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FUNDAMENTOS DO SERVIÇO SOCIAL: SIGNIFICADO SOCIAL DA PROFISSÃO NA SOCIEDADE CAPITALISTA CAPÍTULO 7 - INTENÇÃO DE RUPTURA NO SERVIÇO SOCIAL Samya Katiane Martins Pinheiro 121 Objetivos do capítulo Ao final deste capítulo, você será capaz de: • Apreender como se deu o processo Intenção de Ruptura no Serviço Social e suas principais características históricas, teóricas e políticas. Tópicos de estudo • A vertente da Intenção de Ruptura • Conceito • Intenção de ruptura e a universidade • Cenário brasileiro no contexto da Intenção de ruptura • Bases sociopolíticas da perspectiva da intenção de ruptura • Momentos constitutivos da Intenção de Ruptura • O método Belo Horizonte • Leila Lima Santos e a elaboração da proposta metodológica de BH • Principais propostas pelo método • Crítica ao método BH • Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais: o Congresso da Virada (1979) • Principais propostas apresentadas no Congresso • A importância do congresso para o Serviço Social • Principais atores e articuladores do congresso Contextualizando o cenário A perspectiva da Intenção de Ruptura é bastante significativa para o Serviço Social brasileiro, não apenas pelo fato de ser a primeira vertente a possuir um caráter de oposição à denominada por Netto (2011) autocracia burguesa e de contraposição à perspectiva modernizadora, mas também por nenhuma de suas vertentes se aproximar tanto da universidade, quebrando com o isolamento intelectual da profissão, fato que contribuiu para o seu espraiamento que vigora até a atualidade. Pela primeira vez na história do Serviço Social brasileiro, a profissão voltou à atenção para as projeções societárias pertinentes às classes trabalhadoras, reafirmando a sua perspectiva política em oposição à Ditadura Militar sob a ótica do marxismo. Diante desses aspectos, a perspectiva da intenção de ruptura ampliou o espaço profissional e a sua autonomia? 7.1 A vertente da Intenção de Ruptura É de seu conhecimento que, a partir da década de 1960, o desenvolvimento histórico do Serviço Social no Brasil, no contexto do movimento de reconceituação da profissão, passa a assumir diferentes vertentes. Segundo Netto (2011), são elas: a perspectiva modernizadora, a perspectiva de reatualização do conservadorismo e a perspectiva da intenção de ruptura (NETTO, 2011). • • • • • • • • • • • • • • • 122 Vertentes do desenvolvimento histórico do Serviço Social no Brasil A intenção de ruptura, que iremos tratar neste capítulo, tem um traço peculiar que merece ser ressaltado, pois, diferente das demais perspectivas, esta voltou sua atenção para as classes subalternas e exploradas e buscou superar o tradicionalismo profissional a partir de uma leitura crítica das relações capitalistas e da funcionalidade do Serviço Social nesse sistema. Agora vamos discutir os principais elementos que configuraram na ruptura da profissão com o tradicionalismo no Brasil? 7.1.1 Conceito A Intenção de Ruptura é uma das vertentes do processo de Renovação do Serviço Social que se propôs a realizar a crítica ao Serviço Social tradicional nos seus aspectos teórico-metodológicos, políticos e ideológicos. Trata-se de uma vertente que possui um caráter de oposição à ordem vigente, mesmo num contexto de Ditadura Militar no Brasil. Conforme ressalta Netto (2011): [...] O fato central é que a perspectiva da intenção de ruptura, em qualquer de suas formulações, possuiu sempre um ineliminável de oposição em face da autocracia burguesa, e este tanto acaráter distinguiu – enquanto vertentes do processo de renovação do Serviço Social no Brasil – das outras correntes profissionais quanto respondeu pela referida trajetória (NETTO, 2011, p. 248). Neste sentido, um dos pontos centrais da Intenção de Ruptura é a oposição à ordem vigente. Essa perspectiva possui um caráter de oposição à autocracia burguesa e de contraposição à perspectiva modernizadora ao “(...) romper substantivamente com o tradicionalismo e suas implicações teórico-metodológicas e prático- profissionais” (NETTO, 2011, p. 250). Fonte: Fonte: © Porteador // iStock 123 Salienta-se que essa perspectiva, no final dos anos 1960, já se apresentava, ainda que timidamente. Porém, ganha emersão no âmbito universitário na primeira metade dos anos 1970, repercutindo para além do contexto acadêmico já na virada desta década, articulada à conjuntura de efervescência política e à ascensão dos movimentos sociais das classes trabalhadoras no Brasil. A vinculação da vertente de Intenção de Ruptura com a universidade é o que discutiremos a seguir. 7.1.2 Intenção de ruptura e universidade A relação com a vertente da Intenção de Ruptura com a universidade é um elemento crucial no processo de renovação da profissão. Ora, segundo Netto (2011), sua formulação inicial e de maior dimensão se deu na Escola de Serviço Social da Universidade Católica de Minas Gerais. Apesar de outras vertentes do processo de renovação da profissão também terem tido uma vinculação com a universidade, tal aproximação não se deu de forma tão precisa e imbricada como a Intenção de Ruptura. A universidade, neste contexto, dará as condições para o desenvolvimento dessa vertente, seja por meio da pesquisa, da extensão etc. Neste contexto, afirma Netto (2011), [...] o projeto de ruptura impunha-se um formidável trabalho teórico-metodológico. Tratava-se tanto da crítica aos substratos do tradicionalismo tanto da apropriação de um arcabouço diferente – e isto, recorde-se, numa profissão desprovida de acúmulo no domínio da elaboração e da investigação; [...] é mesmo na relação acadêmica de ensino, pesquisa e extensão que se localiza o topus privilegiado da sistematização da inovação e seus desdobramentos (NETTO, 2011, p. 251). Conforme já mencionado, nenhuma das vertentes do Serviço Social se aproximou tanto da universidade quanto à intenção de ruptura. Segundo Netto (2011), isso se deu por ser o espaço menos adverso que os demais para o rompimento com o tradicionalismo. Ademais, o contexto universitário para os assistentes sociais foi de fundamental relevância também no que tange à pesquisa, pois quebrou o “isolamento intelectual” do profissional em Serviço Social, viabilizando as “experiências de práticas autogeridas” (NETTO, 2011, p.251). A abertura do espaço acadêmico, que teve um protagonismo inconteste nesse processo, ampliou os quadros da profissão, tendo feito uma gama importante de multiplicadores, com oportunidades de trabalhos no corpo docente das universidades e criação de novos cursos. A perspectiva da Intenção de Ruptura dependeu também de uma liberdade democrática para avançar em seu processamento, motivo pelo qual se originou no seio da comunidade acadêmica. Para além do âmbito universitário, essa tendência apresentou um contexto também favorável, conforme veremos a seguir. ASSISTA Documentário que retrata os 70 anos da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS): "ABEPSS 70 anos", 2016. 124 7.2 Cenário brasileiro no contexto da Intenção de Ruptura A perspectiva da intenção de ruptura estava contextualizada com o processo de democratização da sociedade e do Estado brasileiro. O Serviço Social, na década de 1960, pela primeira vez voltava à atenção para as projeções societárias pertinentes às classes trabalhadoras – em meio ao processo de afirmação da classe operária e de seus aliados sob a ditadura militarizada no Brasil –, sendo estas as bases sociopolíticas da Intenção de Ruptura. Embora essa tendência tenha sido “freada” com o golpe militar e pelo conservadorismo hegemônico na profissão, a resistência ao regime ditatorial favoreceu o processo que resultou na ruptura com o Serviço Social tradicional, conforme discutiremos a seguir. 7.2.1 Bases sociopolíticas da perspectiva da Intenção de Ruptura As bases sociopolíticas da perspectiva da Intenção de Ruptura, em consonância com Netto (2011), “estavam contidas e postas na democratização e no movimento das classes exploradas e subalternas derrotadas em abril” (NETTO, 2011, p.157). Ora, no início dadécada de 1960, mais precisamente entre 1961 e 1964, pela primeira vez o Serviço Social sinaliza para o rompimento com a vertente tradicional conservadora na profissão, porém o contexto ditatorial interrompe esse processo. PAUSA PARA REFLETIR A Ditadura Militar no Brasil teve influência no processo que resultou na perspectiva de Intenção de Ruptura? 125 Fonte: © Vilu // Shutterstock Segundo Netto (2011), apenas na crise do regime ditatorial no Brasil que a perspectiva de Intenção de Ruptura ganha novos contornos, dando espaço para a interação com os movimentos das classes trabalhadoras, assim: [...] Em primeiro lugar, as grandes modificações sofridas pela sociedade brasileira durante o ciclo autocrático, definindo melhor as fronteiras e os perfis das classes sociais e adensando as ponderações das classes trabalhadoras, ampliaram largamente as bases sociopolíticas objetivas da perspectiva da intenção de ruptura. [...] Em segundo lugar, a configuração interna das representações desta perspectiva sofreu uma nítida inflexão: através da sua relação com as camadas trabalhadoras sem os constrangimentos da ordem autocrática, as efetivas condições de trabalho e existências dessas camadas impuseram uma recepção e uma elaboração intelectuais que antes não se registravam (NETTO, 2011, p. 258). Neste sentido, o caráter político da perspectiva de intenção de ruptura, explícito apenas na transição democrática, se desenvolve em oposição à ditadura e com as bases ideopolíticas contidas na democratização da sociedade e no movimento das massas, mesmo em um contexto de dilaceramento das esquerdas – segunda metade dos anos 1960 –, o que causou os contornos de partidarização (NETTO, 2011). Netto (2011) chama atenção para o termo partidarização, que, segundo ele, fazia incidir sobre a Intenção de Ruptura um viés tradicionalista da profissão. Antes, o testemunho (cristão), agora reposto sob uma nova ótica, a do , trazendo consigo a ideia de “vocação” renovada no Serviço Social com as ideias antiburguesas.militantismo 126 Contudo, é fundamental atentarmos para os momentos constitutivos da Intenção de Ruptura, conforme discutiremos a seguir. 7.2.2 Momentos constitutivos da Intenção de Ruptura Corroborando com a análise de Netto (2011), o processo que resultou na constituição (emergência e desenvolvimento) da perspectiva da intenção de ruptura se dá em três momentos: emersão, consolidação acadêmica e espraiamento sobre a categoria profissional. Momentos constitutivos da Intenção de Ruptura A emersão dessa perspectiva ganhou hegemonia na Escola de Serviço Social da Universidade Católica de Minas Gerais, onde houve a formulação do “Método Belo Horizonte”, onde se dá a explicitação original da intenção de ruptura do Serviço Social no Brasil. A primeira formulação brasileira da Intenção de Ruptura, conforme já mencionamos, foi a elaboração da crítica ESCLARECIMENTO As dimensões do fazer profissional na contemporaneidade são fundamentais e complementares entre si: a teórico-metodológica, ética-política e técnico-operativa. Quando não articuladas apresentam limites e dificuldades que precisam ser superadas: o teoricismo, o militantismo e o tecnicismo (IAMAMOTO, 2012). 127 A primeira formulação brasileira da Intenção de Ruptura, conforme já mencionamos, foi a elaboração da crítica ao tradicionalismo profissional que propôs o rompimento com este no plano teórico-metodológico, no plano da concepção, da intervenção profissional e da formação. É na sua emersão que a tendência de ruptura se aproxima com a tradição marxista (NETTO, 2011). O processo de constituição dessa alternativa, tanto no âmbito da elaboração teórica quanto no da experimentação (via extensão/estágio), foi interrompido em 1975, quando uma crise leva à demissão dos seus principais formuladores e gestores, instaurando-se circunstâncias institucionais que impedem a sua continuidade. (...) À primeira vista, parecia que a emergência da intenção de ruptura era algo episódico, marginal ao desenvolvimento do Serviço Social no Brasil e destinado a ser uma nota de rodapé num avultado compêndio da história da profissão nestas plagas. (NETTO, 2011. p.263) Mas, anos depois, em Belo Horizonte, se emerge e se configura a recuperação da intenção de ruptura, fazendo com que o projeto da perspectiva se fortaleça sobre novas bases, por vias acadêmicas e em meio a uma crise da autocracia burguesa, sendo o suficiente para a evolução da perspectiva da intenção de ruptura em outros centros universitários – São Paulo, Rio de Janeiro, Campina Grande –, enfatizando o que Netto (2011) chama de característica multiplicadora desse momento, ou seja, o espraiamento da perspectiva da intenção de ruptura envolvendo profissionais principalmente ligados à docência. Fonte: © SIphotography // iStock O momento no qual tratamos o avanço da perspectiva de intenção de ruptura são discerníveis por dois patamares. Clique nos termos para conhecê-los. Primeiro Trata-se da construção de uma análise crítica das principais propostas de renovação profissional, que se deu aproximadamente no início da década de 1980 (NETTO, 2011). Segundo Sem abandonar a análise crítica, avança para as elaborações históricas e críticas mais abrangentes que se apoiam nas teorias metodológicas colhidas em suas fontes originais, fazendo com que os assistentes sociais se utilizem das fontes clássicas da teoria social, fugindo do enviesamento que conformaram no momento de emersão da Intenção de Ruptura (NETTO, 2011). Diferentemente do processo de emersão, o momento de consolidação acadêmica da perspectiva de ruptura possui uma crítica epistemológica e ideológica e também histórica, sem abandonar a crítica ao tradicionalismo. Revelando o nível teórico-crítico alcançado pelas elaborações dos assistentes sociais vinculados à renovação no sentido do rompimento, este momento permitiu o acúmulo de forças para o momento em que a intenção de ruptura se espraia e abrange todo o conjunto da categoria profissional (NETTO, 2011). O momento de espraiamento sobre a categoria profissional se dá em uma conjuntura de transição democrática. Das continuidades e descontinuidades da intenção de ruptura, o projeto no Serviço Social remete à tradição marxista explícita ou discretamente, sendo bastante diverso de acordo com seu processo (NETTO, 2011). Para Netto (2011), as alterações que se registram configuram exatamente a relação de continuidade e mudança. Salienta-se que o momento de emersão do projeto de ruptura se aproxima da tradição marxista, principalmente 128 Netto (2011), as alterações que se registram configuram exatamente a relação de continuidade e mudança. Salienta-se que o momento de emersão do projeto de ruptura se aproxima da tradição marxista, principalmente pelo viés da militância política, com o protagonismo oposicionista de algumas camadas do período 1964-1968. Posteriormente, domina-se o marxismo acadêmico, que em seu segundo patamar prolonga a ideia de política e história como objetos práticos inelimináveis e possíveis da reflexão, passando a elaboração a socorrer-se da análise das fontes originais, com o recurso a clássicos. E o terceiro momento, no qual se desdobrou o acúmulo dos momentos anteriores e nas condições postas pelo adensamento das tendências democráticas (NETTO, 2011). Fonte: © Exdez // iStock A relação de continuidade e mudança também está relacionada à trajetória dos seus protagonistas, visto que esteve sempre em contraposição à autocracia burguesa. Como exemplo disso há a retomada da crítica ao tradicionalismo pelo trabalho em equipe de Belo Horizonte. Para Netto (2011), a maturação intelectual, profissional e política desses protagonistas são, de algum modo, a consolidação do processo dessa perspectiva, conforme discutiremos a seguir. 7.3 O método de Belo Horizonte O “método de Belo Horizonte” é considerado por Netto (2011, p.275) como uma proposta profissional alternativa ao tradicionalismo, preocupada em atender “a critérios teóricos, metodológicos e interventivos” capazes de contribuirao Serviço Social uma fundamentação teórica articulada aos interesses históricos das classes trabalhadoras. Esse “método”, além ter realizado a crítica ao tradicionalismo, possui um caráter global, trazendo uma proposta que inaugura com consistência e preocupação o projeto de rompimento com o tradicionalismo. Nesta parte de nosso estudo, discutiremos os principais elementos que conformaram o chamado “Método de Belo Horizonte”. PAUSA PARA REFLETIR A vertente da Intenção de ruptura contribuiu para uma prática profissional crítica e interventiva do serviço social brasileiro atual? 129 7.3.1 Leila Lima Santos e a proposta metodológica de BH Leila Lima dos Santos (assim como Vicente de Paula Faleiros e Ana Maria Quiroga, entre outros) é considerada umas das protagonistas do processo de constituição da perspectiva de ruptura no Brasil. Ela liderou o grupo de elaboração do “Método Belo Horizonte”, que em um contexto adverso de Ditadura Militar construiu a crítica sistematizada ao tradicionalismo na profissão. O Centro Latino-americano de Trabajo Social (CELATS) também foi um dos espaços de atuação de Leila Lima dos Santos, lugar em que esta trouxe reflexões críticas sobre a proposta de Belo Horizonte, ressaltando-as em dois planos fundamentais: “na importância atribuída à análise da dimensão prático-operativa do Serviço Social em relação à hipertrofia da sua dimensão como campo do saber e na compreensão do papel da categoria profissional como espaço para a redefinição do Serviço Social” (NETTO, 2011, p. 272). O Método BH, como também é conhecido, apesar de alguns limites e de ser autocriticado pelos próprios elaboradores, não tem sua importância menosprezada devido sua consistência e preocupação com o rompimento do lastro tradicional e conservador que por muito tempo foi hegemônico na profissão. Neste sentido, discutiremos a seguir as principais etapas propostas pelo método de BH. 7.3.2 Principais etapas propostas pelo método É inconteste nesta discussão que o “Método Belo Horizonte” traz em seu escopo a recusa das práticas tradicionalistas, fazendo não apenas uma crítica ideológica, mas também a “denúncia epistemológica e metodológica”, desenhando o “projeto profissional” de forma abrangente, “oferecendo uma pauta paradigmática dedicada a dar conta inclusive do conjunto de suportes acadêmicos para a formação dos quadros técnicos e para a intervenção do Serviço Social" (NETTO, 2011, p.277). O processo metodológico apontado por Santos (1999) trata-se de um “processo dinâmico”. Segundo a autora, o método não segue um roteiro subsequente, mas se trata de “um conjunto de procedimentos interligados e interdependentes” que, tendo por base “uma teoria científica de análise da realidade”, dará condições e orientações para “investigações e experimentações profissionais” do Serviço Social. (SANTOS, 1999, p.46). De acordo com esse pensamento, é necessária uma interligação fundamental entre teoria, método e realidade (SANTOS, 1999). Clique nos itens a seguir para conhecer as principais etapas do processo metodológico para Santos (1999). 1 º momento A aproximação I. 2 º momento Investigação significativa. 3 º momento Interpretação diagnóstica. 4 º momento A aproximação II. 5 º momento A programação. 6 º momento Execução de projetos. 7 º momento Revisão e sistematização geral. Segundo Netto (2011), entre as principais etapas propostas pelo método, primeiramente, foi elaborada a crítica ao tradicionalismo, resgatando, inclusive, o avanço da Escola de Serviço Social da Universidade Católica de Minas Gerais. Em suma, foram realizados apontamentos ideopolíticos, teórico-metodológicos e operativos-funcionais 130 Gerais. Em suma, foram realizados apontamentos ideopolíticos, teórico-metodológicos e operativos-funcionais ao tradicionalismo na profissão, conforme o quadro a seguir: Apontamentos ideopolíticos, teórico-metodológicos e operativos-funcionais ao tradicionalismo na profissão. O marco referencial no “Método de Belo Horizonte” são elementos que antecedem à prática profissional, ao lado do objeto, objetivos e definição de área. Assim, para definição do objeto é necessário um conhecimento da realidade global fornecido pelo marco de referência. Apesar da ausência de uma profundidade crítica na definição do objeto, este se define como prática social das classes trabalhadoras. Já a delimitação dos objetivos no “método de Belo Horizonte” resulta de uma interpretação da realidade e da constatação da necessidade de sua transformação, sendo o “objetivo-meta” a transformação da sociedade e a realização do homem. Obviamente que estas propostas não passaram sem as devidas críticas, conforme discutiremos a seguir. 7.3.3 Crítica ao método BH Acerca da crítica ao método BH, o que se evidenciou nas formulações foi uma ênfase no método, no qual provoca uma defasagem de referências teóricas. De fato, isso não retira a sua vital importância que busca ampliar o espaço profissional e sua autonomia para desenvolver uma prática profissional crítica e interventiva. Elencamos aqui algumas limitações apresentadas por Netto (2011) que se apresentaram no “método BH”. Uma delas trata-se do “militantismo messiânico ou heroico no marco profissional” (NETTO, 2011, p. 280), no qual atribui à profissão a transformação da sociedade e do homem. Outro fator que merece destaque se refere ao “simplismo e ao vulgarismo” de alguns fundamentos teóricos. Ora, na formulação do processo metodológico nasceu a importância e a necessidade da aplicabilidade do fazer profissional, que se deu na identificação entre método científico e método profissional, recaindo no “metodologismo”. Ademais, ocorreu o que Netto (2011) sinalizou enquanto “defasagem entre as (NETTO,referências teóricas” 2011,286). Neste sentido, o autor destaca sobre o enviesamento da tradição marxista no “método BH”: [...] as limitações do viés da tradição marxista que ela incorpora. Sem perder de vista a importância , realizada em condições nada favoráveis [...]O “marxismoteórica e metodológica dessa incorporação sem Marx” que enforma a concepção belo-horizontina, principalmente a falta de uma sustentação ontológico-dialética e na escala em que deveria conectar teoria e intervenção prático-profissional, 131 ontológico-dialética e na escala em que deveria conectar teoria e intervenção prático-profissional, vai na direção da conjunção do fatalismo mecanicista com o voluntarismo idealista [...] (NETO, 2011, p.288). Ainda que com essas limitações, é digno de nota a busca de caminhos para a superação do caráter conservador, moralista e fragmentado do fazer-profissional, questionando a consideração do indivíduo e da sociedade abstraídos das relações sociais. Fonte: © Nicku // Shutterstock Foi a perspectiva de Intenção de Ruptura que determinou o Processo de Renovação do Serviço Social no Brasil, a qual possibilitou a interlocução com o marxismo – embora que, primeiramente, essa aproximação se dê sem Marx –, depois assumindo a vertente marxista para a análise e apreensão tanto da sociedade quanto da profissão numa perspectiva de totalidade social. Outro marco fundamental da Intenção de Ruptura foi o Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, conforme discutiremos a seguir. 7.4 Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais: O Congresso Da Virada (1979) A ruptura com o conservadorismo proporcionou ao Serviço Social brasileiro a construção da hegemonia de novos referenciais teórico-metodológicos a partir da teoria social marxista. A realização do III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais ou Congresso da Virada (1979), em São Paulo nos dias 23 a 28 de setembro, promovido pelo Conselho Federal de Assistentes Sociais (CFAS), foi um marco histórico para os atuais rumos profissionais. A construção do projeto ético-político do Serviço Social e o compromisso da profissão com as classes 132 profissionais. A construção do projeto ético-político do Serviço Social e o compromisso da profissão com as classes trabalhadoras vêm sendo construído desde o final da décadade 1970. A ruptura teórica e política com o tradicionalismo, que teve como marco referencial o Congresso da Virada em 1979, foi fruto de uma luta das vanguardas do Serviço Social, que durante a década de 1980 só avançou e amarrou os compromissos do projeto profissional do Serviço Social aos interesses das classes trabalhadoras, conforme veremos a seguir. 7.4.1 Principais propostas apresentadas no Congresso O período em que ocorreu o é “emblemático por ser o tempo de florescimento dasCongresso da Virada possibilidades objetivas e subjetivas que permitiram às forças políticas do trabalho expressar suas lutas” pela democratização do país e implementação do Estado de Direito após a Ditadura Militar no Brasil, “que ceifou as mais corajosas formas de resistência e combate ao autoritarismo” (CFESS, 2009, p.1). Para entender as principais propostas apresentadas no Congresso é saliente trazer aqui esse contexto de resistência das classes trabalhadoras no Brasil, e também da crise da ditadura que assolava o país, segundo Faleiros (2009): O desgaste político do governo se acentuou com a diminuição do apoio do bloco hegemônico a essa política, com divergências entre os setores agrícola, industrial, financeiro e comercial. O governo também perdeu legitimidade com a brutalidade da repressão, inclusive à guerrilha e com a oposição de setores progressistas da Igreja Católica, com as mobilizações sociais e sindicais. Aliava-se, assim, à crise econômica uma crise política de sustentabilidade do poder e uma crise de legitimidade (FALEIROS, 2009, p.44). Esse contexto é relevante para sua compreensão, pois as principais discussões que aconteceram no chamado Congresso da Virada dizem respeito à conjuntura supracitada. Além da crise da ditadura, “as propostas de crítica ao capitalismo e de crítica à integração do serviço social no sistema capitalista e às políticas sociais dominantes e de mobilização da categoria enquanto classe trabalhadora” conformam outras propostas discutidas no Congresso (FALEIROS, 2009, p. 50). Outro marco relevante desse congresso foi o lançamento da “Revista Serviço Social e Sociedade”, que tinha como proposta (até a atualidade) trazer contribuições aos assistentes sociais brasileiros, naquele contexto, com uma premissa de que os profissionais aderissem às lutas mais gerais das classes trabalhadoras. Para melhor compreensão sugerimos leitura do CFESS Manifesta: 30 anos do Congresso da Virada, 2009. 133 Fonte: © Serkorkin // iStock Segundo Faleiros (2009), o Conselho Federal de Assistentes Sociais (CFAS), hoje denominado CFESS, se posicionou nessa primeira edição da revista reafirmando o compromisso com a democracia, com a melhoria das políticas sociais e “com uma prática social crítica em defesa dos direitos sociais e por serviços sociais públicos, com estratégias de participação, organização e cidadania” (FALEIROS, 2009, p.50) Neste sentido, não nos restam dúvidas que, em termos de discussão política e ruptura com o tradicionalismo, o referido congresso representa uma virada nos marcos e referenciais históricos e políticos da categoria, como veremos a seguir. 7.4.2 A importância do Congresso para o Serviço Social O Congresso da Virada, em 1979, fruto da luta das vanguardas do Serviço Social, tem uma inestimável importância para o Serviço Social brasileiro por ter firmado os compromissos do projeto profissional aos interesses das classes trabalhadoras. É nesse período que o projeto ético-político da profissão vem sendo construído, rompendo teórica e politicamente com o tradicionalismo. 134 Fonte: © Minoru Suzuki // Shutterstock Não se trata de uma novidade a afirmação de que a perspectiva da Intenção de Ruptura do Serviço Social brasileiro estava contextualizada com o processo de democratização da sociedade e do Estado brasileiros. Contudo, foi no cenário de abertura política e efervescência das lutas sociais, com a derrota da Ditadura Militar e a criação da Constituição de 1988, que se pode identificar no âmbito do Serviço Social a gênese da hegemonia do projeto ético político da profissão.- Uma das principais percussoras da efetiva interlocução entre a perspectiva crítica de Marx e o Serviço Social brasileiro foi na década de 1980,Marilda Villela Iamamoto no livro Relações Sociais e Serviço Social no Brasil contexto em que a profissão se debruça na construção de um projeto profissional em sintonia com os interesses das classes trabalhadoras. O marco referencial do Congresso da Virada, em 1979, demarcamos aqui como um dos momentos constitutivos da consolidação do projeto ético-político do Serviço Social, quando o a profissão passa a ter uma proposta transformadora para romper com a ordem vigente. Assim, a ruptura com o conservadorismo proporcionou à profissão a construção da hegemonia de novos referenciais teórico-metodológicos a partir da teoria social marxista. Nesta perspectiva, vamos nos debruçar a seguir sobre os principais atores e articuladores do congresso. AFIRMAÇÃO Segundo Netto, é neste trabalho que sinaliza a maioridade intelectual da perspectiva. Esta elaboração tem forte influência no meio profissional do Serviço Social brasileiro, na qual Iamamoto recorre à fonte “clássica” da tradição marxiana para a compreensão profissional do Serviço Social. 135 7.4.3 Principais atores e articuladores do congresso A ruptura do Serviço Social com o conservadorismo e com as classes dominantes ganha evidência na articulação com os movimentos organizados da classe trabalhadora, sendo estes uns dos principais articuladores, juntamente com as entidades representativas do Serviço Social, do Congresso da Virada. A organização política da categoria teve como consequência uma forte articulação com a formação, o exercício profissional e o movimento estudantil da categoria, tendo por representação no contexto do congresso da virada as entidades elencadas nos itens a seguir. Clique para ler. • Comissão Executiva Nacional de Entidades Sindicais de Assistentes Sociais (CENEAS) • Associação Nacional dos Assistentes Sociais (ANAS) • Associações Profissionais de Assistentes Sociais (APAS) e outros Sindicatos filiados a esta. Em consonância com Abramides e Cabral (2009), [...]o processo de ruptura incide sobre a objetividade dos profissionais, em sua inserção nos espaços sócio-ocupacionais da profissão, na condição de trabalhador assalariado, partícipe do trabalho coletivo socialmente combinado, que vende a sua força de trabalho como todo trabalhador. De outro lado, esse processo recai sobre a subjetividade da categoria profissional que se manifesta em sua organização político-sindical, na formação e no exercício profissional e na representação estudantil, que imprime uma direção social à profissão, expressa no compromisso com os interesses imediatos e históricos da classe trabalhadora (ABRAMIDES E CABRAL, 2009, p. 55). Tal citação se faz pertinente tendo em vista que essa relação das entidades sindicais do Serviço Social aos movimentos sociais, sindicais e populares no contexto de ascensão das lutas sociais no Brasil se transformou no “solo histórico que possibilitou as condições objetivas para o Congresso da Virada” (ABRAMIDES E CABRAL, 2009, p. 59). Neste contexto, configura-se na profissão, tanto na formação quanto no exercício profissional, um novo ethos, marcado pela forte vinculação com a luta por melhores condições de vida (na perspectiva de luta por direitos) e de trabalho, na defesa intransigente dos direitos da classe trabalhadora, e sua relação histórica com esta sob a perspectiva contrária ao sistema capitalista, e no horizonte da transformação social e emancipação humana. • • • 136 Proposta de atividade Agora é a hora de recapitular tudo o que você aprendeu neste capítulo! Elabore um mapa conceitual destacando as principais ideias abordadas ao longo do capítulo. Ao produzir você deve considerar as leituras básicas e complementares realizadas. Dica: inicie com um termo ou expressão principal. Em seguida, conecte esse termo ou expressão a palavras de ligaçãopara dar sentido ao texto. Por exemplo: O Método Belo Horizonte – é um marco referencial da - Intenção de Ruptura – (...). Recapitulando A Intenção de Ruptura enquanto uma das vertentes do processo de renovação do Serviço Social teve como proposta a crítica ao Serviço Social tradicional nos seus aspectos teórico-metodológicos, políticos e ideológicos, sendo uma vertente de oposição a ordem social vigente, mesmo num contexto de Ditadura Militar no Brasil. Vimos que a relação da Intenção de Ruptura com a universidade foi um dos elementos fundamentais no processo de renovação da profissão. Sobretudo, devido à formulação inicial e de maior dimensão da Escola de Serviço Social da Universidade Católica de Minas Gerais com o “Método de Belo Horizonte”. Enfatizamos neste estudo que a perspectiva da Intenção de Ruptura esteve contextualizada com o processo de democratização da sociedade e do Estado brasileiro. Trata-se de uma tendência que, pela primeira vez, o Serviço Social voltava à atenção para as projeções societárias pertinentes às classes trabalhadoras, em meio ao processo de afirmação da classe operária e seus aliados, sob a ditadura militarizada no Brasil, sendo essas as bases sociopolíticas da Intenção de Ruptura. Refletimos sobre a influência da Ditadura Militar no Brasil no processo que resultou na perspectiva de Intenção de Ruptura, não nos restando dúvidas que, embora essa tendência tenha sido “freada” com o golpe militar e pelo conservadorismo hegemônico na profissão, a resistência ao regime ditatorial favoreceu o processo que resultou na ruptura com o Serviço Social tradicional. Discutimos também que o processo que resultou na constituição (emergência e desenvolvimento) da perspectiva da intenção de ruptura se dá em três momentos: emersão, consolidação acadêmica e espraiamento sobre a categoria profissional. O método de Belo Horizonte, considerado enquanto uma proposta profissional alternativa ao tradicionalismo, contribuiu para o Serviço Social uma fundamentação teórica articulada aos interesses históricos das classes trabalhadoras. Neste sentido, refletimos acerca da contribuição da perspectiva de Intenção de ruptura na prática profissional crítica e interventiva do Serviço Social brasileiro na contemporaneidade atual. A proposta de BH, além ter realizado a crítica ao tradicionalismo, possuiu um caráter global. Neste sentido, analisamos o protagonismo de Leila Lima dos Santos, que foi fundamental no processo de constituição da perspectiva de ruptura no Brasil Apesar das críticas relacionadas à defasagem de referências teóricas do. método de BH, isso não retirou a sua vital importância que busca ampliar o espaço profissional e sua autonomia para desenvolver uma prática profissional crítica e interventiva. Ademais, discutimos a ruptura com o conservadorismo no Serviço Social que proporcionou a construção da hegemonia de novos referenciais teórico-metodológicos a partir da teoria social marxista, enfatizando como marco importante nesse processo a realização do III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais ou Congresso da Virada (1979), promovido pelo antigo Conselho Federal de Assistentes Sociais (CFAS), sendo este de suma relevância para os atuais rumos profissionais. 137 Referências ABRAMIDES, M. Beatriz; CABRAL, M.do Socorro. A Organização Política do Serviço Social e o Papel da CENEAS /ANAS na Virada do Serviço Social Brasileiro. In: CFESS. Conselho Federal de Serviço Social. Congresso da . Brasília: 2009.Virada: 30 anos CFESS. Conselho Federal de Serviço Social. CFESS Manifesta: 30 anos do Congresso da Virada. Brasília: 2009. Disponível em < > Acessado em 24 dez 2018.http://www.cfess.org.br/arquivos/congresso.pdf FALEIROS, V. de Paula. O Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais na Conjuntura dos Anos 70. In: CFESS. Conselho Federal de Serviço Social. . Brasília: 2009.Congresso da Virada: 30 anos IAMAMOTO, M. Villela; CARVALHO, Raul de. 39. ed. São Paulo:Relações sociais e serviço social no Brasil. Cortez, 2013. IAMAMOTO, M. Villela. 11. ed. São Paulo: Cortez, 2011.Renovação e conservadorismo no serviço social. NETTO, J. Paulo. uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64. 16. ed. São Paulo:Ditadura e Serviço Social: Cortez, 2011. SANTOS, L. Lima. 6.ed. São Paulo: Cortez, 1999.Textos de Serviço Social. 138 http://www.cfess.org.br/arquivos/congresso.pdf FUNDAMENTOS DO SERVIÇO SOCIAL: SIGNIFICADO SOCIAL DA PROFISSÃO NA SOCIEDADE CAPITALISTA CAPÍTULO 8 - O SERVIÇO SOCIAL NOS ANOS DE 1980: BASES PARA A CONSTRUÇÃO DE UM PROJETO PROFISSIONAL EMANCIPATÓRIO Flávio José Souza Silva 139 Objetivos do capítulo Ao final deste capítulo, você será capaz de: • Conhecer as bases sociais, políticas e econômicas em que se deu o início da construção do projeto Ético Político Profissional. Tópicos de estudo • Novo currículo para o Serviço Social: • O novo curriculum mínimo; • O desafio de implementar a nova proposta. • O Serviço Social deixa a epistemologia: • Superações das propostas de inspiração epistemológica; • Crítica à epistemologia. • A busca de novos caminhos para o Serviço Social dos anos 1980: • Serviço Social e projeto de sociedade emancipatório; • O debate das teorias intermediárias ou teorias da ação. • Produções teóricas do período de 1980: importante marco histórico profissional: • A obra de Marilda Vilella Iamamoto; • A proposta Maria do Carmo Brant Carvalho. Contextualizando o cenário Neste capítulo iremos nos apropriar das bases sociais, políticas e econômicas em que se deu o início da construção do projeto Ético Político Profissional do Serviço Social brasileiro. A terceira vertente do Processo de Renovação profissional, conhecida como Intenção de Ruptura com o conservadorismo, traz consigo a sintonia com o Movimento de Reconceituação latino-americano, bem como a congruência com as transformações societárias decorrentes do processo de redemocratização do Estado brasileiro na década de 1980. Neste sentido, a profissão, que surge como uma resposta conservadora para atuar sobre as expressões da “questão social”, por meio do acúmulo teórico, político e ético pode sintonizar-se com as demandas da classe trabalhadora, elaborando, assim, um projeto profissional que se torna majoritário e expressa uma direção ético-política- teórico-cultural pela classe trabalhadora. A partir dessas reflexões, nasce uma pergunta central: ao passo que o projeto de intenção de ruptura torna-se majoritário no Serviço Social brasileiro, é possível acabar com as marcas conservadoras presentes na profissão desde a sua origem? 8.1 Novo Currículo para o Serviço Social O ponto de partida, para apreensão da construção de um novo currículo para o Serviço Social brasileiro, parte principalmente das “(...) demandas históricas e políticas que lhe são postas diante dos interesses do capital, tendo também (...) a ver com a maneira como cada profissão se organizará para responder tais demandas” (CARDOSO, 2013, p. 71). Portanto, todas as profissões, assim como o Serviço Social, existem para atender e darem respostas aos interesses e às necessidades demandadas socialmente. Ao passo que as profissões se organizam para responder a essas necessidades, elaboram-se projetos profissionais que servem de projeções que orientam as profissões na • • • • • • • • • • • • • 140 a essas necessidades, elaboram-se projetos profissionais que servem de projeções que orientam as profissões na materialização das demandas que são postas às profissões. Os projetos, assim, dizem respeito às respostas que são construídas na esfera da consciência, partindo sempre da realidade concreta em que os homens e as mulheres se organizam para produzir. Logo, as condições objetivas “(...) condicionam as escolhas dos valores e meios, bem como as finalidades apontadas, tendo em relação direta com elementos presentes em nossa consciência” (CARDOSO, 2013, p. 74). Os projetos profissionais, assim, são construídos por valores ético-políticos e por opções teórico-metodológicas que estão em sintonia com projetos societários, sejaestes hegemônicos ou contra-hegemônicos. Tais valores, portanto, legitimam a constituição de uma direção social, ou seja, caminhos para objetivação desta opção por projetos societários, possuindo a finalidade da construção de um determinado modelo de sociabilidade (CARDOSO, 2013). Portanto, a construção de projetos sociais engloba as seguintes dimensões: ética, política, teórico-metodológica e jurídica. Neste sentindo, o currículo para formação profissional deve expressar a organicidade com o projeto profissional majoritário, bem como, externar a clareza da direção ético-política que a profissão construiu e optou ao longo da sua constituição na realidade brasileira. Dimensões dos projetos sociais Ao passo que trazemos essas reflexões iniciais, passamos na sequência para o debate sobre o novo currículo mínimo, focando em sua construção, tendo como início algumas reflexões sobre o cenário político da década de 1980, particularizando a realidade brasileira. 141 8.1.1 O novo Curriculum Mínimo O Serviço Social é uma profissão que nasce no bojo do reformismo conservador (IAMAMOTO, 2013), mas ao passo que partimos da apreensão que a profissão é um produto histórico, ou seja, que essa profissão é fruto de uma construção que estará inserida no movimento da história, podendo assim construir elementos para crítica de suas bases confessionais e possibilitando a constituição de um projeto profissional crítico (IAMAMOTO; CARVALHO, 2011). Clique nos ícones para conhecer como se deu esse processo histórico. • O debate em torno do currículo mínimo no Serviço Social data desde o processo de institucionalização da profissão, quando em 1953 a Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social (ABESS) lança o primeiro currículo mínimo que expressa uma formação tradicional com base na doutrina social da Igreja (IAMAMOTO, 2013). • Nesse exemplo, no primeiro currículo mínimo à formação em Serviço Social, sinalizamos o papel que o currículo deve exercer à formação profissional, no tocante à organicidade do projeto profissional que em cada momento histórico torna-se majoritário e expressa nas quatro dimensões que comportam um projeto profissional. • Diferentemente da década de 1950, quando é relatada a necessidade da construção do currículo mínimo para os cursos de Serviço Social, responsáveis por trazer homogeneidade e organicidade à formação profissional, as bases do novo currículo datam da década de 1980. • A década de 1980, para a realidade brasileira, expressa-se no momento de articulação, mobilizações e críticas ao regime ditatorial que desde a década de 1970 ganham corpo em sintonia com o momento histórico do capitalismo, marcado pela explicitação de mais uma crise do sistema capitalista, desta vez ligada à queda do preço do barril do petróleo. Fonte: © Bariskaradeniz // iStock A sociedade brasileira, assim, articula-se contra a Ditadura Militar por meio de movimentos sociais de • • • • 142 A sociedade brasileira, assim, articula-se contra a Ditadura Militar por meio de movimentos sociais de contestação ao regime que ganham força na luta pela redemocratização do Estado. As influências dessas forças democráticas expressam-se sobre o Serviço Social no que se refere ao repensar o direcionamento social da prática profissional dos assistentes sociais. Em 1982, há a construção de um novo currículo mínimo, que está em sintonia com o momento histórico vivenciado pela realidade brasileira e que traz em seu cerne a crítica ao tradicionalismo e ao conservadorismo que marca as origens da profissão. A proposta de 1982 é revista na década de 1990, no momento em que o projeto ético político profissional é amadurecido e explicitado para o conjunto da sociedade. Assim, foi a partir da realidade concreta, ou seja, do objeto da intervenção profissional, que aparecem os antagonismos presentes na sociedade da época. Os assistentes sociais viram a necessidade de elaborar um projeto profissional que possibilitasse a crítica e que apontasse a ruptura com os traços tradicionais e conservadores que marcam a origem da profissão. Neste sentido, constrói-se uma proposta de formação profissional que estivesse em sintonia com as transformações societárias da época, assim como o reconhecimento de tais transformações e suas repercussões sobre a profissão. Em 1996, a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa (antes ABESS, que se funda ao Centro de Estudos e Projetos em Educação, Cidadania e Desenvolvimento Social, CEDEPSS, e passa a ser conhecida por ABEPSS) lança as diretrizes curriculares para o curso de Serviço Social, expressando a maturidade e explicitando a direção social plasmada numa clara referência marxista (MOTA, 2016). Ao passo que se propõe uma nova proposta para formação profissional, há desafios para sua implementação, os quais iremos analisar no próximo subtópico. 8.1.2 O desafio de implementar a nova proposta A década de 1990 é o momento de explicitação da nova proposta de formação profissional, como vimos no subtópico anterior, plasmada em referencial marxista, em sua maturidade intelectual e política. Porém, um projeto profissional é uma projeção ideal de como se pretende ter em uma formação, mas que depende das condições materiais que impactam na objetivação da proposta inicial. Assim, ao analisarmos os desafios à implementação do novo projeto de formação, a qual Netto (2011) denominou de Intenção de ruptura com o conservadorismo e o tradicionalismo, devemos analisar o contexto histórico da década de 1990, marcada por um processo de contrarreforma no ensino superior público, expressando as marcas dos caminhos dos governos neoliberais da época. PAUSA PARA REFLETIR Por que a materialidade influi sobre a profissão, nesse caso, no tocante à construção de um projeto profissional? 143 Boschetti (2011) afirma que a luta pela aprovação da proposta de formação da ABEPSS no âmbito do Conselho Nacional de Educação do Ministério da Educação (CNE/MEC) e, subsequente, a sua implementação nas unidades de formação acadêmicas (UFAs), em um contexto caracterizado por uma forte contrarreforma no ensino superior público. Essa contrarreforma do ensino superior é alicerçada no tripé flexibilidade, competitividade e avaliação, sendo o norte do governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), expressando-se enquanto momento de desestruturação dessa modalidade de ensino e do seu caráter público. Como resultado, há a expansão de outras modalidades de ensino como a privada presencial e a distância. Assim sendo, o processo de contrarreforma do ensino superior, levado a cabo pelo governo FHC, estabelece as bases legais e materiais que desaguam numa desastrosa política de desestruturação do ensino superior público, que se explicita “(...) na precarização das condições de trabalho e no fortalecimento da mercantilização da educação” (BOSCHETTI, 2011, p. 29). O processo de reestruturação, decorrente do processo de contrarreforma do ensino superior, vem sido debatido pela ABEPSS desde 1999, na primeira reunião da diretoria da época, onde havia a preocupação de avaliar as repercussões desse processo e os impactos na área temática do Serviço Social. Portanto, esse debate não é inédito pela categoria e vem sendo debatido até os dias atuais em espaços políticos, como, por exemplo, o Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social (ENPESS). CURIOSIDADE O conceito de contrarreforma encontra-se melhor explicitado no livro 2º da biblioteca básica de Serviço Social, o qual traz o debate da Política Social, em seus fundamentos e história, distribuído pela Editora Cortez. PAUSA PARA REFLETIR O processo de contrarreforma do ensino superior esgotou-se na atualidade? 144 Desafios para implementação da Nova Proposta de Formação pela ABEPSS A partir de tais espaços organizativos, com prioridade aos debates da ABEPSS, há a introdução do debate crítico sobre a reforma em curso pelo Serviço Social, possibilitando a articulação em torno de temáticas de pesquisas e estratégias de intervenção em articulação com outras entidades das categorias,dos cursos de graduação e pós- graduação, na defesa de uma formação crítica, propositiva e pública. Ao passo que avaliamos os desafios para implementação dessa nova proposta de formação, em um cenário de mercantilização, privatização e desestruturação do ensino superior público no Brasil, devemos afirmar o caráter combativo e importantíssimo que ABEPSS estabeleceu (e estabelece) à implementação dessa nova proposta nas UFA’s e na resistência por uma formação crítica e propositiva, como consta na proposta inicial das Diretrizes Curriculares de 1996. 145 Fonte: © Mykyta Dolmatov // iStock Como vimos, o Serviço Social sintoniza o seu projeto de formação a partir do objeto de sua intervenção profissional, ou seja, a realidade objetiva. Mas o debate interno da profissão possibilita também o repensar desse agir profissional. Tal revisão ocorre graças à superação da epistemologia, como veremos a seguir. 8.2 O Serviço Social deixa a epistemologia O novo projeto profissional, como já argumentamos, traz consigo a sintonia com o momento histórico da década de 1980, durante o processo de redemocratização do Estado brasileiro; a sua explicitação, na década de 1990, mostra a maturidade e a interlocução com o referencial marxista e a resistência ao processo de contrarreforma do Ensino Superior iniciado nesta mesma década. Esse projeto traz para a categoria profissional, pela primeira vez, algumas preocupações não visualizadas nos outros seminários (de Araxá, Teresópolis e de Sumaré) no que tange uma noção de historicidade, classes sociais, da possibilidade de transformação da realidade, assim abrindo espaço realmente para uma crítica e, porventura, uma ruptura com o tradicionalismo e conservadorismo tão presentes na profissão desde o seu surgimento. 146 Fonte: © Bulat Silvia // iStock Tal preocupação era a possibilidade aberta para um cenário futuro por meio da superação da epistemologia de base positivista e fenomenológica, que estavam preocupadas em despolitizar, sobretudo, as expressões da “questão social”. Neste sentindo, iremos analisar como essas superações foram sendo constituídas. A seguir, falaremos sobre as superações das propostas de inspiração epistemológica. 8.2.1 Superações das Propostas de Inspiração epistemológica Para que fosse possível que o Serviço Social pudesse construir uma nova proposta de formação e agir profissional que estivesse em sintonia com o momento histórico que a sociedade brasileira estava vivenciando na década de 1980, seria necessário que no interior da profissão fossem articuladas as bases para essa nova proposta, só sendo possível por meio da superação das propostas de inspiração epistemológicas, como o caso do positivismo e da fenomenologia. O processo de renovação profissional do Serviço Social no Brasil trouxe, nas afirmações de Cardoso (2013), esses dois projetos profissionais que são diferentes para com o trato das expressões da “questão social”, mas que estão em sintonia com o pensamento conservador que marca as origens da profissão. Clique nos termos a seguir e conheça os dois tipos de epistemologia incorporados pelo Serviço Social no Brasil. Epistemologia Positivista A incorporação da epistemologia positivista pelo Serviço Social na década de 1960, como a primeira vertente do processo de renovação, apontava à modernização do tradicionalismo e conservadorismo na profissão desde então (NETTO, 2011). Sua marca principal, segundo Cardoso (2013), seria a necessidade de pensar tecnicamente e cientificamente o exercício profissional, que, para Netto (2011), expressava o superdimensionamento da dimensão da prática profissional. Características Essa epistemologia expressa à profissão nenhum avanço na apreensão das expressões da ESCLARECIMENTO Epistemologia significa a ciência do conhecimento, ou seja, o estudo científico relacionado aos problemas com as crenças e o conhecimento, sua natureza e suas limitações. 147 prática profissional. Características d a Epistemologia Positivista Essa epistemologia expressa à profissão nenhum avanço na apreensão das expressões da “questão social”, ainda apreendida como algo da dimensão moral e ética, mas que se buscava, por meio da prática profissional, a harmonização dessas relações. Esse projeto mostrava a sua vinculação ao momento histórico brasileiro, marcado pelo período ditatorial. Fenomenologia A segunda epistemologia que é incorporada pelo Serviço Social brasileiro no processo de Renovação profissional é a fenomenologia. Essa, para Netto (2011), abre espaço para um processo que o autor intitulou de reatualização do conservadorismo. Características d a Fenomenologia Essa epistemologia expressa para o Serviço Social a necessidade da busca pela explicação das expressões da “questão social” por meio das noções individualizadas e subjetivas dos clientes. Cabendo ao profissional, portanto, buscar a compreensão a partir das percepções do sujeito sobre os problemas vivenciados, psicologizando, assim, as relações sociais (IAMAMOTO, 2013). Acompanhe, a seguir, a representação gráfica dessas propostas. Propostas epistemológicas no Brasil. Assim, é a partir da superação dessas propostas, que apontam para a naturalização da “questão social”, que o Serviço Social pôde construir as bases para uma nova proposta de formação profissional que sintonizasse com as exigências postas pelo momento histórico da sociedade brasileira. No próximo momento, iremos trabalhar com a crítica à epistemologia positivista e fenomenológica. 148 8.2.2 Crítica à epistemologia Como visto no subtópico anterior, a incorporação das epistemologias positivista e fenomenológica expressou à profissão as bases teóricas em duas vertentes distintas do processo de renovação profissional do Serviço Social brasileiro. Ambas vertentes, segundo Cardoso (2013), explicitavam duas orientações distintas do pensamento conservador e do tradicionalismo que marcam as origens da profissão. Neste sentido, a crítica feita à incorporação das epistemologias positivista e fenomenológica pelo Serviço Social assenta-se, sobretudo, na crítica ao tradicionalismo e ao conservadorismo, as quais essas vertentes do processo de Renovação são expressões. A epistemologia positivista postulava a noção de harmonia social, como era posta pelas ciências naturais, com marcante presença do estruturalismo. Assim, para essa vertente, construiu-se a noção de diagnóstico e de problema social, cabendo ao profissional diagnosticar esse problema e buscar a solução que visasse à harmonização social (NETTO, 2011). Conheça mais sobre as críticas feitas à epistemologia clicando a seguir. • Crítica à epistemologia positivista A crítica à epistemologia positivista alicerçava-se na despolitização da “questão social”, já que, para essa vertente, esta seria entendida como algo de cunho individualizado, onde o sujeito era responsável por estar em uma situação de problema social e acreditava-se que a prática profissional deveria proporcional a solução e, consequentemente, a harmonização social. Portanto, o pressuposto que sustentava essa apreensão do positivismo partia de um entendimento que a sociedade era um grande organismo social e, para que este organismo funcionasse bem, seria necessário buscar a harmonia social. Ao passo que seria possível diagnosticar a situação problema, buscar-se-ia “a cura” desse problema, com vista de volta à harmonia social. • Crítica à epistemologia fenomenológica A epistemologia fenomenológica, no entanto, buscava as explicações das expressões da “questão social” por meio das percepções individualizadas e subjetivas dos sujeitos. Assim, para essa vertente, a prática profissional deveria buscar ouvir as percepções do cliente sobre os problemas que o assolava, sendo de responsabilidade do profissional interpretar a verdade a partir do relato do cliente (NETTO, 2011). Para Iamamoto (2013), a epistemologia fenomenológica conduzia a profissão à psicologização das relações sociais, reatualizando práticas que estavam presentes no início da profissão. Neste sentindo, paraessa vertente, a “questão social” era tratada numa dimensão psicológica, naturalizando e esvaziando o caráter político da “questão social”, sendo, assim, funcional à ordem social. Ao passo que no interior do Serviço Social elaborava-se as críticas à incorporação desses referenciais epistemológicos, abre-se a busca por novos caminhos para o Serviço Social brasileiro, sobretudo, nos anos de 1980. Assim, no próximo tópico, iremos analisar tais caminhos. • • 149 8.3 A busca de novos caminhos para o Serviço Social dos anos 1980 Como já afirmamos, a crítica aos referenciais epistemológicos (seja positivista ou fenomenológica) estavam associadas ao tradicionalismo e ao conservadorismo que marcam as origens da profissão no tocante à naturalização da “questão social”. Também afirmamos que foi a partir do real, ou seja, do objeto de intervenção profissional, que o Serviço Social foi impulsionado a buscar novos caminhos para o seu agir profissional. Neste sentido, o momento histórico da década de 1980 infere ao Serviço Social determinações importantes para se repensar e à busca de novos referenciais teóricos. Com a reinserção da classe operária na arena política, como expressão do enfraquecimento do regime ditatorial, houve a possibilidade da construção de frentes que se articulavam em torno da redemocratização do Estado brasileiro. Fonte: © Eugeneivanov // iStock É essa conjuntura de luta antiditatorial que impulsiona o Serviço Social para sintonizar-se com um projeto de sociedade que aponte para um horizonte emancipatório, resgatando o espírito do Movimento de Reconceituação Latino-americano, sendo este calcado em referenciais claramente progressistas. Iremos, neste sentido, explorar melhor tal afirmação a seguir. 8.3.1 Serviço Social e projeto de sociedade emancipatório As marcas da origem do Serviço Social são notadamente associadas ao projeto conservador. Ao passo que a profissão fora constituindo-se e amadurecendo, foi possível construir elementos para a crítica desse projeto e associar o seu projeto de formação profissional para um projeto maior de sociedade, sendo esse emancipador e em sintonia com as necessidades da classe trabalhadora. Como já mencionamos, no momento em que trazemos a crítica aos pressupostos epistemológicos, o projeto conservador e as duas vertentes que se expressam no processo de Renovação do Serviço Social tencionam para a conservação das relações sociais capitalistas, bem como à manutenção da ordem social. O cerne do projeto emancipador estava perceptível no Movimento de Reconceituação do Serviço Social latino- 150 O cerne do projeto emancipador estava perceptível no Movimento de Reconceituação do Serviço Social latino- americano, mas que fora, como já sabemos, suspenso pelo contexto ditatorial da realidade brasileira. Esse projeto, assim, apontava para a necessidade de ruptura com essa ordem social e para a construção de uma nova sociabilidade, pautada em saciar as necessidades humanas. Processo de renovação no Serviço Social brasileiro. O Serviço Social brasileiro só pode resgatar tal referência em um contexto de abertura democrática, tendo em vista, como já sinalizado, a suspensão da liberdade de cátedra que um regime ditatorial expressa à sociedade. Mas também, para a profissão, a interlocução com o referencial marxista também possibilitou a construção e a sintonização com esse projeto (NETTO, 2011; CARDOSO, 2013). Estamos falando, assim, da construção da terceira vertente do processo de Renovação Profissional, intitulada por Netto (2011) de Intenção de Ruptura, que marca um momento de constituição de um Serviço Social crítico, sendo esse herdeiro direto do Movimento de Reconceituação Latino-americano. Comprometido em suas bases com as demandas da classe trabalhadora e reconhecendo os assistentes sociais enquanto pertencentes a esta mesma classe social. Fonte: © Klibbor // iStock Ao passo que a profissão constrói as bases de um novo projeto profissional, preocupa-se em debater teorias que pudessem instrumentalizar o fazer profissional. Assim, surge o debate em torno das teorias intermediárias ou de ação, como veremos a seguir. 151 8.3.2 O debate das teorias intermediárias ou teorias da ação O momento de emersão da perspectiva de intenção de ruptura, notadamente, está associado aos trabalhos efetivados pelos docentes da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG), preocupados em articular um projeto de formação alternativa às práticas tradicionais e conservadoras. Fonte: © Flavijus // iStock Assim, essa proposta apontava à construção de uma abordagem para o Serviço Social coletiva e mobilizadora, que incentivasse a organização social e que atendesse as reivindicações e as necessidades sociais da classe trabalhadora (NETTO, 2011). Portanto, no momento de emersão dessa perspectiva, inicia-se um debate em torno dos seus primeiros formuladores e de teorias que pudessem vincular à prática propositiva e interventiva. Clique e acompanhe os principais pontos deste debate. Equívocos t e ó r i c o - metodológicos Nesse primeiro momento, Netto (2011) irá nos alertar das particularidades que esse processo se deu. Entre elas, a leitura enviesada da obra marxiana por meio de interpretes muito questionáveis. Abrindo, assim, uma série de equívocos teórico-metodológicos que apontavam ora para o messianismo ora para o fatalismo, como o autor expressa, principalmente na obra de Louis Althusser e de Marta Harneck. Fragilidade Como estamos falando de um processo, ou seja, de uma construção sócio-histórica-política- cultural de uma categoria profissional, nesse primeiro momento ele é marcado por essa fragilidade na apreensão das fontes originais, mas é extremamente significante pela sua coragem de se opor ao tradicionalismo e ao conservadorismo que marcam a profissão até então. O momento de consolidação dessa vertente, segundo Netto (2011), se dá no espaço acadêmico e é expresso pelas produções teóricas que são publicadas na década de 1980. Assim, iremos trabalhar algumas delas no próximo subtópico. 152 8.4 Produções teóricas do período de 1980: importante marco histórico profissional As produções teóricas que são explicitadas na década de 1980 denotam o momento de consolidação intelectual e acadêmica do projeto profissional de intenção de ruptura (NETTO, 2011). Segundo o mesmo autor, após o momento de emersão desta perspectiva, na experiência denominada de Método BH, a importância desse momento é um marco histórico para o espraiamento desta vertente sobre o conjunto dos profissionais. Esse momento é caracterizado por Netto (2011) como uma fase em que essa consolidação se dará sobre a leitura das obras originais do pensamento e da tradição marxista, possibilitando a interlocução qualificada com esses referenciais. Expressando-se, assim, no abandono de análises meramente analíticas sobre real, apontando para apreensões crítico-históricas. A partir de tal interlocução, indo a leitura dos autores clássicos da teoria social, sobretudo, do pensamento marxista, houve a possibilidade de pensar criticamente a instituição do próprio Serviço Social enquanto uma especialização do trabalho coletivo (IAMAMOTO; CARVALHO, 2011). Neste sentido, para o autor, o momento de consolidação dessa perspectiva no âmbito acadêmico é de suma importância para que ela consiga adesão e espraiar-se pela categoria profissional. Neste sentido, iremos analisar no próximo subtópico a obra que consegue resgatar e expressar tal maturidade. 8.4.1 A obra de Marilda Villela Iamamoto A obra de Marilda Villela Iamamoto é um marco histórico de explicitação da maturidade da interlocução com o referencial marxista. A base da interpretação da autora é a produção (apreendida pela autora como produção que também é reprodução) das relações sociais capitalistas. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: um esboço de uma interpretação histórico-metodológica, escrito em parceria com Raul de Carvalho, marca, segundo Netto (2011), o momento de maioridade intelectual do projeto de Intençãode Ruptura, sendo uma obra pioneira que se preocupa a ir às fontes do pensamento marxista, preocupando-se em situar a profissão enquanto produto histórico, inserida na totalidade das relações sociais capitalistas (IAMAMOTO; CARVALHO, 2011). Assim, para Netto (2011), essa obra é o coroamento da intenção de ruptura e que consegue ter grande adesão, sobretudo, no âmbito acadêmico do Serviço Social. O esforço intelectual da autora para apreender a profissão vinculada ao movimento da história, superando compreensões idealistas em torno da emersão da profissão na realidade brasileira, é um marco significativo dessa obra. Portanto, a elaboração teórica da autora busca apanhar o significado sócio-histórico da profissão. Assim, ela mostra que a origem da profissão está associada à uma resposta conservadora do Estado e da burguesia às expressões da “questão social”. Por fim, iremos analisar outra produção teórica da década de 1980, a proposta da professora Maria do Carmo Brant Carvalho. 8.4.2 A proposta Maria do Carmo Brant Carvalho O marco do processo de Intenção de Ruptura rompe com as apreensões conservadoras pela produção de conhecimento no Serviço Social que concebiam as políticas sociais como benesse do Estado, eliminando assim o seu caráter político. 153 Fonte: © Estudio Maia // Shutterstock A proposta da professora Maria do Carmo, assim, colocava na arena política essa dimensão das políticas sociais. O debate, portanto, estaria para afirmação da apreensão da política social enquanto um direito social e na construção da cultura da seguridade social no nosso país, que engloba, segundo a Constituição Federal de 1988, o tripé Assistência Social, Saúde e Previdência Social. Proposta de atividade Agora é a hora de recapitular tudo o que você aprendeu neste capítulo! Elabore um mapa conceitual destacando as principais ideias abordadas ao longo do capítulo, preocupando-se em sinalizar os principais marcos para elaboração do novo projeto de formação profissional. Ao produzir seu mapa conceitual, considere as leituras básicas e complementares realizadas, assim como atente-se aos períodos históricos, bem como às particularidades históricas para formulação do novo currículo, que expressa o novo projeto de formação. Dicas: Inicie a construção do seu mapa conceitual por meio do objeto de intervenção profissional, a realidade em que o Brasil estava vivenciando na década de 1980; logo após, preocupe-se em apreender quais as construções que a profissão vinha fazendo em seu interior e a vinculação desse processo a uma vertente do processo de renovação profissional. 154 Recapitulando Neste capítulo buscamos trazer as bases sócio-históricas-políticas-culturais que deram sustentação à nova proposta de formação profissional. Ao introduzirmos esse debate, partimos do pressuposto do Serviço Social enquanto um produto histórico que é demandado a responder questões que estão presentes no real, sendo esse o objeto de intervenção profissional. O projeto de Intenção de Ruptura, assim, expressa a luta no interior da profissão contra o tradicionalismo e conservadorismo que rebaixam a profissão ao atendimento das demandas a partir dos ditames da burguesia e do capitalismo. Ao passo que a profissão constrói um projeto profissional que possibilita a crítica às marcas conservadoras e tradicionais da profissão, estas não deixam de estar presentes até os dias atuais. Assim, o projeto de ruptura convive com o tradicionalismo e conservadorismo na profissão e na sociedade e, em momentos sociais específicos, apresentam-se de forma mais evidentes ou mais “sufocados”. Portanto, para a categoria profissional, a luta é constante contra os retrocessos no interior do Serviço Social. Referências BOSCHETTI, Ivanete. Desafios e Atuação da ABEPSS no contexto da “reforma” do ensino superior no final dos anos 1990: gestão 1998-2000. , Brasilia (DF), ano 11, n. 22, p.27-42, jul./dez. 2011.In: Revista Temporalis CARDOSO, P. F. Gonçalves. : os diferentes caminhos do Serviço Social no Brasil. 1. Ética e Projetos Profissionais ed. Campinas, SP: Papel Social, 2013. IAMAMOTO, M. Villela. ensaios críticos. 13. ed. São Paulo:Renovação e Conservadorismo no Serviço Social: Cortez, 2013. IAMAMOTO, M. Villela; CARVALHO, Raul. um esboço de umaRelações Sociais e Serviço Social no Brasil: interpretação histórico-metodológica. 35. ed. São Paulo: Cortez, 2011. NETTO, J. Paulo. uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64. 16. ed. São Paulo:Ditadura e Serviço Social: Cortez, 2011. 155 FSSSSPSC_C0 FSSSSPSC_C01 Objetivos do capítulo Compreenda seu livro: Percurso Boxes Apresentação da disciplina A autoria Samya Katiane Martins Pinheiro Flávio José Souza Silva Objetivos do capítulo Tópicos de estudo Contextualizando o cenário 1.1 Serviço social e a crítica às práticas assistencialistas 1.1.1 Ferramentas de ajuste social 1.1.2 O assistencialismo no lugar dos direitos sociais 1.2 As relações sociais como objeto profissional do assistente social e os novos atores sociais 1.2.1 Partidos políticos e as correlações de forças Revolução Cubana Governo João Goulart 1.2.2 Lutas sindicais e causas operárias 1.2.3 Movimento Sociais 1.3 Crise do Serviço Social “tradicional” na América Latina 1.3.1 Crise dos pactos políticos do pós-guerra Vetor 1 Vetor 2 Vetor 3 1.3.2 Novos protagonistas sócio-políticos 1.4 A crise do Serviço Social “tradicional” no Brasil 1.4.1 A erosão do Serviço Social tradicional 1.4.2 Processo de desenvolvimentismo e a polarização no interior da categoria profissional Proposta de atividade Recapitulando Referências FSSSSPSC_C02 Objetivos do capítulo Tópicos de estudo Contextualizando o cenário 2.1 Contexto histórico na América Latina e as influências no Serviço Social 2.1.1 Estados Unidos e a ditadura militar na América Latina 2.1.2 Ditaduras latino-americanas 2.1.3 Impactos da ditadura no Serviço Social 2.2 Contexto social, político e econômico no Brasil dos anos 1960 2.2.1 1956-1961 – Juscelino Kubitschek 2.2.2 1961 – Jânio Quadros 2.2.3 1961-1964 – João Goulart 2.2.4 1964 – Golpe Militar 2.3 Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais (CBCISS) 2.3.1 CBCISS e Movimento de Reconceituação 1ª Vertente 2ª Vertente 3ª Vertente 2.3.2 Desenvolvimentismo e o CBCISS 2.3.3 Estruturalismo e CBCISS 2.4 Serviço Social e Reconceituação 2.4.1 Por que reconceituar? 2.4.2 Embates entre a categoria profissional Proposta de Atividade Recapitulando Referências FSSSSPSC_C03 Objetivos do capítulo Tópicos de estudo Contextualizando o cenário 3.1 Primeiro Seminário Regional Latino-americano de Serviço Social – Porto Alegre (1965) 3.1.1 Principais propostas 3.1.2 O retorno às referências teórico-metodológicas do pensamento estrutural-funcionalista 3.2 Encontros de Araxá (1967) 3.2.1 A perspectiva modernizadora 3.2.2 Síntese do documento de Araxá 3.3 Encontro de Teresópolis (1970) 3.3.1 Cristalização da perspectiva modernizadora 3.3.2 O documento de Teresópolis 3.4 Encontro de Sumaré (1978) e Alto da Boa Vista (1984) 3.4.1 Deslocamento da perspectiva modernizadora 3.4.2 Principais pontos dos documentos Proposta de atividade Recapitulando Referências FSSSSPSC_C04 Objetivos do capítulo Tópicos de estudo Contextualizando o cenário 4.1 O pensamento filosófico da fenomenologia e a influência sobre o Serviço Social 4.1.1 Fenomenologia de Edmund Husserl e Martin Heidegger 4.1.2 Rebatimento da filosofia fenomenológica sobre o Serviço Social 4.2 Serviço Social e os principais conceitos da fenomenologia 4.2.1 O processo da consciência: "epoché” 4.2.2 Noesis e Noema 4.2.3 “Redução eidética” ou redução à ideia 4.2.4 Aplicação dos conceitos fenomenológicos em uma proposta de atuação para o Serviço Social. 4.3 Autodeterminação como princípio do agir profissional em Serviço Social 4.3.1 Autodeterminação pela necessidade humana 4.3.2 Autodeterminação como conceito a ser aplicado pelo Serviço Social 4.3.3 Autodeterminação como valor humano 4.4Inspirações fenomenológicas 4.4.1 O diálogo como proposta de ação para o Serviço Social 4.4.2 Conscientização e intencionalidade: estratégias para o agir profissional Proposta de Atividade Recapitulando Referências FSSSSPSC_C05 Objetivos do capítulo Tópicos de estudo Contextualizando o cenário 5.1 Principais ideias da fenomenologia relacionadas ao Serviço Social 5.1.1 Método Compreensivo 5.1.2 Atitude fenomenológica 5.1.3 Posicionamento fenomenológico no Serviço Social 5.2 Formulação de uma “nova proposta” ao Serviço Social 5.2.1 A influência de Creusa Capalbo na construção da proposta 5.2.2 A contribuição de Anna Augusta de Almeida 5.3 A “nova roupagem” do conservadorismo no Serviço Social 5.3.1 O recurso da fenomenologia segundo José Paulo Netto 5.3.2 Centralização na dinâmica individual 5.3.3 Crítica à fenomenologia construída pelos profissionais de Serviço Social 5.4 Proposta de metodologia fenomenológica para atuação do assistente social 5.4.1 A situação existência problematizada (SEP) 5.4.2 A pessoa cliente 5.4.3 O retorno reflexivo Proposta de atividade Recapitulando Referências FSSSSPSC_C06 Objetivos do capítulo Tópicos de estudo Contextualizando o cenário 6.1 A base de sustentação teórico-metodológica da teoria social crítica 6.1.1 Filósofo Karl Marx e o Serviço Social 6.1.2 Principais obras do filósofo Karl Marx e as contribuições para o Serviço Social 6.2 O Serviço Social e os principais conceitos da teoria de Karl Marx 6.2.1 As classes em luta e o trabalho do assistente social 6.2.2 Noções básicas de economia política: embasamento teórico para o assistente social 6.3 O Serviço Social e os principais conceitos do Materialismo Histórico 6.3.1 As relações sociais e o determinismo econômico 6.3.2 Teoria do ser social aplicada ao Serviço Social 6.4 Método crítico dialético: saber imprescindível para o agir profissional 6.4.1 O movimento eterno da matéria 6.4.2 As relações de contradição A contradição A produção capitalista As crises 6.4.3 A superação da aparência e a busca da essência 6.4.4 O movimento espiral e a mudança por superação Proposta de Atividade Recapitulando Referências FSSSSPSC_C07 Objetivos do capítulo Tópicos de estudo Contextualizando o cenário 7.1 A vertente da Intenção de Ruptura 7.1.1 Conceito 7.1.2 Intenção de ruptura e universidade 7.2 Cenário brasileiro no contexto da Intenção de Ruptura 7.2.1 Bases sociopolíticas da perspectiva da Intenção de Ruptura 7.2.2 Momentos constitutivos da Intenção de Ruptura 7.3 O método de Belo Horizonte 7.3.1 Leila Lima Santos e a proposta metodológica de BH 7.3.2 Principais etapas propostas pelo método 7.3.3 Crítica ao método BH 7.4 Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais: O Congresso Da Virada (1979) 7.4.1 Principais propostas apresentadas no Congresso 7.4.2 A importância do Congresso para o Serviço Social 7.4.3 Principais atores e articuladores do congresso Proposta de atividade Recapitulando Referências FSSSSPSC_C08 Objetivos do capítulo Tópicos de estudo Contextualizando o cenário 8.1 Novo Currículo para o Serviço Social 8.1.1 O novo Curriculum Mínimo 8.1.2 O desafio de implementar a nova proposta 8.2 O Serviço Social deixa a epistemologia 8.2.1 Superações das Propostas de Inspiração epistemológica 8.2.2 Crítica à epistemologia Crítica à epistemologia positivista Crítica à epistemologia fenomenológica 8.3 A busca de novos caminhos para o Serviço Social dos anos 1980 8.3.1 Serviço Social e projeto de sociedade emancipatório 8.3.2 O debate das teorias intermediárias ou teorias da ação 8.4 Produções teóricas do período de 1980: importante marco histórico profissional 8.4.1 A obra de Marilda Villela Iamamoto 8.4.2 A proposta Maria do Carmo Brant Carvalho Proposta de atividade Recapitulando Referências Blank Page Blank Page Blank Page Blank Page Blank Page Blank Page Blank Page
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