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LITERATURA INFANTOJUVENIL Mariana Terra Teixeira Critérios para a análise e seleção de textos de literatura infantil Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deverá apresentar os seguintes aprendizados: Apontar critérios que devem ser considerados na seleção de textos de literatura infantojuvenil. Reconhecer a importância da ilustração na composição de textos infantis. Analisar a interação entre texto e imagem para a interpretação de textos multissemióticos infantojuvenis. Introdução Neste capítulo, você conhecerá os critérios que devem ser considerados na seleção de textos de literatura infantil e juvenil. As obras literárias a serem lidas na escola devem, primordialmente, priorizar a qualidade literária. A seleção dos textos a serem estudados é um tema de debate, pois os textos lidos na escola influenciam na formação leitora dos alunos. No entanto, a qualidade do texto em si não é o único critério a ser consi- derado, visto que os alunos têm de se interessar pela obra, inicialmente, para ter motivação para lê-la. O dever da escola é que o aluno saia dela com o pleno domínio da leitura e da escrita. Com isso, este poderá se inserir na sociedade e circular dentre as práticas sociais que envolvam a leitura e a escrita. Para que isso aconteça, é preciso uma educação linguística de qualidade. Uma característica forte dos textos contemporâneos é serem multimidiáticos e multissemióticos. São textos multissemióticos, pois se utilizam de ima- gem, escrita, intertextualidade e designs distintos na sua composição. São multimidiáticos por serem publicados em plataformas diferentes, como livros impressos, digitais, arquivos de som, filmes, etc. Destsa maneira, o aluno precisa ter a capacidade de interpretação de textos advindos desses diferentes meios, ou mídias, em diversas linguagens. Nesse sentido, necessita de um letramento multissemiótico e multimidiático, isto é, deve sair da escola com a capacidade de compreender textos complexos, com relação entre imagem, palavra escrita e som, entre texto e plataforma digital, cores e design. A ilustração é de grande importância na composição do texto, pois conta com importantes elementos descritivos que auxiliam a criança na compreensão do todo. Ao final deste capítulo, você reconhecerá a importância da ilustração nos livros infantis e o alto grau de relação entre texto e imagem na compreensão das obras por crianças e ado- lescentes. O letramento literário de nosso aluno não é uma tarefa fácil, mas a seleção de bons textos de literatura infantojuvenil pode ajudar o professor nessa tarefa. Critérios para a seleção de textos de literatura infantojuvenil De acordo com a Base Nacional Comum Curricular – BNCC as experiências com a literatura na Educação Infantil “propostas pelo educador, mediador entre os textos e as crianças, contribuem para o desenvolvimento do gosto pela leitura, do estímulo à imaginação e da ampliação do conhecimento de mundo.” (BRASIL, 2017, p.42). O contato com diferentes gêneros literários, como: contos, fábulas, histórias, poemas, entre outros propicia às crianças desde bem pequenas a familiaridade com os livros e a leitura. No Ensino Fundamental a BNCC compreende a leitura como “práticas de linguagem que decorrem da interação ativa do leitor/ouvinte/espectador com os textos escritos, orais e multissemióticos e de sua interpretação” (BRASIL, 2017. p.71). Na BNCC a leitura é considerada de forma mais ampla, considerando dimensões inter-relacionadas às práticas de uso e de reflexões do cotidiano. 1Critérios para a análise e seleção de textos de literatura infantil A seleção de obras literárias a serem trabalhadas com os estudantes deve, portanto, ser de qualidade para que estas possibilitem o letramento de forma contínua. Letramento é a apropriação da escrita pelo leitor. Assim, é mais do que alfabetização, ou seja, saber ler e escrever. Letramento é saber usar a leitura e a escrita nas diferentes práticas sociais que as exigem em nossa sociedade. É a apropriação dos diferentes usos da leitura e da escrita nas sociedades modernas. Em decorrência do conceito de letramento, temos o conceito de letramento literário. Letramento literário, segundo Barbosa (2011, p. 148), é “[...] a condição daquele que não é apenas capaz de ler e compreender gêneros literários, mas aprendeu a gostar de ler literatura e o faz por escolha, pela descoberta de experiência de leitura distinta, associada ao prazer estético”. Dessa forma, o letramento literário vai além do letramento por si só, pois vai além da compreensão, passando para o plano do gostar e do experienciar o prazer estético da obra literária. Somente pelos conceitos de letramento e letramento literário podemos perceber que a tarefa de letrar literariamente nossos alunos não é uma tarefa fácil. Os textos e as obras literárias trabalhados em aula são, assim, fundamentais para o sucesso dessa tarefa. Os critérios a serem levados em consideração na seleção de textos infantis e juvenis para se trabalhar em sala de aula com os alunos vão de critérios formais, referentes à obra literária em si, a critérios subjetivos, não necessariamente estéticos, referentes aos leitores, seus valores e preferências, bem como seu contexto. Primeiro, deve-se adequar a escolha à idade e ao nível de leitura dos alunos. As crianças podem ainda não ter adquirido todos os recursos linguísticos necessários para a leitura de obras extensas, e a ilustração e a imagem, como veremos nos próximos tópicos, entram em cena. Principalmente para os anos iniciais, os livros ilustrados são uma possibilidade para inserir as crianças no mundo da literatura. Os critérios formais sobre a obra literária a se considerar, segundo os Parâ- metros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (BRASIL, 2002), são aspectos específicos do texto literário. Os aspectos específicos do texto literário são: a análise crítica da obra, avaliando a coerência na apresentação dos personagens, a justeza dos ambientes em que se passa a ação e a linguagem empregada. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, Critérios para a análise e seleção de textos de literatura infantil2 o importante na aprendizagem do português é “[...] saber adequar os recursos expressivos, a variedade de língua e o estilo às diferentes situações comunicativas” (BRASIL, 2002, p. 31). Dessa maneira, no que concerne à linguagem empregada na obra literária, o professor deve escolher obras que apresentem ao aluno situações variadas de uso da língua, para que a literatura contribua no ensino da adequação linguística. Assim, por meio da linguagem da obra literária, o aluno experencia diferentes realidades, diferentes mundos e diferentes falares. A capacidade de leitura dos alunos, a capacidade deles de alcançar os temas discutidos e os recursos linguísticos empregados no livro constituem outro critério formal para a escolha de livros para o público infantojuvenil. Cabe ao professor, assim, a análise da obra literária e a seleção de uma que seus alunos possam entender e se interessar. Os parâmetros curriculares nacionais de língua portuguesa explicam os processos implicados na leitura, e, com isso, podemos pensar na importância da seleção correta da obra a ser trabalhada em sala de aula. Assim, com a obra escolhida, o professor pode trabalhar as demandas do processo de leitura com os alunos, para que eles aprimorem e evoluam suas habilidades e as estratégias de leitura. “A leitura de um texto compreende, por exemplo, identificação de informações, articulação de informações internas e externas ao texto, realização de inferência e antecipações, apropriação das características do gênero” (BRASIL, 2002, p. 38). A leitura é um processo complexo que envolve compreensão, articulação de informações e inferências. É importante, então, que o trabalho de leitura de uma obra literária seja feito em conjunto com outros professores. O professor de portuguêspode auxiliar nas habilidades linguísticas das crianças. Articular informações e fazer inferências não é uma tarefa fácil, por isso é importante que a leitura seja trabalhada com os pequenos desde sempre. As habilidades de leitura vão sendo desenvolvidas pelas crianças à medida que aprendem estratégias de leitura e vão lendo textos e livros cada vez maiores, desenvolvendo também as suas habilidades linguísticas. O estímulo dos professores e a oportunização de diferentes livros é fundamental para o desenvolvimento dessa capacidade de leitura. 3Critérios para a análise e seleção de textos de literatura infantil O contexto de vida e leitura dos alunos influencia na compreensão da obra literária. Muitas informações em textos literários só fazem sentido porque remetem a outras obras ou a acontecimentos reais — isso se chama intertextualidade. Dessa forma, o aluno não conseguirá fazer uma inferência necessária se ele não possuir a referência de certa intertextualidade do texto. Por isso, o professor deve selecionar obras que se adequem ao contexto dos alunos. A qualidade estética de uma obra literária é, em grande parte, a linguagem empregada nela, afinal, a literatura é a arte da palavra. Dessa forma, não é só o conteúdo da história que importa, a forma como ela é contada também. A forma, a palavra e a linguagem empregada espelham a qualidade de uma obra literária. O letramento literário busca propiciar ao aluno que ele se torne leitor de literatura, para que ele seja capaz de transcender o conteúdo dos textos e livros e chegar também à valorização da forma, à valorização do texto literário. E, aqui, é importante ressaltar o papel da literatura infantil e juvenil. Muitas obras infantojuvenis tentam simplificar a linguagem utilizada, como se utilizar uma linguagem sempre coloquial, informal, fosse melhor para as crianças e os adolescentes. É claro que tem de haver uma adequação para a idade, como citamos acima, mas textos juvenis podem ser tão qualificados quanto o cânone literário. Entramos, então, em outro critério de seleção dos textos: o cânone literário. Autores clássicos do cânone literário, como Machado de Assis, Cecília Mei- reles, da literatura brasileira, ou os clássicos de Shakespeare, Eça de Queirós, escritores estrangeiros, devem, sim, ser disponibilizados aos alunos. No entanto, não é provável que os alunos iniciem a sua jornada literária gostando de autores do cânone, justamente porque as histórias contadas não espelham sempre a realidade atual, o momento de vida das crianças e dos adolescentes. Os leitores precisam se reconhecer nas personagens, se reconhecer nas narrativas. O leitor, ao ler um texto, traz consigo o seu conhecimento de mundo para interpretar aquele texto. Ao contrário do que se pensava anteriormente, o leitor não é um ser passivo. O leitor interage com o texto, o complementa, construindo a sua interpretação da história. Podemos identificar melhor o papel do leitor quando duas ou mais pessoas diferentes leem um mesmo texto, mas têm interpretações diferentes da história. Alguns gostam mais, outros menos, o efeito que o texto provoca no leitor também é único de cada leitor. Isso se deve à experiência, aos conhecimentos prévios de cada um. Critérios para a análise e seleção de textos de literatura infantil4 O que muito acontece nos primeiros contatos das crianças e dos jovens com a literatura ao lerem os clássicos do cânone literário instruído pela escola é uma quebra de conexão entre quem escreve e quem lê. Nas palavras de Zilberman (2005, p. 14), “[...] a parceria [da leitura] só dá certo se ambos [escritor e leitor] se entendem. Se o escritor contradisser demais as expectativas do leitor, esse rejeita a obra”. Aqui jaz a difícil tarefa de selecionar textos literários para se trabalhar com crianças e adolescentes. Por um lado, o valor literário — a qualidade estética da obra — deve ser levado em conta. E sabemos que, obviamente, os autores do cânone literário são de grande qualidade, possuem cada qual seu estilo único e sua contribuição também única para a literatura. Por outro lado, não se pode afastar demais o leitor do mundo e da linguagem empregada no texto, pois o leitor deve se reconhecer nele. Dessa forma, esses dois critérios devem ser analisados em conjunto na seleção de textos para serem lidos pelos alunos e trabalhados na sala de aula. Uma boa solução para isso é a seleção de textos qualificados da literatura infantojuvenil. Obras que fazem parte da literatura especificamente destinada às crianças e aos adolescentes. Assim, os leitores podem se reconhecer nas personagens, nos lugares, no tempo das diferentes obras. A procura de obras dentre as obras literárias disponíveis da literatura infantojuvenil é uma das soluções para os professores, pois não precisam abrir mão da qualidade estética da obra e, ao mesmo tempo, podem selecionar livros que se aproximem do mundo dos alunos. O problema é que nem sempre foi assim. A literatura infantojuvenil é, até hoje, marginalizada. No que diz respeito à literatura infantil brasileira, esta surgiu somente no final do século XIX, quando escritores brasileiros começaram a escrever, também, para crianças, como o fez Olavo Bilac. No começo, a literatura infantil era constituída de adaptações de obras, na verdade, destinadas a outros fins: a leitores adultos, obras vindas das narrativas orais do folclore, obras adaptadas de outras cultu- ras, como os contos de fadas europeus, por exemplo. Figueiredo Pimentel, em 1894, publicou Contos da Carochinha, no qual misturava os contos de fadas europeus com tradições e histórias orais dos povos brasileiros. Dessa forma, uma literatura infantil, destinada à criança, disposta a fazer com que a criança gostasse de ler, que inserisse o leitor na obra, com elementos lúdicos próprios ao mundo infantil, só começou no início do século XX com Monteiro Lobato e as Reinações de Narizinho. Monteiro Lobato criou um elenco de persona- gens, um lugar, um tempo próprios para o leitor infantojuvenil, inaugurando a literatura infantojuvenil brasileira. 5Critérios para a análise e seleção de textos de literatura infantil Decorrente desse começo, começaram a aparecer escritores destinados ao público infantojuvenil, que criaram obras especificamente para as crianças e os adolescentes, para que esse público apreciasse a leitura e adquirisse, assim, o hábito de ler. Atualmente, a literatura infantojuvenil brasileira conta com diversos autores que escrevem e se dedicam especificamente a esse gênero literário. Marisa Lajolo, Ligia Cademartori Magalhães, Regina Zilberman, Leonardo Arroyo, João Luis C. T. Ceccantini, Sérgio Capparelli, Roseana Murray, Elias José, entre outros, são alguns dos nomes consagrados da literatura infantojuvenil brasileira. Dessa forma, o professor pode, e deve, procurar entre a obra de autores específicos da literatura infantojuvenil os textos literários a serem trabalhados com crianças e jovens. Critérios subjetivos na escolha das obras literárias infantojuvenis e a importância da leitura Atualmente, a literatura infantojuvenil brasileira conta com diversos autores que escrevem e se dedicam especificamente a esse gênero literário. Ligia Cademartori Magalhães, Sérgio Capparelli, Roseana Murray, Elias José, Ruth Rocha, Ana Maria Machado, Ricardo Azevedo, Bartolomeu Campos Queiroz, Rui de Oliveira e Eva Furnari, entre outros, são alguns dos nomes consagrados da literatura infantojuvenil brasileira. Dessa forma, o professor pode, e deve, procurar entre a obra de autores específicos da literatura infantojuvenil os textos literários a serem trabalhados com crianças e jovens. Os jovens são capazes de escolher, opinar, aceitar ou descartar opções. O professor pode fazer um trabalho prévio, de seleção conjunta, com os alunos. O professor pode levar opções, baseado na sua análise anterior das obras literárias, bem como pode pedir que os alunos compartilhem títulos, se estes não estiverementre os selecionados pelo professor. O mundo está em constante mudança, e, com o advento da tecnologia, parece que os recursos disponibilizados e que estão ao alcance dos jovens mudam ainda mais rápido. Dessa forma, pedir e escutar a opinião de nossos alunos na hora da seleção de obras literárias que lhes interessem, que motivem a leitura, pode ser uma saída para uma escolha de sucesso. A leitura vem sendo feita em diferentes meios e mídias, como veremos no último tópico, e o professor deve estar aberto ao contato com essas diferentes plataformas. Se uma leitura on-line, por exemplo, motivar mais os alunos, por que não a usar? Ela não precisa ser a única leitura Critérios para a análise e seleção de textos de literatura infantil6 a ser feita, pode ser complementar, por exemplo. Diversificar os estímulos para as crianças e os adolescentes pode ser um ponto importante para que a conexão deles com a leitura se estabeleça em nosso mundo pós-moderno. O papel do professor é partir de livros, talvez mais simplificados litera- riamente, que possam ser escolhidos pelos alunos em um primeiro momento, e evoluir com eles. O professor deve estabelecer uma progressão, podendo partir de obras mais simples e/ou escolhidas pelos alunos, até alcançar obras de maior fôlego literário, para, assim, talvez, chegar em algum texto do cânone, por exemplo, que seja oportuno aos alunos. O objetivo é progressivamente aproximar o aluno de obras com nível literário mais complexo, por meio de planejamento pedagógico, tentando despertar o prazer de ler do aluno e evitando aquela leitura de obras clássicas feita por obrigação. Podemos pensar também em uma certa progressão no que diz respeito a livros lidos pelas crianças, em anos iniciais, até os livros de maior fôlego, que podem ser lidos pelos adolescentes. O critério de seleção de textos varia com a idade e o nível de leitura dos alunos, como vimos, e, nos anos iniciais, o professor pode fazer um importante trabalho de aproximação da leitura com as crianças através da ilustração, por exemplo. O Quadro 1, a seguir, apresenta critérios formais e subjetivos para a seleção de obras infantojuvenis. Formais Análise crítica da obra literária Aspectos formais da obra literária: coerência na apresentação das personagens, do ambiente, do tempo. Verossimilhança (i.e., lógica interna da história). Linguagem empregada, qualidade estética. Recursos linguísticos e discursivos: fala de personagens, narrador, discursos diretos e indiretos, se narrativa; métrica, versos, rima, ritmo, se poesia, por exemplo. Habilidades de leitura dos alunos para o reconhecimento e a compreensão dos aspectos formais e contextuais da obra. Subjetivos Características do público-alvo Idade; contexto social dos alunos; gosto, interesses e preferências literárias de cada turma. Aproximação dos alunos aos textos literários. Quadro 1. Critérios formais e subjetivos para a seleção de obras infantojuvenis 7Critérios para a análise e seleção de textos de literatura infantil A importância da ilustração na composição de textos infantis O professor é o mediador entre a criança e a leitura e pode escolher livros com elementos que facilitem esse processo. A ilustração é uma importante aliada no processo de letramento literário das crianças. A literatura infantil possui essa ferramenta, e o professor pode, e deve, utilizá-la para aproximar as crianças das obras literárias. O ponto de vista aqui é que o leitor pode ampliar a leitura antes de concentrá-la apenas na palavra escrita. O professor, como mediador, pode estimular a curiosidade das crianças, ainda nos anos iniciais, com ilustrações e imagens que chamem a atenção para a história. A ilustração pode ser, assim, a ponte entre a criança e o início da leitura de obras literárias. Uma capacidade que as crianças, logo cedo, já têm, segundo Faria (2004), é a capacidade abstrata de associar. O professor pode explorar e ampliar essa capacidade. As crianças podem associar uma palavra ao seu referente, um gesto a um estado de espírito, uma expressão a uma emoção. Assim, o professor pode trabalhar com a associação da ilustração com a palavra escrita, explorando as demais associações de emoções, gestos e entonação, por exemplo. O professor pode contar uma história ou ler um poema baseado em uma imagem, convidar as crianças a descrever a imagem, a associar sentimentos à ilustração e, até mesmo, a criar uma história a partir da ilustração do livro, antes mesmo de elas conseguirem lê-lo, por exemplo. Esse trabalho de associação, aos poucos, aumenta o domínio da língua pela criança. E essa linguagem, no começo somente oral, será base para a habilidade de ler que a criança adquirirá. Aqui, voltamos à importância de o professor conhecer a literatura infan- tojuvenil. Em bons livros infantis ilustrados, o texto e a imagem compõem, juntos, a compreensão da narrativa, da poesia, do texto em si. Autores como Faria (2004) sugerem que livros com ilustrações apresentam uma dupla nar- ração, isto é, a história contada nas palavras escritas e a história contada nas imagens, que são, em bons livros infantis, complementares. Assim, o professor pode explorar essa linguagem visual com os alunos que ainda não dominam completamente a linguagem escrita. A ilustração pode, assim, servir como um atrativo e aproximar as crianças dos livros. As imagens podem despertar a curiosidade necessária para que o professor introduza a importância da leitura. A relação entre imagem e texto nos livros infantis, segundo Faria (2004), pode ser de duas naturezas distintas: de complementaridade e de repetição. Segundo a autora, a relação de complementariedade ocorre quando a função da imagem é dizer o que o texto não diz e, muitas vezes, não pode dizer. A imagem, assim, complementarmente à palavra escrita, pode ilustrar situações, cenários imaginados Critérios para a análise e seleção de textos de literatura infantil8 que não estão descritos no livro. Às vezes, por motivos de o livro ser dirigido a leitores iniciantes, descrever os ambientes — o espaço — onde se passa a história minunciosamente pode ser cansativo. A ilustração serve, assim, para completar a história, trazendo elementos que não estão no texto. Já a relação de repetição entre texto e imagem é bastante utilizada com livros, por exemplo, para crianças em fase de alfabetização. A repetição de uma letra ilustrada de forma grande, por exemplo, pode ter a função de familiarizar o pequeno leitor com a forma daquela letra. A ilustração, assim, tem o papel de repetir o que está escrito, para reforçar a mensagem do texto para a criança. Ou ainda, na relação de repetição com o texto, a ilustração pode ter um papel de identificação. Segundo Faria (2004), o professor pode utilizar a imagem pedindo que a criança identifique o que está lendo na figura. A criança pode ter de identificar uma letra, uma cor, um animal, entre outras atividades pedagógicas possíveis com leitores iniciantes. Cada vez mais, a ciência sugere que a familiarização das crianças com a leitura deve ocorrer o quanto antes. Em casa e/ou na educação infantil, pais e professores podem estimular as crianças com cantigas e canções de rimar, que tenham ritmos diferentes e que desenvolvam a linguagem oral da criança. A criança pode identificar os sons das letras antes de chegar na idade de aprender a ler. Há elementos necessários para a leitura de obras literárias que podem ser introduzidos ainda na fase de pré-alfabetização. Por exemplo, os elementos da narração, como narrador, personagens, o tempo cronológico, situações que ocorrem antes e geram consequências. Tudo isso os pais e professores podem trabalhar com as crianças e estimulá-las a querer aprender a ler. Os livros- -imagem são um exemplo da importância da imagem na aprendizagem da leitura infantil. Os livros-imagem são livros que contam histórias somente por meio das imagens, sem fazer uso de linguagem verbal. Livros-imagempodem ser dados às crianças ainda não alfabetizadas, com o intuito de contar histórias, de pôr a criança em contato com os livros. Pode-se ensinar à criança a olhar uma imagem após a outra em sequência, ir contanto uma história que se desenvolve cronologicamente a partir da imagem, para introduzir a criança no mundo da leitura. Há os livros-imagem infantis, destinado às crianças pequenas ainda não alfabetizadas, mas também há livros-imagens para leitores adolescentes e, inclusive, adultos, como as histórias em quadrinhos, as tirinhas e as graphic novels, que são histórias de maior fôlego, romances contados a partir de imagens. Para nós, adultos, muitas questões iniciais do processo de alfabetização, bem como do processo de letramento literário, nos parecem óbvias. No entanto, é importante lembrar que aprendemos isso quando crianças, nos foi ensinado, nós fomos instruídos a como ler e precisamos fazer isso com as crianças. Assim, elementos do mundo da leitura que não a letra ou a palavra escrita podem ser 9Critérios para a análise e seleção de textos de literatura infantil ensinados às crianças ainda antes da alfabetização. Essas habilidades prévias de leitura ajudarão no processo de aprendizagem da criança, que fará uma apropriação da escrita muito mais amena. Tanto o trabalho com elementos da narrativa, por exemplo, quanto o trabalho com sons, rimas e ritmos estimu- lam as crianças para um aprendizado mais fácil da leitura. A ilustração e a imagem têm, aqui, um papel importante na introdução da criança ao mundo da leitura. A ilustração que compõe o texto revela-se de grande importância para a composição de obras literárias infantis que iniciem a criança na leitura. Segundo o autor, Luis Fernando Herbert Massoni (2012, documento on-line), na com- posição dos textos infantis, a ilustração pode ter as seguintes funções: Função representativa: imita a aparência da personagem à qual se refere. Função descritiva: trata-se do detalhamento da aparência da personagem. Função narrativa: ocorre quando a ilustração situa a personagem repre- sentada por meio de transformação (no estado do ser representado) ou ações (por ele realizadas). Função simbólica: quando sugere significados sobrepostos ao seu referente, mesmo que arbitrariamente, como, por exemplo, as bandeiras nacionais. Função expressiva: quando há a revelação de sentimentos e valores do produtor da imagem ou quando ressalta as emoções e os sentimentos da personagem representada. Função estética: enfatiza a forma da mensagem visual, ou seja, sua beleza. Função lúdica: orienta para o jogo, incluindo-se o humor como moda- lidade de jogo. Função conativa: quando orientada para o destinatário, com o objetivo de influenciar seu comportamento, por meio de procedimentos persuasivos ou normativos. Função metalinguística: o referente da imagem é a linguagem visual ou a ela diretamente relacionado, como citações de imagem, etc. Função fática: a imagem enfatiza o papel de seu próprio suporte. Função de pontuação: orientada para o texto junto ao qual se insere, sinalizando seu início, seu fim ou suas partes, nele criando pausas ou destacando alguns de seus elementos. Leia mais no artigo do autor “Ilustrações em livros infantis: alguns apontamentos”, que pode ser acessado por meio do link a seguir. https://qrgo.page.link/cfsks Critérios para a análise e seleção de textos de literatura infantil10 A interação entre texto e imagem A relação entre texto e imagem na composição dos textos da literatura infantil auxiliam na compreensão da obra. Como vimos, a imagem pode ser tão parte da narração quanto o texto. Atualmente, com o avanço da tecnologia, textos estão sendo compostos com diferentes elementos e dis- ponibilizados em diferentes plataformas. Dessa forma, nosso aluno tem de ter uma compreensão global do texto, que pode ser composto de diferentes linguagens e disponibilizado em diferentes meios. Os meios em que um texto pode ser veiculado são as multimídias: papel, plataformas digitais, TV, blogs, jornal, internet. E tanto em materiais impressos quanto em materiais digitais, a linguagem visual e a linguagem verbal podem interagir. Um novo conceito surge, o de textos multissemióticos. Textos multissemióticos são textos que apresentam a interação entre diferentes modalidades — visual, sonora, verbal — dentro do próprio texto. Segundo Xavier (2005, p. 75), a multissemiose pode ser defi nida como “[...] diferentes aportes sígnicos e sensoriais numa mesma superfície de leitura”. Cada vez mais temos textos que trazem imagens e sons além da palavra escrita. Esses elementos de diferentes modalidades interagem na composição do signifi cado fi nal do texto. Não é possível compreender por completo um texto multissemiótico sem levar em consideração o signifi cado dos seus diferentes elementos na composição do sentido fi nal da obra. Neste capítulo, destacamos a interação entre imagem e texto como elementos multissemióticos das obras infantojuvenis. Como vimos no tópico anterior, a relação da imagem com o texto é importante para a interpretação da obra. A imagem pode compor o significado do texto e trazer mais elementos da narrativa, por exemplo, que não estão no texto escrito. As obras literárias infantojuvenis são um expoente de texto multis- semiótico em material impresso, pois valorizam a imagem na composição do significado da obra. No que diz respeito à tecnologia, diferentes textos multissemióticos estão disponíveis para uso do professor em sala de aula com o público infantojuve- nil. Plataformas digitais, por exemplo, têm poesias que não usam somente a linguagem verbal, mas têm sons e formas diferentes. Obras que mesclam a literatura e a tecnologia são textos multissemióticos, pois utilizam diferentes modalidades para compor o significado do texto. Novos gêneros literários surgem com a possibilidade de uso combinado dos diferentes estímulos 11Critérios para a análise e seleção de textos de literatura infantil (visual, verbal, sonoro, etc.) com os diferentes meios (digitais, internet e impressos). A poesia eletrônica para crianças é um exemplo de gênero lite- rário infantil que surgiu com o advento da tecnologia. No computador, os escritores criam efeitos visuais com as letras e as palavras e podem agregar som ao que se está sendo visto. A animação também é utilizada na poesia eletrônica, também conhecida como poesia digital. Esse gênero literário infantil é novo e ainda incipiente no Brasil. É interessante como esses novos gêneros podem ser mais interativos e, consequentemente, mais atrativos aos jovens. A ciberpoesia é um tipo de poesia que em que o leitor pode utilizar elementos visuais e verbais para criar a sua poesia. Sergio Capparelli, um dos autores da literatura infanto- juvenil brasileira, citado por nós no primeiro tópico, é um dos expoentes da ciberpoesia em português brasileiro. É interessante pensar que, nessa forma de poesia, o leitor é chamado para ser também escritor, isto é, os papéis de leitor e escritor se confundem, ou melhor, se fundem. Dessa ma- neira, o site de ciberpoesia de Sergio Capperelli e Ana Claudia Gruszynski é um instrumento para o professor utilizar em sala de aula para que seu aluno aprenda na prática a importância da relação entre imagem e texto na composição de obras literárias. Ao escrever a sua própria poesia e ser o seu próprio leitor, o aluno pode identificar a diferença que uma ou outra imagem faz para a interpretação que ele deseja que o leitor tenha da poesia que ele está criando. A imagem pode trazer elementos descritivos importantes que são analisados pelo leitor na leitura final da obra. Assim, palavra e imagem se complementam em textos multissemióticos, que podem, também, ser multimidiáticos, isto é, serem disponibilizados em diferentes meios, tanto impressos quanto em plataformas digitais, por exemplo, o que está cada vez mais comum em nosso dia a dia. Na Figura 1, temos um exemplo de texto multissemiótico disponibilizadoem um meio digital, o poema visual “Chá”, de Sergio Capparelli e Ana Claudia Gruszynski, disponibilizado no seu site de ciberpoesia. Critérios para a análise e seleção de textos de literatura infantil12 Figura 1. Exemplo de poema visual. Fonte: Gruszynski e Capparelli ([200-?], documento on-line). Nesse poema visual, os autores utilizam a imagem e a disposição das pa- lavras para construir sentidos e formas de criar poesia diferentes. Os autores dispõem as palavras como se fossem a fumaça quente do chá, explorando, assim, sua forma visual, dando um sentido a mais a elas, como se as palavras estivem esfriando, ou saindo do chá quente. Ao entrar nesse site, o leitor é convidado a escolher os ingredientes do seu chá e, assim, criar o próprio poema. Dessa forma, o leitor não apenas complementa a imagem a partir das escolhas feitas, mas também pode realizar a sua própria interpretação do poema, depois de pronto. Palavras escritas também são vistas na etiqueta do chá, mas não trazem seu nome, como vemos nos chás comuns do dia a dia, e sim chamam a atenção do leitor para a infusão contida na xícara sobre a mesa: os versos do poema. No poema interativo em que o leitor cria o seu próprio chá, a infusão será a mistura dos ingredientes escolhidos pelo leitor. A partir da forma como 13Critérios para a análise e seleção de textos de literatura infantil é construído, percebemos como o poema trabalha bem a interação da imagem com a palavra escrita, já que não está escrito em versos e divido em estrofes. A palavra faz parte do desenho, ela compõe a fumaça e a etiqueta do chá, sem deixar de ter conteúdo verbal e semântico. No texto, o leitor é orientado, em forma de instrução, a deixar a infusão por tempo necessário para que os sabores e aromas se misturem. Dessa forma, o chá pode representar mais do que um simples chá: pode trazer a mensagem de que a vida necessita de tempo, para misturar e encaixar os “sabores” e “aromas” necessários, para o “chá da vida”. Tudo isso pode ser trabalhado pelo professor na sala de aula, ampliando o conceito de leitura dos alunos, permitindo que eles se envolvam na criação de poesia e na sua interpretação, a partir da interação com esse recurso digital, e trazendo-lhes mais ferramentas para a compreensão de textos multissemióticos. A análise dos elementos verbais e imagéticos do texto pode ser feita separadamente, por exemplo. Primeiro, a análise da imagem, depois, do texto, e, por fim, do sentido dos dois em conjunto, chamando a atenção dos alunos para sua integração e complementariedade. Você pode experimentar e montar a sua própria ciberpoesia, bem como ler ciberpoesias no site de Ana Claudia Gruszynski e Sergio Capparelli, disponível no link a seguir. https://qrgo.page.link/rwtis Critérios para a análise e seleção de textos de literatura infantil14 BARBOSA, B. T. Letramento Literário: sobre a formação escolar do leitor jovem. Educação em Foco, v. 16, n. 1, 2011. Disponível em: http://www.ufjf.br/revistaedufoco/ files/2012/08/Texto-06.pdf. Acesso em: 28 jul. 2019. BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da edu- cação nacional. Brasília, DF, 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 28 jul. 2019. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Parâmetros curriculares nacionais para o ensino médio: língua portuguesa. Brasília: MEC, 2002. FARIA, M. A. Como usar a literatura infantil na sala de aula. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2012. GRUSZYNSKI, A. C.; CAPPARELLI, S. Poemas visuais. [S. l.: s. n., 200-?]. Disponível em: http://www.ciberpoesia.com.br/. Acesso em: 28 jul. 2019. MASSONI, L. F. H. Ilustrações em livros infantis: alguns apontamentos. Revista da Pesquisa, v. 7, n. 9, 2012. Disponível em: http://www.revistas.udesc.br/index.php/dapesquisa/ article/view/13951. Acesso em: 28 jul. 2019. XAVIER, A. C. S. Letramento digital e ensino. In: SANTOS, C. et al. (org.). Alfabetização e letramento: conceitos e relações. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. v. 1. ZILBERMAN, R. Como e por que ler a literatura infantil brasileira. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Base Nacional Comum Curricular/Secretaria de Educação Básica. Brasília: MEC,SEB, 2017. Acesso em: 10/05/2020. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/ BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf 15Critérios para a análise e seleção de textos de literatura infantil Página em branco
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