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Título original: In this life
Copyright © 2018 Cora Brent
Copyright da tradução © 2021 por Cherish Books Ltda
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou
reproduzida sob quaisquer meios existentes sem autorização por escrito das
editoras.
Publicado mediante acordo com a autora.
Tradução: Hellen Dominique
Preparação de Texto: Elimar Souza
Revisão: Alessandra Telles
Diagramação: AJ Ventura
Capa: Gisele Souza
Marketing e Comunicação: Elimar Souza
Brent, Cora
Uma vida Imperfeita/ Cora Brent; tradução de Hellen Dominique. Rio de Janeiro:
Cherish Books, 2021.
Tradução de:
ASIN
1. Ficção americana I. Dominique, Hellen. II. Título.
Todos os direitos reservados, no Brasil, por
Cherish Books
Rua Auristela, nº244 - Santa Cruz
E-mail: cherishbooksbr@gmail.com
mailto:cherishbooksbr@gmail.com
SUMÁRIO
Capa
Nota
Sinopse
1. Capítulo Um
2. Capítulo Dois
3. Capítulo Três
4. Capítulo Quatro
5. Capítulo Cinco
6. Capítulo Seis
7. Kathleen Doyle
8. Capítulo Sete
9. Capítulo Oito
10. Capítulo Nove
11. Capítulo Dez
12. Capítulo Onze
13. Capítulo Doze
14. Capítulo Treze
15. Capítulo Catorze
16. Capítulo Quinze
17. Capítulo Dezesseis
18. Capítulo Dezessete
19. Capítulo Dezoito
20. Capítulo Nove
21. Capítulo Vinte
22. Capítulo Vinte E Um
23. Capítulo Vinte E Dois
24. Capítulo Vinte E Três
25. Capítulo Vinte E Quatro
26. Capítulo Vinte E Cinco
27. Capítulo Vinte E Seis
28. Capítulo Vinte E Sete
Epílogo
Agradecimentos
NOTA
Por favor, respeite o trabalho da autora. Nenhuma parte deste
romance pode ser reproduzida ou copiada sem permissão. Esse
romance é licenciado apenas para o seu aproveitamento pessoal.
Este romance é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com
pessoas vivas ou mortas é puramente coincidência. Qualquer
similaridade a eventos ou situações é também coincidência.
A editora e autora reconhecem o status e propriedade de todas
as marcas e locais mencionados neste livro. Marcas e locais não
são patrocinados ou apoiados pelas proprietárias.
S INOPSE
KATHLEEN
Palavras que descrevem Nash Ryan:
Solitário.
Imprevisível.
Perversamente gostoso.
Imperdoável.
Provavelmente não o tipo de homem que alguém deveria confiar um
bebê.
Definitivamente não o tipo de homem que alguma mulher deveria
confiar seu coração.
Quando Nash voltou para a cidade para cuidar de seu irmãozinho,
eu pensei que eu soubesse exatamente quem ele era.
Não seria a primeira vez que eu estava errada.
Eu também achei que tivesse acabado de dar meu coração até que
ele demonstrou outra coisa.
Mas nós não temos chance, porque tudo está pronto para ser
desvendado.
E os segredos que eu mantive serão nossa ruína.
NASH
Esta não era a primeira vez que eu conhecia a tragédia.
Talvez fosse porque eu sempre escolhi estar sozinho.
Mas minha vida de solidão termina agora porque uma terrível
mudança de acontecimentos me transformou no guardião legal do
meu irmão de 4 meses.
De repente eu tenho uma criança para criar e um negócio de família
para salvar.
Não há tempo para mais nada.
Foi por isso que Kathleen Doyle e eu fizemos esse acordo.
Antes uma garota nerd magra que costumava me seguir por aí, ela
agora é uma mãe solteira com o cabelo em chamas, um corpo de
matar e muitas responsabilidades.
Nós dissemos um ao outro que seria só sexo.
Nós dissemos um ao outro que não existiriam laços e nem
expectativas.
Nós mentimos.
E as consequências vão custar caro.
Mas eu não vou renunciar a essa família sem lutar.
Porque nesta vida nós podemos ter apenas uma chance de ter tudo.
1
O
C A P Í T U L O U M
NASH
celular começou a tocar no meu bolso de trás no exato
momento que eu empurrei a chave na fechadura. Eu o
ignorei e abri a porta do meu apartamento.
A volta para casa de Portland tinha sido longa e minha
adrenalina finalmente tinha passado. Agora o sangue seco tinha
endurecido por cima da pele quebrada dos nós dos meus dedos. O
corte ardeu quando minha animada cachorra pastor alemão lambeu
a ferida com um gemido simpático. Enquanto isso, meu celular
emitia mais um pedido de atenção e, depois, ficou silencioso.
― Calma, garota. ― Eu disse, me defendendo dela e indo em
direção à pia da cozinha.
Eu estremeci e flexionei minha mão debaixo da corrente de água
fria. Peguei o antisséptico no armário à minha esquerda. Torci a
garrafa com meus dentes e despejei-o sobre o ferimento nos dedos,
sibilando um palavrão como um desgraçado quando a ferida latejou.
O inchaço provavelmente continuaria por alguns dias e seria um
saco quando cicatrizasse.
E, ainda assim, não lamentei nada.
Alguns arranhões rasos eram um preço aceitável a ser pago
para ensinar uma lição a um babaca abusivo. Eu me lembrava,
sorrindo, do gemido de dor do cara quando meu punho se conectou
ao maxilar dele.
Não, eu não me arrependi nada essa noite.
Eu ainda estava no processo de lidar com minha mão ferida
quando ouvi meu celular vibrar com um alerta de mensagem de voz.
Meu olhar parou no relógio digital do microondas. Era duas e meia.
Não há razão para uma ligação a essa hora. Eu vivia sozinho, não
tinha namorada, e mal dizia duas palavras a qualquer um dos meus
vizinhos. O único motivo que me fez dirigir a Portland essa noite foi
porque um velho colega de faculdade tinha uma escala de seis
horas na cidade e decidi então que até um filho da puta antissocial
como eu poderia pôr os pés num bar vez ou outra.
Depois que eu levei meu amigo ao aeroporto, eu voltei para o
bar onde estávamos. Eu tinha um motivo, que a maioria das
pessoas não aprovaria. Eu queria ver se o filho-da-puta que fez a
garota chorar estava por perto. E ele estava. Ele era um idiota
desleixado que continuou bebendo licor mesmo quando não estava
aguentando mais. Quando ele saiu cambaleando, eu o segui. Ele
parou para mijar numa esquina escura do estacionamento e não
teve tempo de guardar o pau antes que eu batesse nele. Ele
provavelmente atribuiu isso a um assalto do dia a dia até quando eu
cheguei perto o suficiente para sentir o fôlego e o fedor do medo
dele e sibilei:
― Nunca mais machuque uma mulher, porra!
Ele entenderia o que essas palavras significam. Ele lembraria o
jeito que torceu o braço da garota por trás dela e sussurrou alguma
coisa enquanto a cara dela se torcia de dor, antes que ela se virasse
para sacudir o punho dele. Pelo menos ela teve reação de acabar
com ele e o filho-da-puta deve ter pensado que era o fim. Nem
imaginou o tipo de cara que estava assistindo, do outro lado do bar.
Depois que eu bati o babaca covarde contra a parede pela última
vez com força, eu desapareci, despreocupado com os policiais. Não
tinha testemunha em vista. Além disso, eu tinha estacionado a duas
quadras de distância e puxei o boné de beisebol bem baixo para
nenhuma câmera de rua pegar meu rosto.
Eu não tinha planejado isso, não tinha saído essa noite com a
intenção de pegar um imbecil se valendo da testosterona para cima
de uma mulher só porque ele poderia. Eu nunca planejei essas
merdas.
Mas quando eu os encontrava, eu reagia. Eu tinha que reagir.
Porque eu conhecia a terrível verdade. Muitas vezes nessa vida a
justiça não acontecia a tempo de salvar quem mais precisava. Era o
pensamento que me mantinha acordado à noite: se eu não
interferisse, ninguém mais o faria.
Roxie empurrou seu prato de comida e reclamou de novo, então
eu dei água e um punhado de biscoito para ela, que mastigou feliz
enquanto eu abria a porta do pátio feita de vidro deslizante e olhava
a praia. Eu poderia ouvir as ondas do norte do Pacifico se lançando
contra as pedras na escuridão. Mais cedo, o tempo estava calmo,
mas agora o vento estava intenso, o ar de maio mais frio que o
normal. Tudo sobre o meio ambiente me agradava: o frio, a falta de
pôr do sol, as tempestades que saem do oceano friorento e
golpeiam o litoral. Eu tenho morado neste apartamento há dois anos
e eu tinha tudo de que precisava. Meu trabalho poderia ser feito de
casa e minha renda era razoável. Isso pode parecer uma vida
medíocre para algumas pessoas, mas honestamente eu não me
sentia nem um poucosolitário. Eu não sentia falta de pessoas, na
verdade.
Inferno! Eu sempre poderia falar com minha cachorra se eu
ficasse desesperado.
Essa noite meu amigo balançou a cabeça tomando seu coquetel
de uísque e Coca Cola e implorou para saber se eu estava tendo
alguma diversão nesses dias. Eu sabia o que ele queria dizer e
mudei de assunto porque não gosto de me explicar e porque ele não
era aquele tipo amigo, de qualquer maneira.
Se eu quisesse encontrar alguém bonita para me fazer
companhia, eu sabia onde encontrar. Tinha uma faculdade
movimentada a menos de 30 quilômetros de distância. Eu não fazia
isso, não procurava uma cena no bar à procura de garotas
animadas da faculdade porque eu não era mais o babaca fodedor
casual que já fui um dia. Minha solitude tinha se enraizado muito.
Nada e ninguém poderia tão cedo mudar minha mente sobre esse
exílio autoimposto.
Como se opondo aos meus pensamentos sobre solidão e exílio,
o celular no meu bolso de trás tocou novamente. Eu fechei a porta
do pátio de vidro deslizante e o peguei. O número na tela era
desconhecido. Um número do Arizona.
― Alô? ― Eu disse, num primeiro instinto de bolhas
desconfortáveis no intestino.
― Nash? ― engasgou uma voz. Era um choro. ― Nash, é a
Jane.
Jane. Tecnicamente a tia Jane. A irmã mais nova do meu pai
deslizou pela vida numa névoa artística calma enquanto se envolvia
no guarda-roupa do Steve Nicks. Nós mantivemos contato por e-
mail, mas eu não me lembraria da última vez que falei com ela.
Pode ter sido na última vez em que estive lá em Hawk Valley. Há
quatro anos. Não, cinco anos.
E agora, por alguma razão, Jane caçou o número do meu celular
para me ligar no meio da noite. E ela estava chorando…
― O que aconteceu? ― eu perguntei e uma sensação de medo
surgiu assim que eu lembrei de uma coisa que me esforcei para
esquecer esses dias, que há pessoas no mundo com quem eu me
importava.
Entre soluços e palavras travadas, ela me contou tudo.
Eu ouvi, mas não compreendi, não completamente.
Eu deveria ter percebido que as piores coisas do mundo
acontecem quando você não as vê chegando. O destino era o filho-
da-puta mais cruel e eu deveria ter permanecido pronto para
qualquer soco. Eu não estava pronto para essa angústia no primeiro
momento que o merda chamado ‘destino’ dizimou a minha vida.
Eu também não estava pronto agora.
Puta que pariu! Eu nunca estaria pronto.
2
A
C A P Í T U L O D O I S
KATHLEEN
ameaça sempre estava nas estações secas. Algum
campista burro pode jogar um cigarro no mato espesso ou
ignorar os avisos de fogueira para fazer uns cachorros-
quentes porque sempre tem algum idiota que acha que as regras
não se aplicam a ele. E, simples assim, dez mil hectares de
pinheiros ponderosa virariam fumaça. As montanhas são
pontilhadas com cidades pitorescas e cabanas por todos os lados e
tinha muito em jogo quando o alarme tocou. As equipes de fogo
entrariam em ação rapidamente para evacuar as áreas ameaçadas
e elas trabalhariam incansavelmente até conter o perigo.
Algumas vezes não era suficiente.
Algumas vezes a combinação de vento e chamas frustrariam os
melhores esforços que os homens poderiam fazer.
― Kat?
A voz na porta da cozinha era estridente. Três batidas na
madeira se seguiram.
― Kat, sou eu!
Minhas juntas endurecidas reclamaram quando eu me
desvencilhei da cadeira de madeira que eu me afundei quando o
céu ainda estava escuro. Eu tentei atravessar o quarto antes que a
minha mãe batesse na porta de novo e acordasse todo mundo. Ela
não era famosa pela sua paciência.
― Por favor, silêncio. ― Eu sibilei quando eu rachei a porta.
Minha mãe piscou para mim no meio da luz do amanhecer.
― Você está horrível. ― Ela me informou. A lista de qualidades
dela nunca tinha incluído tato.
― Desculpa, eu não priorizei minha rotina de beleza essa
manhã. ― Eu abri mais a porta para que ela pudesse passar. Ela
trouxe o cheiro azedo de fumaça com ela, mas isso não poderia
ajudar. Quando teve um incêndio nas montanhas próximas, a névoa
e o fedor inevitavelmente flutuaram para Hawk Valley.
Minha mãe foi direto para a garrafa de café, suspirou quando a
encontrou vazia e com muito barulho começou a encher a garrafa
na torneira.
― Há novos caminhões e equipes de incêndio em toda parte. ―
Ela disse num tom que implicava que a presença deles estava
arruinando o dia dela. ― Eu nem poderia pegar meu café nesta
manhã. A linha estava a dez minutos do Ed.
― Que droga. ― Eu resmunguei, pensando em todas as
pessoas que amariam que uns dez minutos de espera por um café
fossem o maior de seus problemas essa manhã.
― Sim, foi mesmo. ― Ela disse, sem entender meu sarcasmo.
A máquina de café apitou quando aquecido. Eu esfreguei meus
olhos, começando a sentir os efeitos físicos dos horrores da última
noite. Mentalmente eu não poderia ainda, não poderia absorver
direito os tormentos emocionais que viriam. Não há fim no horizonte.
Seriam muitas lágrimas e funerais e, no momento certo, a pura
desesperança se acalmaria, mas não haveria fim. Só uma nova e
triste realidade. E uma criança órfã.
― Kathleen, você está bem? ― Minha mãe parecia preocupada
agora. Ela realmente não era uma sem coração. É que às vezes o
medidor de sensibilidade dela emperrava.
Peguei uma lágrima na minha bochecha. ― Não acredito que
isso tudo é real. ― Eu disse.
Ela assentiu e, pela primeira vez, uma expressão de dor passou
pelo seu rosto. Heather era sua sobrinha, de qualquer forma. E ela
era minha prima.
― Eu sei. ― Eu disse. ― Eu nunca pensei que eu veria o dia em
que eu seria um pouco grata pelo câncer ter levado minha irmã tão
nova. Mas eu tenho que dizer que eu estou feliz que ela não viveu
para ver a morte de sua única filha.
Eu estiquei a mão para pegar a caneca de cerâmica do armário
acima da pia. Meus dedos passaram pela excêntrica coleção de
xícaras em tons pastéis e se fecharam ao redor de uma caneca de
lembrança que anunciavam uma fileira de extravagantes pinheiros
verdes abaixo das palavras “Felicidade de Hawk Valley” numa
caligrafia vermelha. Existiam dúzias como essa, vendidas na loja da
Avenida Garner que pertence a minha prima Heather e administrada
com o marido dela, Chris. Ela mesma as desenhou.
Depois que eu servi uma xícara de café para minha mãe, eu
enchi uma para mim mesma. Nós duas bebemos nosso café preto,
uma das poucas coisas que tínhamos em comum. Nós bebemos
nossas xícaras num silêncio triste enquanto eu pensava sobre como
o mundo parecia diferente de doze horas atrás.
Os ventos tinham ficado muito fortes na última noite,
despertaram por alguma colisão meteorológica que provavelmente
teria feito sentido para mim nos meus dias acadêmicos. Minha única
preocupação era que o barulho manteria Emma e o bebê
acordados. Felizmente minha filha de três anos e meio não tinha
herdado meus péssimos hábitos de sono, mas o bebê era outra
história. Ele tinha quatro meses de idade e era a primeira noite
longe dos seus pais. Ele fez um rebuliço como o vento que batia nas
paredes de fora e assobiava através das pequenas rachaduras que
encontrou. Eu o balancei por uma hora inteira até que ele se
acalmasse, mas eu não me importei. Era bom sentir o peso quente
de uma criança de novo. Agora que a Emma passou pela primeira
infância, ela frequentemente se recusava a ser abraçada.
Quando a Heather me perguntou se eu cuidaria do bebê Colin
por uma noite para que ela e Chris pudessem aproveitar um
aniversário romântico na cabana deles no alto das montanhas, eu
nem hesitei em aceitar. Ela quase mudou de ideia e o levou, mas
Chris riu, chamou-a de mamãe coruja e os dois saíram para a
viagem de aniversário sozinhos.
Colin tinha finalmente dormido quando eu o ajeitei no berço
portável no quarto da Emma e foi quando eu ouvi a primeira sirene.
Poderia ser qualquer coisa. Um acidente de carro. Um cabo de força
cortado. Eu não me debrucei sobre eles. Como eu estava de saída
do quarto, Colin soltou o choro afiado e eu permaneci na entrada
por um momento para ver se ele estava acordando, mas ele
simplesmente caiu no sono mais uma vez.
Horasdepois, eu fui acordada por uma ligação histérica da irmã
do Chris, Jane. Ela era a namorada de muito tempo do chefe do
corpo de bombeiros local, então ela ouviu as notícias antes. O
incêndio tinha se movido rápida e impiedosamente, engolindo
hectares inteiros meros momentos antes de de repente irromper
uma chuva com fúria, não extinguindo completamente, mas dando
às equipes a chance de lutar de volta. Os primeiros socorristas na
cena tinham a péssima tarefa de checar meia dúzia de cabines que
foram engolidas pelo fogo. Somente uma estava ocupada. Ainda
seria necessária uma identificação formal dos corpos, mas todo
mundo sabia que aquela cabine pertencia à família Ryan por
gerações. E Jane confirmou às autoridades que o irmão dela e sua
esposa tinham dirigido até lá ontem à noite.
Agora eu não poderia parar de pensar sobre o solitário e agudo
choro de Colin. Eu me questionava se aquele foi o momento que
seus pais se viram cercados pelo fogo. E me perguntava se um dos
mistérios trágicos do universo tinham acontecido, se aquela criança
de alguma força saberia o que tinha acontecido há quilômetros lá
nas montanhas.
― Mamãe? ― Emma entrou na cozinha como um anjo sonolento
na camisola azul pálido.
― Oi, amorzinho. ― Eu disse, estendendo a mão para ela.
Ela permaneceu onde estava, olhando para mim solenemente.
Ela era grande o bastante para guardar memórias da última noite,
de ser acordada pelo som dos adultos soluçando.
― Você está chorando. ― Ela disse.
― Venha aqui, minha garotinha linda. ― Minha mãe disse e se
agachou com os braços abertos. Emma me olhou de relance e foi
para a avó.
Emma se permitiu ser levantada no colo da minha mãe. Bocejou
e disse:
― Colin está fazendo barulho.
― Ele acordou? ― Perguntei. Ela assentiu.
― É, ele está fazendo barulhos.
Eu tinha pensado que ouviria se ele chorasse. Abaixei minha
xícara de café.
― Vou ver.
Tinha sons ininterruptos vindo do berço do Colin, mas no
segundo em que ele me viu, irrompeu em um lamento profundo. Eu
o segurei enquanto dizia palavras calmantes e controlava a vontade
de chorar para o meu coração não se quebrar em um milhão de
pedaços por conta do quanto esse bebê tinha perdido.
― Alguém tem uma fralda fedorenta. ― Eu disse com um falso
entusiasmo e eu fiz cócegas nele depois de colocá-lo no tapete de
trocar. Ele sorriu para mim.
Quando eu voltei à cozinha, encontrei minha mãe alimentando a
Emma com um prato de biscoitos de chocolate, mas descobri que
essa manhã eu poderia me abster de discutir sobre as vantagens de
um café da manhã saudável.
Peguei uma mamadeira da geladeira, uma que tinha sido
preparada pela Heather e coloquei na cadeira com o bebê. Ele se
agarrou ansiosamente a ela e me olhou com aqueles olhos azuis
arregalados que me lembravam de outra pessoa. Heather tinha
olhos castanhos. Seus olhos azuis vieram da família de Chris e
parecia que Colin continuaria com eles.
― Você vai conseguir fazer isso por quanto tempo? ― Minha
mãe perguntou.
― Fazer o que?
― Tomar conta desse bebê. Você já se exige demais entre seu
trabalho, escola e cuidar da sua filha.
Cerrei meus dentes.
― Está se oferecendo para ajudar?
Ela evitou a questão. ― Os pais do Chris estão mortos, assim
como a mãe da Heather. O pai dele está vivo, mas, confie em mim,
ele certamente não vai contribuir. E não pense na confusão que é a
irmã do Chris. Jane não consegue nem cuidar de si mesma.
Emma estava nos observando com os olhos arregalados assim
que mastigou todos seus biscoitos, por isso eu não retruquei que
essa não era hora de difamar pessoas que estavam devastadas.
― Eu só estou pensando em você. ― Minha mãe fungou porque
não respondi.
― Então me ajude passando meu celular. ― Eu disse. ― Está
bem ali no balcão.
Em algum momento enquanto eu cochilava na cadeira da
cozinha, Jane me mandou uma mensagem. Eu levantei minhas
sobrancelhas com a mensagem embora as novidades não fossem
surpreendentes. Claro que ele viria. Chris tinha sido seu pai e,
embora eu soubesse que eles não tinham uma boa relação,
imaginei que as notícias tivessem sido um choque terrível.
― Nash está a caminho. ― Eu disse.
― Quem? ― Minha mãe perguntou.
Suspirei.
― Nash Ryan. Filho do Chris. Lembra dele, certo? ― Ela franziu
o rosto.
― Sim, vagamente.
― Ele está vindo de Oregon. Jane acha que ele estará aqui essa
noite.
Ela deu de ombros.
― Eu também não contaria com a ajude dele se é o que você
está pensando.
Na verdade, eu estava pensando em Colin. Eu estava pensando
em como ele tinha um irmão que nunca conheceu e como esse
irmão era agora o parente vivo mais próximo.
Colin acenou seu pequeno punho no ar assim que terminou sua
mamadeira e eu o apoiei no meu ombro para arrotar.
Eu não tinha ideia do que esperar da volta do Nash Ryan. Já
tinha um pouco desde quando o nome dele provocava todo tipo de
sentimentos imprevisíveis dentro de mim. Por alguns confusos anos
na adolescência, eu pensava que estava apaixonada por ele, antes
de entender que amor não significa seguir cada passo de um cara
enquanto consumida por uma cobiça obsessiva. Isso não era nada,
apenas uma paixão patética que eu mal pensava. Eu só esperava
que, pelo bem do menininho em meus braços, Nash tivesse
interesse nele. Colin precisaria de todo amor que ele pudesse dar.
Mais do que tudo, eu esperava que Nash tivesse se tornado um
homem melhor do que os rumores diziam.
3
O
C A P Í T U L O T R Ê S
NASH
crepúsculo estava aparecendo de novo no momento em
que eu cruzei a fronteira do Arizona. Roxie segurava a
cabeça e olhava para a janela enquanto voávamos pela
paisagem lunar do deserto de Mohave.
― Acho que merecemos uma pausa. ― Eu disse, pulando na
areia quase dois quilômetros abaixo da estrada.
Minha cachorra era muito bem treinada, mas eu a mantive na
coleira. A lua cheia estava começando a nascer no horizonte e as
cores do céu combinavam tanto com a imensidão do deserto que
parecia uma cena saída de um filme do Star Wars. Quando eu era
criança, estive nesse caminho com meu pai. Estávamos indo ao
Lago Havasu. Eu poderia lembrar de estar fascinado pelos espaços
sem árvores, cheio de areia e aflição, tão diferente do verde de
Hawk Valley, tão diferente do estuque urbano de cactos de Phoenix.
Parecia impossível que ainda era o mesmo estado. Isso é o que as
pessoas imaginam quando pensam no Arizona, esse deserto
desolado. Mas não era tudo assim.
Roxie se lambuzou na água que dei a ela quando voltamos ao
caminhão. Eu engoli uma garrafa de água e olhei as estrelas que
estavam começando a aparecer. Meu pai era muito ligado à
astronomia. Ele fez algumas aulas na faculdade local, mas
abandonou os estudos depois que eu nasci e ele sabia que teria que
trabalhar para sempre numa pequena loja da família em Hawk
Valley, onde uma graduação de astronomia era tão útil quanto
mamilos em um homem. Mas ele nunca perdeu o amor pelo céu,
sempre ia a um grande observatório em Flagstaff.
― Lá vai uma coisa sobre as estrelas, Nash. Independente de
poder vê-las ou não, elas sempre estarão lá. Não há muitos fatos
como esse no mundo.
Eu alisei a garrafa de água vazia e a joguei no porta-luvas para
que Roxie não pudesse mastigar.
Depois da ligação de Jane, tive um ataque de fúria, arrumei as
coisas apressadamente para pegar a estrada. Isso me mantinha
longe de pensamentos. A última coisa que eu queria fazer era
pensar demais. Dirigir fazia sentido porque eu não tinha nenhum
outro lugar para levar Roxie e nenhum voo direto para o pequeno
aeroporto regional há 60 quilômetros de Hawk Valley. Se eu voasse,
eu teria que ir a Portland, esperar por um voo em direção a Phoenix
e depois alugar um carro para duas horas de viagem até a cidade.
Ou eu poderia fazer um sacrifício e dirigir, evitando todo esse
aborrecimento.
Sobre alugar algum quarto ou acomodação, eu descobriria
quando chegasse lá. Não sabia quantos dias ficaria. Eu ficaria lá
pelo menos até os funerais e até que eu soubesse sobre os
cuidados do bebê.
Já na estrada descobri que não havia como escapar dos meus
pensamentos, não importava quanto eu me esforçasse.Os
quilômetros de estrada vazios me deram muito tempo para pensar.
E muitas memórias para relembrar.
A última vez que falei com meu pai foi há 4 meses, no dia em
que meu irmão Colin nasceu. Nós não conversávamos há muito
tempo e também não tínhamos conversado desde então. Ele
mandava fotos regularmente; fotos do bebê, fotos da Heather e do
bebê, fotos deles três juntos como uma família perfeita e feliz.
Talvez ele tivesse achado que todas essas fotos me motivariam a
fazer uma viagem até aqui e conhecer meu irmãozinho. Eu pensei
nisso. Mas Chris Ryan e eu éramos como óleo e água. Acreditava
que, ficando longe, estava fazendo um favor à família dele.
Eu sabia como as coisas mudariam se eu fizesse uma viagem
até Hawk Valley. Meu pai e eu inevitavelmente entraríamos em
alguma briga estúpida ou continuaríamos nos velhos padrões
competitivos. Heather ficaria desconfortável no meio da discussão,
ainda que meu pai e eu já tivéssemos problemas antes dela chegar.
E, de qualquer forma, o bebê era muito novo para conhecer a merda
que eu era.
Por isso, invés de visitar e arrumar problemas, eu enviei à
criança 500 dólares junto com um cartão piegas sobre felicidade,
bênçãos e mais bobagens.
De qualquer maneira, eu tinha certeza que eu não tinha nada a
oferecer a um irmão nessa altura. Nós estávamos separados por 25
anos de muito choro alto. Eu via homens da minha idade se
tornando pais, por toda parte. Meu próprio pai tinha um filho no
jardim de infância quando tinha a minha idade. Ele e minha mãe
eram praticamente crianças quando se conheceram numa festa em
Phoenix e meu pai começou a ir até lá todo final de semana só para
vê-la. Tenho certeza que eles não me planejaram. Legalmente eles
não podiam nem pedir uma bebida quando eu nasci. Eles também
não tinham ficado juntos por muito tempo. Eu não me lembrava de
Chris Ryan como um pai afetuoso. Ele podia ser bem severo.
Algumas vezes ele disse coisas que descobri que seriam difíceis de
perdoar. É verdade que ele amadureceu nos últimos anos, mas a
distância entre nós era muito grande. Eu sabia que ele tinha visto
Colin como a segunda chance dele, a chance de recomeçar e cuidar
de uma criança do jeito certo. E eu não queria interferir nisso.
Em algum lugar no fundo da minha mente, eu achava que
chegaria o dia em que teríamos outra chance. Talvez algum dia eu e
ele poderíamos sentar na varanda da frente de sua velha casa com
um par de cervejas e conversar como pais e filhos sempre fazem.
Algum dia.
Essa pílula de realidade era muito amarga para engolir agora. Eu
não conseguiria digerir ainda.
A escuridão diminuiu quando eu finalmente deixei os limites de
Hawk Valley. O lugar parecia o mesmo desde a última vez que o vi.
Hawk Valley era uma cidade parada no tempo, mantendo um tipo
esquisito de charme enquanto tentava manter os pequenos
negócios acima da água. Os reais ciclos do crescimento e da
recessão econômica de Phoenix não tinham chegado tão longe e os
compradores de casas de férias tendiam a passar pela cidade e
escolher as cabines nas montanhas. Tinha uma pequena faculdade
na periferia da cidade, mas em geral Hawk Valley era mais um lugar
de passagem que dependia dos turistas dos arredores gastarem
seus trocados nas lojas de lembranças na Avenida Garder ou
optarem por um almoço rápido nas cafeterias locais. As pessoas
que viviam lá apenas adquiriam e mantinham guardado o que
tinham.
Um acordo de guarda compartilhada significou que eu passaria
os verões e férias aqui quando era criança. Depois do verão que
completei 14 anos, eu me tornei cidadão permanente. Não foi uma
escolha. Foi porque o pior pesadelo possível aconteceu. Mas essa
era a última vez que gostaria de pensar nisso. A situação atual já
era uma merda terrível o bastante para lidar sem pensar no
passado.
As notícias estavam por todo lugar na rádio local. O fogo varreu
as montanhas de Hawk. Duas vidas perdidas. O fogo estava
completamente contido a esta altura. Ainda não havia nenhuma
informação sobre como as chamas tinham começado, mas com
ventos fortes e condições de seca não precisaria de muito. O céu
abrir e o fogo estar sob controle era uma pausa de sorte para as
equipes de emergência. Só que isso não aconteceu rápido
suficiente para meu pai e sua esposa.
Noite passada, Jane estava muito desesperada para dar muitos
detalhes. Enquanto eu estava parado no semáforo da Avenida
Garner, tentei ligar para ela para avisar que cheguei. Estava
preocupado com ela. Minha tia tinha um tipo de espírito muito frágil.
Ela provavelmente não estava lidando muito bem com a morte do
irmão.
― Alô?
― Jane, é o Nash. Estou na cidade.
― Nash! Ah meu Deus, isso tudo é tão péssimo e eu não
consigo dizer como lamento. Jane está dormindo no meu quarto. Ela
pediu para eu atender se você ligasse.
Eu estava confuso.
― Quem é você?
― Ah, desculpa. Kat Doyle.
O jeito prático que a mulher disse seu nome me fez pensar que
deveria significar algo para mim. Procurei na minha memória, mas
depois de 20 horas na estrada todas as conexões foram
bagunçadas.
― Estou indo até a casa do meu pai. ― Eu disse, embora eu
não soubesse o que esperar encontrar lá. Minha voz falhou na
palavra ‘pai’. Quando eu dizia em voz alta, não podia escapar da
verdade de que eu não tinha mais ninguém. Chris Ryan, o cara que
me ensinou como pegar uma bola e martelar um prego estava
morto. Claro, ele tinha seus defeitos. Como todo mundo.
― Por que você não vem para a minha casa? ― Kat Doyle
disse. ― Eu sei que tem muita coisa para ajeitar, mas não precisa
fazer tudo hoje. Jane mal descansou, mas ela vai querer conversar
com você. E Colin está aqui. Tenho certeza que vai querer vê-lo.
Eu digeri essa informação e pedi a Kat Doyle seu endereço. Eu
não poderia começar a listar todas as coisas que eu precisava
resolver. Jane não tinha condições de lidar com acordos do funeral.
Não tinha ninguém do nosso lado da família que pudesse tomar as
rédeas e eu sabia que Heather não tinha muita família próxima. Mas
tudo isso poderia esperar mais algumas horas. A mulher que falava
no telefone da minha tia estava certa. Eu queria ter certeza que meu
irmão estava bem.
Kat Doyle vivia num duplex entre duas casas onde alguma
companhia de mineração tinha construído acomodações para seus
empregados uns 80 anos atrás. As minas, que ficavam há 16
quilômetros, tinham sido fechadas desde a administração de Regan
e, à primeira vista, a maioria desses restos de casas pareciam
projetos primários desses programas idiotas de renovação de casas.
A mulher que atendeu a porta tinha um longo cabelo
avermelhado que enrolava no meio da cintura, um rosto vagamente
familiar e um corpo que nem sua camiseta sem forma e sua calça
de pijama de flanela poderiam esconder. Claro que eu me senti um
idiota por reparar no corpo dela nessas circunstâncias, mas algumas
coisas são difíceis.
― Nash. ― Ela disse e seus olhos verdes estavam cheios de
calor e simpatia.
― Kat? ― Perguntei. Ela concordou.
― Você deve se lembrar que eu morava três casas depois da
sua. Mas eu era uns anos mais nova.
Alguma coisa se conectou. Eu reconectei a garota magra do
cabelo vermelho de corte jovial com boné, que sempre usava largas
camisetas de bandas de rock clássico. Kathleen Doyle era muito
bem conhecida não pelo seu estilo ou pelas escolhas de guarda-
roupa, mas porque ela era uma lenda local, um gênio que ganhou
todos os prêmios acadêmicos já inventados pelo Distrito de Escolas
Unificadas de Hawk Valley e geralmente fazia alguém passar
vergonha. Ela também costumava me seguir por todo canto, mesmo
que eu nunca a tivesse conhecido.
― Kathleen. ― Eu disse. ― Agora eu lembro de você.
Um sorriso satisfeito se acendeu em seus lábios e depois
apagou rapidamente. De repente os olhos dela se encheram de
lágrimas.
― Heather era minha prima. ― Ela disse. ― Eu sinto muito,
Nash. Ainda estamos todos em choque.
Do lado de fora da porta de Kathleen, eu poderia sentir o cheiro
de fumaça no ar. Estava por toda parte. Nunca mais eu conseguiria
acender uma fogueira sem querer vomitar.
Roxie colocou a cabeçapara fora da janela da caminhonete e
latiu uma vez, apenas para me lembrar que ela ainda estava lá.
― Calma. ― Falei e ela gemeu, mas sentou no banco.
― Você trouxe sua cachorra? ― Kathleen perguntou, parecendo
confusa.
― Sim. Vim dirigindo e não sabia quando voltaria para Oregon.
Ela pareceu ponderar sobre isso e me lançou um olhar de
avaliação que eu não conseguiria interpretar. Estalei meus dedos na
direção da caminhonete.
― Roxie, fica. ― Voltei para Kathleen. ― Não se preocupe com
ela. Ela foi bem treinada e a janela está aberta. Ela vai ficar bem.
A cozinha de Kathleen Doyle parecia sair da cápsula do tempo
de 1983. Mas, exceto por algumas louças na pia, tudo estava limpo
e em ordem.
― Café? ― Ela ofereceu.
― Não, obrigada. Não sou um fã de cafeína.
Ela serviu uma xícara mesmo assim, provavelmente para si
mesma.
― Eu sou uma grande fã. ― Ela disse. ― Não sei como
conseguiria passar por um dia de outra maneira. ― Ela abaixou a
xícara. ― Quer que eu acorde a Jane? Ela está dormindo no meu
quarto. Ela tomou um sedativo forte para se acalmar e Kevin
Reston, namorado dela, não queria que ela ficasse sozinha já que
ele foi cuidar dos assuntos do departamento de incêndio.
Kathleen parou para tomar um gole do café. Ela se apoiou no
balcão da cozinha, nos seus pés descalços e pijamas, e me
observou. De novo eu senti que seus olhos verdes faziam uma
rápida avaliação.
Eu me apoiei na parede mais próxima e a observei de volta.
Agora que eu estava em Hawk Valley, a realidade estava
começando a me invadir. Meu pai e sua esposa estavam mortos.
Meu irmãozinho estava órfão. Eu ainda não tinha chorado, mas,
pelo jeito triste com que essa garota me olhava, ela sabia que eu
queria muito. O incêndio tinha sido um ato furioso da natureza,
então não tinha quem culpar, mas eu queria gritar e quebrar alguma
coisa com minhas mãos. E mesmo que eu não tivesse derramado
nenhuma lágrima, eu poderia facilmente me afundar no chão e
chorar até o sol nascer de novo. Mas eu não faria nada disso na
cozinha da Kathleen Doyle.
― Tem certeza que não quer café? ― Ela perguntou. ― Ou
talvez um lanche? Eu poderia preparar algo se estiver com fome.
― Estou bem. ― Eu disse.
Na verdade, a exaustão estava me atingindo. Eu não tinha
dormido na última noite e depois passei 20 horas na estrada
pensando em arrependimentos, perda, a época que meu ratinho de
estimação morreu quando eu tinha 5 anos e meu pai fez um caixão
com caixa de cigarro para ele, cavando um buraco e realizando um
funeral muito sincero no quintal.
― Quer vê-lo? ― Kathleen perguntou.
― Vê-lo?
A ideia era aterrorizante. Todo o dia eu afastei a minha mente
para não imaginar ecos dos últimos gritos e visões de corpos
queimados. Fazia sentido que os restos mortais tenham sido
recuperados e trazidos para a cidade. Ver sangue nunca me
incomodou, pelo menos não quando era meu. Mas eu sabia que me
quebraria olhar o que sobrou do meu pai.
― Ele está dormindo no berço. ― Kathleen disse. ― Mas você
pode dar uma olhada.
Respirei, aliviado.
― Você está falando do Colin.
― Sim. ― Ela inclinou a cabeça. ― Claro que estou falando do
Colin.
Kathleen abaixou a xícara e fez sinal para que eu a seguisse. A
cozinha era junta com a sala de estar, e depois a pequena entrada
dá para dois quartos. Kat me levou para o menor e eu pestanejei,
tentando ajustar meus olhos cansados à luz fraca. Tinha uma cama
pequena ocupada por uma criança. Eu não fazia ideia da idade, mas
percebi que era uma menina. Kathleen tocou o rosto da criança que
estava dormindo e depois foi até o pequeno berço no canto.
Ele dormia de bruços com os punhos debaixo da cabeça. Não
acendemos a luz, mas algo na nossa presença o incomodou,
porque ele franziu o rosto e soltou um suspiro alto como se fosse
um animal pequeno sentindo dor. Depois seu rosto relaxou e ele
respirou normalmente, voltando para o sono tranquilo. Algo intenso
e estranho se revirou no meu peito enquanto eu o observava e me vi
desejando ter vindo assim que ele nasceu. Meu pai achou que eu
deveria. Ele pediu, até ofereceu para pagar a passagem de avião
mesmo que eu não precisasse de dinheiro. Eu só precisava deixar
uns velhos rancores de lado. E agora que eu finalmente estava aqui,
era tarde demais.
― Você pode pegá-lo. ― Kathleen sussurrou.
Eu me estiquei para tocar a bochecha do bebê e depois recuei.
― Deixe-o dormir. ― Eu disse.
Kathleen colocou o cobertor de algodão em volta do corpo de
Colin e eu dei uma última olhada antes de segui-la para fora do
quarto. Ela fechou a porta gentilmente e sentou no sofá da sala de
estar. Como não tinha outro lugar para sentar, eu fiquei perto dela.
― Ele é um bom bebê. ― Ela disse e eu percebi que os olhos
dela estavam marejados de novo. ― Eles o adoravam, Heather e
Chris. Heather estava tão feliz por finalmente ser mãe. Eles estavam
tentando ter um bebê desde que se casaram, você sabe.
Eu tossi uma vez e me mexi.
― Não, eu não sabia. ― Meu pai e eu não conversávamos sobre
muitas coisas, isso quando nos falávamos. Por muitas razões.
Algumas tinham a ver com Heather. O resto tinha a ver com nós
dois.
Kathleen suspirou e apoiou a cabeça no sofá.
― Hoje Jane recebeu uma ligação da Funerária do Brach que
fica na Rua Hart. Eles estão tomando conta dos preparativos sem
qualquer instrução da família. Ela deve ir lá amanhã conversar com
eles.
― Eu vou resolver isso. ― Eu disse. Uma dor de cabeça maldita
estava surgindo. Apertei o espaço entre as sobrancelhas.
― Quer uma aspirina?
― Sim, por favor.
Kathleen voltou com um par de aspirinas e água. Ignorei a água
e engoli as pílulas em seco.
Ela sentou novamente e apontou para a mão enfaixada.
― O que aconteceu?
Eu tinha esquecido do cara no beco. Parecia um incidente que
tinha acontecido 3 anos atrás em vez da noite passada.
― Raspei meus dedos no concreto trocando um pneu furado. ―
Eu disse. Eu era um mentiroso de merda. Isso não era fácil para
mim.
Ela não acreditou em mim. Eu notei. Tinha algo na mudança do
olhar dela que indicou que ela sabia que eu era um merda. Mas ela
era educada o bastante para mudar de assunto.
― Há quanto tempo, Nash? ― Ela perguntou. ― Há quanto
tempo desde a última vez que veio? Uns 5 anos?
― Algo assim. ― Eu disse, me perguntando o quanto ela sabia
sobre a última briga que tive com meu pai. Foi há 5 anos e, desde
então, nossas conversas tinham sido bem cuidadosas. Mas eu me
lembro muito bem da última noite. Coisas terríveis foram ditas.
― Vá em frente. Case com ela. Não dou a mínima. Acabou!
Brigas como essa podem relaxar ou destruir tudo. Normalmente
a última.
Eu me perguntava o quanto essa mulher sentada no sofá perto
de mim sabia. Afinal, ela era prima da Heather e se Heather
confiava em Kathleen para cuidar de seu filho, então ela confiaria
em contar seus segredos a Kathleen. Quando nossos olhos se
encontraram, vi algo neles me dizendo que ela sabia de tudo.
― Nash, achei que tivesse ouvido sua voz.
Levantei os olhos para ver Jane se juntando a nós. Ela estava
com os olhos vesgos e o rosto amassado e parecia que ela estava
segurando no quadro da sala para ter apoio. Saí de perto do sofá e
embalei seu corpo magro assim que ela começou a chorar.
Estava tarde e ninguém tinha condições de discutir algo sério,
muito menos Jane. Kathleen ofereceu estadia para eu e minha
cachorra de 30 quilos no seu pequeno apartamento, no entanto eu
recusei. De qualquer maneira, estava feliz em aceitar a oferta de
manter Colin aqui por um tempo. Eu tinha decidido encontrar um
hotel que aceitasse animais de estimação em algum lugar na
rodovia, mas Kathleen providenciou a chave da casa do meu pai e
sugeriu que eu ficasse lá. Era óbvio que ela tinha tomado conta das
coisas temporariamente, mas eu não estava em posição de discutir.
― Eles finalizaram a obra. ― Ela disse. ― E tem muitos quartos.
― Eu sei. ― Eu disse a ela. Eu vivi nessa casa. Por anos era
uma monstruosidade vitoriana que meu avô nunca pensou em
restaurar, até que ele entrou para um clube de golfe em Scottdale.
Passou a ser um projeto do meu pai, sempre cheiode materiais de
construção e quartos inacabados. Parece que ele finalmente
terminou o trabalho.
Jane não estava atenta o bastante para dirigir, mas ela insistiu
em ir para casa, aí ofereci para levá-la.
― Que cachorra linda! ― Ela disse, se apresentando a Roxie,
que estava feliz pela atenção de uma pessoa nova que ela arfava no
assento entre nós.
Jane morava com seu namorado numa cabana charmosa há 3
blocos de distância do centro da cidade. Ela parecia no mundo da
lua acariciando Roxie, mas era compreensível. As últimas 24 horas
foram um inferno para ela. Jane ainda era criança quando eu nasci
e, mesmo que ela estivesse nos seus 30 anos agora, ela ainda tinha
a vulnerabilidade de uma garotinha. Espero que a morte de seu
único e amado irmão não seja o catalisador do seu limite. Pelo que
eu sabia, ela esteve bem nos últimos anos.
O namorado da Jane veio me cumprimentar quando a deixei.
Kevin Reston ainda estava vestindo o uniforme do Departamento de
Incêndio de Hawk Valley e a exaustão desenhada em seu rosto,
mas ele sacudiu minha mão e desajeitadamente ofereceu seus
pêsames antes de se virar para a minha tia.
Eu esperei até fecharem a porta e fiz a única coisa que me
restava. Fui para casa.
A casa estava escura. Quando eu pisei na varanda da frente,
chutei um objeto acidentalmente. Era macio e logo percebi que
havia mais. Flores. Por toda a varanda. Eu poderia adivinhar que o
cartaz perto da porta. As desajeitadas letras de mão que diziam
“Chris e Heather, nós amamos vocês. ”
Foi comovente, mas não inesperado. Hawk Valley se orgulhava
de ser uma cidade pequena e minha família era bem conhecida
aqui. As mortes trágicas de dois alicerces da comunidade deixara
todo mundo em sofrimento.
Roxie cheirava as flores enquanto eu me atrapalhava com a
chave que a Kathleen me deu. As dobradiças rugiram quando eu
abri a porta. Imediatamente fui transportado para a minha infância
quando respirei o aroma de madeira velha e um mofo que nunca
desapareceu. Era o cheiro de anos, vidas e gerações. Mas, por ora,
eu só o sentia como o cheiro da tristeza.
Procurei o interruptor perto da porta e a primeira coisa que notei
foi que o lugar parecia muito diferente do que era há 5 anos. A
estrutura ainda era a mesma, mas agora decorado com a mobília
antiga e detalhes de bom gosto. A pintura estava mais brilhante, a
iluminação foi reforçada e por todo canto tinha fotos que antes
estavam cobertas.
Eu parei em uma foto dos três: meu pai, Heather e o bebê.
Provavelmente foi tirada depois que Colin nasceu. Eu recebi umas
fotos dele usando a mesma roupa azul de marinheiro, mas apenas
ele nas fotos. Eu nunca recebi essa foto dos três.
Roxie passava seu nariz pelo chão discretamente, farejando todo
canto. Seu rabo estava para baixo, como se ela soubesse que era
um momento triste. Depois de alguns minutos, ela se ajeitou num
tapete trançado e eu não conseguia tirar meus olhos do retrato de
uma família feliz que tinha sido destruída. O casal sorridente com
seu bebezinho não fazia ideia do que o destino tinha guardado.
Tinha mais acinzentado no cabelo do meu pai do que eu me
lembrava. Linhas mais profundas ao redor dos olhos. E Heather
estava linda, seu cabelo cor de mel arrumado num coque. O braço
do meu pai estava apoiado no ombro dela de forma protetora e ela
segurava com cuidado o filho que nunca teria lembrança deles. Para
Colin, Heather e Chris Ryan seriam apenas pessoas em fotos e
histórias.
Não conseguiria me acostumar à ideia. Nada nessa porra era
justo. Depois que minha mãe morreu, eu não conseguia fazer nada
além de chorar nos dias seguintes. Dessa vez eu não tinha
derramado uma lágrima.
Mas agora eu me afundava no chão da casa vazia do meu pai,
finalmente desatando a chorar e soluçar até o peito doer.
4
A
C A P Í T U L O Q U A T R O
KATHLEEN
previsão não declarou chuva para hoje, mas os céus se
abriram e a multidão começou a se afastar da cerimônia.
Tinha muitos rostos desconhecidos, pessoas de fora da
cidade. Talvez fossem curiosos e mórbidos. O fogo e a tragédia se
espalharam nas notícias:
“O casal tinha uma loja de lembranças da pitoresca cidade de
Hawk Valley. Eles deixaram para trás um filho ainda criança. Agora
é com você, George, para as novidades do trânsito.”
Um noticiário de alguma das estações de Phoenix estava
rondando o estacionamento. Eu me perguntava se seria a mesma
repórter que topou com Nash essa manhã. Ele mandou ela se foder
antes que ela terminasse a frase.
Enquanto as pessoas que estavam no cemitério começavam a
recuar e olhar de relance para o céu ameaçador, Nash permaneceu
no lugar com a cabeça inclinada e as mãos grandes dos lados.
O pastor terminou a cerimônia e tocou Nash no ombro antes de
seguir a multidão. Ele pareceu dizer algo, mas eu estava tão longe e
parecia não ser importante de qualquer forma. Nash o ignorou.
Meu salto esquerdo vacilou no chão escorregadio enquanto eu ia
até Nash. Evitei olhar os dois caixões cobertos de flores. Não queria
pensar no que havia dentro.
Nash não olhou quando me aproximei e eu não pude olhar seu
rosto.
― Nash. ― Eu disse enquanto a chuva se intensificava. ― Você
está bem?
Agora ele olhou. Um trovão alto marcou o momento. A
expressão nos seus olhos azuis era tão angustiada que eu tentei
consolá-lo. Mas Nash não era o tipo de homem que apoiaria a
cabeça no ombro de alguém para chorar.
― Acabou. ― Ele disse e pareceu surpreso. Eu me questionava
se ele tinha ouvido o culto ou se estava muito perdido em
pensamentos. Esse não seria o primeiro funeral que ele passaria,
não era a primeira vez que alguém que ele amava morria de forma
tão brutal.
― Sim. ― Eu disse. ― Acabou.
Era verdade. Pelo menos essa parte tinha acabado. As
autoridades tinham recuperado os corpos rapidamente e o funeral
pôde acontecer apenas 4 dias depois do incêndio. Muitas pessoas
na cidade tinham oferecido ajuda, mas Nash insistiu em resolver
tudo ele mesmo. Talvez ele gostasse de ter a cabeça ocupada.
Talvez por isso ele estava tão ocupado passando tempo com o
Colin.
Faltava pessoas felizes para preencher o vazio e cuidar do bebê,
cedo ou tarde, seria uma decisão difícil. Eu sabia o que Heather e
Chris iriam querer. Minha prima me contou sobre a visita a Steve
Brown há uns meses. O advogado provavelmente estava esperando
o funeral para compartilhar o testamento.
As pessoas se perguntavam e sussurravam entre elas. “E o
bebê? O que vai acontecer com ele? ” E eu permaneci em silêncio
porque eu não tinha o direito de fofocar, especialmente quando
Nash ainda não tinha sido informado sobre o papel que seu pai
pretendia dar a ele.
De repente o olhar de Nash assumiu um significado mais
profundo. Sim, o funeral tinha acabado. Mas agora ele tinha que
descobrir o que viria.
Nash andou ao meu lado em silêncio enquanto passávamos pelo
mar de figuras de preto a caminho do estacionamento. Mesmo com
a chuva constante, nós não ligamos. Segurei minha bolsa acima da
cabeça como um guarda-chuva inapropriado, com o estrondo do
trovão. Nash não pareceu notar que estava ficando encharcado.
Nós nos esbarramos algumas vezes desde que ele voltou à
cidade, mas nunca tínhamos ficado sozinhos juntos nem tivemos
uma conversa pessoal. A energia entre nós não era exatamente
esquisita, mas também não era confortável. Pelo que eu sabia do
Nash, ele não foi embora pelo bem das boas maneiras.
― Seu carro? ― Ele disse, apontando para a estrutura velha do
Ford que estava a um passo da morte súbita.
― Sim. ― Eu destranquei a porta do motorista. ― Vejo você na
casa da Nancy? ― Perguntei a ele.
Nancy Reston, frequentemente chamada de Santa Nancy, tinha
sido prefeita de Hawk Valley por duas décadas e saiu no último
outono, porque amava crianças e queria abrir uma creche. Ela tinha
se voluntariado para realizar um encontro na sua casa depois do
funeral para que a família não precisasse se preocupar com isso. A
própria Nancy perdeu o funeral porque está cuidando do Colin e da
Emma.
Nash não respondeu e estava com o olhar perdido, então eu
pensei que ele não tivesse escutado a pergunta.― Vai ter comida. ― Eu disse, sentindo que eu precisava
completar o silêncio com palavras. Mesmo que estúpidas. ― Nancy
contratou um bufê. Foi legal da parte dela.
Nash não disse nada. Ele poderia ser uma estátua. A mandíbula
quadrada, uma escultura absurdamente linda do lado do capô do
meu carro.
Eu limpei minha garganta.
― Eu queria perguntar o que você quer fazer essa noite. Nancy
pegou Colin noite passada, mas eu ainda não sei se ela vai ficar
duas noites seguidas. Posso cuidar dele essa noite se você quiser…
Minha voz falhou porque eu finalmente percebi o que ele estava
encarando. Daqui as Montanhas de Hawk eram apenas sombras
irregulares. O cheiro de fumaça tinha desaparecido e de longe não
havia nenhuma pista sobre o tipo de desastre que tinha acontecido
lá. Você teria que olhar mais de perto para ver as cicatrizes
deixadas pelo fogo.
A dor me inundou. Tinha sido uma companhia constante
ultimamente, mas agora o sofrimento se tornou devastador. Heather
era nove anos mais velha do que eu, então nós não éramos tão
próximas. Na minha humilde opinião, minha alegre e loira prima era
um tanto vaidosa e superficial. Mas quando eu voltei para Hawk
Valley há quatro anos como uma estudante grávida que largou tudo,
tinha acabado de sair de um relacionamento tóxico e não sabia de
nada, Heather colou em mim e se tornou minha maior campeã. Ela
me ajudou a encontrar emprego. Ela estava lá no hospital
segurando minha mão quando Emma nasceu. E quando ela viu o
tão esperado positivo no teste de gravidez da farmácia, foi para mim
que ela ligou para contar a novidade.
As lágrimas que eu tentei segurar durante todo o funeral agora
ameaçavam me engolir.
De repente braços me envolveram, braços fortes me levantaram
da queda e me apertaram contra seu peito largo. Envolvi meus
braços em volta de seus ombros e inspirei o aroma amadeirado de
sua loção pós-barba. Nash não disse nada quando me segurava e
estava tudo bem. Durou pouco e naquele momento éramos apenas
duas pessoas angustiadas e agarradas uma na outra no
estacionamento de um cemitério enquanto a chuva fria caía. Eu não
me lembraria da última vez que eu tinha sido segurada por alguém e
eu ficaria agarrada nele por mais tempo com muito prazer. Mas
Nash recuou.
― Te vejo mais tarde. ― Ele disse antes de se dirigir à
caminhonete.
Eu não tinha uma ideia clara se ele apareceria na Nancy ou se
ele preferiria que eu cuidasse de Colin essa noite. De qualquer
forma, eu não queria insistir por respostas, então suspirei e entrei no
meu carro. Me livrei do blazer molhado, aliviada que a blusa de
baixo estava quase completamente seca, antes de fazer uma visita
rápida a casa de Nancy Reston.
A casa ficava na parte mais velha da cidade, apenas duas ruas
de onde Nash e eu crescemos. Anos atrás minha mãe vendeu sua
casa antiga que ficava nessa vizinhança e se mudou para um novo
condomínio do outro lado da cidade. Como um grande apreciador
do estilo vitoriano, Chris Ryan tinha passado anos restaurando sua
casa, e eu poderia presumir que a casa pertencia a Nash agora.
Bom, Nash e Colin.
Nancy tinha convidado apenas os amigos e a família de Chris e
Heather, então não havia um número grande de pessoas para lidar.
A antiga prefeita de cabelos prateados me cumprimentou na porta
com um abraço caloroso e providenciou uma toalha rosa bordada
para meu cabelo úmido. Eu ainda estava parada na entrada,
secando meu cabelo bagunçado, quando o pequeno furacão que
era a minha filha me encontrou.
― Oi, amorzinho. ― Eu disse, tentando pegar a garota risonha
nos braços.
Emma não era uma criança que gostava de colo. Ela se revirou.
― Olha o que a vovó me deu. ― Ela anunciou, segurando uma
nota de cinco dólares triunfantemente.
A última vez que minha mãe deu dinheiro a Emma, minha filha
decorou a cara do Abraham Lincoln com giz de cera vermelho e
embrulhou a nota numa bola de barro. A lição que deveria ter sido
aprendida era evitar dar dinheiro a uma menina de três anos de
idade, mas às vezes minha mãe era uma aprendiz lenta.
― E onde está o vovô? ― Perguntei a ela. Emma apontou.
― Ali. ― Ela franziu o rosto e meu coração saltou porque ela
parecia exatamente como seu pai. Eu deveria ter me acostumado
com a semelhança, mas, por alguma razão, isso ainda me pegava
desprevenida.
Emma resistiu quando a peguei pela mão, mas eu não poderia
deixá-la solta em uma casa com todos os tipos de problemas. Nancy
tinha as mãos ocupadas cumprimentando os convidados que
chegavam.
Minha mãe fez um aceno de onde estava, perto da janela, ao
lado do tio Ben, o membro vivo mais velho da família. As mãos
magras e o rosto dele pareceram confusos quando minha mãe falou
algo em seu ouvido entre as mordidas da torta de limão.
Emma parou de tentar tirar minha mão quando eu a levei até a
mesa de comidas e enchi seu prato de fruta. Emma amava
morangos do jeito que crianças amam barras de chocolate.
Jane sentou no pequeno sofá com o Colin cochilando em seus
braços. A postura dela era meio dura e ela mantinha os olhos no
bebê. Jane não se voluntariou para segurar o sobrinho e nunca se
ofereceu para tomar conta dele. Primeiro eu achei que Jane tinha
medo da criança, mas observando-a nos últimos dias eu não
acreditava mais nisso. Jane não estava com medo do bebê. Ela
estava com medo dela mesma, talvez da sua habilidade de segurá-
lo apropriadamente. Heather uma vez a descreveu como
‘terrivelmente frágil’ e essa era uma descrição perfeita. Eu sabia dos
rumores sobre sua história. Os términos. Ela aparentemente tinha
se mantido estável por um tempo, mas desde o incêndio ela parecia
estar mais reservada. Heather e Chris tinham tomado a decisão por
uma razão. Jane nunca teria jeito para cuidar de Colin.
Eu coloquei Emma com seu prato de morangos numa cadeira
perto, que ficou muito à vontade perto de Jane.
― Quer que eu segure ele?
Sua reação de alívio foi imediata.
― Sim, obrigada.
Colin acordou quando veio para os meus braços.
― Oi, homenzinho. ― Eu disse e ele sorriu. Eu o coloquei numa
posição mais ereta, imaginando se já era hora da mamadeira, mas
por um momento ele parecia feliz por colocar a cabeça no meu
ombro e eu tentei pegar meu pesado cordão turquesa.
― Ele te ama. ― Jane disse, meio melancólica.
Eu não falei que Colin era um bebê e não sabia como amar
alguém. Bebês precisavam de coisas. Conforto, comida, troca de
fralda, afeto. Eles ainda não tinham nada para oferecer em troca.
Kevin Reston apareceu com um cardigã pesado. Ele
delicadamente cobriu os ombros de Jane.
― Você está bem, querida? ― Ele perguntou com uma ternura
que fez meu coração parar um pouco. Jane não tinha tido sorte em
muitos aspectos da sua vida, mas ela tinha sido sortuda o bastante
para encontrar o amor. Muitos de nós procuraremos para sempre e
só encontraremos algumas imitações baratas.
― Estou bem. ― Jane disse, mas qualquer um que olhasse para
ela duvidaria. Havia círculos escuros embaixo de seus olhos e seu
corpo parecia mais fraco do que nunca. Eu duvidava se ela estava
dormindo realmente. Ou comendo.
― Mamãe? ― Emma chamou. ― Podemos ir para casa agora?
― Ainda não, amor.
― Eu quero cuidar do Bruno.
― Ele ficou preso no quarto de trás. ― Kevin disse, se referindo
à esperta mãe da raça terrier. Ele sorriu para Emma. ― Senão ele
estaria pulando em todo mundo e roubando toda a comida.
Emma considerou e depois mudou de tática.
― Eu queria ir no quintal.
― Está chovendo, Ems. ― Eu disse a ela.
Ela cruzou os braços e pareceu infeliz. Os dias depois do
incêndio têm sido confusos para ela.
Kevin limpou a garganta.
― Na verdade, eu estava lá fora e a chuva parecia diminuir. ―
Ele piscou para Emma. ― O que você diz? E se a gente resgatar
Bruno e levá-lo para correr pelo quintal? ― Kevin me olhou de
relance. ― Se estiver tudo bem com a sua mãe.
― Mais do que tudo bem. ― Eu disse. ― Obrigada, Kevin.
Kevin tentou levar Jane para acompanhá-los até o quintal, mas
ela sacudiu a cabeça e enrolou o suéter mais ainda pelo corpo.
Depois que a Emma saltou, ao lado do chefe de bombeiros de
Hawk Valley, Jane esticou a cabeçaao redor.
― Onde está Nash?
Eu ia admitir que não tinha certeza se ele viria quando a
campainha tocou. Nash entrou parecendo ligeiramente menos
encharcado do que no cemitério. Eu precisava admitir, ele
combinava com o estilo desarrumado.
― Aqui está ele. ― Jane disse e um sorriso tímido se abriu em
seus lábios.
Nash se esquivou da tentativa da Nancy de secá-lo e depois
ficou estranhamente parado na porta do salão, analisando a reunião
silenciosa. Seu olhar parou em Colin, que ainda estava bem
aninhado no meu ombro esquerdo. Eu desejei que tivesse uma
janela na cabeça de Nash Ryan para ver o que ele estava
pensando.
― E Steve Brown está aqui. ― Jane percebeu e havia surpresa
em sua voz. O advogado era o tipo de cara que se mantinha nos
cantos de qualquer sala e era fácil de perdê-lo de vista. ― Me
pergunto o motivo.
― Steve e Chris eram bons amigos. ― Eu disse gentilmente,
pensando se ela já deveria saber da verdade. ― Eles estudaram
juntos.
Steve Brown se aproximou de Nash. Ele tinha a aparência típica
de um advogado: ligeiramente careca, acima do peso e muito sério.
Ele tem trabalhado no andar de cima de um prédio de tijolos na
Avenida Gardner desde que eu me lembrava e solenemente
mantido os segredos legais de muitos dos moradores mais antigos
de Hawk Valley.
― Oh. ― Jane suspirou. ― Certo. Esqueci.
Mesmo com os murmúrios suaves de Steve, captei as palavras
‘amanhã’ e ‘meu escritório’.
Nash parecia irritado.
― Vamos conversar agora. ― Ele disse, um pouco mais alto que
o necessário.
Steve obviamente não gostou da ideia, mas suspirou e
acompanhou Nash para fora do cômodo, provavelmente para um
lugar privado.
― E agora? ― Jane questionou.
― Não tenho certeza. ― Disse eu.
Claro que não era verdade. Eu sabia exatamente por que o
advogado e amigo de Chris se sentiu obrigado a encurralar Nash
apenas uma hora depois do funeral de seu pai. Não havia apenas a
questão da loja, da casa e das posses. Essas coisas podiam
esperar. Mas a criança não.
Colin balbuciou perto do meu ouvido e eu acariciei suas costas
pequenas, sentindo uma emoção maternal intensa. Ele não era meu
filho, mas eu o amava. Eu lutaria para protegê-lo.
Na minha cabeça, comecei a catalogar tudo que sabia sobre
Nash Ryan.
Solitário.
Imprevisível.
Desapegado.
Perversamente gostoso.
Imperdoável.
Não parecia uma boa receita para um pai. A relação entre Nash
e Chris sempre foi tumultuada. Ainda assim, Chris escolheu
acreditar no melhor do primogênito. Depois de tudo que ouvi sobre
Nash Ryan, Chris e Heather deviam ter suas razões para acharem
que ele seria o melhor guardião.
Minha opinião ainda pairava no ar. Até agora, Nash não tinha
passado confiança em relação a Colin.
Jane optou por dar uma olhada no quintal, depois de tudo. Colin
começou a se agitar depois de alguns minutos, então decidi
preparar uma mamadeira para ele. Felizmente Nancy tinha uma
pronta na geladeira.
Havia uma cadeira de balanço aconchegante na cozinha, então
eu sentei e deixei Colin à vontade com a mamadeira. A janela na
minha frente tinha uma bela vista do quintal. Emma parecia viver o
melhor momento de sua vida, correndo pelo gramado da Nancy com
o cão terrier atrás, o rabo fofo balançando animadamente. Jane
também estava lá agora e Kevin colocou um braço protetor ao seu
redor enquanto eu observava. Emma jogou uma pequena bola
vermelha no ar e depois gritou com alegria quando o cachorro pulou
e a pegou. Sorri. Era bom sorrir depois de tantos dias tristes
seguidos.
Uma sombra na porta me fez virar a cabeça e parei de sorrir.
Nash estava lá, aparentemente chocado e mais do que um pouco
pálido. Ele observava Colin, que estava mamando feliz e
inconsciente dos olhares.
― Você quer segurar ele? ― Perguntei. Esperava que Nash se
recusasse.
Eu estava certa.
― Agora não. ― Ele disse.
― Então quando? ― Minha pergunta foi afiada. Não era a
intenção. Mas eu não vi Nash segurar o bebê uma única vez.
Ele respondeu minha pergunta com outra:
― Onde está a Jane?
Apontei para a janela.
― Lá fora.
Nash abaixou a cabeça e se direcionou para a porta dos fundos.
― Ele te contou, né? ― Eu deixei escapar. ― Steve te contou
sobre o testamento.
Nash me encarou.
― Você sabia?
― Sim. ― Tentei ler sua expressão. ― Aonde você está indo?
Mas Nash já tinha provado que ele não responderia as perguntas
que não quisesse.
Talvez ele ainda não soubesse as respostas.
Ele saiu da cozinha e eu observei pela janela enquanto ele
falava com o tio. Ele passou a mão pelo cabelo escuro e olhou de
relance para a janela. Nossos olhos se encontraram e um
desconforto passou pela minha coluna.
Eu me perguntava, e temia, qual teria sido a reação de Nash
quando soube que tinha sido nomeado o guardião do seu irmão
mais novo.
Pela expressão em seu rosto, ele não parecia estar digerindo
bem a notícia.
5
― E
C A P Í T U L O C I N C O
NASH
u? ― Não pude acreditar. ― Você só pode estar me
zoando, porra.
Steve Brown, advogado e amigo de longa data do meu pai,
levantou uma sobrancelha, mas discretamente confirmou que não,
ele não tinha o costume de brincar por ali sobre acordos de guarda
de criança. Meu pai e Heather tinham mesmo me nomeado o único
guardião do meu irmão de quatro meses.
― Você também é o testamentário das posses. ― Steve
explicou. ― Os maiores
bens são a casa e a loja, metade deles será de Colin, mas você
estará autorizado a tomar as decisões financeiras. Nash?
Eu o deixei para trás balbuciando sobre responsabilidades e
outras merdas sozinho e procurei um dos meus parentes para me
explicar algumas coisas.
― Você parece triste. ― Jane disse no quintal da casa de Nancy
Reston depois de eu contar um resumo da conversa com Steve
Brown.
Kevin Reston manteve seu braço ao redor da minha tia e me
lançou um olhar cauteloso. Eu não poderia culpá-lo. Ele se lembrava
de mim como um adolescente idiota que eu era quando ele se
voluntariou para ajudar o time de futebol do colégio de Hawk Valley.
― Fui pego de surpresa. ― Eu disse, percebendo que não
estávamos sozinhos no quintal. Um cachorro e uma garotinha
estavam pisando nas flores de Nancy. Já tinha visto a garotinha
algumas vezes por perto nos últimos dias para reconhecê-la como a
filha da Kathleen.
Tentei organizar meus pensamentos.
― É muita coisa para digerir.
Tinha que ser o eufemismo do século. O relacionamento com
meu pai era uma droga. Sempre presumi que ele não me olhava
com muito respeito. Ele mesmo me falou tantas vezes. Então por
que raios ele me nomearia o guardião de Colin? Tinha que ter
outras opções.
Não meus avós. Eles estavam mortos há anos. A mãe de
Heather se foi. Câncer ou algo assim. Seu pai malandro ainda
estava vivo, mas ouvi que ele estava morando em Idaho e
resmungou “vadia estúpida” quando viu no jornal que sua única filha
estava morta. Ele nem tinha vindo ao funeral.
E não Jane. Ela teria sido a escolha óbvia. Se ela fosse estável.
Minha tia era uma boa pessoa, mas quando eu estava no ensino
médio ela passou nua pelo restaurante Chicken Delight próximo de
Boland gritando “Parem a carnificina! Salvem os frangos!”. Jane não
era uma cuidadora. Jane era uma pessoa que precisava de
cuidados.
Eu ainda não entendia como eu fui parar no topo da lista. Chris e
Heather Ryan viveram em Hawk Valley durante a vida toda. Eles
não podiam andar até a caixa de correio sem tropeçar em meia
dúzia de amigos. Pelo menos alguns deles tinham emprego fixo e
instintos paternos.
Kathleen, por exemplo.
Quando a encontrei na cozinha alguns minutos atrás, ela parecia
estar em uma propaganda sobre maternidade, o tipo de mulher que
apareceria em um comercial de cenourinhas orgânicas, ou algo do
tipo.
― Você vai ter que ficar na cidade agora. ― Jane disse e
percebi que a ideia a fazia feliz. Ela tomou como certo que eu me
lançaria na chance de abandonar minha vida antiga e virar um pai
momentâneo.
Porra.
Passei a mão pelo meu cabelo úmido e tentei pensar. Eu nunca
tinha trocado uma merda de fralda.
Levantei os olhos e vi que Kathleen Doyle estava me observando
pela janela da cozinha. Nos braços dela, meu irmãozinhocontinuava
feliz sugando a mamadeira. Ele não sabia que era órfão. Ele não
sabia que a infância feliz e tranquila que seus pais imaginaram para
ele se foi.
Eu era uma pessoa egoísta. Alguns podem me achar perigoso.
Mas meu coração não era frio o suficiente para não sentir nada por
aquele ser humano minúsculo que agora era minha
responsabilidade. Meu pai e Heather sabiam o tipo de homem que
eu era. Se eles deixaram Colin sob meus cuidados, era porque eles
não tinham uma opção melhor. E, de qualquer forma, eles deviam
pensar que isso nunca aconteceria. Eu tinha sido escolhido por
precaução.
― Nash? ― Jane chamou porque eu virei bruscamente e voltei
para a porta da cozinha.
Colin tinha terminado a mamadeira e Kathleen estava dando
palmadinhas nas costas dele. Ela observou assustada quando eu
entrei no cômodo de novo. Eu não tinha certeza do que ela pensava
sobre mim, mas eu também não ligava muito. Eu tinha apenas uma
prioridade agora e não era ela.
― Posso segurá-lo agora? ― Perguntei.
Uma sobrancelha levantou de surpresa e ela olhou de relance
para Colin como se ela quisesse ouvir o que ele tinha a dizer sobre
isso. Depois ela concordou e levantou facilmente da cadeira
barulhenta.
― Claro. ― Ela disse, dando três passos graciosos.
Eu me estiquei, mas ela recuou e me deu um cobertor.
― Você ainda está molhado da chuva, então cubra o peito. E
espera, coloque seus braços perto do corpo. Você está segurando
um bebê, não pegando uma bola.
Kathleen Doyle certamente gostava de dar ordens, mas eu
estava disposto a aceitar uma ajudinha. Se ela achava que eu não
sabia o que estava fazendo, ela estava certa. Mas eu aprenderia. Eu
aprenderia tudo que precisasse.
Colin choramingou de protesto quando foi tirado do conforto dos
calorosos braços de Kathleen para o meu colo estranho.
Pensei que ele fosse mais pesado. Ele olhou para mim e um
franzido surgiu na testa, como se ele se questionasse o motivo de
estar no colo de um estranho com a barba por fazer. O cabelo na
cabeça era pequeno e loiro, como o de sua mãe. De repente tive a
lembrança de Heather jogando o seu para trás e rindo de alguma
coisa. Foi algo que eu disse, mas eu não conseguia lembrar o que.
Eu não era um cara engraçado.
Se bebês eram capazes de duvidar, definitivamente era dúvida
nos olhos dele. Ele não pegou aqueles olhos de Heather. Eles eram
azuis claros, como os de meu pai. Como os meus. A boca dele se
franziu de repente e eu pensei que ele choraria.
― Está tudo bem. ― Eu disse. ― Sou eu. Seu irmão.
Tentei tocar sua bochecha, mas ele pegou meu dedo, enrolando
sua mão com mais força do que eu podia esperar.
― Não se preocupe, Colin. ― Eu disse com uma confiança que
eu não sentia. ― Não vou a lugar nenhum.
Era verdade. Eu realmente não iria a lugar nenhum. Eu não
poderia levá-lo ao meu apartamento minúsculo de um quarto ao
lado do oceano. A vida que eu tinha era solitária e às vezes ótima e
acabou. Os pais de Colin queriam que ele crescesse aqui e não
havia mais ninguém para fazer esse trabalho.
Minha vida tinha sido irrevogavelmente alterada e eu sentia a
necessidade de contar a alguém. Levantei o olhar e vi Kathleen
Doyle me observando.
― Eu vou ficar aqui. ― Falei para ela, caso ela ousasse discutir
comigo.
Ela não fez isso.
6
A
C A P Í T U L O S E I S
NASH
lguma coisa gelada tocou minha orelha direita.
Eu poderia ter dormido se não fosse pela enxurrada de
latidos estridentes. Quando tentei me virar, Roxie pulou no
meu peito.
― Dá um tempo. ― Eu murmurei, sabendo que tinha que ser
muito cedo porque eu ainda estava morto de cansaço.
Roxie me bateu com sua pata. “Woof.”
A cachorra não era a única fazendo barulho. O lamento tristonho
de um bebê alcançou meus ouvidos e, por um instante, fiquei
confuso sobre o motivo de ter som de choro de bebê ecoando pelo
meu apartamento.
Depois eu lembrei que não eram apenas sons.
As orelhas da cachorra se abaixaram e ela gemeu olhando para
a porta aberta do quarto antes de pular da cama.
― Estou acordado. ― Resmunguei, pisquei forte para clarear um
pouco a mente. Eu estava no meu antigo quarto, o quarto na casa
do meu pai que não foi tocado pelo projeto de renovação. Carros de
esporte e mulheres seminuas ainda decoravam as paredes,
congelados no tempo como um adolescente. O quarto era o mesmo
de quando eu morava aqui.
Todo o restante tinha sido mudado.
Roxie latiu novamente. A tradução era outra, “Faz aquela criança
parar de chorar” ou “Por que você está aí coçando o pinto ao invés
de cuidar do bebê? ”
― Estou indo. ― Eu gemi, com um bocejo abafado.
O quarto de Colin era no outro lado do segundo andar, bem ao
lado de onde tinha sido o quarto de seus pais. E até agora eu tinha
evitado olhar lá. Mesmo a visão da porta fechada já fazia eu me
sentir mal.
Eu esperava que eles tivessem morrido dormindo, a fumaça do
fogo rápido ultrapassando-os antes que eles tivessem a chance de
reagir. Mas eu soube que não foi o caso. Meu pai e sua esposa
tinham sido encontrados perto da picape. Antes de perceber o
incêndio, meu pai deve ter segurado Heather e corrido até o veículo,
torcendo para escapar. Nesse momento, eles devem ter percebido
que já era tarde demais. As mãos deles ainda estavam juntas
quando o resgate os encontrou.
Parei na porta do quarto de Colin. Quando eu morava aqui, o
pequeno quarto com papel de parede cinza era usado para
armazenar o estoque da loja do meu pai na Avenida Gardner. Agora
era uma explosão de cores com animais pintados nas paredes em
meio a cenas felizes cheias de balões, sóis sorridentes e arco-íris.
Um ursinho de pelúcia me observava da cadeira de balanço do
canto e um tigre de pelúcia dormia no pé do berço, onde estava meu
irmão que deu uma pausa para respirar antes de cair em pratos de
novo.
Roxie cutucou minha mão como se estivesse tentando me
empurrar para frente. Eu me aproximei do berço lentamente para
não assustar o bebê. Ele não me conhecia ainda. Apenas dois dias
se passaram desde o enterro dos seus pais.
― Ei, camarada. ― Eu disse, na tentativa de soar relaxante e
autoconfiante. Em vez disso, minha voz arranhou na garganta seca
e pareceu mais um rosnado.
Colin parou de chorar, abriu seus olhos para me encarar por
alguns batimentos e depois e depois entrou em erupção de novo,
chutando as pernas e mexendo seus punhos pequenos com uma
impressionante fúria de quatro meses de idade. Roxie fez um
barulho simpático na entrada da porta. Suspirei e escavei minhas
mãos debaixo do corpo do bebê que estava se contorcendo
enquanto tentava esmagar uma pontada de desconforto.
Não havia muito que pudesse me assustar e eu tinha o hábito de
me jogar nos desafios. Algumas vezes eu procurei os piores. Mas
toda vez que eu pegava Colin, tinha essa nova e indesejada
sensação de medo tentando me empurrar para a frente, e aguçada
pelo pensamento mais hostil.
Eu não tinha que estar aqui.
Colin ainda estava se contorcendo e percebi que eu
provavelmente deveria olhar a fralda. Claro, estava pesada e cheia.
Eu o coloquei no trocador, tentando descobrir o jeito de colocar a
nova fralda, quando ele soltou um granido seguido de jato de mijo
que me acertou no peito.
― Boa mira. ― Eu murmurei, tentando manter a fralda presa no
corpo dele antes de limpar meu peito com um punhado de lenços de
bebê.
Uma vez que ele já estava com uma fralda limpa, Colin
concordou em voltar para o seu macacão confortável. De algum jeito
eu fiz isso errado porque ouvi um estalo no fecho da frente que não
tinha funcionado e fez toda a roupa ficar torta. Mas cara! A criança
estava limpa e tinha parado de chorar, então isso não era grande
coisa. Eu o carreguei até a cozinha para pegar uma das últimas
mamadeiras que Kat Doyle tinha preparado. Ela havia me dado
duas latas de leite em pó e muitas instruções exatas que eu logo
esqueci, porque era muita coisa para colocar na minha cabeça em
tão pouco tempo. Nada demais. Eu só adicionaria preparação de
mamadeiras para a longa lista de coisas que eu precisava descobrir.
Colin começou a mamar energeticamente na segurança do meu
braço direitoenquanto eu tentava usar a máquina de café.
Normalmente eu evitava cafeína, mas essa parecia ser uma boa
manhã para abrir uma exceção. Fiquei surpreso em ver a hora no
relógio acima do fogão: 8:50. Minha noção de tempo estava uma
droga. Achei que era mais cedo.
A máquina de café espirrou um único jato de líquido na caneca
que dizia “Felicidade de Hawk Valley”. Deveria ter uma dúzia igual a
essa no armário. Não me importei com creme ou açúcar, engolindo
o calor tão rápido quanto minha boca aguentava.
Ao mesmo tempo, Colin terminou sua mamadeira e começou a
choradeira. Achei que ele ainda estivesse com fome, então ofereci
outra mamadeira. Ele pareceu feliz com isso.
A batida na porta da cozinha quase me fez largar a caneca de
‘Felicidade de Hawk Valley’. Roxie pulou. Ela observou a sombra do
lado de fora, latiu uma vez e logo começou a sacudir o rabo.
― Você esqueceu que é um cão de guarda? ― Perguntei,
colocando para o lado a cortina amarela que cobria o painel de
vidro.
Do lado de fora, Kathleen Doyle acenou para mim e eu não sabia
se gemia com aborrecimento ou se abria a porta grato. Na maior
parte do tempo, Kathleen era boa. Não mais a nerd magra que
costumava me seguir por aí, ela cresceu cuidando da própria filha e
ela obviamente estava de luto pela morte da prima. Além disso, ela
adorava Colin e parecia saber tudo sobre bebês, então ela seria
incrivelmente útil. Mas ela também poderia ser desgastante.
Kathleen tinha muita energia e competência e, naquele momento,
lidar com ela seria como um pé no saco. Ainda assim, abri a porta
porque ela não merecia ver meu lado babaca.
― Bom dia. ― Ela disse radiante, preparando para passar pela
soleira da porta antes que eu a convidasse. Ela estava com a filha,
uma garotinha com tranças castanhas e biquinho no rosto. Ela não
se parecia com a Kathleen. Provavelmente se parecia com o pai,
quem quer que fosse. Eu não era tão rude para perguntar.
Colin respondeu ao som da voz da Kathleen, esquecendo a
mamadeira e tentando se lançar na sua direção. Kathleen balbuciou
e o arrancou dos meus braços sem pedir. Roxie estava encantada
com as visitas inesperadas, balançando o rabo contra o fogão e
lambendo o rosto da menina.
― Eu gosto desse cachorro. ― A menina disse, dando risinhos.
― Emma. ― Sua mãe alertou. ― Cuidado com cachorros que
você não conhece.
Emma fez careta para sua mãe.
― Mas ele gosta de mim.
― Ela. ― Corrigi, abrindo um meio sorriso. ― O nome dela é
Roxie.
― Viu, mamãe? É ela. Ela é legal.
― Ainda precisa ter cuidado.
Me virei para Kathleen.
― Olha, tudo bem. Roxie não machucaria nem uma mosca.
Kathleen não estava me ouvindo. Ela estava muito ocupada com
Colin.
― Está com fome, anjo? Quer mais ba-ba?
Ba-ba???
Kathleen tirou a mamadeira de mim e colocou de volta na boca
de Colin. Ela cantarolou e o balançou para frente e para trás. Eu
precisava admitir, a criança não parecia se incomodar com toda
essa atenção. Ele começou a observá-la com uma admiração
infantil e pegou uma mecha do seu cabelo vermelho cacheado,
balançando na mão.
― Ele tem tudo que precisa? ― Ela perguntou e finalmente me
olhou. O que ela encontrou a fez piscar, franzir seus lindos lábios
vermelhos e voltar seu olhar para o bebê.
Eu ainda estava meio nu, usando nada além de cueca samba-
canção, mas eu não iria correr para o andar de cima para procurar
algo melhor. Kathleen apareceu sem avisar. Então se ela queria
fechar a cara, corar e fingir que estava tentando não encarar, boa
sorte. Tomei mais um gole de café.
― Ele está bem. ― Disse, claramente incomodado por ela
questionar se eu estava cuidando de Colin.
Ela verificou a roupa entortada e com fecho quebrado.
― Sério?
― Claro. Temos nos divertido juntos, convidei algumas stripppers
noite passada, cheiramos cola e festejamos até o sol nascer.
― Mamãe, o que é uma stripper? ― Emma perguntou.
Kathleen estava aborrecida.
― Uma coisa que não vamos falar agora.
― Por que?
― Culpa minha, Emma. ― Eu disse, abaixando minha caneca.
― Eu disse uma palavra ruim. Desculpa.
A menina parou de brincar com Roxie e se aproximou de mim.
― Quem é você?
― Querida, esse é Nash Ryan. ― Kathleen disse. ― Você o
conheceu. Ele é o irmão de Colin.
A menininha estava duvidosa.
― Ele não parece um irmão, parece um pai.
Kathleen tentou de novo.
― Ele é o filho mais velho do tio Chris, lembra?
― Ah, é. ― Emma disse e sua expressão mudou. De algum jeito
a tragédia deve ter sido contada a ela. Mas não se sabia o quanto
uma criancinha realmente entendia da morte. Ela provavelmente
não estava nem no jardim de infância ainda. Eu já era um
adolescente quando me deparei com uma tragédia de verdade pela
primeira vez e, ainda assim, fui pego de surpresa pela perenidade
da situação.
Mas aí Roxie lambeu o rosto de Emma de novo. Emma riu e o
momento sombrio passou.
Kathleen limpou a garganta.
― Ei, Nash, posso te perguntar uma coisa?
Eu bocejei.
― E aí? Quer café?
― Não, obrigada. ― Ela apontou para uma mamadeira vazia no
balcão. ― Você já deu uma para o Colin?
― Sim. ― Eu murmurei. ― Ele acordou e parecia com muita
fome.
― Então essa é a segunda?
― A menos que as regras de aritmética tenham mudado.
― Você o colocou para arrotar?
― Não. Não pareceu que ele precisava.
Kathleen exalou um pouco alto demais e fez uma careta. Senti
que dei a resposta errada.
‘Ainda havia um pouco de líquido na mamadeira, mas Kathleen a
retirou da boca de Colin e o passou de volta para mim.
― Tudo bem, amor. ― Ela disse numa voz doce cantada quando
Colin grunhiu em protesto. ― Teu irmão vai te colocar para arrotar.
Kathleen amava segurar Colin, então eu imaginei que teria que
ter um motivo para ela me entregá-lo tão abruptamente. Eu não tive
tempo para pensar nisso, porque durante a tentativa de pegá-lo, a
parte de trás da minha mão acidentalmente esbarrou no firme seio
esquerdo da Kathleen. Meu pinto abandonado ameaçou acordar e,
de repente, eu me arrependi de estar ali usando apenas uma mera
samba-canção.
Pense em outra coisa, qualquer coisa! Hambúrguer. Merda de
cachorro.
― Ah, espera aí. ― Eu disse, chegando perto da pia enquanto
Kathleen continuou segurando o bebê. ― Tenho que lavar minhas
mãos.
Isso era ridículo. Eu não era um adolescente babando excitado
depois de apalpar os primeiros peitos. Só porque eu não tocava em
um há tempos não significava que eu ia perder o controle.
― Nash? ― Kathleen disse, soando irritada.
Beisebol. Atropelamento. Secador. Qualquer coisa menos tetas.
QUALQUER COISA MENOS SEIOS!!!
― Só um momento. ― Esguichei sabonete nas mãos e lutei para
controlar meus impulsos com pensamentos livres de sexo que nada
tinham a ver com o rápido toque não intencional no peito de
Kathleen. Eu precisava sair bem dessa, mas tinha certeza que essa
garota não ia se oferecer para transar. De qualquer forma, havia
outras prioridades além de sexo.
Pelos próximos vinte segundos, eu me tornei o trabalhador que
mais lavava a mão no estado de Arizona. Eu não enxaguei as mãos
até ter certeza de que meu pau tinha se acalmado e não iria saltar
do meu calção.
― De boa agora. ― Eu disse, sacudindo a água das minhas
mãos e virando para encarar Kathleen.
Ele me lançou um olhar divertido e prendeu o meu irmão nos
meus braços.
Colin continuou se contorcendo até que eu tentei dar
palmadinhas nas suas costas. Percebi que Emma estava no chão
com Roxie. Ela estava acariciando a cachorra e sussurrando alguma
coisa enquanto Roxie olhava para ela com uma fascinação
extasiada. Kathleen se mexeu para se apoiar na parede,
observando-me com os braços cruzados como se estivesse
esperando alguma coisa acontecer.
Poucos segundos depois, descobri que aquela ‘alguma coisa’
era quando balançou a cabeça, abriu a boca e cuspiu um vômito
branco e pegajoso de bebê por todo meu ombro direito.
― Merda!
― Eca! ― Emma gritou.
Roxie latiu.
Colin começou a chorar.
― Ah… está tudo bem, meu bem. ― Kathleen disse e, por um
estranho segundo nessa confusão toda, achei que ela estivesse
falando comigo.
Ela não estava. Mais uma vez ela agarrou o Colin enquanto
murmurava num tomde voz doce e meloso que me dava vontade de
revirar os olhos ou vomitar. Kathleen carregou o bebê choroso para
o andar de cima, deixando-me coberto de vômito enquanto sua filha
ficava de boca aberta me olhando.
― Você precisa limpar isso. ― Emma me informou e depois
retomou a brincadeira com Roxie.
― Obrigada, eu vou. ― Eu murmurei.
Peguei um punhado de toalhas de papel para absorver a maior
parte da sujeira, mas não consegui me livrar da viscosidade. Além
disso, agora eu cheirava a leite azedo. Nunca tinha passado pela
minha cabeça que eu acabaria virando uma lona para xixi e golfo na
mesma manhã.
Ao mesmo tempo, eu podia ouvir a Kathleen lá em cima. Ela
estava cantando alguma música infantil sobre coelhinhos na floresta
e o Colin tinha parado de chorar. Joguei as grossas toalhas de papel
no lixo. Mais do que nunca eu queria ter uns minutos para
espairecer no vapor de um banho quente.
― Ouça, ― Eu disse a Emma. ― você vai ficar bem aqui por
alguns minutos?
A menina me olhou, piscou seus grandes olhos castanhos e
deixou a cabeça baixa no azulejo da cozinha ao lado das patas da
Roxie. Roxie deu uma fungada no cabelo dela e lambeu seu rosto.
Eu percebi que isso significava que tudo bem, então corri as
escadas acima.
Quando eu espiei o quarto de Colin, Kathleen estava de costas
para mim enquanto o limpava no trocador. A saia azul colorida que
ela usava era larga e longa e não podia esconder que ela tinha uma
bela bunda. Eu poderia ser um pedaço de merda por fazer isso, mas
eu fiquei parado tempo suficiente para dar uma boa olhada nessa
vista antes de recuar, depois pegar uma muda de roupas de uma
das minhas malas e ir ao banheiro principal.
Os tubos velhos soltaram um ruído quando eu liguei o chuveiro,
mas a água estava maravilhosamente quente. Eu me senti muito
melhor depois dos trinta segundos debaixo do jato, mas eu ainda
estava agitado de tal forma que a água não poderia resolver. Na
última semana, minha vida tinha sido só tristeza e planejamentos
dos enterros e ansiedade e arrependimento. Eu precisava de
alguma outra coisa. Um descanso, alguma coisa breve e sórdida
para redirecionar meus pensamentos. Meu pau se contraiu e
endureceu quando minha mão se fechou ao redor. Com tudo que
estava acontecendo na casa naquele momento, não era exatamente
uma boa hora para bater uma pensando na bunda coberta de flores
e nos seus peitos duros. Eu fiz assim mesmo. Ninguém precisava
saber.
Pelo tempo que saí do chuveiro e vesti minhas roupas, Kathleen
levou Colin para baixo. Eu a encontrei na cozinha, despejando um
cereal rosa que parecia horrível numa tigela. Felizmente Colin
parecia muito bem instalado na sua cadeirinha e posicionado no
meio da larga mesa da cozinha. Ele estava limpo, vestindo uma
roupa diferente, e as mechas do cabelo claro dele pareciam
combinar. Ele estava contente esmagando os brinquedos coloridos
que estavam pendurados na cadeirinha. Emma sentou numa
cadeira para crianças grandes e a cabeça da Roxie estava no seu
colo. Parece que minha cachorra encontrou uma nova mestra.
― Espero que esteja tudo bem com isso. ― Kathleen disse,
pegando uma colher de uma gaveta próxima e colocando a tigela de
cereal na frente da sua filha. ― Heather cuidava tanto de Emma que
ela costumava ter suas comidas preferidas sempre.
Eu dei de ombros.
― Por mim tudo bem.
Kathleen me olhou de cima a baixo. Eu não sabia o que ela
estava olhando. Eu não estava mais quase pelado, então não havia
nada para ver. Eu vesti jeans e uma camiseta verde com letras tão
desbotadas que tinha esquecido o que diziam.
Mas, no caso de a inteligência lendária da Kathleen incluir
poderes físicos, peguei uma garrafa de produto de limpeza e
comecei a borrifar na bancada para que ela não pudesse adivinhar
que eu tinha batido uma pensando numa foda imaginária da qual ela
tinha feito parte.
― Parece que a tua mão já sarou. ― Ela disse, apontando.
Olhei para as costas da minha mão. Ainda tinha um hematoma e
casca na pele, mas não tinha mais necessidade de usar a atadura.
Entretanto, lembrei que a Kathleen não era nenhuma tola e eu
precisava escolher minhas palavras cuidadosamente.
― É. ― Eu disse, mantendo meu tom uniforme. ― Vou ter mais
cuidado no futuro.
― Nash, você pode ser honesto comigo se isso não estiver
funcionando.
Eu parei de borrifar e olhei para ela.
― O que não está funcionando?
Ela olhou de relance para Colin e pareceu triste.
― Você não parece pronto para isso. Você nunca esperou ser o
guardião, né?
Abaixei o produto de limpeza um pouco forte demais. O barulho
foi meio alto. A cabeça da Roxie apareceu e ela me olhou
assustada. Kathleen cruzou os braços de novo. Emma continuou
comendo seu cereal.
Eu apoiei minhas palmas das mãos na bancada e tentei manter
minha raiva longe da voz.
― Não importa o que eu esperava. Heather e Chris não
esperavam morrer. É assim que as coisas são. E apesar do que
você parece pensar de mim, eu não vou largar as minhas
responsabilidades.
Ela levantou uma sobrancelha.
― Eu não estava insinuando isso. Você realmente parece estar
com dificuldade.
― Kathleen, dá um tempo. Há dois dias, eu enterrei meu pai e
sua esposa e descobri que eu vou criar uma criança pelos próximos
dezoito anos. Ainda estou tentando entrar nessa. Minha vida virou
de cabeça para baixo.
Ela soltou um pequeno zunido, um som de desgosto.
― Não é sobre você se punir, Nash. É sobre o que é melhor para
o Colin.
― E você não acha que eu sou capaz de fazer o que é melhor
para ele.
Não era uma pergunta. Ela estava sendo muito clara.
Kathleen inclinou a cabeça.
― Você acha que é capaz de fazer o que é melhor para Colin?
Minha temperatura estava subindo. Talvez tivesse alguma coisa
a ver com a sua atitude imperial. Talvez tivesse alguma coisa a ver
com o fato de que ela estava invadindo os meus piores medos. A
verdade era que eu realmente não estava certo se eu tinha o que
Colin precisava. Eu não sabia se eu era capaz de ser um bom pai,
ou até mesmo um pai satisfatório.
Ou talvez eu só estivesse ressentido do fato de que Kathleen
parecia sexy como um pecado mesmo quando me deixava louco.
― O melhor para o Colin ― Eu disse numa voz firme. ― seria se
seus pais nunca tivessem morrido.
Kathleen fez uma careta.
― Lógico. Mas essa não é a realidade.
― Não, não é a realidade. A realidade é que Heather e Chris
estão mortos. A realidade é que eles me escolheram como o
guardião para o filho deles, que também é meu irmão. ― Eu exalei e
reduzi minha voz. ― Então é isso que eu vou fazer. Ser o guardião
dele.
Ela não pareceu convencida.
― Simples assim? Você não tem um trabalho em Oregon?
― Eu sou um designer de sites autônomo. Posso fazer de
qualquer lugar.
― Mas você pode apenas se mudar sem dar satisfação?
― Claro.
― Deve ter outras coisas para considerar.
― Tipo o que, Kathleen?
― Bem, você não tem uma vida, Nash?
Eu estava de saco cheio das perguntas dela.
― Você não tem uma vida, Kathleen?
Ela vacilou.
― Eu tenho uma vida. ― Ela disse calmamente e estendeu a
mão para tocar a cabeça da filha.
Emma olhou de relance para mim e depois continuou comendo
seu cereal. Tinha a sensação de tê-la magoado. Não era a intenção.
Eu valorizava tudo que a Kathleen tinha feito. Eu estava feliz por ela
ter cuidado do Colin. E eu não sabia qual era sua situação pessoal.
Kathleen Doyle cresceu brilhantemente, uma daquelas pessoas que
devem viajar e conquistar o mundo. Mas aqui estava ela, de volta à
cidade natal, morando em um duplex com uma criancinha e sem
nenhum anel no dedo.
― Na verdade, eu não tinha muito uma vida. ― Eu disse e
Kathleen olhou surpresa. ― Não mesmo. Eu morava sozinho. Não
saía muito. Eu só existia. Então não estou perdendo nada.
Era tudo verdade... Ainda não era a completa verdade. Eu não
me sentia obrigado a explicar cada pensamento meu para a
Kathleen. Ela não precisava saber que algo ainda queimava dentro
de mim, algo que foi inflamado no dia que minha mãe foi
assassinada por um homem em que ela confiava. Algo que me
obrigava a andar pelas sombras e fazer pequenas doses de justiça
quando eu encontravachance. Kathleen me parece ser do tipo que
nunca aceitaria violência, mesmo quando necessária. Se eu tivesse
que admitir a história verdadeira por trás do ferimento nos dedos,
ela não entenderia. Ela poderia decidir causar problema.
Eu andei em volta da bancada e me aproximei da mesa. Apertei
um porco rosa esponjoso que está pendurado na cadeirinha do
Colin. Fez um chiado agudo. Ele chutou as pernas e sorriu. Eu sorri
de volta.
― Estou nessa a longo prazo. ― Eu disse numa voz suave,
falando mais para o meu irmão do que para a Kathleen.
― Sinto muito. ― Ela disse. ― Eu não quis...
― Não sinta. ― Eu disse bruscamente. ― Vamos deixar para lá.
Ela assentiu.
― Tudo bem.
Por alguns segundos, não havia nenhum barulho além da Emma
mastigando.
Decidi que precisava de outra xícara de café, então enchi a
caneca novamente.
― Você parecia estar indo para o trabalho. ― Eu disse. Eu não
fazia ideia do que Kathleen Doyle fazia da vida, eu particularmente
nem me importava, mas a conversa precisava de um novo caminho.
― Ah, o trabalho. ― Disse ela, puxando uma cadeira da cozinha
e sentando. ― Tem mais uma coisa que eu queria conversar com
você. E eu vou querer uma xícara de café se ainda estiver valendo.
Eu enchi mais uma caneca da Felicidade de Hawk Valley e dei a
ela. Ela sorriu quando viu, mas eu não entendi porquê. Eu a
observei jogar seus grandes cachos vermelhos por cima do ombro e
levar a caneca aos lábios grandes e sensuais.
― É sobre trabalho? ― Eu perguntei para manter minha mente
nos tópicos de classificação livre.
― É. Eu queria falar da loja, para saber o que tinha em mente.
Já está fechada por uma semana, o que obviamente é
compreensível. Mas eu estava pensando se você pensou em um
cronograma para a reabertura.
Eu não tinha pensado nada para a loja do meu pai na Avenida
Gardner. O lugar tinha passado por um monte de transformações ao
passar dos anos. Quando meu avô comprou o prédio, era um bar
falido. Ele reformou e abriu um café chamado Ryan’s Place. Foi
mantendo por uns anos, mas depois meu pai tomou posse quando
eu era bebê. Administrar um restaurante com pouco lucro era
complicado e Chris Ryan tinha outras ideias. Ele pensou que Hawk
Valley estava à beira de renascer e que a Avenida Gardner se
tornaria algum tipo de meca artesanal, atraindo turistas e
compradores de arte como os lugares em Sedona e Scottsdale. Por
isso, Ryan's Place se tornou Galeria das Montanhas de Hawk. Foi
um erro de cálculo. Uma mísera galeria não era o bastante para
atrair os colecionadores para a área. Então mais uma vez houve
uma mudança e a Presentes de Hawk Valley nasceu. Era uma loja
comum de lembranças onde se poderia comprar todos os tipos de
porcaria brega com seu novo logo gravado em letra dourada, mas
tinha uma parte importante nos fundos, onde os artistas locais
vendiam suas obras por consignação. Pelo menos era como as
coisas estavam na última vez em que estive aqui. Eu não fazia ideia
do que estava acontecendo na loja atualmente.
Kathleen esperava minha resposta.
― Eu vou pensar. ― Eu disse, mesmo que a loja não fosse
minha lista de preocupações.
― Eu posso te encontrar lá essa tarde. ― Ela ofereceu, olhando
seu relógio. ― Eu tenho que deixar a Emma na pré-escola e depois
vou conhecer um casal de clientes, mas eu posso por volta das
duas.
Não entendia por que a Kathleen se preocuparia tanto com a
loja. Parecia ser mais do que simplesmente se manter ocupada.
― Talvez outro dia. ― Eu disse, olhando de relance para Colin
na cadeirinha. Ele ainda estava encantado com o porco balançando.
Kathleen não estava satisfeita.
― Nash, tem algumas coisas que realmente precisam ser
discutidas sobre a loja.
― Tudo bem, não hoje. ― Eu tinha outras coisas para descobrir,
como a educação de crianças. E meu próprio trabalho me
aguardava. Tinha meia dúzia de projetos não finalizados no meu
laptop e provavelmente um limite da simpatia dos clientes.
Kathleen franziu a testa.
― Você também tem dois empregados para levar em
consideração, sabe.
Não, essa ideia nunca me ocorreu.
― E você é um deles? ― Perguntei a ela. Isso explicaria o
motivo da insistência dela, mesmo que eu achasse que Kathleen e
seu supercérebro pudessem fazer muito mais do que trabalhar
numa loja de presentes de uma cidade pequena.
Ela sacudiu a cabeça.
― Não. Bom, mais ou menos. Quer dizer, eu não era uma das
empregadas a quem estava me referindo. Mas tenho feito as contas
nos últimos três anos, então posso dizer tudo que precisa saber
sobre a situação financeira da loja.
― Você é contadora?
Ela sacudiu a cabeça.
― Mais perto de contabilista. Eu opero independentemente e
alguns pequenos negócios de Hawk Valley são meus clientes. ―
Um sorriso triste tocou seus lábios. ― Tenho que agradecer a
Heather por isso. Ela convenceu seu pai a me contratar quando eu
não tinha graduação nem experiência e depois me recomendou pela
cidade.
Kathleen procurou dentro de uma bolsa marrom pequena,
arrancou um cartão de negócios e me entregou.
7
K A T H L E E N D O Y L E
T
CONTABILISTA
Servindo pequenos negócios por toda Hawk Valley.
Me deixe cuidar das suas necessidades!
ive que me controlar para não bufar na última linha. Eu
poderia ir para o inferno por pensar nisto, mas eu seria feliz
em escolher alguns jeitos para ela ‘cuidar’ das minhas
necessidades.
― Você está rindo? ― Kathleen perguntou.
Eu empurrei o cartão de negócios para dentro do meu bolso de
trás.
― Não. Só limpei minha garganta.
Ela brincou com um longo cacho vermelho e me olhou.
― Então duas horas está bom para você?
Eu tinha a sensação de que ela iria me importunar até que eu
concordasse. Além disso, eu deveria dar uma olhada na loja e
considerar as opções. Meu pai deve ter deixado algumas decisões
administrativas para mim e a loja era algo que eu teria que lidar
mais cedo ou mais tarde.
― Vou fazer acontecer. ― Disse. ― Só preciso resolver o caos
da minha vida social.
Kathleen sorriu, um sorriso de verdade, não um melancólico. Ela
pode ser mandona e ocasionalmente condescendente, mas essa
garota poderia competir com o sol. Ela era linda.
Emma ficou emburrada quando a mãe disse a ela que era a hora
de ir embora.
― Eu quero ficar com a Roxie.
― Hora da escola, amor. Lembra, é um dia especial. A aula vai
ter um novo peixinho-dourado.
Emma cruzou seus braços e foi aí que eu vi a semelhança com
sua mãe.
― Mas eu quero ficar aqui.
― Ei! ― Eu disse e a criança me olhou como se tivesse
esquecido que eu existia. ― Você pode voltar e ver Roxie a
qualquer momento. Verdade, Emma.
E era mesmo. Eu seria um idiota de sangue frio se não fosse por
uma garotinha que amou minha cachorra.
Emma sorriu. Ela beijou a cachorra no topo da cabeça e segurou
a mão estendida da Kathleen, que sussurrou “Obrigada”, e eu
assenti.
― A propósito… ― Kathleen disse antes de fechar a porta da
cozinha atrás dela ― aquela mini van estacionada em frente à
minha casa era da Heather. Já tem uma cadeira no banco de trás e
as chaves devem estar no gancho ao lado da porta da frente.
― Tá bom.
― Se levar Colin a qualquer lugar, você vai precisar amarrá-lo no
banco do carro.
Sério mesmo? Eu não era nenhum especialista em bebê, mas,
pelo amor de Deus, pelo menos isso eu sabia.
― Obrigada, Kathleen. ― Eu disse, um pouco sarcasticamente.
Ela não percebeu.
― Te vejo às duas?
― Estarei lá.
Ela abriu outro sorriso radiante e acenou para o Colin.
― Tchau, menininho lindo. ― Disse ela com uma voz que
parecia que ela tinha sugado um gás hélio.
Assim que a porta se fechou, o cômodo pareceu terrivelmente
vazio. Roxie choramingou e me deu um olhar canino confuso,
provavelmente se questionando o que eu fiz para a sua nova melhor
amiga ir embora.
― Esqueci de te dar comida essa manhã, né? ― Perguntei.
O saco de comida de cachorro que arremessei no caminhão
antes de sairmos de Oregon tinha quase acabado. Eu despejei o
resto em um prato e o coloquei no chão. Roxie mergulhou direto e
meu próprio estômago rosnou. Tinha um saco de caçarolas na
geladeira, tudo trazido pelos vizinhos bem-intencionados, mas nada
pareciabom agora. Eu precisava fazer compras hoje. Eu precisava
fazer muitas coisas.
Colin chutava as pernas e acenava os braços, acertando o porco
de pelúcia rosa no caminho.
― Bom menino, ― Eu disse, tentando soar meio animado meio
Kathleen e falhando. ― o que deveríamos fazer primeiro?
A criança fez uma careta estranha, ficou vermelho brilhante e
soltou um som inconfundível: merda molhada atingindo a fralda.
― Culpa minha ter perguntado. ― Disse eu.
Meu irmão sorriu para mim.
8
E
C A P Í T U L O S E T E
KATHLEEN
star aqui parece estranho, quase invasivo. Nunca estive na
loja quando vazia. Chris tinha me dado o código de alarme
e uma chave bem antes de Colin nascer. Ele disse que era
só por precaução, apenas caso algo acontecesse quando ele
estivesse ocupado no hospital. Ele confiava em seus empregados e
um deles tinha estado com ele por mais de uma década, mas ele
queria outro reforço. Alguém mais próximo, alguém de confiança.
“Alguém que fosse da família.”
Uma vez que estive aqui foi apenas há mais de uma semana
quando eu deixei os relatórios financeiros do mês e entreguei as
folhas de pagamentos. Chris saiu do pequeno estoque e me
cumprimentou com um sorriso. Ele me agradeceu por concordar em
cuidar do bebê para que ele e Heather pudessem aproveitar uma
noite na cabana da montanha, comemorando o aniversário de
casamento.
Senti um arrepio mesmo que o lugar estivesse longe de estar
frio. As prateleiras de estoque e as amostras claras projetavam um
tipo de sensação apocalíptica na luz fraca, então encontrei um
interruptor e coloquei luzes suficientes para apagar as sombras da
tarde. O inventário era eclético, tudo desde de lembranças
chamativas à beira da estrada até boa arte feita à mão.
Depois de alguns minutos, verifiquei meu relógio de novo. Nash
estava atrasado. Eu me perguntava se ele apareceria. Parte de mim
esperava que ele não fosse. A loja realmente exigia algumas
decisões administrativas imediatas. Eu não tinha inventado. Mas
lidar com Nash Ryan pode não ser uma tarefa fácil. Ele ainda
irradiava desafio, os anos tinham feito pouco para diminuir a
rebeldia natural que me fascinava.
Isso era outra coisa. A paixão da adolescência não tinha se
apagado completamente. Essa manhã eu me senti atrapalhada e
nervosa com o seu olhar. Era um sentimento que eu não gostava,
que eu não buscava. Não era tudo em relação a Nash. Eu estava
pensando nos meus próprios erros, de notar tarde demais que um
homem que me fazia ficar desconfortável era a escolha errada.
Assim como Nash, ele sabia muito bem como ficava bem parado
na cozinha usando samba-canção, um monumento arrancado da
virilidade, silenciosamente me desafiando a dar uma conferida. Eu
não poderia ajudar, mas obedeci. Além do mais, eu tinha a
sensação de que ele estava ciente disso.
Suspirei na loja vazia. Como sempre, eu estava analisando
demais. Muito provavelmente Nash não estava tentando chamar
atenção de ninguém, muito menos eu. Ele estava cansado e se
esforçando para dar conta das responsabilidades dele. Fui eu quem
invadi sua cozinha essa manhã sem avisar.
Eu tinha levado Emma para a escola e feito uma anotação
mental para ligar para Nash hoje mais tarde quando desviei para a
parte mais antiga de Hawk Valley. Eu não conseguia parar de
pensar no Colin. Eu precisava ter certeza que estava tudo bem
depois de ter sido colocado sob os cuidados de um homem que
obviamente era burro sobre como cuidar de um bebê. Um homem
que sempre desprezou o próprio pai e nunca tinha mostrado o
menor interesse na existência de Colin.
Não é justo, Kat.
Eu bati meus dedos nas barras de metal da estante de cartões
postais. Talvez não fosse justo. Heather confiava em mim, então eu
sabia que o relacionamento entre Chris e Nash tinha sido tenso e
complicado. Mas eu estava disposta a abrir mão da justiça quando
tinha a ver com os direitos de Colin. Se Nash se provasse um
guardião incompetente, eu estava preparada para intervir.
O sino me tirou dos devaneios e Nash entrou pela porta de vidro,
com a cadeirinha na mão.
― Ele está dormindo. ― Nash sussurrou e procurou um lugar
para ajeitar o bebê.
Eu acenei e o direcionei até o escritório de Chris nos fundos.
Gentilmente Nash colocou a cadeirinha de carro no meio da mesa
velha do pai dele. Ele parou e olhou ao redor por um instante e eu
me perguntei o que ele estava relembrando. Ele deve ter estado
nesse lugar milhares de vezes enquanto crescia. Mas quando ele se
virou para me seguir, seu rosto estava impassível.
― O passeio de carro o colocou para dormir? ― Perguntei
quando estávamos longe do alcance dos ouvidos.
Nash concordou e se inclinou sobre o balcão do caixa. Ele
passou os olhos pela loja, mas não pareceu especialmente
interessado em nada que viu.
― Heather costumava levá-lo para dar uma volta no quarteirão
várias e várias vezes para acalmá-lo para dormir. ― Eu disse.
Nash arranhou seu queixo. Limpei minha garganta.
― Imagino que tem muito tempo desde que viu a loja.
Ele apontou para a parede distante.
― Costumava ter fileiras de camisetas bem ali.
― Vendiam mal. A loja ainda tem algumas, mas essas são de
melhor qualidade.
― Tem Hawk Valley escrito nelas?
― A maioria.
Ele zombou.
― Não sei quem quer comprar esse lixo exceto pelas pessoas
que já moram em Hawk Valley.
Discuti com ele.
― Você ficaria surpreso. Temos tido um tráfego maior de turistas
aqui nos últimos anos. O conselho municipal votou para financiar
uma campanha para mudar o slogan da cidade para “Conheça
Hawk Valley: Portão das Montanhas Hawk”. A população da região
de Phoenix continua crescendo e as pessoas estão sempre
procurando fugas de finais de semana para algum lugar ligeiramente
mais frio.
Nash sorriu.
― Você soa como um folheto de viagem.
― E daí? Eu acho que Hawk Valley é uma cidade ótima.
Ele levantou uma sobrancelha.
― Então foi por isso que continuou aqui?
Não, não era por isso. Eu sempre sonhei com o futuro em uma
cidade grande. As coisas simplesmente não funcionaram desse
jeito. Ainda assim, eu me sentia na defensiva e mal humorada que
Nash estava criticando minha cidade natal. Havia lugares muito
piores para estar.
― Eu gosto de pensar que posso apreciar o que está na minha
frente. ― Eu disse. ― Em vez de sempre procurar outra coisa.
Imediatamente Nash gargalhou.
― Shhh. ― Alertei. ― Você vai acordar o Colin. ― Não sei o que
eu disse que o divertiu, e perguntei: ― Por que você me acha tão
engraçada?
Nash me olhou.
― Não acho, Kathleen.
― É a segunda vez que ri de mim hoje.
Ele franziu a testa.
― Quando foi a primeira?
― Quando eu te dei meu cartão.
‘― Eu não me lembro de rir.
― Pela sua expressão era óbvio que você estava segurando.
Ele soltou um suspiro um pouco detestável.
― Droga, você sempre foi vidente?
― Corta essa.
― Não, sério, você poderia ganhar dinheiro com esse talento.
― Seu nível de sarcasmo deixa muito a desejar.
― Você poderia pagar um pequeno casebre na Avenida
Gardner, com cortinas de miçangas penduradas na porta de entrada
e cobrar vinte pratas por pessoa enquanto encara uma bola de vidro
e finge ver algo interessante.
― Nash!
― Kathleen. ― Ele disse, zombando da minha voz frustrada.
― Você é exaustivo. ― Eu disse cansadamente.
― E você fica facilmente frustrada. ― Ele disse e bocejou.
Eu respirei fundo, tentando manter meu temperamento e
falhando.
― Olha, sou muito ocupada. Sou dona de um negócio, mãe e
estudante. Mas tenho feito o possível para te ajudar e não gosto de
ser vista como uma piada.
― Silêncio. ― Nash colocou o dedo nos lábios e olhou de
relance para a porta do escritório. ― Agora quem quer acordar o
bebê?
Agora Nash não estava rindo, mas ele claramente estava se
divertindo. Eu me impressionei com o quão pouco eu o conhecia
realmente. Ele tinha sido um mistério mesmo para sua família.
Heather admitiu que tinha esperanças que ele amadurecesse e
aceitasse as tentativas de reconciliação do Chris. Mas isso nunca
aconteceu porque evidentemente Nash ainda era um babaca
teimoso. Eu não deveria me surpreender. O garoto que foi embora
com um caminhão do tamanhode um chip no ombro nunca evoluiu.
Só ficou maior. Mais forte. Mais apresentável.
Aparentemente Nash percebeu que passou do limite. Ele
assentiu e sua expressão se tornou quase arrependida.
― Eu não acho que você é uma piada, Kathleen. De jeito
nenhum. Desculpa se passei essa impressão.
Eu não tinha certeza se era verdade, mas eu estava disposta a
dar a ele o benefício da dúvida.
― Desculpas aceitas. Agora você pode me chamar de Kat.
― Vou ficar com Kathleen.
― À vontade.
Nash olhou ao redor novamente.
― Então o que estou fazendo aqui?
Era uma questão profunda…
― Eu sei que não é o acordo, mas Colin precisa de você e..
― Na loja, Kathleen. O que é tão urgente para eu estar aqui
hoje?
Precisei ir até o balcão onde deixei meu laptop. Nash me
observou há menos de dois passos de distância. Abri rapidamente e
examinei a data que já tinha decorado.
― O rendimento líquido ainda está no vermelho esse ano. As
vendas foram afetadas no inverno quando tinha muita construção na
Avenida Gardner. Existe um problema temporário no fluxo de caixa.
Acontece de vez em quando e Chris normalmente emprestaria o
dinheiro de seus fundos pessoais para a loja, mas as renovações
que ele e Heather fizeram na casa custaram mais do que o
esperado. Ele não tinha muito para dar. Para aumentar o problema,
tem o fato do banco ter mudado as condições de crédito dele. Tem
suficiente para pagar os serviços e a folha de pagamento, mas não
para encomendar novos produtos da época e, com o verão
chegando, que é uma época muito agitada, é necessário resolver o
problema. Além disso, cada dia que a loja fica fechada é um dia sem
vendas.
Nash olhou para a porta.
― Não parece ter ninguém batendo na porta.
Meus olhos se estreitaram.
― O grande aviso que diz FECHADO pode ter alguma coisa a
ver com isso.
― Então, a loja está falindo?
― Eu não disse isso.
― Você não falou nada muito agradável.
― Você precisa reabrir, Nash. Precisa resolver o problema do
crédito e encomendar novos produtos antes que o verão chegue.
Ele suspirou.
― Pelo amor de Deus, eu não sei nada sobre administrar uma
loja de lembrancinhas. Não, eu operei uma caixa registradora de má
vontade durante o verão quando era adolescente. Eu nunca soube
nem me importei sobre como o lugar funcionava.
Eu fechei meu computador portátil.
― Bem, está na hora de se importar, Nash.
Ele não concordou. Novamente ele olhou de relance para o
cômodo quando Colin dormia.
― Talvez seja a hora de deixar para lá. ― Ele disse suavemente.
Minha boca se abriu.
― Você não pode fazer isso.
Ele me lançou um olhar estranho.
― É uma loja de lembranças, não o tesouro nacional. O mundo
vai ficar bem sem mais canecas feias de cerâmica.
Meus punhos fecharam.
― Era o negócio do seu pai. Ele iria querer que continuasse.
― É, ele provavelmente iria querer sobreviver também. Mas
como você me lembrou mais cedo, não é a realidade que estamos
lidando agora.
― Nash. ― Eu disse bruscamente, depois mordi as próximas
palavras. Minha mãe sempre tinha me avisado que autoritarismo
não era uma qualidade agradável.
Na verdade, nas palavras dela: “Não seja tão carrasca!”, mas o
sentimento era o mesmo. Eu não poderia obrigar Nash a ver as
coisas do meu jeito. Ele estava lidando com muita coisa também.
― É importante. ― Eu disse, calmamente.
Ele levantou uma sobrancelha e esperou educadamente que eu
continuasse.
― A loja. ― Eu continuei. ― É difícil para os pequenos negócios
se manterem hoje em dia. Sua família coordenou esse lugar de um
jeito ou de outro por quarenta anos. Significa muito para as pessoas
aqui e vai significar muito mais para eles agora que teu pai se foi. ―
Analisei a parede onde os quadros dos artistas da região estavam
pendurados com uma expectativa silenciosa, esperando por um
comprador. ― Todo mundo quer uma razão para ser otimista.
― Um final feliz. ― Nash disse, mas ele não soava sarcástico
agora. Apenas triste. ― Eu não acho que seja possível nesse caso.
― Talvez não um final feliz. Mas um menos trágico. Seria
doloroso ver a loja fechar. Eu não digo isso só porque seria uma loja
vazia na Avenida Gardner. Cada pintura que você vê naquela
parede vem de um artista, incluindo sua tia Jane. Provavelmente
não existe nenhum armário de cozinha na cidade que não tenha
uma daquelas xícaras “Felicidade de Hawk Valley” que a Heather
desenhou. Seu pai patrocina um pequeno time local todo ano. Esses
dois empregados são uma mulher idosa que tem um marido com
deficiência e trabalha aqui por mais de dez anos, e uma estudante
universitária que quer ser professora. Tem muitas pessoas, incluindo
eu, que estarão felizes em te ajudar a manter a loja aberta se você
der apenas uma chance.
― Isso foi pesado. ― Nash disse quando eu finalmente parei de
falar.
― Vai pensar sobre isso?
Seus olhos pousaram em uma pintura de uma paisagem
maravilhosa que representava o pico mais alto das Montanhas de
Hawk. Eu sabia que tinha sido pintada pela sua tia e me perguntei
se ele reconhecia o estilo dela.
― Vou pensar sobre isso. ― Ele concordou.
Eu sorri.
― Ótimo.
Nash acenou com a cabeça na minha direção.
― Então, qual é a tua?
― A minha?
― Você usa muitos chapéus. Você é contadora, mãe, você salva
lojas de cidade pequena e, julgando pela tua interação com Colin,
você também tem talento como encantadora de bebês. E eu ouvi
que você mencionou que é estudante também?
― Aulas à distância, mas sim.
Nash me estudou.
― Tem alguma coisa que você não sabe, Kathleen Doyle?
― Relacionamentos.
UGH!!!
Nash riu.
― Anotado.
Eu estava me encolhendo internamente.
― Isso pareceu patético.
Ele deu de ombros.
― Um pouco.
Eu revirei os olhos.
― Eu juro que não estou pedindo para ter pena. Eu só quis dizer
que eu não tenho tempo nem tendência a lidar com
relacionamentos.
― Você não é a única.
― Talvez algum dia minha perspectiva mude, mas por agora
estou melhor sozinha.
Nash pareceu interessado.
― Má experiência?
Um arrepio percorreu meu corpo.
― Sim.
― Você é sincera. ― Ele disse, assentindo. ― Eu gosto disso.
Não. Eu sou o oposto de sincera.
― Ele deve ser o pai da Emma? ― Nash adivinhou.
O pai da Emma não era um bom assunto. Algum dia haveria um
ajuste de contas pelas coisas que eu já fiz, as mentiras que contei.
Mas não aconteceria hoje e, de qualquer forma, nada disso era da
conta de Nash Ryan.
― Eu não vejo o pai da Emma desde quando estava grávida. ―
Eu disse. Pelo menos essa parte era verdade tecnicamente. Fiz
uma cena checando meu relógio. ― Por falar da Emma, eu tenho
que ir buscá-la.
Um choro repentino sinalizou que Colin havia acordado. Meu
primeiro instinto era sair dali para pegá-lo, mas Nash foi mais rápido.
Colin ainda estava chorando quando Nash voltou com a cadeirinha.
― Calma, menino. ― Ele disse. Ele colocou a cadeira do bebê
no chão e se debruçou, se atrapalhando com os prendedores do
cinto. Esperei alguns segundos, depois me curvei para ajudar. Em
três segundos, Colin estava nos meus braços.
― Ele provavelmente está molhado. ― Eu disse, batendo no seu
traseiro. ― Onde está a bolsa de fraldas?
Nash piscou.
― Ah…
― Você não trouxe nenhuma fralda?
― Não.
― Não?
― Não. Não achei que ficaríamos muito tempo fora.
― Não, você sempre precisa trazer uma bolsa de fraldas. Eu te
dei uma lotada de fraldas limpas, lembra?
Ele estava irritado agora.
― Eu esqueci, ok? Não estou acostumado a carregar tantos
acessórios.
― Bem, você precisa se acostumar. Bebês precisam de muitas
coisas.
― Kathleen. ― Ele disse de um jeito cansado e eu pensei que
ele ia dizer algo grosseiro, mas ele exalou alto e deu um passo na
direção oposta enquanto desviava o olhar. Colin ainda estava
gritando. Eu o balancei nos meus braços um pouco para distraí-lo.
― Você dirigiu aqui na mini van, certo? ― Perguntei.
Ele me lançou um olhar.
― Existe alguma coisa em relação a isso?
― Sim. Heather geralmente deixava algumas fraldas no porta-
luvas.
― É uma boa ideia.
A irritação estava conseguindo o melhor de mim.
― Você pode, por favor, pegar uma?
Nash estava me olhando ainda mais irritado por um segundo,
mas ele saiu sem dizer nenhumapalavra. Ele voltou pouco depois
com uma fralda nova. Ele a balançou na frente do meu rosto e eu a
peguei.
― Você quer que eu troque? ― Perguntei.
― Tem alguma forma de parar você? ― Ele resmungou.
Ignorei a pergunta e carreguei o bebê agitado para o escritório
onde eu o deitei carinhosamente sobre a superfície da antiga mesa
de seu pai e rapidamente troquei a fralda. Depois que terminei,
percebi que não estava molhada afinal de contas.
Nash estava inclinado contra o balcão com os braços cruzados
quando eu voltei. Ele observou em silêncio enquanto eu tirava meus
cabelos dos punhos gordinhos de Colin e carinhosamente o instalou
de novo na cadeira do carro.
― Ele está com fome provavelmente. ― Eu disse.
― Provavelmente. ― Nash assentiu e pegou a cadeirinha de
mim.
― Eu posso te encontrar amanhã no mesmo horário. Teremos
muito para conversar se houver chance de você continuar mantendo
a loja. Quero te mostrar as finanças. E como seu pai costumava
cobrir o caixa, você vai precisar contratar outro empregado a menos
que você planeje estar sempre por aqui.
― Pare. ― Nash balançou a cabeça e, por um momento, ele
pareceu extraordinariamente cansado. ― Chega por agora, ok?
Eu estava fazendo de novo. Sendo intrometida, autoritária,
exigente.
Carrasca.
Engoli em seco.
― Ok, Nash. Vou parar.
Ele parou na porta e olhou para mim por uns instantes. Eu não
sabia o que ele viu quando olhou para mim. A moradora espertinha
que achou que ia ganhar o mundo na marra e agora lutava para
equilibrar a vida como uma mãe solo numa cidade pequena de onde
ela jurou que fugiria.
― Vou entrar em contato. ― Nash disse e depois se foi.
Peguei um pequeno objeto do balcão e segurei na palma da
minha mão. Era uma cópia da chave da loja. Tinha esquecido de
entregar a ele.
9
M
C A P Í T U L O O I T O
NASH
eus olhos estavam começando a embaçar de cansaço e
era apenas dez da noite. A noite anterior tinha sido
agitada, com Colin se recusando a dormir por mais de
uma hora por vez. Ele estava comendo bem e enchendo as fraldas
de acordo com a minha pesquisa na internet sobre os hábitos dos
bebês, não tinha motivo para alarme. Verifiquei as gengivas dele
porque li em algum lugar que, às vezes, os bebês podem começar a
ter dentes mais cedo, mas as gengivas dele pareciam rosa e nem
levemente inchadas.
Kathleen provavelmente teria estalado seus dedos e saberia
instantaneamente qual era o problema, mas chamar a Kathleen
significaria ter que conversar com ela. Conversar com a Kathleen
significava levar uma bronca por esquecer sacos de fralda e os
modos inadequados de dar mamadeira. Depois do nosso encontro
irritante na loja outro dia, eu achei que precisávamos de espaço.
Jane e Kevin nos visitaram de tarde e eu fiquei feliz em entregar
o Colin para eles por alguns minutos para que eu pudesse ter o luxo
de tomar um banho por dez minutos.
Porém, assim que minha tia e seu namorado foram embora, eu
estava sozinho de novo, desgastando o chão de madeira dura
carregando o Colin pra lá e pra cá e tudo de novo, porque ele
começava a chorar toda vez que eu o soltava. Eu não sabia o
quanto um bebê típico chorava, mas parecia que esse bebê estava
chorando pelo tempo recorde. Finalmente ele dormiu depois de uma
hora que o sol se pôs e eu estaria muito feliz em seguir seu exemplo
se eu não tivesse um monte de trabalho para fazer.
Por isso, em vez de pôr o sono em dia, eu estava na mesa da
cozinha, esfregando meus olhos e ajustando a página virtual de um
grupo de churrascaria de Portland para quem eu já realizei uns
projetos anteriormente.
Roxie roncava debaixo da mesa, mas saltou quando coloquei
meus pés. Eu mal tinha reduzido minha lista de tarefas, mas o resto
teria que esperar. Estiquei minhas pontas dos dedos até o teto e
ouvi minhas juntas darem um estalo.
Houve muitas noites que eu fiquei sentado na cozinha por horas
porque meu pai tinha uma regra sobre comer a comida toda antes
de sair da mesa. Eu não gostava de visitar meu pai. Minha mãe
sempre satisfez meus hábitos alimentares exigentes, preparando
refeições especiais que se encaixassem nos meus gostos. Era bem
diferente quando eu vinha para Hawk Valley. Chris Ryan ficava
perplexo com uma criança de oito anos que não comia carne
vermelha e não tinha nenhum interesse em pescar no lago da
cabana da montanha. Em uma dessas viagens, eu joguei minha
vara no chão e disse a ele que deveríamos deixar os peixes
sozinhos porque eles estavam melhor lá. Ele lançou um olhar frio na
minha direção e me avisou para pegar a vara e começar a pescar
como uma criança normal ou eu poderia descer da droga da
montanha.
“O teu problema é que tua mãe mima você. Aquela garota nunca
teve noção nenhuma.”
Eu sempre soube que meus pais não gostavam um do outro.
Deve ter sido difícil tentar criar uma criança com uma pessoa que
você não consegue ficar. Entretanto, diretamente a mim, minha mãe
nunca disse uma palavra ruim sobre Chris Ryan. Eu nunca contei a
ela que ele não retribuía o favor.
Foi a última vez que eu e meu pai fomos pescar juntos. Em um
ato de rebeldia, eu peguei a vara de pesca e fiquei quieto até pegar
o dobro de peixe que ele pegou. E quando ele virou de costas para
mim, eu despejei a caixa de gelo cheia de peixe morto na água
lamacenta do lago.
Ele não falou comigo pelo resto do dia.
A cachorra soltou um gemido leve e eu fui arrancado das
memórias antigas.
― Precisa sair? ― Perguntei e ela abanou o rabo. Ela estava
bem na minha frente no momento que eu fui para a porta de trás.
Eu a observei pular na escuridão e me perguntei o que meu pai
pensaria de uma cachorra morando na casa dele. Ele sempre foi
fortemente contra animais de estimação, especialmente os que
pensavam mais de meio quilo, permitindo apenas pequenos
roedores que ficam presos e com experiências de vida limitadas.
Além desse, o único momento que eu tive cachorro foi na casa da
minha mãe em Phoenix. O nome dele era Capitão e ele era da raça
border collie e seguia todos os meus passos quando eu estava em
casa. Ele foi morto na mesma noite que ela.
Roxie respondeu ao meu assobio baixo e correu de volta para
dentro. Eu dei uma recompensa com uma palmadinha na cabeça.
― Boa menina.
A cachorra balançou seu rabo e acidentalmente derrubou um
vaso azul feito de porcelana que estava empoeirado numa mesa
baixa. Eu o observei cair no chão áspero e quebrar em muitos
pedaços, estremecendo com o barulho e esperando pelo inevitável
choro vindo do andar de cima. Quando veio, o som era estridente e
penetrante, até mesmo para ele.
Eu entrei em ação, pegando três escadas por vez para chegar
até o quarto do Colin. Ele continuou gritando quando o peguei,
gritou mais alto quando eu o mantive perto, arqueou as costas e
gritou igual uma alma penada quando olhei sua fralda. Nada o
confortava. A fralda dele estava seca. Ele não queria uma
mamadeira. Ele não queria ser segurado. Eu já tinha tentado colocá-
lo na cadeirinha do carro e dar uma volta no quarteirão, mas isso
não o acalmou de nenhum jeito, então eu desisti e o trouxe de volta
para casa.
― Qual o problema com meu parceiro favorito? ― Eu disse,
tentando soar todo bonzinho ridículo como a Kathleen fazia quando
falava com ele, no entanto ele só chorou ainda mais.
Tentei balançá-lo na cadeira da sala de estar, mas ele também
não queria. O choro dele era incansável, estridente. Parecia cheio
de dor e me destruía como nenhum som fazia antes. Mantive o
corpinho do meu irmão perto e pressionei meus lábios na sua testa.
Quente. Muito quente.
Entrei em pânico instantaneamente. Ele estava doente. Era por
isso que ele tinha chorado tanto, por isso ele não poderia ser
confortado. Eu deveria saber. Eu deveria ter pensado nisso. Um pai
teria percebido mais cedo.
― Está tudo bem, Colin. Você vai ficar bem. ― Minha voz era
artificial, alta e esperançosa.
Eu o embalei com um braço e peguei meu computador portátil
com o outro. Pesquisei pelas palavras ‘febre de bebê’. Pesquisei as
palavras ‘bebê doente’. Pesquisei pelas palavras ‘bebê doente
chorando com febre’. Os resultados eramtão variados que tinham
pouco valor. Ele poderia estar resfriado ou ter meningite. Eu não
sabia se ele tinha tomado alguma vacina. Eu não sabia quem era a
médica dele. À certa altura, Kathleen tinha mencionado essa
informação, mas foi em um daqueles momentos que eu estava
cansado de ouvi-la falar e a desliguei.
Ela também tinha me dado seu número de telefone, mas eu não
tinha adicionado à minha lista de contatos. Minha única opção era
subir e vasculhar minhas roupas para achar o cartão de negócios
dela que guardei no bolso outro dia. Felizmente o número dela
estava no verso. Ela respondeu no segundo toque.
― Ele está doente. ― Eu deixei escapar um momento depois de
ela falar alô.
Se Kathleen estava dormindo quando eu liguei, ela estava
acordada e alerta agora.
― Sim.
― Ele está com febre.
― Quão alta?
Eu passeava pelo chão com o celular na minha orelha e meu
irmão chorando nos meus braços.
― Eu não sei. Ele parece quente e ele tem chorado muito desde
a noite passada e eu pensava que estava tudo bem quando ele
finalmente caiu no sonho, mas ele começava a chorar de novo e,
quando eu toquei a cabeça dele, notei como ele estava quente.
Eu tagarelei várias palavras confusas, mas a Kathleen entendeu.
― Está bem, ouça. A primeira coisa que você precisa fazer é dar
a ele uma dose de ibuprofeno para abaixar a febre. Procure na
bolsa dele no quarto. Lá deve ter uma garrafa com conta-gotas que
vai te ajudar a colocar a quantidade certa diretamente na boca dele.
Agora deixa eu te perguntar, ele está comendo?
Eu fui até o quarto do Colin e já estava procurando na bolsa.
― Sim, ele está comendo.
― Fazendo xixi? Cocô?
― Os dois.
― Ele parece indiferente? Apático?
Deixei o bebê choroso no trocador.
― Ele soa indiferente?
Eu tirei a roupinha dele e o examinei:
― Não.
O remédio estava na minha mão. Procurei a dosagem na garrafa
e não perdi tempo para encher o conta-gotas antes de depositar o
conteúdo na boca do Colin. Ele franziu a boca e ficou em silêncio
por um momento, depois voltou ao choro.
― Devo levá-lo ao hospital? ― Eu perguntei.
― General Hawk fechou dois anos atrás, então o hospital mais
próximo fica há quarenta minutos daqui. Tem uma nova unidade de
atendimento de emergência que acabou de abrir na Estrada
Cottonwood, à direita da I-95. Eles provavelmente não estarão
ocupados. Eu vou encontrar vocês lá.
Eu estava pensando em falar para Kathleen que ela não
precisava fazer isso. Já era tarde e ela própria tinha uma criança
para cuidar. Mas eu estava aliviado que ela iria. Kathleen com seu
jeito de assumir o controle, atitude de sabe-tudo era exatamente o
que o Colin precisava agora.
― Obrigado. ― Eu disse e novamente fechei a roupinha de
Colin.
Dessa vez eu não esqueci de trazer uma bolsa com fraldas
quando deixei a casa. O atendimento de emergência ficava há dez
minutos dirigindo e lá havia apenas dois pacientes na sala de
espera. Eu tinha quase acabado de preencher a prancheta cheia de
papéis quando Kathleen chegou com pressa. Eu poderia admitir que
eu estava muito feliz em vê-la.
― Como ele está? ― Ela sentiu na cadeira amarela de plástico
bem ao meu lado e alcançou o Colin, tirando a fivela que o prendia
na cadeira do carro.
― Muito mais calmo agora. ― Eu disse. Colin caiu no sono no
caminho e ficou daquele jeito mesmo quando eu o trouxe para
dentro do prédio iluminado. A cabeça dele estava mais fria também.
― Coitado do meu bebê. ― Kathleen murmurou, beijando o
rosto dele e balançando-o nos braços. Era difícil se livrar do nó na
garganta quando eu a observava segurar meu irmãozinho. Ela
realmente amava aquela criança. Ela o amava um bocado tanto
quanto eu.
― Deixei a Emma na minha mãe. ― Kathleen disse, ainda
olhando para o Colin. ― Ela pode ficar com ela durante a noite.
Kathleen mantinha uma aparência ótima mesmo a essa hora da
noite debaixo das luzes ruins da sala do atendimento de
emergência. Ela vestia uma blusa com decote em V e uma saia
folgada que ia até seus tornozelos. Seus cachos “vermelho
selvagem” se espalharam pelos seus ombros e ela não usava
maquiagem. Ela não precisava de nenhuma. E eu poderia ter
certeza, mas, olhando desse ângulo, eu achava que ela não estava
usando sutiã.
Eu sou um imbecil de merda.
Essa garota sai no meio da noite para me ajudar numa crise e
tudo que eu consigo fazer é dar uma conferida seus peitos dela.
Parei de observar a Kathleen e voltei para o tédio da minha
papelada.
― Desculpa se te acordei.
― Você não me acordou. Eu tinha um trabalho para escrever.
Perto da linha que dizia “Alergias”, eu escrevi na pergunta
errada.
― É verdade. Você mencionou que está tendo aulas à distância.
O que você está estudando?
― Contabilidade. Gostaria de tirar minha licença algum dia.
― Isso é bom.
― Na verdade, não. Mas é uma boa carreira que paga as
minhas contas.
Eu a estudei de novo. Colin dormia no seu ombro agora
enquanto ela esfregava suas costas carinhosamente.
― O que você queria fazer no lugar?
Um sorriso triste apareceu em seus lábios.
― Demorou um pouco para encontrar meu nicho, mas eu era
professora de filosofia.
― Impressionante.
― Eu queria ser professora universitária. Ter um pós-doutorado
para que eu pudesse ter umas palavras chiques no meu nome,
talvez ensinar no exterior por um tempo.
Aqueles planos pareciam mais com a Kathleen Doyle que era
vista como o prodígio da cidade, a garota que avançou várias
matérias, ignorando toda a proximidade com a aparência de uma
criança com peito achatado.
― E ainda assim você se tornou uma contadora em Hawk Valley.
― Eu disse e imediatamente desejei que não o tivesse feito. Eu
estava pensando alto, me questionando sobre a bifurcação na
estrada da vida da Kathleen Doyle.
― Emma. ― Ela disse, explicando, e seu sorriso não estava
mais triste.
Eu devia ter adivinhado. Kathleen era alguns anos mais nova do
que eu, provavelmente vinte e três. Ela se formou mais cedo, melhor
aluna da minha turma, entrou de cabeça na faculdade com sonhos
grandes e voltou para casa depois que engravidou de um cara de
quem ela obviamente não queria falar. Meus próprios pais eram
novos e tolos quando eu vim ao mundo, então eu sabia tudo sobre
como a chegada de uma criança poderia mudar uma trajetória de
vida.
“Você faz alguma ideia do quanto eu poderia ter feito se você
não tivesse nascido?”
Meu pai estava um pouco bêbado quando ele disse isso e nós
tivemos mais uma das nossas brigas abomináveis. Provavelmente
eu tinha quinze anos na época. Chris Ryan não pedia muito
desculpas, mas no dia seguinte ele se desculpou por dizer aquelas
palavras. Ele parou na porta do meu quarto, com as mãos cruzadas
no peito, os olhos no chão, e assim disse que sentia muito. Ele tinha
ficado bravo. Ele tinha bebido muitas cervejas. Ele não quis dizer o
que disse. Eu acreditei nele. Ele queria me dizer alguma coisa
também, algum conhecimento sobre perdão. Entretanto, eu
teimosamente encarei minha tarefa de casa e não disse nada.
― Colin Ryan?
A enfermeira de uniforme roxo estava parada esperando.
Kathleen carregou o Colin enquanto eu a segui com a cadeirinha do
carro e a bolsa com fraldas.
― Você só precisa deixar os braços da mamãe por um instante.
― A enfermeira disse quando estava na hora de colocar Colin na
balança. ― Seis quilos e meio.
― Isso é bom? ― Eu perguntei, parecendo tão ansioso quanto
me sentia.
A enfermeira me deu um sorriso indulgente. Ela parecia nova,
muito nova mesmo. Ela provavelmente começou a trabalhar
recentemente.
― Está bem. Vocês dois devem ser pais de primeira viagem?
― Não. ― Disse a Kathleen, e deixou por isso mesmo.
A enfermeira prometeu que a médica seria aqui em breve e nos
deixou sozinhos. Colin estava começando a chorar, então Kathleen
começou a andar pelo cômodo para acalmá-lo.
― Quer que eu o pegue? ― Eu perguntei.
Ela começou a dizer que não, mas depois o entregou a mim.
― Se você quiser.
Eu estava me acostumando com a sensação de ter seu corpo
pequeno contra meu peito. Segurá-lo agora parecia natural.
― Você vai se sentir melhor logo logo. ― Eu disse na sua orelha
pequena. Quandolevantei o olhar, encontrei os olhos da Kathleen.
Seus olhos eram marcantes, uma luz verde que eu nunca tinha visto
em ninguém antes.
A médica não nos fez esperar muito. Eu não lembrava dela, mas
ela sabia quem eu era. Ela morava na cidade. Ela esteve em algum
grupo de caridade ou algo assim com a Heather.
― Infecção nos ouvidos. ― Ela anunciou alguns minutos depois
de examinar o Colin. ― Isso explicaria a febre e o choro. Fora isso,
ele parece perfeito, por isso eu vou escrever uma receita e vocês
podem levar esse garotinho para casa.
― Obrigada, dr. Crawford. ― Kathleen disse.
― De nada. ― disse a doutora Crawford. Ela rabiscou algumas
coisas num pedaço de papel e depois olhou diretamente para mim.
― De novo, sinto muito pela sua perda. Ainda não consigo acreditar.
― Seus olhos se moveram para Colin e sua expressão era
visivelmente triste. ― Por favor, me avise se houver alguma coisa
que eu possa fazer.
Era o mesmo sentimento que dezenas de pessoas sentiam em
relação a mim desde a noite que cheguei em Hawk Valley. Um inútil
e bem intencionado tipo de sentimento e oração, para dizer o
mínimo. Eu queria que houvesse algo que eles pudessem fazer.
― Eu agradeço. ― Eu disse à médica antes dela sair do
cômodo.
Kathleen sabia onde ficava a farmácia vinte e quatro horas e
insistiu em ela mesma levar a prescrição.
― Apenas leve esse menininho lindo para casa. ― Ela disse. ―
Não vai custar fazer isso e podemos dar a primeira dose
imediatamente.
Ela sorriu.
― Emma teve algumas infecções de ouvido. Elas melhoraram
rapidamente depois que os antibióticos entraram em ação.
― Sério, Kathleen. ― Eu disse e Colin deixou sair um suspiro
sonolento no meu ombro. ― Eu te devo uma.
Ela esticou a mão e tocou a cabeça do Colin, suas pontas dos
dedos roçaram meu ombro no processo.
― De jeito nenhum. Eu sempre estarei aqui para o Colin. E para
você.
― Sou sortudo por ter você. ― Eu disse, sem me dar conta do
possível duplo sentido das palavras até ouvi-las em voz alta.
Kathleen corou e desviou o olhar.
Eu estava feliz por poder levar o Colin para casa e esperá-la
aparecer com o medicamento. Era bom esse sentimento de
cooperação pelo bem de uma criança com quem nós dois nos
importamos. E era bom ter uma amiga. Eu não mantinha muitos por
perto e isso nunca me incomodou. Ultimamente, no entanto, eu
estava começando a sentir falta. E sim, eu pensava na Kathleen
como uma amiga.
Uma amiga com um corpo pecaminoso, cabelo sexy e um sorriso
deslumbrante.
Uma amiga que era gentil e generosa, mesmo sendo um pouco
mandona.
Uma amiga que fazia meu pau ficar duro se eu a olhasse por
mais tempo.
Eu gostava da Kathleen. Eu a respeitava. E não conseguiria
parar de querer transar com ela mesmo se eu quisesse.
1 0
D
C A P Í T U L O N O V E
Kathleen
epois do encontro na loja terminar de forma desconfortável,
usei cada parte da minha força de vontade para não ligar
para o Nash ou aparecer na casa pelos dias que se
seguiram. Quando ele disse “Entro em contato”, eu não tinha
certeza se ele estava irritado com minha insistência em relação à
loja ou se ele só precisava de espaço para entender as coisas
sozinho. Eu ficaria feliz em mover montanhas pelo Colin, mas meu
papel era limitado porque eu não era sua guardiã. Nash era o
guardião.
Eu não esperava ouvir o pânico em sua voz numa ligação
desesperada, depois das dez da noite, enquanto Colin gritava ao
fundo. Nash não soava como um cara que ficava apreensivo com
facilidade. Ele não pediria ajuda para ele mesmo. Mas ele
procuraria, pelo bem do Colin. Assim que sentamos juntos na sala
de espera do atendimento de emergência, comecei a entender que
Nash não era o personagem estoico que ele parecia ser. Cuidar do
Colin não era uma obrigação para ele. Parecia mais como amor.
E, pela primeira vez, eu concordei que Chris e Heather tinham
colocado seu menininho exatamente nas mãos certas.
― Você precisa de conta-gotas para o remédio? ― O
farmacêutico perguntou enquanto embalava a medicação do Colin.
― Sim, por favor. ― Eu disse.
Já passava da meia-noite no momento que eu estava no
caminho para a casa de Nash. Depois que eu cheguei à casa
vitoriana de cem anos de idade que deve ter testemunhado muito
drama e tragédia por décadas, eu permaneci ao lado do carro por
um momento e apenas olhei a casa antiga.
A iluminação dos postes lançava um brilho pálido no detalhado
acabamento do topo da casa de teto triangular. Eu sempre amaria
esse lugar. Enquanto crescia no final da rua, era fascinada pela
casa charmosa que parecia um pão de gengibre. Depois que a
Heather casou com Chris Ryan e se mudou para cá, eu
provavelmente devo ter vindo visitar umas centenas de vezes. Parte
de mim ainda não poderia acreditar que eles não estavam mais
imersos nas duas vidas felizes e paradisíacas bem do outro lado da
porta da frente vermelha.
A porta abriu e Nash apareceu. Ele deve ter reparado no meu
carro. Anos atrás eu estava ciente dos rumores sobre ele, sobre
Heather. Na época, eu supus que eles não eram verdade. Mesmo
depois que Heather renunciou à sua alta posição no escritório da
escola de nível médio, eu me recusei a acreditar que tinha algo
impróprio na sua escolha. Todo mundo sabia que Nash andava por
aí com uma variedade de garotas, mas de jeito nenhum minha prima
linda e arrogante se envolveria com um adolescente. Nem mesmo
um que estivesse à beira da masculinidade e sexualmente
transformado como Nash Ryan. Por fim, eu descobri de outro jeito,
neste momento, entretanto, eu não estava em choque. Depois eu
soube tudo sobre os erros. E segredos.
Nash carregava Colin em seus braços e estendeu uma mão em
cumprimento, provavelmente se perguntando por que diabos eu
estava parada ao lado do meio-fio.
Retirei o papel branco da sacola da farmácia e me direcionei até
eles no escuro.
Colin não gostou de ser acordado para tomar o seu remédio.
Depois de colocarmos a primeira dose na garganta dele, eu dei uma
boa olhada no Nash e prestei atenção no cansaço presente em seu
rosto. Ele não discutiu comigo quando eu disse que levaria Colin
para o quarto e o balançaria até que ele dormisse de novo.
Nash ficou no andar de baixo enquanto eu trouxe Colin para o
quarto e sentei na cadeira de balanço que minha mãe deu a Heather
como um presente de chá de bebê. Cantei suavemente a letra de
“You are my sunshine” assim como eu cantava para Emma todas as
noites na hora de dormir.
E desejei com todo meu coração que a mãe dele estivesse aqui
balançando-o para dormir em vez de mim.
A testa do Colin estava fria e sua respiração, mesmo quando o
coloquei no berço e ligou um som de máquina, francamente
transmitia um ruído claro.
― Eu amo você, anjo. ― Eu sussurrei antes de deixar o quarto
porque toda criança no mundo deveria ouvir essas palavras sempre
que possível, independente delas conseguirem entender ou não.
Eu encontrei Nash sentado no sofá da sala de estar, encarando
a tela vazia da televisão. A cachorra dele, Roxie, tinha dormido em
um canto. Ela levantou a cabeça quando desci as escadas, depois
se acalmou com um suspiro
― Como ele está? ― Nash perguntou.
― Dormindo. ― Eu me afundei em um canto vazio no sofá de
couro.
O olhar de Nash cintilou sobre mim e eu percebi que eu tinha
sentado terrivelmente perto dele. No entanto, eu não me afastei.
Nem ele.
Tinha uma mancha pequena na manga esquerda da camiseta
dela. Eu apontei para ela.
― Eu acho que você foi atingido por alguma gorfada de novo.
Ele olhou para baixo, deu de ombros e tirou a camiseta, expondo
seus braços tatuados e o peito torneado. Ele levantou uma
sobrancelha para mim.
― Melhor?
Com certeza!
Eu limpei minha garganta e desgrudei meus olhos das
montanhas de músculos abdominais e peitorais dele. Não foi fácil.
― Você precisa descansar um pouco. ― Eu disse. ― Ele
provavelmente vai dormir por enquanto e eu vou ficar por perto caso
ele acorde.
Nash me encarou.
― Não está cansada? É quase uma da manhã.
Eu sorri e o cutuquei.
― Eu sou uma coruja. ― E era verdade. Minha agenda ocupada
frequentemente exigia que eu ficasse acordadaaté tarde e
funcionasse com pouco sono.
Ele bocejou.
― Você provavelmente tem um milhão de coisas para fazer de
manhã.
― Não. É domingo. E Emma está bem na casa da minha mãe.
Ele se inclinou para trás no sofá com um suspiro e me deu outro
longo e penetrante olhar fixo.
― Eu não sei como te agradecer, Kathleen.
― De nada.
― É sério. Obrigado por estar aqui pelo Colin. Obrigado por
aparecer essa noite apesar de eu ser um babaca.
― Você não é um babaca.
Ele pensou sobre isso.
― Eu sou um babaca às vezes.
― Às vezes. ― Eu admiti.
Ele sorriu. Ele deveria fazer isso mais vezes. O sorriso de Nash
tinha uma dose de magia contida. Depois o sorriso dele se apagou.
― Eu deveria saber. ― Ele disse e tinha uma emoção crua e real
na sua voz.
― Nash, você não tinha como saber que o Colin tinha uma
infecção no ouvido.
Ele balançou a cabeça.
― Não. Eu quis dizer que eu deveria saber que às vezes coisas
assim podem acontecer, que o tempo neste planeta nunca é uma
garantia, que você pode perder pessoas a qualquer momento.
Eu dobrei minhas mãos no meu colo.
― É impossível prever o futuro.
― É verdade. ― Ele disse e agora havia um tom pesado na voz
dele. ― Eu não posso prever o futuro. Mas eu já sabia que nessa
vida não há nenhuma certeza de um final feliz. Eu descobri isto
quando minha mãe foi assassinada pelo homem que ela amava.
Eu não sabia o que dizer. Mais de uma década atrás, o
assassinato da mãe do Nash era uma grande notícia aqui apesar de
ter acontecido em Phoenix. Assassinatos seguidos de suicídios
ainda eram raros o suficiente para serem chocantes. A história era
feia, dolorida até para pensar nela. A mãe de Nash foi atingida na
cabeça quando dormia. Seu assassino era o homem com quem ela
tinha se casado apenas dois meses antes. Depois de atirar na
esposa, o cara atirou no cachorro da família. Depois atirou nele
mesmo. Nash teve sorte de estar aqui, visitando seu pai no verão.
Senão ele provavelmente teria sido morto também.
Ou talvez ele visse a situação de outra maneira. Talvez ele
pensasse que se ele estivesse lá, ele teria sido capaz de impedir o
horror do acontecimento. Qualquer que fosse o caso, os ecos desse
evento devem tê-lo atormentado. Até a jovem garota que já o
admirava de longe tinha percebido como ele mudou depois da morte
da mãe. Ele falou menos e lutou mais. Ele sempre foi popular e, de
alguma forma, sempre esteve distante de todo mundo. E depois ele
pareceu assombrado também. De algum jeito, ele ainda parecia.
― Eu sinto muito. ― Eu disse porque eu lamentava mesmo. Não
havia nada que eu pudesse fazer para aliviar seu sofrimento.
Nash fez uma careta e encarou as mãos.
― Eu poderia tê-los visitado, Kathleen. Eu poderia ter ligado
mais. Eu poderia ter feito as coisas darem certo entre eu e meu pai,
especialmente porque eu estava ciente de como ele queria que isso
acontecesse.
Meus olhos se encheram de lágrimas.
― Nash.
A cabeça dele ainda estava baixa.
― Eu não sou um bom exemplo de porra nenhuma. Por que
raios eles me escolheram?
Eu não sabia qual era a resposta. Eu poderia tentar adivinhar
apenas, com base no que eu sabia da minha prima e seu marido. E
no que eu tinha aprendido com Nash até agora.
― Porque seu pai tinha muita fé em você. Porque ele sabia que
você enfrentaria o desafio, que você amaria e protegeria aquele
menininho. Nash, teu pai e Heather não duvidaram de você. ― Eu
toquei o ombro dele. ― Eu não teria duvidado de você.
Ele não olhou para cima.
― Tem muita coisa que você não sabe sobre mim, Kathleen.
― Eu sei o suficiente.
Agora ele levantou a cabeça. Nossos olhos se encontraram. Os
olhos dele não estavam mais cheios de exaustão. Estavam repletos
de dor.
E quando eu movi minha mão do seu ombro para seu rosto, eles
ficaram cheios de outra coisa.
O maxilar dele se enrijeceu debaixo das pontas dos meus dedos,
eriçado com a barba por fazer. Em outra época, eu fantasiava sobre
estar perto assim do Nash Ryan. Eu sonhava com o dia que ele
olharia para mim como estava me olhando agora. Com um desejo
desinibido.
Eu sabia o que aconteceria em seguida. Não tinha nada a ver
com o passado. Nem com o futuro. Nem com as circunstâncias de
partir o coração que nos trouxeram até este momento em particular.
Era só sobre aqui e agora.
E aqui e agora nós queríamos a mesma coisa.
Eu movi minha mão para baixo e comprovei isso.
― Kat. ― Ele gemeu assim que minha mão se fechou ao redor
dele por cima do tecido do short de ginástica. Ele estava duro,
grosso, perfeito. Eu o acariciei ousadamente e ele gemeu de novo,
dessa vez com um palavrão. Eu não tinha estado com ninguém há
um tempo e uma necessidade primitiva acumulada no meu ventre
desceu para o meio das minhas pernas. Nash colocou minha mão
para dentro do elástico do short e eu toquei forte, a carne quente.
Eu quase tinha esquecido como era a sensação de satisfação, como
era empoderador trazer um homem forte para a beira do êxtase.
Comecei a deslizar para os meus joelhos, pretendendo colocá-lo na
minha boca. Mas ele me impediu.
― Se livra disso. ― Ele exigiu, arrancando minha blusa.
Eu obedeci, puxando minha blusa para cima e depois passando
pela minha cabeça calmamente. Na pressa de sair rápido, acabei
esquecendo o sutiã. Eu me livrei da minha saia longa, depois prendi
meus polegares na minha calcinha úmida e a rolei para baixo. Como
eu ajoelhei no chão na frente dele, Nash me encarou por um
momento tão longo que eu comecei a me sentir autoconsciente.
Ele me agarrou sem aviso, as mãos dele se prenderam atrás do
meu pescoço e me puxaram para um beijo que era feroz e
eletrizante. Era disto que eu sentia falta, como era se sentir
dominada por um beijo. Eu mal me senti sendo puxada e, de
repente, eu estava no colo dele. Minhas mãos caminharam pelos
músculos fortes do peito dele, mas não muito. Eu era impaciente
assim como ele, talvez mais, cavalgando, movendo-me contra a
sensação da sua pele numa busca desesperada por alívio.
Ele empurrou o short para baixo e me olhou nos olhos.
― Tem certeza que quer isso?
Eu não conseguia falar. Só assenti.
Nash me surpreendeu quando ele veio gentil, entrando dentro de
mim com calma, como se ele achasse que eu me quebraria se ele
fosse muito bruto. Minha pele se esticou e tremeu quando eu o levei
por toda minha entrada e eu quase não aguentando. Envolvi meus
braços nos seus ombros e o cavalguei num ritmo furioso até ele
pegar meus quadris e decidir assumir o controle. E eu deixei. Eu
deixei que ele me movesse na velocidade que ele queria e me
aproveitei do frenesi dos nossos corpos colidindo.
Não demorou muito para que eu gozasse e puta merda eu gozei
muito. O orgasmo foi uma avalanche e tudo que eu pude fazer foi
ser temporariamente enterrada por ele, abafando o impulso de gritar
como os tremores me naufragaram nas ondas. Os braços do Nash
me mantinham longe de colapsar em uma poça quando outros
abalos continuaram crescendo e diminuindo.
― Porra, perto demais. ― Ele finalmente arfou e saiu de dentro
de mim. Indistintamente eu percebi porquê, entendi que ele estava
certo em se afastar. Nós tínhamos sido absurdamente imprudentes,
nem usamos uma camisinha. Mais alguns segundos e poderíamos
ter tido um problema.
Mas nós não terminamos ainda. Eu fechei meus dedos em redor
do pau grosso e insatisfeito dele e o acariciei o comprimento sólido,
provocando a ponta até ele estremeceu, gemeu meu nome de novo
e gozou na minha mão.
Nós dois estávamos suados e ofegantes como maratonistas de
corrida pesada. Eu deslizei para fora do seu colo e em direção ao
sofá, tentando recuperar o fôlego e descobrir o que deveria fazer em
seguida.
Nash se recuperou primeiro, pegando a camiseta dele do chão e
cuidadosamente retirando o gozo da minha mão. Ele me observou
enquanto eu reunia minhas roupas e as segurava no meu peito
numa pilha amarrotada.
― Eu deveria deixar você dormir. ― Eu disse.
Nash esfregou as costas das suas mãos no meu braço. Meu
arrepio foi involuntário.
― Não estou cansado. ― Ele disse.
― Mesmo depois disso tudo?
Ele achou minha pergunta engraçada.
― Especialmente depoisdisso tudo.
Eu engoli.
― Acho que eu devo ir.
― Não, você não deve.
Coloquei de volta minha calcinha porque eu estava começando a
me sentir ridícula sentando no sofá com a bunda pelada. Nash, por
outro lado, não pareceu ter problema com isso. Ele parecia tão
relaxado como nunca.
― O que eu deveria fazer então? ― Eu perguntei, adicionando
um tom divertido à minha voz.
― Nada. ― Ele deslizou para o chão, abriu minhas pernas e
empurrou minha calcinha para o lado antes de me transformar em
uma exploração da língua dele e assim eu perdi o fôlego e arquei
minhas costas.
― Não faça porra nenhuma agora. ― Ele ordenou em um
sussurro brusco e a sensação da mandíbula se eriçando contra o
interior das minhas coxas sensíveis era quase tão perversamente
deliciosa quanto a língua dele. Então eu segui as ordens. Eu não
faria porra nenhuma.
1 1
Q
C A P Í T U L O D E Z
NASH
uando eu acordei, meu primeiro pensamento foi o Colin.
Fiquei tenso por um momento e relaxei quando lembrei
que Colin estava bem agora. Eu não ouvia nenhum
choro, então ele deve estar dormindo ainda. Os
antibióticos já estavam trabalhando com a mágica da medicina.
Meu segundo pensamento foi que eu me sentia bem. Realmente
muito bem. Restaurado, e com a mente clara.
Depois, eu olhei para meu lado e não me senti mais tão bem.
Kathleen estava encolhida na beira da cama. Se ela rolasse dois
centímetros, ela sairia na hora. Seus cabelos cacheados cobriam
seu rosto, mas sua respiração era profunda e ela não se mexeu
quando eu me desenrolei do emaranhado de cobertas. Eu tive que
puxar o lençol com força no processo e a vista da pele macia e nua
dela estava me estimulando de formas que eu não queria ser
estimulado nesse momento.
Eu cavei um par de shorts de ginástica limpos de uma das
minhas malas porque eu ainda não tinha desfeito. A decoração do
quarto não tinha sido modificada, mas a cômoda velha no canto do
quarto estava cheia de artes e suplementos para artesanatos que
devem ter pertencido a Heather. Eu não poderia me lembrar do meu
pai tendo muito motivo para usar glitter e fio. Em algum momento,
eu precisaria fazer alguma coisa sobre o fato de que os guarda-
roupas e armários de toda a casa estavam cheios de pertences
pessoais do meu pai e da sua esposa. No entanto, eu não poderia
pensar nisso ainda. A ideia de mexer nos itens abandonados dos
mortos ainda doía demais para isso.
Kathleen deixou sair um sussurro de leve e depois começou a
rolar na cama, o que poderia ter feito com que caísse no chão polido
de madeira dura. Eu me aproximei para formar uma colher com
minhas mãos sob ela e rolá-la de volta em segurança. Ela ainda não
tinha acordado. Eu fiquei parado ali por mais alguns segundos
encarando-a.
Porra, como ela era sexy.
O que não significava que eu estava orgulhoso de mim mesmo
por ter penetrado aquele corpo gostoso uma dúzia de jeitos
diferentes na última noite.
Eu não tinha pensado. Kathleen não parecia para mim como o
tipo de garota que se joga na cama. Ela podia esperar coisas.
Coisas essas que eu não teria disponível para dar a ela agora.
Provavelmente nem agora nem nunca.
Eu saí do quarto e fechei a porta silenciosamente atrás de mim.
O dilema Kathleen teria que esperar até mais tarde. Entretanto eu
poderia mesmo admitir que ter transado tanto ontem tinha feito
maravilhas para o meu humor.
No quarto do bebê no fim do corredor, Colin estava acordado e
sacudindo seus braços pequenos ao seu redor, tentando pegar o
macaco de pelúcia móvel do berço. Eu entendi isso como um bom
sinal de que ele não estava mais gritando de dor e quando eu
coloquei a palma da minha mão na testa dele, eu fiquei aliviado que
ela estava fria.
― Vamos, bebê. ― Eu disse e, na verdade, ele me deu um
pequeno sorriso quando eu o tirei do berço. Não pela primeira vez,
eu me questionava sobre o que estaria se passando no cérebro de
bebê dele. Havia alguma parte dele que entendia como a vida dele
tinha sido virada de cabeça para baixo? Eu esperava que não.
Colin se retorcia quando eu estava trocando a fralda e resistiu ao
ser colocado de volta à roupinha, então eu o levei lá para baixo
usando apenas a fralda. O sol estava brilhando lá fora e a casa
estava quente. O verão estava quase aqui.
Roxie estava esperando ao final das escadas, com o rabo
abanando. Eu a deixei sair pela porta dos fundos e ela
imediatamente mergulhou em direção a um grupo de passarinhos
que estavam bicando a grama.
Ontem à noite eu tinha medido fórmula de leite em pó para
bebês e feito um par de mamadeiras para guardar na geladeira.
Colin bebeu uma com urgência e depois emitiu um arroto
considerável quando eu o segurei ereto para isso.
― Bom menino. ― Eu disse. Eu percebi que eu estava
elogiando outro ser humano pelo feito rotineiro de arrotar. Mas esse
pensamento não me incomodou nem um pouco.
Essa manhã Colin estava mais disposto a engolir seu remédio e
ele parecia completamente alegre quando o coloquei na sua
cadeirinha de descanso. Ele imediatamente fez um esforço para
segurar os objetos coloridos que se balançavam no balcão de
brinquedos da cadeirinha, mas só foi bem sucedido em bater seus
braços pelos lados. Eu sacudi o porco bobo de brinquedo que ele
gostava tanto e o jeito que ele bateu nele com tanto entusiasmo me
fez sorrir. Eu estava pegando o jeito dessa coisa de bebês.
― Bom dia. ― Disse uma voz e eu me virei para ver a Kathleen
parada na porta.
Ela estava completamente vestida nas roupas da última noite.
Isso foi uma certa decepção, mas eu não poderia esperar realmente
que ela desfilasse nua pela minha casa. Na verdade, isso não era
uma boa ideia por um monte de razões. A vista, no entanto, seria
extremamente épica.
― Bom dia. ― Eu respondi, mantendo minha voz neutra e fiquei
feliz que ela não se atirou em relação aos meus braços. Na verdade,
ela parecia um pouco desconfortável, cruzando os braços na frente
do peito, ela se apoiava contra a parede enquanto falhava em me
olhar no rosto.
Kathleen se iluminou quando seus olhos se apoiaram em Colin.
― Oi, raio de sol. ― Ela disse, aproximando-se até ele e
desatando as amarras da cadeirinha que eu tinha acabado de
amarrar. ― Como está o meu menino hoje? ― Ela o abraçou e
beijou o rosto dele e fez um monte de sons sem noção que
encantava o bebê.
― Eu já dei a ele a segunda dose. ― Eu disse. ― Eu acho que
ele está se sentindo melhor.
Kathleen assentiu e depois continuou com a besteira de nhe-
nhe-nhe-ba-ba. Eu queria saber a coisa certa a dizer na manhã
depois de ter fodido a minha nova amiga e meio que queria não ter
feito.
Eu liguei a máquina de café.
― Você quer uma xícara?
― Então você se tornou um fã de cafeína, afinal. ― Kathleen
disse numa voz provocadora e quando ela olhou para mim, ela
sorriu.
Eu relaxei um pouco. Talvez isso não tenha ficado tão estranho,
afinal de contas.
― É, eu descobri propriedades interessantes nela. ― Eu removi
duas canecas idênticas de Felicidade de Hawk Valley do armário da
cozinha. Elas pareciam estar se multiplicando. ― Então você gosta
de creme ou açúcar?
― Nenhum dos dois. ― Disse a Kathleen. ― Mas eu tenho que
ir. Minha mãe ama a Emma, mas a paciência dela com uma menina
precoce de três anos e meio tem um limite de apenas doze horas.
Kathleen cuidadosamente colocou o Colin de volta na sua
cadeirinha enquanto eu procurava na minha mente um jeito de
terminar essa conversa de forma diplomática.
“Meu pau agradece.”
Não. Definitivamente nada diplomático.
"Volte a qualquer hora.”
Soa sarcástico igual uma droga.
Kathleen terminou de brincar com o Colin e limpou a garganta
dela.
― Nash, eu espero que a noite de ontem não arruíne nada.
Ouvir a voz dela me fez relembrar o grito agudo e ofegante
distinto que ela fez toda vez que sentia um orgasmo chegar. Mas eu
mantive a expressão impassível.
― De jeito nenhum.
Ela ficou com uma expressão ansiosa.
― Você acha mesmo?
― Sim. Você é ótima. A última noite foi… ótima.
― Foi. ― Ela concordou. ― E não foi a melhor ideia.
― Provavelmente não.
Ela levantou o queixo e igualou o olhar dele para mim.
― Então você sabe,isso não é algo que eu faça regularmente.
― Nem eu.
Sua sobrancelha levantada dizia que ela não acreditava em mim,
mas ela obviamente não iria querer começar uma discussão.
Por outro lado, eu meio que sentia que começar um iria colocar a
verdade para fora.
― Você não parece convencida.
― Isso não é da minha conta.
― Claro que não é.
― Então eu não vou perguntar.
― Mas eu acho que você deveria.
Kathleen suspirou. Ela cruzou seus braços de novo. Ela fazia
muito isso.
― Você quer que eu pergunte se você é o tipo de homem que
come qualquer coisa com peitos?
Isso estava ficando divertido.
― Sim.
Ela estava corando.
― Então você é?
― Eu sou o que?
― Um pegador.
Eu completei as canecas com café e dei a ela uma, mesmo que
ela tenha dito que ela não queria nenhuma. Ela tinha que descruzar
os braços quando eu passei a caneca para ela e eu percebi que o
fato de eu estar tomando meu tempo para responder sua pergunta
estava causando arrepios. Eu meio que gostava de causar arrepios
nela.
― A última garota com quem eu estive foi a que eu namorei por
cinco meses ano passado. ― Eu disse. ― Eu não saio por aí
fodendo garotas por mais nem menos. Eu não sou um pegador, Kat.
Ela digeriu a informação. Ela parecia confusa;
― Por que você pensaria ao contrário? ― Eu pressionei, me
perguntando o tipo de fofoca que estava circulando por aí sobre mim
em Hawk Valley desde que saí.
Kathleen colocou seu café na mesa e lá estava ela e os braços
de novo, cruzando-os sobre o peito e escondendo a forma firme e
generosa dos seios. Mas não antes de eu conseguir observar que
seus mamilos estavam duros. A observação foi interessante.
― Eu acho que eu não deveria ter sido tão presunçosa. ― Ela
disse. ― É só que eu lembro como você era no ensino médio.
― Como eu era?
Ela estava pensativa.
― Sem compromisso, eu suponho. Você era atacado por uma
garota diferente toda semana e nenhuma delas parecia ser
importante para você por muito tempo. Eu nunca ouvi você se referir
a cada uma delas como sua namorada.
― Você deve ter prestado muita atenção. ― Eu disse.
Agora eu estava implicando com ela. Eu sabia que ela tinha uma
queda enorme por mim quando ela era toda magra, sem graça e
sem curvas. Toda vez que eu procurava, eu via o pequeno rosto
pálido dela espiando em uma esquina e depois ela desviava como
se ela achasse que eu não tinha percebido.
Kat corou.
― Eu sempre fui muito observadora.
― Uma boa qualidade em uma perseguidora.
Seus lábios se contraíram.
― Eu não perseguia você.
― Eu acho que nós estivéssemos sendo honestos.
Ela deixou sair uma respiração exasperada.
― Bem, talvez eu fosse um pouco mais intrigada por você do
que eu deveria ter sido.
― E por que não? Eu sou um cara intrigante.
Kathleen entortou a cabeça e me estudou.
― Você era um destruidor de coração. Eu achei que você ainda
fosse. As pessoas geralmente não mudam. E de qualquer forma, é
só olhar para você.
Eu parei para pensar sobre isso.
― Eu não entendi.
― Sim, você entendeu.
― Me divirta, Kat.
― Você está mais sexy e mais misterioso do que nunca. E você
sabe disso.
― Talvez.
Ela revirou os olhos.
― Ah, por favor! É óbvio que você tem uma aparência
absurdamente boa e você não parece ter nada além de desprezo
por conceitos adultos como relacionamentos e amor. Eu não estou
dizendo que estava certa sobre você, mas essa é a razão que me
fez ter certas suposições.
Eu estava incomodado. Kathleen obviamente tinha alguma
bagagem, dado o que ela disse antes sobre ser ruim em
relacionamentos, mas eu não sabia por que ela achou que eu via
amor com desprezo. Amor era ótimo provavelmente ou as pessoas
não estariam se esforçando para parecer boas e merecedoras para
encontrá-lo. Só porque eu nunca conheci o sentimento em primeira
mão não significava que eu me escondia nas sombras lançando um
olhar malvado para casais felizes.
― Então você supõe que todos os caras solteiros que não
quebram o espelho são mulherengos convictos?
Ela sustentou o meu olhar.
― Não. Eu só achei que você fosse.
Eu bufei.
― Você queria honestidade. ― Ela me lembrou.
― Eu queria. E pelo interesse na honestidade revelada, só
vamos dizer que eu aprendi com os meus erros.
Ela ficou em silêncio por um momento. Ela teve que perceber do
que eu estava falando.
― Eu acho que é tudo o que podemos fazer. ― Kathleen disse
calmamente. ― Aprender com os nossos erros e tentar ser versões
melhores de nós mesmos do que nós éramos.
Isso era o tipo de coisa estranha e introspectiva para dizer. Ela
rodou um pedaço de cabelo e pareceu preocupada, perdida em
seus próprios pensamentos de repente. Eu entendi que seja lá o
que estivesse passando pela sua cabeça bem agora provavelmente
não tinha nada a ver comigo.
Eu bebi meu café e observei o Colin perseguindo seu tão
importante porco rosa, inconsciente de qualquer outra coisa que
estava acontecendo naquele cômodo.
― A propósito, ― Eu disse, de repente chegando a uma
decisão. ― Eu vou dar uma chance à loja.
Os olhos de Kathleen estalaram no meu rosto.
― Você vai?
Eu concordei e ela sorriu para mim de uma maneira muito
positiva. De fato, ela parecia tão feliz que você poderia achar que eu
tinha prometido a ela fazer um cruzeiro para as Bahamas.
― Nash, isso é ótimo! Isso vai significar tanto para a
comunidade. E você pode contar com a minha ajuda.
Eu me sentia meio deselegante por aceitar ainda mais ajuda da
Kathleen, mas eu estava feliz que ela tinha oferecido.
― Então, o que eu preciso fazer primeiro? ― Eu perguntei.
Imediatamente, ela se tornou profissional e começou a fazer uma
lista contando nos dedos.
― Bem, para começar, você precisa reabrir as portas o mais
rápido possível. Eu vou ligar para Betty e Hayden, seus
empregados, e organizar uma estratégia. Nós conversamos sobre
contratar outro caixa para completar os espaços, não é? Sim, eu
acho que conversamos. Eu vou colocar alguns anúncios em sites de
trabalhos e eu posso tomar conta das entrevistas, se você quiser.
Ou você pode fazer isso. Apenas me deixe saber. Ah, e você
precisa encomendar mais inventário para estoque. Eu recomendo
uma visita ao Primeiro Banco de Valley, lá que estão suas contas.
Você vai precisar estender as linhas de crédito da loja e se
encontrar com seu gerente de conta pode ajudar.
― Uma coisa de cada vez. ― Eu levantei uma mão. Meu
cérebro não poderia manter todas essas tarefas que ela citou. ―
Vamos começar com o problema no fluxo de caixa. Eu tenho
dinheiro. Eu posso arranjar para ter pronto para uso no meu banco
hoje. E Steve Brown tinha mencionado alguma coisa sobre fundos
de seguro de vida, então eu provavelmente posso pegar um pouco
desse dinheiro depois de guardar o máximo possível para o Colin.
― Isso é bom. ― Kathleen balançava sua cabeça com vontade.
― Isso vai funcionar, Nash. Eu sei que vai.
― Depois eu vou pegar emprestado um pouco do seu otimismo,
e concordar.
Colin reforçou o momento esmagando o porco e gritando.
Kathleen olhou para o relógio acima do fogão.
― Eu realmente preciso ir.
― Tudo bem. Eu deixo.
― Você pode me ligar depois se você quiser falar em mais
detalhes sobre um plano de ação para a loja.
― Vou te ligar.
Ela se debruçou e beijou o Colin.
― Adeus, menino lindo. Feliz que você está se sentindo melhor.
― A bolsa dela estava na mesa da cozinha. Ela deve ter deixado
bem ali na noite passada antes de se distrair com diversões
orgásticas. Ela colocou a bolsa no ombro e foi embora. ― Eu falo
com você depois, Nash.
― Até depois, Kat.
Ela tinha a mão parada na porta e, de repente, se girou.
― O que fez você mudar de ideia?
― Sobre a loja? Eu não sei, eu acho que algumas das coisas
que você disse fizeram sentido.
― Fico feliz de ouvir, mas era sobre outra coisa. O que fez você
mudar de ideia sobre me chamar de Kat?
― Você disse que seus amigos todos te chamam de Kat. ― Eu
levantei uma sobrancelha. ― Não é verdade?
Ela sorriu.
― Sim, é verdade.
Quando a Kathleen saiu, havia um vazio instantâneo na cozinha.
Até mesmo o Colin parou de sacudir suas pernas ao redor e ficou
sentado com uma expressão pensativa.
― Apenas eu e vocêde novo, criança. ― Eu disse e eu poderia
jurar que ele levantou uma sobrancelha acusativa.
― Sem julgamento, irmãozinho. ― Eu avisei e o tirei da
cadeirinha.
1 2
E
C A P Í T U L O O N Z E
KATHLEEN
ra terça-feira de manhã quando eu esbarrei com Jane Ryan
vestindo um vestido boêmio em cores de pavão e fazendo
cara feia para uma pilha de tomates daqueles não-híbridos
especiais, na Mercearia Windom na Avenida Gardner.
— Kat! — A careta da Jane sumiu e ela pareceu encantada por
me ver. Ela tinha os clássicos cabelos pretos e grossos da família
Ryan e profundos olhos azuis, como seu irmão e seu sobrinho. Mas
nos lugares do cabelo do Chris que tinha começado a aparecer
mechas cinzas, o dela ainda estava brilhante e uniforme.
— Oi, Jane. — Eu a abracei.
Quando eu era criança, Jane cuidou de mim algumas vezes
quando minha mãe começou a namorar seu futuro terceiro marido
(mais tarde viraria seu terceiro ex-marido). A carreira de Jane como
babá terminou no dia em que encontramos um cachorrinho perdido
no parque. Jane embrulhou a criatura relutante na sua jaqueta numa
tentativa equivocada de resgate. Quando nós voltamos para o meu
quintal da frente, a raivosa bola de fúria saltou da sua jaqueta e
prendeu os dentes no meu braço esquerdo. Eu gritei. Jane gritou
ainda mais alto. Um dos meus vizinhos ouviu o barulho e pulou a
cerca para vir até nós. Depois que o vizinho afastou o “cachorrinho”,
o cachorrinho correu e ele perguntou por que raios nós estávamos
brincando com um coiote. Jane hiperventilou e eu precisei tomar
uma série de vacinas contra a raiva. Minha mãe não estava feliz.
— Nash me contou o que aconteceu. — Ela disse e eu deixei
cair as duas caixas de cereal que eu estava segurando.
Eu abaixei para pegá-las de volta e recompor a postura porque
eu tinha certeza que meu rosto estava ficando vermelho como
aquele tomate na mão da Jane. Eu não tinha pensado em Nash
como um linguarudo infeliz que contaria para sua própria tia suas
aventuras sexuais, mas eu já estive errada sobre as pessoas antes.
— Estou tão feliz que Colin está bem. — Jane continuou. —
Kevin e eu estávamos fora de casa na noite passada. Obrigada por
tudo que você fez por ele. E por Nash. Eu sei que meu sobrinho não
é sempre o cara mais fácil de se entender. Eu estou muito grata que
você estava lá.
Eu respirei mais fácil. Nash tinha contado a ela apenas sobre a
viagem no meio da noite para a emergência. Não a festa depois.
— Fiquei feliz por ter ido. — Eu disse, quase mordendo as
minhas palavras porque elas eram verdadeiras em mais do que um
jeito só.
Jane me estudou.
— Você está linda hoje.
Toquei meu cabelo.
— É legal da sua parte dizer isso.
— Radiante. — Jane concordou.
— O que?
— Você está radiante. Tem essa aura de serenidade satisfeita
rondando você.
— Novo produto de pele. — Eu disse, esperando que isso
colocaria um fim nessa conversa particularmente ameaçadora. Não
funcionou.
— Não. — Jane franziu a testa para mim do mesmo jeito que ela
olhou feio para aqueles tomates inadequados. — Não é isso. Tem
um brilho que vem de dentro.
Eu era ruim em manter a cara de paisagem. Jane ainda estava
me examinando como se minha testa estivesse tatuada com letras
que ela poderia ler.
E elas diziam: Eu transei com Nash Ryan. E eu gostei disso.
— A loja está reabrindo essa semana. — Eu disse como se isso
explicasse tudo.
Jane piscou.
— Que loja?
Honestamente, eu amava Jane mas, às vezes, a mulher era
idiota.
— A loja do Chris. Presentes de Hawk Valley.
Instantaneamente desejei que eu não tivesse trazido à tona o
nome do seu irmão morto. A expressão de Jane mudou.
— Certo. — Ela disse calmamente. — Era a loja do meu pai. Ele
costumava manter um pote de moedas e varas de doces no balcão.
Eu abracei as caixas do cereal favorito da Emma contra o meu
peito.
— A reabertura é sexta de manhã. — Eu disse. — Eu tenho
certeza de que Nash amaria se você desse uma passada lá.
Jane se animou.
— Você vai estar lá?
— Sim. Por pouco tempo, de qualquer forma. Eu tenho ajudado
Nash a resolver todos os detalhes. Ele vai falar com alguns dos
artistas locais que fazem trabalho para vender se eles têm algo
novo. Você tem pintado?
— Na verdade, não. — O olhar de Jane vagou pela porta de
vidro. — Eu costumava sempre olhar para as montanhas para me
inspirar. Eu não consigo mais fazer isso.
Eu olhei para onde Jane estava olhando. A cordilheira das
Montanhas de Hawk tinha sido um cenário amigável para qualquer
um que vivia aqui. Acho que eu não estava sozinha em suprimir um
tremor toda vez que eu olhava para ela agora.
Eu não poderia ficar e conversar com a Jane por muito tempo.
Eu tinha passado aqui apenas para escolher o cereal de Emma
antes do meu encontro programado com Nash. Avenida Gardner era
uma longa e estreita faixa que levava ao centro da cidade.
Presentes de Hawk Valley ocupava um espaço bem do outro lado
da avenida, mas eu escolhi andar, inalando a promessa doce do
início do verão.
Tinha um novo aviso na porta da loja, bem em cima do que dizia
‘FECHADO’. As letras em negrito diziam “Presentes de Hawk Valley
vai reabrir sexta-feira, 8 de junho. Obrigada pelo seu apoio. ” Nash
deve ter colocado aquela placa ali.
Ele estava apoiado contra o balcão de saída, cotovelos
descansando na madeira lustrada de um jeito que sugeria que ele
tinha esperado por alguns minutos. Eu não estava atrasada. Nash
só estava tentando provar que ele estava no controle das coisas.
— Onde está Colin? — Eu perguntei quando uma parte básica
de mim mostrou um sobressalto involuntário. Eu tinha falado com
Nash algumas vezes desde que nos separamos na manhã seguinte,
mas essa foi a primeira vez que nós estávamos no mesmo cômodo
juntos desde que eu saí da sua cozinha dois dias atrás me sentindo
fabulosa e vagamente ofendida. Se eu parecia mesmo radiante
como Jane insistiu em dizer, então eu tinha que agradecer o Nash,
embora eu preferisse lamber o asfalto da Avenida Gardner a admitir
isso a ele.
— Nancy está cuidando dele. — Nash disse. Seus olhos
passavam por mim com uma precisão lenta. Sua camisa polo azul
estava um pouco acima do seu traje usual e seu cabelo preto estava
cuidadosamente arrumado em vez de despenteado e selvagem. Eu
poderia sentir o cheiro da sua loção pós-barba daqui. O perfume de
masculinidade picante que tinha sido projetado para fazer ovários
estremecerem.
— Isso é o café da manhã? — Ele perguntou, apontando para as
caixas que eu estava esmagando acidentalmente.
— Não. — Eu as coloquei numa prateleira próxima que estava
meio vazia. — Quando tem a ver com comida, é um desafio para
Emma. Às vezes essa é a única coisa que ela concorda em comer e
eu saí correndo essa manhã. Espere um momento. — Eu pensei em
alguma coisa. — Como você entrou aqui? Eu esqueci de te dar a
chave.
Ele deu de ombros.
— Eu encontrei outra.
— Onde?
— O cofre do meu pai.
— Como você conseguiu entrar no cofre?
— Ele deixou a combinação com Steve Brown como parte das
instruções do testamento.
— Você viu Steve Brown de novo?
— Quantas perguntas você vai fazer essa manhã, Kat?
— Eu não sei. Quantas você deseja responder?
Nash se moveu do balcão e deu um passo na minha direção. Ele
estava me encarando de novo. Ele estava me olhando de um jeito
que me fazia esquecer coisas como decência e senso comum e o
fato de que eu era uma mãe solo que não deveria correr riscos. A
verdade era que eu estava pronta para esfregar um na mão dele se
ele estendesse.
— Você está linda hoje. — Ele disse em um tom rouco que me
segurou mais do que as palavras dele.
Eu alisei o balanço da minha saia com comprimento até os
joelhos.
— Eu tenho usado essa roupa por anos.
— É bonita.
— Nash. — Eu engoli. — Achei que nós tivéssemos concordado
que isso não aconteceria de novo.
— Você não gosta de elogios, Kat?
Ele estava a três passos de distância, me observando com um
interesse intenso. Ele sabia o que estava na minha mente. Ele sabia
que eu o queria e ele estava me fazendo admitir isso.
— Eu gosto de elogios. — Eu sussurrei.
Nash estava satisfeito.
— Do que mais você gosta?
—Eu acho que você descobriu uma ou duas coisas.
Ele concordou.
— Ou mais.
Minha boca se contraiu.
— Sabe, eu não vim aqui para um encontro.
— Que coincidência! Eu também não.
Eu respirei calmamente. Eu tinha que lembrar os meus motivos
para concluir que eu não deveria ter transado com Nash Ryan.
— Acho que a gente precisa criar umas regras básicas.
Motivo 1: Eu não tinha tempo nem disposição para estar
envolvida com ninguém agora.
— Acho que sim. — Nash disse.
— A gente realmente não precisava falar sobre isso na manhã
seguinte.
Nash chegou ainda mais perto. Sua camisa polo de filhinho de
papai estava em desacordo com a tinta passando por cima dos seus
braços fortes, que ele cruzou no seu peito largo enquanto me
observava.
— Vamos falar sobre isso agora.
Motivo 2: Nós somos amigos. Eu acho.
Eu forcei meu rosto a parecer sério.
— Ok, Nash. Você gosta de sinceridade, então eu vou dar a
você. Eu faria qualquer coisa por Colin e eu realmente me importo
com você também. Mas, nesse momento, eu não tenho um espaço
na minha vida para um relacionamento.
Ele sorriu.
— Eu não pedi por um, Kat.
Motivo 3: Isso poderia terminar mal e impactar Colin. E Emma. E
eu.
— Justo. — Eu suspirei. — Eu realmente valorizo sua amizade e
a outra noite foi incrível. Mas minha prioridade é a Emma.
— E a minha prioridade é o Colin.
— Então a gente está na minha situação.
Ele se fechou.
— Sim, estamos.
— Então não há nada mais a dizer.
Nash estava a centímetros de distância. Ele tocou o botão de
cima da minha blusa, empurrando a ponta do dedo para a dobra do
caseado.
— Não, não há nada a dizer.
Eu prendi a respiração. Ele tinha que ter ouvido.
— O que nós vamos fazer, Nash?
Ele pegou o botão, torcendo até que ele saiu.
— O que você quiser, Kat.
Motivo 4: Nenhum dos motivos anteriores importavam droga
nenhuma.
— Você sabe o que eu quero. — Eu admiti e esfreguei minha
mão contra o seu peito, descobrindo a sensação dos músculos sob
o tecido. — Sem aborrecimentos, sem complicações.
Ele desabotoou outro botão da minha blusa, dessa vez sem
arrancá-lo.
— Eu posso dar isso a você. Não sou um fã de aborrecimentos e
nem de complicações.
Minha mão passeava com calma, parando no cinto.
— Isso é só sobre duas pessoas que sabem como fazer a outra
se sentir bem. Eu acho que nós dois precisamos disso agora.
Nash moveu minha mão para baixo e eu podia sentir quão duro
ele estava.
— Eu acho que você está certa. — Ele sussurrou.
— Não tem nada de errado com isso.
— De jeito nenhum.
Eu mantive minha mão onde estava enquanto ele fez o pequeno
esforço de abrir o resto dos meus botões. Depois eu parei e me
livrei da blusa. Nash me observou e deu um assobio baixo.
— Eu já mencionei que você é totalmente maravilhosa? —
Depois ele sorriu de um jeito que ameaçava derreter meu coração
se eu tivesse alguma intenção de permitir que meu coração se
derretesse.
Eu puxei seu cinto, apreciando o jeito como ele me observava,
aproveitando quão atrevida eu me sentia.
— Eu quero ver você também. — Eu disse. Depois eu suspirei e
me virei. — Espere, a porta está aberta?
Ele tinha as mãos em mim, abrindo meu sutiã e me empurrando
em direção ao balcão até eu me chocar contra ele.
— Provavelmente. — Ele rosnou e agora ele estava atrás de
mim, empurrando minha saia e minha calcinha para baixo. Meus
seios derraparam do meu sutiã que estava aberto e rapidamente
encontraram o caminho até as mãos de Nash antes que eles fossem
esmagados contra o balcão quando ele me curvou. Minhas pernas
pareciam uma geleia, ameaçando a colapsar debaixo de mim
quando Nash abaixou a calça e provocou minha bunda com seu
pau. Isso era ridículo, francamente pervertido. Eu estava presa no
balcão de uma droga de loja de lembranças em plena luz do dia e
eu não podia pensar em nada que me faria sentir mais fantástica.
Eu me atirei contra ele e ele disse “Porra!” e colocou meu cabelo
para o lado, chupando meu pescoço enquanto suas mãos focavam
em abrir uma camisinha. Enquanto isso eu pulsava tanto que uma
brisa leve sobre o meu clitóris provavelmente me levaria ao
esquecimento. Eu precisava tanto gozar que eu estava quase
abaixando a minha mão e resolvendo a questão eu mesma.
Mas isso não era necessário. Nash afastou minhas pernas uma
da outra, encontrou o ângulo certo e se moveu com profundidade.
Ele estava seguindo por instinto o caminho que já conhecia quando
ia devagar e quando batia sem desculpas. Ele estava me ensinando
que nem todos os orgasmos são feitos do mesmo jeito. Os
espasmos poderosos que eu experimentei com ele tinham pouco
em comum com as ondas doces de prazer que eu conhecia antes.
Não me questionava o motivo de eu não ter força de vontade onde
Nash estava interessado.
O ritmo de seus empurrões ficou mais rápido, frenético, e nossos
corpos pulsavam juntos em pecado e suor. Eu o senti gozar com um
gemido e um tremor e um sorriso de vitória se estendeu no meu
rosto. Eu ainda estava lá quando nos separamos e começamos a
encontrar nossas roupas.
— Você parece divertida. — Ele comentou, deslizando sua cueca
primeiro.
Eu prendi meu sutiã.
— Eu gosto de ter o poder de levar o incrível Nash Ryan ao
limite.
Ele me olhou.
— Eu não sabia que eu era incrível.
— Minha vagina acha que é.
Ele riu.
— Você acaba comigo, Kat.
— Por que?
Nash puxou sua camisa sobre a cabeça.
— Você é todas as coisas em uma. Direita e safada e cuidadosa
e imprudente.
Isso me resumiu melhor do que ele sabia.
— Vou deixar você tentar adivinhar, Nash.
— Não estou reclamando. É uma combinação gostosa.
Eu coloquei minha saia e observei ele fechar o zíper da calça.
Ele me pegou olhando e sua expressão mudou.
— Tem certeza que está tudo certo com você? Sério, eu aprecio
tudo que você tem feito. Eu gosto de você e eu odiaria pensar que
eu estou te bagunçando ou estragando de algum jeito.
Eu coloquei minha blusa. O botão de cima se foi, puxado pelos
dedos de Nash e atirado em algum lugar fora de vista. Mas eu
abotoei os outros e coloquei minha blusa para dentro da saia.
— De longe eu estou certa de que a única coisa que está
bagunçada é o meu cabelo.
Eu fiz uma cena arrumando e colocando meus cachos rebeldes
no lugar.
Nash terminou de ajeitar as roupas em ordem e se apoiou contra
o balcão exatamente na mesma posição que ele estava quando eu
cheguei aqui.
— Você ainda quer ter essa reunião?
— Claro. — Eu peguei a bolsa que servia como uma carteira e
um porta-laptop e abri o computador portátil na bancada ao lado
dele.
— Vamos dar uma olhada nos relatórios sobre inventários e
partir daí.
1 3
A
C A P Í T U L O D O Z E
Nash
reabertura da loja foi muito melhor do que eu imaginei.
Metade das pessoas da cidade apareceu e todo mundo que
colocou o pé no lugar comprou alguma coisa, mesmo que
fosse um pacote de balas. Kat estava certa sobre o apoio dos
moradores.
Fiquei preso lá durante todo o dia, sacudindo as mãos e
cumprimentando as pessoas que chegavam com suas famílias para
me deixarem saber o quanto elas estavam felizes que essa loja
estava de volta aos negócios. Até mesmo pessoas que estudaram
comigo no ensino médio apareceram, incluindo algumas paixonites
que me xingaram na época por uma razão ou outra. Mas todas elas
tinham conhecido meu pai e, se as memórias que me envolviam
eram menos do que maravilhosas, elas não estavam mais
guardando rancores. Normalmente, eu não era bem o tipo de
pessoa carismática, simpática ou muito agradável, mas parecia bom
fazer parte disso, parte de uma coisa positiva.
Algumas pessoas perguntaram ansiosamente “Como está o
bebê? Como está Colin?” e eu assegurei a elas que o bebê estava
bem, que ele não estava aqui porque, depois de ter estado doente
recentemente, eu não achei que seria prudente deixá-lo exposto a
tantas pessoas. Elas concordaram com aprovação ao ouvir a
resposta e eu senti como se tivesse feito a coisa certa.
O tempo todo meus olhos se mantiveram procurando Kathleen
entre as pessoas que chegavam. Ela já tinha mencionado que ela
estaria em reuniões e sei-lá-o-que durante o dia, mas eu procurei
por ela do mesmo jeito.
Mesmo quefosse um momento muito inconveniente para ficar
duro, eu ficava sempre que ela entrava no cômodo.
Eu realmente pretendia que nossa primeira noite picante fosse
de uma vez só, um lapso de julgamento instigado por uma
montanha-russa emocional na qual eu entraria mais tarde. Contudo,
trabalhando meus demônios internos com a ajuda do corpo sexy da
Kat, me trouxe um senso de calma. Eu só esperava que ela
estivesse mesmo falando a verdade quando ela disse que ela não
estava procurando por nada mais do que amigos com benefícios.
Com todas as obrigações, eu estava fazendo malabarismos e sabia
que isso era tudo que eu poderia oferecer a ela.
Kathleen não apareceu, mas Kevin Reston fez uma aparição.
Desde que eu cheguei de volta à cidade, ele estava sempre
amigável o suficiente, talvez pelo carinho de Jane, talvez pelo do
meu pai, mas eu tinha a impressão de que ele não sabia o que
pensar de mim. Eu entendia. Depois de alguns cortes, ele
costumava se voluntariar para ajudar a treinar o time de futebol
americano e uma vez ele parou uma briga entre mim e Travis
Hanson, o zagueiro da escola. Kevin ganhou um olho roxo e um
nariz quebrado pelos seus próprios esforços.
— Você acabou de perder a Jane. — Eu disse a ele. — Ela
estava aqui há pouco tempo.
Ele assentiu.
— Eu sei. Nós nos encontramos para tomar café no fim da rua.
— Ela te mandou aparecer?
Ele sorriu.
— Sim.
— Bem, eu fico feliz que veio.
Kevin limpou a garganta.
— Você sabe, eu também estava pensando que nós poderíamos
sair e beber uma cerveja essa noite. Seu pai e eu costumávamos ir
ao Sheen na primeira sexta de todo mês.
Eu não bebi muito esses dias. Mas eu sabia que Kevin tinha sido
amigo do meu pai por muitos anos e sentia essa perda agudamente.
Além disso, eu estava certo que esse convite tinha sido estendido
para fazer Jane feliz e qualquer um que tente tanto assim deixar
minha gentil tia feliz merecia chegar num meio-termo.
— Eu tenho que encontrar uma babá para o Colin. — Eu disse.
— Ele está com a sua mãe hoje.
Kevin acenou com a mão.
— E você sabe que ela amaria ficar com ele por mais algumas
horas. Não tem nada que minha mãe prefira fazer em vez de cuidar
de bebês.
Era verdade que Nancy Reston tinha insistido várias e várias
vezes que qualquer hora que eu precisasse de uma babá, eu
poderia mantê-la no topo da lista. Aceitar favores de pessoas gentis
ainda era algo novo para mim.
— Tudo bem. — Eu vou ligar para ela e se ela estiver ok em
cuidar dele, você terá uma cerveja, cara.
Kevin puxou um sorriso.
— Encontro você no Sheen por volta das oito.
— Beleza. — Eu roubei uma caneca de “Felicidade de Hawk
Valley” de uma prateleira próxima. — E tenha uma dessas em casa.
Kevin aceitou a caneca de cerâmica.
— Obrigada. Nunca pude ter muitas.
Nancy Reston na verdade pareceu encantada quando eu liguei
para perguntar se ela poderia continuar com Colin até por volta das
nove da noite. Ela me disse para tomar o tempo que eu quisesse.
Terminei a ligação sentindo um pouco de culpa. Explorar Nancy e
Kathlen e qualquer pessoa mais que oferecesse ajuda não era uma
solução permanente. Eu teria de fazer um plano de creche se eu
realmente fosse administrar a loja do jeito que meu pai fazia. Eu
também estava julgando ser impossível lidar com duas carreiras,
além de criar uma criança. Eu já tinha falado com meus clientes que
eu não aceitaria mais novos trabalhos.
— Você precisa investir mais horas na loja. Algum dia o lugar vai
ser seu, Nash.
— Ah, foda-se a loja. Eu prefiro cortar a minha mão direita a ficar
por aqui e parecer um morador de Hawk Valley.
Memórias são coisas engraçadas. Elas podem hibernar
profundamente por uma década e depois te bater como um soco
nas entranhas, uma longa e esquecida informação que, por flashes
através da sua mente, sai de algum lugar e te deixa imaginando se
isso foi real.
— Com licença. — Disse uma voz. Pertencia a uma mulher
pequena de cabelo prateado que estava coberta com um xale
sedoso que parecia caro. — Quem pode me ajudar com a compra
daquela pintura ali?
Ela apontou para uma aquarela do nascer-do-sol das Montanhas
de Hawk. Uma das pinturas da Jane.
— Eu posso ajudá-la. — Eu disse.
A loja fechou às sete, mas eu fiquei por ali para agradecer aos
funcionários e cuidar de umas tarefas. Finalmente às quinze para as
oito, eu fechei as portas e desci a rua em direção ao Sheen.
Era o mesmo mal iluminado, pequeno e desagradável bar que eu
me lembrava ter ido um milhão de vezes quando eu era um garoto.
Porque era sexta à noite, estava bem lotado com um bando de
pessoas assistindo o jogo de beisebol na tela acima da cabeça do
garçom no bar. Outras jogavam um jogo de cartas. O jogo parecia
uma má ideia pela densidade de humanos dentro do lugar.
Kevin acenou para mim de uma mesa. Ele estava encarando
com outra pessoa.
Filho da puta.
Travis Hanson, o zagueiro da escola do ensino médio e o todo-
tempo-babaca não tinha cruzado a minha mente em anos e hoje ele
estava ocupando todos os tipos de espaço na minha cabeça.
Ele estava ocupando o lugar ao lado de Kevin.
Colei um sorriso no meu rosto e peguei a cadeira que restou. De
volta ao dia que Travis tinha sido um idiota que gostava de
machucar pessoas menores do que ele, mas talvez ele tivesse
mudado. Às vezes isso acontecia.
— Nash. — Ele disse, seu punho bateu no meu, como se nós
fossemos melhores amigos em vez de antigos arqui-inimigos.
— Ei, Travis. O que está pegando?
Tinha uma presunção desprezível no seu rosto. Ele abriu os
braços.
— Sou o dono do lugar agora.
— Não brinca.
— É. Meu pai me deu o dinheiro ano passado quando o velho
Sheen se retirou e se mudou para Tucson. Eu o assediei para me
dar uma merda de um acordo também. — Travis estalou seus dedos
carnudos e uma morena em uma saia jeans curta passou
lentamente do lado.
— Ei, doçura, você se lembra do Nash Ryan, certo? — Ele disse
enquanto descansava a mão na bunda da garota.
“Doçura” não parecia se importar com a atenção. Ela concordou.
— Eu me lembro de você, Nash. — Você era veterano quando
eu era caloura.
— Certo. — Eu disse. Eu não poderia me lembrar de ter posto os
olhos nessa garota na vida.
Travis bufou.
— Como se ele monitorasse isso. Nash nunca se importou se
elas eram muito novas ou muito velhas. O garoto chegava, essa é a
merda da verdade.
O comentário foi de um mau gosto inacreditável. Foi mais do que
uma indireta para mim. Era uma referência velada a antigos
rumores. Eu nunca tinha confirmado nada mas isso não importava
numa cidade pequena. Kevin lançou um olhar cheio de desculpas.
— Sinto muito pelo que aconteceu com a sua família. — A
garçonete disse. — Minha mãe conhecia Heather então ela estava
no funeral. Ela ainda estava chorando quando chegou em casa,
disse que a Terra tinha perdido um anjo quando Heather foi levada.
Levada. Isso fazia a situação soar ligeiramente esperançosa,
como se houvesse possibilidade da Heather retornar. Mas Heather
não voltaria de jeito nenhum. Ela morreu numa montanha com o
homem que a amava. Por um longo período, eu fiquei furioso com
eles dois. Mas agora era possível relembrar coisas nas quais eu não
tinha pensado há muito tempo, por exemplo como a Heather
costumava pagar contas de almoço inadimplentes para crianças
durante a sua breve carreira trabalhando no escritório de frente com
o colégio. E a época que ela comprou flores para uma colega de
classe que estava desesperada depois do seu cachorro ter sido
atropelado por um carro.
— Obrigado. — Eu disse. — Ela faz falta.
A garçonete ofereceu um sorriso gentil.
— Então, o que eu posso fazer por você?
— Qualquer coisa que você tiver na torneira está ótimo.
Eu não planejava beber mais do que alguns goles de qualquer
forma. Eu estava cansado, eu queria pegar Colin e a cena do bar
nunca foi minha escolha de ponto de encontro.
Travis claramente olhava para as costas da garçonete enquanto
ela andava.
— Essa é minha. — Ele disse orgulhosamente, como se ele
estivesse falando de um carro.
— Bom para você. — Eu disse com sarcasmo.
Ele deu um sorriso falso.
— E deixa eu te falar,tem uma boceta apertada ali que
acompanha uma bela bunda.
Eu não queria ouvir isso. Fitei o olho de Kevin. Ele pareceu
desconfortável.
No entanto, Travis não tinha terminado de falar.
— Mas ela gosta de falar demais e alto, então eu tenho que
manter essa garota na linha. — Ele arrotou.
Meu desgosto por esse garoto instantaneamente mudou do leve
para severo.
— Cuidado para ninguém decidir manter você na linha. — Eu
disse calmamente.
Travis olhou para mim, as camadas de dentro do seu crânio
burro evidentemente tentando decidir se eu estava ou não
brincando.
— Isso não seria bom. — Ele disse. — Achei que você já tivesse
aprendido essa lição antes, Ryan.
Minha mão se enrolou em um punho sob a mesa.
— Pelo que eu lembro, você sangrou muito naquele dia, Hanson.
Kevin tossiu.
— Com certeza eu sangrei muito mais do que qualquer um de
vocês. — Ele disse, naturalmente bem-humorado. — Meu nariz
ficou torto desde então.
— Desculpa por isso. — Eu disse, mantendo meus olhos no
Travis, que encarava de volta com o olhar vazio de um homem que
perdeu uns parafusos.
— Está ok. — Kevin disse. — Minha esposa diz que me deixa
jovial.
A garçonete voltou e colocou minha cerveja em cima da mesa.
— Obrigado, doçura. — Travis disse, dando a ela outra sensação
detestável.
Eu estava cansado desse cara, cansado de estar aqui. Se eu
ficasse por perto por muito mais tempo, eu arrumaria problema.
Felizmente, o barman apareceu e silenciosamente disse alguma
coisa para o Travis sobre o fornecimento de uísque.
Travis franziu a testa.
— Todo mundo é inútil. — Ele resmungou, saindo da cadeira. —
Vou ter que resolver isso.
— Leve o tempo que quiser. — Eu disse e Travis fixou seu olhar
em mim.
Ele obviamente estava considerando a ideia de me mandar sair
da merda do bar dele. Eu não ficaria triste se ele fizesse isso.
Mas ele só me deu um sorriso frio e disse:
— Bom ver você, Nash. — Seu tom implicava o contrário.
— Que imbecil. — Eu disse quando ele tinha saído.
Kevin riu.
— Ele não é mole não.
— Não posso acreditar que Sheen vendeu o bar para esse cara.
— É. — Kevin fez uma careta. — Ouça, desculpa por ter te
arrastado para cá. Eu esqueci que antigas rixas podem ser duras.
Kevin não estava tentando ser profundo. Ele só estava falando
sobre o fato de Travis e eu ainda desprezarmos um ao outro. Mas
eu estava pensando no meu pai. Nunca nos demos bem. Nós
éramos mistérios desagradáveis para o outro e depois da morte da
minha mãe, o sentimento apenas inflamou.
Com Travis fora do caminho, Kevin e eu éramos capazes de ter
uma conversa agradável. Ele sabia muito sobre o que eu tinha feito
desde a minha saída de Hawk Valley e eu só poderia adivinhar que
essa informação veio do meu pai. Eu me peguei imaginando o que
meu pai pensaria se ele me visse aqui no seu velho território,
bebendo uma cerveja com seu amigo e discretamente checando
meu relógio porque eu queria estar a caminho de pegar meu
irmãozinho.
Quando se aproximou das nove da noite, eu levantei e coloquei
umas notas na mesa.
— Você tem que ir? — Kevin perguntou.
— Acredito que sim. Colin é daqueles que levantam cedo.
Ele estendeu a mão.
— Ei, obrigado por ter ficado um pouco.
— Obrigado por ter me chamado.
Ele sorriu. De volta a quando ele ajudou a treinar o time de
futebol e eu era uma defesa com uma atitude de merda, Kevon
Reston tinha parecido velho e tão interessante quanto uma parede
sem pintura. Eu estava errado. Kevin realmente era um cara
maneiro. Eu estava feliz que ele e Jane se encontraram.
Enquanto eu saía da mesa, parecia que Kevin ficaria por mais
um tempo e cuidaria da cerveja que estava na sua mão.
— Chefe, — Alguém berrou perto do alvo do jogo de dardos. —
por que você não vem aqui e mostra para gente como se faz?
Kevin pegou a cerveja dele e levantou acima da cabeça.
— A caminho.
Antes de sair, eu peguei um desvio para o lavabo masculino. Eu
mal toquei na minha cerveja, mas minha bexiga está cheia da
garrafa de água que bebi antes de chegar aqui.
Eu estava lavando minhas mãos na pia quando eu pensei ter
ouvido um grito. Eu desliguei a torneira e escutei. Isso, inconfundível
sob a música do bar e a grosseria das vozes dos clientes, era o som
da voz de um homem gritando com fúria. Estava vindo do outro lado
da parede e eu pude pegar umas palavras.
— Porra, te falei (murmúrio) a merda do pagamento (murmúrio).
A voz da resposta era mais baixa, mais aguda. Uma mulher.
— Desculpa. Achei que tivesse levado.
— Era seu trabalho, porra!
— Desculpe!
— Puta.
Teve um som de uma batida seguida de um choro agudo e eu
tinha ouvido o suficiente. Saí rapidamente do banheiro e pela porta
mais perto, onde eu encontrei a garçonete de antes soluçando com
as mãos no rosto enquanto Travis Hanson pairava sobre ela com a
cara vermelha e as veias do pescoço salientes.
Embora eu soubesse que era o Travis, por um turvo segundo de
raiva cega, eu não o enxerguei. Eu vi o homem que eu sempre via
nos meus pesadelos, o homem que não ficava satisfeito em livrar o
mundo da sua própria vida, então ele tinha que pegar mais. Eu vi o
marido da minha mãe.
Eu não pensei. Eu me lancei. O rosto de Travis teve tempo de
registrar um olhar de surpresa antes de eu agarrá-lo pela garganta e
o jogar na parede próxima forte o bastante para rachar a superfície.
— Que porra — Ele gaguejou e a garota gritou.
Eu estava pronto para fazer mais, para socar até sangrar, mas
de repente existiam braços na minha cintura, me empurrando para
trás enquanto vozes exclamavam no fundo.
— Nash, pare com isso! — Kevin berrou e aquilo me fez parar de
tentar me livrar.
Enquanto isso, Travis tinha se recuperado da colisão contra a
parede e estava pronto para atacar. A garçonete corajosamente se
colocou no meio, lançando olhares horríveis na minha direção e de
volta para Travis.
— Por favor, parem. — Ela disse e ela não estava falando com o
namorado. Ela estava falando com nós dois.
Kevin não tinha desistido de mim ainda.
— Você acalma essa merda.
Eu era maior, mais forte e poderia facilmente sacudi-lo, mas não
o fiz. Eu concordei e Kevin relaxou o apertão.
— O que foi isso? — Kevin perguntou em uma voz imponente,
uma voz que costumava usar para ter suas perguntas respondidas.
Eu olhei para trás de mim e vi alguns rostos curiosos olhando da
porta. Kevin também percebeu e os espantou.
Travis olhou.
— Minha funcionária gritou. Eu fui um pouco duro com ela, só
isso. E depois esse palhaço veio me atacando como se ele
estivesse em uma fúria de esteroides e começou a destruir o lugar.
— Você ainda é um saco de merda mentiroso, Hanson. — Eu
cuspi.
— Chega! — Kevin se virou para a garota e sua voz ficou mais
gentil. — O que realmente aconteceu, Alyssa?
Alyssa tocou a bochecha avermelhada, mais perto do lugar que
Travis bateu. Ela evitou meu olhar e encarou o Travis.
— Eu esqueci de fazer um pedido de um uísque. — Ela disse.
Ela engoliu. — Travis estava certo por ficar bravo e às vezes ele
grita.
— Isso é tudo? — Kevin cutucou.
— É sim.
— Ele te bateu. — Eu disse.
Ela balançou negativamente a cabeça mas ainda não olhava
para mim diretamente.
— Não.
— O único agindo como um psicótico aqui era você. — Travis
rosnou. — Agora dá o fora daqui antes que eu decida ser
imperdoável e revidar.
Os olhos de Alyssa encontraram os meus e depois mudaram
rapidamente. Ela podia estar assustada. Ou ela poderia ter o mau
hábito de inventar desculpas para um cara que a enganava como se
ele se importasse. De qualquer forma eu não poderia ficar bravo por
ela mentir.
Kevin estalou os dedos e saiu do lugar.
— Vamos, Nash. — Seu tom indicava que não havia espaço
para uma discussão.
Travis sorriu amarelo. Alyssa olhou para o chão.
Eu ia desistir e seguir Kevin para fora quando eu mudei de ideia
e me aproximei de Alyssa.
— É isso o que ele faz. — Eu disse num tom baixo. — O tipo
dele não para.
— Sai fora, porra! — Travis berrou.
Eu teria ficado feliz em bater nele de novo se Kevin não tivesse
voltado e me empurrado fisicamente em direção à porta, saindo do
corredor escuro e para fora pela porta de trás que levoua uma viela
atrás do Sheen.
— Beleza. — Eu resmunguei, me livrando do apertão.
— Que porra foi aquela, Nash? Revisitando velhas rivalidades?
Eu olhei para ele.
— Ele bateu naquela garota.
— Não foi o que ela disse.
— Mas essa é a verdade.
— Você viu isso acontecer?
— Não. — Eu admiti. — Mas com certeza soou como ele
atacando muito forte.
Kevin exalou fazendo barulho.
— Então é isso que você faz ainda? Se move primeiro, pensa
depois?
— Eu não podia não fazer nada, Kevin.
— Não, você nunca pode.
Eu comecei a andar na direção da rua onde eu estacionei.
— Nash!
Eu continuei andando.
— Eu tenho que ir buscar o Colin.
— Eu não acho que seja uma boa ideia agora.
Eu girei.
— Você está me zoando? Você inventa desculpas para Travis, o
Idiota mas decidiu que eu sou perigoso?
Kevin levantou uma mão.
— Eu acho que você deveria ir para casa e se acalmar.
— Estou calmo.
Ele olhou para baixo.
— Seus punhos estão cerrados.
Eu olhei para baixo. E daí se eles estavam fechados? Eu os
relaxei.
Kevin suspirou.
— Nash, está tarde e você não está num bom estado de espírito.
Por que você não deixa o bebê com a minha mãe essa noite e
começa de novo amanhã.
Eu parei. Colin já tinha ido dormir. Talvez fosse melhor para ele
que ficasse lá essa noite em vez de prejudicar seu sono.
— Ok. — Eu disse, preferindo atender a isso.
— Bom. — Kevin concordou. — Eu vou enviar uma mensagem
para minha mãe para ela saber.
— Obrigado.
Kevin me olhou firme silenciosamente na escuridão. Um carro
esportivo passou rapidamente pela Avenida Gardner e algum
adolescente gritou para fora da janela.
— Que merda te levou de volta a isso, aliás? — Ele queria saber.
— Eu pensei que você tivesse crescido um pouco.
Eu não tinha resposta para isso. As palavras teriam doído menos
se elas tivessem vindo de um homem que eu pouco respeitava. Eu
o deixei parado lá, encontrei minha camionete e deixei o pequeno
mundo do centro da cidade de Hawk Valley para trás. Eu dirigi por
todo o caminho até minha casa antes de perceber que eu estava
muito tenso para entrar em uma casa vazia e encarar minhas bolas
a noite inteira. Em vez de desligar o motor, eu me distanciei do freio.
O duplex onde Kathleen morava não era muito longe. Eu
apaguei os faróis quando eu ainda estava há algumas casas de
distância e estacionei a camionete no parque. Tinha uma luz no
cômodo da frente da casa de Kathleen. O relógio estava parado às
dez da noite, não era um momento adequado para bater na porta de
alguém, muito menos numa onde uma criança pequena vivia. Mas
eu lembrava da Kathleen dizer que ela era uma coruja, então eu
peguei meu celular e ia enviar uma mensagem a ela quando eu vi
uma movimentação por trás da cortina da cozinha.
Eu guardei o celular e pulei para fora da camionete, me
aproximando da porta e sentindo uma sensação de déja vu. O
primeiro e único momento em que eu estive na casa da Kathleen foi
na noite que eu cheguei à Hawk Valley, quando eu ainda estava
entorpecido por uma nova e terrível perda.
Eu bati levemente na porta para o caso da filha dela estar
dormindo. No segundo que fiz isso, eu percebi que aparecer à essa
hora da noite podia ser entendido do jeito errado. Eu não tinha vindo
aqui tarde da noite para convidar para uma noite de loucuras. Eu só
queria conversar com alguém.
Mas de repente a porta se abriu e lá estava Kathleen me
encarando com surpresa.
Não, eu não queria conversar com alguém. Eu queria conversar
com ela.
— Nash. — Ela olhou para as minhas mãos vazias. — Está tudo
bem? Onde está Colin?
— Ele está bem. — Eu disse. — Ele está com a Nancy.
Kathleen deu um passo para trás.
— Entre. — Ela estava vestindo uma blusa cinza leve que ela
provavelmente usava para dormir e ia até metade de seus joelhos.
Eu me perguntei se ela estava usando alguma coisa por baixo. Pelo
jeito como as suas curvas macias estavam contornadas debaixo do
tecido, eu duvidava disso.
— Desculpe por aparecer tão tarde. — Eu disse, dando uma
olhada no pequeno mas confortável ambiente. — Eu gosto da sua
casa.
Ela fechou a porta.
— Você já esteve aqui antes.
— Eu sei.
Kat olhou ao redor e fez uma careta.
— Eu vou me mudar em breve. O dono acabou de me informar
que ele pretende vender a propriedade até o final do verão.
Eu coloquei minhas mãos nos meus bolsos.
— Isso é muito ruim.
— Nash, — Ela disse. — o que está errado?
Havia muitas coisas erradas. E eu não poderia atirar todas elas
em cima da pessoa que podia ser a melhor amiga que eu tinha
agora.
Eu parei no meio da sala e encarei um pequeno quadro da
pintura de uma íngreme estrada montanhosa que estava vazia. Era
bem o estilo da Jane e com certeza havia sua assinatura
característica no canto do quadro.
— Eu espero que eu não tenha acordado Emma. — Eu disse.
— Você não acordou. — Kathleen confirmou e sentou no sofá
com as pernas dobradas debaixo dela. — Sinto muito por eu não ter
conseguido ir à reabertura da loja hoje. — Ela esfregou os olhos. —
Tudo estava uma loucura. Eu tinha um grande projeto oportuno, três
compromissos com clientes e eu tive que pegar Emma mais cedo na
escola porque ela teve uma dor de estômago.
— Ela está melhor?
— Ela está bem. Eu a levei à pediatra só para ter certeza. —
Kathleen me estudou, provavelmente porque eu estava
estranhamente parado no meio da sua sala de estar às dez da noite.
— Sente-se.
Eu me plantei na borda do sofá. Deitar minha cabeça no colo da
Kathleen era tentador. Ela esperava que eu dissesse alguma coisa.
Em algum lugar da casa, um relógio marcava os segundos que
passavam.
— Eu bati em uma pessoa. — Eu disse.
Seus olhos arregalaram.
— Em quem?
— Travis Hanson.
Ela fez uma careta como se o som do nome doesse seus
ouvidos.
— Por que?
— Isso não importa. Ele mereceu, mas esse não é o ponto. Eu
lidei mal com a situação. Eu tenho lidado mal com as coisas há um
tempo. — Eu parei e pensei sobre o que eu queria dizer. — Eu
nunca contei isso a ninguém, mas tinha sinais, Kat. Coisas que eu
deveria ter melhorado.
— O que você quer dizer?
— Eu quero dizer que às vezes ela me levava para a escola e eu
percebia hematomas nos braços dela. Ou quando ela me pegava
tarde em algum lugar e seus olhos estavam vermelhos de tanto
chorar. Ela sempre me dizia que não era nada. Ela inventava
histórias sobre ter assistido um filme triste ou ter se machucado em
algum equipamento de ginástica na academia. Eu deveria ter feito
alguma coisa. Mas eu não fiz nada.
— Ah. — Kathleen tocou meu ombro. — Você está falando da
sua mãe.
Eu soltei uma respiração profunda e permiti que as memórias me
inundassem de volta.
— Ela começou a ver Paul apenas alguns meses antes de eles
se casarem. Eu me lembrava de pensar que tinha alguma coisa
errada com o cara, mas eu não juntei os pedaços, não pensei que
alguém ouviria, de qualquer forma. Eu era um adolescente
rabugento com uma atitude de merda, então claro que eu não
gostava do novo marido da minha mãe. Eu estava tão acostumado a
ser o centro das atenções dela. Sempre fomos só nós dois. Claro
que eu passei alguns verões e férias com meu pai, mas nós nunca
tínhamos sido muito próximos.
Kathleen não disse nada. Ela apenas manteve sua mão onde
estava no meu ombro, um gesto gentil para me lembrar que ela
estava ali, que ela se importava.
— Chris Ryan não era um homem que via muito valor em sentar
e conversar sobre sentimentos, mas, no começo, antes disso
acontecer, ele tentou fazer eu me abrir. Ele disse que a raiva poderia
me comer vivo se eu deixasse. Ele estava certo. Eu nunca permiti
que ninguém chegasse muito perto. Você lembra como eu era, o
quanto eu costumava brigar na escola no ensino médio. Eu ainda
estou lutando, Kat. Eu nunca parei.
Eu levantei o olhar para encontrá-la me encarando com olhos
preocupados que se arrastaram para as minhas mãos. Eu sabia o
que ela estava pensando. Na noite que eu cheguei na cidade, os
nós dos meus dedos ainda estavam feridos e crus por distribuir
minha própria marca de justiceiro vingativo. Mas eu não estava
pronto para contar a ela sobre isso. Eu já tinha contado a ela mais
do que eu deveria.Eu me levantei, sentindo uma necessidade súbita de dar o fora
daqui, ficar longe da análise de Kathleen antes que ela visse mais
do que eu queria que ela percebesse. Ela agarrou meu braço, me
puxando de volta para o sofá. Eu cedi, recuperando meu lugar e
depois diz a coisa que eu mais queria, a coisa que eu nunca fiz com
ninguém. Eu descansei minha cabeça no seu corpo macio e deixei
que ela me confortasse.
“Eu pensei que você tivesse crescido um pouco.”
Eu não poderia parar de ouvir as palavras de Kevin. Ele estava
certo e eu precisava melhorar. Eu tinha um garotinho para criar e
proteger. Era o momento de perceber que em algumas coisas eu
não tinha crescido. Em algumas coisas, eu ainda era aquele garoto
de catorze anos atormentado pela culpa e pelo sofrimento porque,
na minha cabeça, eu tinha falhado. Eu tinha falhado em defender a
pessoa que significava o mundo para mim. Eu não poderia viver
com esse tipo de fracasso de novo.
1 4
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Kathleen
ntes de eu encontrar Nash na porta da frente, a minha
paranoia tinha conseguido o melhor de mim. Eu me sentia
nervosa, ao menos doente, atormentada pelo pensamento
consistente de que eu estava sendo vigiada, apesar de as cortinas
estarem fechadas e de o único som no apartamento ser o tic-toc de
um relógio velho.
Emma ficou chorando quando eu a peguei mais cedo na escola.
Como qualquer mãe, as lágrimas da minha filha eram como cortes
de faca direto no meu coração. Mas hoje tinha alguma coisa a mais
no jeito que ela estava amassando seu rostinho durante o choro que
me fez sentir ainda mais ansiosa do que o normal. Ela parecia muito
com o pai quando ela chorava.
Eu a levei à pediatra, embora não houvesse nenhum mistério
médico. Uma das crianças tinha levado rosquinhas para comemorar
o aniversário e Emma tinha comido mais do que a sua parte. Ela
acabou vomitando por toda a mesa repleta de lápis de cera, mas ela
já estava se sentindo melhor desde que chegamos em casa. Eu dei
a ela uma água tônica e torrada comum e nós assistimos episódios
dos seus desenhos preferidos.
Horas seguintes, depois que ela caiu no sono, a sensação
incômoda não me deixava e eu sabia que isso não tinha nada a ver
com o incidente estomacal da Emma. Essa manhã eu quase deletei
um e-mail recebido na minha conta de trabalho de um endereço que
não reconheci. Achei que fosse spam, mas senti vontade de abrir.
Kat,
Tem muito tempo. E eu preciso conversar com você.
Harrison
O medo pode surgir na corrente sanguínea em um instante. Meu
estômago revirou e meu coração começou a acelerar. Eu encarei o
e-mail e depois o deletei. O escritor não tinha nenhum direito sobre
mim e ele sabia disso. Nós tínhamos terminado mesmo antes de eu
fazer qualquer coisa que pudesse soar imperdoável, se eu contasse
toda a história. Só havia duas pessoas no mundo que sabiam e uma
delas estava morta. A outra me odiava. O sentimento era mútuo.
Mas não era apenas a sombra de preocupação que estava me
roendo enquanto eu percorria os cômodos silenciosos da minha
casa.
Também havia um fantasma. Anos atrás, ele tinha feito amizade
comigo, me consolado e me assegurado de que eu merecia mais do
que um cara que traía e me tratava como sujeira. Ele fez tudo isso
mesmo estando desmoronando sob o peso de seus próprios
demônios.
Enquanto a Emma crescia, ela parecia mais e mais como o seu
pai. Às vezes quando eu via o rosto da minha filha, era como se ele
estivesse implorando para ser reconhecido. Eu nunca tinha
confirmado e nem falado seu nome desde o dia de seu funeral. Eu
tenho contado a mesma mentira desde que voltei à cidade de Hawk
Valley. Minha mãe não sabia. Eu não tinha contado nem mesmo a
Heather.
Eu estava ciente de que as maiores mentiras possuíam uma
grande parcela da sua vida. Eu estava ciente de que algum dia
Emma perguntaria sobre seu pai. E depois eu não seria capaz de
mentir por mais tempo.
Eu estava andando pela sala de estar, perdida nos meus
próprios pensamentos confusos, quando uma leve batida me
assustou. Com alguma cautela, eu olhei através do olho mágico e
depois soltei o ar com alívio quando reconheci a pessoa do outro
lado da porta. Ele era o único adulto que eu não me importaria de
lidar agora.
Tinha algo de errado com ele hoje. Eu percebi isso
imediatamente e era gratificante que não tinha nada a ver com
Colin. Mas eu não estava preparada para as coisas que ele disse,
para o jeito como ele permitiu que eu o recolhesse nos meus braços
e o segurasse.
Nash Ryan não era um homem que compartilhava seus
sentimentos avidamente. A história que ele me contou sobre sua
mãe era de partir o coração. Carregar o fardo daquela culpa imensa
por tanto tempo o destruiu em algum nível, o tinha levado a
prosseguir com uma vida isolada na qual ele ainda estava lutando
em muitas batalhas que só existiam na sua mente. Nash tinha
revelado a mim o lado mais vulnerável de si mesmo e eu não sabia
o motivo, mas eu ainda tinha a sensação de que ele estava se
contendo.
Eu perdi toda a noção do tempo enquanto ficávamos no sofá
com os braços ao redor um do outro. Mas o som de pequenos
passos se arrastando pelo cômodo desfez o abraço.
— Mamãe? — Disse Emma, coçando seus olhos com o pato de
pelúcia chamado Sr. Ford balançando em uma mão.
Nash já tinha se movido para o outro lado do sofá. Eu alisei
minha roupa de dormir para baixo e gentilmente me dirigi à minha
filha.
— O que há de errado, amor? Sua barriga ainda dói?
— Não. — Emma se colocou entre eu e Nash no sofá. Ela
chutou seus pequenos pés descalços e franziu a testa. — Eu tive
um sonho.
— Um sonho ruim?
Emma sacudiu a cabeça e eu tirei uma mecha do seu cabelo
castanho do rosto.
— No meu sonho, eu tinha um cachorro.
— Um cachorro? — Eu toquei a cabeça da minha filha e sorri.
Emma tinha uma obsessão por ter um cachorro desde que
conheceu a Roxie. — Isso parece um sonho bom.
— Foi mesmo. — Ela disse e bocejou.
Nash estava observando a Emma em silêncio, mas eu vi que ele
estava entretido.
Emma o notou de repente.
— Por que você está aqui?
— Emma. — Eu disse, limpando minha garganta para ganhar
tempo. Eu nunca trouxe homens para conhecer Emma, o que
geralmente não era um problema porque meus encontros tendiam a
acontecer duas vezes ao ano. — Nash só passou para dizer oi.
— É por isso que você estava abraçando ele?
Nash pegou o meu olhar.
— Eu estava triste. — Ele disse a Emma. — Sua mãe estava
sendo legal, tentando fazer eu me sentir melhor.
— Você está?
— Estou o que?
Ela suspirou e cruzou os braços, um gesto que ela pegou de
mim.
— Você está se sentindo melhor?
Ele estava tentando não rir.
— Sim. Eu me sinto muito melhor.
— Por que você não trouxe a Roxie?
— Está tarde. Ela estava cansada.
— Ei. — Eu cerquei meu braço ao redor dos seus ombrinhos. —
Falando em cansaço, você não está cansada, pequena miss?
— Não. — Disse Emma, mas ela bocejou de novo. Ela franziu o
nariz e espiou o Nash. — Você deveria ter trazido a Roxie. Ela
poderia dormir na minha cama.
Nash sorriu.
— Roxie teria gostado disso.
Emma assentiu.
— Eu sinto falta dela.
— Acho que ela sente sua falta também.
— Mamãe, posso vê-la agora? — Ela olhou para mim com uma
expressão de súplica que era difícil resistir.
— Agora não, Em. Você precisa descansar.
— Vamos fazer assim, — Nash disse, inclinando-se para a frente
como se ele fosse contar um segredo. — Você pode ir vê-la a
qualquer momento.
— Amanhã? — Emma disse, esperançosa.
— Uh.. — Nash disse, olhando de relance para mim. — Por mim
tudo bem se estiver ok para a sua mãe.
— Você vai trabalhar na loja amanhã? — Eu perguntei a ele.
— Não. Eu posso revisar os pedidos das mercadorias em casa
enquanto cuido de Colin. Eu promovi Betty a subgerente e o cara
novo que você encontrou nos anúncios vai trabalhar para cobrir os
espaços no meio período.
Isso me lembrou de uma coisa.
— Aliás, obrigada por contratar Todd. — Eu disse. — Ele é o filho
de uma amiga da minha mãe. As pessoas nem sempre dão uma
chance a ele porque elas acham que ele é lerdo. Mas ele trabalha
pesado e ele vai fazer um bom trabalhopara você.
— Tenho certeza que ele vai.
— Que horas? — Emma falou alto.
Quando nós olhamos confusos, ela deixou sair um dos suspiros
que diziam “não acredito que vocês, adultos, são tão tontos” e
abraçou seu pato de pelúcia.
— Que horas eu posso ver a Roxie?
Nash arreganhou um sorriso.
— Vamos ver.
— O que isso significa?
— Urso-Emma. — Eu disse, empurrando-a para fora do sofá. —
Vamos falar sobre isso amanhã, ok? Nesse momento você precisa
voltar para a cama.
Emma resistiu por alguns segundos, mas depois ela pulou do
sofá e começou a andar de volta para o seu quarto.
— Volto em um minuto. — Eu disse a Nash.
Eu segui Emma de volta ao seu quarto e coloquei as cobertas ao
seu redor enquanto ela bocejava e fechava os olhos.
— Bons sonhos, rostinho de anjo. — Eu disse, beijando o topo
da sua testa.
— Com cachorros. — Ela disse em um sussurro e, segundos
depois, suas pálpebras começaram a se fechar. Ela não costumava
acordar no meio da noite e eu estava confiante que ela continuaria
dormindo agora.
Minha garotinha não me viu enviar um beijo a ela da porta do
quarto antes que eu fechasse a porta atrás de mim, mas eu gostei
de pensar que ela poderia, de alguma forma, sentir o amor mesmo
que estivesse sonhando.
Nash ainda estava sentado no sofá exatamente onde eu o
deixei. Eu não tinha certeza de que ele estaria. Seus olhos vagaram
pelo meu corpo com uma ousadia tão calorosa que meus mamilos
formigaram. E eu não sabia que era possível ter uma reação dessa
com um olhar de dois segundos.
— Eu deveria ir. — Ele disse, levantando.
Eu me inclinei contra a parede.
— Você não precisa.
Ele parou, depois espiou na direção do quarto da Emma e se
dirigiu à porta.
— Por que você não me envia uma mensagem amanhã quando
você e Emma estiverem prontas para sair?
— Farei isso.
Nash virou e me encarou.
— Obrigada, Kat.
Eu não queria que ele fosse embora. Mas as palavras estavam
na minha língua.
— Não tem nada para agradecer, Nash.
Ele ainda estava me encarando. Sua mão estava na maçaneta e,
de repente, ele sorriu.
— Sabe, eu estava pensando numa coisa mais cedo. Uma coisa
que pode parecer um pouco patética.
— Tenho certeza que não é patética.
— Você poderia discordar se você soubesse o que era.
— Tente.
— Eu estava pensando esses dias que você deve ser minha
melhor amiga.
A declaração poderia ser uma homenagem fofa. Ou poderia ser
uma coisa extremamente sexy para ouvir em certas circunstâncias.
Essa deve ser uma das certas circunstâncias.
— E você deve ser o meu. — Eu disse.
Nossos olhos se prenderam. Nash hesitou, depois assentiu
como se ele estivesse chegado a uma decisão relutante.
— Boa noite. — Ele disse e saiu abruptamente.
Agora era a minha vez de suspirar. Eu não tinha direito de me
sentir desapontada. Talvez Nash achasse que a atmosfera da noite
tivesse ficado muito íntima e nós tivéssemos borrado a linha além
do prazer físico, além da proximidade de uma amizade
relativamente nova.
Eu fui confirmar se a porta estava trancada, verificando o olho
mágico como sempre. O vidro distorcido me mostrou que Nash não
tinha saído. Ele estava de pé no olhar forte da luz da varanda, as
costas curvadas como se ele estivesse analisando a rua.
Ele não se moveu quando eu abri a porta e me juntei a ele do
lado de fora, fechando a porta atrás de mim silenciosamente.
Tinha um frio no ar, o restante de uma brisa gelada que às vezes
descia das montanhas e permanecia por um tempo antes de ir para
a umidade do verão. Eu fiquei de frente para ele descalça e levantei
meus braços, enrolando-os ao redor dos seus ombros largos. Eu
nunca tinha ficado pequena como uma criança. Na vida adulta, eu
não era tão pequena e delicada. Muitos homens eram menores do
que eu. E toda vez que eu estava com Nash, eu ficava fascinada
pelo tamanho dele. Ele tinha mais de um metro e noventa, com
camadas de músculos, e era inebriante quando ele enrolava meu
corpo com seus braços poderosos. O jeito que ele estava fazendo
agora, rodeando minha cintura, me puxando contra o seu corpo, me
forçando a suprimir um gemido quando minha camisola subiu e eu o
senti através da minha calcinha.
— Me beija. — Eu sussurrei.
Primeiro Nash me tirou do olhar da luz da varanda. Eu senti que
minhas costas fizeram contato com a parede bem ao lado da janela
da cozinha e sua boca se chocou contra a minha com uma vontade
faminta. Eu sabia que essa área era escura, que nós não seríamos
vistos. Meu vizinho mais próximo morava do outro lado do prédio. A
rua estava quieta. Não havia ninguém para testemunhar o jeito
como eu instigava suas mãos a continuarem explorando por baixo
da minha camisola fina. Ninguém poderia ver como eu esfregava
meu corpo sensível com um ritmo sem vergonha na direção dele,
que poderia me levar ao limite se eu continuasse. Minha calcinha
estava úmida quando ele a retirou dos meus quadris e soltou seu
cinto. Eu faria isso. Eu não tinha nenhuma vontade de me afastar.
Abri minhas pernas para ele ansiosamente bem aqui do lado desse
prédio como uma lunática louca por sexo. Eu o queria muito.
Mas depois eu estava com as minhas pernas em volta da sua
cintura, sacudindo contra ele como um animal selvagem no cio no
vento frio da noite e descaradamente se favorecendo da fricção das
roupas, da pressão das suas mãos que amassavam minha carne e
da sensação tentadora do seu pau duro que ainda estava dentro da
cueca box.
— A oferta ainda está de pé? — Ele me desafiou quando eu
ainda estava tentando recuperar o fôlego.
— Que oferta?
— Você disse que eu não precisava ir.
Eu dei beijos suaves no seu maxilar.
— Ainda está de pé.
— Você quer que eu fique?
— Sim.
— Sim o que?
— Sim, eu quero que você fique.
Nash tinha mais bom senso do que eu. Ele não trepou comigo
aqui em um canto da rua. Ele me levou para a minha cama, retirou
toda a roupa e passeou a sua boca por todos os lugares até eu
sacudir, estremecer e ser atingida por outro orgasmo poderoso. Eu
ainda estava me contorcendo no auge da intensidade e tentando
ficar quieta quando ele colocou uma camisinha, levantou meus
quadris e se empurrou para dentro de mim. Eu já tinha aprendido
uma coisa importante sobre ele. Nash nunca transava exatamente
do mesmo jeito duas vezes. Ele já tinha sido lento e gentil antes,
outras vezes provocador, e agora estava assim, o jeito como ele se
chocava contra mim com uma paixão feroz. Eu amava isso. Eu
amava tê-lo dentro de mim, se perdendo, ofegante quando gozava.
Depois disso, ele beijou meus seios, rolou sua língua pela minha
barriga e levantou a colcha até meu corpo nu antes de me enrolar
em seus braços.
— Você vai passar a noite? — Eu perguntei, pestanejando com a
pergunta. Eu não queria que ele ouvisse o quanto eu queria que a
resposta fosse sim.
— Eu adoraria. — Ele disse e beijou minha testa. — Mas eu vou
sair mais cedo, antes da Emma acordar. Agora durma, linda Kat.
No entanto, eu não dormi de imediato. Ele caiu num longo sono
calmo antes de mim. Eu estava muito ocupada encarando o teto
escuro e tentando resolver os pensamentos que estavam em
conflito na minha cabeça.
Eu não estava mais pensando em fantasmas e inimigos do
passado. Eu estava pensando em algo ainda mais prático.
Quando Nash e eu começamos a caminhar nessa direção, eu
jurei para mim mesma que meu coração não estava disposto para
amarras. Mas, de repente, de alguma forma, ele tinha ficado
perigosamente perto de se capturar. Ele só não sabia.
Eu me questionava se eu deveria contar a ele.
1 5
— T
C A P Í T U L O C A T O R Z E
Nash
alvez eu precise de um favor. — Eu disse, fechando o zíper.
Kat me lançou um olhar de zombaria.
— Acredito que acabei de engolir seu mais recente favor.
Eu ri. Ela sempre conseguia me surpreender. Kathleen Doyle era
uma mistura perfeita de humor e beleza.
— Eu quis dizer um favor que não envolve pele e orgasmos.
— Isso não parece divertido.
— Pode não ser. E se sinta livre para dizer não.
Ela abotoou sua blusa. Era uma pena. A vista era muito melhor
quando estava desabotoada.
— Estou intrigada.
— Eu vou precisar ir de volta a Oregon e limpar meuapartamento. A maior parte daquela merda pode ser levada num
caixote mais próximo para caridade, mas tem algumas coisas que
merecem ser mantidas.
— E você quer minha ajuda para carregar o caminhão de
mudança?
Eu revirei os olhos.
— Não. Estou planejando ir de avião, fazer uma limpeza e um
empacotamento bem rápido antes de dirigir de volta eu mesmo num
caminhão de mudança alugado. Deve me tomar menos que
quarenta horas, mas não é bem uma viagem apropriada para uma
criança.
— Então, você está pedindo para que eu cuide do Colin.
— Sim, se você puder ficar com ele só por duas noites, isso seria
ótimo. Eu já estou aceitando muito a ajuda da Nancy quando o
assunto é cuidar de bebê. Eu não queria pedir a ela para continuar
com ele de um dia para o outro também.
Kathleen terminou de se vestir e colocou as mãos nos quadris,
me observando com um olhar perplexo.
— Nash, eu achei que você soubesse que você não tinha que
perguntar. Eu estou sempre disposta a ajudar com Colin.
— E Roxie. — Eu admiti.
Ela levantou uma sobrancelha.
— Sua cachorra?
— Seria mais fácil e mais rápido se eu pudesse deixá-la aqui.
Ela é bem treinada. Só a alimente, ande com ela e dê a ela um
espaço para dormir no corredor.
— Emma iria amar isso. — Kat disse, sorrindo. — O problema é
que o proprietário não permite animais de estimação. Eu sei que eu
vou me mudar em breve de qualquer forma, mas ele é meio imbecil
e se ele encontrar algum sinal de cabelo de cachorro, ele vai me dar
uma surra com uma taxa de limpeza de animais.
A solução era simples.
— Fique na minha casa por uns dias então.
Quando Kat não aceitou instantaneamente a opção, eu percebi
que ela poderia estar pensando que eu sou um grande idiota
ditador.
Tome conta do bebê. Cuide da minha cachorra. Fique na minha
casa. Não é como se você tivesse sua própria vida, certo? Certo???
Kathleen tinha sim sua própria vida e mais responsabilidades do
que eu poderia ter noção. Eu desejei nunca ter trazido esse assunto.
— Olha. — Eu disse. — Tudo bem. Eu deveria ter adivinhado
que isso era impossível. Talvez a Jane poss-
— Não. — Ela me interrompeu, balançando a cabeça. — Não é
nenhum incômodo. — Sua expressão dizia alguma coisa um pouco
diferente.
Eu sentei no limite da cadeira no escritório que tinha sido do meu
pai e do meu avô antes disso tudo. Esse verão Kat e eu tínhamos
desenvolvido uma rotina regular. Duas vezes na semana nós nos
encontrávamos para um encontro na loja antes de abrir, e fazer
algum trabalho sujo antes de discutir questões financeiras. Quando
ela tinha tempo, eu a levava para almoçar. Ela e Emma iam à minha
casa várias vezes por semana, Kat para ver Colin e Emma para ver
Roxie. E nós conversávamos e trocávamos mensagens
constantemente, sobre tudo desde a nova habilidade de sentar do
Colin até diversas notícias locais. Exceto por Colin, Kat tinha se
tornado a pessoa mais importante na minha vida.
Só que eu não poderia negar que eu realmente amava transar
com ela. Essa manhã eu tinha levado tempo tirando suas roupas e
provocando, enquanto me sentia triunfante sobre como foi fácil fazê-
la gozar na minha mão. Depois, ela ficou de joelhos e me sugou
como uma campeã, com minhas mãos emaranhadas nos seus
cachos grossos, empurrando meu pau entre seus lábios para
marcar o ritmo.
Como agora que o clima tinha ficado sério, então eu precisaria
esquecer por alguns minutos como sua boca era macia.
— Você não parece feliz. — Eu disse. — Esqueça, deixa comigo. Eu
realmente não deveria ter pedido para largar tudo e vir tomar conta
da minha vida.
Ela sacudiu a mão.
— Nash, pare. Eu sempre fico feliz em passar um tempo com
Colin e você sabe que Emma vai ficar em êxtase em ter uma
cachorra por alguns dias.
Eu a estudei. Kat não era do tipo inquietante. Essa era uma das
coisas que eu admirava nela. As pessoas sabiam em que lugar se
situavam em relação a ela. Se tivesse alguma coisa rolando, ela não
ficaria quieta sobre isso por muito tempo.
— Então, o que há de errado? — Eu perguntei gentilmente,
chamando-a para mim e levantando seu queixo para que eu
pudesse ver seus olhos preocupados.
— Eu só estava pensando na última vez que eu fiquei um tempo
na casa. — Ela suspirou e descansou sua cabeça no meu ombro
antes de continuar. — Eu estava entre apartamentos e Emma ainda
era um bebê. Eu tinha duas semanas até minha nova locação
começar e a ideia de ficar com a minha mãe era suficiente para
induzir uma úlcera. Então, Heather insistiu que eu ficasse com ela e
Chris. Ela cozinhou as refeições para mim, não permitiu que eu
levantasse um dedo para ajudar com as tarefas domésticas e cuidou
da Emma para que eu pudesse ter um descanso necessário. — Ela
levantou a cabeça e agora ela sorriu. — Eu dormi no seu antigo
quarto. Eu acho que você não sabia disso.
— Eu não sabia.
Seu sorriso se foi.
— Sinto falta dela.
— Eu sei que você sente. — Eu disse. Eu dei um beijo rápido
nos seus lábios e me movi até a cadeira.
Kathleen me observou enquanto eu sentava e começava a
examinar um relatório de inventário.
— Nós nunca conversamos sobre ela. Não de verdade.
— Quem? — Eu sabia quem era. Eu só não queria ter aquela
conversa particular agora. Nem nunca.
— Heather.
Eu apertei a senha do computador mais forte do que eu
precisava e cerrei os olhos para a tela.
— Você está perguntando se todas as fofocas são verdade?
— Não. Eu já sei o que é verdade e o que não é.
Meus olhos viraram para ela bruscamente.
— Ela te contou? — Como eu suspeitava. Mas não significava
que eu queria falar sobre isso.
— Sim, ela me contou.
Eu exalei de forma barulhenta.
— Foi há muito tempo. As coisas ficaram feias.
— Triângulos amorosos geralmente ficam.
Eu bufei.
— Triângulo amoroso. Faz parecer como a merda de uma
telenovela. — Depois eu parei, imaginando qual teria sido o lado da
história da Heather. — Heather e eu ficamos mais próximos do que
nós deveríamos ter ficado. Eu tinha dezoito e já não era nenhum
anjo, mas nada aconteceu de verdade. Eu gostava de estar com ela.
Muito. E eu pensei que poderia confiar nela. Depois eu descobri que
eu não podia.
Kathleen se encolheu.
— Heather realmente se sentiu terrível em relação ao que
aconteceu. Ela se importava com você, mas ela estava num
momento ruim da vida naquela época, tinha sofrido muito por um
término péssimo de relacionamento. Ela fez algumas escolhas
horríveis, mas ela estava muito vulnerável e era muito nova.
— Ela tinha vinte e cinco anos. — Eu ressaltei. — Mais nova do
que você é agora.
Kat concordou mas pareceu incomodada.
— E ela sempre se culpou pelo desentendimento entre você e
seu pai.
— Ela não ajudou. Mas meu pai e eu não precisávamos de
nenhuma ajuda no que dizia respeito a agarrar a garganta um do
outro. — Eu fiz uma careta, lembrando de ocasiões quando palavras
de fúria voaram entre nós como facas atiradas sem o menor
cuidado. Meu pai não era culpado por tudo isso. Eu disse coisas que
eu desejava não ter dito e descobri que era impossível pegá-las de
volta.
— Nós dois tínhamos ficado sentados num barril de pólvora por
muito tempo. — Eu admiti. — Nós só estávamos esperando por
alguém que acendesse o fósforo.
— Heather nunca quis ser esse alguém.
— Tenho certeza que ela não quis. — O sarcasmo na minha voz
não tinha sido planejado.
Kat ficou na defensiva.
— É verdade, Nash. Quando Heather percebeu a magnitude do
que ela tinha feito e como ela estava entre você e seu pai, ela se
afastou de vocês dois, até foi embora e arrumou um emprego em
Flagstaff por um tempo. Você já tinha ido para a faculdade e ela se
sentia como se muita gente aqui ainda estivesse falando sobre ela.
Mas depois que a mãe dela ficou doente, então ela voltou. Chris foi
um amigo para ela enquanto ela segurava a mão da mãe, que
estava morrendo. Ela não pretendia se apaixonar por ele. E eu
tenho certeza que ele também não pretendia se apaixonar por ela.
Seu rosto estava sério. Ela queria que eu dissesse que estava
tudo bem, que eu tinha perdoado Heather e Chris completamente. O
gosto da traição, porém, é amargo. E permanece. Kathleen não
entenderiaisso porque ela estava mais perto da perfeição do que
qualquer um que eu já tinha conhecido.
— Você sabe o que eu admiro em você, Kat? — Eu perguntei, de
repente.
Ela balançou a cabeça.
— O que?
— Você acha que todo mundo é honroso igual você é.
Ela olhou para baixo e mordeu o lábio. Talvez ela tenha achado
que o comentário era zombaria. Eu não queria dizer nesse sentido.
As pessoas em todos os lugares deveriam aspirar ser como a
Kathleen Doyle, cheia de honestidade e esperança, melhor do que
corroído com culpa e cinismo como eu.
O celular de Kathleen virou e ela reagiu indo pegar sua bolsa.
Uma sombra passou pelo seu rosto quando ela encarou a tela e ela
enfiou o aparelho de volta na bolsa sem responder.
— Você está bem? — Eu perguntei porque, de repente, ela
estava assustadoramente pálida.
— Ok. — Ela pegou uma presilha de elástico da minha mesa e
usou para amarrar o cabelo. — Então, a conversa foi para outro
rumo, mas você está pensando em fazer a viagem que dia?
— Esse final de semana se estiver tudo bem para você.
— Funciona bem.
— Nesse caso, eu vou sexta-feira à tarde e estarei de volta
domingo pela manhã. Betty pode tomar conta da loja nesse meio
tempo.
Kat olhou seu relógio.
— Falando na loja, você precisa abrir as portas em vinte
minutos.
Eu me inclinei para trás na minha cadeira grossa e almofadada e
alcancei sua mão.
— Vinte minutos é tempo suficiente.
— Para que?
Eu abri o zíper e tirei meu pau.
— Para isso.
Ela achou graça.
— Achei que eu já tinha cuidado disso.
Eu passei minha mão para cima e para baixo pelo músculo duro,
porque eu sabia que ela gostava de observar eu me masturbando e
ter seus olhos em mim me deixava ainda mais duro.
— Cuide disso de novo agora. Dessa vez numa posição
diferente.
Primeiro Kat tirou a saia e abaixou sua calcinha. Ela não era a
única que gostava de observar as coisas. Eu gemi quando ela
inseriu dois dedos dentro de si. Isso era tão ridiculamente sexy.
— Qual posição você tinha em mente? — Ela perguntou
docemente e eu vi a forma como suas bochechas estavam coradas,
ouvi como sua respiração acelerou. Ela estava tão entregue, nem
um pouco orgulhosa ou adequada.
Eu não perdi tempo ao localizar uma camisinha na minha
carteira e colocar no lugar.
— Tire essa blusa de novo, agora mesmo. Sutiã também.
— Cheio de demandas. — Ela murmurou mas obedeceu com um
sorriso. — E agora?
— Agora eu vou chupar seus peitos enquanto você cavalga em
mim.
Kat estava gloriosamente nua quando ela montou em mim. A
cadeira rangeu debaixo do nosso peso junto, mas aguentaria. Eu
peguei uma mão cheia do seu cabelo, beijando-a intensamente, e
com a outra eu segurei meu pau. Ela estava tão, tão pronta que
quase me matou aguentar até ela chegar no clímax colocando seus
peitos na minha boca bem do jeito que eu queria.
— Ai, Deus. — Ela gemeu, ainda cavalgando no ritmo. — Você é
tão bom.
Eu provoquei seu mamilo.
— Quão bom?
— Incrível. — Ela sussurrou, os quadris ainda se empinando
enquanto ela terminava o seu momento.
— Você nunca foi fodida tão bem assim por ninguém antes de
mim, né?
— Sim.
— Diga.
— Nash.
— Diga!
— Não tem ninguém que foda melhor do que você.
Eu cedi e me permiti gozar enquanto pedia para ela me montar
bem mais forte até o final. A cadeira finalmente sucumbiu a todo
esse abuso e a parte de trás se soltou, derrubando a gente para o
chão.
— Merda. Você está bem? — Eu perguntei, mas ela riu.
— Nós quebramos a cadeira. — Ela deu uma risadinha.
— Quebramos. — Eu joguei um pedaço destruído na mesa. —
Nós quebramos a porra toda.
Ela ainda estava rindo quando recolhia as roupas. Eu reparei na
hora e percebi que agora faltavam só três minutos para a loja abrir.
Normalmente Betty já estaria aqui agora, arrumando vigorosamente
qualquer coisa que parecesse um pouco torta nas prateleiras, mas
por sorte ela tinha uma consulta com médico essa manhã.
Kathleen mais uma vez terminou de abotoar a blusa e lamentei
que ela precisava ficar desse jeito.
— Eu preciso ir. — Ela disse.
Eu passei minha camiseta pela cabeça.
— Dia ocupado?
— Moderadamente.
Eu mantive meus olhos nela. Observar Kat rapidamente se
tornou meu passatempo favorito.
— Venha aqui.
— Nash, — Ela alertou. — não tem mais tempo para uma
terceira vez.
— Então me dá um beijo.
Ela sorriu e me permitiu puxá-la para perto. Ela gostava de ser
beijada devagar e profundamente e eu poderia senti-la derretendo
nos meus braços. Às vezes eu aproveitava esses momentos doces
mais do que os pervertidos.
— Eu queria não precisar ir. — Ela sussurrou com seus braços
ainda ao redor dos meus ombros. Depois ela afastou a cabeça,
como se estivesse envergonhada pelas palavras que escaparam da
sua boca.
Eu peguei uma mecha do seu cabelo longo, da qual a tira de
elástico tinha escapado.
— Vou pegar Colin por volta das cinco. Eu vou comprar umas
pizzas no caminho para casa. Por que você e Emma não aparecem
para o jantar? Quero dizer, a menos que você tenha muito trabalho
para fazer.
O convite a alegrou. Eu podia dizer pelo jeito como seus olhos se
iluminaram por um breve segundo, embora ela parecesse
determinada a não mostrar.
— Eu não acho que vou ter muito trabalho. Então, estaremos lá.
— Bom. — Eu apertei sua bunda. Ela tinha uma bunda linda. Eu
podia estar sentado pensando em quantas estúpidas canecas de
café do tipo Felicidade de Hawk Valley eu precisava encomendar
que, quando eu lembrasse da bunda da Kat do nada, eu ficaria tão
duro que minhas bolas doeriam.
Contudo, a essa altura, eu realmente precisava abrir a loja e Kat
precisava mesmo ir à reunião com o cliente. Eu me afastei dela com
certa relutância. Parecia que toda vez que eu a abraçava eu me
sentia ainda mais desse jeito, que eu não queria deixá-la ir.
— Eu te vejo mais tarde. — Ela disse, alegremente, e eu fiquei
mesmo feliz por tê-la convidado para essa noite. Nós não fazíamos
coisas como planejar saídas e encontros. Nós não falávamos sobre
o futuro ou nos referíamos a nós mesmos como um casal. E parte
de mim estava começando a questionar se nós estávamos fazendo
tudo isso errado.
— Você quer sua pizza de qual sabor? — Eu perguntei.
— Abacaxi.
— Você está brincando.
— Por que eu estaria brincando sobre abacaxi? Não tem nada
de engraçado nisso.
— Exceto pelo fato que isso não tem nada a ver com pizza.
— Eu não sabia que você era fresco com comida.
Eu sorri e estufei meu peito.
— Acontece que há mais coisa sobre mim do que só o meu
talento de te foder melhor do que qualquer um.
Ela revirou os olhos e abriu a porta do escritório.
— Eu não deveria ter te dito isso.
— Mas você me disse. E você vai me dizer de novo.
Ela corou.
— Tanto faz.
Eu ainda estava sorrindo muito depois de ela ter fechado a porta.
1 6
N
C A P Í T U L O Q U I N Z E
Kathleen
ash estava se preparando para sair para a sua curta mas
necessária viagem a Oregon. Desde o momento que eu
apareci na sua casa, ele continuou dando instruções como
uma nova mamãe nervosa, mas eu não liguei. Na verdade, isso era
mais adorável.
— Tem três mamadeiras para ele na geladeira. E tem muitas
fraldas no berçário, mas, no caso de você precisar de mais, tem um
estoque no armário principal. E eu já acabei de lavar as roupas dele,
então tem um monte daquelas roupinhas confortáveis no quarto
dele. Ah, e se ele ficar com muitos gases, a garrafa do conta-gotas
está no armário do banheiro de cima.
— Entendido. — Eu disse, tentando não sorrir. Nash tinha ido tão
longe em pouco tempo. Era difícil acreditar que só se passaram dois
meses desde a manhã que eu o vi ser coberto de vômito de bebê
bem aqui na cozinha depois de ter alimentado Colin mais do que
deveria.
Da sua cadeirinha, Colin balbuciava e tentava agarrar os
brinquedos que estavam pendurados acima da sua cabeça. Seus
dedos gorduchos se agarraram frisado porco rosa e ele emitiu um
grito agudo de triunfo.
Nash fez cócegas no pé do bebê e pareceu ansioso.
— Vou sentir sua falta, criança.
Eu apertei com meu dedo a bochecha macia de Colin e ele me
deu um sorriso largo babado.
— Eu prometo que vou cuidar muito bem dele.
— Eu seique vai. — Nash passou uma mão pelo cabelo dele. —
Não há ninguém no planeta com quem eu prefira deixá-lo. É só que
vai ser o maior período de tempo que eu já estive longe dele, então
meu estômago está embaralhando de preocupação. — Ele deixou
sair uma risada rouca. — Olha só… Eu pareço um jumento nervoso.
— Não. — Eu argumentei, dando cotoveladas nas suas costelas.
— Você soa como um pai.
Ele olhou para mim e seus olhos ficaram sérios.
— Obrigada, Kat.
— De nada.
A expressão séria saiu do seu rosto e foi substituída por alguma
coisa enquanto seus olhos passavam sobre mim. O tempo tinha
ficado muito quente essa semana e eu vestia uma regata vermelha
e short, meu cabelo estava solto e esvoaçante.
— Eu gosto da ideia de você dormir na minha cama. — Ele disse
suavemente porque Emma estava no cômodo ao lado.
— Eu gosto da ideia de dormir na sua cama também.
Nash estendeu a mão e tirou meu cabelo do meu ombro
esquerdo, os dedos dele pincelando toda a minha pele. Era incrível
como o mais breve toque dele podia produzir um poderoso tremor
de desejo. Ele escorregou um dedo por debaixo da alça da minha
regata e a sua voz ficou rouca.
— Eu vou ficar pensando em você lá. Na minha cama. Fazendo
coisas consigo mesma e querendo estar lá para fazê-las por você.
— Que tipo de coisas? — Eu sussurrei, sentindo como se eu
fosse desmaiar. A química física que existia entre nós era
magnética, irresistível. E crescia mais forte a cada dia.
— Mamãe! — Emma gritou e Nash se afastou de mim um breve
segundo antes de ela entrar correndo pela cozinha com Roxie nos
seus pés.
— Qual é o problema, querida?
Emma fez seu lábio inferior sobressair e seus olhos se encheram
de lágrimas.
— Eu esqueci o Sr. Ford. — Ela lamentou.
Roxie lambeu a mão dela e soltou um gemido simpático.
— Quem é o Sr. Ford? — Nash queria saber.
— É o pato de pelúcia que minha mãe deu a ela na páscoa. —
Eu disse.
— Você precisa pegá-lo. — Emma disse, assentindo com sua
própria solução. — Ou ele vai ficar triste.
Eu peguei minha bolsa.
— Tudo bem se eu deixá-la aqui enquanto eu volto para casa?
— Claro. — Nash disse. Ele tirou o Colin da cadeirinha. — Ei,
Miss Emma, vamos levar Roxie para o quintal para que ela possa te
mostrar como ela pega um disco voador.
— Um o que?
— Um disco voador.
— O que é isso?
Eu sorri.
— Eu já volto.
Nash já estava saindo do cômodo.
— Leve o tempo que precisar.
A ida de volta para a minha casa levou apenas alguns minutos.
Emma tinha deixado o Sr. Ford sentado na mesa da cozinha. Seus
olhos bordados me encaravam tranquilamente enquanto eu o
pegava.
Eu estava fechando a porta da frente quando uma sombra me
assustou, derrubando minhas chaves.
— Tinha um homem. — Disse a senhora Sofia Fetucci. Ela tinha
oitenta e sete anos, a viúva de um campeão antigo de boxe nacional
e ela raramente saía da sua casa que ficava no outro lado do
duplex. Semana passada eu esbarrei com a filha dela, que me
confidenciou que estava mudando sua mãe para uma unidade de
casa de repouso em Scottsdale, mais perto de onde ela morava.
— Você está bem, Sofia? — Eu perguntei, inclinando para pegar
minhas chaves.
A pequena mulher idosa me encarou, seus escondidos olhos
azuis estavam cobertos com uma camada leitosa de cataratas. Eu
não tinha certeza do quanto ela podia ver a essa altura.
— Tinha um homem aqui. — Ela insistiu e todo o incidente
estava começando a parecer meio assustador. Eu me questionava
se ela estava falando de Nash, mas, pelo que eu sabia, ele não
tinha estado aqui hoje.
— Ele estava na sua janela. — Ela disse, apontando um dedo
ossudo para a janela da cozinha.
— Quando? — Eu perguntei, olhando ao redor e me sentindo
mais desconfortável do que nunca antes. Às vezes Sofia parecia
estar perdida nas suas próximas nuvens, mas eu nunca soube que
ela tinha alucinações.
— Eu não sei. — Ela disse.
— Mas você viu um homem olhando pela minha janela mais
cedo? — Eu perguntei, só por esclarecimento.
Ela concordou.
— Sim.
— Como ele parecia?
Ela franziu o rosto.
— Alto. — Ela disse. — Talvez.
— Você lembra de mais alguma coisa?
— Não. Ele pode não ser alto.
Bem, isso reduziu as chances. Eu não saberia nem o que contar
à polícia.
“Minha vizinha idosa meio cega pode ter visto um homem
indescritível, possivelmente alto, perto da janela da minha cozinha
em algum momento do dia.”
— Você viu para onde ele foi? — Eu perguntei. Eu não tinha
muita certeza de que o homem era real, mas isso não impediu que o
cabelo da minha nuca se arrepiasse.
— Não. — Ela suspirou e eu vi a sua mão trêmula. Ela parecia
chateada e instável, então eu ofereci o meu braço para ela ter
estabilidade e depois andei com ela até sua casa. A filha da Sofia
tinha contratado uma empregada, um serviço de entrega de comida
e também uma enfermeira para cuidar da sua mãe várias vezes na
semana, mas agora não tinha ninguém na sua pequena e arrumada
casa. Seus cômodos eram um espelho da minha casa, exceto pela
mobília que estava coberta com mantas de crochê e havia imagens
de gatos em bordados de ponto de cruz por todas as paredes.
Quando eu estava certa de que Sofia tinha tudo de que precisava,
eu saí, fazendo uma anotação mental de que iria encontrar o
contato de sua filha para informações e compartilhar o momento
esquisito.
Eu parei atrás das rodas do meu carro me sentindo incomodada,
nervosa. Sofia provavelmente tinha visto um advogado ou talvez um
dos missionários que frequentemente cobriam a vizinhança
procurando por pessoas para espalharem sua religião. E as
cataratas que ela tinha eram tão ruins que eu não estava certa de
que sua versão dos acontecimentos era correta.
No entanto, ainda assim, as chamas da minha ansiedade foram
suficientemente alimentadas e eu continuei encarando o espelho do
retrovisor. Por alguns blocos, eu pensei que estava sendo seguida
por um carro prata. Ele se manteve há uns bons vinte metros atrás
de mim e, quando eu avistei a rua de Nash, o veículo virou na
direção oposta.
O carro de Nash para o aeroporto já estava parado no meio-fio
quando eu voltei. Tinha um pequeno aeroporto municipal há
sessenta quilômetros, onde ele pegaria o avião para Phoenix e
depois de lá, um voo para Portland. Eu tinha oferecido uma carona a
ele, mas ele recusou categoricamente.
— Colin está cochilando lá em cima no berço. — Ele disse.
— Eu vou dar um beijo de despedida por você.
Nash mostrou um sorriso largo.
— Eu vou chegar a Portland essa tarde. — Ele disse, jogando
uma pequena bolsa de viagem no carro que esperava. — Depois eu
vou pegar o caminhão, dirigir pela costa, empacotar tudo, talvez tirar
algumas horas para dormir e estarei no caminho de volta o mais
rápido que eu puder.
— Não se preocupe com o Colin. — Eu disse a ele, segurando o
Sr. Ford e ainda me sentindo um pouco ansiosa em relação ao
mistério do Homem na Janela. — Entre Emma, eu e Roxie, ele será
muito bem cuidado.
Emma de repente apareceu na porta da frente e correu até mim,
pedindo pelo Sr. Ford e abraçando o brinquedo numa reunião
extasiante.
Nash parou antes de deslizar para o banco de trás do carro. Seu
rosto procurou o meu.
— Me liga a qualquer hora, Kat.
— Faça o mesmo.
Nós nos encaramos e ele começou a dar um passo em minha
direção. Eu me perguntei se ele planejava me dar um beijo de
despedida. Eu queria que ele desse. Apesar do fato de nós sermos
somente bons amigos que davam orgasmos inacreditáveis um ao
outro, eu queria que ele me desse um beijo suave antes de partir.
Mas Nash olhou para Emma, que estava dançando pelo jardim
da frente com seu pato de pelúcia, e voltou. Ele piscou para mim
antes de entrar no carro.
Eu observei o carro desaparecer e, por algum motivo, me senti
triste. Ou talvez isso não fosse tristeza. Talvez era porque eu
precisava de Nash Ryan mais do que eu pretendia.
Eu segurei a mão de Emma e voltei para a casa, onde Roxie
aguardava com seu rabo abanando. Emma a apresentou ao Sr.
Ford e não gostou muito quando a cachorra tentou mastigar o
pequeno bico dele.
Depois de olhar Colin, que ainda estava dormindo
profundamente enquanto o berço móvelgirava de forma lenta acima
da sua cabeça, eu voltei para baixo, para a cozinha, lavei um
punhado de louças na pia e chequei o que havia na geladeira. Nash
tinha insistido para que eu fizesse o que eu encontrasse e eu me
perguntei se Emma e eu iríamos comer queijo velho ou pão velho no
jantar. Eu realmente não iria embarcar numa aventura de mercado a
menos que fosse necessário.
Mas, surpreendentemente, a geladeira de Nash estava bem
abastecida. Eu verifiquei as embalagens e planejei fazer uma salada
e espaguete para nós, consumidoras de comida sólida, enquanto
Colin ficaria contente o bastante com seu leite e pêssegos em
conserva.
Emma estava falando animadamente no cômodo ao lado. Eu
escutei por um momento e não consegui descobrir o que ela estava
falando, então fui até lá ver.
Eu encontrei uma casual festa de chá em progresso. Emma
estava deitada de barriga no chão enquanto Roxie estava abaixada
perto dela e Sr. Ford encarava o sofá serenamente. Enquanto eu
observava, o pato de pelúcia caiu de cara no chão embora Emma
tivesse sido rápida em se esticar para pegá-lo.
— Sente, Sr. Ford. — Ela o repreendeu. — Você não gosta do
seu chá?
Foi quando eu percebi que o “chá” estava sendo servido na
porcelana antiga adquirida cuidadosamente pela Heather.
— Emma, onde você pegou isso? — Eu exclamei, abaixando ao
chão e arrancando uma xícara de cem anos de idade do focinho
curioso da Roxie. — Isso não é brinquedo.
Minha filha foi para uma posição sentada e apontou enquanto eu
começava a juntar as peças.
— Eu posso brincar com isso. — Ela argumentou.
— Não, querida, eu te disse que primeiro tem que pedir antes de
pegar alguma coisa daqui e começar a brincar. Essa não é a nossa
casa. O que aconteceu com seus livros de colorir?
— Heather disse que eu podia brincar com isso!
Eu mordi meu lábio.
— Emma, você sabe que a Heather não pode ter te dito isso.
— Ela disse! Ela me mostrou onde eles estavam, na coisa
marrom. — Emma apontou para o armário de antiguidades no canto
do cômodo. — E ela disse que eu podia brincar com esse chá a
qualquer momento e eu prometi que seria cuidadosa.
Eu parei de pegar as peças do jogo de chá.
— Quando a Heather te disse isso? — Eu perguntei,
calmamente. Emma era uma criança imaginativa. Ela podia ter
criado todo o cenário. Mas o desconforto que tive mais cedo voltou e
eu me perguntei se tinha a ver com alguma coisa meio sobrenatural.
Emma franziu seu rosto do mesmo jeito que Sofia Fetucci tinha
feito.
— Eu não sei.
Eu engoli.
— Não foi hoje, não é?
Ela olhou para mim como se eu tivesse feito a pergunta mais
ridícula de todas.
— Não. Foi no dia que eu vim aqui e fizemos corações
vermelhos.
— Dia dos namorados? — Eu perguntei e Emma deu de ombros.
Eu suspirei, entendendo agora o que ela quis dizer. Dia dos
namorados tinha sido num sábado e um novo cliente, que fazia
mobília personalizada e vivia nas montanhas, implorou por uma
ajuda de emergência porque sua ex-esposa tinha sabotado seus
arquivos. Heather se ofereceu para cuidar de Emma e continuar
com ela pela noite se eu estivesse muito cansada para buscá-la. Eu
aceitei muito agradecida, embora eu me sentisse um pouco culpada
porque minha prima tinha tido o bebê apenas três semanas antes.
Heather tinha arrumado uma variedade de papéis craft na mesa da
cozinha e prometeu a Emma que elas teriam um dia especial. Ela
estava segurando Colin quando eu olhei para trás e a vi acenando
para mim da janela da cozinha. Eu acenei de volta e depois encarei
a viagem para as montanhas numa manhã de frio amargo.
— Onde eles estão? — Emma perguntou num tom de voz baixo
e eu vi que ela estava encarando uma foto de Chris e Heather no
dia do seu casamento.
Eu pensei que eu já tivesse chorado todas as minhas lágrimas,
mas não, eu ainda tinha mais. Eu tentei enxugá-las para que Emma
não pudesse ver e ficar triste.
— Eles foram embora, amor.
Emma considerou a resposta. Heather e Chris tinham sido
importantes para ela também. Felizmente ela manteria algumas
memórias deles e seria capaz de contar para Colin algum dia.
— Eu queria que eles não tivessem ido. — Ela disse e seu lábio
inferior tremeu.
Abaixei as xícaras de chá e abri meus braços para ela. Eu
afaguei seu cabelo, macio e escuro, lembrando de uma vez que eu
acariciei cabelos semelhantes ao seus desse mesmo jeito, enquanto
um homem com quem eu me importava chorava no meu colo e
implorava para que eu dissesse a ele que sua agonia terminaria.
Emma nunca o conheceria. Mas eu me lembrava dele toda vez que
minha filha me olhava com os olhos solenes que ele tinha.
O humor triste de Emma não durou muito. Roxie rapidamente foi
beijar seu rosto e ela começou a dar risinhos. Colin acordou da sua
soneca e eu sentei no quintal com ele no colo enquanto Emma
brincava na grama com Roxie. A cachorra de Nash sempre me
impressionou. Apesar do seu tamanho, ela era surpreendentemente
gentil e ficava encantada com qualquer atenção que Emma
estivesse disposta a dar a ela.
A tarde passou rapidamente sem nenhuma sombra de
problemas. Era raro que eu tivesse um dia completo de folga mas,
enquanto estava sentada do lado de fora, ouvindo a risada da minha
filha e os gritinhos de felicidade do Colin, eu decidi dar uma pausa
em qualquer trabalho que me esperasse no meu computador móvel.
Ainda estaria lá amanhã.
Depois de um jantar antecipado e banhos rápidos, nós sentamos
na sala de estar para assistir A Bela e a Fera. Colin cochilou no meu
ombro e Emma deixou sair um bocejo sonolento enquanto
descansava a cabeça contra o meu braço. Pensei em como esse
momento foi fofo. A única coisa que o faria mais perfeito seria se
Nash estivesse aqui para compartilhá-lo
Agora que eu estava pensando em Nash, eu olhei a hora e
pensei que ele devia estar em Oregon, provavelmente no caminho
para o litoral da cidade onde ele costumava morar. Espiei meu
celular que estava na mesinha há um metro da minha esquerda e
procurei por ele ao mesmo tempo que tentava não perturbar o bebê.
Nash merecia ver essa cena calma e feliz caso ele estivesse
preocupado com Colin. Eu tiraria uma foto rápida e enviaria a ele.
Dois segundos depois de ter enviado a foto para Nash, recebi
uma ligação. Não era o Nash.
— Onde você está? — Minha mãe exigiu saber.
— Estou olhando Colin por um fim de semana, então eu e Emma
estamos na casa do Nash. Eu te disse isso outro dia.
— E onde o personagem Nash foi?
Eu suspirei.
— Ele teve que ir a Oregon e pegar o resto das coisas dele.
Mãe, eu já te disse isso também.
Ela fez mais alguns comentários passivo-agressivos que eu
escolhi ignorar e depois enigmaticamente disse que ela precisava
conversar comigo sobre alguma coisa.
— Isso pode esperar? — Eu perguntei, mudando Colin de lado
porque meu ombro estava ficando dormente.
— Ok. — Ela bufou. — Eu vou conversar com você amanhã. Dê
um beijo da vovó para a minha menininha.
— Boa noite, mãe. — Eu disse, quase nada curiosa sobre que
tipo de assunto terrível ela precisava discutir. Minha mãe parecia
bem, mas ela tinha talento para drama. Talvez ela estivesse
brigando de novo com o pessoal da biblioteca pública por causa de
taxas atrasadas.
Eu tinha planejado ir dormir mais cedo dessa vez em vez de
trabalhar até tarde. Mas depois que Emma e Colin estavam
aninhados na cama, eu descobri que eu não estava nem um pouco
cansada, então vaguei pela casa.
A casa antiga passava uma sensação diferente depois do pôr-
do-sol. O chão de madeira rangia por causa do meu peso e todo
canto estava espesso com sombras. Construções antigas possuíam
um certo tipo de tristeza como se carregasse o peso de todas as
experiências humanas vividas entre suas paredes silenciosas.
Eu parei de frente com uma porta fechada. Nash sempre a
mantinha fechada. Eu imaginei que, quando eu a abrisse, eu
encontraria o quarto exatamente na mesma condição que tinha
ficado desde quando os antigos moradores dormiam ali. Eu estava
certa.
Todo lugar que eu olhava tinha sinais de uma vida interrompida.
Uma sandália rosa feminina abandonada perto do guarda-roupa.
Uma garrafa de água pela metadena mesa de cabeceira. E fotos,
tantas fotos. Fotos deles dois, e mais fotos ainda do Colin como se
eles tivessem ficado ansiosos para aproveitar todo momento do
curto e doloroso tempo que foram uma família.
Sentia minha garganta grossa com as lágrimas não derramadas.
Eu entendi o porquê de Nash evitar esse quarto, o porquê que
ele não tinha dado um passo através de nenhuma dessas coisas.
Eu recuei e fechei a porta com um suspiro e fui para o primeiro
andar.
A cachorra de Nash já estava enrolada na sua cama confortável
no canto. Ela levantou a cabeça quando eu apareci e depois
abaixou quando viu que eu estava sozinha.
Meu celular ainda estava na mesinha e, quando eu olhei para
ele, eu vi que Nash tinha mandado uma mensagem enquanto eu
estava perambulando pelos cômodos lá em cima.
Tudo empacotado na camionete. Vou dormir por umas horas, depois
vou pegar a estrada. Aproximadamente vinte horas dirigindo.
Obrigado pela foto.
As palavras eram informativas e nada sentimentais. De alguma
forma isso me incomodou. Eu não deveria esperar mais e eu fiquei
irritada comigo mesma por sentir alguma frustração. Nash e eu
tínhamos um acordo claro. Não havia nenhuma exigência exceto
amizade mútua, respeito e sexo alucinante.
— Nada complicado em relação a isso. — Eu murmurei, optando
por não responder a mensagem já que ele mencionou que planejava
tirar umas horas de sono. Eu notei que era quinze para as nove.
Supondo que ele dormiria por três ou quatro horas e partisse uma
da manhã, ele estaria aqui por volta dessa hora amanhã se ele
dirigisse direto.
Um rosnado baixo sinistro emitido do nada arrepiou minha
espinha. Roxie tinha fugido do seu canto de dormir e agora estava
rondando debaixo da janela da sala de estar, mostrando os dentes,
o cabelo visivelmente arrepiado. Apesar da afirmação do Nash de
que o pastor-alemão era um bom cão de guarda, eu nunca tinha
visto essa reação dela antes.
— Você ouviu alguma coisa, garota? — Eu sussurrei, desligando
a lâmpada da mesa antes de me aproximar da janela.
Eu puxei os ilhós das cortinas para o lado e não vi nada além do
brilho amarelado da lâmpada formada e velha da rua brilhando no
meu carro, que estacionei perto do meio-fio. As luzes da varanda da
casa cruzavam a rua, porém não vi ninguém lá nem ninguém
passando pela rua. Uma rajada de vento agitou os galhos altos da
árvore anciã no jardim da frente, mas não havia nenhuma outra
movimentação.
— Deve ter sido um gato. — Eu assegurei à cachorra,
acariciando sua cabeça. Roxie olhou para mim com dúvida.
Eu chequei duas vezes o trinco da porta da frente enquanto
Roxie andava de um lado para o outro. Outro rugido saiu da sua
garganta e ela saltou em direção à cozinha. Eu a encontrei
encarando a porta lateral e o barulho aumentou de um rugido para
um latido afiado.
“Tinha um homem...”
Minha garganta estava seca e eu estava segurando meu celular
na minha mão, preparada para ligar 190. O alerta de Sofia Fetucci
mais cedo continuava tocando na minha cabeça.
O latido da Roxie diminuiu e ela deixou sair um último rosnado
leve antes de sentar nos quadris e me olhar como se dissesse “Eu
juro que tinha alguma coisa lá fora”.
Custou muito da minha coragem me aproximar da porta e
empurrar a cortina para o lado para espiar pelo painel de vidro. Não
tinha nada lá fora.
Roxie cutucou minha mão com seu nariz molhado.
— Boa garota. — Eu a elogiei, coçando a parte de trás de suas
orelhas. Eu observei por mais alguns minutos, mas não vi nem ouvi
nada que fosse alarmante. A sensibilidade da cachorra era muito
mais apurada e havia probabilidade de ela ter sentido alguma
criatura da noite passar. Um coiote, ou talvez um bando de
morcegos.
Roxie bocejou e eu verifiquei a tranca da porta da cozinha antes
de recuar. Eu ofereci à cachorra um biscoito da caixa que Nash
mantinha na despensa e ela mastigou feliz. Não havia barulho vindo
de cima, então aparentemente a breve explosão de Roxie não tinha
acordado Colin nem Emma.
Todas as portas e janelas foram verificadas mais de uma vez.
Roxie voltou para a sua cama e me observou com olhos sonolentos.
Eu acariciei sua cabeça mais uma vez antes de ir para o segundo
andar.
Tudo estava silencioso exceto pelo som suave do berço móvel
do Colin. Ambas crianças pareciam estar dormindo. Um cansaço
súbito me venceu e eu invadi minha mochila da noite, me trocando
rapidamente e escovando meus dentes. O quarto do Nash estava
arrumado, a cama foi feita com capricho. Ele finalmente parou de
viver de suas malas e colocou as roupas no guarda-roupa e na
cômoda. Eu escorreguei para os lençóis frios, inalando o
apimentado e familiar perfume da loção de barbear do Nash que se
agarrava aos lençóis. Era como inalar o cheiro do próprio sexo e
minha mão viajou para o meio das minhas pernas enquanto eu
pensava nele, desejando que ele estivesse aqui fazendo as coisas
que eu estava fazendo em mim mesma.
O sono veio rapidamente depois disso, embora meus sonhos
fossem uma colagem misteriosa de eventos passados que fizeram
eu me sentir perturbada pela manhã.
1 7
D
C A P Í T U L O D E Z E S S E I S
Nash
ois meses. Esse era o tanto de tempo que tinha passado
desde que eu finalmente peguei no volante pretendendo
dirigir em linha reta por vários estados até chegar a Hawk
Valley.
De volta até lá, eu só sabia que a tragédia tinha me encontrado
pela segunda vez na minha vida. Eu não sabia que, uma vez em
Hawk Valley, seria impossível sair.
A van de três metros que eu aluguei era mais larga do que eu
acabei precisando. Não tinha muita coisa que eu queria levar
comigo. A maior parte da mobília era desnecessária, visto que eu
não sentia que havia lugar para ela na casa do meu pai.
Casa do meu pai.
Quando eu era criança, dizer que eu estava indo para “a casa do
meu pai” resultaria frequentemente em um gemido e uma
reclamação. Eu preferia o pequeno apartamento da minha mãe em
Phoenix à grandiosa casa antiga em estilo vitoriano com a vista das
montanhas. Meu pai nunca foi abusivo. Só eternamente irritado. E
abertamente aliviado quando chegava a hora de me levar de volta à
minha mãe. Deve ter sido um choque para ele sair da paternidade
de meio-período para o responsável de um adolescente
problemático vinte e quatro horas por dia.
Às vezes, agora mesmo antes de eu cochilar, eu despertava em
um solavanco e sentava rapidamente, certo que alguém estava
balançando meu ombro na escuridão. Nunca tinha ninguém lá
porque era apenas uma memória. Naquela noite, a noite em que o
mundo despedaçou, meu pai tinha me acordado rapidamente depois
das duas da manhã e a coisa mais impressionante era que ele
estava chorando.
“Nash. Acorde, filho. Alguma coisa aconteceu. ”
Os momentos seguintes tinham sido bloqueados pela minha
mente. Eu me lembro de ver coisas quebradas ao redor da casa e
escutar que eu era responsável porque, depois de eu ouvir que
minha mãe tinha sido assassinada pelo seu marido, eu comecei a
gritar e correr pela casa destruindo tudo que eu podia ter nas
minhas mãos até meu pai decidir me conter fisicamente. Naquele
momento, eu tinha que ir ao hospital para costurar a mão que eu
tinha cortado em uma colisão com o vidro da janela.
Chris Ryan não sabia o que fazer comigo. Nosso tempo juntos
sempre tinha sido menos do que dois meses por ano. Agora, de
repente, ele era um pai em tempo integral de uma criança
incrivelmente brava. No começo, ele tentou. Ele me arrastou a um
terapeuta. Ele me encorajou a fazer amigos, a praticar esportes. Eu
descobri que gostava de esportes, que bater em caras grandes no
campo de futebol ou correr em volta de uma quadra de basquete
ajudaria a tornar a minha agressividade em alguma coisa que não
envolvesse sangue. Mas amigos eram um enigma para mim. Um
monte de gente queria a minha companhia e parecia que quanto
menos eu cooperava, mais me procuravam. Especialmente as
garotas. Eu não podia me orgulhar do jeito que eu tratava as garotas
na época. Eu era um estúpido.
No entanto, isso não significava que eu estava disposto a aceitar
críticas de um homem que tinha chutado a minhaprópria mãe para
o meio-fio e depois se divertido com uma porta giratória de
namoradas desde que eu podia andar. Chris Ryan podia grunhir
sobre meu mau comportamento o quanto quisesse. Eu não dava a
mínima.
Quando eu tinha dezesseis anos, ele invadiu meu quarto depois
de ter uma conversa furiosa no telefone com um vereador da
cidade. A filha adolescente do homem tinha ficado chorando no seu
quarto por três dias porque eu disse a ela que eu estava entediado
com ela e também havia transado com a sua melhor amiga.
— Que droga, garoto. — Meu pai rugiu, batendo a porta tão forte
que deixou um amassado na parede. — Quem foi o imbecil que te
disse que era ok tratar as mulheres como objetos descartáveis?
— Tal pai, tal filho. — Eu respondi, friamente.
Seus olhos se estreitaram.
— Você não pode passar a vida agindo como um pedaço de
merda egoísta.
— Por que não? Sempre funcionou para você.
Nós nos encaramos. Meu punho se fechou. Se ele viesse até
mim, eu estava preparado para bater nele. Eu não queria fazer isso.
Mas eu iria. De qualquer forma, meu pai não era um homem
violento. Ele era arrogante, cabeça dura, rude e teimoso, mas
violento não. Outra diferença fundamental entre nós.
— Vá atrás do seu próprio jantar. — Ele disse de um jeito
cansado e saiu da minha frente. — Estou saindo.
No meu último ano no colégio, eu tinha planos. Eles não
envolviam continuar em Hawk Valley e lutar para vender
lembrancinhas de merda. Eu tinha boas notas e era um atleta
decente. Uma pequena faculdade em Oregon tinha me dado uma
bolsa de estudos. Como a minha carreira do ensino médio
desenhou um fim, eu estava esperando a minha vez, consciente que
meu pai estava desapontado e aliviado que eu estava deixando
Hawk Valley para trás. Eu só precisava ficar longe de brigas nesse
meio tempo.
Enquanto isso, a frente do escritório da escola do ensino médio
ganhou uma nova empregada bonita quando Heather Molloy
começou a sentar na mesa da recepção. Todos os garotos falavam
merda sobre o que eles fariam com aquela vagina loira se eles
ficassem próximos, mas Heather não estava mesmo no meu radar.
Eu tinha opções suficientes para fazer malabarismos e ela era mais
velha, no meio dos seus vinte anos. Mas era bom como ela sempre
sorria quando ela me via chegar.
— Ah não, o que você fez dessa vez, Nash?
— Nada que eu me arrependa.
Ela riu.
— O que nós vamos fazer com você?
Depois veio uma manhã numa primavera antecipada quando eu
testemunhei o presidente da turma neurótico e engravatado
empurrar sua namorada com tanta força contra o armário que ela
chorou. Eu não podia aceitar isso. Eu bati no cara, quebrando o
nariz dele. Era para ser a minha gota d’água. Mas aconteceu de
Heather Molloy estar andando por perto e dizer que as
circunstâncias estavam incitando minha explosão. Então me foi
dada uma suspensão temporária por defender uma colega de turma.
Agradecer alguém por qualquer coisa nunca foi fácil para mim, mas
eu agradeci a Heather. Em hesitantes e desajeitadas palavras, eu
disse a ela o quanto eu apreciava a sua intervenção. Heather sorriu
para mim e tocou minha mão.
E foi assim que começou.
Nós nos encontramos no Parque Estadual de Hawk Valley, oito
quilômetros fora da cidade. Não era um lugar muito popular entre os
moradores. Se as pessoas quisessem ir caminhar, pescar ou fazer
passeios turísticos, elas dirigiam para as montanhas, não para um
piquenique em uma colina sombreada perto de um riacho parado.
Tecnicamente nós não estávamos quebrando nenhuma lei, mas a
situação não significaria coisas boas para Heather se fôssemos
vistos juntos. No começo, nós só conversávamos. Eu sabia que a
maioria das garotas me via como um tipo de tragédia ferida
ambulante, alguma coisa que elas aspiravam consertar. Heather, no
entanto, nunca me forçou a responder perguntas. Provavelmente foi
por isso que eu decidi me abrir para ela.
Pela primeira vez desde o assassinato da minha mãe, eu senti
como se eu pudesse respirar, como se eu pudesse relaxar. E
quando cruzei a linha e beijei Heather, ela não me desencorajou. Ela
me beijou de volta. Mas não importava quantas vezes nós ficamos
ali nos braços um do outro até depois do entardecer, ela nunca
deixava as coisas irem muito longe.
— Nash, isso não deveria estar acontecendo.
Eu não estava acostumado a ser rejeitado e estava começando
a ficar frustrado. Eu corri um dedo pelo seu braço e senti um triunfo
pelo jeito como ela estremeceu ao meu toque.
— Isso não é ilegal, amor. Eu tenho dezoito anos e termino a
escola em um mês.
Ela estava respirando pesado, sua resistência estava
desmoronando enquanto meus dedos entravam debaixo da sua
camiseta, explorando sua pele macia.
— Isso não parece certo.
Eu encostei suas costas no cobertor e a cobri com meu corpo.
— Eu quero você, Heather. Sei que você me quer também.
Ela fechou seus olhos.
— Talvez.
Nós não fizemos sexo. Nós ficávamos por perto e nunca
avançávamos.
Então, um dia, eu caminhei até a loja para trabalhar um turno
atrás da caixa registradora. Eu odiava a loja, mas eu precisava de
um pagamento em meio período e meu pai insistiu que eu não
poderia procurar em nenhum outro lugar.
Ele estava lá. E ela também. Eu os vi atrás do vidro, ficando
mais perto um do outro e conversando intensamente e isso era
estranho. Meu pai era uns treze anos mais velho do que a Heather.
Hawk Valley era uma cidade pequena mas eu nunca nem pensei
que eles se conhecessem. Heather jogou a cabeça para trás em
uma risada e eu me perguntei sobre que merda eles estavam
conversando para ser tão engraçado. A única coisa que eles
poderiam ter em comum era eu e eu não tinha dito uma palavra para
ele sobre ela.
— Nash! — Heather parou de sorrir e pareceu assustada em me
ver. — Eu só parei para dizer oi. Eu não venho aqui há tanto tempo.
Eu olhei ao redor da loja.
— Não tem muito para ver.
— Certo. — Ela colocou o cabelo loiro atrás de um ombro e
olhou para baixo. — Eu tenho que ir. Tchau, Nash. Foi bom
conversar com você, Chris.
— Bom ver você, Heather. — Meu pai respondeu e eu vi o jeito
como seus olhos se demoraram na bunda dela enquanto ela andava
para a porta. Isso me fez querer vomitar.
— Sobre o que foi isso? — Eu reclamei.
Ele estava assobiando.
— O que?
— Se você precisa de uma nova conquista, não procure na
Heather.
Meu pai estava entretido. O idiota nem olhava para mim.
— Parece que alguém tem uma crush.
— Você é um cuzão.
— Deixa disso, filho. Ela está fora do seu alcance.
— E você é uma década mais velho do que ela.
Às vezes ele gostava de me tirar do sério. Essa foi uma dessas
vezes. Talvez ele pensasse nisso como um troco por todas as vezes
que eu o tirei do sério.
Chris Ryan sorria para mim com desdém como se eu não fosse
nada mais do que uma criancinha perseguindo a garota que ele
gostava com as mãos cheias de esperança.
— Você não pode competir comigo, menininho. Nem tente.
— Vai pro inferno.
Eu saí de lá com o som da risada dele ecoando atrás de mim.
Heather começou a inventar desculpas sobre por que ela não
poderia me encontrar. A formatura aconteceu, então eu tinha outras
coisas em mente, de qualquer forma. Além disso, o que eu deveria
fazer, colocá-la na minha mala de outono e fazê-la comigo para
Oregon? Ainda assim, eu passava na frente do escritório mais vezes
do que eu precisava só pela chance de receber um sorriso dela e
sentia meu coração relaxar toda vez que isso acontecia.
Meu pai e eu não estávamos conversando muito, entretanto essa
tinha sido a situação por tanto tempo que eu não estava
incomodado. Nós só estávamos tentando passar pelos próximos
meses e deixar esse experimento para trás. Algum dia as coisas
podiam ser diferentes entre nós. Só não conseguiríamos viver juntos
debaixo do mesmo teto.
No Dia de Folga dos Veteranos, eu fiz planos de ir até as
montanhas passar a noite com vários dos meus colegas de classe.
Meu pai não me deu sua bênção nem as chaves da cabana da
família. Ele só me disse para deixar o lugar sem danos, se possível.
Havia um monte de garotas gostosas por lá e eu tentei ficar
interessado nelas.Mas nem mesmo quando Amelia Horton
começou a me chupar enquanto eu me inclinava para trás em um
pinheiro e fumava um cigarro, eu não conseguia seguir em frente.
Eu não queria transar com uma garota aleatória. Eu só queria
Heather. Não havia amor e casamento na minha mente, mas eu
sentia uma conexão com ela que eu não tinha encontrado com as
garotas da minha idade. Isso tinha que significar alguma coisa.
Eu deixei a última aula para fazer sei lá o que eles queriam e
dirigi de volta para Hawk Valley depois da meia noite. Mas Heather
não respondeu quando eu liguei e não havia luzes acesas no seu
apartamento. A ideia de voltar para a festa era deprimente. Eu achei
que eu estaria melhor indo para casa para me jogar na minha
própria casa e me masturbar com minhas fantasias.
Eu abri e fechei a porta da frente com cuidado, não querendo
mesmo ter nenhuma interação com meu pai. Ele podia estar fora
bebendo até adormecer partes do seu fígado ou ele podia estar
roncando lá em cima. De qualquer forma, eu só queria ficar sozinho.
Eu não ouvi nenhum barulho até eu estar quase no topo da
escada.
Era um gemido, um som de uma mulher sentindo dor. Ou o
oposto de dor…
Eles tinham deixado a luz acesa e não tinham se preocupado em
fechar a porta. Ela estava deitada de costas na cama, camiseta e
sutiã estavam empurrados para baixo, então seus seios arrebitados
estavam descobertos, assim como o restante do corpo dela. Suas
pernas estavam arreganhadas e seu corpo, arqueado, subindo e
descendo com o ritmo da língua do meu pai na sua boceta.
— Ah, meu deus, Chris! Ai!
Ele estava sem camiseta e de joelhos, seu rosto estava
enterrado entre as pernas dela enquanto Heather gemia seu nome e
agarrava os lençóis da cama enquanto ele a fazia gozar.
Eu estava paralisado, encarando a mulher que eu queria, a
mulher em quem eu tinha confiado, tendo sua boceta lambida pelo
último homem no planeta que eu poderia suportar ver com ela.
Eles não me ouviram. Eles não me viram. Eles não sabiam que
alguma coisa estava errada até que eu peguei uma antiga garrafa
de cristal que pertenceu aos meus avós e joguei contra a parede
mais distante, destruindo-a em um milhão de pedaços impossíveis
de serem colados.
— Nash!
Heather não estava mais gemendo de prazer. Ela estava arfando
com horror, tentando cobrir seu corpo como se isso fizesse alguma
diferença de merda. Eu não podia olhar para ela. Eu não queria
machucá-la. Eu só queria nunca mais ver seu rosto.
— Sai daqui!
Ela chorava.
— Nash, eu sinto muito.
— SAI DAQUI, PORRA!
Meu pai se levantou. Ele estava pálido, os olhos arregalados. Ele
engoliu, tocou a chorosa Heather no braço e concordou.
— Por favor, vá, Heather.
Ficamos de frente um para o outro, pai e filho, ouvindo o som da
Heather descendo as escadas e fugindo pela porta da frente.
Meu pai engoliu, seu rosto em uma máscara de remorso.
— Filho, eu sinto muito. Nós não planejamos isso.
Eu engasguei uma risada rouca.
— Uma batalha de choros dos filhos-da-puta mentirosos por toda
parte.
— Não, eu juro.
— Você sabia. — Eu acusei.
Ele abaixou a cabeça. E ele não negou.
— Ela te contou. — Eu sussurrei. — Ou você adivinhou. Mas a
questão é você sabia sobre eu e ela e você foi atrás dela de
qualquer jeito.
Ele lamentava tudo. Eu podia dizer pela expressão nos seus
olhos. Eu só não ligava.
— Eu não tinha intenção de fazer isso. — Ele disse.
— Entendi. Sua boca só caiu na boceta dela.
— Desculpa! Porra, eu bebi muito essa noite.
— Mentira. O que foi isso, algum tipo de disputa doente para
provar que você é o macho alfa número um por aqui?
Ele pareceu atingido.
— Nash, me diga o que eu posso fazer. Estou muito
envergonhado. Vou fazer qualquer coisa para consertar isso com
você.
— Nunca mais a veja.
Ele concordou ansiosamente.
— Sim. Feito. Eu nunca mais vou vê-la.
Eu virei para sair do quarto, mas eu tinha mais uma coisa para
dizer a ele.
— A propósito, pai, eu odeio você.
Enquanto minha mente ficou preocupada com o passado, eu
tinha cruzado a linha do estado e a escuridão se foi. Eu tive que
colocar óculos de sol no meu rosto para combater o brilho da
estrada.
Meu estômago estava rosnando, por isso eu parei em uma
lanchonete à beira da estrada para tomar algum café da manhã. O
café me fez pensar na Kat e no seu afeto por nada cafeinado.
Minhas pernas queriam se esticar por mais um minuto antes de
se fecharem no banco do motorista, então eu fiquei perto da
caminhonete. Eu peguei meu celular e olhei de novo a foto que Kat
tinha me mandado na noite passada. Ela colocou as lentes da
câmera em si mesma e capturou uma imagem serena de Colin
dormindo em um ombro enquanto Emma descansava no outro. Kat
tinha um pequeno sorriso em seu rosto, aquele cabelo imenso e
selvagem dela se espalhando para além da foto. Sua beleza era
mais do que sensual. Eu não poderia pensar em nenhuma outra
mulher que poderia ser comparada à Kathleen Doyle.
Com relutância, eu coloquei o celular no bolso, desejando que
não fosse tão cedo para ligar ou mandar mensagem. Eu ligaria para
ela na próxima vez que eu parasse, apesar de que eu gostaria de
ouvir sua voz bem agora para afastar a escuridão inquietante que
tinha consumido meus pensamentos durante a viagem. Não eram
apenas velhos pensamentos dolorosos que estavam me
incomodando.
“A propósito, pai, eu odeio você.”
Eu estava certo de que tinha dito várias outras coisas para ele
depois dessa frase devastadora. Eu lembro de outras conversas, de
outras palavras que foram ditas. Mas, por algum motivo, desde o
seu funeral, as últimas palavras que eu tinha dito a ele naquela noite
tão distante foram as que tinham ficado mais altas na minha cabeça.
1 8
O
C A P Í T U L O D E Z E S S E T E
Kathleen
dia estava se preparando para ser uma amostra perfeita do
verão. Com Colin balbuciando na sua cadeira alta na
cozinha, Emma tagarelando com Roxie na sala de estar e
a brilhante luz do sol passando através da janela, parecia impossível
que eu ficaria preocupada.
Então, a batida aguda na porta ao lado me fez pular. Eu relaxei
quando vi que a sombra do lado de fora da porta era a forma da
minha mãe. Geralmente eu tentava consumir pelo menos um copo e
meio de cafeína antes de lidar com as inevitáveis críticas da minha
mãe, mas o café teria que esperar.
— Eu não estava te esperando, mãe. — Eu disse com toda
animação que eu consegui reunir.
Ela me encarou através dos seus enormes óculos de sol. Eles
adicionavam uma aparência de inseto ao seu rosto.
— Eu te disse noite passada que eu precisava falar com você,
Kat.
Eu suspirei.
— Tudo bem.
Ela estava entrando na casa quando ela franziu a testa de
repente.
— O que é aquilo?
— É a porta da cozinha. E eu estou segurando para ficar aberta.
Então, por favor, entre antes das moscas.
— Não. — Ela tocou a porta bem abaixo do painel retangular de
vidro para me mostrar algo que eu não tinha visto antes.
Quando eu vi o que era, meu sangue congelou.
— Eu quis dizer isso.
Era um pequeno milagre que meus dedos não balançaram
quando eu arranquei da porta o objeto que tinha sido fixado ali com
um quadrado de fita azul. Não era nada, só um pedaço de papel.
Ainda assim, isso me abalou nas profundidades da minha alma. A
foto tinha sido impressa em um papel comum de computador e eu
fui confrontada pelo meu próprio sorriso com dezoito anos de idade,
cercada de dois caras incrivelmente bonitos. Eu me lembrava
exatamente de quando ela foi tirada, em uma festa bem depois de
uma vitória de jogo do time da cidade. Minha vida parecia como um
conto de fadas naquela época: um patinho feio de uma cidade
pequena vai para a universidade de uma grande cidade e atrai o
interesse de um dos deuses do futebol. Ele era um rei naquele
mundo, ele e o seu irmão, ambos jogadores de um time campeão de
futebol americano. Ele poderia ter qualquer outra garota que ele
quisesse e eu estava admirada. No começo, pelo menos.
Devido aos meus sucessos acadêmicos anteriores, eu tinha
apenas dezesseis anos quando eu entrei na faculdade. Depois de
dois anos de estudos constantes, eu finalmente tireia cabeça dos
meus livros e me perguntei o que eu estava perdendo. No começo
de um novo semestre, eu me permiti ser arrastada para a minha
primeira festa de faculdade onde eu me mantive nos bastidores e
tomei um gole de uma cerveja quente até que uma coisa inesperada
aconteceu.
— Sai do canto, ratinha. Você está comigo agora.
Ele era gostoso, engraçado e excitante. Eu nunca tinha tido um
namorado de verdade e lá estava eu, dezoito anos e aclamada pelo
ouro dourado dos esportes, que tinha vinte e um anos. Ele e seu
irmão tinham apenas um ano de diferença, igualmente lindos e
talentosos. Eles eram a realeza. Em todos os lugares que nós
íamos, as outras garotas me examinavam com uma inveja
levemente disfarçada, questionando que raios eu tinha que elas não
tinham. E eu adorava isso. Pior, eu achei que eu o amava. Eu achei
isso mesmo quando ele insistiu em mudar o jeito como eu me
vestia, como eu falava. Eu achei isso mesmo quando ele insistiu que
eu tinha que passar menos tempo nos meus estudos e riu quando
eu fiquei desesperada com as minhas notas caindo. Eu achei tanto
isso mesmo quando eu soube que ele não era fiel. No ano em que
ficamos juntos, ele nunca foi fiel e, quando eu supus o contrário, eu
só brinquei comigo mesma. O que eu fiz em seguida foi tipo uma
vingança. Isso não me ocorreu naquela época. Eu pensei que
estava ajudando uma amiga. Mas depois eu me questionei se tinha
ali uma motivação mais feia por trás da superfície.
— Kathleen? — Minha mãe estava parada na cozinha agora e
ela estava com uma expressão rara de preocupação no rosto. —
Não é uma foto do...
— Vovó! — Emma tinha sido atraída para longe dos seus
desenhos pelo som da voz da sua avó e entrou correndo na
cozinha, colidindo com as pernas da minha mãe.
— Oi, meu doce de menina. — Minha mãe alisou seu cabelo e
estendeu um pequeno saco de papel. — Olha o que sua avó trouxe
para o seu café da manhã.
— Um bolinho de chocolate! — Emma gritou quando olhou para
o saco.
Normalmente eu teria ficado irritada, mas minha cabeça ainda
estava girando. Eu enrolei o pedaço de papel no meu punho.
— Ems, — Eu disse, surpresa que minha voz parecia tão calma.
— aqui tem um prato. Você pode comer lá na sala de estar e assistir
desenhos com a Roxie.
Emma não questionou que estranha mudança de
acontecimentos me levou a encorajá-la a comer na frente da
televisão. Ela saiu correndo para a sala.
Minha mãe estava encarando Colin enquanto ele chutava as
suas pernas na cadeira alta e brincava com um mordedor.
— A cada dia ele parece mais com a mãe. — Ela disse, de um
jeito triste.
— Eu sei. — Eu disse, afundando na cadeira mais próxima. A
foto ainda estava amassada na minha mão, mas a imagem estava
gravada na minha mente. Ela retratava um momento em que tudo
parecia perfeito, antes de eu saber da traição e isso me atingir,
antes de um dos irmãos do meu lado cair em um espiral profundo
que não poderia ser parado, antes de eu cometer um erro
descuidado que alteraria minha vida irrevogavelmente e que me deu
a melhor coisa que poderia acontecer comigo.
Emma riu no cômodo ao lado.
E eu tinha consciência de que minha mãe estava falando,
falando alguma coisa que ela queria que eu prestasse atenção, mas
eu estava com dificuldade de me concentrar nas suas palavras.
— Kathleen Margaret, — Ela disse com certa perspicácia. —
você ao menos se importa com o que eu estou te contando?
— Mãe. — Eu levantei. — Eu não estou me sentindo muito bem.
Eu vou te ligar depois, ok?
— Você está me expulsando? — Ela bufou.
— Não. Mas eu estou distraída, então temo que eu não esteja
sendo uma companhia satisfatória para uma conversa agora.
Ela exalou com infelicidade.
— Quando você vai começar a conversar como todo mundo?
Essa era uma reclamação velha, uma que minha mãe tem usado
desde que eu tinha seis anos e a informei sobre ela precisar “parar
de projetar suas próprias inseguranças nos outros”. Então eu repeti
a mesma resposta que eu tenho dado a ela há anos.
— Eu não sabia que era um crime ser esperta.
— Kat, sente agora. Eu estou falando com você sobre uma coisa
séria.
A bola de papel pesou ainda mais na minha mão. Enquanto eu
sentava, eu a joguei no chão discretamente debaixo da mesa para
que minha mãe não fosse lembrada da existência disso. Eu
definitivamente não poderia lidar com um interrogatório agora. Até
onde minha mãe sabia, o pai de Emma era um traidor
emocionalmente abusivo e Emma estava melhor com ele fora da
sua vida. Isso me deu um motivo para optar por não solicitar a
pensão-alimentícia. Isso também me deu uma desculpa para
esconder a verdade. Meu próprio pai tinha ido embora quando eu
tinha dois anos e, exceto ocasionalmente quando ele enviava um
cheque aleatório, eu não ouvi muito sobre ele enquanto crescia.
— Posso fazer outra xícara de café já que nós vamos entrar em
assuntos sérios? — Eu perguntei.
— Kat, eu não ligo. Beba todo café da cidade se isso fizer você
prestar atenção por cinco minutos.
Eu suspirei e fui para o canto perto da pia para repor minha
caneca da Felicidade de Hawk Valley.
Minha mãe me atacou assim que eu sentei.
— Então, você não quer saber os detalhes?
Emma apareceu com o rosto cheio de cobertura de chocolate do
bolinho, pegou sua xícara de plástica favorita e aceitou um beijo da
sua vó na bochecha antes de voltar para a sala.
Esperei até que ela estivesse fora de alcance para perguntar.
— Que detalhes?
— Sobre o registro dele.
Eu estreitei os olhos.
— De quem?
— Nash.
Abruptamente Colin estava nervoso para sentar na sua cadeira
alta. Ou talvez ele não gostasse de ouvir fofoca sobre seu irmão. Ele
deixou sair um gemido.
— Do que você está falando? — Eu perguntei, não realmente
querendo saber. Colin me recompensou com um sorriso babado
enquanto eu afastava a bandeja, abria o cinto de segurança e o
levantava.
— Uma acusação de agressão na faculdade e outra ano
passado. Na primeira vez, a denúncia foi retirada, mas, na segunda
vez, ele recebeu uma sei lá do que chamam quando você tem uma
advertência e não precisa ir para a prisão.
Eu franzi a testa.
— Condicional?
Ela encolheu os ombros.
— Acho que sim.
Nash se meteu em um monte de enrascadas no ensino médio.
Eu me lembrava claramente disso. Sempre havia rumores que ele
estava à beira da expulsão ainda que, de alguma forma, ele
arrumasse um jeito para sair fora sem consequências duradouras.
Eu só presumia que ele havia deixado no passado a sua tendência
a atacar. Sem dúvidas eu nunca tinha testemunhado aquele tipo de
agressão vindo dele.
— Eu bati em alguém.
Não, o que quer que tenha acontecido naquele tumulto não
contava de verdade. Travis Hanson tinha uma necessidade
perpétua de receber uma boa surra e eu estava certa de que ele
tinha merecido qualquer que tivesse sido a reação de Nash.
E também tinha a questão dos dedos, o jeito como eles pareciam
machucados e cortados na noite em que ele veio para cidade e ele
me deu alguma desculpa nada a ver sobre machucá-los durante
uma troca de pneu.
Ainda assim, Nash nunca tinha mencionado qualquer problema
legal lá em Oregon. Por outro lado, havia um monte de coisas que
eu não tinha mencionado a ele, portanto isso era totalmente
possível. Ele não teria nenhuma razão para mencionar seus
pequenos problemas com a lei. Eu nunca perguntei.
— Como você conseguiu essa informação? — Eu quis saber.
Ela parecia presunçosa.
— Retta da igreja tem um filho que é detetive particular em
Phoenix. O nome dele é Freddie e ele pode descobrir qualquer coisa
sobre qualquer pessoa.
A ideia era preocupante. Meu novo objetivo na vida era nunca
me tornar um dos projetos de Freddie.
— De qualquer forma, por que você estava investigando Nash?
— Eu perguntei, sacudindo Colin no meu colo enquanto ele
mastigava um mordedor.
Ela me lançou um olhar astuto.
— Sou sua mãe, Kathleen. Você realmente acha que eu não sei
o que está acontecendo aqui?
— Você pode esclarecer para mim então?
Sua boca se franziu.
— Você está envolvida com ele. Você foi instigada a cuidar de
tudo. Do negócio dele, da casa dele e até daquele bebê.
Eu não queriagritar. Emma ouviria. Eu mantive minha voz baixa
mas insistente.
— Colin é filho da Heather. Ele tem nossa carne e sangue, ele é
seu sobrinho-neto. Ele não é só “aquele bebê”, então não se refira a
ele dessa forma.
Ela cedeu e desviou o olhar.
— Não, claro que não. Você sabe que eu me importo com o que
acontece com Colin. É por isso que eu estou tão preocupada em
entregá-lo a um homem como Nash Ryan.
— Essa era uma escolha de Heather e Chris. — Eu disse,
categoricamente. — Foi o que eles decidiram.
— Mas...
— Sabe, — Eu disse. — você pode aparecer mais para ajudar
em vez de desenterrar sujeira nos bastidores. Se você fizesse isso,
veria que Nash cuida muito bem de Colin. O que é ainda mais
essencial é que ele ama Colin com todo seu coração.
Uma sobrancelha arqueou.
— Eu percebi que você não negou que está se relacionando com
ele.
Minha voz era fria.
— O que você quer ouvir, mãe? Você quer me ouvir admitir que
a gente faz sexo bombástico? Ok, eu admito.
Ela se avermelhou de constrangimento.
— Não seja vulgar, Kathleen.
— Então não se meta em assuntos sobre os quais você não quer
conversar.
Ela inclinou a cabeça e pareceu um pouco ferida.
— Só estou me metendo porque eu me importo. Eu me importo
com você, com Emma e com Colin também.
Emma voltou com Roxie ao lado. A cachorra recorreu à minha
mãe com o rabo abanando, porém minha mãe a ignorou, então ela
virou para mim para receber um tapinha na cabeça.
— Vocês estão brigando? — Emma perguntou.
— Não, querida. — Eu disse. — Por que você acha isso?
— Você parece brava.
— Eu não estou brava.
— Ninguém está brava. — Minha mãe insistiu e segurou a
cabeça dela. — Agora venha dar um beijo na vovó antes que eu vá
embora.
Emma ainda tinha chocolate no rosto e ela acabou manchando a
bochecha da minha mãe.
Minha mãe soprou um beijo para Colin antes de sair. Para mim,
ela tinha apenas algumas severas palavras de aviso.
— Lembre-se do que eu te contei, Kat.
Eu virei minha cabeça e fingi olhar para alguma coisa fascinante
fora da janela até que ela fosse.
— Eu e Roxie estamos entediadas. — Emma anunciou.
Eu peguei um guardanapo e limpei o chocolate do seu rosto. Ela
resistiu, enrugando seu nariz e balançando a cabeça.
— A gente pode ir para o quintal? — Ela perguntou.
Eu sacudi a cabeça.
— Não, querida, só vamos brincar dentro de casa hoje.
— Por que?
— Está quente lá fora.
Isso não era uma mentira. Mas também não era uma verdade
completa. Alguém tinha ficado me observando, provavelmente me
seguindo, até me encontrar aqui na casa do Nash. Eu sabia quem
era, a mesma pessoa que ligou e mandou e-mail pelo menos uma
dúzia de vezes esse verão. Eu tinha deletado cada mensagem e e-
mail, às vezes antes de ouvir ou ler. Ele não tinha nenhum lugar na
minha vida, nenhum lugar na vida da Emma. No entanto, as coisas
tinham se intensificado e eu precisava de alguém para confiar.
Talvez Steve Brown. Alguém que pudesse me dizer objetivamente
quais opções legais eu tinha caso fosse minha vez de ser
confrontada pelas minhas próprias mentiras.
— O que a gente deveria fazer em casa durante o dia inteiro? —
Emma fez biquinho.
Eu levantei e puxei Colin para meu quadril.
— Quando eu era uma menininha, eu costumava construir
fortalezas. Nós podemos fazer isso.
— O que é uma fortaleza?
— É como um pequeno clube e nós vamos construir um bem na
sala com algumas cadeiras e cobertores.
Emma estava intrigada.
— Você pode me mostrar?
Eu sorri.
— Claro.
Vinte minutos depois, todos nós estávamos relaxando na
fortaleza improvisada na sala de estar. Emma e eu estávamos
deitadas de costas e encarando o cobertor amarelo que serviu de
telhado enquanto Colin gostava de ficar de barriga para baixo entre
nós duas. Roxie sentou protegendo a entrada, nossa vigilante fiel.
— Eu gosto de estar aqui. — Emma sussurrou.
— Eu também. — Eu sussurrei de volta.
Meu celular tocou. Eu tenho deixado ele por perto, apenas no
caso de eu precisar ligar 190 às pressas, embora eu tenha muita
certeza de que Roxie ficaria furiosa se alguém tentasse mesmo
entrar na casa.
Eu senti uma corrente de alívio quando eu vi que a ligação era
de Nash.
— Como está sendo fazer a viagem dirigindo?
— Longa. Maçante. Como está o meu garoto?
Eu olhei para o Colin.
— Ele está bem. Está tentando se levantar.
— Diga a ele que estou com saudades.
— Vou dizer.
Houve uma longa pausa.
— Também estou com saudades de você, Kat.
Meus olhos se fecharam e um breve segundo de alegria me
inundou. Era exatamente isso que eu queria ouvir dele. Alguma dica
de que havia mais para nós do que um acordo prático. Meu coração
queria que eu respondesse, queria que eu dissesse para ele o
quanto eu sentia falta dele também. Eu queria tanto sentir seus
braços ao meu redor, ouvir o conforto da batida do seu coração
enquanto eu descansava minha bochecha no seu peito depois de
termos aproveitado o corpo um do outro.
Meus olhos abriram. Eu não podia dizer isso. Não agora. Dizê-lo
me deixaria exposta a um possível nível de dor que eu seria capaz
de suportar. Porque Nash não sabia nada da história mais
importante que eu tinha para contar e de como eu estava
escondendo isso por tanto isso, mentindo por tanto tempo. Eu não
tinha certeza de como fazer alguma coisa de um jeito diferente. Ele
não entenderia. Nash tinha pouca paciência ou perdão para
qualquer tipo de falsidade. Nash assumiu que eu era honesta e
honrável porque eu nunca dei a ele nenhum motivo para acreditar
no contrário.
Não, com certeza ele não entenderia. Eu estava sozinha nessa.
— Acho que eu te vejo mais tarde essa noite. — Eu disse.
Eu pensei ter ouvido um suspiro de irritação do outro lado.
— Acho que sim.
— Dirija com segurança.
— Tchau, Kat.
Emma se endireitou na pequena estrutura que nós inventamos e
me encarou.
— Mamãe, você está chorando?
Eu esfreguei meus olhos.
— Não, Ems. Não tem motivo nenhum para a mamãe chorar.
1 9
A
C A P Í T U L O D E Z O I T O
Nash
viagem foi monótona, os quilômetros e paisagens fundindo-
se um no outro. Eu tenho dirigido por mais horas do que eu
me importava em pensar e agora eu estava em algum lugar
em Nevada, em um segmento amarronzado e seco do estado. O
cenário me lembrava Phoenix, o lugar onde eu nasci e para onde
não voltei durante uma década.
Uma saída para parada de descanso acenou e minha bexiga
exigiu um alívio, então eu saí da estrada e em direção a um edifício
que tinha banheiros e máquinas automáticas.
Um caminhoneiro que tinha acabado de usar as instalações me
cumprimentou com um rápido aceno de cabeça. Eu fiz o que
precisava fazer, tentei pegar um refrigerante na máquina automática
que estava quebrada, depois parei para tomá-lo na paisagem árida.
A viagem longa estava brincando de caos com os meus
pensamentos. Quando eu não estava remoendo memórias ruins, eu
estava incomodado com minha ligação com a Kat mais cedo. Tinha
um sinal na sua voz, como se tivesse alguma coisa errada. Ela
parecia triste, distraída. Eu a conhecia bem o bastante para detectar
a diferença. Geralmente Kat estava cheia de palavras e questões,
mas, dessa vez, ela ficou quieta, não respondeu nem quando eu
disse que sentia sua falta. Eu não tinha dito isso com a intenção de
pressioná-la. Eu disse isso porque ela tem ficado tanto na minha
mente, quase tanto quanto Colin, e eu achei que ela ficaria feliz de
ouvir.
Talvez eu estivesse errado. Talvez ela quisesse me manter
distante depois de tudo.
Eu terminei minha pausa e subi de volta à caminhonete. O sol
estava começando a se abaixar no céu. Eu tinha começado essa
jornada há catorze horas e essa seria a última parte da viagem. Eu
estava fazendo um tempo excelente e esperava estar de volta a
Hawk Valley antes das onze da noite.
Um bocejo lutou para sair. Não foi uma das minhas ideias mais
inteligentes encarar essa viagem exaustiva com três horas de sono.
A última vez que eu fiz o percurso, eu não tinha dormido, mas
porque eu estava correndo em choque e adrenalina. Agora eu só
estava cansado e querendo ir para casa.
Casa.
É engraçado como eu tinha resistido pensar em Hawk Valleycomo casa durante os anos em que vivi lá. Pensava em Hawk Valley
como a cidade do meu pai, a casa do meu pai. Eu convenci a mim
mesmo que eu não pertencia a aquele lugar excêntrico que parecia
parado no tempo nas encostas das montanhas. Eu pertencia a ele
agora. Eu só queria voltar para lá e dar um beijo de boa noite no
Colin. Eu queria segurar Kat e tentar descobrir onde sua cabeça
estava. Eu sabia onde a minha estava. De alguma forma, essa
viagem tinha deixado isso claro. Não havia nada de casual no que
nós tínhamos, não para mim. Eu não queria que ela fosse minha
amiga e parceira de foda. Eu queria que ela fosse minha.
Assim que peguei novamente à estrada, meus pensamentos se
desviaram a uma direção menos agradável. Durante essa viagem,
eu pensei muito em assuntos amargos. As coisas que aconteceram
entre meu pai e eu. E Heather. A conclusão confusa que tomou uma
tragédia grega de qualidade. Mas isso não acabou com Heather
correndo para fora da casa e minhas palavras brutas para o meu
pai.
Depois daquela noite, ele estava tão arrependido que era quase
comovente. Ele comprou todas as minhas comidas favoritas, ficou
em casa todas as noites na esperança de que eu dissesse mais do
que duas frases para ele, abriu sua carteira para comprar mais
porcarias do que eu realmente precisava para trazer para a
faculdade. A trégua entre nós era tensa, mas pelo menos ela existia.
Ele me abraçou no dia que eu fui para a faculdade e o deixei.
Heather tinha se demitido do trabalho. Eu não a via por perto e
também não me importava. Nós não costumávamos ser tão
invisíveis quanto pensávamos ao dar uns amassos na manta no
parque, porque alguém tinha visto. Os rumores chegaram em mim e
eu me recusei a confirmar ou negar. Na verdade, eu me recusei a
participar de qualquer conversa que incluía o nome dela.
Heather era mais do que só uma garota com quem eu tinha me
metido. Ela podia acabar significando alguma coisa para mim.
Ou talvez não.
Talvez eu só tivesse transado com ela e a colocado de lado para
perseguir alguma coisa melhor milhares de quilômetros de distância.
De qualquer maneira, minha memória mais significativa dela agora
era que ela parecia uma mentirosa pelada na cama do meu pai. Eu
não podia perdoá-la por colocar isso na minha cabeça. Ela me
deixou algumas mensagens de voz com vários tipos de “blá blá blá
nunca quis te magoar” até que eu bloqueasse seu número. No dia
da formatura, eu pensei ter pego um vislumbre do seu cabelo loiro
no meio da multidão mas, quando eu olhei de novo, ela tinha ido
embora.
Quando eu estava em Oregon, eu não pensei muito nela. Eu
tinha muitas coisas para me manter ocupado. Não faltavam garotas
por perto e, às vezes, eu conhecia uma que eu meio que gostava.
No entanto, eu comecei a ser cuidadoso com os sentimentos das
garotas. Eu finalmente soube como dói ser descartado e eu não
queria causar isso em ninguém. Eu experimentei ter alguns
relacionamentos e descobri que eu não era bom nisso. Elas me
acusavam de ser fechado, desapegado, indisposto a me permitir,
incapaz de deixar alguém entrar. Elas disseram que eu era um filho-
da-puta frio igual pedra que não tinha nada para dar. Eu não discuti.
E ainda me recusei a falar sobre o fogo de fúria que queimava
dentro de mim, como isso me levava a procurar violência embora eu
a desprezasse. Eu nunca provocaria dor só para infernizar. Mas o
sinal de alguém sendo maltratado, principalmente uma mulher,
explodia em mim uma reação em cadeia que terminava nos meus
punhos.
Havia terapia. Havia grupos de apoio. O tribunal ordenou a
administração da raiva. Mas isso foi uma perda de tempo, porque
não havia mistério por trás das minhas ações. Toda explosão que
tinha sido precedida na minha cabeça estava ligada ao assassinato
da minha mãe.
Olhando pelo lado positivo, assim que eu me mudei para
Oregon, minha relação com meu pai tomou um rumo melhor. Era
fácil se dar bem com uma pessoa que você dificilmente via e falava
talvez duas vezes no mês.
No outono do meu terceiro ano de faculdade, meu pai me
perguntou se eu iria para casa para o Natal. Eu não tinha ido no ano
anterior, preferindo ficar na faculdade. A verdade é que os feriados
me irritavam demais, todos esses enfeites falsos e sorrisos
forçados. Contudo, meu pai parecia sério e, durante o ano passado,
eu só visitei Hawk Valley por um total de três dias no verão. Ele
pareceu satisfeito quando eu disse que estaria lá.
“— Tem uma coisa que eu quero te contar pessoalmente, Nash.
Uma coisa que eu espero que esteja ok para você.”
As palavras dele eram estranhas, mas eu não me debrucei sobre
elas. Talvez ele estivesse jogando a toalha e fechando a loja. Até
onde eu sabia, seria sobre tempo. Em qualquer caso, eu estava
determinado a me entender com ele. Eu poderia fazer isso por
alguns dias horríveis.
— Você está fazendo o que? — Eu não conseguia acreditar no
que eu acabei de ouvir.
Ele estava nervoso, continuou olhando para as mãos. Mas ele
encontrou meu olhar quando confirmou a notícia.
— Vou me casar com Heather Molloy.
Meu cérebro lutou por uma reação, mas nenhuma palavra veio,
por isso Chris Ryan viu nisso um convite para continuar falando.
— Ela se mudou de volta para cá seis meses atrás para cuidar
da mãe dela. Nós viramos amigos. Depois, virou algo mais. Nash,
isso não tem nada a ver com os erros do passado. Nós dois ainda
nos sentimos péssimos sobre isso. Só que o que temos agora, as
pessoas que somos agora, isso é diferente. Eu espero que você
consiga entender.
— Eu entendo que tem alguma coisa realmente muito errada
com vocês dois. É isso que eu entendo.
— Nash, por favor.
— Por favor o que?
— Ela se importa com você. Ela quer ser sua amiga.
Eu achei isso engraçado.
— Ah, Jesus, essa é boa.
— Ela queria estar aqui para falar com você. Mas eu achei que
isso precisava ser entre a gente.
Eu andei pela sala de estar, enojado.
— De todas as mulheres por aí, é essa que você escolhe.
Ele insistiu, lembrando do seu motivo.
— Eu a amo.
— Que se foda. Você não ama ninguém.
Ele pareceu magoado.
— Isso não é verdade. Eu amo você. Eu amo você desde o dia
que você nasceu.
Eu parei o passo.
— É claro que você escolheu um momento especial para dizer
isso pela primeira vez.
— Achei que você soubesse. — Ele passou a mão no cabelo.
Ele tinha feito seu quadragésimo aniversário esse ano, mas seu
cabelo ainda era preto e espesso, como o meu. — Eu nunca fui bom
em dizer isso. Eu deveria ter sido melhor em fazer você se sentir
amado. Eu deveria ser mais como a sua mãe.
Eu me virei para ele, praticamente rosnando.
— Não ouse falar sobre ela, porra!
— Nós deveríamos ter falado mais sobre ela. Foi um erro meu.
— Você sempre odiou minha mãe.
Meu pai estava abalado.
— Não, filho. Eu nunca odiei sua mãe, nunca. Sua mãe me deu
muito. Ela me deu você.
— É. E eu descobri que era por isso que você a odiava mais.
Eu não via meu pai chorar desde a noite que ele me acordou
para me contar que a pessoa que eu mais amava estava morta.
Uma lágrima deslizou sobre a sua bochecha agora.
— Não. — Ele repetiu, com a voz rouca. — Eu a amava por isso.
Nós nunca nos demos bem, mas eu sempre a amei pela simples
razão de que você era parte dela.
Eu não queria que ele dissesse aquelas coisas. Não quando eu
estava inclinado a ficar furioso.
— Você tem que parar, Nash. — Ele disse. — Você tem que
parar de culpar a si mesmo, por se sentir culpado em relação a uma
coisa que você nunca poderia ter impedido. Você precisa parar o
jeito como você ofende, achando que você pode consertar todas as
coisas erradas no mundo. Você não foi feito para violência e isso
toma uma parte de você toda vez. Isso vai te destruir se você deixar
e, meu filho, meu lindo filho, você é muito melhor do que finge ser.
Um dia você vai acordar e entender isso.
Eu não queria ouvir.
— Palavras estranhas de um homem que se esforçou tanto para
me colocar para baixo.
Ele se encolheu.
— Eu nem sempre fui o melhor pai. Eu disse e fiz coisas que eu
não deveria. Eu mereci isso completamente. Mas estou te pedindo
que me perdoe.
Eu peguei amochila que tinha deixado na porta assim que entrei
aqui há pouco tempo.
— Eu não quero ouvir isso. Vá em frente. Case com ela. Isso
não importa para mim. Acabou.
— Espere! — Ele se levantou e cobriu a distância entre nós.
Minha mão já estava na porta.
— Eu quero que você fique. — Ele engasgou. — Eu quero tanto
que a gente recomece. Mas eu não vou te impedir de ir se você
precisar. Só estou te pedindo, não, estou implorando, por favor, não
corte todo o contato. Por favor, Nash.
Em vez de responder seu apelo, eu bati a porta na cara dele.
Até dois meses atrás, essa emotiva noite de Natal foi a última
vez que pisei em Hawk Valley. Felizmente algumas das palavras do
meu pai tinham se aprofundado. Levei alguns meses para esfriar a
cabeça, mas por fim eu peguei o celular e liguei para ele. Eu não iria
ao casamento ou visitaria nem o receberia para uma visita, mas eu
fiz o que ele pediu. Eu mantive contato.
Quando Colin nasceu, eu fiquei extremamente tentado a visitá-lo.
Eu sempre esperei e desejei um irmão quando era criança e agora
eu tinha um. Meu pai enviava fotos toda semana e eu me peguei
olhando para elas com muita frequência, me perguntando quando
eu conheceria meu irmão, o que ele acharia de mim.
Eu nunca teria imaginado, nem nos meus piores momentos de
medo, que isso aconteceria do jeito que aconteceu.
No entanto, isso foi o acaso fodendo a natureza das coisas
nessa vida. Acontecem coisas que nós possivelmente não
poderíamos planejar. E o destino pode dar um golpe cruel e
imprevisível, não importa o que nós pretendemos, não importa o que
nós queremos, não importa quanto tempo a mais nós desejamos.
2 0
N
C A P Í T U L O N O V E
Kathleen
ash me disse que estaria em casa antes das onze da noite.
Depois de colocar as crianças na cama, eu não conseguia
ficar quieta então eu embarquei em uma limpeza muito
cuidadosa por todo o primeiro andar da casa antiga.
Durante todo o dia, meus pensamentos tinham ficado lutando um
contra o outro e eu ainda não tinha nenhum plano claro. Steve
Brown era um amigo da família e um advogado competente, mas eu
hesitava em envolvê-lo. Ou qualquer um. Voltar para Hawk Valley
grávida, sozinha e sem uma graduação tinha causado uma onda de
fofocas. Eu era Kathleen Doyle depois de tudo, a sabichona certinha
que tinha saído daqui com toda intenção de criar uma reputação
para si mesma.
Em vez disso, eu voltei com nada além de uma história vaga
sobre um relacionamento falido que não chegou perto de tocar a
verdade. Emma recebeu meu último nome e eu me recusei a
colocar o pai na certidão de nascimento. E não estava até eu
receber uma cópia no meu e-mail quando a bebê estava com seis
semanas e descobrir que minha mãe visitou uma amiga no escritório
de registros judiciais de nascimento e mudou minha resposta.
O nome Harisson Corbett me encarou de volta nas letras em
negrito.
“— Pare de gritar, Kat. Eu estou tentando proteger você e Emma.
Você pode mudar de ideia algum dia e querer a pensão-alimentícia.”
Ela deixou bem claro que eu não poderia ficar brava. Ela não
tinha ideia de que a explicação que dei a ela estava com alguns
elementos-chave em falta, o maior deles era o verdadeiro nome do
pai da Emma.
Limpar era terapêutico. Ficar de joelhos e lavar o chão de
madeira dura à mão conseguia acalmar o tumulto na minha cabeça.
Roxie pareceu ofendida quando eu a coloquei para fora do seu
canto para que eu pudesse limpar ali. Ela me observou com os
olhos confusos de cachorra e depois se abaixou bufando quando eu
coloquei sua cama macia no chão em um lugar diferente, que já
estava seco.
Na cozinha, eu encontrei o pedaço de papel amassado que tinha
me perturbado tanto essa manhã. Estava exatamente onde eu
joguei debaixo da mesa. O dia inteiro eu evitei pegá-lo porque eu
sabia que eu seria incapaz de resistir a dor de desfazer as dobras e
olhar para ele novamente.
As três pessoas na foto eram novas. Incrivelmente novas. Elas
ainda não tinham sido tocadas por nenhuma coisa terrível e isso era
visível nos seus sorrisos arrogantes.
— Randall. — Eu sussurrei, tocando seu rosto e desejando que
eu tivesse o poder de ultrapassar a teia do tempo e avisar a ele que
ele só teria um ano para viver. O jogo do qual ele participou naquela
noite foi o último antes do machucado no joelho. Depois disso,
vieram as cirurgias e o vício ao medicamento para dor, o desespero
e o esforço inútil para recuperar sua vida e, por fim, a overdose fatal.
Eu estava quase rasgando o papel em pedaços pequenininhos
para que eu não precisasse olhar mais para ele quando eu vi
alguma coisa no canto direito. Um número de telefone que foi escrito
com capricho. Provavelmente era o mesmo que deixaram nas
mensagens de voz não ouvidas e listado no fim dos e-mails
descartados.
Eu peguei meu aparelho celular e disquei antes que eu tivesse
uma chance de reconsiderar. Os três toques duraram uma
eternidade e meu coração bateu forte o tempo todo. Ele atendeu no
quarto toque.
— Kathleen. Que maldita hora você me ligou de volta.
Ouvir a voz dele depois de todo esse tempo imediatamente
convocou um sentimento que era parecido com ser chutada bem no
peito.
— Só estou ligando para te mandar ficar longe de mim. — Eu
disse, friamente. — Terão consequências legais se você não fizer
isso.
Ele suspirou.
— Não posso fazer isso. Eu te disse que nós precisamos
conversar.
Eu me esforcei para evitar gritar. Eu não podia acordar as
crianças.
— Nós não precisamos conversar! Fique longe. Pare de me
seguir ou eu vou fazer você ser preso.
Ele riu.
— Não, você não vai.
— O inferno que eu não vou.
— Não vamos fazer isso através do telefone, Kat. Eu estou na
cidade, no Hotel Hawkian na Avenida Garner. Você não precisa me
dizer onde você está. Eu já sei. Me espere aí em dez minutos.
Ele terminou a ligação, me deixando parada sozinha na cozinha,
perplexa e encarando o celular silencioso como se ele fosse uma
cobra venenosa. Eu poderia fazer jus à minha ameaça. Eu poderia
chamar a polícia, dizer que ele estava me seguindo, pedir uma
medida restritiva. Mas isso se tornaria um espetáculo muito feio.
Um carro parou na casa dez minutos depois. Por um momento,
eu desejei que eu fosse tirada do meu tumulto interno para vestir
alguma coisa mais considerável do que uma camisola longa sem
short, mas já era tarde. O momento era agora. A única coisa a fazer
era encarar isso de frente.
Eu saí na noite de verão para evitar uma batida na porta que
faria a Roxie explodir em uma enxurrada de latidos que com certeza
acordaria as crianças.
Mesmo sob as luzes da rua, eu podia ver que Harrison Corbett
ainda estava terrivelmente bonito como na noite que ele me tirou de
um canto numa festa lotada e me fez ser dele. Mas a piada estava
em mim desde o início. Para ele, eu era só um pedaço de uma
coleção.
Harrison saiu do lado do motorista e percebeu que eu estava
parada na passagem de cimento.
— Oi, Kat. — Ele me cumprimentou sem problemas, como se
nós fôssemos amigos em vez de inimigos.
— Fique aí. — Eu avisei, branding meu celular há três metros
como se fosse alguma outra coisa. Como uma espada. Ou um
bastão para gado. Alguma coisa que machucaria se tocasse nele. —
Se você me der qualquer motivo para ligar para a polícia, eu não
vou hesitar.
— Ah, por favor! — Ele zombou. — Chega dessa histeria de
merda.
— Eu não sei o que você quer depois de todo esse tempo. — Eu
disse a ele. — Mas você não vai ter.
Ele riu.
— Você acha que eu faria todo esse esforço por você?
— Eu não sei o que pensar.
— Eu não quero você, Kathleen. Você não está entre as minhas
memórias favoritas.
— Igualmente, seu babaca.
Ele não se importou com o insulto. Ele olhou para a casa.
— De quem é esse lugar?
— Não é da sua conta.
— Eu sei que não é sua casa. Você tem ignorado todas as
minhas ligações e e-mails, então minha única opção era aparecer
aqui e resolver com você pessoalmente. Eu estava esperando por
você no seu apartamento ontem, mas quando você finalmente
apareceu, você não ficou lá e dirigiu para cá em vez disso.
Eu me lembrei da sensação horripilanteque eu tive no caminho
para cá ontem, que eu estava sendo seguida. Dei um passo para
trás.
— Ela está aí? — Harrison perguntou e eu fiquei fria.
— Quem?
— A criança. O nome dela é Emma, certo?
— Não fale sobre ela. — Eu sussurrei. — Ela é minha filha.
— E o que você vai contar para ela quando chegar o dia dela
perguntar sobre o pai?
— Cala a boca.
Ele avançou.
— O que você vai contar para ela, Kathleen?
— Cala a boca!
Ele estava bem próximo ao meu rosto agora.
— O QUE VOCÊ VAI CONTAR PARA ELA?
Eu o empurrei, só para afastá-lo. Ele estava muito perto. Se ele
estava tentando me intimidar, ele tinha conseguido. Mas Harrison
não estava esperando que eu atacasse fisicamente. Ele tentou
chegar para o lado, mas perdeu o equilíbrio, agarrando meu braço,
talvez no instinto, enquanto ele caía no gramado da frente. Eu caí
com ele. Nós caímos na terra em uma pilha de membros e minha
camisola enrolou até minha cintura, minhas pernas descobertas
deslizando na grama que ainda estava molhada dos regadores
automatizados.
Nós só estávamos deitados ali talvez por dois segundos, mas foi
tempo suficiente para um holofote avassalador materializar de
algum lugar e nos congelar ali no gramado onde tínhamos caído.
A princípio, eu não poderia dizer de onde a luz estava vindo.
Depois a luminosidade foi removida abruptamente e eu pestanejei,
vendo a forma de uma caminhonete na rua.
— Kat! — Nash rugiu e pareceu que ele tinha se arremessado da
caminhonete, saltou sobre a calçada e desembarcou do meu lado
no tempo de uma batida de coração.
Eu ainda estava muito atordoada para palavras quando ele me
pegou pelos meus pés, analisando-me na luz fraca com o pânico
escrito em todo o seu rosto. Quando ele estava convencido de que
eu não estava sangrando e apenas em um pedaço, seu pânico se
metamorfoseou em raiva. Ele se virou para o homem que agora
estava parado há três metros.
— Isso é ótimo mesmo. — Harrison murmurou.
Nash bateu nele. Muito mais forte do que eu. Harrison fez um
legítimo som de “ugh!” e tropeçou em direção à calçada. O momento
teria sido cômico se não fosse tão aterrorizante.
Harrison se endireitou. Uma vez um recebedor em um time
universitário de futebol americano, ele ainda contava com uma
força. Mas devido aos músculos que se enrolavam aos braços de
Nash e o brilho assassino nos seus olhos quando ele encarou
Harrison, eu apostaria meu dinheiro nele.
— Quem diabos é você? — Nash rosnou.
Harrison exalou de forma barulhenta.
— Eu não vim aqui para esse tipo de problema.
— Você não faz ideia do tipo de problema que você acabou de
encontrar, filho da puta.
— Nash. — Eu disse, mas ele me ignorou, mantendo-me atrás
dele.
Harrison riu.
— Entendi. Você é o cão de guarda da Kat.
— Eu perguntei quem diabos é você.
— Nash! — Eu puxei a manga da sua camiseta para fazê-lo
olhar para mim. — Esse é Harrison Corbett. Nós, hum, quer dizer,
eu o conheci na faculdade.
A compreensão apareceu no rosto de Nash.
— Ele é o pai da Emma, não é?
— Oh, merda. — Harrison jurou. — Você não fica tão longe das
suas mentiras, não é, Kathleen?
Nash estalou seus dedos.
— Você cale a sua boca de merda.
Harrison não seria licenciado.
— Mas ela é conhecida por desaparecer da cama de um
homem, então esteja avisado.
— Seu filho da puta! — Eu sibilei.
— Sua vadia dissimulada de duas caras. — Ele atirou de volta.
Roxie latiu de dentro da casa. Era impressionante que nenhum
dos vizinhos tinha escutado toda a barulheira ainda.
— Cai fora daqui. — Eu disse. — Cai fora daqui, Harrison, ou eu
juro que eu faço mesmo você passar a noite na cadeia.
— Pessoalmente, eu preferiria fazer ele passar a noite no
hospital. — Nash rosnou.
Eu pensei que era um pequeno milagre que os dois não tinham
saído nos socos ainda. Mas essa situação já estava pronta para
explodir. Eu precisava que eles se afastassem antes de alguma
coisa acontecer.
— Estou falando sério. — Eu disse e apontei para o meu celular
como se eu estivesse pronta para ligar 190.
Harrison deixou sair um último suspiro.
— Ainda não acabamos. — Ele alertou, depois virou para seu
carro esportivo estúpido e saiu.
Nash esperou em uma pose tensa até que os faróis de Harrison
virassem a esquina antes de se esticar para mim.
— Você está bem?
— Estou bem.
— Que merda foi essa que aconteceu?
— Nós estávamos tendo uma briga.
— E ele decidiu te derrubar?
— Não. Isso foi um acidente.
Nash parou, colocou as mãos nos quadris e me estudou com
uma expressão que eu não conseguia ler no escuro.
— Que merda ele estava fazendo aqui? Quer dizer, você não o
vê há anos, certo?
— Não, eu não o vejo há anos. Só que ele tem tentado falar
comigo há semanas e mais semanas. Ligando, enviando e-mail...
Eu o ignorei, então ele decidiu vir para a cidade e me confrontar
pessoalmente.
— Por que ele queria ver Emma?
— Eu duvido disso.
— Então, ele queria ver você?
— Não, também não acho que seja isso.
— Como você sabe?
— Porque ele me odeia.
— Por que?
Eu abaixei minha cabeça.
— Eu transei com o irmão dele.
— O que?
Eu levantei a cabeça e disse numa voz clara.
— Eu transei com o irmão dele. Randall, o nome dele. É por isso
que Harrison me odeia.
Nash não disse nada. Ele só me encarou.
Eu ri de repente, consciente de que eu soava como uma
maníaca.
— Mas isso não é o fim da história. Eu fiquei grávida de Randall.
E depois ele morreu. Ele estava lutando contra um vício em
medicamentos para dor, tentando ficar limpo. Eu achei que podia
ajudá-lo. Mas ninguém poderia ajudá-lo e uma noite ele engoliu
tantas pílulas que ele morreu!
Eu tive que parar porque eu não consegui respirar direito. Tinha
uma dor no meu interior, a memória de um luto angustiante que eu
nunca lidei bem. E eu não estava rindo mais. Agora lágrimas
rolavam pelas minhas bochechas.
— Eu não sabia o que fazer, para onde ir. Então eu esqueci
todos os planos que eu tinha feito e voltei para cá porque eu só
tinha uma coisa que importava. Emma. Eu nunca contei a verdade
para ninguém. Até mesmo a certidão de nascimento da Emma é
uma mentira. Eu não sou o que você pensou que eu fosse, Nash. E
eu sei que você me acha repugnante agora, que eu sou essa vadia
mentirosa e você está certo. — Eu me afundei na grama, ofegante
entre soluços. — Você está certo.
— Kat.
Eu ouvi sua voz mas eu não consegui responder. Eu estava
perdida no colapso do meu escudo cuidadosamente construído. Eu
estava quebrada. Eu não poderia ser consertada essa noite.
— Kathleen.
Ele estava bem ali no chão comigo e eu não resisti nem um
pouco quando senti seus braços me atraíram para a quentura sólida
do seu peito. Eu fiquei ali até eu parar de ofegar entre soluços
agonizantes.
2 1
F
C A P Í T U L O V I N T E
Kathleen
icar de bobeira no gramado da frente a noite inteira não era
uma opção. Depois de uns dez minutos desmoronando por
toda a camiseta do Nash enquanto a grama molhada
encharcava minha calcinha, ele me pediu para levantar.
— Vamos para dentro.
Ele agiu como se estivesse preparado para me carregar, mas eu
já estava envergonhada o bastante, então eu me levantei e
caminhei pelo gramado da frente enquanto minha camisola molhada
grudava nas minhas coxas.
Eu abri a porta da frente para encontrar uma cadela da raça
pastor-alemão muito perplexa esperando, mas sua confusão foi
interrompida para abanar o rabo de alegria quando Nash apareceu
atrás de mim e estendeu uma mão em cumprimento.
Eu parei na base das escadas.
— Eu não ouço as crianças. Elas devem estar dormindo, apesar
de tudo.
Nash terminou de acariciar a Roxie e me olhou enquanto eu
desejava ardentemente ter habilidade de ler mentes.
— Vou lá conferir. — Ele disse e assentiu para o meu pijama
molhado e manchado de lama. — Por que você não tira um minuto
para se limpar?
Sua voz não soou fria ou irritada, se bem que a grande
Revelação no Gramado da Frente devia tê-lo chocado pelo menos
um pouco. Isso ainda me assustava e eu fui a pessoa que revelou.
Eu peguei seu conselho e procurei uma muda de roupas
enquanto Nash deu uma olhada na Emma e depois visitou o quarto
do Colin. O monitor de bebê estavaao lado da cama no quarto de
Nash, então eu pude ouvi-lo lá ao mesmo tempo que eu tirava uma
regata e um short frouxo da minha mala.
— Como está meu garotinho favorito? — Nash disse
suavemente. — Senti sua falta, bebê. — Alguns segundos depois,
eu ouvi a música do berço móvel e, em seguida, os passos do Nash
vindo nessa direção.
Ele apareceu na entrada da porta, cruzou seus braços e se
apoiou no batente. Ele parecia cansado. E muito bom, embora esse
não fosse o bom momento para eu perceber isso. Ele não deve ter
feito a barba desde que saiu na outra noite. A barba escura por todo
seu queixo o denunciava.
— Você sabe quantas noites eu fiquei acordado nesse quarto
desejando estar em qualquer outro lugar? — Ele perguntou.
Eu sentei na ponta da cama.
— Não.
— Muitas. E agora eu não consigo me lembrar do porquê. É um
bom quarto. Uma boa casa. Uma boa cidade. — Nash esfregou os
olhos. — Você quer esperar até amanhã para conversar sobre isso?
— Não.
Nash me encarou. Eu me perguntei o que ele via agora, se era
completamente diferente do que ele viu na última vez que estivemos
juntos.
Eu levantei.
— Eu posso ir dormir no sofá.
— Kat.
— Ou eu posso acordar Emma e ir para casa.
— Pare. — Ele entrou no quarto e fechou a porta. Depois ele
virou de costas e passou a camiseta pela cabeça antes de abaixar
seu short. Nós estávamos no meio de uma coisa séria, mas eu não
pude evitar ficar excitada.
Nash colocou as cobertas da cama para baixo, se assentou e
deu um tapinha no lençol.
— Vem cá.
Ele enrolou seu braço ao meu redor imediatamente e eu me
aconcheguei próxima a ele. Ele cheirava a sabão e sol e eu suspirei,
descansando minha bochecha no seu peito.
— Desculpa. — Eu disse, minha voz falhando. — Eu não te
contei a história toda porque eu não contei para ninguém. Meu
relacionamento com Harrison nunca foi bom. Ele era infiel e
controlador e, na época que terminamos, eu o detestei. Mas
Randal...
Minha voz se perdeu enquanto eu pensava na metade amável
dos irmãos Corbett. Randall era um ano mais velho e não tem a
marca arrogante do charme do Harrison. Ele era mais quieto, mais
sério. Todo mundo achava que ele tinha uma das melhores chances
do time de virar profissional. Em seguida, o machucado no joelho
depois de um ataque forte o colocou nos bastidores e uma série de
cirurgias o deixou incapaz de abandonar o hábito de analgésicos.
Eu não tinha nenhum sentimento romântico pelo Randall até então.
Meu foco e minha paixão estavam completamente concentradas em
Harrison. Mas Randall e eu éramos amigos. Eu me preocupava com
ele. Eu estimulei seu irmão a se preocupar com ele, mas Harrison
só deixou de lado minhas preocupações com comentários
sarcásticos.
Quando Harrison e eu terminamos, foi feio. Complicado.
Devastador. Estupidamente, eu tinha feito dele o meu mundo sem
perguntar para mim mesma se ele merecia essa honra. Minha
carreira acadêmica promissora de antes tinha sido seriamente
prejudicada. Meu orgulho estava em pedaços. Eu fui até o cara que
sempre foi meu amigo e vi de longe que ele estava na pior forma
que eu poderia imaginar. Eu queria que ele buscasse ajuda. Eu
queria confortá-lo. Eu o segurei e ofereci a ele o meu corpo porque
nós precisávamos um do outro, porque eu pensei que isso daria a
ele um motivo para ele se desintoxicar, porque eu, de um jeito
egoísta, queria sentir alguma coisa que fosse um pouquinho real.
E foi bem real.
Eu realmente fiz sexo com o irmão do meu ex-namorado. Eu
realmente fiquei grávida. Eu realmente acordei numa manhã horrível
com a notícia de que Randall Corbett estava morto por causa de
uma overdose. E eu realmente corri de volta para Hawk Valley com
o rabo entre as pernas para me esconder das consequências.
Eu ouvi eu mesma contar isso tudo para Nash. Ele não disse
nada. Eu fiquei grata por isso. Tudo que eu realmente precisava era
sentir seus braços em volta de mim enquanto eu derramava as
palavras que tinham ficado apodrecendo dentro de mim por muito
tempo.
Ele continuou em silêncio quando eu cheguei ao final. Eu não
tinha ideia do que aconteceria em seguida. Se ele quisesse me dizer
que estava desapontado, que ele nunca poderia desculpar o tipo de
decepção que eu sou capaz de causar, então eu teria que encontrar
uma forma de viver com isso. Eu teria que encontrar uma forma de
viver sem ele.
— Eu não consigo imaginar o que você acha de mim. — Eu
disse, sentindo as palavras presas na minha garganta. — Desculpa
por não ser o tipo de pessoa que você pensou que eu fosse.
Ele meditou sobre isso e depois suspirou.
— Me dá algum crédito. Eu não estou te julgando, Kat, se é
disso que você tem medo. Tem coisas que acontecem na vida que
são complicadas e inesperadas. Se tem alguém que sabe disso, sou
eu.
Eu tracei os músculos do seu peito.
— Sua vida em Oregon era complicada?
Ele estava intrigado com a pergunta.
— Na verdade, não. Eu morava sozinho ao lado do oceano com
a minha cachorra. Por que a pergunta?
Percebi que eu deveria contar para ele que alguém estava
bisbilhotando seu passado.
— Minha mãe conhece algum amigo de uma amiga que é
detetive particular.
— E? — Ele incentivou.
— O cara estava pesquisando sobre você. Descobriu que você
estava sob condicional por acusações de agressão.
Nash concordou.
— Entendi.
— Eu não estava te espiando.
— Eu sei.
— Minha mãe só estava preocupada. E eu nem traria isso à
tona, mas eu não quero que exista nenhum segredo entre nós.
— E não terá. — Ele pegou minha mão e beijou a palma. — Eu
costumava pensar em mim mesmo como algum tipo de justiceiro
com estilo próprio, fazendo justiça em pequena escala, agindo para
proteger o inocente de alguma violência ainda maior.
Eu sorri.
— Você parece tipo um super-herói.
Ele bufou.
— Nada perto disso. Não acontece nada de bom procurando
violência, de enterrar sua própria agonia até tirar sangue. Meu pai
sabia disso. Ele me entendia melhor do que eu pensava. Ele me
disse que eu não fui feito pra viver desse jeito, que isso tiraria um
pedaço de mim toda vez. Demorei um longo tempo para entender
que ele sabia do que estava falando.
— E agora? — Eu perguntei.
— Agora eu vou encontrar um jeito melhor de combater Travis
Hansons sem recorrer aos meus punhos. Por mim e, especialmente,
por Colin.
— Nash. — Eu disse gentilmente e ele olhou para mim. — Seus
pais ficariam muito orgulhosos de você. Eles dois.
Ele sorriu e eu vi o quanto as palavras significaram para ele. No
final, nós sempre queremos deixar nossos pais orgulhosos, mesmo
que nós não admitamos isso.
— E sobre esse Harrison idiota? — Ele perguntou. — Ele deve
saber que não é o pai da Emma.
— Sim, ele sabe. — Eu estremeci. — Na verdade, lembro que
ele ficou de um jeito bem raivoso comigo na última vez que eu o vi.
Nash ficou tenso.
— É melhor ele não aparecer de novo.
Eu suspirei. Não fazia ideia do que Harrison faria em seguida,
mas não podia ser bom.
— Eu vou conversar com Steve Brown amanhã. Ele deve ter
alguma ideia sobre o que fazer.
Nash se recusou a mudar de assunto.
— Ele está te seguindo, certo? Ele está tramando alguma coisa.
Eu acho que você e Emma deveriam ficar aqui até ter resolvido com
ele.
— Nash, eu não quero exagerar.
— Eu vou exagerar por nós dois então. — Ele estava fazendo
cara feia e eu podia dizer que ele não toleraria uma discussão. —
Você vai ficar aqui. Eu não posso lidar com a ideia de você e Emma
sozinhas e desprotegidas pela cidade.
Eu sorri.
— Se ele aparecer de novo, eu bato na cabeça dele com a
minha frigideira.
— Estou falando sério, Kat.
— Eu também. O idiota é feito de ferro. Pode fazer algum
estrago.
— Deixa disso. Você vai ficar aqui.
Eu cedi.
— Tudo bem.
Ele apertou seus braços ao meu redor e eu ouvi a batida do seu
coração. Ele não tinha me dado nenhuma ideia sobre o que ele
achou de toda a bagagem que eu coloquei para fora.
— Você não se escondeu. — Ele finalmente disse.
Eu me afastei para que pudesse ver seu rosto.
— O que?
Ele se esticou e empurrou uma mecha do meu cabelo longo para
fora do meu rosto. Seus impressionantes olhos azuis estavam
suaves.
— Vocênão se escondeu, Kat. Você não foi para um lugar
desconhecido onde ninguém te conhecia e fingiu ser outra pessoa.
Você veio para casa. Você se dedicou à sua filha e a cercou de
amor no lugar que você mais conhecia. Isso não é se esconder.
Meus olhos se encheram de lágrimas.
— Eu nunca descobri o que eu vou contar para ela. Ela é nova
agora. Mas algum dia ela vai ter perguntas. Eu tenho medo do que
ela vai pensar de mim quando ouvir a resposta.
Ele se aproximou mais uma vez e beijou minha testa.
— Mas você vai descobrir. Eu vejo como você é com a Emma.
Você não se isenta de deixá-la saber o quanto ela é amada. Ela não
vai ter nenhuma dúvida sobre isso.
Eu me senti tímida quando me estiquei para tocar seus lábios.
— Senti sua falta.
Ele levantou uma sobrancelha.
— Eu me perguntei isso.
Meus dedos viajaram pela sua clavícula, correndo pela pele
musculosa e dei um beijo ali.
— O que mais você se perguntou?
— Se você teve alguma diversão sem mim nessa cama...
— Não exatamente.
Ele mudou as posições abruptamente, agarrando meus quadris e
deslizando meu corpo para baixo até que eu estivesse de costas na
cama.
— Você quer se divertir agora?
— Você acabou de dirigir por vinte horas, chegou à casa com
uma briga no seu gramado e depois pacientemente me ouviu chorar
todo o meu passado vergonhoso por uma hora. Você não está
cansado?
Nash não hesitou. Ele empurrou a cueca para baixo e colocou
minha mão no seu pau.
— Isso parece cansado para você? — Ele exigiu.
Eu acariciei o comprimento duro dele.
— Não.
— Então pare de falar e faça alguma coisa.
Eu comecei a me remexer para me livrar da calcinha. Nash ficou
impaciente e a tirou.
— Sem blusa também. — Ele disse de um jeito brusco e
praticamente a arrancou de mim.
Eu prendi meus joelhos ao redor dele, antecipando aquela noite
em que ele foi grosseiro e forte porque ele estava com pressa de
chegar lá. Foi bom para mim. Eu estava pronta para aguentar. Eu
me preparei para o primeiro impulso invasivo que me faria ofegar,
arquear minhas costas e exigir que ele fosse mais fundo.
Mas Nash parou. Eu o sentia contra a minha barriga, tão grosso
e sólido, e eu me arqueava para senti-lo mais perto, dentro,
conectado.
— O que há de errado? — Eu perguntei porque ele estava
olhando para mim com uma expressão séria que eu não estava
acostumada a ver.
Nash me beijou em resposta. Sua língua deslizou entre meus
lábios e ele me beijou devagar e profundamente. Sua barba de dois
dias arranhou minha pele e eu fechei meus olhos, perdendo-me na
inebriante sensação de ser beijada do jeito que os heróis beijam nas
histórias. Eu ainda estava perdida na sensação dos seus lábios
quando seu corpo se mexeu e ele se empurrou para dentro,
pegando o que ele queria. Eu estava feliz de dar isso a ele. Nós
balançamos juntos na sincronia perfeita. Nunca foi calmo assim
entre nós e eu amei isso. Eu gozei com seu corpo em cima de mim,
nossas bocas ainda fechadas em uma dança calorosa.
Eu acho que eu amo você, Nash Ryan.
Nossa pele estava suada e nossas línguas se entrelaçavam
quando Nash saiu e terminou em um jorro quente na parte de baixo
da minha barriga.
— Kathleen. — Ele gemeu quando, por fim, o beijo acabou e ele
enterrou o rosto nos meus seios, nós dois acabados.
Eu afaguei seu cabelo úmido e beijei no topo da sua cabeça.
Parte de mim queria dizer as palavras que estavam passando pela
minha cabeça de forma grande e em negrito. Eu não só suspeitava
que isso era verdade. Eu sabia. Eu estava totalmente apaixonada
por ele.
Nash levantou sua cabeça, esticou a mão e desligou o abajur da
mesa ao lado da cama. Ele bocejou e se deitou de costas no
travesseiro.
— Coisa boa que eu te trouxe de volta para a minha cama. —
Ele resmungou. — Esse colchãozinho não é tão bom sozinho.
Eu encontrei minha calcinha e blusa na escuridão e as coloquei
de volta, apenas no caso de eu precisar pular na pressa se as
crianças chorarem.
Ele me beijou mais uma vez.
— Durma um pouco, doce princesa.
— Boa noite. — Eu disse, relutantemente rolando para o meu
lado. Fechei meus olhos sem dizer a ele o que eu estava pensando.
2 2
K
C A P Í T U L O V I N T E E U M
Nash
at pegou Colin do seu berço de manhã e me deixou dormir.
Eu podia ouvi-los lá embaixo: Emma estava tagarelando
sobre xícaras de chá, a risada leve de Kat, o grito alto e
agudo de Colin. Todos eram sons de felicidade que afugentavam o
preço emocional pesado da noite passada. Meu coração estava
doendo enquanto a história de Kat saía dela. E pensar que ela tinha
mantido isso reprimido por tanto tempo e que ela tinha medo de
contar a alguém, medo até de contar para mim, acreditando que eu
pensaria menos sobre ela ou algo assim. Ela cometeu erros e eles
eram confusos. Mas ela tinha transformado em amor. Isso tinha que
contar para alguma coisa.
Além disso, eu era louco por ela, com passado complicado e
tudo.
Eu vesti um par de moletom, fiz uma parada rápida no banheiro
central e me dirigi à cozinha.
Emma estava sentada à mesa, descalça e com um pijama rosa,
rindo enquanto Roxie lambia a superfície da chique xícara de chá
que ela estava segurando.
Minha cachorra foi a primeira a me notar ali. Ela soltou um latido
curto e balançou o rabo, mas não estava com pressa de sair do lado
da Emma.
Kathleen estava encostada no canto com Colin no seu colo
enquanto ela bebia em uma caneca de Felicidade de Hawk Valley.
Seu cabelo estava espetado em seis direções diferentes e ela vestia
uma das minhas camisetas velhas em vez de uma regata sua. Ela
não estava nada menos do que tirar o fôlego. Eu poderia só ficar ali
e observá-la o dia inteiro.
— Parece que eu sou o último a levantar. — Eu disse.
— Ei, você! — Kat abaixou sua caneca e sorriu para mim, o que
foi inacreditável. Mas o momento verdadeiramente inacreditável
aconteceu quando Colin guiou sua cabeça para o som da minha
voz, aumentou seus olhos e tentou se lançar dos braços de Kat para
chegar até mim.
O sorriso banguela e babado do meu irmão tinha um quilômetro
e metro de largura quando eu o peguei do colo da Kat e dei um beijo
na sua bochecha gordinha.
— O irmãozão está em casa agora. — Eu disse na orelha dele,
me perguntando em que momento eu tinha me tornado esse filho da
mãe sentimental, que eu estava à beira das lágrimas só com o peso
do corpinho de uma criança nos meus braços e a visão do seu
enorme sorriso bobo de bebê.
— Ah, olha só vocês. — Kat se maravilhou. — Se vocês ouvirem
um estouro, foi o som dos meus ovários explodindo
espontaneamente.
— Antes que outra coisa exploda, posso te convencer a fazer
uma xícara de café para mim?
Ela me deu a caneca dela.
— Pegue essa. Embora eu me sinta culpada por te transformar
em um demônio cafeinado.
— Obrigada. — Eu aceitei e sentei à mesa de frente com a
Emma.
A filha da Kat me analisou com curiosidade.
— Onde você estava?
Colin tentou colocar sua mão dentro da minha caneca com café
quando eu a abaixei até a mesa. Eu empurrei a caneca.
— Eu tive que ir para Oregon. — Contei a ela.
— O que é isso?
— É um outro estado.
— Por que?
— Por que eu tive que ir até lá?
— Não. Por que é um estado?
— Por que Oregon é um estado?
— Sim.
— Eu não sei.
— Mas você é alto.
— É… — Eu procurei por Kathleen para obter ajuda, não muito
certo de porquê minha altura significava que eu deveria ser bem
informado sobre as especificidades do estado de Oregon. Kat
estava rindo, com a mão em forma de concha na boca.
Ao mesmo tempo, Emma estava mesmo esperando por uma
resposta.
— Ei, Emma. — Eu disse, mudando de assunto. — Eu queria
agradecer você por cuidar tão bem da Roxie enquanto eu estava
fora. Eu posso dizer que você fez um ótimo trabalho.
Emma estava satisfeita.
— Eu a amo muito.
— Eu vejo isso.
— Então eu posso ficar com ela?
— Ems. — Kathleen finalmente interferiu. — Termine seu cereal,
querida. Nós precisamos ir. Você tem pré-escola hoje.
— Depois eu posso voltar para cá e ficar com a Roxie?
— Não. Eu vou perguntar à vovó se ela pode ficar com você
depois de eu te buscar na escola, porque eu preciso me encontrar
com alguém importante.— Por que?
— Não importa.
— Então eu posso ir com você?
— Não, amor, é uma reunião séria.
Emma franziu o nariz.
— Isso parece nojento.
— Você pode trazê-la para cá. — Eu disse. — Eu já disse a Betty
para não me esperar na loja hoje e eu vou descarregar a van
enquanto Colin tira uma soneca. Eu não me importo em ficar de olho
nela até você terminar a reunião.
Ela pareceu surpresa com a oferta.
— Obrigada, seria ótimo. — Ela pausou e tirou uma mecha de
cabelo. — Eu vou ver Steve Brown.
— Eu imaginei.
— Quem é Steve Brown? — Emma perguntou.
— Um advogado. — Eu disse a ela.
A menininha me deu um sorriso charmoso.
— Por que?
Kat precisava tomar um banho rápido, então era meu trabalho
convencer Emma a terminar seu café da manhã. Quando eu contei
a ela que nada fazia Roxie mais feliz do que observar as pessoas
comerem, ela concordou como se isso fizesse um perfeito sentido e
colocou a colher com o restante do cereal na boca. Eu me senti
como se esse fosse um momento triunfante.
Kat ficou pronta rapidamente, convenceu Emma a vestir alguma
outra roupa que não fosse de dormir e eu levei as duas até o carro,
apenas no caso aquele babaca estar por perto.
Quando elas tinham ido embora, eu fiz uma ligação para Kevin
Reston. Eu não dei detalhes a ele, mas pedi para espalhar a notícia
de que era para procurar um idiota com pescoço grosso, cabelo
arrumado e um carro esportivo caríssimo. Kevin e eu ainda
estávamos meio distantes, embora tivéssemos nos visto um monte
de vezes desde aquela noite desagradável no Sheen’s. Às vezes ele
acompanhava Jane quando ela parava para ver Colin ou visitava a
loja. Mesmo que as coisas estivessem melhores entre nós dois, ele
era sempre educado e ele foi educado agora, nem fez um monte de
perguntas, só disse “Entendi, Nash” e deixou para lá.
Colin era um dorminhoco de muita confiança e ele começou a
bocejar por volta das onze. Eu o levei para cima e li uma história
sobre animais felizes em uma fazenda, esperando que ele
cochilasse para que eu tivesse a oportunidade de ir lá fora e fazer
alguma coisa como descarregar a caminhonete que ainda estava
esperando no meio-fio. Não levaria muito tempo, mas era impossível
completar a tarefa cuidando de um bebê ao mesmo tempo.
Assim que ele dormiu, eu o coloquei no berço, vesti uma
camiseta e uns sapatos e fui para fora lidar com a caminhonete. O
monitor de bebê estava no meu bolso de trás e ligado no último
volume para que eu pudesse ouvir Colin caso ele acordasse.
Eu peguei as caixas primeiro: roupas e livros e algumas coisas
que cozinha que podem ser úteis. Eu decidi colocar tudo na sala de
estar por ora porque não tinha um lugar melhor. Casas de cento e
vinte anos não tinham garagens. A estrutura da cama e o colchão
eram as maiores peças e eu planejava movê-las por último.
Eu estava no meu caminho de volta para a caminhonete para
pegar as caixas que restavam quando eu percebi que tinha
companhia.
Ele tinha acabado de sair do seu carro e hesitou quando me viu
chegar. Eu parei, frio, e avaliei a situação. Eu podia ler o homem
muito bem e ele não parecia ter a atitude de um cara que procurava
uma briga. Ele até levantou a mão numa tentativa de acenar.
Ainda assim, só porque ele parecia menos com o fuinha
egocêntrico do que na noite passada não significava muita coisa. Eu
ainda o odiava por andar por aí atrás de Kat, por assustá-la, por feri-
la tanto quando ela era nova e confiante.
Eu fingi que ele não estava ali e voltei para a caminhonete. Eu
não ia partir para cima dele primeiro, mas se ele tentasse qualquer
merda, ele se arrependeria.
— Posso ajudar? — Harrison parou alguns passos atrás da
camionete, olhando para mim com certa cautela, e talvez um pouco
de vergonha.
— Vai se foder.
— Eu realmente tinha esperança de conversar com você, Nash.
— Como diabos você sabe meu nome?
— Eu ouvi Kat dizer ontem à noite.
— Ótimo. Agora você pode se foder.
Ele assentiu e colocou as mãos nos bolsos.
— Você está irritado. Eu não te culpo de jeito nenhum.
— Nah, é o sonho de todo cara chegar em casa e encontrar sua
garota sendo agredida no gramado por algum pedaço de merda
estúpido com entradas no cabelo.
Ele ficou alarmado.
— Não, não foi isso que aconteceu. Eu juro por Deus que eu não
pretendia fazer ela cair. Eu escorreguei e eu acho que eu bati de
frente com ela. Mas foi um acidente. Eu nunca machucaria a Kat
intencionalmente.
Esse idiota realmente estava me provocando agora.
— É o que diz todo homem que já bateu numa mulher.
Harrison fez uma careta.
— Me dá algum crédito, ok? Eu vim aqui para pedir desculpas. O
jeito como a merda aconteceu na noite passada era a última coisa
que eu queria.
— Então por que inferno você está pedindo desculpa para mim
em vez de para ela?
— Por que eu acho que eu já assustei bastante a Kathleen. E
essa nunca foi minha intenção. Eu pensei que fosse melhor me
aproximar de você, talvez você consiga ver que, apesar do meu
mau comportamento, eu não sou o cara que pareci ser ontem. Eu
também pensei que talvez você poderia dizer a ela que eu só quero
conversar.
— Eu tenho uma ideia melhor. Você rasteja de volta para o seu
carro compensador ao seu pauzinho minúsculo e cai fora daqui.
Ele me fez um sorriso triste.
— Não posso fazer isso.
— Não pode, é? — Eu pulei para fora da caminhonete para que
eu pudesse olhar no seu olho. — De qualquer forma, o que você
quer dela?
— Nada. Mas a criança…
— Não é sua.
— Eu sei. — Ele respirou fundo. — Eu sei que ela não é minha.
Mas ela é minha sobrinha. Eu sei que Kathleen queria nunca me ver
de novo e, mesmo que ultimamente eu tenha pensado que eu
gostaria de estar lá pela menina, eu teria deixado as duas em paz
se não fosse pela minha mãe.
Eu cruzei meus braços, esperando que ele continuasse.
O rosto de Harrison se contorceu e ele pareceu
inacreditavelmente triste.
— Minha mãe está morrendo. Câncer colorretal. Está por todo
lugar agora e nós acabamos de descobrir que ela não tem muito
tempo.
Eu não desejaria uma mãe morrendo para ninguém, nem mesmo
para um idiota total.
— Sinto muito por ouvir isso.
— A coisa é que ela nunca soube sobre Randall e Kathleen. Ela
não sabia sobre a bebê. E recentemente, eu finalmente contei a ela
que ela tem uma neta que ela nunca conheceu. Depois que Randall
morreu… — A voz do homem falhou e ele pareceu distante, incapaz
de continuar por um momento. Por fim, ele esfregou os olhos e se
compôs. — Minha mãe ficou inconsolável. Francamente, eu
também. Randall tinha sido meu melhor amigo a minha vida toda e
depois ele se foi no momento mais horrível. O pior de tudo é que as
pessoas me avisaram que ele tinha um grande problema. Kat me
alertou. Eu só não dei ouvidos. Foi uma época sombria e eu achei
que nós estávamos melhor sem nenhuma lembrança do meu irmão
por perto. A criança teria sido uma lembrança.
— Emma. — Eu disse bruscamente. — O nome dela é Emma.
— Sim, eu sei que o nome dela é Emma. — Ele disse e eu vi seu
rosto se tornar melancólico. — Como ela é?
— Esperta e linda. Como a mãe.
Ele sorriu.
— Fico contente em ouvir isso. — Seu sorriso se foi. — Minha
mãe quer tanto ver a Emma. É por isso que procurei Kat. E como eu
disse, ela não tem muito tempo para viver. E é por isso que eu tenho
sido tão louco.
Eu encostei na caminhonete, minha mente tentando processar
tudo. Eu estava todo decidido a desprezar esse cara, mas eu me vi
vagamente comovido por ele.
— Eu não vou ficar do seu lado. — Eu disse. — Mas eu posso
contar a Kat o que você disse. É decisão dela a partir daí. E não
importa o desfecho, eu espero não descobrir que você está fazendo
qualquer coisa para entristecê-la.
Ele concordou avidamente.
— De novo, eu sinto muito. Eu fiquei ansioso porque Kat não
respondeu minhas ligações nem e-mails e todo dia minha mãe
pergunta se ela pode ver sua neta. Eu não queria ir para o caminho
de advogados e tribunais, mas eu fiz isso muito mal.
— Claro que fez. — Eu disse, mas não havia veneno na minha
voz. Eu não o odiava.
Harrison estava arrependido.
— Eu não quis dizer as coisas que eu disse ontem à noite.
Kathleenera incrível. E eu nunca fui bom para ela. Ela merecia
mais. Mas eu não acho que ela ficou com Randall por maldade. Eu
acho que ela se importava com ele e eu sou grato. Fico feliz que ele
tinha alguém. Fico feliz que Emma está no mundo.
— Tudo bem. — Eu suspirei. — Sabe, tinha um tempo num
passado não tão distante que eu meteria a porrada em você, se eu
chegasse em casa com aquela cena de ontem, não importando o
que você dissesse.
Ele levantou uma sobrancelha.
— O que mudou?
— Estou criando um menininho. Eu quero ser um bom exemplo,
ensiná-lo que a cabeça fria deve prevalecer e que ele precisa
pensar antes de bater.
Harrison assentiu.
— É uma lição muito boa para aprender ainda novo.
Eu ia dizer mais alguma coisa mas eu não tive a chance porque
o carro da Kat parou. Eu podia vê-la através do parabrisa,
boquiaberta com o choque de me encontrar ali tagarelando com seu
odiado ex. Eu levantei a mão para ela saber que estava tudo bem e
ela nos encarou por mais um momento antes de sair do carro.
— Que merda você quer agora? — Ela perguntou, seus olhos
correndo de um de nós para o outro.
— Está tudo bem. — Eu assegurei a ela. — Harrison só veio
aqui para pedir desculpas. Tem uma coisa que ele queria conversar
com você, mas ele me contou tudo e agora ele pode ir embora. Eu
concordei em te contar a história dele e ele concordou em viver com
o que você decidir.
Harrison me lançou um olhar. Eu respondi com um olhar de
alerta. Kat estava visivelmente confusa.
A porta do sedã preto da Kat abriu de repente e Emma pulou do
carro.
— Emma! — Kat exclamou. — O que mamãe te disse sobre
desafivelar sua cadeirinha do carro?
— Para não fazer. — Emma disse alegremente.
— Isso mesmo. — Kat se moveu na frente da sua filha, lançando
um olhar cuidadoso para Harrison. Emma espiava a saia da mãe e
ria.
Harrison estava encarando Emma e parecia que ele podia
chorar. Eu não o culparia. Quaisquer que fossem seus defeitos, ele
evidentemente amava seu irmão e Emma era a última peça viva
daquele irmão. Provavelmente todos os tipos de emoções corriam
pela sua cabeça. Eu apostava que eu seria conhecido de alguns
deles.
Harrison limpou a garganta.
— Kathleen, me desculpe. Sobre tudo, não só o que aconteceu
na noite de ontem. Se eu nunca mais ouvir sobre você, eu vou
entender. Você precisa fazer o que é melhor para Emma. Mas eu
realmente espero que você considere entrar em contato comigo
depois de ouvir o que Nash tem a dizer.
Ele estendeu a mão para mim para um aperto de mãos e eu só
hesitei por um segundo antes de aceitar. Harrison me deu um
sorriso grato, depois decolou no seu carro.
Kat ainda estava atordoada.
— Eu nem sei o que dizer sobre isso tudo.
Eu fechei a parte de trás da caminhonete. Teria que esperar.
Fui até Kathleen e deslizei meu braço pelos seus ombros.
— Entre. — Eu disse. — Eu vou explicar para você.
2 3
N
C A P Í T U L O V I N T E E D O I S
Kathleen
ash estava parado na calçada ao longo da Avenida Garner,
conversando com um cara corpulento que eu reconheci
mas não conseguia lembrar seu nome. Eles apertaram as
mãos e se afastaram. O homem sorriu para mim quando ele passou,
então eu sorri de volta.
— Você fez um amigo novo? — Eu perguntei a Nash enquanto
ele segurava a porta aberta para mim.
Ele roubou um beijo no caminho e piscou.
— Talvez.
— Muito sociável esses dias. — Eu comentei.
Duas mulheres mais velhas estavam navegando nos corredores
da loja. Uma delas cutucou sua companhia e exclamou para a
parede de pinturas retratando as Montanhas de Hawk.
— Aquele era Ted Foster. — Nash disse.
Eu ainda estava encarando as mulheres enquanto elas
admiravam as pinturas.
— O que?
— Ted Foster. O homem que acabou de sair.
— Ah, é verdade. Eu tinha esquecido o nome dele.
— Ele é um dos treinadores da pequena liga. Ele queria saber se
ele podia contar com o nosso apoio para ajudar a patrocinar o time
na liga de outono.
— O que você disse?
Nash sorriu.
— Que o time podia contar com a família Ryan assim como eles
fizeram por anos. Eu até prometi participar de alguns jogos.
Caramba, talvez em alguns anos Colin esteja lá jogando.
— Pode ser mais do que alguns anos. — Eu ri. — Considerando
que Colin ainda não está nem engatinhando.
Betty Carter, funcionária de longa data do Presentes de Hawk
Valley, acenou para mim com um sorriso e depois se aproximou das
duas clientes para ver se elas precisavam de ajuda.
— Que horas você vai sair? — Nash perguntou.
— Pelas cinco horas. Eu vou pegar Emma assim que eu ver
minha mãe.
— Você ainda não falou com ela?
— Não. Tudo aconteceu tão rápido. Mas eu preciso contar para
ela antes de ir.
Apenas três dias atrás, eu cheguei à casa de Nash para
encontrá-lo no meio de uma conversa estranhamente amigável com
Harrison Corbett. Harrison deixou que Nash explicasse por que ele
tinha ficado tão desesperado para falar comigo. A situação não era
nada do que eu pensava. Eu sentia que qualquer mágoa e qualquer
feiura poderia ter sido evitada se eu tivesse escolhido responder
uma das mensagens de Harrison. Eu tive medo e eu permiti que o
medo me controlasse.
Mas agora que eu sabia, tinha um pequeno tempo precioso para
gastar. Lá em Phoenix, uma mulher à beira da morte estava
esperando ansiosamente para conhecer sua pequena neta. O
próprio Harrison tinha sido muito franco e agradável quando eu
liguei para ele depois de falar com Nash. Ele me agradeceu
profundamente e ofereceu distância durante a visita caso a sua
presença me deixasse desconfortável. Eu disse a ele que não era
necessário. Eu não esperava que ele tentasse alguma gracinha na
frente da sua mãe moribunda. Essas pessoas eram da família da
Emma. Se eles eram pessoas boas que a amariam, então eu não
tinha direito de deixá-las longe da sua vida.
Por isso, essa noite, minha filha e eu vamos sair de Hawk Valley
por um pequeno tempo. Emma estava animada essa manhã quando
eu disse a ela que nós iríamos passar a noite fora. Ela nunca foi
para Phoenix e perguntou se nós podíamos pegar uma cobra de
estimação. O plano era dirigir até lá essa noite, ficar no hotel e
amanhã passar o dia com a mãe de Randall. Nós voltaríamos para
casa amanhã à noite.
Entretanto, antes de sair, eu devia uma explicação à minha mãe.
Eu devia a ela toda a história que eu deveria ter contado quatro
anos atrás.
— Eu queria que você me deixasse ir com vocês para Phoenix.
— Nash disse e eu o amava por querer estar lá. Eu o amava por
várias coisas. Eu deveria contar para ele. Em breve. Mesmo que ele
não me ame de volta, eu não me arrependeria por contar.
— Emma e eu vamos ficar bem. — Eu disse. — Você tem suas
mãos ocupadas com aquele bebê fofo.
Nash checou seu relógio.
— Eu disse a Nancy que eu o pegaria mais cedo hoje. Nós
estamos planejando uma noite louca para comer purê de banana e
assistir a desenhos.
— Estou com ciúmes.
Eu percebi que uma das mulheres estava comprando uma
pintura. A outra carregava uma cesta cheia de lembranças
cuidadosamente escolhidas que eu ouvi ela dizer que eram “para os
netos”.
— Eu vou revisar os recibos de vendas do mês passado. — Eu
disse. — Olha como o comércio está mesmo melhorando.
— Assim como você disse que melhoraria no verão. — Nash me
lembrou.
Eu alcancei sua mão. Ainda não tínhamos discutido uma
mudança oficial de classificação, mas nós não íamos manter as
coisas em sigilo por muito tempo.
— Então eu te ligo quando chegar no hotel essa noite?
— É melhor. Estarei esperando.
Eu o beijei. Era para ser só um selinho, mas Nash não me
deixou sair e virou um tipo de beijo que me tirava o fôlego. Quando
nós paramos para respirar, Betty e as duas clientes estavam
encarando-nos.
— Ai, meu Deus… — Uma das mulheres disse e resfriou seu
rosto corado com um leque de Hawk Valley.
O beijo me deixou meio zonza, mas eu me virei para cambalear
até a porta com um sorriso que não queria sair do meu rosto.
Uma hora depois eu não estava mais sorrindo. Eu estava
sentada na cozinha da minha mãe, torcendo as minhas mãos
enquanto eu esperava sua reação às coisas que eu acabei de
contar a ela.
— Por que?— Ela perguntou.
Nervosamente, eu tentei fazer uma piada.
— Você parece a Emma.
As sobrancelhas da minha mãe se juntaram.
— Por que você tentou esconder uma coisa tão importante?
Eu soltei um suspiro e ordenei minhas memórias para encontrar
uma garota assustada que veio para casa quatro anos atrás sem
perspectivas e carregando na sua barriga o bebê de um homem
morto.
— Era ruim o bastante que eu tivesse abandonado a faculdade e
estava tendo um bebê aos dezenove anos. O fato de que Randall
era o pai só tornou a situação mais difícil de lidar. Eu estava
sofrendo e horrivelmente decepcionada comigo mesma. Eu não
conseguiria lidar com a decepção dos outros em cima disso,
especialmente a sua. — Eu engoli. — Eu fui uma covarde.
— Kathleen Margaret. — Minha mãe ergue a voz. — Uma coisa
que você nunca foi é covarde.
Uma lágrima rolou pela minha bochecha. Parecia que eu não
tinha acabado de me livrar de todas elas ainda.
Minha mãe me olhou fixamente e eu me perguntei o que ela
pensava dessa pessoa chorando na sua cozinha, sua única filha.
Apesar do nosso cabelo avermelhado e da nossa afeição por café
preto, nós tínhamos pouco em comum. Ela trabalhou muito, por
trinta anos, na agência de correios antes de se aposentar na última
primavera. Eu nunca a vi ler um livro ou até mesmo pegar um jornal.
Ela era muito sociável, com uma longa lista de amigos, sempre ativa
em uma variedade de instituições beneficentes. No entanto, como
eu, ela entendia um coração partido. Ela aguentou seus próprios
tribunais na área do amor com três casamentos falidos e uma
sucessão de namorados inadequados.
— Desculpe, mamãe. — Eu disse, chamando-a por um nome
que eu nunca a chamei desde que eu era uma garotinha não muito
mais velha do que Emma. — Me desculpe por não ter te contado a
verdade.
— Ah, Kat. — Agora seus olhos verdes estavam cheios de água.
— Eu te perdoo por qualquer coisa. — Ela saiu da sua cadeira e me
pegou nos seus braços. — Você é meu bebê, Kathleen. O amor da
minha vida. Você não sabe disso?
Chorar nos braços da minha mãe enquanto ela afagava meus
cabelos parecia tão infantil e reparador ao mesmo tempo. Eu estava
com vinte e três anos e já tinha uma criança minha, mas
instantaneamente eu podia me lembrar de ter cinco e me recusar a
dormir de novo depois de um pesadelo, a menos que minha mãe
ficasse na cama comigo. E ela ficou. Ela cantarolou uma música que
eu canto para Emma e Colin hoje em dia e, naquela noite, ela ficou
comigo muito depois de eu dormir.
Assim que minha choradeira terapêutica acabou, minha mãe
questionou meus planos de dirigir até Phoenix.
— Você tem certeza que essas pessoas são confiáveis? — Ela
perguntou. — Eu não acho que você e Emma deveriam ir sozinhas.
Eu posso ir com vocês.
— Nash já se ofereceu para ser minha escolta particular. — Eu
disse. — Mas não, obrigada. Eu preciso levar Emma sozinha
mesmo.
— Se você tem certeza… — Ela disse e eu podia dizer que ela
estava tentando medir suas palavras e evitar dizer a coisa errada.
— Eu tenho certeza.
Ela me observou.
— Eu vi Nash ontem. Eu estava passando pela loja e tinha
tempo que eu não entrava, então dei uma olhada. Ele estava
dobrando camisetas. Dobrando incorretamente, eu devo
acrescentar.
Eu sorri.
— Mas aposto que ele parecia ótimo fazendo isso.
Ela deu um sorriso afetado.
— Eu nunca disse que ele não era agradável aos olhos.
— Ele é um cara bom, mãe. Eu juro.
Ela concordou.
— Tudo bem. Se você diz, então eu tenho certeza de que é
verdade. Eu acredito em você, Kathleen.
Enquanto eu saía da casa da minha mãe e ia pegar a minha
filha, eu sentia que um novo capítulo estava começando na minha
vida. Ainda havia um grande tópico para resolver, mas isso teria que
esperar. Eu estava nervosa porque eu não sabia qual desfecho
teria. No começo, eu prometi a Nash Ryan amizade sem
aborrecimentos, sem complicações.
Eu não podia manter essa promessa mais.
Eu só não sabia se ele queria as mesmas coisas que eu.
2 4
E
C A P Í T U L O V I N T E E T R Ê S
Nash
u me perguntei se trazia Colin comigo ou não. Eu poderia
encontrar alguém para cuidar dele por algumas horas. Mas,
no final, eu decidi arrumar a bolsa de fraldas e trazê-lo. A
jornada de hoje pertencia a ele quanto tanto pertencia a mim. Ele
tinha o direito de estar lá.
Viagens de carro geralmente embalavam Colin a dormir e, sem
dúvida, ele tinha sido nocauteado em menos de dez minutos de
viagem. Eu abaixei o volume do rádio e pilotei a mini van pelas
estradas sinuosas entrava nas profundezas das montanhas.
Anos tinham se passado desde que eu estive aqui mas eu ainda
conhecia a rota de cor. Algumas das curvas fechadas eram um
pouco angustiantes, mas não havia mais ninguém na estrada. Nós
ainda estávamos há alguns quilômetros de distância da cabana
quando a vegetação enegrecida começou a aparecer nos dois lados
da estrada, uma lembrança de que o que aconteceu aqui não estava
num passado tão distante.
Tinha algo estranho e nada natural sobre as três árvores
gigantescas e carbonizadas que acompanhavam o asfalto. Esse
pedaço do mundo tinha sido sempre exuberante e verde e seria
algum dia novamente. Levaria um tempo, porém.
Eu passei pelo desvio para o pequeno lago onde meu pai e eu
tínhamos passado nossas desastrosas excursões para pescar. Eu
desejei que isso tivesse dispensado a devastação que se arrastou
por aqui na noite de ventos fortes e destino brutal.
Aqui e ali eram pistas privadas não pavimentadas, que
serpenteavam pela estrada principal e levavam às casas rústicas da
montanha. Havia pessoas que viviam aqui o ano inteiro, mas não
eram muitas e nenhuma delas estavam na zona onde o fogo varreu
com tanta ferocidade. Havia somente uma história trágica daquela
noite e eu ia enfrentá-la.
Meu estômago se fechou quando eu cheguei à saída. Eu parei
no acostamento e paralisei na boca da suja estrada principal que
levava para as cabanas de dormitório que tinha sido da minha
família por cinquenta anos. Os pinheiros altos que formavam
orgulhosamente um corredor no caminho até a cabana eram agora
pedaços queimados. Eu me perguntava se isso tinha sido um erro.
Eu não estava certo do que eu esperava ganhar vindo aqui.
“— Nessas partes, você precisa sempre prestar atenção nos avisos
de incêndio, Nash. Leve os Dias Sem Queimada a sério e fuja do
Dodge no minuto que você sentir o cheiro de fumaça.”
Os incêndios na floresta não eram incomuns nas montanhas. Em
média, havia um notável a cada quatro ou cinco anos. Fatalidades
eram incomuns. Tipicamente havia um aviso com tempo suficiente
para escapar do fogo.
Eu voltei para a estrada, incerto do que encontraria no final dela.
Kevin Reston tinha dito que a cabana estava irrecuperável, só um
lote de troncos queimados. Steve Brown me contou sobre algum
seguro no lugar, mas eu só disse a ele para fazer o que ele
precisasse fazer e não me incomodasse com isso.
O estrago foi pior por aqui. Deve ter sido onde o fogo tinha
alcançado o pico antes dos esforços combinados das equipes de
incêndio e das nuvens carregadas de chuva colocarem um fim a
essa ferocidade. Eu odiava pensar neles dois no meio disso, seus
últimos momentos de terror, seus pensamentos agonizantes sobre o
bebezinho que eles estavam deixando para trás.
Alguém tinha vindo aqui recentemente para prestar suas
condolências. Um amigo mais querido. Chris e Heather Ryan tinham
tantos amigos. Tinha um arranjo de flores recente no meio de toda a
devastação, uma marca de rosa luminoso entre as ruínas. A própria
cabana estava irreconhecível. Parecia que alguém tinha feito uma
pilha de Lincoln Logs, os queimado em um churrasco e os
reorganizado ao acaso na sujeira. A caminhonete do meu pai tinha
sido retirada daqui, por isso não havia sinais de onde tinha sido
estacionada, mas eu apostaria que ele estacionou na mesma marca
de sempre, na pequena clareira do lado oeste da cabana. Foi onde
eles foram encontrados, perto da caminhonete.
Eu abri as janelas e desliguei o motor. Havia uma quietude
absoluta, mas, de alguma forma, era horrível. Eu imaginei que seria
horrível, um silêncioduro e cheio de morte. Mas era mais tranquilo
do que eu esperava.
Agora que nós paramos de nos movimentar, Colin se agitou no
banco do carro. Eu pulei para fora e abri a porta para pegá-lo,
checando sua fralda como de costume. Meu irmãozinho piscou para
a luz do sol acima da cabeça enquanto eu o ajustava no meu quadril
e pegava os objetos que eu trouxe comigo. Eu os encontrei no sótão
outro dia quando eu estava arrumando algumas porcarias que eu
trouxe de Oregon. Primeiro eu pensei que talvez eu pudesse usá-los
em algum momento, quando Colin estiver mais velho. Ele podia
gostar de aprender como pescar. No entanto, eu decidi que a melhor
ideia seria tirar essas varas e comprar novas. Essas varas de pesca
tinham feito muito com meu pai e eu. Colin merecia uma para ele
mesmo.
Eu coloquei as varas no meio da clareira. Uma vara tamanho
grande, uma tamanho infantil. Elas pareciam um pouco simples lá,
então eu arranquei uma das rosas cor de rosa do arranjo de flores e
cuidadosamente coloquei em cima. Eu assumi que quem quer que
tivesse colocado as flores lá não se importaria em compartilhar.
Colin pronunciou alguns balbucios de consoantes, uma coisa
que ele tinha feito tardiamente. Eu estava ciente de quanta
responsabilidade eu tinha. Havia muito para contar a ele. Havia
algumas partes que eu teria feito de novo se eu pudesse.
— Adeus, pai. — Eu murmurei, encarando as varas de pesca
que eu tinha colocado lado a lado.
Eu ainda me questionava sobre seus motivos, por que Chris e
Heather tinham me escolhido para cuidar do Colin se eles não
pudessem.
“— Porque ele sabia que você encararia o desafio, que você amaria
e protegeria aquele menininho. Chris e Heather nunca duvidaram de
você.”
Foi isso que Kat tinha dito. Eu só não entendia por que isso era
verdade. Que diabos eu tinha feito para merecer esse tipo de
confiança deles? Eu desejei que tivesse alguém que pudesse
responder.
Se Kat estivesse aqui, ela provavelmente encontraria algumas
palavras para dizer num momento emocional como esse. Kat era
boa com as palavras. Ela era boa em tudo que importava. Mas o
maior talento de Kathleen Doyle provou ser acordar meu coração de
um jeito que ninguém mais tinha feito.
Eu pensava nela indo até Phoenix, encarando bravamente seu
passado problemático pelo bem da sua filha. Eu estava feliz que ela
tinha decidido ir. Eu ficaria ainda mais feliz quando ela voltasse.
Tinha coisas que nós precisávamos conversar.
— Vamos dar o fora daqui. — Eu disse a Colin e beijei sua
bochecha antes de carregá-lo de volta para van.
As cicatrizes na areia desapareceriam, mas eu duvidava que eu
voltaria a esse lugar particular agora. Isso não significava que eu
não voltaria para as montanhas. Apesar do que aconteceu, eu tenho
certeza que meu pai iria querer que Colin conhecesse a floresta,
tivesse a satisfação de tirar uma truta gorda do lago e apreciar quão
brilhosas as estrelas são na selva. Eu poderia mostrar essas coisas
para ele. Talvez Kat e Emma quisessem estar conosco.
De repente, tinha um plano na minha cabeça. Na verdade, já
tinha há um tempo, bem nas margens. Agora todos os pedaços
estavam caindo juntos e estava na hora de agir. Um novo começo
poderia acontecer. Tudo que eu precisava era de um pouco de
ajuda para chegar lá.
Eu me sentia de longe mais relaxado na viagem de volta,
descendo a montanha. Mesmo que provavelmente tivesse algum
tipo de regra contra isso nos livros de bebês, eu levei Colin para
uma sorveteria e dividi uma casquinha de baunilha com ele. Ele
adorou, praticamente devorou minha mão direita quando eu estava
segurando o sorvete.
Enquanto nós estávamos sentados à mesa mais perto da janela,
vi meu velho inimigo Travis Hanson descendo a calçada. Eu tinha
ouvido que ele foi preso semana passada. A história que rodeou a
cidade era que uma de suas funcionárias tinha prestado queixas de
agressão contra ele. Então parecia que às vezes as rodas da justiça
viravam justamente como elas deveriam.
Travis deve ter sentido que alguém o observava porque, de
repente, ele parou e levantou a cabeça. Nossos olhos se cruzaram e
eu acenei para ele do outro lado do vidro. Ele fez uma careta e se
afastou. Eu ri para mim mesmo e aproveitei o restante do sorvete de
casquinha.
Infelizmente nós não podíamos sair e comer sorvete todo dia
porque havia muito a ser feito. No estacionamento da sorveteria, eu
toquei meus dedos no volante e considerei minhas opções. Pedir
ajuda ainda não era uma coisa que me animava.
Eu me virei e me direcionei à cabeça do Colin na sua cadeira no
banco traseiro do carro.
— Vamos fazer isso, homenzinho.
Ele arrotou.
Eu sorri abertamente. Depois, liguei para minha tia.
— Jane. — Eu disse. — Você está livre hoje? Eu estava
pensando se eu poderia contar com a sua ajuda com umas coisas
em casa. E se Kevin estiver por perto, seria ótimo se você o levasse
também. Ah, e eu não tenho o número da mãe da Kathleen, mas se
você pudesse ligar para ela e pedir para ela nos encontrar lá em
casa, eu agradeceria. Sim, tenho certeza.
Antes de dirigir para casa, eu parei na loja e comprei umas
caixas de mudança. Eu não sabia quantas eu precisaria, mas eu
imaginava que essa pilha fosse um bom começo.
Era hora de seguir em frente. Coisas aconteceriam. Eu tinha
determinado que agora em diante elas seriam apenas coisas boas.
2 5
— P
C A P Í T U L O V I N T E E Q U A T R O
Kathleen
or que essa árvore parece engraçada? — Emma
perguntou.
Eu sorri quando percebi que ela estava apontando para um cacto
saguaro gigante. Ela nunca tinha visto um desse antes.
— É um tipo diferente de árvore. — Eu disse para ela. — É
chamada de cacto. Elas só crescem no deserto e, em vez de folhas,
elas têm espinhos.
— Isso é um deserto?
Nós passamos por uma vizinhança residencial repleta de casas
beges com tetos ladrilhados.
— Sim, querida. Phoenix é parte do deserto.
— E minha segunda avó está aqui? — Emma pareceu com
dúvida.
— Sim. — Um punhado de borboletas no meu estômago tinha
virado uma multidão agora que nós estávamos chegando perto. Eu
tinha mandado mensagem para Harrison antes de nós saírmos do
hotel e deixei que soubesse que estávamos a caminho. Ele disse
que eles estavam esperando ansiosamente e me deu a senha da
entrada para a comunidade.
Eu virei na entrada e puxei o teclado numérico para abrir os
portões enquanto sentia uma breve sensação de déjà vu numa
pontada. Eu estive aqui algumas vezes antes, quando eu estava
com Harrison. A última vez foi um feriado de Ação de Graças
quando eu sentei entre Harrison e Randall, rindo do jeito que eles se
irritavam de brincadeira como irmãos fazem. Senhora Corbett piscou
para mim do outro lado da mesa. Seu marido tinha morrido um ano
antes e eu me lembrava de me sentir meio melancólica ao pensar
nela vivendo sozinha naquela casa grande e elegante.
E lá estava.
A casa dos Corbett era uma construção ampla de estilo
mediterrâneo que se misturava na vizinhança luxuosa. Eu espiei o
mustang prata do Harrison estacionado em frente e senti uma onda
de ansiedade. Esperava que eu estivesse fazendo a coisa certa
para Emma. Eu achava que era.
Eles deviam estar observando pela janela, esperando pela nossa
chegada. Eu segurei a mão da Emma enquanto andávamos pelo
caminho da frente e víamos a porta abrir. Harrison estava lá, seu
braço ao redor dos ombros de uma mulher esbelta, que parecia
estar na casa dos vinte anos. A beleza da sua pele escura era
complementada pelo vestido azul brilhante que ela usava. Ela olhou
bem nos meus olhos com um sorriso acolhedor que não poderia ser
falso e eu senti minhas dúvidas desaparecerem.
— Olá, Kathleen. — Disse Harrison. — Estamos tão felizes que
vocês duas estão aqui. — Seu olhar parou na minha filha e eu podia
ver como esse momento era emocionante para ele. Eu nunca
pensei muito em como ele devia ter ficado arrasado com a morte do
único irmão. Eles tinham sido muito próximos.
— Olá, Emma. — Ele disse, sua voz falhando.
Emma o encarou, depois ela olhou para mim como se não
tivesse certeza se deveria responder aquele homem estranho.A mulher ao lado de Harrison tomou a iniciativa, dando um passo
para frente.
— Kathleen. — Ela disse. — Estou tão feliz em te conhecer. Sou
Delia, noiva do Harrison.
Seu sotaque parecia vagamente caribenho e, em vez de um
educado aperto de mãos, ela me envelopou em um abraço caloroso.
Não me incomodei.
Delia se abaixou na altura da Emma.
— Oi, Emma. Nós estávamos esperando para te conhecer.
Minha filha olhou para ela da cabeça aos pés.
— Seu vestido é bonito.
Delia riu e a abraçou também.
— Obrigada, querida.
Delia era encantadora e Emma estava toda sorrisos enquanto
pegava a mão da Delia e a seguia para a casa. Harrison ficou para
trás, na porta. Ele observou sua noiva passar com a sua sobrinha e
depois virou para mim. Um momento esquisito de silêncio se seguiu.
— Eu não sei como te agradecer por isso, Kat.
— Você já me agradeceu, Harrison. De qualquer forma, estou
fazendo isso pela Emma. E pela sua mãe. — Eu parei. — Não tenho
certeza sobre você.
Ele assentiu e pareceu envergonhado.
— Sinto muito. E eu estou certo de que você não quer ouvir isso
depois desse tempo, mas você nunca foi só uma garota para mim.
Eu fiquei devastado quando eu perdi você embora eu merecesse. E
eu sei que eu disse um monte de coisas terríveis.
Ele tinha. Harrison descobriu sobre eu e Randall logo antes de
seu irmão morrer e ele não aceitou bem as notícias. Eu nunca tive a
chance de contar para Randall que eu estava grávida. No entanto,
em um momento de fraqueza, eu fui e contei para o Harrison. Na
última vez que nos falamos, ele me chamou de puta malvada, entre
outras coisas. Ele disse que ele e sua família não teriam nada para
fazer comigo, avisou que ele me pagaria se ele precisasse. Eu não
dei a chance para ele. Nos meses que se seguiram, houve muitas
coisas em que fiquei acordada, sentindo a bebê chutar dentro da
minha barriga e me lembrando do ódio nos olhos do homem que
uma vez eu pensei que amava.
— O que aconteceu entre Randall e eu — Eu disse. — não foi
planejado, e nós não estávamos tentando magoar você. Não me
entenda mal, eu estava furiosa contigo por me fazer de boba. De
fato, eu estava arrasada. Harrison, eu juro que eu não estava
procurando vingança com seu irmão quando eu fiquei com ele. Mas
eu sei que eu não deveria ter e eu sinto muito sobre isso. — Eu
respirei e olhei para a casa onde o pai da Emma tinha crescido. —
Eu realmente me importava com Randall. Eu queria ajudá-lo.
Não havia ódio nos olhos do Harrison agora. Apenas
arrependimento.
— Eu posso aceitar isso. — Ele disse. — Se você aceitar minhas
desculpas.
Eu pensei sobre isso.
— Acho que nós dois podemos deixar o passado para trás e
seguir em frente agora.
Ele sorriu.
— Que tal entrarmos para apresentar Emma a sua avó?
Eu sorri de volta.
— Eu gostaria disso.
Dentro da casa, Delia estava ouvindo Emma falar pelos
cotovelos.
— E ela é tão engraçada. E ela me deixa muito feliz. Roxie é a
melhor cachorra no mundo.
Delia ouvia com um sorriso educado.
— Roxie é o nome da sua cachorra?
— É. Agora ela é a cachorra do Nash só, mas ela vai ser minha
cachorra.
Delia assentiu.
— Entendi. Ela parece maravilhosa.
— Ela é.
Delia olhou para nós enquanto Harrison fechava a porta da
frente. A casa estava como eu me lembrava, cara e impecavelmente
decorada. Harrison assentiu para sua noiva e ela esticou para pegar
a mão dele.
— Devemos entrar? — Ela perguntou.
— Sim. — Ele disse. — Eu tenho certeza que ela está ouvindo.
Emma deslizou sua mão para a minha enquanto seguíamos
Harrison e Delia por um longo corredor. Havia um quarto no final e a
porta estava aberta. Delia olhou pelo ombro e deu um sorriso de
encorajamento.
Harrison espionou pela porta.
— Mãe? — Ele disse suavemente. — Você está acordada?
— Sim. — Respondeu uma voz alta e trêmula. — Elas estão aí?
Emma está aqui?
Emma recuou de repente e olhou para mim com preocupação.
— Está tudo bem. — Eu garanti a ela e a levei para o quarto.
A mulher na cama só se parecia vagamente com a elegante
mulher de meia-idade que sorriu com indulgência para seus filhos
barulhentos à mesa de uma noite de Ação de Graças. Sua cabeça
estava coberta por uma echarpe e a cama tamanho king-sized só
enfatizou como seu corpo robusto de antes foi devastado pelo
câncer. Harrison imediatamente foi até o lado dela quando ela se
esforçou para sentar. Havia potes de pílulas e outras parafernálias
médicas reunidas em uma mesa pequena e o quarto estava muito
aquecido, provavelmente pelo bem da senhora Corbett.
Harrison cuidadosamente apoiou sua mãe nos travesseiros
macios da cama e seu rosto magro nos observou. A única
característica que não mudou foi a cor dos seus olhos castanhos
que se iluminaram quando eles pousaram na Emma.
— Oi, querida. — Ela disse e estendeu sua irmã, chamando
Emma para perto. — Eu sou sua avó e estou tão feliz em te
conhecer.
Eu fiz o meu melhor para fazer a Emma entender a realidade da
situação. Sua avó estava muito doente. Ela pareceria doente e
provavelmente não seria capaz de sair da cama. Emma era uma
criança sensível, mas ela tinha três anos e meio e era imprevisível
às vezes. Eu não tinha certeza de como ela reagiria a toda a
emoção no quarto.
— Oi. — Emma disse e se aproximou da cama de bom agrado.
Emma e sua avó se examinaram de perto por alguns segundos.
— Por que é que você está usando um chapéu na cama? —
Emma perguntou com curiosidade e a senhora Corbett riu.
Eu soltei um suspiro de alívio. Seria tudo bem. Tudo seria bom.
Senhora Corbett disse a Emma que tinha uma coisa muito
especial para ela e fez sinal para o Harrison levar uma grande
sacola rosa de presente. Emma não perdeu tempo nenhuma tirando
o papel de seda e puxou um animal de pelúcia adorável que meio
que se parecia com uma versão fofa da Roxie.
Os olhos de Emma se iluminaram e ela apertou o brinquedo no
peito.
— Ela é liiiinnnndaaa! — Minha filha disse com uma voz
maravilhada e eu pensei que o pobre Sr. Ford pode ter acabado de
ser rebaixado.
Havia lágrimas nos olhos da senhora Corbett.
— Você é linda!
Emma olhou para a mulher.
— Você está triste?
— Não, querida. Não estou triste. Esse é um dia feliz. Eu só me
lembrei de como seu pai tinha um cachorro de pelúcia igual a esse.
— Ele está aqui? — Emma perguntou.
Eu me encolhi. Harrison me olhou com uma expressão
preocupada. Eu também tinha tentado explicar sobre o pai da Emma
para ela, mas havia muitos temas complicados para uma criança em
idade pré-escolar carregar.
— Emma. — Eu disse gentilmente, abaixando ao seu lado. —
Lembra quando nós falamos sobre seu pai? Sobre como ele se foi?
Ela assentiu devagar.
— Como tia Heather e tio Chris. — Ela murmurou e eu pensei
como era injusto ela já ser exposta a tanta morte quando ela mal
entendia o conceito. Ela tinha perdido seu pai. Ela tinha perdido as
pessoas que eram praticamente pais substitutos para ela. E em
breve ela perderia sua avó que ela tinha acabado de conhecer. Não,
isso não era justo. Entretanto, eu tinha esperança também. Eu tinha
esperança que ela não esqueceria que a vida é uma coisa frágil, é
para ser valorizada incondicionalmente.
— Está certo. — Eu disse e a puxei para perto, com cachorro de
pelúcia e tudo.
Emma foi rápida em se recuperar e começou a quicar seu novo
brinquedo na cama. De repente, ela notou Harrison parado no lado
mais distante do quarto.
— Você mora aqui também?
Ele pareceu assustado porque ela estava falando diretamente
com ele.
— Eu morava. Agora Delia e eu moramos uns 25 quilômetros
daqui.
— Por que?
— Porque quando você cresce, você se muda e encontra sua
própria casa.
— Por que?
Ele sorriu.
— É só uma coisa que as pessoas fazem.
Emma não gostou da resposta.
— Eu não quero me afastar da minha mamãe.
Eu ri.
— Não se preocupe com isso tão cedo, Ems.
— Kathleen. — Senhora Corbett estava se dirigindo a mim com
uma voz gentil. Ela estendeu sua mão e eu me estiquei para pegá-
la, percebendo quão magra e frágil ela estava.
— Sinto muito por eu nunca tê-la trazido para ver você antes. —
Eu disse, mas ela sacudiu a cabeça veementemente.
— Não. Você está medando um presente inacreditável. Tem
havido tantos mal-entendidos. — Ela lançou um olhar afiado para
seu filho restante. — Não teremos mais. Eu estou muito grata por
você trazer a Emma aqui. E muito agradecida que a filha de Randall
tem uma mãe tão maravilhosa. — Ela se virou para Emma e sorriu.
— Emma, você quer sentar mais perto de mim? Tem um livro que eu
gostaria de ler para você.
Delia entendeu isso como um sinal. Ela procurou por um livro
infantil desbotado na cômoda e o entregou para a senhora Corbett.
Eu peguei um vislumbre do título. Era Te Amo Para Sempre e eu
imaginei que devia ter pertencido aos seus filhos quando eles eram
pequenos.
Emma ajustou a si e o novo brinquedo de pelúcia na cama e
preparou-se para ouvir a história. Emma amava livros. Mais do que
amava morangos.
Talvez não tanto quanto amava cachorros.
— Kathleen. — Delia sussurrou e eu vi que ela e Harrison tinham
deixado o quarto e estavam parados do lado de fora da porta.
Senhora Corbette começou a ler para Emma em uma voz que
agora estava surpreendentemente forte e clara. Eu levantei e saí do
quarto. Elas já estavam tão absortas na história que nem me viram
sair.
Delia estava agarrada ao braço de Harrison e eu tive a
impressão de que ele estava nervoso. Ela olhou para seu noivo
como se o encorajasse a falar, mas quando ele não o fez, ela foi em
frente.
— Kathleen, nós não queremos que você se sinta pressionada
de jeito nenhum. Não há palavras suficientes de agradecimento para
expressar nossa gratidão.
Ela olhou para Harrison novamente e, dessa vez, ele limpou a
garganta.
— Nós adoraríamos ver Emma de novo. — Ele disse. — Se tiver
tudo bem para você. Ela é minha sobrinha e, quando eu olho para
ela, eu me lembro de como eu amava o meu irmão. E o quanto eu
sinto a falta dele.
Eu olhei para trás de mim, para dentro do quarto onde Emma
estava se agarrando em toda palavra que sua avó lia para ela. Eu
estava tão acostumada a ter Emma só para mim que era quase
estranho compartilhá-la com outra família. Entretanto, eu não
deveria me sentir dessa forma. Essa seria a família dela também.
— Eu acho que Emma gostaria disso. — Eu disse.
Harrison pareceu aliviado.
— E se você precisar de alguma ajuda financeira, nós ficaríamos
felizes…
— Não. — Eu interrompi, arrepiando-me. — Eu não preciso de
ajuda financeira.
Ele recuou.
— Eu não quis dizer desse jeito que saiu. Nós não temos
intenção de invadir sua vida e ditar regras. Mas Emma é a garotinha
do Randall e eu só queria que você soubesse que nós estamos aqui
para ela.
— E para você. — Delia acrescentou. — Nós estamos aqui para
você também, Kathleen. Espero realmente que nós possamos ser
amigas.
Eles pareciam tão intensos, tão esperançosos. No outro cômodo,
Emma e sua avó caíram na risada.
— Eu gostaria de ser sua amiga. — Eu disse a Delia e era
verdade.
Nós três ficamos fora do quarto por mais um tempo, dando a
Emma e sua avó privacidade para conhecerem mais uma a outra.
Eu soube que Harrison tinha se tornado um conselheiro financeiro e
tive certa dificuldade de imaginar o cara impetuoso do futebol
americano, que eu tinha conhecido na faculdade, sentado à uma
mesa de reuniões e aconselhando casais sobre planos de
aposentadoria. No entanto, as coisas mudam. As pessoas mudam.
Delia estava se dedicando ao doutorado em bioquímica e planejava
se tornar professora eventualmente.
— Esse costumava ser o meu plano. — Eu disse. — Virar
professora.
Ela estava pensativa.
— Você ainda pode. Não é tarde demais.
Eu considerei a ideia.
— Você está certa. — Eu disse. — Não é tarde demais.
Uma enfermeira de casa de repouso chegou pouco antes do
almoço para verificar a senhora Corbett. Sua presença era uma
lembrança sóbria de que a mulher no outro quarto não tinha muito
tempo de vida.
Harrison achou que sua mãe estava ficando muito cansada, mas
ela protestou e implorou se Emma poderia ficar por mais um tempo.
Um acordo foi alcançado quando ela concordou em descansar por
uma hora enquanto Delia fazia o almoço. Os adultos aproveitaram
frango ao limão com quinoa e Emma comia um sanduíche de queijo
grelhado com um pouco de morangos. Emma adorava a mesa com
contos da escolinha, e depois que terminei de comer, eu me
ausentei por um momento para mandar mensagem para Nash. Ele
tinha ficado um pouco apreensivo com essa viagem e eu só queria
que ele soubesse que ele não precisava se preocupar com nada.
Tudo está bem. Emma conheceu sua avó e ganhou de presente
uma substituta sintética da Roxie. Pensando em vocês, meninos.
Eu estava quase guardando meu celular de volta na minha bolsa,
mas depois decidi mandar mais uma linha.
Estou com muita saudade de vocês.
Quando nossos papéis foram invertidos recentemente, Nash tinha
dito isso para mim. Na época, eu não tinha respondido de volta,
embora ele estivesse na minha cabeça constantemente. Eu esperei
por uns minutos, mas não tive resposta. Talvez ele não tivesse visto
de imediato. Nash nem sempre mantinha seu celular ao lado.
A rica gargalhada da Delia veio da sala de jantar, seguida pela
risadinha alta da Emma. Eu fiquei onde estava por mais alguns
segundos e apenas escutei. Nós passaríamos mais algumas horas
aqui e, logo após, pegaríamos a estrada para estarmos de volta a
Hawk Valley antes do jantar. Eu já estava pensando em oferecer
para trazer Emma aqui de novo em breve. As memórias que Emma
estava construindo hoje seriam preciosas para ela. Ela deveria ter a
chance de ter mais.
Eu tinha decidido outra coisa também. Antes de irmos para casa
hoje, eu pararia para ver Nash. Eu precisava contar para ele como
eu me sentia em relação a ele. Se ele não sentisse o mesmo, era
melhor saber agora, enquanto eu ainda seria capaz de salvar os
pedaços do meu coração. Se eu me apaixonasse por ele ainda
mais, eu não tinha certeza se conseguiria me recuperar.
— Mamãe! — Emma cantou. — Onde você está?
— Estou aqui. — Eu disse, sorrindo enquanto retornava para a
sala de jantar.
2 6
N
C A P Í T U L O V I N T E E C I N C O
Nash
ós ainda estávamos decidindo as categorias quando a mãe
da Kathleen apareceu.
— O que é isso tudo? — Eleanor Doyle exigiu saber
depois entrou pela porta da frente. Eu acho que foi bem feito para
mim por não ter trancado.
Ela franziu a testa quando viu todas as caixas no chão da sala
de estar. Kevin estava curvado, rabiscando em uma com um
marcador preto enquanto Jane estava embrulhando um vaso de
cristal no plástico-bolha.
— Olá, Eleanor. — Jane disse.
— Você está se mudando? — A mãe de Kathleen me perguntou.
Eu achei que ela soou um pouco esperançosa.
— Não. — Eu respondi. — Nós estamos trabalhando em
encaixotar alguns pertences pessoais do Chris e da Heather. Eu
percebi que estava na hora e, como Heather era sua sobrinha, eu
pensei que poderíamos contar a sua ajuda para decidir o que é
melhor.
Tudo isso era verdade, mas eu também tinha outro motivo para
ligar para a mãe da Kathleen. Eu estava descaradamente tentando
me infiltrar nas boas graças dela, porque eu queria impressionar sua
filha.
— Ei, Eleanor. — Kevin entrou na conversa.
Ela olhou na direção dele e assentiu antes de se virar de volta
para mim.
— As coisas importantes, as coisas sentimentais, serão
encaixotadas e armazenadas no sótão. — Eu disse. — Mas eu
acredito que a maioria das roupas podem ir para caridade. — Eu
pausei. — O que você acha?
Eleanor continuou me encarando, depois assentiu lentamente.
— Eu acho que Heather aprovaria. E minha igreja vai fazer uma
venda de caridade no sábado. Então qualquer coisa que você quiser
doar, eu posso levar certamente.
Eu sorri.
— Obrigado, isso seria ótimo. Eu sabia que nós poderíamos
contar com você. — Eu estava exagerando um pouco e Kevin
levantou uma sobrancelha para mim como se dissesse que ele
detectou uma elevação significativa no meu detector de mentiras,
mas Eleanor corou e pareceu satisfeita.
Ela se ofereceu para começar no quarto principal e meio que
pelas coisas da Heather, o que foi um alívio porque eu ainda me
sentia um pouco estranho em estar ali. Eu teria que superar isso. Eu
nãopoderia só manter o quarto fechado para sempre e mantê-lo
como se fosse algum tipo de santuário gótico. Não seria saudável
para Colin, para nenhum de nós.
Jane seguiu Eleanor pelas escadas com algumas caixas,
deixando Kevin e eu sozinhos na sala de estar.
Eu peguei um prato de vidro que estava no suporte de exposição
na mesinha. Parecia velho, provavelmente uma antiguidade.
— Você quer embrulhar todas as coisas frágeis? — Kevin
perguntou.
Eu assenti.
— A maioria delas. Colin está quase engatinhando. Depois ele
estará andando. Então, há muito o que colocar à prova de bebês. —
Eu peguei mais plástico-bolha. — Essas coisas ficarão no sótão por
ora.
— Nash.
Eu olhei para cima e encontrei o velho amigo do meu pai com
uma expressão aflita.
— Eu estava querendo falar com você por um tempo, sobre
aquela noite no Sheen.
— Não precisa disso.
— Sim, precisa. Você estava certo sobre Travis, nenhum mistério
aí. Mas eu preciso pedir desculpas pelo que eu falei para você. Eu
te disse que achava que você tinha que crescer um pouco,
insinuando que você ainda era a mesma criança irresponsável que
você sempre foi.
Eu rasguei um pedaço de plástico-bolha.
— Eu lembro.
— Eu estava errado. — Kevin disse categoricamente. — Você
tem melhorado as coisas por aqui de um jeito que eu não esperava.
E eu vejo a maneira como você é com Colin, como você está
tentando. E eu te admiro, Nash. Teu pai sabia o que ele estava
fazendo quando ele te encarregou disso.
Eu o vi olhar para uma foto do meu pai e Heather no dia do
casamento deles. Seus braços estavam ao redor um do outro e
seus rostos estavam em êxtase. Queria que eu tivesse ido lá
naquele dia. Queria que eu tivesse deixado para trás qualquer raiva
que eu estivesse me segurando. Eu perdi tanto tempo. Pelo menos,
não havia mais raiva agora. Eu percebi de repente que eu tinha
perdoado os dois há muito tempo. Eles se encontraram e se
apaixonaram e isso não tinha nada a ver comigo. Eu deveria ter dito
isso. Agora era muito tarde.
Entretanto, isto não era. Porque havia Colin. Talvez seja por isso
que eles me escolheram para ser seu guardião. Talvez esse fosse o
jeito do meu pai de dizer que ele sabia que eu não guardaria um
rancor, e que ele tinha mais fé em mim do que jamais imaginei. Eles,
Chris e Heather, tinham que saber de alguma forma. Eles tinham
confiança de que eu entraria no cargo se fosse necessário. Eu
nunca desperdiçaria essa fé.
— Talvez nós possamos sair para tomar uma bebida algum
momento. — Eu disse para Kevin. — Algum outro lugar sem ser o
Sheen.
Ele sorriu abertamente.
— Isso.
Eu terminei de embalar o prato antigo. Seria guardado. No
entanto, todas as fotos ficariam. Colin seria capaz de ver seus pais e
talvez sentir como se eles estivessem olhando para ele de alguma
forma.
— Você acha que nós temos plástico-bolha suficiente? — Eu
perguntei.
Kevin olhou ao redor.
— Eu posso ir correndo e arrumar mais se for necessário.
O monitor de bebê tinha sido deixado no sofá e estalou enquanto
Colin acordava no seu berço e começava a balbuciar. Eu sabia que
ele provavelmente se divertiria sozinho por alguns minutos antes de
pedir por alguma atenção, então eu embalei mais alguns objetos de
valor nesse meio tempo.
Quando tinham passado cinco minutos e ele uivando para ser
pego, eu me perguntei se ele caiu no sono novamente, por isso eu
subi as escadas para verificar. Eu podia ver o quarto principal onde
Eleanor Doyle estava dobrando roupas com uma eficiência
maravilhosa e organizando-as em pilhas na cama. Ela não percebeu
quando eu passei e fui direto para o quarto de Colin. Fiquei um
pouco surpreso com o que eu encontrei lá.
Jane havia pegado Colin e estava balançando-o na cadeira ao
lado da janela. Jane raramente pegava o bebê e sempre que fazia
ela parecia ansiosa para largá-lo o mais rápido possível. Ela estava
mostrando para ele alguma coisa no celular, talvez um desenho. Eu
não sabia o quanto Colin queria sair dali, mas ele parecia estar
interessado.
— Está tudo bem? — Eu perguntei e o rosto do Colin virou para
o som da minha voz de imediato. Ele se balançou com agitação no
colo da Jane.
— Ele acordou. — Jane disse, abaixando o celular. — Eu acabei
de chegar para vê-lo. Espero que esteja tudo bem.
Eu me apoiei contra a mesa de troca de fralda.
— Claro que está tudo bem. Você é a tia dele.
Ela pôs a cabeça do Colin na sua mão em forma de concha e
olhou para ele pensativamente.
— Eu me lembro de você quando você tinha essa idade, Nash.
— Ela olhou para mim. — É difícil acreditar agora. Você está mais
alto do que seu pai era.
Eu apontei para o celular.
— O que vocês estavam vendo?
— Ah! Eu achei um vídeo que eu fiz no hospital no dia que Colin
nasceu, então eu estava mostrando para ele. Aqui. — Ela estendeu
o celular para mim. — Você deveria assistir também.
O vídeo tinha apenas alguns minutos de duração e eu comecei a
assistir pelo início. Eles estavam no hospital, provavelmente
algumas horas depois do nascimento do Colin. Heather parecia
cansada mas radiante como se ela abraçasse seu novo pacote de
alegria. Ela estava admirando fixamente para o bebê quando meu
pai apareceu. Ele ajoelhou ao lado da cama, olhando para dentro do
cobertor azul que enrolava seu filho recém-nascido e deu um beijo
suave na sua esposa. Ela sorriu para ele, depois voltou seu olhar
amoroso para o bebê.
— Ei, Jane, o que você acha do seu novo sobrinho? — Meu pai
perguntou.
— Ele é lindo. — Disse a voz da Jane atrás da câmera.
— Como o irmão. — Meu pai disse. Ele se encostou contra a
parede e cruzou os braços com um sorriso enorme, feliz e rebocado
no rosto. — Não consigo acreditar que eu sou pai de novo aos
quarenta e cinco.
— Velhote. — Heather provocou com uma risada.
— Mas você quer saber de uma coisa? — Ele disse. — Eu
aprendi a valorizar cada momento, uma coisa que eu não sabia
como fazer quando Nash nasceu.
— Você ligou para ele? — Heather perguntou. — Você ligou para
o Nash?
— Eu liguei para ele, disse que ele finalmente ganhou um irmão.
Ele pareceu feliz. — Meu pai parecia pensativo, esperançoso. —
Estou pensando que ele pode vir nos visitar.
Colin fez um som e Heather o acalmou enquanto meu pai
encarava os dois.
— Dois filhos. — Ele disse, soando um pouco impressionado. —
Dois meninos perfeitos que são meu orgulho e alegria. — Depois ele
olhou em direção à câmera. — Eu ainda não acredito na minha
sorte.
— Colin. — Heather cantou o nome como enquanto ela
balançava o bebê para trás e para frente. — Colin, sabia que você
tem um irmãozão? E ele vai te amar. — Ela beijou o rosto sonolento
nas mãos. — Eu prometo que ele vai te amar.
Meu pai sentou na beirada da cama e colocou um braço ao redor
da sua esposa e do seu filho. A câmera continuou gravando a
família por mais trinta segundos, mas eles não pareciam
conscientes disso.
Chris Ryan não foi perfeito. Ninguém era. No entanto, enquanto
eu assistia os últimos poucos segundos do vídeo, eu percebi que
podia aprender com seus triunfos. E seus erros. É o melhor que
qualquer um de nós pode fazer.
“— Eu prometo que ele vai te amar.”
E eu amava. Eu amava tanto aquele bebê que doía. Ele cresceria
com a dor de perder seus pais antes de conhecê-los. Eu faria
qualquer coisa que eu pudesse para ajudá-lo a navegar pelo
desconhecido e, às vezes, realidades dolorosas que nos desafiavam
nessa vida, porque isso também poderia ser maravilhoso. E amar
outras pessoas era o que fazia valer a pena.
— Oh, Nash… — Jane disse quando o vídeo terminou e eu
estava limpando meus olhos. — Sinto muito. Eu não queria te
entristecer.
Minha tia parecia angustiada, à beira das lágrimas agora.
— Não, está tudo bem. — Eu disse, secando a última das
lágrimas repentinas. Eu devolvi o celular para ela. — Obrigada por
me mostrar isso. Na verdade, se você puder me enviar, seria ótimo.
Colin vai querer ver um dia.
— Claro.
Colin se deslocou nos braços dela e ela começou a parecer um
pouco frustrada, então eu me estiquei para pegá-lo.
— É mesmo uma coisa boa o que você está fazendo. — Jane
disse e levantou. — Ficar aqui, criá-lonessa casa. Você está dando
para ele a vida que Chris e Heather queriam. Eu sabia que você
faria. Você é o único que poderia.
— Obrigada, Jane. — Eu disse enquanto Colin tentava agarrar
minha orelha esquerda.
O sorriso da minha tia agora ficou meio diabólico.
— Eu sabia que você a amaria também. Eu soube quando eu vi
vocês juntos.
— Quem? — Perguntei, embora eu soubesse muito bem quem.
— Kathleen.
Eu não respondi. Eu sacudi Colin e ele gritou com prazer.
— Você ama, não ama? — Jane pressionou. — Você a ama.
De repente, Eleanor Doyle apareceu na porta.
— Tem mais caixas? — Ela perguntou. — Eu vou precisar de
pelo menos mais três só para as roupas.
— Tem mais algumas lá embaixo. — Eu disse, feliz pela chance
de escapar do escrutínio da Jane. — Me siga.
Antes de sair do quarto, eu olhei pelo meu ombro e Jane me deu
um conhecido sorriso afetado. Havia um jeito fácil de responder a
pergunta dela, contudo eu não estava pronto para revelar meus
sentimentos pela Kat até que eu realmente conversasse com a Kat
primeiro. Eu devia isso a ela e, de qualquer forma, eu podia estar
completamente errado. Kat podia estar feliz mantendo as coisas
como estavam e eu não queria que todo mundo testemunhasse um
golpe mortal no orgulho e no meu coração.
Lá embaixo, Kevin já estava fechando algumas caixas com fita
adesiva e se ofereceu para começar a colocá-las no sótão. Eleanor
e Jane pegaram mais caixas para as roupas e se dirigiram para
cima.
— Você deve estar com fome. — Eu disse para Colin depois de
trocar sua fralda.
— Babababa. — Colin respondeu. Eu não sabia se o som tinha
algum significado para ele, mas era incrível ouvi-lo tentar.
Depois que preparei a mamadeira, eu peguei meu celular na
mesa da cozinha. Havia algumas mensagens da Kathleen. Eu
estava feliz em saber que tudo tinha ido bem. Ela e Emma tinham
ficado muito tempo na minha mente. Sua segunda mensagem me
fez sorrir.
Assim que ela chegasse à cidade, eu a deixaria encurralada com
uma conversa muito importante. Eu só esperava que ela gostasse
de ouvir o que eu tinha a dizer.
2 7
H
C A P Í T U L O V I N T E E S E I S
Kathleen
awk Valley provavelmente não parecia muito para pessoas
que costumavam ir a lugares mais exóticos. Você tem que
dirigir para o norte pela interestadual fora de Phoenix por
cento e sessenta quilômetros, depois adentrar a pequena estrada do
estado por mais quarenta e oito quilômetros antes de você pegar
seu primeiro vislumbre do vale na base das majestosas Montanhas
de Hawk.
Eu dirigi por um ponto de referência depois do outro, sentindo a
doce familiaridade de estar em casa. Havia um pequeno campus da
Faculdade de Hawk Valley, depois o velho fórum restaurado, logo
antes da avenida principal, Avenida Garner. Eu apertei os olhos
enquanto passava pela loja do Nash, imaginando se ele teria ido
hoje. Mesmo se ele tiver, grande chance de ele ter saído para ir
pegar o Colin.
Era por volta das sete da noite, mais tarde do que eu esperava
retornar. Emma cochilava no banco de trás com seus braços ao
redor da Roxie Jr, como ela batizou o animal de pelúcia da sua avó.
Eu não poderia pedir um dia melhor para minha garotinha, mas eu
estava aliviada que tinha acabado.
No banco ao meu lado, na sacola de compras feita de papel,
tinha algumas coisas que a senhora Corbett queria que eu
guardasse para Emma. Uma era o livro que elas tinham lido, um dos
favoritos de Randall quando ele tinha a idade dela. Também tinha
uma caixa cheia de fotos da família Corbett e uma foto de vinte por
vinte e cinco centímetros emoldurada do Randall durante seu último
ano de ensino médio, apenas alguns anos antes de eu conhecer
seu irmão e ele no estado do Arizona.
Eu me encontrei imaginando o que Randall diria sobre o dia de
hoje, como ele se sentiria sendo pai. Ontem eu solicitei uma
mudança na certidão de nascimento de Emma para mostrar o nome
verdadeiro do seu pai. Nós dois não terminaríamos juntos, não
importava o que houvesse. Apenas não era para ser. Entretanto,
talvez o conhecimento da iminente paternidade o teria convencido a
procurar a ajuda que ele tanto precisava. Ou talvez não. Em
qualquer caso, Randall tinha um coração gentil, por isso eu gostava
de pensar que ele teria adorado sua filha se a tivesse conhecido.
Era meados do verão e os vestígios da luz do sol permaneciam
bem noite adentro. Eu gostava dessa hora do dia, suspensa entre a
luz do dia e a escuridão, quando a luz começava a ficar leve e
gerava sombras amigáveis.
No semáforo na Avenida Garner, eu dei uma olhadinha para trás
para espiar a Emma. Nós tínhamos parado para jantar no caminho e
ela parecia estar pronta para dormir depois de um dia tão animado.
Mas seus olhos estavam abertos agora e ela estava olhando
para a janela.
— Isso aqui é casa. — Ela disse, soando surpresa e encantada.
— Sim, estamos de volta a Hawk Valley.
Ela bocejou.
— O que a gente vai fazer agora?
Eu sabia exatamente o que eu queria fazer agora.
— Você gostaria de apresentar Roxie para a Roxie Jr? — Eu
perguntei.
Seu rosto se iluminou.
— Sim!
— Bom. É isso que vamos fazer.
Eu virei à direita no semáforo, adentrando a vizinhança cheia de
antigas casas vitorianas. Houve uma leve pontada de dúvida
enquanto eu me aproximava da rua de Nash. Ele não me mandou
mensagem de volta hoje e eu não tinha ligado para ele saber que eu
passaria aqui. Talvez isso parecesse carente, invasivo.
Eu deixei de lado esse pensamento. Eu tinha deixado meu
coração fechado para a possibilidade de amar há um bom tempo.
Ainda que eu me humilhasse hoje e fosse obrigada a encarar o fato
de Nash não se sentir da mesma forma, eu ainda não me
arrependeria. Estava na hora de me colocar lá e descobrir o que
aconteceria.
No entanto, quando eu parei na calçada na frente da casa de
Nash, eu olhei duas vezes.
— Aquela é a vovó? — Emma perguntou.
— É, com certeza parece ser ela. — Eu disse, desligando o
motor.
Minha mãe estava parada no gramado da frente e segurando
Colin enquanto Nash carregava algumas caixas para a mala do
Toyota dela. Ela estava rindo. Depois me olhou. Isso foi estranho.
Emma não achou. Ela se desafivelou da sua cadeirinha de carro,
o que eu já mandei pelo menos setecentas e vinte vezes não fazer,
e tentou sair do carro.
— Mamãe. — Ela reclamou. — Eu não consigo sair!
Eu suspirei e liberei a trava infantil. Emma saltitou pelo gramado
da frente da casa de Nash segurando Roxie Jr com uma mão.
— Olha o que eu ganhei! Minha outra avó me deu! — Emma
segurou o brinquedo como prova. Colin soluçou e olhou para ela
com fascínio. Minha mãe pegou o meu olhar enquanto eu
caminhava até eles.
— Então foi tudo bem? — Ela me perguntou.
— Sim. Nós tivemos um dia delicioso, não é, Ems?
Emma estava tentando colocar a Roxie Jr. nos braços do Colin.
— Eu me diverti.
Nash fechou a mala do carro e se dirigiu até nós. Ele estava
vestindo jeans desbotados e uma camiseta branca, que
definitivamente já tinha visto dias melhores, e ele parecia tão bem
que meus joelhos quase cederam. Então ele sorriu para mim e eu
tive que me lembrar de respirar.
— Você está em casa. — Ele disse.
Eu queria correr para ele, pular nos seus braços, enterrar meu
rosto no seu pescoço e inalar a quentura da sua pele.
— Estou em casa. — Eu disse e nós nos olhamos. Tinha mais
calor no nosso olhar mútuo do que continha no planeta Mercúrio.
— Bem, — Minha mãe disse. — quem quer pegar esse pequeno
cavalheiro? Eu tenho que ir.
Isso me lembrou que, em primeiro lugar, eu ainda não entendi
por que ela estava aqui. Nash estendeu seus braços para pegar seu
irmãozinho.
— Obrigado por toda sua ajuda hoje, Eleanor. — Ele disse.
— Claro. — Ela disse e deu um beijo na minha bochecha. — Me
ligue amanhã, Kat. Eu quero ouvir tudo sobre a visita. — Ela se
abaixou para beijar Emma, depois se dirigiu até seu carro e foi
embora.
Eu virei para o Nash.
— O que aconteceu aqui?
Nash estava entretido.
— Sua mãe e eu ficamos por aqui hoje. Ela é uma senhora muito
legal mesmo.
— Eu sei que ela é uma senhora legal.
— E eu vejo de onde vieram suas habilidades com organização.— Isso não é uma resposta completa para a minha pergunta.
— Eu também vejo de onde vieram seus instintos de mandona.
— Nash!
Ele sorriu e, sem um aviso, colocou uma mão no meu pescoço,
puxando-me para um beijo. Nada podia ser tão erótico com nossas
crianças olhando, mas o toque dos seus lábios eram o bastante
para fazer minha cabeça rodar. Era o suficiente para me calar
também, o que provavelmente era o que ele pretendia.
— Fizemos um trabalho na casa. — Ele disse.
— Você e minha mãe?
— E Kevin e Jane.
Eu fiquei confusa.
— Que tipo de trabalho?
— À prova de bebês. Esse garotinho está ficando pronto para se
mexer. — Ele estendeu Colin para acima da sua cabeça e o bebê riu
com prazer. Nash estava sorrindo quando ele o trouxe de volta.
Depois seu sorriso se apagou. — Nós também limpamos o quarto
principal. Estava na hora. Mantivemos os itens sentimentais,
encaixotamos e guardamos no sótão. Sua mãe levou as caixas
cheias de roupas porque ela conhecia uma boa causa que podia
usar mais algumas doações.
— Entendi. — Eu disse, um pouco surpresa que Nash tinha dado
esse passo. Na última vez que eu falei dos pertences do Chris e da
Heather, ele me cortou e mudou de assunto.
— Onde está Roxie? — Emma quis saber. — Eu quero mostrar a
Roxie Jr. para ela.
Nash apontou para o cachorro de pelúcia nos seus braços.
— Essa é a Roxie Jr.?
Emma assentiu.
— Eu a amo menos do que a Roxie, mas a amo também.
Ele riu.
— Roxie ficou no quintal na maior parte do dia, mas eu sei que
ela estava esperando você voltar. — Ele estendeu a mão. — Vamos
lá. Vamos vê-la.
Emma deslizou sua mão pequena por dentro da mão larga do
Nash e eles caminharam para o portão de madeira que levava ao
quintal. Por um segundo, eu não consegui me mover. Eu só fiquei
para trás e os admirei: Nash carregando Colin em um braço
enquanto Emma confiantemente permitia que ele a levasse com a
outra mão. Eu queria marcar a visão na minha mente para sempre.
Nash abriu o portão e olhou pelo ombro.
— Você vem?
Eu concordei.
— Onde mais eu iria?
Roxie estava tão feliz que ela chorou e se lançou de pessoa em
pessoa à procura de afeto. Emma permitiu que seu rosto fosse
lambido e depois correu por toda a grama do quintal enquanto Roxie
corria ao redor em círculos. Uma quase tragédia ocorreu quando
Roxie agarrou Roxie Jr. pelo pescoço, mas Nash interveio como um
relâmpago, retornando o brinquedo a Emma, que estava muito
indulgente.
— Você não sabe quanto ela ama essa cachorra. — Eu ri
quando ele voltou.
Ele sentou no sofá almofadado do pátio.
— Eu tenho uma ideia. — Ele me olhou de cima para baixo,
disparando qualquer outra reação em cadeia no meu corpo. —
Sente, Kat.
Eu me sentei bem ao lado dele. A luz estava desaparecendo
rapidamente agora. Emma era um tornado pequeno e pálido no
gramado e Roxie, um redemoinho peludo.
— Dia longo. — Eu comentei e esfreguei as costas da minha
nuca.
Nash balançava Colin em um joelho e chegou mais perto para
massagear o lugar para mim. Eu deixei. Ele era muito melhor nisso.
— Me conte. — Ele disse.
— Mais tarde. — Eu queria conversar sobre outra coisa primeiro.
— Por que é que você decidiu fazer isso hoje? Limpar a casa?
— Eu te contei. Estava na hora. Eles teriam preferido isso dessa
forma. Eles teriam preferido que a vida continuasse.
— Chris e Heather?
Ele assentiu. Ele estava encarando as sombras do quintal,
assistindo minha filha e a cachorra dele.
— Além disso, eu preciso abrir espaço.
— Para o que?
— Novos moradores.
— Você vai alugar quarto ou alguma coisa?
— Ou alguma coisa.
— Não entendi.
Ele parou de massagear meu pescoço e se virou para mim com
um olhar penetrante.
— Nós precisamos conversar.
Eu engoli.
— Sobre o que?
— Eu não estou mais satisfeito com nosso acordo.
Eu olhei para baixo, insegura sobre se eu queria ouvir isso ou
não.
— É sério?
— Sim. — Ele me puxou para perto e suavemente pincelou seus
lábios sobre os meus, enviando calafrios para cada centímetro do
meu corpo. Ninguém mais tinha feito isso comigo. Ninguém mais
podia.
— Eu quero mais de você, Kat. — Ele disse e enrolou seu braço
forte todo ao meu redor. — Eu quero mais de você e eu tenho mais
para dar a você.
— Você me disse que você não gosta de aborrecimentos. — Eu
sussurrei. — Ou complicações.
— Você não é nem um nem outro.
Eu toquei seu rosto.
— O que eu sou?
Ele não hesitou.
— Minha. Você é minha.
Ele acabou de pronunciar as palavras dos meus sonhos. Talvez
fosse por isso que eu me encontrei incapaz de falar.
Nash estava me observando.
— Kat?
Eu pisquei.
— Eu te amo. — Ele disse.
Esse momento é tudo. Ele é tudo.
Agora, entretanto, ele estava olhando com um olhar preocupado
porque eu fiquei catatônica.
— Eu te amo. — Ele repetiu. — Morem comigo. Você e Emma.
Você disse que você vai ter que encontrar um novo apartamento em
breve. Então more aqui com a gente. Kat, essa casa velha precisa
de alguma felicidade. Nós todos precisamos.
Colin acenou seus braços no ar. Talvez ele estivesse imitando
Emma enquanto ela se exibia no gramado. Talvez ele estivesse
tentando dar peso para a conversa.
— Nash. — Eu disse e fechei meus olhos. Havia muitos
pensamentos correndo pela minha cabeça e eu ainda não tinha
palavras. Eu sempre fui ótima com palavras e agora que eu mais
precisava delas, elas me abandonaram.
Subitamente, eu encontrei as palavras que eu estava
procurando. Não era nem um pouco difícil de dizê-las.
— Eu também te amo.
2 8
E
C A P Í T U L O V I N T E E S E T E
Nash
la chegou bem na hora. É claro.
Kat passou pela porta da Presentes de Hawk Valley com
sua bolsa do computador portátil na mão e aqueles cachos
desordenados contidos num coque frouxo. Sua longa saia azul-
marinho teria parecido modesta em outra mulher, mas na Kat ela
destacava a forma da sua bunda incrível e acenava para mim como
um convite para aquela deliciosa porta traseira.
— Você está pronto para a nossa reunião, senhor Ryan? — Ela
perguntou e, do jeito que ela sorriu, eu poderia dizer que ela
adivinhou o trajeto dos meus pensamentos.
Eu coloquei minha mão ao redor do meu pau e esfreguei apenas
o suficiente para ter certeza de que ela entendeu o que eu tinha em
mente.
— Estou pronto.
Kat abaixou sua bolsa, abriu os primeiros dois botões da sua
blusa branca, depois libertou o fecho frontal do seu sutiã. Deus a
abençoe. E aqueles peitos.
Ela me observou enquanto eu caminhava ao redor dela e
trancava a porta depois de garantir que o aviso FECHADO ainda
estava ali. Nós não abriríamos por mais meia hora e o estudante
universitário que ficaria na caixa registradora essa manhã não
chegaria até lá.
— Não tão descuidado mais. — Ela observou, referindo-se ao
fato de que eu nem sempre me incomodava em trancar a porta. Kat
abaixou a mão para seu quadril e eu dei uma olhada tentadora em
um mamilo.
— Eu só não quero nenhuma interrupção. — Eu disse,
aproximando-me. Eu estava pronto para colocar minhas mãos nela.
Eu corri as palmas das minhas mãos nos seus quadris e ao redor da
sua bunda, então eu conseguia me pressionar contra ela. Eu queria
que ela sentisse quão duro eu estava. Um pequeno suspiro
ofegante que escapou dos seus lábios me contou que ela estava
sentindo todos os tipos de calor. Se eu deslizasse minha mão para
dentro do cós da saia e continuasse explorando, eu sabia que
encontraria uma calcinha úmida e uma carne desejosa.
E, veja só, foi exatamente o que eu encontrei.
— Porra. — Ela gemeu, lutando contra minha mão, tentando
fazer meus dedos irem mais fundo. Eu gostava dela assim: carente
e suja. Pronta para me fazer enfiar meu dedo ou fodê-la no meio do
corredor cheio de canecas de café e camisetas bregas de Hawk
Valley.
Só que eu estava no clima de fazer com calma, então eu não fiz
nenhum dos dois. Retirei minha mão do meio de suas pernas e, sem
dizer nenhuma palavra, eu a direcionei para o escritório. Eu mal tive
tempo de fechar a porta antes que Kat tirasse a saia.
— Blusa também. — Eu exigi porque sempre exigia isso.
Ela finalmente se livrou das suas roupas e sentou no sofá
elegante que eu tinha comprado recentemente só

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