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157 Capítulo 10 Brasil, 1980: a “década perdida” Ao se analisar a economia brasileira ao longo do século XX, se tor- nam gritantes as diferenças entre os níveis de crescimento econômi- co observados nos períodos que antecedem a década de 1980 e os parâmetros de expansão econômica que ocorreram após esta referida década. Entre 1930 e 1990, o Estado brasileiro praticou uma política de defesa da indústria localizada em território nacional e, paralelamente, os mais variados governos estimularam a criação e/ou expansão de uma ampla indústria de base, como a petrolífera, a de mineração, a de aço, a química, a de energia elétrica, a de telecomunicações, entre tantas ou- tras (aeronáutica, de armas, etc.), que acabou por expandir o mercado industrial brasileiro. Além dos citados apoios à indústria, se impulsionou também a produção de soja (por meio da Embrapa), do açúcar e do ál- cool (por meio do Proálcool), o que estimulou diversos ramos da agroin- dústria brasileira e potencializou a produção de máquinas, caminhões e implementos agrícolas, entre outros setores industriais (e de serviços) a estes conexos. M aterial para uso exclusivo de aluno m atriculado em curso de Educação a Distância da Rede Senac EAD, da disciplina correspondente. Proibida a reprodução e o com partilham ento digital, sob as penas da Lei. © Editora Senac São Paulo. 158 Contexto econômico Ma te ria l p ar a us o ex cl us ivo d e al un o m at ric ul ad o em c ur so d e Ed uc aç ão a D is tâ nc ia d a Re de S en ac E AD , d a di sc ip lin a co rre sp on de nt e. P ro ib id a a re pr od uç ão e o c om pa rti lh am en to d ig ita l, s ob a s pe na s da L ei . © E di to ra S en ac S ão P au lo .Observa-se que o produto interno bruto (PIB) industrial teve um de- sempenho excepcional entre 1933 e 1980 – em média, atingiu 8,7% ao ano –, porém, caiu para parco 0,7% ao ano entre 1981 e 1999. Já o PIB agropecuário, que havia crescido em média 3,8% ao ano, recuou para 2,8% ao ano entre 1981 e 1999. Ambos caíram; no entanto, o PIB indus- trial caiu proporcionalmente muitíssimo mais. Por consequência, o PIB total brasileiro “despencou” para níveis bem inferiores ao que havia sido atingido pela economia brasileira anteriormente (SUZIGAN, 2000). A década de 1980 marca, desse modo, esse período de transição entre uma longa fase de alto crescimento para uma etapa de tímido de- sempenho da expansão da economia nacional. A variação média do PIB total brasileiro, que havia atingido 6,7% ao ano entre 1933 e 1980, caiu para modestíssimos 3% ao ano entre 1980 (inclusive) e 1989. Excluindo- se o (ainda exuberante) ano de 1980, a média ao longo dessa déca- da se mostrou ainda mais comedida: apenas 2,3%; motivo pelo qual, comparativamente, passou a ser denominada como a “década perdida” (SUZIGAN, 2000). Para se entender a economia da década de 1980, serão abordados dois aspectos: no primeiro, se contextualizará de modo abrangente as principais condicionantes externas e internas; e, no segundo, se apre- sentará para análise o fenômeno da “estagflação” e seus subprodutos, como a queda no nível de emprego, inflação e aumento das taxas de juros. 1 Década de 1980: encerramento de um ciclo Tanto pelo aspecto político quanto econômico, a década de 1980 pode ser entendida como um período de transição, desencadeada por acontecimentos marcantes ocorridos em 1979. No âmbito externo, o mundo enfrentou a segunda crise do petróleo, marcada pela Revolução Fundamentalista do Irã (fevereiro de 1979) e a posterior Guerra Irã-Iraque 159 M aterial para uso exclusivo de aluno m atriculado em curso de Educação a Distância da Rede Senac EAD, da disciplina correspondente. Proibida a reprodução e o com partilham ento digital, sob as penas da Lei. © Editora Senac São Paulo. Brasil, 1980: a “década perdida” (setembro de 1980). Em razão da crise, o barril do petróleo que, em 1978 estava em torno de US$ 51,6, subiu para US$ 104,5 em 1979; vol- tando ao mesmo nível de preço (de 1978) somente depois de 1985 (BP GLOBAL, 2017). Outro fator desestabilizador da economia global foi o aumento da taxa de juros nos Estados Unidos. Coincidência ou não, enquanto durou a fase de alta do petróleo, perdurou-se a política de valorização da mo- eda norte-americana; entre 1979 e 1985, o dólar chegou a valer 80% a mais do que valera em 1980 (TAVARES; MELIN, 1997). Se do lado norte- -americano a moeda valorizada facilitava a importação de petróleo ou a atração de capitais, do lado brasileiro a combinação desses dois fatores (aumento dos preços do petróleo e valorização do dólar) se tornava fa- tal; pois, além de importador de petróleo, o Brasil era devedor em moeda estrangeira; em um momento que os investidores preferiam se proteger buscando fazer negócios nos mercados (financeiros) estadunidenses. Acrescente-se a este panorama desolador, para a economia brasi- leira, o fator político: a eleição do, assim anunciado desde sua candida- tura, último presidente do regime civil-militar, João Baptista de Oliveira Figueiredo (15 de março de 1979 a 15 de março de 1985). Para os mili- tares no poder, o crescimento econômico e a estabilidade eram fatores que contribuíam decisivamente para a legitimidade do regime. As metas econômicas de governo tinham como parâmetros de sucesso o cres- cimento econômico obtido durante o milagre econômico (1968-1973), período que o país cresceu, em média, um pouco acima de 11% ao ano. Diante da incapacidade de debelar a crise por meio do investimen- to estatal (conforme vinha ocorrendo há décadas no Brasil), o gover- no Figueiredo se viu cercado por uma conjuntura de queda do PIB, de- semprego e inflação. Diante da inflação, os trabalhadores passaram a buscar reajustes salariais mesmo que, para isso, tivessem que recorrer às greves. Como as greves estavam proibidas pela Lei de Segurança Nacional, essa que era uma simples luta salarial se convertia em 160 Contexto econômico Ma te ria l p ar a us o ex cl us ivo d e al un o m at ric ul ad o em c ur so d e Ed uc aç ão a D is tâ nc ia d a Re de S en ac E AD , d a di sc ip lin a co rre sp on de nt e. P ro ib id a a re pr od uç ão e o c om pa rti lh am en to d ig ita l, s ob a s pe na s da L ei . © E di to ra S en ac S ão P au lo .contestação direta ao regime. Desse modo, ao lutarem contra o “arrocho salarial”, os trabalhadores inseriam em suas pautas sindicais a luta con- tra a “ditadura” – o que atraía os demais grupos sociais, descontentes com o regime, em torno dos trabalhadores. Assim, ao movimento dos trabalhadores liderados pelo Novo Sindicalismo, somaram-se diversas outras manifestações de instituições, empresariais, sindicais, de advo- gados (OAB), religiosas, defensoras da Anistia (ampla, geral e irrestrita), além de tantos outros “novos” movimentos sociais que foram surgindo espontaneamente – muitos dos quais sem vínculos partidários ou ideo- lógicos–, o que foi ampliando de modo exponencial o movimento de contestação ao regime. Resumidamente, segundo Carneiro (1990, p. 309), entre agosto de 1979 e outubro de 1980, o país experimentou sua última tentativa de ignorar a crise externa, agravada com o novo choque do petróleo e a elevação vertiginosa do custo do endivida- mento externo. A substituição do ministro da Fazenda Mário Henrique Simonsen por Antônio Delfim Netto (15 de agosto de 1979 a 15 de março de 1985) re- presentava a busca de “agora sim, um milagre econômico” (CARNEIRO, 1990, p. 309); cujo objetivo era enfrentar um novo choque do petróleo simultaneamente à elevação vertiginosa do custo de endividamento ex- terno e à inflação crescente. Não foi por acaso que o governo brasileiro, após enfrentar déficits nas transações correntes em 1980, 1981, 1982 e, posteriormente em 1983, buscou ajuda ao FMI, em novembro de 1982. NA PRÁTICA As transações correntesincluem as contas de comércio (balança co- mercial, balança de serviços e as transferências unilaterais) e o movi- mento de capitais, que constitui uma conta também chamada de conta 161 M aterial para uso exclusivo de aluno m atriculado em curso de Educação a Distância da Rede Senac EAD, da disciplina correspondente. Proibida a reprodução e o com partilham ento digital, sob as penas da Lei. © Editora Senac São Paulo. Brasil, 1980: a “década perdida” de capital. A balança comercial registra os valores das exportações e o valor das importações. A balança de serviços registra as receitas e as despesas de diversos tipos de transação, destacando-se os trans- portes, os seguros, as viagens internacionais, os royalties, a assistência técnica, os lucros e os juros (estes últimos de grande peso no balanço de pagamentos de países com grande dívida externa, como é o caso do Brasil). As transferências unilaterais registram as entradas ou as saídas de divisas decorrentes, por exemplo, do envio de recursos ao exterior para a manutenção de embaixadas e serviços consulares, de imigran- tes que mandam parte de seus salários para familiares em seus países de origem, etc. O resultado conjunto dessas contas é consolidado nas transações correntes. Se houver superávit, diz-se que o país tem supe- rávit em conta corrente, ou, no caso oposto, déficit em conta corrente. (SANDRONI, 1999; SECURATO, 2011). No âmbito interno, o país vinha enfrentando, desde a primeira crise do petróleo, três fatores econômicos que se agravaram substancial- mente a partir de 1979: inflação inercial, endividamento do Estado e re- dução do crescimento do PIB. 1.1 A inflação inercial Durante a década de 1980, discutiu-se no Brasil o fenômeno deno- minado “estagflação”, que era o resultado da combinação da ocorrên- cia de altas taxas de inflação com estagnação econômica. De acordo com diversos economistas, havia algo de particular na inflação brasilei- ra, que se expandia mesmo em momentos de recessão (1981 e 1983, por exemplo). Segundo Modiano (1990), a inflação no Brasil parecia ter propriedade específica e dinâmica própria, pois resistia a pressões de- flacionárias da recessão e do desemprego. Desde o final da década de 1970, a inflação havia apresentado dois fortes movimentos de mudança de “patamar”: o primeiro relacionado a crise do petróleo de 1979, e o segundo relacionado à maxidesvalorização 162 Contexto econômico Ma te ria l p ar a us o ex cl us ivo d e al un o m at ric ul ad o em c ur so d e Ed uc aç ão a D is tâ nc ia d a Re de S en ac E AD , d a di sc ip lin a co rre sp on de nt e. P ro ib id a a re pr od uç ão e o c om pa rti lh am en to d ig ita l, s ob a s pe na s da L ei . © E di to ra S en ac S ão P au lo .(de 30%) do cruzeiro em fevereiro de 1983. Assim, ainda que se aplicas- se uma política econômica ortodoxa, de tempos em tempos a inflação “subia”, como que inercialmente, conforme pode-se verificar no gráfico 1. Gráfico 1 – Evolução da inflação anual no Brasil (1979-1985) 200,0 250,0 52,7 99,3 95,6 104,8 164,01 215,26 242,23 300,0 0,0 50,0 100,0 150,0 19 85 19 84 19 83 19 82 19 81 19 80 19 79 Fonte: adaptado de Brasil ([s.d.]). Conforme se demonstra no gráfico, os índices sobem como se escalas- sem uma escada, ou melhor, mudassem de patamar, quase que automa- ticamente. Em 1979, a inflação estava em 52,7% ao ano. Em razão da se- gunda crise do petróleo, subiu para 99,3% em 1980. E se manteve próximo deste nível até 1982. Em 1983, voltou a subir por causa da maxidesvaloriza- ção da moeda nacional (o cruzeiro); em 1984, chegou a 215%, e em 1985, subiu mais um tanto atingindo 242% ao ano. A esse fenômeno (mudança de patamar), os economistas passaram a denominar inflação inercial. Por exemplo, em função do aumento dos preços do petróleo após à segunda crise (1979), os agentes econômicos (ou melhor, aqueles que tinham poder para fazê-lo) majoraram seus preços, o que fez com que o índice de inflação praticamente dobrasse entre 1979 e 1980. Em 1983, a “desculpa” para essa mudança de patamar foi a maxidesvalorização da moeda nacional, que tornou mais baratas (logo, competitivas) as ex- portações brasileiras, porém, ao custo de encarecer o preço dos pro- dutos importados – petróleo, inclusive. Estes novos custos, ao serem 163 M aterial para uso exclusivo de aluno m atriculado em curso de Educação a Distância da Rede Senac EAD, da disciplina correspondente. Proibida a reprodução e o com partilham ento digital, sob as penas da Lei. © Editora Senac São Paulo. Brasil, 1980: a “década perdida” repassados para os preços dos produtos internos, funcionavam como aceleradores da inflação. Segundo economistas heterodoxos, em contraposição aos ortodo- xos, o caso da inflação no Brasil de então se tratava de uma inflação autônoma ou inercial. De acordo com Bresser-Pereira (1989), existiriam ao menos três tipos de inflação: a comum, a inercial e a hiperinflação. É inercial quando se mantém em um determinado patamar. No entanto, por meio do conflito distributivo (em que cada setor busca aumentar vantajosamente seus preços), alguns poucos e poderosos agentes eco- nômicos são capazes de transferir automaticamente para os preços os aumentos de custos (efetivos ou presumidos), reproduzindo no presen- te a inflação passada. Essa indexação formal e informal da economia seria, na opinião de Bresser, o “componente inercial” da inflação. A descoberta do componente inercial na inflação, vale dizer, fora es- sencial para o desenvolvimento da nova teoria. Ficava assim explicada a persistência de altos níveis de inflação. Mas isso não significa que a teoria da inflação inercial se limitasse a explicar os fatores mantenedo- res da inflação. Ela procurava explicar também a aceleração inflacioná- ria, que seria o “estopim” da inflação inercial. Segundo Rego e Marques (2006), as ideias de Bresser-Pereira sobre inflação inercial, por exemplo, tinham origens no livro A inflação brasi- leira de Ignácio Rangel (1963), que via a inflação como uma espécie de mecanismo de defesa da economia. Enquanto na teoria convencio- nal da inflação, monetarista ou keynesiana, se supõe que ela é causada pela demanda, Rangel considerava que a causa (principal) da inflação estava relacionada a desequilíbrios da economia. O poder dos grandes monopólios (ou oligopólios) em momentos de recessão tinha maior capacidade de lutar contra as perdas de renda. Outra contribuição de Rangel se refere à relação entre moeda e inflação – para ele, a moeda desempenha um papel endógeno. Não era o aumento da quantidade da moeda que explicava a inflação, mas o aumento dela, provocado pelo 164 Contexto econômico Ma te ria l p ar a us o ex cl us ivo d e al un o m at ric ul ad o em c ur so d e Ed uc aç ão a D is tâ nc ia d a Re de S en ac E AD , d a di sc ip lin a co rre sp on de nt e. P ro ib id a a re pr od uç ão e o c om pa rti lh am en to d ig ita l, s ob a s pe na s da L ei . © E di to ra S en ac S ão P au lo .poder de monopólio e pela necessidade de reduzir as crises cíclicas, que induziam o aumento da oferta monetária. O que ainda faltava explicar era o fenômeno da estabilidade da in- flação em determinados patamares. Bresser-Pereira e Nakano (1984) começaram distinguindo quais seriam os fatores – aceleradores, man- tenedores e sancionadores da inflação. De acordo com as teorias orto- doxas, a inflação seria estimulada pelos seguintes fatores aceleradores: • para os monetaristas, a causa da aceleração da inflação estaria relacionada ao aumento na quantidade nominal da moeda acima da renda; • para os keynesianos, a inflação ocorreria pelo excesso da deman- da em relação à oferta agregada; • para os estruturalistas, a inflação se aceleraria se houvesse al- gum tipo de estrangulamentos na oferta, o que acarretaria umaonda de aumento de preços, que se propagariam para o restante da economia; • para os administrativistas, a inflação se aceleraria por causa do poder monopolista de empresas, sindicatos e do próprio governo, que eram capazes de impor choques constantes de preços, os quais, em seguida, se propagavam para o resto da economia. De acordo com Bresser-Pereira e Nakano (1984), a manutenção da inflação em determinado patamar decorreria da disputa entre os agen- tes econômicos em sua participação na renda. Como os aumentos de preços são realizados ao longo do tempo, estes repassam os aumentos de custos repetindo no presente a inflação passada – indexando infor- malmente seus preços. A inflação inercial torna-se o resultado do confli- to distributivo entre empresas, capitalistas, burocratas e trabalhadores, para manter sua participação na renda. Portanto, a inflação no Brasil possuía complicadores adicionais. 165 M aterial para uso exclusivo de aluno m atriculado em curso de Educação a Distância da Rede Senac EAD, da disciplina correspondente. Proibida a reprodução e o com partilham ento digital, sob as penas da Lei. © Editora Senac São Paulo. Brasil, 1980: a “década perdida” 1.2 O endividamento do Estado Além das condicionantes já mencionadas, somava-se o endivida- mento do Estado, que passou a caminhar próximo ao “abismo” do dé- ficit público. Nas finanças públicas, segundo Sandroni (1999), o déficit ocorre quando as despesas se tornam superiores à arrecadação. Nas contas do governo, o déficit pode ser denominado como primário (em que se inclui todas as receitas e todas as despesas do governo menos os juros) ou operacional. A diferença entre os dois é que, no segundo (operacional), se inclui as despesas com juros das dívidas interna e ex- terna do setor público. Em um cenário de forte dependência de financiamento externo, o endividamento público passa a se constituir como um entrave ao cres- cimento econômico, pois se reduzem drasticamente a capacidade de investimentos públicos ao mesmo tempo que o Estado passa a deman- dar mais contrapartida da sociedade, por meio de impostos, taxas e ta- rifas, para poder fazer frente ao cenário recessivo e para honrar seus compromissos com os credores internacionais, dos quais também pas- sam a depender para financiar e refinanciar suas dívidas. O que se observa a partir de 1981, apesar do crescimento observado (de 5 a 8%) entre 1984 e 1986, é a total impossibilidade de manutenção daquele histórico-padrão de crescimento econômico obtido nas déca- das anteriores. 1.3 A redução do PIB e suas consequências diretas Conforme pôde-se observar, os condicionantes externos, como as duas crises do petróleo, entre outros fatores já apontados, limitaram a capacidade de crescimento da economia brasileira, que havia expe- rimentado altíssimos índices de expansão do PIB, entre 1968 e 1973; e que, apesar dos pesares, havia alcançado até 1980 razoáveis perfor- mances, mesmo depois da primeira crise do petróleo. A partir de 1981, 166 Contexto econômico Ma te ria l p ar a us o ex cl us ivo d e al un o m at ric ul ad o em c ur so d e Ed uc aç ão a D is tâ nc ia d a Re de S en ac E AD , d a di sc ip lin a co rre sp on de nt e. P ro ib id a a re pr od uç ão e o c om pa rti lh am en to d ig ita l, s ob a s pe na s da L ei . © E di to ra S en ac S ão P au lo .no entanto, as estratégias nacionais pareceram se esgotar diante da elevação vertiginosa do custo do endividamento externo. Por conse- quência, os níveis de crescimento médio do PIB caíram para parco 1,7% ao ano. Gráfico 2 – Evolução do PIB no Brasil (1968-1990) - 5,0 10,0 -10,0 -5,0 15,0 19 68 19 69 19 70 19 71 19 72 19 73 19 74 19 75 19 76 19 77 19 78 19 79 19 80 19 81 19 82 19 83 19 84 19 85 19 86 19 87 19 88 19 89 19 90 Fonte: adaptado de Abreu (2014). O período de 1968 a 1973 é chamado de milagre econômico. Em 1973, o crescimento chegou ao recorde nacional de 14%. Depois dessa fase, o país seguiu crescendo em níveis consideráveis: em torno de 7% ao ano (em 1976, por exemplo, chegou a 10,3%). A interrupção dessa tendência ocorreu em 1981, por causa de uma recessão de -4,3%. Ainda que a variação do PIB tenha sido positiva (de 0,8%) em 1982, o país caiu em recessão novamente em 1983: desta vez, de -3%. Entretanto, a eco- nomia voltou a se expandir entre 1984 e 1987, em média 6,1% ao ano, mas outra vez apresentou resultado negativo em 1988 (-0,1%); atingin- do o fundo do poço em 1990, quando o PIB decresceu 4,4%. A transição democrática (1984-1985), vale destacar, ocorreu em um cenário de crescimento econômico (5,4% e 7,9%, respectivamen- te). De acordo com o regime que saía, a volta do crescimento eco- nômico era resultado direto das políticas adotadas por Delfim Netto, depois da traumática ida ao FMI em 1982. Em 1983, além das medi- das emergenciais que visavam fechar as contas de 1982 (por meio de 167 M aterial para uso exclusivo de aluno m atriculado em curso de Educação a Distância da Rede Senac EAD, da disciplina correspondente. Proibida a reprodução e o com partilham ento digital, sob as penas da Lei. © Editora Senac São Paulo. Brasil, 1980: a “década perdida” empréstimos junto ao governo norte-americano e bancos comerciais), o governo passou a implementar um programa que buscava reduzir o déficit do setor público de 6% para 3,5% do PIB, ainda que à custa de redução de investimentos das empresas estatais em 21%. O governo promoveu, ainda, o aumento das taxas de juros, além de eliminar gra- dualmente diversos subsídios agrícolas, desvalorizar a taxa de câm- bio (por meio de minidesvalorizações em relação ao dólar americano) e aumentar a produção doméstica de petróleo e seus derivados, que passaram a ser reajustados acima da inflação brasileira. A consequên- cia direta dessas ações foi a redução na taxa de crescimento da dívida externa, de curto e longo prazos, para cerca de 8% em 1983 e 7% em 1984, em comparação com a média de 14% no período 1978 a 1982 (CERQUEIRA, 1996). É fato que, a partir daí e até 1984, a política macroeconômica passou a ser pautada pela disponibilidade de financiamento externo e, pelo me- nos até abril de 1994, as autoridades monetárias brasileiras estiveram envolvidas com a renegociação da dívida externa (CERQUEIRA, 1996). No entanto, o cenário possibilitava se vislumbrar algum otimismo a par- tir de 1984 em que se combinavam: perspectiva de “fim da ditadura” e a volta do crescimento econômico. Neste ano, destacavam os jornais, o superávit da balança comercial atingiu US$ 13,1 bilhões, e a elevação dos níveis das reservas internacionais subiram para quase US$ 12 bi- lhões; um excelente resultado se comparado às reservas de 1983, que havia atingido US$ 3,1 bilhões (CERQUEIRA, 1996). No entanto, embora o cenário macroeconômico das contas externas sugerisse mudança (positiva), a inflação também voltava a subir de “pa- tamar”: de 99,7% em 1983 para 223,8% em 1984; 235,1% em 1985 (ano da transição democrática). O país entrava, assim, em uma nova “fase” inflacionária: a da hiperinflação, que ocorria simultaneamente à nova fase de redução do crescimento econômico. 168 Contexto econômico Ma te ria l p ar a us o ex cl us ivo d e al un o m at ric ul ad o em c ur so d e Ed uc aç ão a D is tâ nc ia d a Re de S en ac E AD , d a di sc ip lin a co rre sp on de nt e. P ro ib id a a re pr od uç ão e o c om pa rti lh am en to d ig ita l, s ob a s pe na s da L ei . © E di to ra S en ac S ão P au lo . 2 A estagflação e suas consequências Ao iniciar-se a presidência de José Sarney, o governo se comprome- teu a honrar os compromissos políticos do presidente eleito (por via indireta) e não empossado Tancredo de Almeida Neves (falecido em 21 de abril de 1985). Este, diferentemente das práticas econômicas reces- sivas adotadas pelo governoanterior, pregava que não se deveria pagar a dívida externa com mais sacrifício do povo, conforme discurso prepa- rado para a posse de 15 de março de 1985. Sempre que me perguntam sobre a dívida externa, repito que honraremos os compromissos que, em nome do País, foram as- sumidos pelos nossos antecessores. Mas, da mesma maneira que ninguém retirará da boca do filho o pão para entregá-lo ao credor, não iremos resgatar os nossos títulos no exterior com a fome dos brasileiros. Haveremos de encontrar, com os nossos credores, a forma justa de liquidar os débitos. Eles também sa- bem que só produziremos se dispusermos de recursos para in- vestir no interior do País. Nisso não me preocupo. Conto com a lucidez dos credores, que compreenderão o nosso direito de exi- gir prazos compatíveis e de recusar taxas escorchantes de juros (O GLOBO, 2010). Como estratégia econômica e de combate à inflação, o governo Sarney passou a adotar uma via bastante heterodoxa – por meio de congelamentos de preços sem recorrer (inicialmente) ao receituário clássico ortodoxo de política recessiva. Vale demarcar que o termo heterodoxo está relacionado a uma abor- dagem relativamente conflitante com a abordagem ortodoxa. Em linhas (bem) gerais, a ortodoxia deriva do mainstream economics, que tem base no modelo walrasiano – segundo o qual existe igualdade entre a oferta agregada e a demanda agregada. Para os ortodoxos, as falhas provocadas por qualquer tipo de in- tervenção estatal tendem a ser piores do que aquelas originárias das 169 M aterial para uso exclusivo de aluno m atriculado em curso de Educação a Distância da Rede Senac EAD, da disciplina correspondente. Proibida a reprodução e o com partilham ento digital, sob as penas da Lei. © Editora Senac São Paulo. Brasil, 1980: a “década perdida” imperfeições dos mercados. Para eles, em caso de crise, deve-se am- pliar a liberdade de mercado; a partir das alternativas apontadas pelo livre mercado é que se deve esperar as melhores alternativas para a volta à normalidade. Seguem, portanto, na linha dos fundamentos teó- ricos que contribuíram para a formulação do Consenso de Washington, na segunda metade do século XX. Lidera este conjunto de economistas, a escola monetarista (ou Escola de Chicago). Portanto, os ortodoxos pressupõem que a economia tende ao equilíbrio, à racionalidade, e se prefere o individualismo econômico à preocupação coletivista que, em geral, se espera da intervenção estatal. Rego e Marques (2006) argumentam que, historicamente, no Brasil, as correntes ortodoxas (ou, segundo eles, pragmáticas) são aquelas que se preocupam com os chamados fundamentos macroeconômicos, por acreditarem que uma vez sejam estes alcançados, os caminhos para o crescimento econômico se abrem (“naturalmente”). Já os heterodoxos são identificados por aqueles economistas que defendem abordagens que diferem da economia ortodoxa, basicamen- te pela defesa do desenvolvimentismo, pois priorizam o crescimento econômico (REGO; MARQUES, 2006). Os planos heterodoxos de estabilização, implantados na década de 1980, após a redemocratização, se caracterizam, portanto, por cer- ta descrença em relação aos diagnósticos ortodoxos. Ganham força diante da crise da dívida externa e da inflação, que resultaram na re- dução e na instabilidade das taxas de crescimento, assim como na superaceleração inflacionária. Com a posse do governo Sarney, o governo decide não assinar acor- do com o FMI que implicasse em política recessiva, o que acarretou frustração quanto à formalização dos contratos resultantes de negocia- ção (1982-1985) concluída com os credores. 170 Contexto econômico Ma te ria l p ar a us o ex cl us ivo d e al un o m at ric ul ad o em c ur so d e Ed uc aç ão a D is tâ nc ia d a Re de S en ac E AD , d a di sc ip lin a co rre sp on de nt e. P ro ib id a a re pr od uç ão e o c om pa rti lh am en to d ig ita l, s ob a s pe na s da L ei . © E di to ra S en ac S ão P au lo .No plano interno, o governo buscou reduzir a inflação lançando o Plano Cruzado que, de fato, reduziu a inflação de 235% ao ano, em 1985, para 65%, em 1986; ainda que esta retornasse à sua lógica de escalada, saltando para 415% em 1987, chegando a 1.037% em 1988; 1.783% em 1989; e 2.596% em 1990. No ano seguinte ao Plano Cruzado, com a volta da aceleração in- flacionária após a troca de ministro da Fazenda (Dilson Funaro por Bresser-Pereira, que permaneceu no cargo de fevereiro a dezembro de 1987), o país esteve em situação de moratória, em função basicamente da redução de divisas despendidas em importações necessárias para garantir o controle de preços durante o Plano Cruzado. Segundo Cerqueira (1996, p. 42), A moratória foi um recurso com o qual o governo esperava aliviar o problema de caixa. Entretanto, anunciada como um remédio para a economia acabou agravando a saúde financeira do país, criando, ainda, dificuldades no relacionamento com os credores externos. A saída do ministro Bresser-Pereira (em dezembro de 1987) e a en- trada de Maílson da Nóbrega (1988-1989) “coincide” com a retomada das negociações da dívida externa. Diante da descrença em se aplicar novo plano de estabilização heterodoxo, tendo em vista as experiências anteriores (Plano Cruzado, Cruzadinho, Plano Bresser), Maílson desen- volve uma política monetária tímida, gradual e pouco intervencionista, de orientação eminentemente ortodoxa (política, segundo ele, do “feijão com arroz”) – por considerar a inflação um problema (basicamente) de demanda. Daí o seu “receituário”: de cortar o déficit público operacional de 8% para 4% e de reter a inflação em torno de 15% ao mês, por meio da suspensão temporária dos reajustes dos salários do funcionalismo público e do adiamento dos aumentos dos preços administrados. O quadro parece se complicar ainda mais no segundo semestre de 1988 por causa do aumento da inflação que ultrapassou 24% ao mês 171 M aterial para uso exclusivo de aluno m atriculado em curso de Educação a Distância da Rede Senac EAD, da disciplina correspondente. Proibida a reprodução e o com partilham ento digital, sob as penas da Lei. © Editora Senac São Paulo. Brasil, 1980: a “década perdida” em julho, exigindo-se reajustes dos preços públicos. Acrescente-se tam- bém a entrada em vigor da nova Constituição que passou a vincular a receita a certas despesas específicas, dificultando a pretendida redução dos gastos públicos. Após tentativa de pacto social em novembro de 1988 (entre governo, empresários e trabalhadores), o governo (em seu último ano de manda- to) lançou o Plano Verão em 15 de janeiro de 1989, que era o terceiro choque econômico – novamente, com congelamento de preços e salá- rios – e a segunda reforma monetária do governo Sarney, com a qual surgia o Cruzado Novo (NCz$ 1,00 = US$ 1,00, um cruzado novo estava para um dólar americano), acrescido de ousada desindexação da eco- nomia (extinção da obrigação do tesouro nacional, OTN; e da unidade de referência de preços, URP). No entanto, a primeira experiência heterodoxa, do primeiro governo civil, não foi capaz de debelar a hiperinflação inercial brasileira, que se consolidava como mais um dos grandes problemas brasileiros da déca- da de 1980 e meados da década de 1990. Considerações finais Neste capítulo, analisamos a economia brasileira na década de 1980, período que se denomina como uma “década perdida”. E tal alcunha parece fazer sentido quando se compara a evolução do crescimento da economia nacional nesta fase a dos anos de crescimentos econômicos de períodos anteriores. A referida década aparece, assim, como um longo momento de tran- sição entre um ciclo expandido de intervenção estatal na economia, com base nos princípios da substituição de importações, para uma etapa de redução da participação econômica estatal no processo de formação do PIB do país. Se destaca também como um momento de volta da democraciadepois de vinte e um anos de regime civil-militar. 172 Contexto econômico Ma te ria l p ar a us o ex cl us ivo d e al un o m at ric ul ad o em c ur so d e Ed uc aç ão a D is tâ nc ia d a Re de S en ac E AD , d a di sc ip lin a co rre sp on de nt e. P ro ib id a a re pr od uç ão e o c om pa rti lh am en to d ig ita l, s ob a s pe na s da L ei . © E di to ra S en ac S ão P au lo .Para entender aquele fenômeno econômico, tem que se levar em consideração as condicionantes externas (econômicas) e internas (po- lítico-econômicas e sociais) que o Brasil enfrentava naquela ocasião, como a alta dos juros nos Estados Unidos, a segunda crise do petróleo, a expansão da dívida externa, a inflação inercial, o endividamento públi- co, a retomada do movimento sindical e a contestação aberta contra o “fim da ditadura” pelos novos movimentos sociais. É diante desse cenário tão adverso que os brasileiros acabaram convivendo com níveis de emprego incomuns ou com a hiperinflação (que chegou a 1.783% em 1989, e a 2.596% em 1990) – elementos que, juntos, acometeram o país a um cenário de graves tensões socioeco- nômicas que, por sua vez, acabaram por “transbordar” para a década de 1990. Referências ABREU, Marcelo de Paiva (Org.). 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