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140 Unidade IV Unidade IV Implantação de políticas de governança e de programas de compliance Implementar um programa de compliance não significa apenas manualizar regras e realizar alguns treinamentos anuais que possam garantir o cumprimento das normas elementares de integridade. É muito mais que isso! Um programa de compliance é, antes de mais nada, um instrumento para que a empresa saiba que normas deve cumprir, como deve fazer isso e, principalmente, permite monitorar se as práticas adotadas por funcionários, prestadores de serviços, fornecedores e por todo o corpo diretivo traduzem a implementação de uma cultura de compliance, ou, se preferirem, uma cultura de conformidade com a lei e com a ética. Por isso, quando tratamos de programas de governança e compliance, não estamos falando apenas de organizar códigos de ética, manuais de boas práticas, realizar reuniões ou treinamentos meramente formais. Organizar um programa de compliance representa a construção da cultura de conformidade e integridade na empresa, a mudança de pensamento para que adote definitivamente práticas éticas, transparentes, de boa-fé e veracidade, sem as quais, não será possível se firmar no mercado como referência positiva de concorrência leal e de respeito aos destinatários de seu trabalho, sejam eles outras empresas ou consumidores finais. Importante destacar também que os programas de compliance deverão ser adequados às finalidades empresariais e ao porte das empresas para que não sejam criadas regras inadequadas ou inaplicáveis. Por isso, não poderão ser programas meramente copiados de outras empresas, mas sim construídos a partir das características peculiares da organização na qual serão aplicados com o cuidado de criar estratégias de monitoramento para aferir continuamente se as regras propostas continuam aplicáveis ou se já ensejam mudanças e aprimoramento. Vamos, então, trabalhar alguns tópicos essenciais para compreendermos a implantação de políticas de governança corporativa e de compliance. 7 O QUE É E COMO SE ORGANIZA A POLÍTICA DE GOVERNANÇA CORPORATIVA Política de governança corporativa é a estrutura de princípios, regras, objetivos, normas, responsabilidades e sanções que uma organização adota para prevenir riscos, gerenciar processos de prevenção, monitorar resultados, aprimorar esses mesmos processos e estabelecer diretrizes de relacionamento com agentes externos com os quais mantenha relacionamento e dos quais se espera que adotem política semelhante para garantia da adequada gestão de riscos. 141 GOVERNANÇA CORPORATIVA E COMPLIANCE Sim, uma política de governança corporativa é uma forma objetiva e concreta de cuidar dos riscos aos quais a empresa está sujeita para prevenir, detectar e oferecer respostas que sejam eficientes para impedir que eles aconteçam ou, acontecendo, que os resultados negativos sejam os menores possíveis. Construir, implementar, gerenciar, monitorar e aprimorar constantemente uma política de governança corporativa requer investimentos em profissionais, capacitação de colaboradores, conhecimento detalhado da estrutura da instituição, relacionamento de qualidade com parceiros, fornecedores e consumidores, aquisição de equipamentos e sistemas de tecnologia, entre outros fatores. Todo esse arcabouço, no entanto, deve ser parte de uma cultura organizacional que valorize a integridade e a ética e tenha por objetivo preservá-las, porque a experiência comprova que regras que não se tornam relevantes para a cultura organizacional tendem a se tornar apenas manuais sem aplicação no cotidiano das atividades e, com isso, não cumprem seus objetivos e não protegem as empresas. As políticas de governança corporativa devem fornecer uma visão geral e dar conta de assuntos diversos. Ao mesmo tempo, devem apontar quais os instrumentos e métodos por meio dos quais os objetivos gerais serão consolidados. Lembre-se de que quando se trata de governança corporativa, os objetivos são sempre definir as prioridades nos relacionamentos internos da empresa e dela com seus stakeholders, identificando claramente todos eles. Assim, as políticas empresariais em geral definem normas, linhas básicas, diretrizes e procedimentos que uma empresa pretende adotar em sua relação interna e externa para concretizar sua missão, seus valores e visão de futuro. Alguns autores como Candeloro, De Rizzo e Pinho (2012, p. 300) denominam a política de governança corporativa como “código de conduta”, o que a rigor traduz muito bem o sentido e os objetivos que uma política de governança deve conter. Eles afirmam: Além do respeito às leis do país, toda organização deve ter um Código de Conduta que comprometa administradores e funcionários. O documento deve ser elaborado pela Diretoria de acordo com os princípios e políticas definidas pelo Conselho de Administração e por este aprovado. O Código deve refletir adequadamente a cultura da empresa e enunciar, com total clareza, os princípios em que está fundamentado. Deve ainda apresentar caminhos para denúncias ou resolução de dilemas de ordem ética (canal de denúncias, ombudsman). Deve abranger o relacionamento entre conselheiros, diretores, sócios, funcionários, fornecedores e demais partes interessadas (stakeholders). Repare que os autores utilizam o verbo “comprometer” quando se referem ao código de conduta. Isso significa que não se pode conceber um documento dessa natureza para que seja apenas mais um “manual” ou um “código” sem valor prático de aplicabilidade. Por isso, temos insistido tanto na necessidade de 142 Unidade IV que as empresas de qualquer porte construam uma cultura de integridade, uma proposta permanente de que vão atuar sempre em rigorosa consonância com a legislação em vigor, com as práticas éticas, e adotarão condutas que possam distinguir a empresa pela transparência e boa-fé, seja na relação entre os sócios, acionistas e empregados; seja na relação com as partes interessadas, os prestadores de serviços, fornecedores, investidores externos, os órgãos públicos e a sociedade de forma geral. Um código de conduta não precisa ser o mesmo que um código de ética. Aliás, empresas que cuidam melhor de sua política de governança corporativa possuem vários documentos que especificam as melhores práticas que deverão ser adotadas em cada área. Assim, possuem código de conduta; código de ética; instruções para utilização do canal de denúncia; código de conduta nas relações com o poder público, que são mais sensíveis para práticas de corrupção; código de conduta para a relação com os investidores, também mais sensíveis porque tratam de valores monetários a serem disponibilizados para projetos empresarias; ou seja, para cada etapa da vida da empresa, é preciso pensar nas melhores práticas que deverão ser adotadas, elencar claramente essas práticas e difundi-las incansavelmente entre os sócios ou acionistas e os funcionários. Todos precisam conhecer, discutir, compreender e, principalmente, aplicar as condutas recomendadas. Entre os temas que a política de governança corporativa poderá tratar estão, como ensinam Candeloro, De Rizzo e Pinho (2012): • Cumprimento das leis e pagamento de tributos. • Operações com partes relacionadas. • Uso de ativos da organização. • Conflito de interesses. • Informações privilegiadas. • Política de negociação das ações da empresa. • Procedimentos judiciais e arbitragem. • Whistle-blower (informa as instâncias competentes sobre atividades ilegais e/ou imorais ou desvios de conduta por parte de pessoas relacionadas com a organização e que tenham potencial de afetá-la). • Prevenção e tratamento de fraudes. • Pagamentos ou recebimentos questionáveis. • Recebimento de presentes e favorecimentos. 143 GOVERNANÇA CORPORATIVA E COMPLIANCE • Doações. • Atividades políticas. • Direito à privacidade. • Nepotismo. • Meio ambiente. • Discriminação no ambiente de trabalho. • Assédio moral ou sexual. • Segurança no trabalho. • Exploração do trabalhoadulto e infantil. • Relações com a comunidade. • Uso de álcool e drogas. Existem vários outros itens que poderiam ser tratados e que não se encontram nessa relação. Ela é apenas exemplificativa. Repare que não há referência a condutas em relação à aleitamento materno, à proteção à diversidade, por exemplo, para contratação de transgêneros e homossexuais. Também não há tratamento para política de trabalho em home office, ou seja, trabalho em casa; ou para cursos que os empregados queiram fazer e que possam ter algum interesse para a empresa, como pós-graduações, MBAs ou aperfeiçoamentos. A empresa precisa definir se paga o curso ou se pagará uma parte, ou, ainda, se não pagará, mas dispensará o funcionário mais cedo para que ele possa chegar ao local do curso; ou se só autoriza ou custeia cursos on-line ou de educação a distância. São muitas opções possíveis de serem adotadas e precisam ser discutidas entre os sócios ou acionistas para que o empregado, ao se candidatar a uma vaga, já tenha clareza das expectativas que pode ter em relação àquela empresa. Os itens de cada política de governança corporativa deverão ser seriamente tratados pelos sócios ou acionistas da empresa, sempre que possível com apoio de assessorias especializadas como advogados, auditores, consultores, entre outros. Mas também não é recomendável adotar políticas de governança corporativa prontas e acabadas, elaboradas externamente e sem participação dos sócios ou acionistas. É preciso discutir cada item, elaborar em conjunto e tornar aquela política um compromisso de todos. Cada um desses itens, certamente, enseja uma política de tratamento do tema porque todos são relevantes e bastante sensíveis para as atividades de uma organização empresarial, não importa o porte econômico e nem o tipo de atividade que ela exerça. 144 Unidade IV Se a empresa ainda for de pequeno porte, como uma loja de pães artesanais, muitos desses temas serão importantes para serem discutidos entre os sócios e investidores e colocados em uma política de governança corporativa. Da mesma forma, se for uma startup que desenvolveu um aplicativo para compartilhamento de artigos esportivos, como bicicletas para montanhismo ou pranchas de surf, também existem itens muito importantes que precisam ser definidos previamente pelos sócios e investidores e colocados claramente na política de governança corporativa. Empresas de menor porte podem iniciar suas políticas de governança corporativa com poucas regras, estabelecendo, por exemplo, um código de conduta dos sócios e um código de ética para todos – sócios, empregados, fornecedores e prestadores de serviços. Com o passar do tempo e o crescimento da empresa, poderão acrescentar novas regras ao código de conduta e de ética e também criar normativos novos para tratar de temas específicos, por exemplo, política de tratamento de dados ou política de relacionamento com a comunidade ou de preservação do meio ambiente. O mais importante para o empreendedor é perceber que uma política de governança corporativa é um processo permanentemente em construção e aprimoramento, e isso será obtido com observação, estudo e diálogo com todas as partes envolvidas. Por isso, é importante organizar comitês que dialoguem sobre temas específicos da política e tragam para os gestores reflexões que possam ser inseridas na atualização das políticas de governança corporativa. Como você pode perceber, aquela ideia antiga de que uma empresa tem um dono ou vários donos e eles mandam em tudo e querem ser cegamente obedecidos não funciona mais no mundo contemporâneo. As empresas, hoje, independentemente de seu porte econômico e de sua atividade-fim, são organismos sociais vivos e são mais facilmente administrados com diálogo, transparência, participação e envolvimento de todos. Mesmo empresas de pequeno porte com poucos sócios e empregados devem e podem se organizar para oferecer mecanismos de participação e diálogo, desde uma simples “caixa de sugestões” física ou virtual por meio da qual os empregados possam opinar e sugerir, até comitês com reuniões regulares e coordenados por pessoas escolhidas pelos próprios participantes por meio dos quais as ideias e sugestões sejam debatidas, e as relações entre todos os participantes da empresa sejam aprimoradas. O engajamento, a sensação de pertencimento que os empregados e prestadores de serviços terão com essas medidas poderão fazer toda a diferença para a empresa concretizar seus objetivos, alcançar suas metas, crescer e se tornar referência no mercado em que atua. Os estudos sobre governança corporativa apontam, ainda, que as boas práticas claramente definidas, implementadas, monitoradas e revisadas com frequência constroem a cultura de governança empresarial, que é um dos fatores essenciais para a garantia de perenidade da empresa. Ninguém organiza um empreendimento com a ideia de que ele tenha tempo finito de duração. Ao contrário, empreendedores são pessoas que almejam perenidade, crescimento sólido e experiências positivas para seus negócios, por isso, desde o início, as empresas devem olhar com atenção e cuidado para a definição e implementação da cultura de governança corporativa. Não é um tema de menor importância diante dos grandes desafios que os empreendedores enfrentam para consolidar seus negócios, ao contrário, é um instrumento de engajamento e favorecimento das melhores práticas, aquelas que vão contribuir para que os resultados financeiros sejam aqueles planejados. 145 GOVERNANÇA CORPORATIVA E COMPLIANCE Analise, por exemplo, como o Banco Itaú Unibanco Holding S/A ([s.d.], p. 1) define os objetivos da sua política de governança corporativa: 1. Objetivo Esta Política de Governança Corporativa (Política) consolida os princípios e práticas de Governança Corporativa adotados pelo Itaú Unibanco Holding S.A. (Itaú Unibanco). Governança Corporativa envolve a direção e o monitoramento dos relacionamentos entre a Companhia, o Conselho de Administração e os Comitês a ele relacionados, inclusive o Comitê de Auditoria, a Diretoria, a Auditoria Independente, o Conselho Fiscal, os seus Acionistas e o Mercado. As boas práticas de Governança Corporativa agregam valor à sociedade, facilitando seu acesso ao capital e contribuindo para a sua perenidade. O princípio fundamental sobre o qual se assenta a Política do Itaú Unibanco é a busca de excelência em Governança Corporativa, com vista a fortalecer e criar as melhores condições para o seu desenvolvimento e o de suas subsidiárias. A Política faz remissões ao Estatuto Social, aos Regimentos Internos do Conselho de Administração e demais órgãos estatutários e Comitês, ao Código de Ética e outros regulamentos internos do Itaú Unibanco, de forma a refletir e consolidar as estruturas existentes para a proteção dos interesses dos acionistas e do mercado, balizadoras da gestão da companhia. A Icatu Seguros S/A (s.d.), empresa que também trabalha com recursos de terceiros na condição de seguradora e empresa de previdência complementar, define sua governança corporativa como: A governança corporativa é um conjunto de procedimentos de gestão dos recursos de uma empresa segundo os interesses de seus diversos financiadores. As práticas da governança corporativa da Icatu Seguros permitem uma administração otimizada, em benefício de seus acionistas e clientes, gerando diversas vantagens, como: − Minimização de riscos, por meio de mecanismos de controle eficientes; − Maximização da eficiência, com a monitoração constante das medidas de performance; − Administração eficiente e precisa dos planos de previdência e seguros de vida, de acordo com os interesses de nossos clientes e seus beneficiários e ainda de nossos acionistas; 146 Unidade IV − Estruturação de mecanismos de controle que promovem práticas contábeis eficientes e transparentes; − Contribuição para o desempenho positivo dos planos de previdência e seguros de vida; − Mecanismos apropriadosde compliance, de acordo com as políticas administrativas e seus respectivos requisitos legais. Esses e outros exemplos poderão ser pesquisados na internet, já que as empresas disponibilizam suas políticas de governança corporativa, as tornam públicas principalmente para que as partes externas interessadas tenham elementos para decidir se querem ou não trabalhar com aquela empresa. Por exemplo, a divulgação é importante para os investidores e até mesmo para futuros empregados. Muitos profissionais têm hoje princípios claramente definidos e não vão trabalhar para uma empresa que não tenha política de respeito ao meio ambiente, por melhor que seja o salário que ela pague e as condições de trabalho que ofereça. Também vão escolher uma empresa que tenha políticas definidas em relação à diversidade, com igualdade de condições de crescimento profissional para gêneros diferentes, porque, afinal, ainda vivemos em um país no qual os homens têm mais oportunidades de ascensão profissional que as mulheres. Um excelente profissional pode escolher a empresa para a qual quer trabalhar e, com certeza, sua política de governança corporativa exposta claramente no portal da empresa na internet fará toda a diferença na seleção dos melhores candidatos. Leia e analise a matéria: Empresas de mercados emergentes que apoiam políticas que incluem lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros tendem a atrair e reter os melhores talentos, segundo uma nova pesquisa. Coordenado pelo Boston Consulting Group, o relatório constatou que não houve impacto negativo no crescimento da receita de empresas que apoiaram abertamente a inclusão da comunidade LGBT+. O estudo da Open for Business, uma coalizão de empresas globais para sociedades inclusivas e diversas, também revelou que essas organizações tinham uma proporção maior de receitas internacionais, o que indica capacidade de explorar cadeias de suprimentos globais. O estudo analisou 96 empresas de mercados emergentes e descobriu que 37 delas apoiaram abertamente políticas contra a discriminação da comunidade LGBT+ em relação a 19 em 2015 (MONEY TIMES, 2019). Esse é um tema atual que certamente vai precisar ser tratado na política de governança corporativa de todas as empresas, em especial, dos empreendedores. 147 GOVERNANÇA CORPORATIVA E COMPLIANCE Saiba mais A Organização Internacional do Trabalho (OIT) publicou em 2018 resultados de uma pesquisa que apontam que a diferença de oportunidades de emprego entre homens e mulheres não diminuiu nos últimos 27 anos. A probabilidade de uma mulher conseguir um emprego é 26% inferior à de um homem, o que significa uma melhoria de apenas 1,9% em relação a 1991. Acesse o link a seguir: DESIGUALDADE entre homens e mulheres no trabalho quase não caiu em 27 anos, diz OIT. G1, 6 mar. 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/ economia/concursos-e-emprego/noticia/2019/03/06/desigualdade-entre- homens-e-mulheres-no-trabalho-quase-nao-caiu-em-27-anos-diz-oit. ghtml. Acesso em: 5 nov. 2020. 7.1 Código de ética empresarial – como implantar e quais temas tratar Vamos tratar de aspectos práticos dos códigos de ética e, para isso, vamos nos valer da pesquisa em códigos de empresas que conhecemos e que poderão nortear nossas reflexões e escolhas. O Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis) fornece elementos importantes para mapearmos o papel do código de ética em uma organização empresarial: Código de ética ou guia de conduta O código de ética é um instrumento de realização da filosofia da empresa, de sua visão, missão e valores. “É a declaração formal das expectativas da empresa à conduta de seus executivos e demais funcionários”. O código de ética deve ser concebido pela própria empresa, expressando sua cultura. Serve para orientar as ações de seus colaboradores e explicitar a postura da empresa em face dos diferentes públicos com os quais interage. É um instrumento que serve de inspiração para as pessoas que aderem a ele e se comprometem com seu conteúdo. É imperioso que haja consistência e coerência entre o que está disposto no código de ética e o que se vive na organização. Se o código de conduta de fato cumprir o seu papel, sem dúvida significará um diferencial que agregará valor à empresa. Por que as empresas estão implantando códigos de ética? As empresas estão implantando códigos de ética porque esse documento tem a faculdade de: 148 Unidade IV • Fornecer critérios ou diretrizes para que as pessoas se sintam seguras ao adotarem formas éticas de se conduzir. • Garantir homogeneidade na forma de encaminhar questões específicas. • Aumentar a integração entre os funcionários da empresa. • Favorecer ótimo ambiente de trabalho que desencadeia a boa qualidade da produção, alto rendimento e, por via de consequência, ampliação dos negócios e maior lucro. • Criar nos colaboradores maior sensibilidade que lhes permita procurar o bem-estar dos clientes e fornecedores e, em consequência, sua satisfação. • Estimular o comprometimento de todos os envolvidos na elaboração do documento. • Proteger interesses públicos e de profissionais que contribuem para a organização. • Facilitar o desenvolvimento da competitividade saudável entre concorrentes. • Consolidar a lealdade e a fidelidade do cliente. • Atrair clientes, fornecedores, colaboradores e parceiros que se conduzem dentro de elevados padrões éticos. • Agregar valor e fortalecer a imagem da empresa. • Garantir a sustentabilidade da empresa (IDIS, 2014). A conhecida empresa L´Oréal, empresa multinacional francesa da área de cosméticos, tem em seu código de ética os itens relacionados a seguir. Leia com atenção: A quem esse Código se aplica? Como usar este Código Eu Tenho uma Dúvida: Conversa Aberta Trabalhando em conjunto Respeitar os direitos humanos Respeitar as leis e formas de vida locais Respeitar nossos compromissos como uma empresa Segurança e qualidade do produto 149 GOVERNANÇA CORPORATIVA E COMPLIANCE Publicidade e marketing Seleção e igualdade de tratamento de fornecedores Concorrência leal Conflitos de interesses Presentes e entretenimento Suborno e “facilitadores de pagamentos“ Informação confidencial Representando a empresa Privacidade e proteção de dados Utilização dos recursos da empresa Registros financeiros e de negócios e combate à lavagem de dinheiro Uso de informações privilegiadas Impostos Respeitar nossos compromissos como um empregador Saúde, proteção e segurança Diversidade Assédio e comportamento agressivo Assédio sexual Respeitar nossos compromissos como uma pessoa jurídica responsável Atividades políticas e lobby Consciência ambiental Contribuição para a comunidade O papel do gestor (L´ORÉAL, [s.d.]). O Grupo Santander utiliza um modelo bastante interessante de listar as condutas esperadas e as consideradas não aceitas. Observe que interessante: Exemplos de condutas esperadas 1. Utilizar uma comunicação simples e clara, apontando direitos, deveres e riscos existentes. 2. Entender as necessidades dos clientes e indicar soluções financeiras que atendam aos seus interesses. 3. Antes de realizar qualquer negócio ou ação, analisar os riscos envolvidos e mitigá-los. 4. Ser isento na tomada de decisões, sem preconceito ou preferências individuais. 5. Manter o sigilo e a privacidade de todas as informações e operações dos clientes e fornecedores. 150 Unidade IV 6. Jamais permitir que os interesses pessoais prevaleçam sobre os do Santander em todas as relações. 7. Consultar o Jurídico ou Compliance, sempre que houver dúvida, antes de agir (SANTANDER, 2020, p. 7). Como podemos reparar, a comunicação é simples, objetiva, direta e finaliza recomendando que as dúvidas sejam sanadas diretamente com o jurídico ou com o compliance antes da ação, o que dá segurança para o funcionário de que ele tem a quem recorrer e está estimulado a fazer isso. É uma ótima forma de prevenir atitudes não recomendadas e que coloquem a empresa em risco. Damesma forma, a empresa relaciona as condutas não aceitas. Leia atentamente: Exemplos de condutas não aceitas 1. Deixar de comunicar ao gestor imediato ou aos canais institucionais disponíveis situações de conflito ou de descumprimento dos nossos princípios de conduta. 2. Receber qualquer valor, presente ou brinde em desacordo com as regras institucionais. 3. Compartilhar informações recebidas no ambiente de trabalho com terceiros que não devem ter conhecimento destas. 4. Efetivar e formalizar a venda de produtos sem a devida autorização e formalização por parte do cliente. 5. Oferecer ou receber qualquer tipo de pagamento ou presente de autoridades, servidores públicos ou empresas e pessoas vinculadas ao setor público. 6. Impedir ou fraudar o caráter competitivo de um processo de licitação. 7. Nos eventuais contatos com colegas concorrentes, combinar preço, dividir mercado ou realizar quaisquer atos que possam ferir a livre concorrência (SANTANDER, 2020, p. 7). Veja que estão incluídas condutas em relação ao poder público e aos concorrentes, ou seja, setor privado. E vale destacar, ainda, que tanto as condutas esperadas como aquelas não toleradas formam um rol de exemplos, mas não está fechado, e outras poderão ser acrescentadas com o tempo. O fato de o código de ética estar no portal da empresa na internet também é uma estratégia válida, pois sinaliza para todos, funcionários e público externo, que os parâmetros éticos que a empresa adota 151 GOVERNANÇA CORPORATIVA E COMPLIANCE devem ser conhecidos e respeitados por todos, sem exceção, e que qualquer prática não alinhada com os padrões de conduta esperados poderá ser denunciada até por terceiros que venham a ter conhecimento, na medida em que todos conhecem os padrões de conduta desejados pela empresa. Vale a pena pesquisar e conhecer a forma como as empresas de diferentes setores estão cuidando da implementação e preservação da cultura de ética empresarial. No caso do Banco Santander (2020), existem exemplos de práticas adequadas e inadequadas apresentados no formato de história em quadrinhos, o que facilita ainda mais a compreensão e a recepção da mensagem que a organização deseja que o funcionário e os terceiros entendam e pratiquem. Essa pode ser uma alternativa, por exemplo, para tratar com o público mais jovem: utilizar vídeos, games, imagens como formas de comunicação direta, simples, que transmitam a mensagem e sejam agradáveis para consultar. Em qualquer formato, é fundamental que os empregados da empresa recebam o código de ética e a capacitação para entendê-lo logo na primeira semana de trabalho e assinem uma declaração formal, física ou digital, de que receberam o material e foram capacitados para compreendê-lo e esclarecer as dúvidas. É muito importante que esse treinamento para a compreensão do código de ética seja acessível desde os primeiros dias do trabalhador na empresa, para que ele comece corretamente e saiba que ela trabalha pela implementação de práticas éticas e em conformidade com a lei. Da mesma forma, é essencial que os trabalhadores percebam que a ética é uma prática que os gestores e sócios também consideram essencial, porque não adianta um código de ética bem construído e capacitações bem feitas se o exemplo não vier das instâncias superiores. Em outras palavras, código de ética não é somente para empregados, é principalmente para sócios ou acionistas, conselheiros, administradores e gestores da empresa. Exemplos que vêm das alçadas mais elevadas são aprendizados para todos os níveis hierárquicos e se eles não forem corretos, sinalizarão para os empregados que não há veracidade naquilo que é dito, porque o comportamento adotado é diferente daquele preconizado. Fique atento para isso! Um exemplo sempre é muito mais contundente na aprendizagem que mil palavras ditas e repetidas. A Associação Brasileira das Startups, entidade que reúne empresas que se organizam nesse modelo, aprovou em 2018 um “Decálogo de Boas Práticas” para as empresas que atuam em área financeira, as chamadas fintechs, e recomendou que ele seja implementado por suas associadas e sirva de modelo para outras startups que atuem nessa área. Observe que a regra da apresentação objetiva, simples e direta se repete aqui também: 1. Desenvolver sua atividade empresarial de forma ética, responsável e honesta, comportando-se sempre com a integridade e profissionalismo. 2. Cumprir com as leis vigentes, atendendo a finalidade das normas legais que são aplicadas em cada jurisdição. Assim como manter um diálogo aberto com os reguladores. 152 Unidade IV 3. Desenvolver e implementar práticas de negócio que de forma alguma tentem barrar a livre concorrência ou estimular a concorrência desleal. Assim como denunciar as práticas não éticas que comprometam o setor. 4. Atuar com total respeito aos direitos dos consumidores e usuários. 5. Apresentar informação clara, completa e transparente, sempre disponível, sobre as condições técnicas, materiais e econômicas dos serviços que comercializem. 6. Garantir, por tratar-se de serviços financeiros, que a documentação entregue, contenha, de maneira clara e inequívoca, todos os termos e condições do acordo que se oferece, assim como que seja adequada ao perfil socioeconômico dos usuários e clientes. 7. Assegurar que a informação que esteja publicada em seu site ou app reflita a realidade dos serviços prestados; evitando utilizar práticas de propaganda enganosa ou ilícita. 8. Abster de participar de qualquer ato que possa ser considerado captação ilegal de recursos ou que esteja vinculada a lavagem de dinheiro ou financiamento ao terrorismo. 9. Atuar no desenvolvimento da sua atividade procurando respeitar o meio ambiente e o respeito aos seus funcionários. 10. Atuar nas relações com a Aliança e outras associações com lealdade, respeito e colaboração. (ABSTARTUPS, [s.d.], p. 10-11). Construir um código de ética não é a tarefa mais difícil, ao contrário, pode ser simples e fácil de fazer. O mais difícil é organizar um código de conduta ética que esteja em consonância com a política de governança corporativa da empresa e que seja implementado de forma a engajar todos os funcionários no cumprimento das regras, inclusive para formular consultas quando estiverem em dúvida ou denúncias quando constatarem práticas indevidas. Nesse momento, é primordial que a empresa conte com um compliance atuante, dinâmico, que tenha as portas sempre abertas para receber a todos e que realize práticas de consolidação da cultura ética empresarial. 153 GOVERNANÇA CORPORATIVA E COMPLIANCE Figura 10 7.2 Programa de compliance – como implementar Qual o perfil mais adequado para um profissional de compliance? Nem o perfil de “delegado”, que fiscaliza e desconfia de todos; nem o perfil de “amigão, conte-me tudo”, que dá a falsa impressão que o melhor empregado será sempre aquele que tiver uma “estória” para contar sobre um colega ou um superior hierárquico. O profissional de compliance, também conhecido em algumas empresas como compliance officer, deve liderar uma atividade que consiste, especialmente, em prevenir, detectar e responder aos riscos à integridade a que aquela empresa esteja vulnerável. E todas as empresas estão vulneráveis a riscos de práticas ilegais ou antiéticas que possam prejudicar sua reputação. Observação As normas ISO 19600 tratam de requisitos que a empresa precisa cumprir para manter a conformidade em compliance. ISO é a Organização Internacional de Normalização, com sede em Genebra, na Suíça. Foi criada em 1946 e tem como associados organismos de normalização, inclusive a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Ana Regina Foiatto (2018, p. 47) afirma: Deve-se ter em mente que a aplicação do sistema compliance depende de profissional com noção de ética e moral, bem como que saiba planilhar os riscos da entidade. O profissional terá que estudar a dinâmica da entidade, referente ao modus operandi da empesa,ao gerenciamento, como é a 154 Unidade IV relação dos funcionários com a gerência, se há gerenciamento de uso de dados e tecnologias, se já existe algum sistema organizacional, etc., para assim conseguir estabelecer a missão e os valores da entidade. Ou seja, o profissional que instaurará o compliance terá que ser paciente e ousado, posto que terá que relatar e visualizar os movimentos da empresa/entidade, para depois iniciar a inserção de normas e regulamentos. O profissional terá que se unir à administração e aos engenheiros de segurança da entidade, para conseguir promover, com precisão o sistema de compliance. Trata-se, portanto, de aplicação complexa, pois cada entidade terá sistema de compliance específico, já que, dependendo do objeto da entidade, há normas técnicas e jurídicas, logo o profissional deve estudar isso, para conseguir elaborar sistema de compliance efetivo. Deverá, acima de tudo, existir interação com a alta administração e todos os funcionários, para elaborar o sistema, visto que este é a união de forças para a criação de algo. Como podemos perceber, a tarefa é complexa e de muita responsabilidade. Exige habilidades específicas como a capacidade de dialogar, agregar pessoas em torno de ideias, trabalhar em equipe para construir juntos e, principalmente, estar atento para as diversas situações de risco que a atividade da empresa possa enfrentar. Para isso, é fundamental que o profissional de compliance conheça a área de atuação da empresa, tenha experiência no setor e possa agregar essa vivência a sua atividade. Com esse profissional na liderança das tarefas, é preciso construir o melhor caminho para implementar o programa de compliance. Para isso, vale a lição de Mendes e Carvalho (2017, p. 126): Um programa de compliance bem-sucedido consiste na articulação estruturada, consistente e perene de diferentes iniciativas, como a definição e comunicação de valores éticos e competitivos pela alta direção, a criação de um código de conduta com regras claras e o desenvolvimento de estruturas para detecção e correção de falhas e infrações. Não há um modelo rígido para a implementação de um programa de compliance. O importante é que ele reflita o tamanho, a complexidade, os recursos e os riscos que caracterizam cada empresa ou organização. Para tanto, o programa deve estar organicamente inserido na estrutura da empresa, conectando-se com os diferentes setores de forma natural e recorrente. Um problema frequente no desenvolvimento de programas de compliance reside na fragmentação das ações de avaliação, controle e correção de riscos nos diferentes setores da organização. Como cada unidade organizacional está sujeita a riscos diversos, pode haver problemas de coordenação entre as diferentes unidades e suas ações para combater e controlar tais riscos. 155 GOVERNANÇA CORPORATIVA E COMPLIANCE [...] É por isso que, idealmente, um programa de compliance deve impedir a fragmentação de iniciativas na organização e permitir uma abordagem integrada, abrangente e coordenada, a fim de que se entendam os riscos a que cada setor esteja submetido, evitando a duplicação de esforços ou a falta de coerência entre eles. Se pudéssemos resumir em uma única expressão: compliance tem líder, mas sua eficiência depende, fundamentalmente, de trabalho de equipe! Figura 11 Trabalho de equipe liderado por alguém que tenha habilidade para dialogar com as diferentes áreas, extraindo de cada uma delas, com paciência e perseverança, os aspectos que precisam ser conhecidos, os riscos aos quais estão sujeitas, os procedimentos adotados e que possam ser inseguros, o que poderá gerar momentos de maior desconforto, mas que, ao final, serão muito importantes para que a empresa garanta sua conformidade com as regras e normas de seu setor, além das melhores práticas éticas e de conduta corporativa. Em razão dos momentos mais tensos que poderão ocorrer na atuação do gestor de compliance, é preciso que ele tenha apoio incondicional da alta direção da empresa. É nesse sentido que Mendes e Carvalho (2017, p. 129) apontam: Não existe programa de compliance bem-sucedido que não tenha contado com um compromisso explícito e genuíno da alta direção da organização. Sem esse elemento, qualquer medida de controle tende a ser vista como algo efêmero e inorgânico. O apoio declarado, visível e ativo dos órgãos mais altos da organização (direção, conselho de administração, etc.) ao programa de compliance é essencial para conferir credibilidade e influenciar a tomada de decisão dos diferentes atores afetados por ele. 156 Unidade IV A participação ativa da alta direção é tão importante que a [Controladoria Geral da União] CGU, em seu guia sobre programas de integridade direcionado às empresas privadas, considera tal engajamento como um dos pilares indispensáveis a qualquer programa efetivo de compliance. “O comprometimento da alta direção da empresa com a integridade nas relações público-privadas e, consequentemente, com o Programa de Integridade é a base para a criação de uma cultura organizacional em que funcionários e terceiros efetivamente prezem por uma conduta ética. Possui pouco ou nenhum valor prático um Programa que não seja respaldado pela alta direção.” Muitas vezes, o cumprimento das normas de compliance gera, no curto prazo, custos econômicos e, eventualmente, até a perda de oportunidades imediatas de negócio. Se não houver uma mensagem firme e clara da alta direção indicando que essas perdas de curto prazo são irrelevantes diante dos ganhos no longo prazo oriundos do cumprimento do programa de compliance, é bastante provável que os funcionários e colaboradores da organização, confrontados com uma situação de risco, acabem por adotar posturas não condizentes com as normas. A questão de custos é muito relevante, pois sempre é área sensível para todas as empresas, independentemente do porte econômico que possuam. Todos querem gastar a menor quantidade de recursos possíveis e obter o melhor resultado financeiro para a empresa. Os gestores, em geral, são avessos a gastos em especial quando não conseguem perceber o retorno rápido e objetivo que eles vão gerar. Por isso, é importante que a implementação do programa de compliance seja monitorada, pois, muitas vezes, um gestor poderá deixar de cumprir uma etapa de prevenção de riscos com objetivo de gastar menos quando, na verdade, isso poderá gerar um custo muito maior no futuro. Compelido a cumprir metas de vendas, por exemplo, um gestor poderá impulsionar os vendedores da empresa a adotar posturas mais agressivas em relação à oferta aos consumidores, oferecendo, por exemplo, o que não poderá ser cumprido ou vantagens que o contrato realmente não permite. É o que acontece, por vezes, na distribuição de contratos de planos de saúde, em que os vendedores garantem que todos terão direito à internação em hospitais mais conceituados ou a transporte por helicóptero em caso de urgência ou emergência, mas, na verdade, nem sempre essas condições estão realmente colocadas nos contratos, ou seja, nem todos os contratos dão direito a esses hospitais ou à utilização de transporte aéreo. Um programa de compliance terá de detectar e coibir práticas como essas e, certamente, não será muito apreciado por vários gestores. No entanto, com o apoio claro e evidente da alta gestão da empresa, esse trabalho de convencimento e engajamento para as boas práticas ficará muito mais fácil de ser realizado. 157 GOVERNANÇA CORPORATIVA E COMPLIANCE Lembrete A Controladoria-Geral da União (CGU) é o órgão de controle interno do Governo Federal responsável por realizar atividades relacionadas à defesa do patrimônio público e ao incremento da transparência da gestão por meio de ações de auditoria pública, correição, prevenção e combate à corrupção e ouvidoria. Identificados os riscos e as principais formas de prevenção, caberá ao compliance desenvolver estratégias de atuação e de construçãoda cultura de compliance, ou seja, documentar e disseminar a ideia de que toda a empresa deve atuar com olhar de prevenção de riscos. Documentar é criar regras e procedimentos que deverão ser cumpridos nos diferentes fluxos de gestão da empresa e colocá-los de forma acessível para os gestores (gerentes, supervisores, superintendentes) e para os funcionários de níveis subalternos. Todos precisam conhecer as regras e os procedimentos e, para isso, será preciso adequá-los para tornarem-se compreensíveis. A documentação deverá conter diretrizes para os procedimentos de prevenção de riscos, é muito importante que seja redigida de forma clara, objetiva, possível de ser facilmente interpretada, compreendida e aplicada às diferentes situações concretas do dia a dia de cada pessoa. Assim, se a diretriz recomenda que os empregados da empresa deverão apresentar notas fiscais de todas as despesas que fizerem quando estiverem em viagem de trabalho, é preciso esclarecer que quando se tratar de comprovante de despesa em papel térmico, será aceito que o empregado faça uma foto ou a escaneie, já que, dependendo do tempo de duração da viagem, ele poderá ficar sem a impressão da data e dos valores despendidos. É uma questão simples, mas que precisa ser deliberada na documentação para que o empregado possa compreender com facilidade. Se a empresa tem vendedores que costumam almoçar com clientes, é preciso fixar claramente quais os valores que poderão ser gastos por refeição e quantas pessoas poderão estar presentes. Imagine que um vendedor de peças automotivas convide o sócio de uma concessionária de veículos para jantar e ele aparece com toda a família, seis pessoas, alega que não poderia deixar em casa seus filhos, esposa e seus pais que moram junto com ele. Bem, é compreensível que a pessoa não queira sair para jantar sem sua família, mas, nesse caso, o vendedor da empresa poderá pagar apenas a parte dele e a do cliente, sem estender esse benefício para sua família. Nesse caso, o constrangimento será menor se ele afirmar apenas: “as regras de compliance da minha empresa não permitem que eu faça o pagamento do jantar para toda a família, apenas para o cliente”. Esse tipo de situação acontece muito mais vezes do que nós imaginamos e, nesses momentos, sempre é positivo que a pessoa resolva a situação de risco ou de constrangimento demonstrando que existem regras na sua empresa para aquele tipo de situação e que ele terá que pautar seu comportamento nessas regras. 158 Unidade IV É simples e evita que a situação se torne um problema. No mundo corporativo, na atualidade, é muito comum que algumas situações sejam resolvidas com essa frase: “meu compliance não permite”. E facilmente a situação se resolve se a outra pessoa ou empresa também adotar regras claras e objetivas de compliance. Algumas empresas autorizam o recebimento de presentes de valor maior que aquele permitido pelo compliance se o empregado que receber encaminhar o presente, imediatamente, para o setor de compliance que organizará uma feira de presentes para que os empregados interessados possam adquirir aqueles produtos. O resultado das vendas é doado para uma instituição de caridade que a empresa auxilia ou revertido em doações para algum programa assistencial ou de cidadania que a empresa mantém. É uma forma bem-humorada de o empregado não recusar o presente, mas, ao mesmo tempo, mostrar o comprometimento da empresa com regras e condutas éticas. Nesse caso, é preciso informar o cliente que encaminhou o presente qual foi a destinação, ou seja, a feira de presentes e a doação dos valores arrecadados, para que ele compreenda que o empregado agraciado não ficou com o objeto e nas próximas ocasiões, considere a possibilidade de não mais praticar atos dessa natureza. Não há constrangimento, mas, de alguma forma, os que ainda utilizam a estratégia de encaminhar presentes começam a se atentar para o fato de que esse sistema já não é o mais recomendável na sociedade que vivemos. Além disso, possuir documentação sobre regras e diretrizes de compliance pode auxiliar a empresa em situações de conflito, quando ela poderá demonstrar que capacitou o empregado ou os prestadores de serviços, por exemplo, para que adotassem práticas adequadas. Isso não será suficiente para livrar a empresa pela responsabilidade decorrente do ato ilícito praticado, porém, poderá lhe dar elementos para obter do empregado o reembolso dos valores gastos com multas e/ou indenizações ou até para poder efetuar a demissão por justa causa vez que comprovado que ele estava capacitado para compreender o alcance de seus atos. Em algumas situações, a comprovação documental da existência de regras e diretrizes de compliance poderá mitigar as multas aplicadas contra a empresa, porque ajuda a autoridade sancionadora a perceber que o desvio ou o ilícito foi praticado de forma individual pelo empregado e que não é uma prática autorizada ou aceita pela empresa. Quem poderá provar isso é a documentação criada pelo compliance. A existência de documentação para compliance facilita também a relação com prestadores de serviços e fornecedores. Ao solicitar que eles atuem de uma forma determinada, atendendo a regras rígidas que não comportam flexibilização, será possível comprovar a necessidade do cumprimento das regras exibindo a documentação elaborada pela área de compliance. Pode ocorrer que prestadores de serviços ou fornecedores não estejam habituados à necessidade de cumprir algumas regras como, por exemplo, de prevenção de acidentes durante a operação contratada. Nesse caso, o contrato formalizado pode conter cláusula que obrigue ao cumprimento de todas as normas de prevenção de acidentes, inclusive o uso obrigatório de equipamentos de proteção individual, porque é uma exigência do compliance da empresa, sem a qual o prestador de serviços não poderá atuar. 159 GOVERNANÇA CORPORATIVA E COMPLIANCE Também para os fornecedores, essa medida – documentação de regras de compliance – será efetiva. Ao exigir do fornecedor que só venda madeira de origem legal e comprovada, a empresa poderá justificar como uma exigência do compliance e, se não for assim, aquele fornecedor não poderá mais vender para a empresa compradora. São inúmeras as situações em que prestadores de serviços ou fornecedores pretendem descumprir as normas legais ou regulatórias para diminuir custos ou para praticarem um preço mais competitivo no mercado. Mas isso não é uma facilidade; ao contrário, é fonte de grandes prejuízos materiais – multas, por exemplo; e de prejuízos reputacionais que poderão ser até mais negativos que o pagamento das multas. Por fim, a documentação das diretrizes de compliance facilita as auditorias internas e externas que a empresa realizar, da mesma forma que facilita a revisão e atualização dos procedimentos. De fato, para os auditores internos e externos, é muito mais fácil atuar tendo as diretrizes objetivamente colocadas em documentos que comprovem que elas existem e como devem ser aplicadas. E, para o próprio setor de compliance, a atualização é mais simples de ser feita quando se tem o histórico das práticas da empresa, quando é possível acompanhar os diferentes documentos que foram sendo construídos para disseminar práticas corretas. Todos os setores da empresa precisam de regras e diretrizes de compliance para que suas práticas estejam em conformidade com a lei e com as normas aplicáveis. Há, porém, setores em que essa necessidade é muito maior, como acontece na área de contabilidade, no departamento financeiro, nos recursos humanos, por exemplo. Para esses, a documentação deverá ser ainda mais cuidadosa e adotar normas claras que traduzam a opção da empresa por práticas transparentes e de total boa-fé. Saiba mais O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) adota regras específicas para compliance concorrencial, uma área da empresa que merece atenção especial. CADE. Guia programas de compliance. Brasília: Ministérioda Justiça, 2016. Disponível em: http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/ publicacoes-institucionais/guias_do_Cade/guia-compliance-versao- oficial.pdf. Acesso em: 5 nov. 2020. As empresas de pequeno e médio porte devem organizar programas de compliance adequados às suas necessidades de prevenção de riscos de conformidade. Para administrar corretamente os custos e atenderem às prioridades, é recomendável que iniciem seus programas de compliance pelos aspectos de maior risco adequados às atividades que realizem. Assim, por exemplo, uma empresa de pequeno porte na área de tecnologia da informação deve iniciar seu programa 160 Unidade IV de compliance por diretrizes de segurança da informação e de proteção de dados. Já uma empresa de pequeno porte na área de química deve iniciar seu programa de compliance por diretrizes de proteção ambiental. Nos dois casos, o código de ética é fundamental tanto quanto as normas de prevenção de riscos de lavagem de dinheiro e de práticas de corrupção. Há uma normativa específica para as microempresas e empresas de pequeno porte que se relacionam com órgãos públicos. É a Portaria da Controladoria Geral da União e da Secretaria de Micro e Pequena Empresa n. 2.279, de 2015, que dispõe sobre a avaliação de programas de integridade de microempresas e de empresas de pequeno porte e determina: Art. 1º [...] [...] § 2º A implementação, por microempresa ou empresa de pequeno porte, dos parâmetros de que trata o § 3º e o caput do art. 42 do Decreto nº 8.420, de 2015, poderá ser efetivada por meio de medidas de integridade mais simples, com menor rigor formal, que demonstrem o comprometimento com a ética e a integridade na condução de suas atividades (BRASIL, 2020). A portaria determina, ainda, que as microempresas e empresas de pequeno porte deverão apresentar dois relatórios: o relatório de perfil e o relatório de conformidade. O relatório de perfil deverá conter as seguintes informações: • áreas de perfil de atuação; • responsáveis pela administração; • quantitativo de empregados e a estrutura organizacional; • nível de relacionamento com o setor público especificando as principais autorizações, licenças e permissões governamentais necessárias para o exercício de suas atividades; o valor aproximado dos contratos celebrados ou vigentes com o setor público nos últimos três anos e a participação destes no faturamento anual; e, utilização de agentes intermediários, como procuradores, despachantes, consultores ou representantes comerciais, no relacionamento com o setor público. Não são informações complexas, mas são essenciais para que o poder público tenha um conhecimento adequado sobre a empresa e seu perfil. No relatório de conformidade, a microempresa ou empresa de pequeno porte deverá: • relacionar e demonstrar o funcionamento das medidas de integridade adotadas; 161 GOVERNANÇA CORPORATIVA E COMPLIANCE • demonstrar como as medidas de integridade contribuíram para a prevenção, detecção e remediação do ato lesivo objeto da apuração. O governo determina, ainda, que a comprovação das informações solicitadas, poderá ser feita por meio da apresentação de documentos oficiais, correios eletrônicos, cartas, declarações, correspondências, memorandos, atas de reunião, relatórios, manuais, imagens capturadas da tela de computador, gravações audiovisuais e sonoras, fotografias, ordens de compra, notas fiscais, registros contábeis ou outros documentos, que deverão ser apresentadas no relatório, preferencialmente, por meio digital. Lembrete Portaria é um ato normativo do Poder Executivo. Não é uma lei criada pelo Poder Legislativo, mas tem força obrigatória para a área à qual se aplica; seu não cumprimento poderá gerar a aplicação de sanções. Mais uma vez estamos diante da relevância da documentação para a área de compliance, que poderá demonstrar tranquilamente o funcionamento do compliance sempre que tiver adotado o cuidado de documentar em especial, manualizar as diretrizes e normas e divulgá-las sistematicamente entre os empregados, prestadores de serviços e fornecedores. Para Helena Liebl (2018, p. 59): Levando em consideração o porte da empresa, não se faz necessário que haja uma área exclusiva para o Compliance [...], mas que pelo menos haja um gestor responsável em promover a cultura ética, a definição de normas e políticas internas, em atender a legislação vigente e controlar os riscos ao tema. Preliminarmente, deve priorizar a criação dos códigos de conduta e da política interna anticorrupção, sendo que as regras devem ser claras, de fácil entendimento, conforme a realidade da empresa e as regulamentações do setor que a rege. Outro fator relevante, que se deve priorizar é um plano de treinamento e de comunicação, que abranja, inclusive, os parceiros externos. Isto porque os funcionários e os prestadores de serviços precisam estar cientes das normas éticas adotadas pela empresa. E Helena Liebl (2018, p. 63) destaca os ganhos que o programa de integridade ou compliance poderá representar para a empresa de pequeno porte ou microempresa: [...] a relevância de um Programa de Integridade está no sentido de oportunizar ao administrador um maior controle na sua micro ou pequena 162 Unidade IV empresa sobre a gestão dos seus negócios, minimizando as perdas e aumentando os lucros. Outrossim, o marketing que o Compliance dará para a empresa é tal, que o gestor poderá se valer para aumentar a sua boa visibilidade perante os seus consumidores e possíveis consumidores, bem como prestadores de serviços de confiança. Com isso, a empresa também incita clientela segura, ou seja, chamará os clientes íntegros, no mesmo perfil da empresa. Mais uma vantagem do compliance para as micros e pequenas empresas é que este programa possibilita uma garantia do micro e pequeno negócio se tornar visível perante possíveis investidores, oportunizando que o negócio venha a prosperar ainda mais. Não há dúvida de que a implantação de um programa de compliance, ou de integridade, como também é chamado, é fundamental para todas as empresas, independentemente da atividade que elas desenvolvam ou do porte econômico que possuam. É fundamental para a atividade presente e para os projetos futuros, especialmente para a perenidade. É essencial, ainda, que o programa de compliance seja sistematicamente divulgado pela empresa por meio de treinamentos, reuniões de capacitação de pessoal interno e externo, elaboração e distribuição de cartilhas e todas as formas criativas que a empresa encontre para divulgar suas diretrizes e regras de integridade. Algumas empresas realizam anualmente uma atividade denominada “semana do compliance” com palestras, debates e rodas de conversa realizadas diariamente e o empregado tem direito de escolher de quais deseja participar. Outras empresas de menor porte realizam o “dia do compliance”, com menor número de atividades, mas com participação obrigatória dos empregados em pelo menos um período (manhã ou tarde). Também há aquelas que disponibilizam treinamento permanente na intranet e condicionam promoções ao comparecimento dos empregados a uma quantidade mínima predeterminada de horas de capacitação. São várias as possibilidades e, com o incremento das novas tecnologias de comunicação, elas estão ainda maiores e menos onerosas. Seja criativo! E nunca se esqueça de que o programa de compliance precisa ser conhecido também por prestadores de serviços e fornecedores, porque eles compõem o conjunto de partes interessadas que precisam agir em conformidade com as leis, normas e diretrizes de ética, transparência e boa-fé da empresa. 8 A RELEVÂNCIA DOS CANAIS DE COMUNICAÇÃO E DOS PROCEDIMENTOS DE APURAÇÃO Esse é um tema sempre delicado quando se trata de implementação de programas de compliance, porém é preciso estudá-lo e enfrentá-lo com tranquilidade para que possamos aferir toda a relevância que ele possui para a concretização da integridade e transparência em umaempresa. 163 GOVERNANÇA CORPORATIVA E COMPLIANCE Essa sensação de que o assunto é difícil de ser tratado nas empresas não é particular. Sylvia Enseñat de Carlos (2016, p. 129) afirma: O canal de denúncias interno (whistleblowing, na terminologia inglesa) constitui também um meio eficaz para identificar e corrigir deficiências na empresa. Esta prática, de grande tradição e implementação em empresas do mundo anglo-saxão, porém de difícil implantação nas empresas dos países de cultura latina, consiste em estabelecer um canal de comunicação de práticas ou comportamentos irregulares no seio da empresa por parte de empregados e, ocasionalmente, também por parte de terceiros, tais como provedores. Para isto, se deve garantir que todos os empregados da organização, atuando de boa-fé, sejam capazes de comunicar as condutas irregulares de forma confidencial e sem temor de represálias o de qualquer outra discriminatória ou prejudicial para quem fizer isso (Tradução nossa). Algumas empresas chamam esse instrumento de canal de informação, outras preferem canal de denúncia. A denominação canal de informações é mais branda e sugere que a finalidade não é, necessariamente, receber a informação para instaurar imediatamente um procedimento administrativo para avaliar se foi ou não praticada uma conduta antiética ou ilegal e, em seguida, aplicar uma punição que, muitas vezes, consiste na demissão do empregado. Já quando se denomina como canal de denúncia, a ideia subjacente é que a informação fornecida por esse canal resultará em práticas mais severas, o que pode contribuir para tolher a iniciativa do empregado. Vivemos uma cultura no Brasil de que denúncias não são socialmente bem aceitas. Somos motivados a cuidar de nossas vidas e de nossas obrigações sem nos imiscuirmos na vida alheia, mesmo quando se trata de atos ilícitos praticados por vizinhos, parentes, colegas de trabalho ou de faculdade. Essa timidez em denunciar tem sido combatida por programas estatais como o Disque Denúncia e outros que estimulam que os cidadãos denunciem sempre, principalmente, quando estiverem diante da comprovação das práticas de violência sexual contra crianças e adolescentes, violência contra a mulher, idosos ou deficientes, práticas de contrabando ou corrupção, entre tantas outras. Mas é inegável que essa prática de denunciar ainda é pouco aceita como cultural na sociedade brasileira que, por vezes, erra por omissão e, em outras ocasiões, se abstém de denunciar porque não confia efetivamente de que estará protegida após praticar esse ato. Nas empresas, dependerá de os gestores criarem uma cultura que mereça o acolhimento e a confiança dos empregados. Eles precisam se sentir seguros de que as informações ou denúncias que fizerem serão tratadas com sigilo, seriedade e de forma rigorosa em consonância com a legalidade. Só assim ficarão estimulados para perceberem atos suspeitos ou irregulares e encaminharem as denúncias ou informações. Sem essa confiança de que serão compreendidos e protegidos, não haverá estímulo para a utilização do canal. 164 Unidade IV Empresas de maior porte utilizam canais eletrônicos, e-mails ou telefones, destinados exclusivamente a essa função e com garantia de sigilo. Empresas de menor porte poderão utilizar o responsável pelo programa de compliance da empresa, que destinará horários para atendimento de empregados e recepção das informações ou denúncias. Poderá, ainda, estimular que os empregados enviem cartas anônimas por meio das quais possam detalhar e concretizar a informação ou denúncia que entenderem ser relevante. Sylvia Enseñat de Carlos (2016, p. 129) recomenda: A identidade da pessoa que comunica uma situação irregular através deste canal deve ter a classificação de informação confidencial e, portanto, não deve ser comunicada sem o consentimento do denunciado. Em muitos países se permite também que as denúncias anônimas, sem exigir que o denunciante se identifique de nenhum modo, como forma para facilitar as denúncias sem temor de nenhum tipo de represália. A chave para que o canal de denúncias funcione de forma efetiva e que realmente possa ser uma forma de identificar condutas irregulares dentro da organização são fundamentalmente dois: (1) que todos os empregados tenham total confiança em que nenhum caso haverá represálias por denúncias que se realizem de boa-fé; e (2) que todas as denúncias, sem exceção, sejam investigadas até o final e que, em caso de que efetivamente se estiverem produzindo comportamentos irregulares, estes tenham consequências para o infrator. Esses aspectos são muito importantes. Vamos analisá-los. A confiança do empregado em utilizar o canal de informações ou de denúncia não surgirá naturalmente. Terá de ser construída por meio de ações sistemáticas do setor de compliance, ou seja, palestras, treinamentos, rodas de conversa, encontros de atualização, divulgação de filmes, vídeos, entre outras formas de demonstrar que o setor é atuante, efetivo e confiável. Algumas empresas criam a figura do “agente de compliance”, pessoa especialmente treinada para interagir com os empregados e gestores no dia a dia e orientar procedimentos, fluxos e decisões que estejam adequadas às diretrizes e normas de compliance daquela empresa. Esses agentes são bastante importantes porque desenvolvem um olhar aguçado para detectar práticas que precisam ser corrigidas, assim como aquelas que estão totalmente inadequadas. Muitas vezes, as informações acabam sendo transmitidas para esses agentes que, por sua vez, reportam aos responsáveis pelo setor de compliance. Essa prática embora eficiente é reservada para empresas de maior porte, que possuem vários setores diferentes e filiais e sucursais. Nas empresas de menor porte, a solução implicaria em custo muito elevado e, por isso, é mais viável trabalhar com um canal de informação ou de denúncia que seja eletrônico. As empresas podem optar, ainda, por contratar um terceirizado, pessoa natural ou jurídica, para realizar as atividades próprias do canal de informações ou de denúncia. Nesse caso, terá que formalizar um contrato de prestação de serviços que contenha com clareza a responsabilidade do prestador de 165 GOVERNANÇA CORPORATIVA E COMPLIANCE serviços em manter a confidencialidade das informações recebidas e a proteção da identidade de quem prestou as informações. É fundamental que todas as informações ou denúncias recebidas sejam verificadas e apuradas, bem como que haja uma resposta para a pessoa que efetuou a comunicação caso ela tenha se identificado. Nos canais em que são aceitas informações anônimas, isso não será possível, mas naqueles em que se trabalha com a garantia de confidencialidade para o empregado que fornece a informação ou faz a denúncia, é fortemente recomendável que ele seja informado do resultado como maneira de se construir maior confiabilidade no trabalho desenvolvido pelo setor de compliance. Após recebida a informação ou denúncia, o gestor da área de compliance terá que dar início às investigações, nesse momento, é preciso agir com cautela e cuidado. Por isso é muito importante que na política institucional da empresa já tenham sido traçadas as diretrizes de como agir nessas situações, como conduzir a investigação. Lembre-se de que por mais contundente que tenha sido a informação prestada ou a denúncia oferecida, ela pode não ser verdadeira. Pode ser fruto de um erro de interpretação do empregado ou até de má-fé, de intenção clara de colocar um colega ou um superior hierárquico em situação constrangedora na empresa. Foi o que ocorreu recentemente em uma empresa, no Brasil, em que várias funcionárias combinaram denunciar o gestor do setor como praticante de assédio moral porque queriam que ele fosse afastado do cargo para ser substituído por uma colega que tinha a preferência delas. Apurado o caso e constatada a conduta antiética e totalmente irregular, as funcionárias foram demitidas porque não havia nenhuma condiçãode continuarem trabalhando ali depois de terem participado de uma farsa. Em razão de situações semelhantes a essa, é preciso que a empresa apure detalhadamente as informações ou denúncias, agindo sempre com consultoria de advogados que possam garantir que os passos da investigação interna estejam em consonância com a legislação, principalmente a trabalhista. Carla Veríssimo (2017, p. 297) afirma: A empresa precisa planejar o que será feito no caso de ocorrência de uma violação ao programa de compliance,às normas legais ou regulamentares. Ou seja, estabelecer quem investiga, o que, quando e em que extensão; como os procedimentos serão documentados, e quem será informado de quais resultados dessa investigação. Devem ser estabelecidos canais adequados para que o fluxo das informações se faça de tal maneira que, por um lado, seja possível uma apuração independente e, por outro, respeitem-se os direitos fundamentais do investigado (o direito à intimidade, à honra, e os direitos de defesa num eventual futuro processo criminal, por exemplo). É aqui que entram em cena as investigações internas, que serão, sempre, processos jurídicos. Essas investigações não se sujeitam às regras de direito 166 Unidade IV processual penal, mas sim ao direito trabalhista, que permite ao empregador investigar as faltas de seus empregados. [...] Uma decisão que a empresa deverá tomar é se a investigação será feita pela estrutura interna existente (departamento de compliance ou departamento jurídico, por exemplo) ou se o mais indicado será a contratação de um escritório externo de advocacia. Se houver envolvimento de dirigentes nos fatos, uma investigação conduzida por advogados externos à empresa poderá reduzir a chance de influências indevidas dos superiores hierárquicos (o que poderia ocorrer caso a investigação interna fosse feita pelos advogados que fossem empregados da empresa). A investigação da conduta do empregado denunciado é sempre um momento delicado na vida da empresa e quanto melhor estiver especificada pelo compliance, mais fácil será realizá-la e chegar a resultados verídicos que indiquem as medidas a serem adotadas. Nesse sentido, Carla Veríssimo (2017, p. 301) afirma: A empresa deve prever, antecipadamente, as medidas punitivas que serão adotadas no caso da ocorrência de um ato que viole as especificações do programa de compliance. Essas medidas devem apresentar uma gradação progressiva, para aplicação de acordo com a gravidade e as consequências do ato praticado. Podem iniciar com uma repreensão verbal; passando por uma advertência por escrito; levar à transferência da função ou departamento, ou culminar com a demissão do empregado. É importante que todos os empregados desde o momento em que são contratados pela empresa saibam o que devem fazer para estar “em compliance” e quais atos serão considerados “não compliance”. Para os atos considerados transgressores das regras de compliance, é preciso que o empregado saiba as consequências, ou seja, que punições poderão ser aplicadas. Conhecer as consequências do ato é sempre um fator de desestímulo, por isso a relevância da informação clara e objetiva para todos os empregados e com caracterização de atos ou situações passíveis de punição. Um dos bons resultados das informações e denúncias e também das investigações é demonstrar para a empresa quais são seus pontos fracos, suas vulnerabilidades e reforçar as defesas nesses pontos. Uma empresa do setor financeiro, recentemente, detectou que havia recebido cinco ligações para seu canal de denúncia em uma única semana, relatando práticas de assédio moral de um gestor em relação a um funcionário homossexual que era sistematicamente agredido verbalmente por seu superior. Apuradas as denúncias, foi constatado que eram verdadeiras, e o gestor foi punido com uma advertência, porém o mais importante em tudo isso foi que a empresa observou que precisava começar imediatamente a implantação da cultura da diversidade para garantir que todas as pessoas fossem 167 GOVERNANÇA CORPORATIVA E COMPLIANCE tratadas com respeito à sua dignidade independentemente de sua identidade ou orientação de gênero. Foram realizadas palestras, rodas de conversa, sessões de cinema com filmes que tratavam dessa temática e debates ao final da exibição, indicação de leitura, construção de cartilhas e manuais informativos, uma gama de iniciativas que tornaram a diversidade um tema mais presente no cotidiano das atividades e trabalho com mais respeito e equilíbrio. Saiba mais O filme Obediência, em inglês, se chama Compliance, de 2012, é uma história baseada em fatos reais que demonstra bem a importância de saber agir diante de uma investigação interna. OBEDIÊNCIA. Direção: Craig Zobel. EUA: Bad Cop Film Productions, 2012. 90 min. Resumo Tratamos da política de governança corporativa, o que ela deve conter e como deve ser implantada. O objetivo da implantação, como vimos, é tornar claro para os sócios ou acionistas, empregados, investidores, prestadores de serviços, fornecedores, poder público e toda a sociedade, as escolhas que a empresa fez para concretizar seus valores, sua missão e sua visão de futuro. Vimos que uma política de governança é antes de tudo um compromisso que todos assumem de agir em conformidade com os valores e a missão da empresa, para construir reputação de qualidade e garantir a perenidade da organização empresarial. Em seguida, estudamos os códigos de ética empresarial, sua composição e finalidades. Pudemos analisar alguns códigos de ética adotados por grandes empresas que atuam no Brasil e verificamos que os temas tratados são de grande relevância. Estudamos também a implantação de programas de compliance, ou de integridade, como também são chamados. Analisamos os principais aspectos que devem nortear um programa de compliance e o detalhamento de sua implementação na empresa, em especial, com o objetivo de criar uma cultura de compliance a fim de que todos os empregados, sócios ou acionistas se sintam agentes efetivos para a concretização dos propósitos do compliance. 168 Unidade IV Por fim, analisamos o papel dos canais de informação ou denúncia, sua forma de proceder e o trabalho de apuração que deve ser realizado pela empresa, com a aplicação de consequências sancionatórias quando ficar demonstrado que a conduta foi efetivamente contrária às regras de compliance. Exercícios Questão 1. Ao assumir o setor de governança corporativa de uma companhia seguradora, a empresa Vital Essência tomou conhecimento de que havia sido contratado um escritório de advocacia para prestar serviços e que entre os sócios desse escritório, estava o filho do diretor financeiro da empresa. Essa situação impõe que a governança corporativa: A) Avalie as condutas que vão ser adotadas pelo diretor financeiro e por seu filho para verificar se existem problemas e então agir. B) Aponte o conflito de interesse existente entre o diretor financeiro e o escritório de advocacia do qual seu filho é sócio e, em consequência, recomende a rescisão do contrato e a contratação de outro prestador de serviços jurídicos. C) Não há nepotismo na área privada, só no setor público. D) Não há nenhum problema na contratação de parentes como prestadores de serviços, pois eles não são empregados. E) Não deve ser efetuada apenas a rescisão do contrato de prestação de serviços, mas, também, a demissão do diretor financeiro por improbidade. Resposta correta: alternativa B. Análise das alternativas A) Alternativa incorreta. Justificativa: não é preciso aguardar o que vai acontecer porque o problema já existe. Flagrantemente existe um conflito de interesses entre o diretor financeiro e o escritório de advocacia do qual seu filho é sócio e isso, por si só, já é suficiente para que a governança corporativa recomende a rescisão contratual. B) Alternativa correta. Justificativa: a existência de conflito de interesse está evidente. O vínculo entre pai e filhopode ser causa de práticas não recomendáveis, e para evitar que isso aconteça é necessário que o contrato de 169 GOVERNANÇA CORPORATIVA E COMPLIANCE prestação de serviços seja rescindido. O nepotismo – favoritismo com parentes – pode ocorrer no âmbito público e privado e é sempre negativo para os interesses das organizações. C) Alternativa incorreta. Justificativa: o nepotismo pode ocorrer tanto no setor público como privado e, em ambos, é potencial causador de conflito de interesse e de práticas antiéticas. D) Alternativa incorreta. Justificativa: o conflito de interesses se instala tanto quando o nepotismo é praticado nas relações empregatícias, como quando é praticado nas relações de prestação de serviços. E) Alternativa incorreta. Justificativa: a prática de improbidade demanda a existência de prova. Assim, não é necessário demitir o diretor financeiro, bastando que o contrato com o escritório prestador de serviços jurídicos seja rescindido e substituído por outro. Questão 2. Edgar Ethicus é representante comercial de uma empresa de segurança da informação e está prestes a fechar um contrato bastante lucrativo com um importante grupo chinês, cujo diretor de compras veio ao Brasil com toda a família para fechar esse contrato e aproveitar para passear e conhecer o país. O diretor trouxe a esposa, três filhos e os sogros. No dia do fechamento do negócio, ele convidou o diretor do grupo chinês para jantar de forma a comemorarem a assinatura do contrato e, de acordo com as regras da empresa, ele estava autorizado a pagar um jantar no valor de até R$ 300,00 para duas pessoas, sem bebida alcoólica. Para jantar, o diretor do grupo chinês levou toda sua família sem avisar previamente Edgar. Todos pediram pratos individuais, tomaram vinho e cerveja e pediram sobremesa e café para encerrar a refeição. A conta ficou em R$ 2.000,00. Avalie as afirmativas: I – Ao final da refeição, Edgar deverá pagar os R$ 300,00 a que estão autorizados, explicar que não tem alçada para outros valores e pedir ao diretor que pague o valor remanescente. II – Edgar deverá pagar o total da conta e explicar em sua empresa o que ocorreu, ressaltando que o importante é o negócio ser fechado. III – Edgar deverá explicar ao diretor do grupo empresarial chinês antes da refeição ter início que ele tem um programa de ética e compliance para cumprir, que não pode flexibilizar essas regras e por isso, só poderá pagar o valor máximo a que está autorizado, ou seja, R$ 300,00. IV – Regras de ética e compliance não podem ser taxativas sob pena de comprometer o sucesso empresarial. 170 Unidade IV Assinale a alternativa correta: A) I, somente. B) II, somente. C) III, somente. D) I e III. E) IV, somente. Resposta correta: alternativa C. Análise das afirmativas I – Afirmativa incorreta. Justificativa: a informação deverá ser prestada antes do início da refeição a fim de que não haja constrangimento. Edgar poderá chamar o diretor do grupo chinês para um momento reservado, explicar a situação e mostrar-se firme no cumprimento das regras da empresa. II – Afirmativa incorreta. Justificativa: não se pode flexibilizar as regras de compliance e ética, sob pena de elas não terem efetividade na cultura organizacional. III – Afirmativa correta. Justificativa: antes de a refeição ter início, Edgar deverá explicar quais as regras da empresa, que ele vai cumpri-las rigorosamente porque é sua convicção que deve agir sempre em consonância com as determinações da empresa e, por isso, vai se limitar a utilizar o valor máximo a que tem direito, ou seja, R$ 300,00. IV – Afirmativa incorreta. Justificativa: Regras de compliance e ética devem ser sempre rigorosamente cumpridas, sem flexibilizações oportunistas que as tornem inúteis, porque só assim a empresa criará uma cultura de proteção de valores organizacionais. 171 FIGURAS E ILUSTRAÇÕES Figura 1 1024PX-SUPREMO_BRASIL.JPG. Disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/ thumb/1/17/Supremo_Brasil.jpg/1024px-Supremo_Brasil.jpg. Acesso em: 18 nov. 2020. 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