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“ 10 Educação escolar indígena no Brasil: avanços e retrocessos ao longo da história da educação Lívia Késsia da Silva Rocha Soares UERR/RR Adine da Silva Ramos UERR/RR Enia Maria Ferst REAMEC Graciete Barros Silva UERR/RR 10.37885/210102932 https://dx.doi.org/10.37885/210102932 126Educação: pesquisa em linguagens, leitura e cultura Palavras-chave: Educação Escolar Indígena, Identidade, Concepções Pedagógicas. RESUMO O objetivo deste artigo é trazer um retrospecto histórico e político da educação escolar indígena no Brasil com o enfoque a partir da década de 70 até os dias atuais, tomando como referência documentos como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional- LDB-Lei 9394/96, o Referencial Nacional Curricular para as Escolas Indígenas-RCNEI e a Constituição de 1988. Tendo em vista as lutas e os movimentos ao longo da história da educação brasileira, procuramos responder o seguinte problema de pesquisa: Quais foram os avanços e os retrocessos da educação escolar indígena para se alcançar uma educação diferenciada e de qualidade ao longo da história da educação brasileira? Nessa perspectiva, destacando as lutas dos povos indígenas por uma educação específica que deveria contemplar os aspectos históricos, sociais e culturais, este trabalho busca apresentar as concepções pedagógicas que nortearam a educação escolar indígena no Brasil. Diante disso, buscamos compreender o modelo educacional das escolas indígenas em defesa da identidade cultural, linguística e étnica. Realizamos ainda, uma entrevista com professores de uma escola indígena localizada na comunidade indígena do Contão, em Roraima, a fim de discutir alguns contrapontos da educação escolar indígena atual- mente. Os resultados indicam que a educação escolar indígena perpassou por diferentes abordagens, entre eles etnocêntrica, bilíngue, comunitária, e ainda teve as concepções tradicionais e tecnicistas norteando em dois períodos da história da educação brasileira. 127Educação: pesquisa em linguagens, leitura e cultura126Educação: pesquisa em linguagens, leitura e cultura INTRODUÇÃO A educação escolar indígena no Brasil perpassou por diferentes momentos históricos. Desde o Brasil Colônia com a chegada dos Jesuítas no ano de 1549 até os dias atuais a educação indígena passou por diferentes fases e experiências que foram vivenciadas pelos povos indígenas durante todo o processo de escolarização. Ainda no período colonial o foco principal era que os povos indígenas fossem totalmente dominados e essa dominação durou até o século XX. O índio era levado a assimilar aquilo que não o cabia no que diz respeito a sua escolarização, pois não existia o direito a diversidade cultural, linguística e étnica. A pri- meira escolarização dada aos povos indígenas foi ensinada pelos Jesuítas e as crianças tinham uma educação integral, em que a catequese era tida como um meio de educá-los. Atualmente a educação escolar indígena que durante muito tempo vem lutando por uma educação específica, diferenciada e de qualidade, a fim de contemplar os aspectos históricos, sociais e culturais, ainda tem inúmeros desafios a serem vencidos, pois a educação escolar indígena no Brasil é marcada pelas lutas e movimentos que muitas vezes resultaram em vitórias, mas também em perdas. Desta feita, para se pensar numa educação é necessário compreender a sua história e o processo de escolarização até a conquista da primeira escola formal, quem foram seus aliados e quando a educação escolar indígena aparece de fato no cenário da educação brasileira. Nesse contexto, o objetivo geral deste artigo é trazer um retrospecto histórico e polí- tico da Educação Escolar Indígena no Brasil com o enfoque a partir da década de 70 até os dias atuais, tomando como referência documentos como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional-LDB - Lei nº 9394/96, o Referencial Nacional Curricular para as Escolas Indígenas - RCNEI e a Constituição de 1988. O trabalho busca apresentar as concepções pedagógicas que nortearam a Educação Escolar Indígena no Brasil. Diante disso, buscamos compreender o modelo educacional das escolas indígenas em defesa da identidade cultural, linguística e étnica. Realizamos ainda, uma entrevista com professores de duas escolas indígenas localizada na comunidade indígena do Contão, em Roraima, a fim de discutir alguns contrapontos da educação escolar indígena nos dias atuais. Este artigo se enquadra em uma pesquisa de abordagem qualitativa segundo Minayo (2001), pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo de acordo com Fonseca (2002). Dessa forma, o tipo de técnica utilizada neste artigo é a entrevista semiestruturada na concepção de Lakatos; Marconi (2009). 128Educação: pesquisa em linguagens, leitura e cultura BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA A educação dos povos indígenas ainda no Brasil Colônia com a chegada dos jesuítas não foi vista como uma educação escolar, mas como uma escolarização voltada totalmente para a catequese. Os índios assistiam as missas ali ministradas pelos jesuítas que acredi- tavam torná-los humanos e civilizados, pois os consideravam selvagens. A catequese e a missa na vida dos povos indígenas daquela época era uma forma de salvação. Diz Brandão (1986) que: um índio civilizado é um índio que foi civilizado por um branco civilizador. O artifício do domínio – aquilo que é real sob os disfarces dos encontros de povos e culturas diferentes – é o trabalho de tornar o outro mais igual a mim para colocá-lo melhor a meu serviço. (BRANDÃO, 1986, p.8). Brandão afirma em seu discurso que o índio foi remetido a assimilar aquilo que não o cabia, sofrendo o processo de aculturação1 que não lhe dava o direito de viver a sua cultura e o que os portugueses queriam eram as riquezas avistadas no Brasil. Os povos indígenas foram ameaçados, vítimas de extermínio físico e da sua diversidade cultural. Esse período vai se estender até o século XX. Nesse contexto, com a chegada do diretório pombalino no ano de 1757, onde os je- suítas expulsos, os indígenas passaram a aprender a ler e escrever na língua portuguesa. Mesmo com a expulsão dos jesuítas as mudanças acometidas nesta fase pombalina não foram significativas. Embora duas escolas públicas fossem criadas, os povos indígenas tiveram suas etnias dizimadas, sua cultura deturpada e os ensinamentos dos mais velhos já não existiam mais. RETROSPECTO HISTÓRICO E POLÍTICO: UM RECORTE DOS ANOS 70 ATÉ OS DIAS ATUAIS Vimos anteriormente que a educação escolar indígena ainda no Brasil Colônia não partia de uma educação formal e diferenciada para os povos indígenas, mas de um processo de escolarização que tinha como objetivo catequisar para a salvação daqueles primitivos selvagens, assim eram chamados os índios naquela época. Nessa perspectiva, a educação escolar indígena nos anos 70 inicia uma luta, pois aqui nascem os movimentos indígenas apoiados na Constituição de 1988, que propõe uma educação diferenciada, respeitando a diversidade de cada povo. Desta feita, destaca-se o artigo 78 da LDB: 1 De acordo com Burns aculturação “é o processo pelo qual o empréstimo de um ou de alguns elementos da cultura ocorre como re- sultado de um contato de qualquer duração entre duas sociedades diferentes” (Burns, 2002: 129). 129Educação: pesquisa em linguagens, leitura e cultura128Educação: pesquisa em linguagens, leitura e cultura afirma que a educação escolar para os povos indígenas deve ser intercultural e bilíngue para a reafirmação de suas identidades étnicas, recuperação de suas memórias históricas, valorização de suas línguas e ciências, além de possibilitar o acesso às informações e aos conhecimentos valorizados pela sociedade nacional. (BRASIL, 1996, p. 6). No que tange a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, fica evidente os direitos aos povos indígenas de uma educação que contemple os aspectos históricos e culturais, de qualidade, diferenciada e que valorize a identidade de todos os povos. Diantedisso, os movimentos já organizados e com aliados importantes como a igreja, antropólogos e educadores de orientação freiriana e marxista, a educação escolar indígena ganha força. Podemos aqui ressaltar que este período de ditadura militar os índios continuavam sofrendo assimilação e aculturação. Mas incansavelmente os povos indígenas consegue chegar ao parlamento. E dessa vez a Constituição reconhece que: [...] os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela - O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indí- genas, africana e europeia. (BRASIL, 1988, p. 72). Dessa forma, a educação indígena que passa por fases tem seus direitos resguarda- dos sendo respeitadas suas tradições e crenças. Nesta fase as políticas públicas de estado voltadas para a educação escolar indígena nos mostram os avanços conquistados e os retrocessos em meio ao fracasso do cenário atual. Neste sentido, a educação escolar indígena perpassa por entraves ainda no início dos anos de 1970 na conquista pela efetivação de uma educação diferenciada para os povos indígenas. Ainda nessa época discutir sobre educação escolar indígena era algo novo e o processo de escolarização almejada pelos índios foi fazendo parte de diversas abordagens2 como: etnocêntrica, bilíngue, comunitária, entre outras. Cada abordagem apresenta um ob- jetivo e estudos na tentativa de apontar algumas contribuições no processo de escolarização dos povos indígenas. No Estado de Roraima os movimentos e a demarcação das terras indígenas para alcançar uma educação específica, diferenciada e de qualidade até os anos 70 nenhum movimento indígena surtiu efeito positivo, os índios viam-se maltratados pelos governantes da época. Em 1973, com ajuda do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) houve a primeira assembleia dos tuxauas na comunidade do Barro. Foi à primeira vez, em que um evento 2 Ler “Educação escolar indígena no Brasil: por uma revisão de conceitos, de políticas e de práticas” de Marta Coelho Castro Troquez, 2014. 130Educação: pesquisa em linguagens, leitura e cultura reunia várias lideranças com o intuito de solucionar problemas de suas comunidades e de- bater sobre a demarcação das terras. Apesar do número significativo de indígenas mortos a população continuava crescendo. A partir dos anos 80, criou-se o Conselho Indígena de Roraima (CIR), que ajudou as lideranças no reconhecimento sobre a demarcação das terras. Em seguida, surgem as Organizações dos Professores Indígenas, Associação dos Povos Indígenas e outros, que embora fossem diferentes organizações, ambas lutavam pelas mesmas causas. Nessa perspectiva, surgiram no decorrer dos anos outras organizações indígenas como: a Sociedade em Defesa dos Índios Unidos de Roraima (SODIUR), Aliança de Integração e Desenvolvimento das Comunidades Indígenas de Roraima (ALIDICIR) e a Associação dos Povos Indígenas do Rio Cotingo e Quino (ARICON), sendo oposições das primeiras organizações, não havendo apreço quanto aos órgãos principalmente governamental e sendo a favor dos fazendeiros e rizicultores existentes em suas áreas alegando ajuda para suas comunidades através de contribuições de cestas básicas ou doação de gados para a realização de festas indígenas. O trabalho das organizações e movimentos indígenas foi se desenvolvendo, tanto para os que eram a favor da área contínua quanto a da área em ilha. Para os que foram a favor da área contínua, a terra representou a vida, a liberdade, o respeito à natureza, costumes e tradições indígenas que aos poucos a sociedade não índia tentava acabar. Assim, os movimentos indígenas foram conquistando espaços importantes para conso- lidar a demarcação de suas terras, e tais espaços foram constituídos por trabalhos na política partidária elegendo prefeitos e vereadores indígenas, e membros dentro da secretaria de educação, mas precisamente na Divisão de Educação Escolar Indígena (DIEI), entre outros. Já os que foram a favor da área em ilha e acometidos por um pensamento capitalista alegaram que a demarcação trouxe prejuízo para o estado, ou seja, o estado não cresce- ria economicamente e que as terras indígenas sofreriam ameaças à soberania nacional com a demarcação. Portanto, atualmente a maior parte dos movimentos indígenas vem lutando para o crescimento da população na vida social e econômica, a fim de obter de- sempenhos e melhorias para todos os povos pertencentes às terras indígenas no estado de Roraima e no Brasil. Nesse contexto, percebemos que para nomear membros indígenas em diferentes ór- gãos do estado que pensassem de fato nos interesses dos povos indígenas, houve escolhas assertivas ou não, rivalidades entre as organizações e povos, mas que a partir de decisões tomadas por eles o crescimento beneficiaria numa vida economicamente e socialmente melhor para todos. 131Educação: pesquisa em linguagens, leitura e cultura130Educação: pesquisa em linguagens, leitura e cultura CONCEPÇÕES QUE NORTEARAM A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA Dentre os diversos modelos de educação que nortearam a educação escolar indíge- na, o Referencial Curricular Nacional para Escolas Indígenas-RCNEI (1998, p. 24), destaca que “ela deve ser comunitária, intercultural, bilíngue/multilíngue, específica e diferenciada”. Podemos ressaltar que a demarcação de terras no Estado de Roraima marcou o começo das lutas dos povos indígenas. Na educação a luta permanece até os dias atuais. A escola indígena hoje tem seu currículo imposto historicamente e é um dos campos de educação mais politizados pelo o poder na busca dos direitos que nem sempre são atendidos, revistos e repensados. Segundo Grupioni (2006, p.63) “a falta de vontade política de setores governamentais continua sendo o principal impedimento para que os direitos conquistados na legislação se efetivem, trans- formando as escolas indígenas”. Com isso, percebemos a busca incessante da comunidade escolar indígena (gestores, coordenadores, professores, alunado e membros indígenas) na construção de um currículo que conceba seus direitos e a sua identidade. Conforme, Monte (2000, p.11) “no período ainda nebuloso das ditaduras ainda latino-americanas, pequena rede de organizações não governamentais passa não só a existir, mas a desenvolver ações de apoio as sociedades indígenas, sobretudo no Norte e Centro-oeste do país”. Essas organizações contribuíram para que os indígenas tivessem direito a saúde, a educação, a melhores condições de vida etc. Sendo assim, um dos desafios das escolas indígenas é exercer seus direitos e efetivar na prática um currículo diversificado que atenda a educação escolar indígena com políticas públicas educacionais, pensando também na formação dos professores indígenas. Para Freire (2004, p. 36) “a escola em meio indígena teve muitas faces e pautou-se por diferentes concepções, não só pedagógicas, mas também acerca do lugar que esses indiví- duos deveriam ocupar na sociedade brasileira”. A escola indígena se mostra algumas vezes ser o que lhes foi herdado pelos europeus, onde teve sua cultura dizimada e as concepções pedagógicas sendo trabalhada no contexto escolar indígena, conforme as mudanças políticas que orientavam e orientam a educação escolar indígena até os dias atuais. Na LDB de 96 é assegurada aos povos indígenas uma educação escolar em que na prática pedagógica, no que diz respeito à organização didática, o art. 26 aponta que “os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada por uma parte diversificada”. E no art. 32 “o ensino fundamental regular será ministrado em Língua Portuguesa assegurada às comunidades indígenas a utilizaçãode suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem”. Percebemos que a educação escolar indígena foi ca- minhando positivamente para a garantia dos seus direitos, promovendo a valorização cultural e étnica. O material didático diversificado e diferenciado para atender as escolas indígenas. 132Educação: pesquisa em linguagens, leitura e cultura Logo, a educação escolar indígena não se apresentava norteada por uma concepção pedagógica exclusiva, diferentes concepções perpassaram ao longo da história de luta desde que os índios tiveram acesso à escolarização e depois uma educação escolar formal que assegurassem de fato os seus direitos. O que se percebe é a educação escolar indígena perpassando pelo tradicionalismo e o tecnicismo já que anteriormente a década de 70 os índios foram impostos a aprender apenas o que lhe ensinavam e as escolas técnicas apa- reciam no cenário ainda no século XX com o objetivo de formar mão de obra. CENÁRIO DA PESQUISA A pesquisa foi realizada no Município de Pacaraima, extremo norte de Roraima, na comunidade indígena do Contão. De acordo com Silva (2019, p.64) “a história do municí- pio de Pacaraima está interligada com a demarcação da fronteira com a Venezuela pelo o exército brasileiro, originando do marco BV-8”. Com a chegada de brasileiros de diferentes regiões deu-se início a colonização da região sendo emancipada em 1995. Nesse contexto o município de Pacaraima é constituído por 49 escolas, sendo 42 da rede estadual de ensino, 1 urbana e 41 nas áreas indígenas e 7 na rede municipal. Desta feita o contexto investigado refere-se a duas escolas indígenas localizadas na comunidade indígena do Contão, pertencente ao município de Pacaraima. Ressalta-se que o nome dessas escolas se denomina Escola Estadual Indígena Silvestre Messias e Escola Estadual Indígena José Marcolino. O número de alunos da E.E Indígena José Marcolino corresponde a 451 alunos e 20 professores no total, já na E.E indígena Silvestre Messias conta com um quadro de 15 professores e aproximadamente 200 alunos, ambas funcio- nam os três turnos. Foram convidados a participar da entrevista 6 professores das escolas já citadas ante- riormente, mas somente três professores responderam às perguntas, somando um total de três participantes. Sendo dois professores (as) da Escola Estadual Indígena José Marcolino, com formação em Licenciatura Intercultural com Habilitação em Ciências Sociais e o outro em Pedagogia pela Universidade Estadual de Roraima/UERR e um professor (a) da Escola Estadual Indígena Silvestre Messias com formação em Letras e espanhol, mestrando em Intercultural Bilíngue no Exterior. A entrevista aplicada com os professores está composta por três perguntas estruturadas. Este estudo se enquadra em uma abordagem qualitativa que de acordo com Minayo (2001, p. 22), [...] ela trabalha com um universo de significações, motivos, aspirações, cren- ças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos, que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. Dessa forma, este tipo de abordagem não se preocupa com representações numéricas, mas 133Educação: pesquisa em linguagens, leitura e cultura132Educação: pesquisa em linguagens, leitura e cultura com a pesquisa, focando a realidade social do objeto em si. É de cunho descritivo (GIL, 2009, p. 42), pois busca descrever as características dos sujeitos envolvidos registrando os fatos do objeto investigado. Os procedimentos técnicos utilizados neste trabalho é a pesquisa bibliográfica e de campo na percepção de Fonseca (2002) que destaca que a pesquisa bibliográfica é feita a partir do levantamento de referências teóricas já analisadas, e publicadas por meios escritos e eletrônicos, como livros, artigos científicos, páginas de web sites. Qualquer trabalho científico inicia-se com uma pesquisa bibliográfica, que permite ao pesquisador conhecer o que já se estudou sobre o assunto. Existem, porém pesquisas científicas que se baseiam unicamente na pesquisa bibliográfica, procurando referências teóricas publica- das com o objetivo de recolher informações ou conhecimentos prévios sobre o problema a respeito do qual se procura a resposta (FONSECA, 2002, p. 32). Neste sentido, a pesquisa bibliográfica refere-se às pesquisas que são realizadas a partir de leituras e estudos feitos acerca de outros autores que já realizaram pesquisas na área em que um novo pesquisador esteja pesquisando. Na pesquisa de campo segundo o autor já citado anteriormente, esta se caracteriza pelas investigações em que, além da pesquisa bibliográfica e/ou documental, se realiza coleta de dados junto a pessoas, com o recurso de diferentes tipos de pesquisa (pesquisa ex-post-facto, pesquisa-ação, pesquisa participante, etc.) (FONSECA, 2002). Desta maneira a pesquisa de campo possibilita uma melhor compreensão do objeto pesquisado, já que se têm inúmeras possibilidades de ob- terem-se os resultados a partir de observações, análises, coletas de dados, entre outros. Com isso, o instrumento utilizado para a coleta de dados foi à entrevista conforme Lakatos e Marconi (2008, p. 278), a entrevista é “uma conversação efetuada face a face, de maneira metódica, que pode proporcionar resultados satisfatórios e informações necessárias” e tem como objetivo compreender as perspectivas e vivencias dos participantes. A entrevista ajudará na obtenção de informações relevantes dos entrevistados. ANALISANDO OS RESULTADOS Por questões de ética os participantes desta pesquisa serão identificados por letras: A, B e C. Desta feita, a partir dos resultados obtidos na entrevista aplicada com professores indíge- nas de duas escolas na comunidade do Contão, foi realizado o seguinte questionamento: Qual a sua concepção sobre professor indígena numa comunidade indígena? Eles responderam: A: Primeiramente para ser indígena, alguém precisa reconhecer-se como tal e ser aceito pela comunidade ou povo onde se encontra inserido. Professor precisa ser pertencente a uma etnia ou povo. Ter mais experiência com seus povos, ter compromisso com a comunidade, ter conhecimento de sua própria cultura, ou seja, de seu povo. Ter conhecimento da organização político, social econômico e até religioso de sua comunidade. O professor indígena é visto como uma liderança. 134Educação: pesquisa em linguagens, leitura e cultura B: A minha concepção como professora e coordenadora indígena é defender a ideia do cooperativismo. Pois percebo que o povo indígena atualmente tem sido muito individualista por causa do capitalismo, onde o povo já não conhece o seu próximo. E isso é muito ruim para um espírito humano. C: O professor indígena é que aquele ensina ou repassa, além dos conheci- mentos universais, os conhecimentos culturais de seu povo. Na comunidade é considerado uma das lideranças junto ao tuxaua. De acordo com as respostas dadas pelos entrevistados é possível compreender que a identidade do professor indígena está em ser indígena e aceitar primeiramente os seus costumes e a sua cultura. Segundo Hall (2003) as identidades parecem invocar uma origem, em um passado histórico com o qual elas detêm determinada correspondência. Mas, têm a ver com a questão da utilização dos recursos da história, da linguagem e da cultura para a produção daquilo que a pessoa se torna. Para o autor a identidade está ligada ao passado e a historicidade do sujeito que deseja preservar a sua língua, a sua cultura e a sua origem. Para os professores indígenas ser indígena vai além de uma identidade agregada a todos esses fatores citados pelo autor. Estar não só em demonstrar conhecimentos, mas defender a história de um povo que na história do Brasil foram os primeiros habitantes. Neste contexto, a identidade do professor indígena apresenta estar ligada a uma política que os obriga deixar de ser aquilo que ele era, um ser capitalista para interesses da sociedade civil e não um ser social, cultural e interculturalreferente à sua identidade. Diz Silva (2019, p.31) que “a identidade está sempre em movimento, pois é fragmentada, cambiável e tem totalidades históricas que se constroem mediantes práticas de representação”. Esta por sua vez é marcada pela diferença. Neste sentido, sabendo que a Educação Escolar Indígena tem um importante papel político e que almejam uma educação escolar específica, diferenciada e de qualidade, os professores foram indagados com a seguinte pergunta: Que currículo contemplaria uma Educação Escolar Indígena específica, diferenciada e de qualidade. E quais as perspectivas para o tão almejado currículo? A: Uma Educação Escolar Indígena almejada seria aquela que possibilitasse ao estudante uma autonomia verdadeira, a partir de um currículo que valorizasse os conhecimentos ou práticas culturais. O currículo deve conceber alguns princípios de interculturalidade tais como: solidariedade, companheirismo, humanidade, respeito ao próximo. Porque ao que parece que os currículos aplicados hoje nas escolas indígenas enfatizam, mas a competitividade e o desrespeito ao próximo ou a vida humana. Não se percebe a valorização da educação indígena aquela que se dá ou se ensina em casa, portanto, o currículo almejado seria aquele que valorizasse a vida humana e para isso que ensinasse sobre alguns temas fundamentais tais como: território, terra, economia indígena, contrapondo ao que é salientado hoje mesmo de forma camuflada que é a valorização do capitalismo selvagem. 135Educação: pesquisa em linguagens, leitura e cultura134Educação: pesquisa em linguagens, leitura e cultura B: No meu ponto de vista deveriam ser contempladas todas as disciplinas com suas metodologias adequadas conforme a realidade do convívio da co- munidade. C: O currículo atual aprisiona tanto o professor quanto o aluno ao processo político ao sistema da mesmice, ou seja, o que agrada o sistema educacional vigente. Um currículo específico, diferenciado e de qualidade tem que atender a defesa dos direitos garantidos, formalizar a identidade cultural de cada povo e comunidade, o principal é, estabelecer um arranjo institucional com instituições parceiras e educacionais. Assim se pode observar que médio em longo prazo a partir da educação escolar indígena se desenvolvera. Diante do que foi dito pelos entrevistados percebemos uma aversão por parte dos professores indígenas quanto ao atual sistema educacional vigente e do currículo que vem sendo trabalhado nas escolas indígenas. Já que a tão almejada educação específica, dife- renciada e de qualidade ainda aparece distante acerca de tantos desafios a serem vencidos ao longo da história e das lutas por cidadania e, ainda pela diversidade no currículo que seja capaz de atender as propostas curriculares para as escolas indígenas e a formação de seus professores. É importante destacar a relação que a escola tem com a sociedade contemporânea capitalista que reflete fortemente não só na cultura dos sujeitos como na formação destes. Entender o currículo e as suas facetas como aprisionamento tanto do professor quanto do aluno é desacreditar numa educação escolar indígena ou não. Com isso, o currículo deve ser diversificado e multicultural Sacristán (1995) enfatiza que o currículo multicultural exige um contexto democrático de decisões sobre os conteúdos do ensino, no qual os interesses de todos sejam representados. Mas para torná-lo possível é necessária uma estrutura curricular diferente da dominante e uma mentalidade diferente por parte dos professores, pais, alunos, administradores e agentes que confeccionam os materiais escolares (SACRISTÁN, 1995, p. 83). Na concepção de Sacristán o currículo multicultural está direcionado a democracia que visa conteúdos que trabalhem de forma que atenda as necessidades seja ela cultural, histórica ou social. O currículo deve proporcionar tanto na prática pedagógica quanto no processo de ensino e aprendizagem uma estrutura curricular que respeite a diversidade sociocultural de cada povo fortalecendo a sua identidade. Diante disso, pedimos aos professores para expor sua visão sobre a Educação Escolar Indígena dos anos 80 até a atualidade, isto é, de como era o ensino, o que mudou e quais suas expectativas para alcançar resultados positivos, a fim de vencer os desafios? A: Entendo que a Educação Escolar Indígena vem passando por algumas mudanças importantes. Primeiro ate os anos 80 a concepção pedagógica aplicada era a tradicional, depois a concepção tecnicista. Essas concepções 136Educação: pesquisa em linguagens, leitura e cultura estavam a serviço do estado nacional e ou das empresas. Tinha uma natureza assimilacionista e nesse processo o povo indígena teve um grande prejuízo a começar pela perda da identidade indígena, isso pelo desaparecimento físico de algumas etnias o que também ocasionou a morte cultural, ou seja, pelo abandono de práticas cultural de alguns povos indígenas, sobretudo, a negação de suas línguas indígenas. Com o advento do Movimento Indígena no Brasil a partir dos anos 85 percebe-se uma mudança relevante na Educação Escolar Indígena. Destaca-se a carta de Canauanim elaborada no estado de Roraima assegurando o Ensino Específico, Diferenciado e de Qualidade. Com o título “QUE ESCOLA TEMOS QUE ESCOLA QUEREMOS” a carta de Canauanim norteou mudanças na proposta curricular das escolas indígenas no estado de Roraima e também em todo território nacional. B: Na minha visão, nos anos 80 a educação escolar indígena nunca aconteceu. Era uma educação escravizadora sem liberdade de expressão dentro de uma sala de aula. E atualmente há uma diferença sem comparação. A educação escolar indígena conquistou um espaço através de muita luta com o privilégio principal de regaste de nossa identidade principalmente da Língua Indígena. E a expectativa hoje é no reconhecer a valorização de nossa cultura que hoje ainda não é reconhecido totalmente. Por isso o nosso dever como indíge- na é lutar para manter a liberdade no que se referem os direitos iguais. Os professores de ambas as partes expressam as mesmas ideias, as mesmas preocupações e suas expectativas é que a educação escolar indígena seja algo que traga benefícios nos ensinos da forma que o povo indígena almeja. E que há muitos tempos lutam pela melhoria por isso. Já que a questão de demarcações de terras para se trabalhar foi atendida, esperam que o trabalho na educação seja bem aplicado. C: A educação escolar indígena na década de 80 não havia nenhuma referên- cia do específico ou do diferenciado, após a aprovação e a homologação da carta magna de 88, e ressalto o que importância também da L.B.D 9394/96. Que estas leis fizeram na vida das comunidades indígenas. Antes da década de 90 a Educação Escolar Indígena não existia, não havia nada de especifico o diferenciado, o que se ensinava eram apenas os conhecimentos univer- sais o qual a grade curricular daquela época. Não havia leis estaduais que amparasse a Educação Escolar indígena. Em meados de 90 se fortaleceram as organizações, em destaque a que a organizações de professores indíge- nas de Roraima (OPIRR). Com muita reinvindicação foram surgindo leis que legalizaram a Educação Escolar Indígena nas esferas federais e estaduais, essas conquistas através de muitas discussões, reuniões e mobilizações. A melhor proposta a se fazer é a criação e implementação de um projeto político pedagógico indígena é um princípio de autonomia de/ na linha pedagógica. Sabemos que a educação escolar indígena foi ganhando forças com o apoio de mui- tos movimentos e organizações que se mantiveram presentes nas lutas por uma educação específica, diferenciada e de qualidade. Um importante documento no ano 1998 vem para orientar a educação escolar indígena, o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas-RCNEI e neste documento todo o trabalho didático e pedagógico foi desenvolvi- do para trabalhar especificamente nas escolas indígenas. No ano de 1988 a ConstituiçãoFederal assegurou direitos importantes aos povos indígenas que foi o direito à escola dife- renciada. Antes disso o que se tem é a atuação de missões religiosas, imposição da língua 137Educação: pesquisa em linguagens, leitura e cultura136Educação: pesquisa em linguagens, leitura e cultura portuguesa e a opressão que penetrava nos povos em ter que viver aquilo que o índio não era. Ver sua identidade sendo negada fez oestes povos irem à luta, e com isso fortaleceram leis que fizeram o índio alcançar cargos importantes na política, o reconhecimento as suas crenças e tradições e ainda a sua organização social e cultural. CONSIDERAÇÕES FINAIS A história da educação escolar indígena nos remete a uma história de vivências e aprendizados quando voltamos ainda no período colonial quando os índios eram remetidos a serem apenas catequizados. Com isso, percebemos que a educação até os dias atuais vive de lutas, perdas, conquistas, regressos e vitórias, já que grandes foram as lutas por políticas públicas que atendessem as expectativas dos povos indígenas, por uma educação especí- fica, diferenciada e de qualidade. Sabemos que a luta continua, pois as escolas indígenas necessitam colocar na prática tudo que está presente e que é vigente na Constituição de 1988, LDB e no RCNEI. Quanto à concepção pedagógica que norteou a educação escolar indígena o que compreendemos é que muitos enfoques a nortearam. E com isso, muitos desafios a serem vencidos como preservar a identidade cultural e étnica desses povos contemplando a valorização da diversidade linguística existente no país, estruturar o currí- culo de forma que o saber cultural e comunitário seja trabalhado na prática. Logo, para que isso seja almejado as organizações e órgãos responsáveis devem promover o diferente na educação escolar indígena. REFERÊNCIAS 1. 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