@import url(https://fonts.googleapis.com/css?family=Source+Sans+Pro:300,400,600,700&display=swap); A violência doméstica física.Naquele Tempo (...) Eu me lembro do tempo das mangas. Eu estava lá, debaixo da mangueira, com o canivete do meu avô. E aí chegou meu irmão, assim como quem não quer nada, mas de olho em mim. Jogou uma pedra para cima, acertou uma manga e ela caiu e ele pegou e me disse: \u201cMe dá o canivete\u201d. Eu disse: \u201cnão\u201d. \u201cMe dá o canivete\u201d, disse ele outra vez. \u201cSó se for na sua barriga\u201d, eu disse então. Meu irmão ficou ali andando, de vez em quando me olhava de lado e repetia sempre: \u201cMe dá o canivete\u201d. Eu disse: \u201cSe eu der você corta o dedo\u201d. \u201cNão corto\u201d, respondeu meu irmão. \u201cCorta sim\u201d, eu insisti, \u201c... e depois quem apanha sou eu\u201d. \u201cNão dou\u201d. \u201cMe dá o canivete\u201d, ele dizia sem parar, \u201c... me dá senão eu tomo\u201d. \u201cEntão toma\u201d, eu disse, \u201cvem tomar, vem\u201d. E ele veio. Avançou em mim, unhou meu rosto, me deu um chute na perna, cuspiu na minha cara, gritou e berrou chamando meu avô: \u201cvenha ver, vovô, venha ver com quem está seu canivete\u201d. Eu via tudo vermelho, o caldo da manga escorrendo pela minha boca, vermelho como sangue, e o ódio crescendo dentro de mim como veneno. Nosso avô gritou lá de dentro: \u201cQue é isso, diabos, o que está acontecendo, filhos do capeta... Vê aí, mulher, seus filhos estão se matando\u201d. Meu pai correu. Com a correria deixei cair o canivete e pensei: \u201cnão, não vou correr outra vez, não vou fugir\u201d. Meu irmão começou a gritar de dor, enquanto meu pai batia e eu fiquei olhando, com as pernas trêmulas e os olhos arregalados, esperando a minha vez. Quando ele começou a bater em mim, eu mordi os dedos sem dar um grito, e meu pai dizia: \u201cChora, seu vagabundo, chora\u201d. Mas eu não chorava, e como eu não chorava, ele batia mais e foi batendo primeiro com a correia, depois com as mãos e depois com os pés, gritando: \u201cChora seu condenado, chora filho do capeta\u201d. Meu irmão fugiu correndo e minha mãe chegou também gritando: \u201cPara com isso, você vai matar o menino\u201d. \u201cCala a boca, sua égua, disse meu pai todo vermelho... Chora seu vagabundo\u201d. Mas eu não chorei. Nem que ele me matasse, nem que ele me arrancasse os braços e as pernas, nem que ele me abrisse a barriga para ver as tripas, nem que ele me enfiasse pela terra adentro, ninguém ia me ver chorando, e quando meu avô chegou também correndo para segurar meu pais, eu fiquei ali no canto gemendo, com os dedos na boca e morrendo de dor, mas chorar não chorei. Porque eu chorava por dentro. Por dentro eu chorava lágrimas frias e muitas, pois eu queria chorar um século se preciso, mas não ali naquela hora, diante daquele homem que dizia ser meu pai. Eu sentia amargura, dor e ódio \u2013 ódio por meu pai, por minha mãe, por meu avô, por meu irmão, por mim mesmo \u2013 ódio, só ódio, um ódio que tinha gosto amargo e duro e que me fechava o peito, calava minha voz, me sufocava e me dava vontade de morrer... Naquele tempo eu tinha cinco anos. O trecho acima foi escrito por Luiz Fernando Emediato para o livro de Fany Abramovich, O Mito da Infância Feliz. Apesar de parecer uma história de ficção não foi. Esse trecho ilustra uma situação de violência doméstica pela qual o autor passou quando tinha apenas cinco anos de idade. Foi destacado no início deste texto apenas para ser usado como exemplo de uma forma de violência física doméstica. Aliás, o caso em questão não está apenas impregnado de violência doméstica física, mas também de grande violência psicológica. Sobretudo esse trecho foi escolhido porque demonstra com detalhes a violência física, considerando a perspectiva da criança que foi agredida.Opsicológica. Sobretudo esse trecho foi escolhido porque demonstra com detalhes a violência física, considerando a perspectiva da criança quIsso posto, devemos considerar que a violência doméstica física, tal como a que foi descrita acima ou com menos agressividade, acomete crianças e adolescentes constantemente. Por isso é necessário um conhecimento sobre esse fenômeno. Assim sendo, a violência doméstica física pode ser entendida como a utilização da força física do adulto para agredir a criança ou o adolescente que esteja sob seus cuidados. Figuram, sob esse aspecto, desde as agressões mais severas, com a utilização ou não de objetos, até o típico \u201ctapinha no bumbum\u201d. Assim, desde agressões como as que Luis Fernando, como narrado acima, foi submetido no caso com uma correia quanto agressões mais leves.É o tipo de violência mais comum, até porque, devido às lesões, pode tornar-se mais fácil de identificação. Quanto a isso, no último módulo estudaremos os indicadores orgânicos e comportamentais que podem ser observados para a identificação de vítimas. Guerra (2005) nos diz que as famílias em que a violência doméstica acontece, a relação entre pais e filhos se dá sob a ótica sujeito-objeto. Nesse sentido, os filhos devem satisfazer a todas as necessidades dos pais, mesmo aquelas para as quais ainda não estão preparados em decorrência do estágio de desenvolvimento. Essa relação sujeito-objeto se manifesta ainda por meio da responsabilização da criança pela violência, [...] as causas do problema são individuais, devem ser hipostasiadas como culpa [oferecer confiabilidade às ideias apresentadas] e jamais remetidas a questões mais amplas que se interligam a problemas familiares, sociais, etc (OP. CIT., 2005, p. 43). Nessas relações familiares a violência física é tida como se fosse uma forma de educação, mas na verdade reforça a sujeição da criança e do adolescente ao desejo dos agressores. Guerra (2005) nos diz ainda que nas famílias em que há violência física contra criança e adolescente, dificilmente os cônjuges se contrariam em relação a tal prática, ou seja, é praticamente impossível que a violência doméstica física aconteça sem que os dois cônjuges saibam, e como não tentam impedi-la são igualmente responsáveis. Note-se ainda que para a autora a violência física doméstica nunca acontece uma única vez. Geralmente é prática recorrente sempre usada pelos pais, o que inviabiliza ainda mais que um cônjuge não tenha conhecimento do que o outro faz em relação à educação dos filhos.Com relação à violência doméstica física é importante ressaltar que tanto podem ser agressores os homens quanto as mulheres. Semelhante consideração opera-se em relação às vítimas, ou seja, tanto podem ser homens ou mulheres em idades diversificas. E mais do que isso, esse fenômeno não tem preconceito social, ou seja, estão presentes nas diferentes classes sociais (GUERRA, 2005).Um imigrante moldavo [habitante natural da República da Moldávia, na Europa] queimou a mão do próprio filho como punição pelo roubo de postais. A situação foi detectada pelos responsáveis da Escola EB de Santa Maria, em Lagos, que o menor frequenta. O furto foi praticado em conjunto com outras crianças num estabelecimento comercial daquela cidade algarvia [em Portugal], tendo os menores distribuído os postais no recinto da escola onde a situação foi detectada e resolvida, refere o CM. O pai do menor, quando soube do sucedido, resolveu puni-lo exemplarmente pela conduta reprovável e por constituir uma vergonha para a família, queimando-lhe dois dedos da mão direita com um isqueiro para que \u201cnunca mais se esquecesse do mal que fez\u201d.\u201cMal percebemos a situação, alertamos a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Lagos. Levamos o menino ao hospital, onde recebeu tratamento\u201d, afirmou a presidente do Conselho Executivo do Agrupamento Vertical de Escolas de Lagos ao CM. Graça Cabrita diz que se trata de \u201caluno normal, assíduo e que, mesmo depois do incidente, tem vindo à escola e participa nas atividades\u201d, não sendo conhecido qualquer antecedente de maus-tratos familiares ou de problemas comportamentais relacionados com o menino. \u201cTratou-se de um castigo excessivo e inadequado, na sequência de um incidente ocorrido fora da escola\u201d, acrescentou Graça Cabrita, para quem a situação constitui um episódio isoladoO caso foi reportado à Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Lagos, que irá iniciar as diligências necessárias começando por falar com os pais. Fonte escolar revelou que os pais moldavos são muito exigentes para com os seus filhos, tendo estes de ser pontuais, limpos e exemplares. Quando alguma criança se porta mal na escola isso constitui \u201cuma vergonha e uma humilhação\u201d para os progenitores. Na segunda-feira passada, dia em que foi detectada a situação, os responsáveis da escola levaram o menino moldavo ao Hospital de Lagos, onde recebeu os primeiros tratamentos. A escola continua a acompanhar os tratamentos que agora são ministrados num Centro de Saúde daquela cidade.Infelizmente, esse tipo de educação não é característica apenas de famílias moldavas, mas figura também como uma prática comum de famílias brasileiras. Fatalmente casos semelhantes são comuns. Talvez se diferenciam por punições mais brandas, ou não. Geralmente, casos com maior emprego da violência como esse tendem a ter mais visibilidade na mídia, mas sabemos que há outros de igual teor que nem chegam a ser conhecidos. Em relação às consequências para as vítimas, Guerra (2005) assevera que há as \u201corgânicas\u201d e as \u201cpsicológicas\u201d, dependendo da idade da vítima e das intervenções realizadas visando ao fim da agressão. Quanto às consequências orgânicas, a autora aponta as seguintes:\u201c[...] sequelas provenientes de lesões abdominais, oculares, de fraturas de membros inferiores e superiores, do crânio, de queimaduras, que poderão causar invalidez permanente ou temporária; A morte: para a vítima, conhecida como violência fatal e muitas vezes bastante subestimada em função das dificuldades de se detectar as reais causas de morte\u201d. (GUERRA, 2005, p. 46). As agressões, sobretudo as físicas, podem conduzir a vítima a essa série de consequências que a autora aponta, inclusive à morte. A autora se refere assim que dentro da violência física ainda podemos identificar a violência fatal, resultando na morte da criança/adolescente, ou seja:\u201cAtos e/ou omissões praticados por pais, parentes ou responsáveis em relação a crianças e/ou adolescentes que \u2013 sendo capazes de causar-lhes dano físico, sexual e/ou psicológico \u2013 podem ser considerados condicionantes (únicos ou não) de sua morte\u201d (GUERRA, 2000, p. 15).De maneira que a violência fatal não corresponde apenas a atos diretos praticados por pais e responsáveis pela criança e adolescente, mas também a atos que de uma forma indireta vieram a condicionar a sua morte. Portanto, a violência fatal tanto pode ser considerada como de responsabilidade de pais/responsáveis quando exercem atos que resultam na morte da criança ou adolescente como espaçamentos, ferimentos à bala ou à faca, por exemplo. Mas são igualmente responsáveis quando não agridem a criança/adolescente, mas não fazem nada para impedir o agressor.Pai que matou filho é condenado, mas vai pra casa. Réu respondeu ao processo em liberdade e tem direito de aguardar a apelação fora da cadeia. Ele foi condenado a 16 anos. 1 comentário (Reflita!)O réu Valdemir Silva Marinho foi julgado na manhã de ontem e condenado a 16 anos e 4 meses de prisão em regime fechado. Mas depois de ouvir a sentença ele foi pra casa. Isso porque, como respondeu todo o processo solto (fora da cadeia), a lei também lhe faculta o direito de apelar da decisão da primeira instância em liberdade. Em média uma apelação leva de 2 a 3 anos para ser julgada e durante todo esse tempo Valdemir fica livre. Seu advogado de defesa tem cinco dias para recorrer da decisão. Se não fizer isso nesse prazo, aí sim seu cliente pode ser preso. Segundo funcionários do Fórum, o mais provável é que ele recorra da decisão que o condenou, porque só assim poderá ficar em liberdade enquanto aguarda o julgamento do Tribunal de Justiça. De acordo com a denúncia do Ministério Público, o réu matou seu próprio filho Leonardo S. M., de 3 meses de idade, no começo da madrugada do dia 29 de março de 1999. Na denúncia oferecida ao Poder Judiciário, os promotores também alegam que Valdemir Marinho já havia agredido anteriormente seu filho, que na época deu entrada na Santa Casa de Misericórdia com traumatismo craniano. Na ocasião, a justificativa apresentada foi que a criança tinha caído no chão. De acordo com as informações do Ministério Público, no dia do crime, na madrugada do dia 29 de março de 1999, a mãe da criança teria deixado o filho deitado no sofá e saiu com a família. Ainda segundo essas informações, Valdemir Marinho ficou em casa e teria se irritado com o choro da criança e, em dado momento, levantou\u2010se, pegou o menino no colo e o atirou violentamente no chão. Conforme resultado do Instituto Médico\u2010Legal, a vítima sofreu lesões em um dos braços e ferimentos gravíssimos no cérebro. Diante do exposto, o Ministério Público denunciou o réu e classificou o crime como fútil, já que Valdemir teria dito que naquela madrugada estava sozinho em casa e que sua companheira tinha que estar lá cuidando do menino. O réu também teria dito que se sentiu incomodado com o choro do filho, que não permitia seu repouso. A denúncia apresentada pelo MP no dia 5 de outubro de 2000 foi assinada na época pelo promotor Luiz Henrique Pacini Costa. O julgamento de ontem começou às 9h30 e acabou por volta das 17 horas. Apesar da fatalidade, percebemos no relato do caso que o pai já vinha agredindo o filho e, aliás, a criança já havia até tido um traumatismo craniano. O resultado mais que negativo desse caso culminou com a morte da criança de apenas 3 meses de idade. Talvez se houvesse uma intervenção anterior o desfecho do caso fosse distinto. Já no que concerne às \u201cconsequências psicológicas\u201d, Guerra (2005) assinala algumas percebidas com base em sua intervenção junto a segmentos vitimados, dentre as quais destaca: sentimentos de raiva e medo; dificuldades escolares; dificuldade em confiar no outro; autoritarismo; delinquência, reprodução da violência com outros membros e mesmo o parricídio/matricídio.A autora assevera que elas possuem grande diversidade e que nem sempre se manifestam da mesma maneira. Influencia, nesse sentido, a intervenção realizada junto à vítima depois da ocorrência dos fatos, a incidência dos atos, dentre outros fatores afins. Portanto, nem todas as crianças/adolescentes que apresentam dificuldade de aprendizagem foram ou são vítimas de violência doméstica, por exemplo. Vejamos abaixo. 1Violência doméstica física 2Consequências orgânicas, lesões abdominais, oculares, fraturas de membros inferiores e superiores, do crânio, de queimaduras, que poderão causar invalidez permanente ou temporária; e a morte 3Consequências psicológicas sentimentos de raiva e medo; dificuldades escolares; dificuldade em confiar no outro; autoritarismo; delinquência, reprodução da violência e parricídio/matricídio. A violência doméstica física, entretanto, não é prática que se criou no vazio. No módulo I vimos que no Brasil a disciplina dos colégios jesuítas foi importante no sentido de consolidar a utilização da violência física no interior das famílias. E, atualmente, o contato com crianças e adolescentes nos mais distintos ambientes nos mostra que essa prática ainda não foi superada e persiste no interior de muitas famílias. Dando sequência, iremos tecer algumas orientações sobre a violência doméstica sexual.
Compartilhar