos que todas as alunas se apresentem no oratório — disse Ami. — Estamos aqui para acompanhá-la. — Ela estava com medo, mas certa, Dani pensou. A imagem de uma jovem que nunca teve nada a perder. Que nunca tinha achado que algo realmente ruim pudesse acontecer. — Está tudo bem? — Dani perguntou com uma voz cuidadosa. — Alguém desativou o alarme do portão por dentro — disse ela. — Os oficiais precisam falar com todas as alunas e funcionários. Dani assentiu, sem confiar em sua voz. Ela não tinha feito nada de errado, disse a si mesma. Ao contrário das pessoas sendo presas do lado de fora. Ela repetiu em sua cabeça para manter a calma: eu não sou uma criminosa. Eu não sou como eles. — E, por favor — disse Ami enquanto Dani ajeitava o vestido na altura dos ombros, o movimento familiar a acalmando —, traga seus documentos de identificação. Os olhos de Dani imploraram para se arregalar, seus dedos para tremer, seu coração para martelar em suas costelas. Ela recusou todos eles, seu rosto esculpido em pedra como ela havia sido treinada para segurá-lo. Sem emoção. Sem fraqueza. Ela manteve sua postura tão cuidadosamente contida quanto seu rosto, se aproximando de sua mesa, tirando uma pasta surrada que cruzou uma nação inteira com ela. Seu conteúdo custou a seus pais cada centavo que eles ganharam quando ela tinha quatro anos. Esses papéis, haviam aguentado por treze anos. Ela só podia rezar para os deuses do destino e chance de que eles a ajudassem por mais uma noite. No corredor, a polícia assumiu a liderança, sem expressão. O pátio estava deserto, mas os oficiais sacaram suas armas enquanto procuravam por intrusos, com os ombros tensos. Ami colocou as mãos na frente do rosto, como se os manifestantes fossem maliciosos e tóxicos. Como se eles tivessem algo que ela pudesse pegar. Dani sabia melhor. Eles estavam apenas quebrados. As portas do oratório estavam abertas, a luz se espalhando na escuridão. As divindades de Dani não viviam neste cômodo. Não mais. Nem as deusas nas estrelas, nem os deuses piscantes nos troncos das árvores. Aqui, o Deus do Sol dominava, com o peito nu, musculoso e orgulhoso. Até mesmo suas esposas estavam faltando nas pinturas maiores. Ele era principalmente ornamental agora, este feroz rei-deus no centro de muitos dos mitos de Medio. Os poderosos o usaram como prova de que foram escolhidos, mas as únicascoisas que as pessoas adoravam na ilha interna eram dinheiro e poder. Mesmo assim, o oratório parecia esperançoso por dentro - centenas de pequenas chamas de velas, erguendo-se contra a noite. Neste canto do mundo, se em nenhum outro lugar, a luz estava vencendo. Dani foi conduzida para dentro por Ami, que a deixou para se sentar em um banco despercebida. Enquanto a polícia e as maestras3 tentavam criar ordem entre centenas de meninas exaustas e assustadas, ela agarrou os papéis nas mãos, recusando-se a permitir que as palmas das mãos transpirassem. As alunas Primera sentaram-se quase imóveis, o autocontrole tanto parte delas quanto seus nomes. O quinto ano estaria supervisionando famílias no final da semana, contratando funcionários para casas enormes, gerenciando calendários sociais. Apoiando os maridos que elas passaram a vida inteira treinando para merecer. 3 Maestra significa professora em espanhol. Do outro lado da sala, as Segundas4 estavam completamente fora de si. Em vários estados de nudez, elas davam as mãos e encostavam-se umas nas outras, expressando seu medo e exaustão sem reservas a quem quisesse ouvir. Perto da frente do oratório, uma estava realmente soluçando. Dani não conseguia nem se lembrar da última vez que se deixou chorar sozinha. Ela podia revirar os olhos o quanto quisesse com as Segundas altivas e esvoaçantes, mas as coisas eram como deveriam ser. Como sempre foram. Opostos se unindo para formar um todo perfeito. E quando Dani finalmente se levantasse e fizesse seus votos, ela finalmente faria parte disso, exatamente como seus pais queriam. Só mais dois dias, ela disse a si mesma. Havia cento e noventa e seis meninas na turma de formandas deste ano e noventa e oito rapazes de famílias importantes esperando por elas quando concluíssem os estudos. Dentro dessas paredes, treinavam esposas perfeitas. Primera e Segunda. A maneira testada e comprovada de administrar uma casa em pleno funcionamento no calibre exigido pela elite do país. Os habitantes da ilha interior floresceram dessa maneira por milhares de anos, muito depois de a fé ter parado de impulsionar a equação. Ninguém estava prestes a mudar o método agora. Olhando ao redor do oratório ostentoso, interpretações artísticas da história de origem de Medio retratada em suas paredes, Dani tentou se lembrar da última vez que ela ouviu os deuses serem mencionados. Eles estavam em 4 Os homens têm direito a duas esposas, e eles se referem a elas como: Primeira e Segunda. toda parte da casa, mas que necessidade os habitantes da ilha interior tinham de deuses? A fé, tantas vezes parecia, era para os que tinham algo faltando. Suas reflexões quase fizeram seu coração voltar ao normal quando duas maestras começaram a sussurrar, afundando em um banco atrás dela. Dani ouviu com atenção. Ela foi treinada para ser consciente, engenhosa, para encontrar conhecimento onde precisava e para usá-lo. — Você acha que foi uma das nossas? — perguntou uma voz nervosa. — Espero que não, mas saberemos em breve de qualquer maneira — disse a segunda. — O que você quer dizer? — Eles pediram que trouxessem os documentos de identificação. Ouvi dizer que existe um novo método de verificação. Se houver alguma falsificação na escola, eles vão descobrir hoje à noite. A conversa continuou, mas o sangue pulsando nos ouvidos de Dani abafou o que quer que viesse a seguir. O envelope surrado enrugou-se sob seus dedos agarrados. Na linha do cabelo, o suor começou a formar gotas. Se eles realmente tinham um novo sistema de verificação... Dani levantou-se tão furtivamente quanto pôde, avançando lentamente em direção à parede. Com aquelas poucas palavras sussurradas, tudo mudou. Se ela pudesse apenas se encostar na parede por um momento, talvez ela pudesse fazer seu caminho em direção à porta sem ninguém ver. Mas e depois? perguntou uma voz prática em sua cabeça. Descer a colina para a capital? Misturar-se até que ela pudesse voltar para seus pais? Mas voltar só os tornaria alvos também. A Escola Medio para Garotas dificilmente poderia deixar de notar o desaparecimento de sua aluna estrela dois dias antes da formatura. E mesmo que o fizessem, certamente sentiriam falta da pequena fortuna que a família Garcia planejava pagar por ela. A escola ficaria com a maior parte do dinheiro, é claro, mas as famílias mais ricas pagavam as somas mais generosas, e a porção de Dani era destinada a seus pais. Para comprar para eles um pequeno pedaço da vida que ganharam para ela quando fugiram do único lar que já conheceram. Quando eles deixaram para trás família e amigos e cada grama de certeza. Eles viveram com medo de serem descobertos por anos para que Dani pudesse ter a chance de brilhar, mas filhas na prisão não valiam um centavo, e as mortas eram ainda piores. Por um momento, emoldurada pela porta do oratório, Dani odiou os manifestantes. Por que esta noite? Quando ela estava tão perto de conseguir tudo pelo que havia trabalhado, de dar a seus pais o que lhes era devido... — Daniela Vargas? — Veio uma voz rouca. Seu coração afundou. Ela estava sem tempo e nem perto de decidir o que fazer. Quando ela não se apresentou imediatamente, várias das cabeças de suas colegas giraram em sua direção. Quando foi que Daniela Vargas deixou de responder a uma ordem? Ela deu um único passo em direção ao oficial, que tinha o dobro de sua largura e a metade de altura. O oratório estava muito claro, todos os sons muito altos. A cela sem janelas que assombrava seus pesadelos de infância ganhava vida por trás de suas pálpebras sempre que ela piscava. Uma vez que seus papéis fossem provados falsos, eles presumiriam que ela havia deixado os manifestantes entrarem. Eles pensariam que ela estava aqui para espionar, para ajudar os rebeldes, quando tudo o que ela queria era manter a cabeça baixa. Ser uma boa Primera. Deixar seus pais orgulhosos. Se ela pudesse, teria sussurrado para a deusa do dever, para pedir-lhe para mostrar o caminho, mas não havia tempo, e muitos olhos estavam sobre ela agora. As lágrimas começaram a ameaçar. Ela não podia deixá-las cair. Ela se moveu ligeiramente para frente. — Señorita5 ? — O policial disse, uma rispidez em sua voz que não estava lá da primeira vez. — Por aqui, por favor. Havia barulho no oratório, é claro que havia - outros nomes estavam sendo chamados, outras garotas entrevistadas. Segundas estavam reclamando da hora tardia, e as olheiras que teriam sob seus olhos pela manhã. Mas Dani se sentia como se ela fosse a única se movendo, a única que alguém podia ver. Seu batimento cardíaco era audível para todos, não era? Não era? O oficial deu um passo à frente, segurando seu cotovelo, conduzindo-a em direção às salas de aula nos fundos. Mas ele parou quando os joelhos dela travaram. Ela não conseguia se mover. Ela não conseguia respirar. — Señorita? — Veio outra voz, uma voz mais gentil. — Você está se sentindo bem? Dani se voltou para ele, sentindo-se como um peixe apanhado na praia. Ele estava de uniforme, como os outros, mas era mais magro, mais jovem, seus olhos brilhantes e curiosos. — Quem é você? — Rosnou o aspirante a captor de Dani. 5 Traduzido do Espanhol: Senhorita — Médico — disse o homem mais jovem, gesticulando para a faixa em sua manga esquerda. Branca com uma cruz vermelha. A respiração de Dani ficou mais fácil por um momento, embora ela não pudesse dizer por quê. — Eu preciso dela lá trás para interrogatório — disse o oficial, puxando o braço indiferente de Dani. — Ainda temos metade da lista para ler, e as garotas da frente estão me dando dor de cabeça. Em circunstâncias normais, Dani teria sorrido. — Eu entendo, senhor — disse o médico. — Mas minhas ordens são para cuidar de qualquer aluna que esteja em choque após o motim. Essanão é uma multidão comum, você sabe. Seus pais escrevem cartas furiosas quando suas preciosas filhas desmaiam. Um concurso de olhares se seguiu, e Dani balançou novamente para causar efeito. Se a levassem para se recuperar do choque, talvez ela tivesse uma segunda chance de fugir. — Eu não me sinto tão bem — disse na menor voz que ela conseguia fingir. As Primeras usavam todos os recursos de que dispunham. Uma mão voou para seu estômago, a outra para sua boca. O enorme oficial se afastou enojado. — Leve-a — disse ele, empurrando Dani em direção ao médico. — Mas é melhor ela voltar a esta sala em dez minutos. — Sim, senhor — disse o menino, conseguindo uma saudação desajeitada enquanto colocava o peso de Dani no ombro. Ele cheirava a canela e terra quente. Um cheiro familiar. Um reconfortante. — Por aqui — ele disse com um sorriso, e Dani o seguiu, uma pequena chama de esperança viva em seu peito. Talvez não fosse tarde demais. — Vamos encontrar um lugar onde você possa relaxar — disse o médico, principalmente para si mesmo, tentando várias maçanetas antes de se decidir por uma. — Isto é um… — Dani começou, mas ele a silenciou com um olhar, conduzindo-a a um armário de suprimentos cheio de copos de velas vazias e vassouras. Arrepios ondularam para cima e para baixo na espinha de Dani. — Bela atuação lá atrás — disse o menino, fechando a porta atrás de si. — Até eu quase acreditei em você. — Seu rosto se transformou na escuridão do armário. De estóico e militar, ele de repente parecia uma raposa, todos os ângulos agudos e travessos. — Eu não sei o que você… — Dani começou. — Pare — disse ele. — Não temos muito tempo. E com isso, ele pegou os papéis de Dani, a chave duramente conquistada para toda a sua vida, e os rasgou perfeitamente ao meio. Análise e lógica são as maiores ferramentas de um Primera, e a irracionalidade é seu maior inimigo. Não há espaço para emoção em sua tomada de decisão. — Guia da Escola Medio para Garotas, 14ª edição O médico-que-não-era-médico ficou parado, avaliando a reação de Dani. Por fora, ela estava congelada, mas por dentro, cidades inteiras estavam sendo arrasadas. Explosões sacudiam as paredes de seu estômago. Pessoas gritavam em sua garganta. — Deixe-me explicar — ele disse, parecendo quase envergonhado. — Você... — Dani balbuciou. — Eu... — Não é o que você pensa. — É melhor não ser — Dani respondeu, finalmente encontrando sua voz. O que ela aprendeu todos os dias neste lugar, se não como se comportar em qualquer circunstância? Dani empurrou cada pena de pânico profundamente em si mesma e convocou toda a autoridade que tinha. — Porque você claramente não é militar — ela disse. — Agora, você tem cerca de dez segundos antes de eu começar a gritar que há um intruso aqui me segurando contra a minha vontade. Ela esperava uma reação instantânea e ficou desapontada. O sorriso do menino só ficou mais pronunciado. — Oh? — ele perguntou. — E o que você vai fazer quando eles vierem? — Ele bateu no queixo fingindo pensar. — Claro, eles não ficarão entusiasmados comigo, mas tenho certeza de que vão pelo menos investigar minhas alegações antes de me mandar embora. Dani sentiu sua expressão endurecer. Ela deixou. Ela não gritou. — Sabe, as alegações sobre a aluna estrela Primera com documentos falsos? — Ele brandiu as coisas gastas para ela, o rasgo no centro piorando as coisas. — A que está prestes a ser colocada com uma família governamental seriamente condecorada? — Ele balançou a cabeça tristemente. — Eu não imagino que eles ficarão muito felizes com você. — Quem é você? — Dani perguntou com os dentes cerrados. — E por que você está tentando arruinar minha vida? — Relaxe — o menino disse, revirando os olhos. — Essas coisas são inúteis no momento em que você entrou pelas portas do oratório. O novo sistema de verificação teria provado que eles eram falsos em cerca de um segundo. — Ele fez uma pausa, como se estivesse esperando que ela perguntasse. — É uma caneta — ele continuou quando ela não o fez. — No papel timbrado especial com que o governo emite documentos de identidade, fica azul. Nas coisas de camponês, vermelho. Muito genial, de verdade. Tão simples. Ela reage a uma fibra usada no processo de impressão que… — Quem é você? — Dani rosnou novamente, interrompendo. Ela não se importava com as particularidades da fibra de papel quando estava a um passo de algemas e de um transporte para a prisão. — Certo, é claro. — O menino colocou os papéis rasgados dentro do casaco, estendendo a mão. Dani olhou para ela como se fosse uma cobra venenosa até que ele a retirou. — Você pode me chamar de Sota, — ele disse. — Eu sou um membro do La Voz e estou aqui para te entregar isso. — Do mesmo bolso onde ele enfiou os documentos falsificados de Dani veio um conjunto de novos, o papel brilhando branco-azulado mesmo no armário escuro. Ela teve um vislumbre de seu nome, impresso perfeitamente abaixo do selo oficial da Medio. — Esqueça — ela disse, cruzando os braços. As palmas das mãos suavam nas mangas do vestido. Ela podia sentir sua pulsação acelerada ao longo de cada centímetro de sua pele. — Não vou pegar nada de você. La Voz era um nome que você sussurrava. Inimigo público número um do lado direito do muro da fronteira. Eles eram responsáveis pelos distúrbios de que Dani ouvia falar desde que conseguia se lembrar. Os incêndios. Os oficiais mortos. A violência. Ser pega conversando com um membro conhecido era uma sentença de prisão, mesmo que tudo o que você fizesse fosse perguntar sobre o tempo. A maioria das pessoas sabia temer o nome e de todos os que o reivindicavam, mas mesmo o resto sabia que não devia aceitar favores deles. — Achei que você poderia dizer isso — Sota disse após uma longa pausa. — Mas eu pergunto de novo: o que acontece quando você sair desse armário? Claro, você pode se perder na confusão esta noite, mas por acaso sei que há um posto de controle sendo montado na entrada do complexo do governo neste momento. — Ele parou de falar, avaliando as nuvens de tempestade que rolavam na expressão de Dani. — Se não me engano, é onde seu futuro marido mora? Dani deu um olhar cortante para ele, mas ela não disse nada. — E — Sota continuou, como se estivessem conversando sobre cestas de frutas no mercado e não discutindo sua morte inevitável —, se você, digamos, deixar de apresentar seus documentos de identificação? Isso certamente não seria bom, não é? Eles usam uma palavra especial para pessoas que tentam enganar o governo, Dani; começa com L e rima com... — Eu sei o que é — Dani cuspiu. — Onde você quer chegar? — Só que a escolha entre confiar em mim e seguir sozinha não é exatamente uma escolha. Uma delas envolve pegar esses papéis e seguir seu caminho alegre. A outra envolve uma cela de prisão muito pequena e o conhecimento de que todos que você conhece e ama estão em perigo de se juntar a você lá. Treinada por suas instrutoras Primeras para analisar e ver a lógica mesmo nas situações mais impossíveis, Dani recorreu a todas habilidades com as quais ela nasceu, bem como àquelas que aprendeu neste campus. Tinha que haver outra saída. Uma que não envolvesse morrer exposta na selva ao fugir da polícia ou aceitar um favor do grupo de assassinos menos confiável de Medio. Os segundos estavam passando. Não havia outra opção. — E o que você vai ganhar com isso? — ela perguntou. — Ora, Daniela, estou ofendido. — Vamos — ela disse, impaciente. — Eu sei quem é La Voz. Você é um criminoso e não está aqui para ser meu salvador, então o que você quer em troca disso? Sota estendeu os papéis e, para desgosto de Dani, ela os pegou. — Ao contrário de suas amigas lá fora, que estão tão ansiosas para se juntar às fileiras das boas bonecasde classe alta — ele disse, apontando para a porta fechada do armário —, nosso negócio é ajudar as pessoas. Libertando-as. Pergunte a si mesma quem está prendendo essas mesmas pessoas. Torturando- as. Mandando seus filhos morrerem de fome do outro lado do muro. É tão fácil se juntar, tão fácil esquecer o mal que está sendo feito todos os dias. Mesmo quando você viu em primeira mão. Dani sentiu o início de um rubor subindo por seu peito e ficou feliz com a gola alta de seu vestido de Primera. Não era sua culpa que as pessoas estivessem famintas e morrendo. Ela não precisava se sentir culpada só porque saiu. Ela estava prestes a dizer isso quando Sota continuou. — Pense nos crimes que seu precioso governo tolera, não apenas nos que ele pune. Então você pode falar comigo sobre quem são os verdadeiros criminosos. Se não somos todos livres, nenhum de nós é livre. Lembre-se disso. Havia fogo em seus olhos quando ele falou, uma canção em sua garganta, quase tornando suas palavras hipnóticas. Havia uma pequena parte de Dani que queria acreditar em sua lógica. Mas as Primeras pensavam com suas cabeças, não com seus corações. Era isso que esses “revolucionários” faziam. Eles tornavam tudo emocional. Se apoiavam em palavras bonitas até que a violência soasse como liberdade. Até que o extremo parecia justificado. — Pare — ela finalmente disse, embora sua voz estivesse mais áspera do que ela gostaria. — Eu só preciso sair daqui. Estou fazendo o que tenho que fazer para sobreviver. Não estou me inscrevendo para colocar fogo nas coisas. — Como quiser. — Sota sorriu, já se virando para a porta. — Mas você já está vendo as coisas de forma diferente. Seu rosto pode esconder seus sentimentos, mas você não pode esconder quem você é. Não para sempre. Dani abriu a boca para protestar, mas ele não lhe deu chance. — Eu marquei você como entrevistada no manifesto do aluno — ele disse. — Você está segura esta noite. Apresente-os ao oficial no posto de controle de amanhã e você não terá nenhum problema. A porta se abriu e os sons do mundo de Dani voltaram enquanto ele desaparecia na multidão. Ninguém pareceu notá-la saindo do armário de suprimentos, e Dani colocou a persona que a tinha feito durar por cinco anos neste lugar ao seu redor como um xale. Ela estava calma, composta, em controle. Sua contenção era sua força. As alunas não tinham permissão para sair até que todas tivessem sido questionadas, e Dani sentou-se sozinha no final de um banco na parte de trás até que fossem dispensadas, assim que a lua começou sua lenta descida no céu. De volta ao quarto, ela deveria ter caído na cama e dormido como uma morta, mas em vez disso ficou acordada, olhando para seus novos documentos sob a luz fraca de uma vela. Eles eram lindos. Um trabalho como este custaria milhares de notas a alguém em lugares viciosos frequentados por habitantes da ilha exterior desesperados com tudo a perder. E isso se eles pudessem encontrar alguém bom o suficiente para fazê-los sem uma lista de espera com duração de um ano. Os pais de Dani economizaram cada centavo até ela ter quatro anos para obter a identificação dos três. Os motins estavam piorando, a política contemporânea reforçando a mitologia de Medio até que formou um ódio impenetrável entre os dois lados da ilha. Ela mal se lembrava da travessia. Sua mama a envolvendo em um longo pano tecido em suas costas, embora ela fosse muito velha para ser carregada. Seu pai os silenciando quando os feixes das luzes dos guardas passavam muito perto. E então a escalada. A escuridão. A maneira como os pés de sua mama escorregaram contra a pedra e sua respiração assobiou por entre os dentes. Isso foi tudo. Eles haviam deixado tudo para trás. Uma família, uma história e um lar de que Dani mal se lembrava. Ela viu os fantasmas daquela vida nos rostos de seus pais às vezes, passando como sombras, e se sentiu culpada porque eles desistiram de tudo por ela. Dani fungou enquanto traçava as linhas claras de seu nome no papel. A cidade em que se estabeleceu quando ela era criança foi preenchida como seu local de nascimento. Polvo. Ela amava aquela pequena cidade. Foi a primeira casa que ela realmente se lembrava. Ela amava as crianças, o barulho e sua escola decadente. Amava as viagens com a mãe para a pequena cidade vizinha, onde os ambulantes vendiam milho torrado em palitos e frutas congeladas com pimenta em pó em copos de papel. Mas quando seus pais tiveram a ideia de inscrevê-la na seleção de Primera no ano em que ela fizesse 12 anos, o que Dani poderia realmente dizer? Eles queriam o melhor para ela, eles mesmo disseram. Queriam que ela subisse tão alto que o lugar onde ela nasceu nunca pudesse ser um perigo para ela novamente. Diante de tudo isso, o que importava que Dani tivesse amado Polvo? Amava sua melhor amiga, Marisol, e os meninos do outro lado da rua, que sempre traziam um ou dois cachorrinhos desgrenhados. Adorava a ideia de crescer para tornar melhor o lugar que chamavam de lar, em vez de fugir para sempre e deixá-lo acumular poeira. Em Polvo, ninguém ficava confuso sobre a quem pertencia sua lealdade. Os pais trabalhavam longas horas em condições desesperadoras; eles garantiam que você tivesse o suficiente para comer, mesmo quando isso significava ficar sem; eles raspavam e vasculhavam todos os dias para dar a você algo mais do que lhes era permitido, e o dever era tudo o que pediam em troca. E quais eram os luxos de Dani comparados a isso? Uma barriga cheia de comida quando os outros ficavam com fome ou coisa pior. Abrigo, ambos seus pais vivos e a chance de ser considerada para a maior honra que uma jovem mulher em Medio poderia sonhar. O que ela poderia dar a eles além do seu melhor? Não importava que Dani tivesse sonhado com uma casinha, algumas galinhas e a chance de aprender as receitas de sua mãe. De cuidar de seus pais enquanto eles ficavam mais velhos. Não importava que ela quisesse Polvo e a vida para a qual nasceu. Porque em Medio, segurança exigia poder, e para obter poder você tinha que se aproximar do sol. Ela tinha se saído bem, pensou, olhando ao redor do quarto ricamente decorado, suas pedras brancas, os ladrilhos pintados à mão que revestiam as paredes. Seu armário cheio de vestidos modestos, cada um valendo mais do que seu pai ganhava em uma semana em casa. A Escola Medio para Garotas havia fornecido tudo, confiante de que Dani mais do que compensaria quando sua nova família pagasse a taxa de casamento. Talvez as meninas com quem ela ia para escola não soubessem o que significava sentir aquela lealdade feroz por suas famílias. Esse dever. Mas ela sabia, e virar as costas significaria deixar de lado o último pedacinho de Polvo que ela tinha permissão para manter. Portanto, esta noite, Dani se permitiu se consolar em seus novos documentos, apesar da fonte. Se consolar sabendo que ela estava muito mais perto do que seus pais queriam para ela. Talvez Sota estivesse dizendo a verdade. Talvez La Voz a tivesse ajudado porque pensaram que ela era um deles. Talvez tenha sido uma intervenção da deusa da sorte em seu pior momento. Fosse o que fosse, Dani não pretendia perder essa chance. A cerimônia de graduação é o culminar do treinamento de uma Primera; um primeiro vislumbre do futuro que ela conquistou e das alturas que alcançará. — Guia da Escola Medio para Garotas, 14ª edição Na manhã da graduação, o sol levantou-se cedo apenas para brilhar nas janelas das mulheres mais celebradas de Medio em seu dia especial. Dani se levantou mais cedo, sentada em sua escrivaninha, lendo uma carta cujos vincos haviam se suavizado com o tempo e o manuseio. A data era cinco anos antes - a caligrafia, de sua mãe. Querida Daniela, começava. Escrevo esta carta com toda a esperança que uma mãe podesentir, no primeiro dia da vida que você merece. Vai parecer estranho, depois da maneira como vivemos, mas eu conheço você, m’ija6. Você tem um grande coração, uma mente forte e encontrará uma maneira de construir uma vida que ame. Não importa o quão diferente seja daquela que você deixou. A mãe dela não pôde dizer tudo, é claro. Não por escrito. Para os alunos da Escola Medio para Garotas, Dani era apenas uma garota de algum lugar abaixo da capital. Mesmo aqueles que sabiam que ela era de classe baixa nunca poderiam saber que a cidade natal de Dani - vergonhosa o suficiente por sua proximidade com o muro de fronteira - não era de fato o lugar onde ela nasceu. Seu vestido para a cerimônia foi passado e estendido sobre a cama, a porta aberta ao som das meninas se preparando para a chegada de suas 6 Traduzido do Espanhol: Minha filha famílias. Normalmente, Dani as ignorava; ela não estava aqui para fazer amigas. Ainda assim, neste último dia de sua carreira escolar, ela as observou com um pouco mais de atenção. Ela estava com inveja, percebeu. Da animação. Do brilho em suas bochechas. Dani sentia satisfação, sim. A sensação sólida e calorosa de um dever bem cumprido. Mas não havia alegria neste dia para ela. Nenhuma família dela estaria aqui. Sem celebrações. Em uma de suas cartas raras para casa, Dani tinha enviado dois convites de formatura para seus próprios pais, mas tinha sido uma formalidade. Algo para a mãe mostrar no poço. Dani tinha, é claro, sido examinada pela família Garcia. Eles sabiam o que seus papéis diziam - que ela nascera em Polvo e estava muito acima do que esperavam dela aqui. Nem todo mundo nesse nível tinha um legado de classe alta, mas certamente não te levava a lugar nenhum exibir sua pobreza indecorosa. Especialmente na frente das pessoas que acabaram de pagar uma pequena fortuna para casar você com o filho deles. Superar obstáculos era bom. Mostrar a maldição do sal em seu sangue não era. Quando a carta de retorno chegou de seus pais, ela dizia isso, desejando- lhe sorte, dizendo-lhe como eles estavam orgulhosos. Dani não os via pessoalmente desde que havia entrado no ônibus para a capital aos doze anos. Eles não falaram sobre isso, mas ela provavelmente os veria apenas uma ou duas vezes mais na vida. A ilha era uma montanha, e quanto mais alto você subia, mais sucesso você tinha. Para a Primera de um político, uma viagem ao nível do mar, ao lugar onde o muro separava Medio da ilha externa sem lei, era nada menos que impróprio. À medida que as tensões aumentavam na fronteira e a frequência dos tumultos aumentou, um sussurro de “rebelde” ou “simpatizante” - embora falso - se espalhou como o cheiro de fumaça. Gastar muito tempo abaixo do capital era arriscar que sua lealdade fosse questionada. As tensões haviam ultrapassado muito a mitologia. Muito além de deuses-irmãos e maldições tão antigas quanto a própria ilha. Era político agora. Direitos e motins e os prósperos contra os destituídos. De um lado, havia o poder de uma nação. Por outro lado, desespero. Cada confronto era violento, cada vitória sangrenta e vazia com perda. Não havia como voltar atrás. Mas ainda assim, seu coração apertou desconfortavelmente em seu peito com a ideia de sua mãe. Ela pareceria mais velha agora, Dani percebeu, e por um momento ela estava de volta a Polvo, minúsculos dedos marrons cavando por doces no bolso do avental, os pés descalços na terra. Por um momento, uma palavra amável ou um beijo foi o suficiente para tornar tudo melhor. A promessa de família e a mão orientadora do passado eram partes tão inatas da vida em Polvo que às vezes Dani sentia como se todo o treinamento do Primera no mundo não fosse suficiente para bani-los totalmente de seus ossos. Isso é inapropriado, disse a voz irritante de uma maestra no fundo da mente de Dani. Primeras não se apegam à nostalgia; elas estão acima dessa fraqueza. Uma verdadeira Primera mantém os olhos no futuro. Quando o salão se esvaziou, Dani seguiu a multidão. Ela pode não ter pais para mostrar, mas ela tinha algumas despedidas para fazer antes da partida de amanhã. Seu pai a advertiu para não se aproximar muito de nenhuma das garotas, lembrando-a de que a proximidade leva à confiança, e a confiança pode ser quebrada. Mas a melhor árvore de escalada do campus não poderia contar seus segredos, nem a vista da varanda da biblioteca do último andar. As tortilhas leves como o ar na cafeteria nem sonhariam em traí-la. E aquele mosaico de ladrilhos do pátio sul, por onde todos passavam sem olhar? Sempre manteve a boca fechada. Dani visitou todos eles, os lugares onde ela encontrou refúgio de sua saudade precoce, os lugares que ela negligenciou enquanto subia na hierarquia e começava a usar seus vestidos de Primera como mais do que uma fantasia. Esta escola tinha sido sua casa, muito mais do que o lugar distante de onde ela tinha vindo. Ela não sabia se sentiria falta, mas pelo menos merecia um adeus. Sentindo-se em paz e satisfeita depois de comer sua última refeição escolar - carne de porco nadando em molho de tomate com alho, arroz vermelho perfeitamente temperado que manchou seus dedos de vermelho oleoso e uma pequena torre daquelas incríveis tortilhas - Dani teceu seu caminho entre as famílias visitantes e de volta ao dormitório. Era hora de se preparar para a noite mais importante de sua vida. Mas antes que ela pudesse atravessar o pátio leste, um nó sussurrante de Segundas balançou em seu caminho. Dani orou silenciosamente ao deus da pressa para que ela escapasse de sua atenção. Infelizmente, ele não estava do lado dela hoje. — Eu acho que você tem um pouco de... isso é óleo, na sua bochecha? Não sei como comem de onde você vem, mas nesta altitude tentamos usar um pouco de decoro. A voz fria e vibrante só podia pertencer a uma pessoa, e Dani se preparou antes de parar para encará-la. Carmen Santos elevou-se sobre as meninas sorrindo afetadamente ao lado dela, vestida com uma seda turquesa que realçava sua pele marrom- dourada. Seus cachos eram tão negros que brilhavam ao sol do fim da tarde como o metal escuro de uma pistola carregada. Em comparação, Dani se sentia fraca como um junco ao vento, seu vestido preto pendurado em quadris estreitos e curvas insignificantes. Suas bochechas de criança. As ondas curtas de seu cabelo rebelde. A pele de um oliva frio onde Carmen brilhava como o sol poente. Primeras não eram vaidosas, Dani se lembrou. Seu valor vinha de poços mais profundos do que da beleza física. — Vou levar isso em consideração — disse ela, a raiva sacudindo as barras de sua contenção, embora seu rosto não mostrasse nada. — Aproveite sua tarde. — Acho que eles também não te ensinam a se defender — disse Carmen. — Só serve para demonstrar, você pode tirar a garota do sal, mas não pode tirar o sal da garota. A raiva estava mais forte agora, e Dani parou, permanecendo perfeitamente imóvel enquanto ela pesava suas opções e as outras meninas sorriam e riam entre si. Talvez fosse a finalidade de tudo o que a fez parar. Ela tinha tolerado as cutucadas nada sutis de Carmen desde que se conheceram no ônibus vinda da capital, cinco longos anos atrás. Foi a primeira e única vez que Dani - sozinha e assustada, a quilômetros de casa - confidenciou a alguém sobre sua educação modesta. Carmen, de 12 anos, não era menos bonita, mas seus olhos arregalados eram amigáveis na época, e Dani confiava nela contra o conselho de seu pai. Como uma garota com um rosto bonito e um sorriso fácil poderia traí-la? Ela descobriu muito rápido, quando Carmen se estabeleceu com as garotas de sua própria classe, e a frágil amizade que elas construíram ao longo dos quilômetros tornou-se um dano colateral. — Ei, Carmen — Dani disse finalmente, deixando apenas uma dica deseus verdadeiros sentimentos passar. Só desta vez. Carmen se virou com a mão no quadril e esperou. — Você pode estar certa sobre o sal, mas acho que crescer em seda e prata não garante classe. Obrigada pela lição. Quando os olhos de Carmen brilharam, Dani sabia que ela havia acertado seu alvo. — Escute aqui, sua pirralha. Você não reconheceria a classe se ela atingisse aquela sua aldeia e destruísse o casebre de sua família. — Talvez não — Dani disse. — Mas eu conheço o desespero melhor do que a maioria, e você fede a ele. Carmen gesticulou uma vez, bruscamente, e as outras joias fugiram da coroa, deixando as duas sozinhas. — Eu trabalharia nesse seu temperamento, Primera — ela disse, sua voz mais baixa agora. Quase perigosa. — Não que você saiba, mas os homens bem- educados gostam que suas mulheres tenham um pouco de charme. Dani respirou fundo, rezando ao deus da voz para que pudesse manter a dela firme. — Essa é uma das vantagens de ter valor real — disse ela. — Você não precisa depender de coisas frívolas como charme. Carmen riu, e Dani carregou o som zombeteiro de volta para seu quarto, onde usou movimentos lentos e controlados para abrir e fechar as gavetas, colocando seu vestido de formatura emitido pela Primera com uma precisão exagerada que mascarou sua frustração. Havia algo sobre Carmen que irritava Dani. Parcialmente, era raiva de seu eu de 12 anos por agir por instinto em vez de lógica, mas não era só isso. Era assim que as pessoas tratavam Carmen também. Idolatravam ela. Agiam como se ela fosse tão especial porque ela era rica e bonita e tudo acontecia facilmente. Tinha sido um ajuste difícil, vindo de uma casa com chão de terra, mas Dani tinha conseguido. Ela se acostumou com a forma como as outras garotas agiam, como se esperassem o mundo em uma bandeja de prata e não planejassem se decepcionar. Mas em Carmen, esse direito foi ampliado de alguma forma. Ela era o rosto de tudo que Dani nunca teria, nunca seria, e ela a odiava por isso. Pela maneira como seu mundo se desdobrava como uma flor, enquanto Dani tentava abrir caminho. — A cerimônia de formatura começará em uma hora! — veio a voz da residente do corredor, chamando-as à ordem pela última vez. — Por favor, terminem seus preparativos e vão para o oratório. Dani fez o possível para enfiar os pensamentos de Carmen na pequena caixa onde mantinha as coisas proibidas. Medos. Irritações. Saudades. Arrependimentos. Foi uma das primeiras lições do treinamento de uma Primera - aprender a bloquear os sentimentos que poderiam interferir em sua contenção. No momento em que Dani saiu das portas do dormitório, ela estava suave e brilhante como madeira laqueada. Era hora de ser a garota perfeita em que esta instituição havia investido tanto. Hora de ganhar as notas que manteriam seus pais alimentados e vestidos por anos, remendaria seu telhado e compraria para seu pai novas botas de trabalho com sola sólida. Era hora, ela pensou com tristeza, de colocar aquele outro futuro para descansar. Aquele que ela viu florescer em um olhar entre seus pais. O que ela poderia ter se tivesse ficado em casa, onde se juntar a alguém era mais do que apenas um acordo de negócios. A classe alta sempre desprezou a classe inferior pela maneira como se casavam. Com pena deles pela falta da bênção do sol, até que a pena se transformou em preconceito. Um parceiro, para o bem ou para o mal - eles achavam que não era civilizado. Uma relíquia de um passado amaldiçoado. Mas durante a maior parte de sua vida, foi tudo que Dani conheceu. O treinamento de Primera reduziu a memória a um sussurro silencioso em seus ossos, mas esta noite seria silenciado para sempre. No caminho para o oratório, ela abriu a caixa por apenas um momento e deixou que suas memórias de Polvo inundassem. A parede iminente que escondia o lugar onde ela realmente havia nascido. O solo duro de sal onde nada cresceria. O riso das crianças e os pés dançantes dos adultos cansados de mais um dia de sobrevivência para sentir alegria. Os fogos em barris e o vinho doce que ela bebia com seus amigos sob um milhão de estrelas. Sua casa. Polvo estava perdido para ela. E era hora de crescer. O oratório resplandecia mais uma vez contra a noite. Por mais que gostasse da ideia de se comprometer com um estranho esta noite, Dani pensou, pelo menos ela podia se sentir bem sobre suas razões para fazê-lo. Nunca seria felicidade, mas talvez, como sua mãe disse, pudesse ser o suficiente. — Alunas Primeras à esquerda, por favor! Segundas à direita! — As residentes perambulavam pelos corredores, silenciando, pastoreando, restaurando a ordem. Dani encontrou seu lugar sozinha, instalando-se, oferecendo acenos indiferentes para as meninas que a rodeavam. As colegas que ela nunca se permitiu conhecer ou fazer amizade. Como ela poderia? Quando a única vez que ela tentou... Bem, a cena com Carmen hoje tinha sido prova suficiente desse resultado. Do outro lado do corredor, as Segundas eram uma profusão de cores e sons, limpando manchas nos lábios e afofando os cabelos umas das outras, apertando as pontas das tranças, trocando pulseiras de tecido por amizade e sorte. A diferença entre o corredor era gritante. Mas era assim que deveria ser. A emoção turvava seu julgamento e a lógica atrapalhava sua capacidade de sentir. O Deus do Sol tinha sido sábio, e milhares de anos de prósperos medos eram a prova do valor de sua bênção. Mesmo Dani, com seus documentos falsos e memórias empoeiradas, os pequenos deuses que se voltaram contra ela em momentos-chave para mostrar a língua, não podiam discutir os resultados. Ela fechou os olhos contra o alvoroço de energia e barulho e, baixinho, recitou a promessa que estaria oferecendo a Mateo Garcia. Era tradição, a primeira impressão que um marido tinha de sua nova Primera, e ela queria que fosse perfeito. Em torno dela, uma centena de outras Primeras se preparavam de suas próprias maneiras. Cem casamentos aconteceriam aqui esta noite. Cem promessas esperançosas dos escolhidos de Constância, escondendo o tremor de suas mãos. Cem promessas das filhas da Deusa da Lua, que nunca pareceram mais bonitas do que esta noite sob a luz de velas. Cem panos de família, tecidos pelas mães, enrolados nos ombros dos três, enquanto eles juravam aceitar a bênção. Juravam ser parceiros. Juravam ser um. Deveria ter sido como voar, e para algumas das garotas provavelmente era. Mas a parte da casa que Dani pensou ter exalado fora do oratório estava de volta com força total. Ela não queria estar aqui, ela percebeu com uma sensação de horror embotada. Ela queria ir para casa. Você encontrará uma maneira de construir uma vida que ama, disse a voz de sua mãe em seu coração. Não importa o quão diferente seja daquela que você deixou. Como deveriam fazer todos aqueles anos atrás, quando Dani embarcou no ônibus para a capital, as palavras de sua mãe a mantiveram no lugar agora, seu rosto impassível enquanto seu coração ameaçava quebrar em pedaços. — Senhoras e senhores de Medio — disse a Diretora Huerta. — Sejam bem vindos. Sua voz sempre teve um efeito subjugador na multidão. Até mesmo as penas das Segundas se acomodaram quando todos os olhos se voltaram para a frente. Dani manteve as palavras de sua mãe por perto, repetindo-as como um mantra quando sua inquietação ameaçou tirar o melhor dela. Você encontrará uma maneira de construir uma vida que ama. — Esta cerimônia é o momento culminante do nosso ano letivo. As jovens à sua frente trabalharam incansavelmente para chegar a este momento, e não poderíamos estar mais orgulhosos de apresentá-las a vocês esta noite. Enquanto os aplausos enchiam o salão, um entorpecimento zumbido começou na base da coluna de Dani e se espalhou. Apesar de seu mantra calmante, o salão assumiuuma qualidade estranha e cintilante. Era este o corpo dela, sentado com as costas retas e seguro neste banco? — Mas não preciso dizer como essas garotas são excelentes — continuou a Diretora Huerta. — Vocês viram por si mesmos durante suas entrevistas com elas. Quando vocês pesaram suas realizações, suas virtudes e as escolher ampara se tornarem membros de sua família. Mais aplausos. A trava no canto proibido da mente de Dani sacudiu perigosamente. Tudo dentro dela gritava para ser solto. Noites com os pais, a comida simples, mas saudável, entre eles, o riso pintando a noite. Dias com suas amigas, pessoas que a conheciam desde a infância, pessoas que protegiam seu segredo e até mesmo o compartilhavam. Pessoas em quem ela podia confiar. E algum dia, talvez, um amor que surgisse por conta própria. Um casamento que não era forçado. Bênção ou não, ela estava errada em querer isso? Seu treinamento de Primera rebelou-se contra os pensamentos, mas Dani descobriu pela primeira vez que detê-los não era o suficiente. — Temos muitos compromissos a fazer aqui esta noite — disse a diretora, trazendo Dani de volta ao presente. — Então, vamos direto ao assunto. — Ela gesticulou além da porta dos fundos para uma sala de aula, onde cem jovens maridos esperavam pelas esposas que seus pais os compraram. — Sem mais delongas... — Sua voz transbordou de satisfação quando ela removeu a lista de um compartimento abaixo do pódio. Dani quase podia ver as moedas de ouro transbordando em sua mente. Algumas meninas valiam mais do que outras, algumas famílias estavam dispostas a pagar mais pelo melhor. Mas o verdadeiro vencedor aqui era a Escola Medio para Garotas, que enviou um dote para a família de cada menina e ficou com uma parte para si. Afinal, toda essa pedra branca e azulejos intrincados não eram baratos. — Juan Felipe Tejada Alvarez, por favor, venha para a frente? A porta atrás da diretora se abriu e um menino avançou com muita confiança. A atmosfera entre os graduados ficou elétrica assim que os nervos de Dani ameaçaram corroer seu controle de ferro. Era isso. Juan ficou à esquerda do pódio, examinando a multidão ansiosamente. Tradicionalmente, as colocações eram mantidas em segredo, para trazer um pouco de drama aos eventos da noite, mas Dani sabia que havia poucas garotas nessas fileiras - do lado da Primera, pelo menos - sem uma boa ideia de onde elas iriam parar. Elas não eram as jovens mais engenhosas e inteligentes do país à toa. — A família Alvarez escolheu... — disse a diretora, fazendo uma pausa para o efeito. — Primera Maria Luna Vega Sanchez! Dani bateu palmas, aliviada por sentir a sensação voltando a seus membros. Maria se levantou, sorrindo e acenando para os pais atrás dela antes de caminhar pelo corredor em direção ao seu novo marido, que de repente ficou tímido. — ...E a Segunda Sofia Rios Gomez! Previsivelmente, várias Segundas chorosas agarraram a bainha do vestido de Sofia quando ela passou, gritando parabéns para ela em vozes agudas que causaram dor de cabeça em Dani. Uma delas provavelmente era Carmen. Não que Dani estivesse pensando nela. Maria e seu novo marido estavam se olhando, ligeiramente pasmos, mas quando Sofia subiu ao palco ao lado deles, a dinâmica mudou. Eles pareciam se estabelecer em seus papéis de uma forma que os transformou em adultos diante dos olhos do público. — Primera, por favor, recite sua promessa. O salão ficou em silêncio enquanto Maria prometia ser o apoio de Juan Alvarez. Sua perspectiva. Seu amigo e seu parceiro em todas as coisas. Seu sorriso era rígido, mas parecia genuíno, e ele acenou com a cabeça solenemente quando ela terminou, selando a promessa com um aperto de mão, como ditava o costume. Sofia foi a seguir, com a voz baixa e confiante enquanto prometia ser a música que sua vida estava perdendo e que cuidaria dele até o fim de seus dias. — E agora, o pano — Diretora Huerta disse enquanto Juan se virava para Sofia, desdobrando um pano nas cores da família Alvarez: marrom, vermelho e dourado. Ele o enrolou em seus próprios ombros antes de estendê-lo, trazendo Primera e Segunda sob sua capa simbólica. Por um momento, eles ficaram quase testa com testa antes de se separarem. Quando Dani pensou que Juan não poderia parecer mais infantil e amedrontado, ele falou claramente de seu compromisso de sustentá-las, protegê-las, ser constante e leal até o dia de sua morte. Em seguida, a diretora produziu seu acordo de casamento, que eles assinaram em turnos antes de fazer uma reverência e desaparecer por uma terceira porta, levando para o pátio. Esta noite, os maridos voltariam para casa sozinhos. Amanhã de manhã, suas novas esposas se juntariam a eles. Depois da novidade do primeiro compromisso, Dani deixou os nomes e compromissos ligeiramente variados deslizarem por sua mente sem causar grande impressão. Por dentro, ela ainda era uma nação em guerra consigo mesma. De um lado, a vida com que ela sonhou e a incerteza da vida diante dela. Por outro lado, a esperança de sua família e tudo o que eles deixaram para trás. Uma Primera menor o teria mostrado, teria tremido ou ofegado ou ficado sem querer. Mas Dani não era uma Primera menor. Sua máscara era tudo que ela tinha. Usando-a bem, ela esperou pelo nome que encerraria a guerra e, depois de uma hora ou mais, finalmente ouviu. Cair de acordo com o destino do alfabeto - que forma tão arbitrária de escolher mudar a vida de alguém completamente, não é? — Alberto Mateo Luis Gonzalez Garcia, por favor, dê um passo à frente? A coluna de Dani ficou reta como uma muda de planta, e a sensação de formigamento voltou quando o salão explodiu em sussurros. Os Garcia eram de longe a família mais rica e condecorada presente esta noite. Todas as garotas da classe de Dani cobiçaram esta colocação. Mas apenas duas garotas neste salão iriam embora com o garoto agora subindo ao pódio, parecendo mais um homem do que qualquer um que veio antes dele. Ele era bonito. De ombros largos e cintura estreita, ele se aproximou parecendo seguro de si, não entediado ou nervoso. Como se ele estivesse confortável na frente de uma multidão. A diretora esperou que o chiado morresse, e Dani pensou no velho Señor7 Garcia, pai de Mateo. Ele era o estrategista militar chefe do presidente, e havia 7 Traduzido do Espanhol: Senhor. rumores não tão secretos de que ele estava preparando seu filho para a presidência. Mateo era tudo o que seus pais desejavam para ela. Próspero. Respeitado. Com ele, ela estaria irrepreensível. A canção de sal de Polvo lamentou em seu sangue; um contrapeso, um grito de luto. — A família Garcia escolheu... Dani respirou fundo, certificando-se de não se levantar antes que fosse oficial. — Primera Daniela Noa Vargas. Suas pernas se mantiveram firmes. As histórias de seu pai e as risadas provocantes de seus amigos de infância e a vaga memória de uma noite passada contra o corpo de sua mãe, seguindo o feixe de uma lamparina para um novo mundo. Era para onde tudo a estava levando? Do lado de fora, a melhor Primera da escola ocupou seu lugar recatadamente ao lado do solteiro mais promissor do ano. Por dentro, Dani era uma tempestade sem olhos. Ela olhou para ele, tentando obter uma leitura sobre o menino além de seu pedigree. Ela, entre todas as pessoas, sabia que de onde você era e para onde estava indo nem sempre era o suficiente para contar a história completa de uma pessoa. Mas ele não olhou para trás. Uma espécie de tédio frio emanava do único filho de Garcia, como se ele se casasse todos os dias. Como se não fosse nada. Dani sentiu seu pavor se intensificar. Ela precisava de um sinal. Um sussurro dos deuses nas chamas das velas ou das diosas iluminadas pelas estrelas do lado de fora para dizer que ela não precisava correr. Que essa eraa coisa certa a fazer. Eles ficaram juntos, Mateo olhando sem ver o contrato diante deles, Dani com ferro derretido em sua espinha, procurando por algo em que se agarrar. — ...E Segunda — disse a diretora, consultando o papel à sua frente. Dani não se permitiu fechar os olhos. — Carmen Reina Lara Santos! A relação entre Primera e Segunda não é de competição, mas de harmonia. Suas habilidades complementares formam um todo perfeito. — Guia da Escola Médio Para Garotas, 14º edição O torpor que dani sentiu antes não era nada comparado ao choque quando Carmen foi chamada. Enquanto o nome de Dani atraiu sussurros, palmas educadas demais e olhos como adagas, o nome de Carmen causou histeria. As garotas que a cercavam entraram correndo, abraçando-a, gritando e até soluçando. As que não tiveram sorte de sentar tão perto assobiaram, aplaudindo até o som ecoar das paredes e a diretora ser forçada a demandar ordem. Carmen se ergueu de suas admiradoras como um pássaro voando. Seu sorriso era radiante, seu vestido um ostentoso ouro brilhante. Ao invés de causar pânico, a presença de Carmen acalmou Dani. Este era o sinal que ela estava procurando. Na noite de sua maior incerteza, a Deusa da Lua deu a ela Carmen Santos. Ela tinha confiado em seus instintos uma vez antes, Dani pensou, no dia em que disse a Carmen quem ela era. Foi a pior decisão de sua jovem vida, e se Carmen estava aqui, era como um lembrete de que Dani fez o que ela mandou. Quando ela não o fez, o desastre aconteceu. Não havia nenhuma razão agora para pensar no futuro se moldando diante dela, ou para planejar sua fuga. Carmen estava ocupando seu lugar do outro lado de Mateo, completando a trifeta que os levaria pelo resto de suas vidas juntos. Ela era deslumbrante. Perfeita. Tudo que foi criado pela classe alta e uma vida inteira de riqueza e amor a comprou. — Primera, por favor recite sua promessa. Carmen pareceu se lembrar da existência de Dani naquele momento, e ela voltou seu olhar para o pódio com um sorriso que provavelmente parecia caloroso e acolhedor para o público. Amigável, até. Mas Dani sabia a verdade. Que cada momento de sua vida agora seria uma luta. Uma competição. Uma batalha pelo domínio. Que Carmen nunca pararia de procurar uma maneira de intimidá-la e miná-la. E se ela prestasse atenção o suficiente, se ela descobrisse o segredo que Dani estava escondendo com aqueles documentos falsos na gaveta de sua escrivaninha, Carmen finalmente seria capaz de arruiná-la. Do jeito que ela inexplicavelmente queria desde seu primeiro dia na Escola Medio Para Garotas. — Primera? — a diretora disse, uma ruga de preocupação entre suas sobrancelhas. — Claro — Dani disse, empurrando suas preocupações de lado. — Minhas desculpas, senhor. Seu pedido de desculpas foi direcionado a Mateo, que o reconheceu com um aceno impaciente. — Señor Garcia — ela começou. — Como sua Primera, eu prometo ser um farol de luz quando a escuridão estiver se fechando. Um barco resistente em mares revoltos. Serei sua parceira, seu chão sólido. Lhe honrarei e respeitarei enquanto nós dois vivermos. Curto e direto, Dani pensou quando estava escrevendo. De qualquer forma, era apenas uma formalidade; todos sabiam o que era esperado de uma Primera sem linguagem floreada para insistir no ponto. Mateo estendeu sua mão, e ela pressionou sua palma na dele, esperando transmitir com esse gesto o que esperava ser sua vida juntos: que eles podiam fazer uma vida que amavam, mesmo se fosse diferente daquela que ela deixou. Ela foi recompensada com um momento de contato visual, as linhas rígidas ao redor de seus olhos se suavizando brevemente. — Segunda? — A diretora disse. Mateo deixou a mão de Dani cair em um segundo, virando com uma avidez quase inapropriada para sua nova e brilhante Segunda, varrendo os olhos por seu corpo de um jeito guloso que fez Dani querer desviar os olhos. Segundas eram, é claro, quem geravam as crianças da família, mas Mateo não iria compartilhar uma cama com sua Segunda até que ela atingisse a idade de gestação. Normalmente por volta dos vinte anos, mas dependia de um exame do médico da família. Carmen respondeu com um sorriso, reconhecendo sua apreciação, mas Dani notou algo tenso por trás dos olhos da Segunda. Quase fez com que ela sentisse pena de Carmen. Quase. — Señor — ela disse, em uma voz como a seda pendurada em suas curvas. — Em um mundo que exigirá muito de você, prometo ser um alívio, uma alegria. Para cuidar e satisfazer você…. — Várias Segundas deram gritinhos, e Carmen piscou para elas. Mateo se permitiu um sorriso. Dani conteve a vontade de vomitar. — … Para preencher sua casa com beleza e amor enquanto nós vivermos. Quando Mateo murmurou um obrigado para ela, Dani se sentiu menor do que já tinha sentido. Em seguida, ele tirou o tecido, trançado com as cores da família Garcia: azul, preto e prata. Cores poderosas e frias. O tecido que sua mama trançou era uma maravilha, muito mais complexa e sofisticada do que as outras que Dani viu naquela noite. Dani pensava que entendia o simbolismo como considerava o metal real e cintilante trançado entre as linhas pratas. Apesar dos olhos de Mateo serem de um marrom escuro, era como se você pudesse ver todas as cores impiedosas de sua família rodopiando atrás deles. Ele colocou o tecido sobre seus ombros antes de estender a mão. Carmen e Dani se aproximaram, a eletricidade estranha de corpos em proximidade cintilando entre eles. Os ombros de Dani tocaram os de Mateo primeiro, depois os de Carmen, antes do tecido estar ao redor deles. Ela tentou se perder nas cores. A claridade e objetividade do azul, os segredos sombrios do preto. Pontuando tudo, a borda prata dura e inflexível. Está quase acabando, Dani pensou, uma onda de pânico correndo por suas veias. Ela esperou sentir um pouco de camaradagem com seu novo marido antes de descerem do palco. Alguma indicação que sua mama esteve certa sobre sua habilidade de construir uma vida que amava. Mas Mateo mal olhou para ela. Carmen Santos, entre todas as pessoas, estava de pé ao lado deles. Isso não era nem de perto o que ela estava esperando. — Senhoritas, muito obrigado às duas — Mateo disse, em uma voz que soava ensaiada. — Em troca, prometo ser um marido fiel e dedicado a vocês. Prometo nos sustentar. É meu prazer formalmente receber vocês à família Garcia. Que possamos prosperar. O lema da família Garcia. — Que possamos prosperar — Dani e Carmen responderam juntas. E depois havia uma caneta na mão de Dani, dourada e pesada demais. Havia mais solteiros elegíveis esperando por sua vez, e Dani procurou pelas palavras de sua mama. Procurou por qualquer coisa que faria com que esse momento parecesse menos como a morte de algo. Mas nada veio. Havia apenas Dani, e essa família estranha e fria que não era nada como a sua, e a promessa que ela fez de pegar essa vida melhor e nunca olhar para trás. Mateo assinou, sua caligrafia composta de linhas afiadas e angulares que afundaram no papel. Carmen era a próxima, com um floreio ostentador que dizia absolutamente tudo sobre ela. Os dois olharam para Dani, que se moveu precisamente. Cuidadosamente. Como um instrumento caro se abrindo. E ela não era? O papel desapareceu sob suas mãos no momento em que seu nome foi assinado. A diretora estava se preparando para chamar o próximo nome. Mateo já estava abrindo a porta, Carmen não muito atrás. Um sentimento perigoso estava crescendo dentro de Dani, como se seu dever e desejo estivessem brigando e o vencedor ainda não tinha sido decidido. O ar frio em seu rosto sussurrou que ainda não era tarde demais. Que ela podia fugir para as árvores e nunca olhar para trás. A escuridão nas bordas do pátio pareciam cheias de sussurros sinistros.Seu peito parecia pesado, seus movimentos lentos demais. O que diriam em Polvo se você retornasse de mãos vazias? Uma pequena voz maliciosa perguntou enquanto ela estava posicionada nas bordas da escuridão. Dani, perfeita e brilhante, partindo para salvar sua família e fazer coisas que o resto deles apenas sonhavam em fazer. Seu batimento desacelerou. A necessidade de fugir se dissipou, deixando um peso triste atrás de si. Ninguém em Polvo jamais entenderia se ela retornasse. Não seria o mesmo que era antes. Aquela versão dela estava morta. Esse era o único caminho para frente. E ali estavam Carmen e Mateo, inclinando na direção um do outro sob uma luminária brilhante. Havia essa intimidade instantânea e uma centelha entre eles que Dani quase invejava. Carmen estava fazendo uma vida que amava, ou uma vida que amava ela, pelo menos. Se essa era a vida de Dani - se realmente não tinha como voltar - ela tinha que fazer o mesmo. — Ah, lá vamos nós — Carmen disse baixo enquanto Dani se aproximava. — Mateo estava prestes a ir embora. — Sim, é claro — Dani disse, mais para Mateo do que para Carmen. — Bem, señor, te vemos… amanhã, então. Mas Mateo estava entediado de novo. Dani era desajeitada e formal onde Carmen era sedutora, sua postura lisonjeando ele mesmo sem palavras. — Mhm — ele disse. — Suponho que sim. O sorriso de Carmen era venenoso. — Minha madre8 vai estar aqui de manhã para pegar vocês — Mateo disse, assentindo para Dani e beijando Carmen na bochecha. — Até lá. Uma vez que ele partiu, Dani sentiu como se tivesse acabado de vender sua possessão mais valiosa por um punhado de feijões secos. Ela queria ir atrás 8 madre significa mãe em espanhol dele, forçá-lo a reconhecer o trabalho duro que ela fez para atingir esse momento, a vida que ela nunca conheceu porque havia escolhido isso. Mas é claro, isso não era um comportamento adequado a uma Primera, então ela apenas viu ele ir embora, envergonhada pela sensação que queimava, começando atrás de seus olhos e descendo por sua garganta, deixando uma brasa vermelha e quente no centro de seu peito. — Sério? — Carmen perguntou. — Não chorar não é, tipo, a única coisa no livro inteiro do manual de uma Primera? Sua risada era zombeteira e sem graça como sempre, mas naquela noite Dani estava sem armadura. Passou direto por ela, naquele lugar vazio onde sua súbita esperança de fugir para casa estava, antes de ela perceber que não tinha uma casa para a qual fugir. — Se recomponha — Carmen disse, um cintilar de ouro se afastando da borda da visão borrada de Dani. — Seu profissionalismo, ou falta dele, reflete em todos nós agora. Uma vez que estava sozinha, Dani se sentiu desligada. Quando foi a última vez em que ela realmente sentiu como se tivesse um propósito além de alcançar esse momento? Deixar seus pais e Polvo orgulhosos? Sem alerta, sua memória conjurou Sota e o armário de vassouras do oratório. Ele era um inimigo, um membro do grupo de resistência impiedoso determinado a trazer à tona exatamente o que Dani sempre lutou para manter no escuro. Mas quando ele olhou para ela, havia algo em seus olhos. Algo que a fez se sentir estranha e, sim, com um propósito. Assustada, e um pouco orgulhosa. Ela passou a caminhada inteira de volta ao seu dormitório enterrando aquele pensamento perigoso. Se ela fosse sortuda, pensou enquanto adormecia, nunca veria Sota de novo. Mas quando ela já foi sortuda? A visão de Dani de seu futuro não foi melhorada pela luz antes do amanhecer. Seus pertences pessoais couberam em uma pequena caixa, que ela carregou pela entrada da escola sem cerimônia enquanto o sol nascia. As meninas foram espalhadas durante a manhã, para evitar aglomerações na entrada circular, então quando chegou, ficou sozinha. Mais de uma vez, ela acariciou os papéis azuis e brancos no bolso exterior de sua bolsa de couro, apenas para se certificar de que ainda estavam lá, apesar de ter os checado repetidamente mil vezes antes de sair no corredor. Sota disse que havia um ponto de checagem no caminho para o complexo governamental de Medio. Ela não tinha escolha a não ser confiar nele, apesar desse pensamento fazer seu peito parecer apertado. Bem nesse momento, é claro, Carmen chegou. Três de suas servas empurravam um carrinho com rodas de vestidos atrás dela, e ela acenou uma mão para direcioná-las, nunca erguendo um dedo. Típico, Dani pensou, sem se importar em esconder seu revirar de olhos. Ela estava na ponta da entrada, e esperava que Carmen tivesse o bom senso de ficar na outra. Mas é claro, Carmen sinalizou para sua comitiva para mais perto, estacionando junto de seu armário de rodas logo atrás de Dani. — Bom dia, Primera — ela disse sem olhar para Dani. — Bom dia, Carmen. — Você não vai chorar de novo, vai? — ela perguntou, estilhaçando qualquer esperança que Dani tinha de civilidade. — Fiquei fora até tarde, e minha cabeça está me matando. A festa pós formatura de Segundas era lendária, mesmo entre as Primeras. A colega de quarto de Dani, Jasmín, foi convidada ano passado, e ela voltou ao amanhecer rindo. Vergonhoso, para dizer o mínimo. — Você está quieta hoje, hein? — Carmen perguntou, banindo suas bajuladoras com um mover do pulso. — Provavelmente é uma estratégia melhor do que seja lá o que você tentou ontem a noite. Foi difícil de assistir, para ser sincera. — Vejo que você está se mantendo ao que funciona — Dani disse sem olhar para cima. — O que é isso? — Me rebaixando para não se sentir tão insegura. — Há! Eu? Insegura? — ela perguntou. — Desculpa, você já me viu? — Mas Dani viu seus ombros ficarem rígidos sob os cruzamentos das fitas de seda laranja. — Sabe, já ouvi falar que você pode ser bonita e ainda ser uma pessoa cruel e de mente fechada com poucas qualidades para fazer os outros gostarem de você. Mas isso pode ter sido só um rumor. Os olhos de Carmen se estreitaram de raiva, mas uma limusine preta quase silenciosa subir pela entrada bem na hora, prevenindo Dani de precisar ouvir seja lá o que viria em seguida. Ela pegou sua caixa e se aproximou da porta, deixando Carmen lutar com seu armário sozinha em sua roupa pouco prática. Era uma pequena vitória, dizer a última palavra, mas quando se tratava de Carmen, Dani tomaria o que pudesse. — Bom dia, senhoritas — Señora Garcia disse, saindo do carro usando um vestido preto quadrado de viagem. Foi ela quem conduziu a entrevista de colocação de Dani, e seu cumprimento era tão caloroso quanto podia se esperar de uma das Primeras mais poderosas do país. Mama Garcia não estava muito longe, e Dani conseguiu ver imediatamente por que a Segunda foi levada com Carmen. Elas eram praticamente cópias uma da outra. Ambas vestidas da cabeça aos pés em seda, com cachos longos e em cascata, expressões que diziam que o mundo lhes devia um favor perpétuo. Elas deram beijos nas bochechas sem realmente tocá- las, seus sorrisos largos, como se já fossem próximas. Outra para ficar de olho, então, Dani pensou enquanto o motorista carregava seus pertences escassos no carro e aliviava Carmen de sua bagagem pesada. As quatro mulheres se acomodaram na parte traseira do carro, e Dani tentou não ficar de boca aberta. Depois de cinco anos na escola, ela estava acostumada a viver com um certo nível de luxo, mas esse carro era do tamanho da sala de estar dos pais de Dani. — Mateo queria poder receber vocês, é claro — disse a señora com um tom brusco e de negócios. O carro começou a manobrar pela entrada íngreme, e Carmen olhou para trás enquanto a Escola Medio para Garotas desaparecia nas árvores atrás deles. Dani não olhou. — Ele tem um negócio urgente com seu pai e o presidente, mas estará de volta essa noite — explicou Mama Garcia. — Até lá, Señora Garcia e eu vamos apresentar a casa
Compartilhar