Buscar

Entre Lugares O que dizem as adolescentes disponíveis para adoção

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 100 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 100 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 100 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Universidade do Estado do Rio de Janeiro 
Centro de Educação e Humanidades 
Instituto de Psicologia 
Larissa Pinto Moraes 
Entre lugares: o que dizem os/as adolescentes “disponíveis para adoção” 
Rio de Janeiro 
2021
 
 
 
 
Larissa Pinto Moraes 
 
 
 
 
 
 
Entre Lugares: o que dizem os/as adolescentes “disponíveis para adoção” 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada como requisito parcial para 
obtenção do título de Mestre ao Programa de Pós-
Graduação em Psicologia Social da Universidade do 
Estado do Rio de Janeiro (PPGPS/UERJ) 
 
 
 
 
 
 
 
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Anna Paula Uziel 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2021
 
 
DEDICATÓRIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedico este trabalho ao meu tio-pai, Jefferson Figueiredo Alves de Farias, que me 
adotou pelo sorriso, pelo cuidado, pela cumplicidade. Assim como ao restante da família 
Erthal Farias que fez “casa” ganhar outros contornos, outros aconchegos e que diminuiu a 
distância entre o Acre e o Rio de Janeiro. 
E a todas/os aquelas/es que perderam pessoas em razão da pandemia de COVID-19 no 
Brasil.
AGRADECIMENTOS 
 
 
Esse trabalho é fruto do compartilhamento, do acolhimento e das inquietações de muitas 
pessoas diante do problema de pesquisa que me propus a investigar. Uma caminhada que se 
tornou mais colorida e mais quente à medida que os passos foram sendo dados, por ter sido feita 
em companhia. Uma pesquisa que pôde acontecer graças a todas essas pessoas que direta ou 
indiretamente participaram da sua construção; às pessoas que colaboraram para produção de 
uma ciência ética e politicamente comprometida em meio a um cenário de retrocessos e 
descredibilização do conhecimento acadêmico. 
Gostaria de iniciar agradecendo a minha orientadora. A professora Anna Uziel me 
mostrou que a produção acadêmica não precisa ser solitária nem organizada por uma lógica da 
disputa para ser comprometida e rigorosa. Uma produção do conhecimento que acontece pelo 
afeto. Obrigada, Anna, por todos os momentos de trocas durante esse percurso; por todos os 
cuidados, preocupações e encontros. 
Agradeço também à UERJ, por ser espaço de produção do conhecimento potente, 
resistente e tão fundamental para a educação e pesquisa no Brasil. Viva a universidade pública! 
À minha família – em todas as suas geografias nortistas e sudestinas existentes – por 
todo apoio nos rumos e escolhas que eu faço. Nada disso seria possível sem a presença, o amor 
e o cuidado de vocês. Uma família composta por mulheres determinadas e teimosas, que não 
se curvam diante das dificuldades. Vocês me ensinam a acreditar e lutar por um mundo justo e 
comprometido. 
Ao Ohana, composto por pessoas que também se tornaram família. Lugar repleto de 
amor, pizza de frango com catupiry e conversas intermináveis, onde a gente vibra a cada 
conquista, chora a cada tristeza e torce junto a cada novo caminho percorrido. 
Ao Engajamundo por ter me aberto para pequenas utopias cotidianas. Vocês são 
pontinhos de esperança em meio ao caos que é acreditar em mudanças de realidades. 
Aparecem aqui também as pessoas incríveis que pude conhecer pela entrada no 
mestrado, representadas aqui pelo Grupo de Estudos e Pesquisa Subjetividades e Instituições 
em Dobra (GEPSID) e também pelo grupo Laços. E correndo o risco de esquecer alguém, 
agradecer ao Lucas Gonzaga, que entrou no mestrado junto comigo; Vanessa Lima, Camilla 
Baldanzi, Bárbara Rocha, Débora Barbosa, Jimena De Garay Hernández, Luísa Bertrami, Juraci 
Brito, Patrícia Castro, Mônica Fortuna, Aureliano Lopes, Gisele Bakman, Thaís Vargas, 
Roberta Nunes, Maria Clara de Mello, Gabriela Salomão, Carolina Sette, Mario Carvalho, 
Daniele Andrade e Vanessa Marinho. Meu mais sincero e caloroso obrigada! Por todos os 
6 
 
momentos de encontro, de discussão, de produção, pelas inúmeras reuniões recheadas de 
carinho e comida. Obrigada por fazerem desse grupo morada cheia de aconchego. 
Agradeço também aos adolescentes que aceitaram participar da pesquisa, por vocês 
terem topado me contar sobre parte da história de vocês e terem me permitido, através disso, 
produzir conhecimento. 
Agradeço a participação também das profissionais do Tribunal de Justiça e do 
acolhimento institucional dos municípios de Macaé e Rio das Ostras por terem acreditado no 
meu trabalho e no tema de pesquisa como algo importante de ser pesquisado e discutido. 
Obrigada por terem aceitado participar e pelo apoio durante todas as etapas. 
A Camila Fernandes, Esther Arantes e Irene Rizzini, membras da minha qualificação e 
banca, agradeço por terem aceitado compor esse processo tão importante da pesquisa, pelas 
contribuições no trabalho e no campo de produção de conhecimento da infância e adolescência 
e do cuidado. 
Gostaria de agradecer também aos professores com quem tive oportunidade de aprender 
durante o mestrado; pelos momentos de reflexão, de ajuda e de descobertas. 
Meu muito obrigada a professora Suzana Canez da Cruz Lima, que foi minha 
supervisora de estágio na graduação, pelo carinho e ajuda nos momentos iniciais da pesquisa 
que permitiram o acesso aos profissionais do acolhimento institucional que compõem a 
pesquisa. 
Agradeço também ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social 
(PPGPS/UERJ) por ter acreditado na minha proposta de pesquisa e por todos os momentos e 
lugares que o mestrado me permitiu alcançar. E agradeço também aos funcionários da secretaria 
do Programa que estão sempre abertos para ajudar e facilitar nos trâmites, solicitações 
burocráticas que existem na vida acadêmica e pela torcida para que as nossas pesquisas deem 
certo. 
E, por fim, agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior 
(CAPES) pelo financiamento da pesquisa, através da bolsa de mestrado, que permitiu que eu 
me dedicasse à pesquisa. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O que tento é compartilhar a mensagem de um outro mundo possível. 
Ailton Krenak
RESUMO 
 
 
MORAES, Larissa Pinto. Entre lugares: o que dizem os/as adolescentes “disponíveis para 
adoção”. 2021. 100 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) – Instituto de Psicologia, 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de janeiro, 2021. 
 
Esta pesquisa teve como objetivo cartografar os processos de construção do que se denomina 
“disponíveis para adoção” referentes a adolescentes em instituições de acolhimento, explorando 
suas possibilidades de aquilombamento. A pesquisa inicialmente seria realizada através de 
entrevistas com adolescentes em medida de acolhimento institucional e que já estivessem com 
o poder familiar destituído. No entanto, em razão da pandemia de COVID-19 e da 
impossibilidade de acesso às instituições de acolhimento, a mesma teve que ser reajustada, e se 
expandiu contando também com a participação de profissionais que trabalham no Sistema de 
Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente, no âmbito de políticas de proteção, mais 
especificamente no Tribunal de Justiça e em instituições de acolhimento. A pesquisa explora 
os processos e movimentações que estão presentes na construção e no desenvolvimento da 
legislação e das políticas públicas voltadas para a infância e juventude. Através da metodologia 
cartográfica, buscou-se mapear as possibilidades de formação de vínculos afetivos dos/as 
adolescentes acolhidos institucionalmente e que não podem retornar para suas famílias de 
origem, destacando o racismo e a autonomia como elementos cruciais no processo. Buscamos, 
nesse sentido, entender os circuitos acionados pelos/as adolescentes e pelas equipes para prover 
o direito estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente à convivência familiar e 
comunitária e as concepções de família oriundas desses deslocamentos. 
 
Palavras-chave: Adolescência. Acolhimento Institucional.Adoção. Políticas Públicas. 
Cartografia. 
 
ABSTRACT 
 
 
MORAES, Larissa Pinto. Between locations: what “available for adoption” teens have to say. 
2021. 100 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) – Instituto de Psicologia, 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de janeiro, 2021. 
 
The research aimed to map the construction processes of what is called “available for adoption” 
for adolescents in institutional care facilities, exploring their possibilities of forming bonds and 
connections with other people. The research would initially be carried out through interviews 
with teenagers who were institutionalized and who already had their family power deprived. 
However, due to the COVID-19 pandemic and the impossibility of access to care institutions, 
it had to be readjusted, and it was expanded, also counting on the participation of professionals 
working in the Child and Adolescence Rights Guarantee System, within the scope of public 
protection policies, more specifically in the Court of Justice and in institutional care facilities. 
The research explores the processes and movements that are present in the construction and 
development of legislation and public policies aimed at children and adolescence. Through the 
cartographic methodology, we sought to map the possibilities of forming affective bonds of 
institutionally cared adolescents who cannot return to their families of origin, highlighting 
racism and autonomy as crucial elements in the process. In this sense, we seek to understand 
the circuits operated by adolescents and teams to provide the right established by the Child and 
Adolescent Statute to family and community coexistence and the conceptions of family arising 
from these displacements. 
 
Keywords: Adolescence. Institutional Care. Adoption. Public Policies. Cartography 
 
LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS 
 
 
CDC Convenção sobre os Direitos da Criança 
CEDAE Companhia de Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro 
CEMAIA Centro Municipal de Apoio à Infância e Adolescência 
CF Constituição Federal 
CNA Cadastro Nacional de Adoção 
CNJ Conselho Nacional de Justiça 
CNS Conselho Nacional de Saúde 
CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social 
CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente 
CTs Conselhos Tutelares 
DPF Destituição do Poder Familiar 
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente 
ETIC Equipe Interdisciplinar Cívil 
FUNABEM Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor 
GIAA Grupos Institucionais de Apoio à Infância e Adolescência 
OMS Organização Mundial de Saúde 
PIA Plano Individual de Acolhimento 
PNCFC Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos de Crianças e 
Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária 
PPP Projeto Político-Pedagógico 
SAM Serviço de Assistência ao Menor 
SDG Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente 
SUAS Sistema Único de Assistência Social 
SNA Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento 
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 
TJ Tribunal de Justiça 
UFF Universidade Federal Fluminense 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
DOS RASCUNHOS DE UM (ENTRE) LUGAR121 ENTRE ENTRADAS E 
ENTRAVES: OS CAMPOS DE POSSÍVEIS NA CIRCULAÇÃO PELAS 
INSTITUIÇÕES DE ACOLHIMENTO 181.1
 Compondo perguntas, conjecturando conversas: o processo de pensar o 
encontro191.2 Entre ruídos, distopias e a tela preta: a dobra pandêmica
241.3 Espaços, afetos, memórias e conexões: o encontro com o plano de 
intervenção291.3.1 Macaé 
311.3.2 Rio das Ostras
331.3.3 Rio de Janeiro
341.3.4 A Tela e o gravador
 35 
1.4 Corpos (con)fundidos: “ela é a nova acolhida. não sabia?” 361.5 
“Pronto. Tá gravando. (...) você quer se apresentar?”: entre mesa, cadeiras, um 
gravador e outros desdobramentos 411.5.1 Entre chamadas, interrupções e funções 
fáticas: O estar junto das telas 422 FALANDO SOBRE MÁQUINAS RUBE 
GOLDBERG RIZOMÁTICAS: DESFIANDO O PLANO DE INTERVENÇÃO
 462.1 O emaranhado das dobras burocráticas: os fios das leis, resoluções e 
sistemas 492.2 Entre cansaços, devastações e rotatividades: o fazer estado não 
é maquinário, são (poucas) pessoas 572.3 Não bate: os números que faltam, a cor 
que não é vista 612.4 “Disponível para adoção”: caminho para si, traçado 
por outrem 653 FAMÍLIA PARA QUÊ(73M): AQUILOMBANDO OS 
VÍNCULOS 733.1 A família que dobra os/as adolescentes “disponíveis para 
adoção” 753.2 Cosmologias utópicas para desembaraçar o presente
 803.2.1 Camilles, parentesco e compartilhamento do cuidado: a vinculação 
pela via da ficção científica 823.2.2 Os parentes somos nós, juntos com o território
 843.3 Trajetórias possíveis dentro de circulações permitidas 86DOS 
TRAÇADOS A SEREM CONTINUADOS: ENTRE ESCAPES POSSÍVEIS
 90REFERÊNCIAS 94 
 
12 
 
 
12 
 
DOS RASCUNHOS DE UM (ENTRE) LUGAR 
 
E das mil histórias que eu vou contar 
Penam pelas curvas do meu caminhar 
Hiran – Na água de Oxum 
 
Essa pesquisa tem como objetivo cartografar os processos de construção do que se 
denomina “disponíveis para adoção”, explorando as possibilidades de aquilombamento1 
desses/as adolescentes. A palavra aquilombamento aqui empregada se refere aos processos de 
vinculação afetiva desenvolvida pelos/as adolescentes. Esse é o termo que iremos utilizar ao 
longo da escrita como recurso para nomear os encontros, agrupamentos e relações afetivas 
desenvolvidas pelos sujeitos com quem essa pesquisa se propôs a dialogar. O uso do 
Aquilombamento para descrever essas costuras é possível a partir do empréstimo do conceito 
de Quilombismo desenvolvido por Abdias Nascimento (2019). A partir de um estudo 
desenvolvido em duas cidades diferentes – Macaé e Rio das Ostras, foram realizadas entrevistas 
presenciais individuais, em período pré-pandemia, com adolescentes em um desses municípios; 
e entrevistas remotas com profissionais do Tribunal de Justiça (TJ) e do acolhimento 
institucional, a partir da instauração de estado de pandemia de COVID-19 no Brasil. Além 
disso, foram analisados os diários de campo desenvolvidos ao longo das idas às instituições de 
acolhimento e demais etapas do processo de investigação. O traçado desta pesquisa envolve 
pontos de análise que vão desde a legislação sobre o tema à produção de relações que essas leis 
permitem e também como as trajetórias desses/as adolescentes vão se compondo a partir disso. 
Através do uso da metodologia da cartografia, a proposta é pensar os percursos, estratégias e 
tensões que permeiam as possibilidades de vinculação afetiva desses sujeitos; desenhar os 
processos de estabelecimento e esfacelamento de laços deste/a adolescente com as variadas 
pessoas e instituições as quais atravessaram e atravessam suas vidas, tais como sua família de 
origem, a instituição de acolhimento, entre outras, até chegar ao seu momento de desligamento 
da instituição de acolhimento. 
Na nossa leitura, a categoria adolescente é entendida como uma construção social e 
histórica, assim como definida por Bock (2007) no texto Adolescência como construção social, 
o que nos permite uma leitura da categoria como algo relacional, localizada em um percurso e 
não naturalizada. A partir disso, temos na legislação brasileira adolescente como o grupo de 
 
1 A noção de aquilombamento será melhor desenvolvida ao longo do terceiro capítulo. 
13 
 
pessoas entendidas como sujeitos de direitos e em situação peculiar de desenvolvimento, entre 
as idades de 12 e 17 anos, sendo amparadas, desde 1990, pelo Estatuto da Criança e do 
Adolescente (ECA). 
O ECA possibilitou que fossem criados, reformados e instaurados mecanismos e 
instituições como medidas de proteção para esses sujeitos quando se encontram diante de 
ameaças ou violações de seus direitos.É através dessa legislação e das outras que a modificaram 
que são regulamentados os Conselhos Tutelares (CT), as Instituições de Acolhimento, os 
processos de adoção, entre outras estratégias. Os/as adolescentes que participaram desse estudo 
são sujeitos que têm as suas trajetórias cruzadas por essas medidas de proteção previstas no 
ECA. Cartografar esses movimentos nos possibilita pensar os percursos, interferências, escapes 
e potências dos/as adolescentes em medidas de proteção e que se encontram no lugar de estar 
“disponível para adoção”. 
Dessa forma torna-se importante mapear também para além de aspectos presentes nas 
relações existentes dentro do acolhimento e experienciadas cotidianamente pelos/as 
adolescentes. Entender as regras, as normas e as pactuações que engendram o funcionamento 
do equipamento, tanto do acolhimento quanto da adoção, nos permitem um desenho mais 
detalhado sobre os fluxos e movimentos que estão presentes no campo da pesquisa, o qual 
detalha também, nessa movimentação, as linhas de escape ou outras linhas possíveis de serem 
agenciadas dentro do rizoma que compõe a pesquisa. 
A inquietação que motivou a produção dessa pesquisa surgiu no final do meu processo 
de graduação em Psicologia na Universidade Federal Fluminense (UFF), no campus de Rio das 
Ostras, através da minha entrada nos campos de estágio. Na época, eu estava inserida em dois 
lugares que desencadearam uma série de questionamentos que permitiram a germinação desta 
pesquisa. Por meio da entrada nos estágios, entrei em contato pela primeira vez com as 
discussões de adoção, instituição de acolhimento, perspectivas futuras de adolescentes vivendo 
dentro de instituições e o lugar que a psicologia ocupa em todo esse intercâmbio de práticas no 
meio jurídico e na rede de assistência social. 
No estágio desenvolvido no Abrigo Municipal de Rio das Ostras eu era responsável por 
realizar atendimentos individuais, com foco em Orientação Profissional, junto a adolescentes 
acolhidos. No período em que desenvolvi essa atividade, atendi um adolescente de 16 anos de 
idade. Durante os encontros, questões a respeito do espaço (casa – instituição de acolhimento), 
do tempo de permanência no Abrigo, da relação que ele tinha com os profissionais da 
14 
 
instituição, do que ele achava das audiências concentradas2 e do peso em relação à maioridade 
apareciam constantemente. 
Já no estágio no Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro3, diferentemente do 
Abrigo, cuja entrada se deu através do campo da assistência social e ocorria de forma pontual, 
atuei como estagiária de psicologia jurídica, em uma equipe interdisciplinar e que estava o 
tempo todo em contato com profissionais de outras instituições. Ali, o/a adolescente, as 
instituições de acolhimento e a adoção também se fizeram presentes, mas, sendo atravessados 
pelo sistema de justiça, eram acionadas de maneiras diferentes. Foi nesse estágio que entrei em 
contato direto com algumas etapas institucionais que compõem o processo de adoção no Brasil. 
Elas foram o Grupo Institucional de Apoio à Infância e Adolescência (GIAA)4 e os processos 
de acolhimento – encarnados nas audiências concentradas e no Centro Municipal de Apoio à 
Infância e Adolescência (CEMAIA). 
Coordenado pela Equipe Interdisciplinar Cívil (ETIC)5, o GIAA em Macaé desenvolve 
uma atividade de grupo com pessoas que deram entrada ao processo de adoção, sendo estas 
caracterizadas como pretendentes ou postulantes à adoção6. Essa atividade acontece a cada 
semestre, sendo exigida a participação dos pretendentes para que haja a continuidade do 
processo de adoção e tem como objetivo “orientar e capacitar os habilitandos, habilitados, 
adotantes, adotados e demais pessoas interessadas, proporcionando uma reflexão continuada, 
de forma a fomentar e disseminar a nova cultura da adoção” (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO 
RIO DE JANEIRO, 2009). 
 
2 Audiência concentrada é o processo de reavaliação da situação de acolhimento da criança ou do/a adolescente 
que está em condição de acolhimento institucional ou familiar. Esse trâmite se tornou obrigatório a partir da Lei 
12.010/09 e deve acontecer com a presença de todos os envolvidos no processo de acolhimento: a criança ou o/a 
adolescente, os familiares, as equipes técnicas, o Ministério Público, o juízo, entre outros (FIGUEIREDO, 2014). 
 
3 Esse segundo estágio acontecia na comarca de Macaé, cidade vizinha àquela em que eu residia no momento da 
graduação. A equipe que trabalha nesta comarca é responsável por atender seis municípios do estado: Casimiro 
de Abreu, Conceição de Macabu, Carapebus, Macaé, Quissamã e Rio das Ostras. No estágio, minha atuação 
ficou majoritariamente ligada aos processos das Varas de Família e da Vara de Infância, Juventude e Idoso, da 
cidade de Macaé. 
 
4 Previsto pela Lei 8.069/90, art. 50 §3º, como um período de preparação psicossocial e jurídica, será melhor 
explicado posteriormente. 
 
5As ETICs são equipes interdisciplinares, composta por profissionais da Psicologia e do Serviço Social, que 
atuam junto ao sistema de justiça através da produção de documentos, acompanhamento de processos e das 
partes ligadas aos mesmos. 
 
6 No Brasil, segundo o art. 42 presente no ECA, quem pode realizar o processo de adoção são pessoas maiores de 
18 anos, independente do estado civil, e que tenham ao menos 16 anos de diferença com o adotando. 
 
15 
 
As audiências concentradas, previstas no ECA pelo art. 19 §1º, ocorrem a partir da 
determinação de que haja a reavaliação da situação do acolhido a cada três meses7, estando 
presentes todos os atores envolvidos no acompanhamento do caso – a criança ou o adolescente, 
os familiares, equipe da instituição de acolhimento, o CT, Ministério Público, a ETIC, o Centro 
de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), entre outros –, para que possam 
ser providenciados os encaminhamentos necessários, de modo que o tempo de permanência da 
criança ou adolescente dentro da instituição seja o menor possível. Esses encaminhamentos e 
suas justificativas, nas audiências que participei, podiam ser no sentido de: uma reintegração 
familiar, quando havia um retorno da criança ou do adolescente para a família de origem e, em 
consequência, a saída do acolhido/a da instituição de acolhimento; a manutenção do 
acolhimento, quando os investimentos feitos pela equipe se apresentavam como insuficientes 
para que houvesse um retorno do acolhido/a ao lar; colocação em família substituta, quando 
todas as possibilidades de retomada de vínculo familiar (nuclear e extensa) do acolhido/a eram 
exauridas, de modo que fosse determinada a Destituição do Poder Familiar (DPF) e, em 
consequência, a entrada do acolhido na lista de adoção do Sistema Nacional de Adoção e 
Acolhimento (SNA); ou desligamento, quando o adolescente acolhido atingia a maioridade e 
tinha que sair da instituição de acolhimento, pois não fora conseguido, em momento anterior, 
uma reintegração familiar ou colocação em família substituta. 
É importante ressaltar que a construção das justificativas para os encaminhamentos 
realizados em audiência era feita pelas equipes responsáveis pelo acompanhamento dos 
processos de acolhimento que presenciei ao longo do estágio, não sendo possível declará-los 
como conduta padrão de outras audiências concentradas em outras instituições de acolhimento. 
Em Macaé, as crianças e adolescentes envolvidos em processos de acolhimento 
institucional eram alocados no CEMAIA, que constituía o programa de acolhimento 
institucional do município, não havendo na época a possibilidade de colocação em família 
acolhedora8 na cidade. A instituição aparecia, dessa forma, como única opção excepcional de 
 
7 Mudança trazida pela lei 13.509/17. Anteriormente, a reavaliação dos processos de acolhimento acontecia a 
cada seis meses. 
 
8 Família acolhedora ou acolhimento familiar é uma modalidade de proteção socialespecial de alta 
complexidade, assim como o acolhimento institucional, do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Na 
modalidade do acolhimento institucional, mais popularmente conhecida como abrigo, a criança e o adolescente 
são retirados do convívio familiar e encaminhados para uma instituição, onde ficam sob os cuidados de 
profissionais (psicólogos, assistentes sociais, psicopedagogos, cuidadores, cozinheiros, guardas municipais, entre 
outros). Já na modalidade do acolhimento familiar, a criança e o adolescente ficam sob a responsabilidade de 
famílias que se cadastram como colaboradoras do programa e que são supervisionadas por uma equipe técnica. 
Essa segunda alternativa, que a partir da lei 12.010/2010 se torna preferencial nos processos de acolhimento, não 
significa a colocação em família substituta, ou seja, a adoção. A família acolhedora serve ao mesmo propósito 
16 
 
proteção. Em minha chegada ao estágio, a narrativa que me foi apresentada pelos atores 
envolvidos era a de uma instituição com histórico de constante troca de gestão e equipe interna, 
em razão das relações políticas municipais, e com estrutura contrária à legislação vigente, 
tomando tanto a cartilha de Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e 
Adolescentes (BRASIL, 2009), a qual preconiza uma estrutura com aspecto de residência, 
inserida no território que permita a interação entre a instituição e a comunidade no entorno, 
como o ECA e suas reformulações desde então, como referência. Ou seja, que a medida de 
proteção social especial de alta complexidade, que possui caráter excepcional, designada 
àqueles sujeitos não resulte em perdas de vinculação afetiva e que, enquanto na instituição, 
possam interagir com a comunidade no entorno, não estando isolados do convívio social. 
Essas duas práticas, o atendimento individual em Rio das Ostras e a atuação junto aos 
acolhidos/as em Macaé através do Tribunal de Justiça, me cutucaram a pensar a respeito dos/as 
adolescentes nesse espaço de estar “disponível para adoção”. Entendendo que os adolescentes 
que estão disponíveis para adoção no Brasil são pessoas que estão sob a proteção especial do 
Estado, em situação de acolhimento institucional ou familiar, como consequência de algum tipo 
de violação sofrida pelos mesmos. Entre lugares aparece, dessa forma, no título do trabalho 
com o intuito de nos provocar a pensar a ambivalência desse momento de vida dos envolvidos. 
Não há como, no Brasil, falar sobre estar na fila para ser adotado/a, sem falar também do 
processo de acolhimento no qual esse/a adolescente está inserido/a. 
 Como dito, a pesquisa foi construída com a articulação de adolescentes acolhidos e de 
profissionais do TJ e do acolhimento institucional. Ao longo dos capítulos optamos por uma 
escrita que revelasse os corpos que circulam por esses espaços, em companhia com o que 
Kilomba (2019, p. 14) coloca sobre o processo de escrita, entendendo que 
 
a língua por mais poética que possa ser, tem também uma dimensão política de criar, 
fixar e perpetuar relações de poder e violência, pois cada palavra que usamos define 
o lugar de uma identidade. No fundo, através de suas terminologias, a língua informa-
nos constantemente de quem é normal e de quem é que pode representar a verdadeira 
condição humana. 
 
Em razão de uma escolha ética-política-estética no que concerne o processo de escrita, 
pontuamos que no processo de referenciar os/as interlocutores da pesquisa, utilizaremos o termo 
primeiramente no feminino quando forem trazidas as contribuições das/os profissionais, dado 
que a maioria desse grupo era composto por mulheres, e no masculino para abordar as questões 
 
que as instituições de acolhimento, sendo entendidas como melhor alternativa por garantir, mesmo em medida de 
proteção, o acesso à convivência familiar e comunitária. No entanto, o acolhimento familiar ainda não é uma 
realidade em todos os municípios brasileiros (VALENTE 2013). 
17 
 
que os/as adolescentes acrescentarem a discussão, pois os dados do SNA apontam para um 
maior número de adolescentes meninos “disponíveis para adoção”. 
A dissertação está dividida em três capítulos. O primeiro apresenta a entrada no campo 
de pesquisa a partir do prisma da metodologia cartográfica, que conduziu o percurso de 
pesquisa, os lugares por onde a investigação circulou e quem construiu a pesquisa junto 
conosco. Nessa parte também introduzimos como a pandemia de COVID-19 dobrou a pesquisa, 
a partir das estratégias usadas em campo diante da situação de pandemia/isolamento social 
instaurados desde março de 2020, como isso afetou e foi afetado por um campo cartográfico de 
pesquisa. A proposta é pensar de que forma essa entrada no campo aconteceu, tanto de forma 
presencial como remota. Ou seja, que rotas foram sendo escolhidas, desenhadas e redesenhadas 
para chegar junto aos adolescentes “disponíveis para adoção” e as/os profissionais que 
trabalham diretamente com eles. Outro ponto discutido ainda no primeiro capítulo, é sobre a 
minha implicação nessa relação, de que forma o meu corpo – mulher, jovem, negra, 
pesquisadora – também produz movimentos na pesquisa. 
A segunda parte do texto, a partir das contribuições de estudos no campo da 
Antropologia do Estado, percorremos pontos que dobram e atravessam o cotidiano na trajetória 
dos/as adolescentes “disponíveis para adoção”. Num percurso que analisa como as legislações 
produzidas/produtoras de infâncias e adolescências se corporificam no dia a dia dos/as 
interlocutoras da pesquisa tecendo pontos sobre a execução do trabalho por parte das/os 
profissionais, a respeito das relações raciais dentro do acolhimento e da própria categoria de 
“disponíveis para adoção”. Racismo e autonomia aparecem aqui como questões fundamentais 
para a constituição deste adolescente que em breve terá que sair da instituição de acolhimento. 
O terceiro capítulo, por fim, apresenta as possibilidades de vinculações afetivas que 
os/as adolescentes “disponíveis para adoção” conseguem ter acesso, dadas as práticas e projetos 
executados nos acolhimentos institucionais e o histórico das políticas de proteção à infância e 
adolescência no Brasil, quando direcionadas para as camadas mais pobres da sociedade. O 
capítulo também propõe, a partir de um exercício criativo de mergulhar em outras visões de 
mundo, pensar possibilidades alternativas para promover aos adolescentes “disponíveis para 
adoção” a garantia do direito à convivência familiar e comunitária. 
 
 
18 
 
1 – ENTRE ENTRADAS E ENTRAVES: OS CAMPOS DE POSSÍVEIS NA 
CIRCULAÇÃO PELAS INSTITUIÇÕES DE ACOLHIMENTO 
 
Nesse ponto, não é mais um sujeito pesquisador a delimitar seu objeto. Sujeito e objeto 
se fazem juntos, emergem de um plano afetivo. O tema da pesquisa aparece com o 
pesquisar. Ele não fica escondido, disfarçado ou apenas evocado. (...) Cada palavra, 
em conexão com o calor do que é experimentado, nasce dos elos na rede e em nós 
pesquisadoras. Cada palavra se faz viva e inventiva. Carrega uma vida. Podemos dizer 
que assim a pesquisa se faz em movimento, no acompanhamento de processos, que 
nos tocam, nos transformam e produzem mundos. (BARROS; KASTRUP, 2015, 
p.73). 
 
Falar de metodologia implica em pensar quais percursos, falas, autorizações e 
delimitações são ou não aceitos dentro do campo de investigação proposto. Jota Mombaça 
(2016, p.345) no texto Rastros de uma submetodologia indisciplinada defende usar da pesquisa 
e, consequentemente, da escrita como redutos “para passar, por eles, ruídos até então ignorados; 
(...) viabilizando contextos de disputa em torno das questões sobre quem e como falar.”. Em 
outras palavras, entender o processo de investigação científica como um ato político, localizado 
e movimentador de afetações. 
A metodologia, nesse sentido, entra como o escopo que dá forma ao percurso do estudo. 
Gosto de pensar o processo de pesquisa como umpalco que possui um jogo de luzes, que 
permite a (in)visibilidade dos personagens em cena, mas que também é composto e afetado por 
elementos que estão para além do palco, onde todos eles confluem para o desenvolvimento da 
narrativa proposta. 
O fazer pesquisa na Cartografia se constrói através da relação, da afetação. Não se 
encontra fechada na pergunta que impulsiona a entrada no campo da pesquisa, mas busca pistas 
e caminhos possíveis através de uma questão impulsionadora. É um plano de ação que acontece, 
se transforma e se movimenta por meio da experiência, do encontro. Não há exatidão de como 
essa conexão vai se estabelecer, não ocorre através de um processo dual ou por meio de uma 
continuidade linear. O que acontece são “blocos de possível” diante do encontro com o outro, 
com o espaço (GUATTARI; ROLNIK, 2011). Esta pesquisa é movida pela busca de pistas a 
respeito das possibilidades de aquilombamento dos/as adolescentes “disponíveis para adoção”. 
É a partir dessa indagação que o desenho metodológico foi direcionado, dobrado e 
redimensionado. 
Cartografar será acompanhar os processos que atravessam esses adolescentes quando 
são levados a ocupar o lugar de estarem ‘disponíveis para adoção’, em uma captura de suas 
vidas que os enrijece, perdendo potência. Perdem sua condição de sujeitos. No entanto, 
resistem, estando em constante mudança, sofrendo e imputando transformações ao longo do 
19 
 
percurso, formando brechas, criando desvios no como estar no lugar de “disponível para 
adoção”. Dobrando a letra da lei, torcendo-a para habitar o que é possível na realidade, através 
de negociações, dribles, criações. Pensar a partir do conceito de rizoma é o que permite 
desconfiar de uma leitura única sobre o sentido desse estar "disponível para adoção". A 
movimentação constante do campo cartográfico, onde “devemos pensar o mapa não apenas 
pelo seu desenho final (o produto), mas pelo movimento realizado para a constituição de seu 
traçado (processo)”. (ZAMBENEDETTI; SILVA, 2011, p. 457) será fundamental para 
acompanhar esses deslocamentos que produzem e vão sendo produzidos por esses meninos e 
essas meninas. 
Nesse sentido, o campo de pesquisa vai sendo construído a partir da interlocução, do 
questionamento, da abertura para o processo que acontece na experiência. Da pergunta inicial 
certamente outras se (des)dobraram. Pozzana (2013, p. 325) coloca que “importa detectar a 
trama que acompanha o ato de conhecer e de criar um mundo, pois assim nos aproximamos do 
que engendra o pessoal e o coletivo; nos aproximamos do conhecimento concreto e articulado 
que tem efeitos políticos, éticos e estéticos”. E foi assim que o estranhamento em torno da 
concretude da definição de “disponíveis para adoção” foi ganhando corpo e foi sendo 
cartografado. 
Assim, esse capítulo irá discutir pistas metodológicas que compõem a pesquisa, os 
“blocos de possível” que foram surgindo no caminhar e nas dobraduras que foram se fazendo 
ao longo da dissertação, tais como: a constante transformação do campo de pesquisa; a pesquisa 
como composta por encontros; a cartografia enquanto um processo de co-construção; a não 
existência de um início-meio-fim, mas de um imbricado de relações que compõem o campo de 
forma não linear; a necessidade de estar aberta e atenta aos encontros; entre outros. E, assim, 
analisar quais processos levaram à entrada nas instituições de acolhimento, ao encontro com os 
sujeitos que integram a pesquisa, o que o ano de 2020 trouxe de dobraduras na configuração do 
estudo, assim como outras questões que foram atravessando a pesquisa ao longo do percurso. 
 
 
1.1 – Compondo perguntas, conjecturando conversas: o processo de pensar o encontro 
 
Não se trata de levantar dados objetivos e debruça-los meramente como tais, e 
tampouco da cisão teoria–prática, sujeito–objeto, pesquisador-pesquisado, mas de 
debruçarmos-nos sobre a complexidade da vida humana, quais as estratégias 
metodológicas que podem dar conta da pluralidade, mutabilidade desta estética da 
existência? Esta é a questão que a partir de agora interessa-nos perseguir. (PAULON; 
ROMAGNOLI, 2010, p. 90). 
 
20 
 
D’Angelo, De Garay Hernández e Uziel (2019, p. 11-12) nos oferecem pistas para 
pensar essas estratégias metodológicas. As autoras colocam que “cartografar é acompanhar as 
forças, os movimentos e os fluxos, ou seja, as tensões que se atravessam no campo, e é nos 
entres e nos nós das tramas criadas por essas tensões que a vida e a pesquisa acontecem”. 
Entendendo que o objetivo do estudo era cartografar os processos de construção do que se 
denomina “disponíveis para adoção” explorando as possibilidades de aquilombamento 
desses/as adolescentes, foi, então, necessário pensar de que forma pretendíamos fazer isso; qual 
seria o nosso ponto de entrada e quais questões disparariam esses processos. 
No texto Da antropofagia à caosmofagia, Salles (2014) nos traz o movimento 
antropofágico de Oswald de Andrade, alinhado aos estudos de Deleuze e Guattari, para pensar 
a tessitura desse algo que nos possibilita existir enquanto sujeitos no mundo, de que forma isso 
vai sendo gerado. O autor coloca, ao longo do texto, que nos constituímos a partir, e também 
através, de encontros – sejam com pessoas, animais, objetos. Estamos, dessa forma, em um 
processo contínuo de afetação pelos encontros, onde absorvemos e somos mutuamente 
absorvidos. Salles (2014, p. 304) expõe que “o encontro dos corpos é o encontro de forças. 
Forças que se atraem e se repelem, somam e subtraem, compõem e decompõem. Essas forças 
estranhas e invisíveis estão presentes em tudo. A vida é feita do encontro de forças que se 
devoram (...). Tudo é encontro.”. Nesta pesquisa foram muitos encontros: feitos em espaços 
conhecidos e em lugares em que a pesquisa me possibilitou entrar pela primeira vez; com 
pessoas que fizeram parte do meu percurso formativo e com aquelas que só conheci através do 
mestrado; encontros burocráticos (entregas de documentos, idas a repartições, reuniões de 
apresentação do projeto), encontros circunstanciais (conversas com as cuidadoras/es, com os 
guardas municipais, com as funcionárias da cozinha) e encontros pelas entrevistas; encontros 
feitos pelas falas e outros feitos através da escrita; encontros que aconteceram presencialmente 
e os que só foram possíveis por vídeo chamada. 
Nesse sentido, o ato de pesquisar é composto por processos de afetação, possibilitado 
pelos encontros que acontecem ao longo do caminhar no estudo. E a pandemia, provocada pela 
disseminação do vírus COVID-19 no Brasil e no mundo, desaguou em muitas afetações no 
percurso da pesquisa, desde o modo como os encontros passaram a acontecer até a escolha das 
pessoas que encontramos no cenário pandêmico. A cartografia se afasta de metodologias que 
pregam a “neutralidade” e, consequentemente, pelo afastamento do pesquisador de seu “objeto 
de estudo”. A leitura cartográfica desses lugares que compõem a pesquisa demanda o contato, 
o estar junto, para que ela seja desenvolvida - mesmo que o junto tenha se ressignificado, 
atravessado pela pandemia. Passos e Barros (2015, p.17) colocam que “a diretriz cartográfica 
21 
 
se faz por pistas que orientam o percurso da pesquisa sempre considerando os efeitos do 
processo de pesquisar sobre o objeto da pesquisa, o pesquisador e seus resultados”. Ou seja, 
assim como os sujeitos que fazem as pontes de conexão com aqueles/as que são convidados a 
integrar o estudo, a pesquisadora também é parte da pesquisa. Todos nós fazemos parte do 
processo cartográfico. 
Dessa forma, falar de um processo não neutro também implica em elaborar uma 
interação que não acontece de maneira asséptica, controlada ou isolada de fatores externos. Ao 
contrário, o desenho cartográfico ocorre a partir de interseções, cruzamentos, 
imprevisibilidades diante do contato. Essa movimentação, no entanto, não significa ausência de 
umametodologia científica. É um método que se constrói com o fazer, com teoria e prática 
conectadas de forma indissociável, sem garantias quanto ao rumo que esse fazer terá tomado 
no encerramento. Uma ciência que se ocupa com os percursos, os processos, as pistas que 
ocorrem no “entre” do fazer. Sempre em movimento, nunca fixada e desprendida de concepções 
binárias. É preciso estar aberta para os desvios, nas suas mais variadas facetas, que desembocam 
no decorrer da pesquisa para que a cartografia se faça presente. Faz-se, assim, necessário uma 
abertura para a experiência, um caminho para afetar e também ser afetada. E essa maleabilidade 
que pertence a cartografia foi o que nos permitiu traçar outras linhas no plano rizomático da 
pesquisa quando a pandemia se fez presente no nosso cotidiano. Diante de um cenário caótico 
de contágio, isolamento e vivendo um constante jogo de reinvenção e imprevisibilidade, a 
cartografia nos trouxe potência pela criação de fugas e dribles em meio a incertezas (PAULON; 
ROMAGNOLI, 2010; PASSOS; BARROS, 2015; KASTRUP, 2015). 
A partir das pistas oferecidas por Tedesco, Sade e Caliman (2013), a entrevista aparece 
em cena como possibilidade de entrada no acompanhamento das trajetórias dos/as adolescentes 
“disponíveis para adoção”. As autoras colocam que a cartografia se infiltra na entrevista através 
dos manejos utilizados pela pesquisadora. Essa conversa engloba a fala, mas não se limita a ela, 
pois o acontecimento é também permeado por gestos, olhares, pausas e interrupções. A 
experiência, nesse sentido, não diz respeito somente aos fatores/informações narrados pela 
pessoa que foi convidada a participar da pesquisa, mas contempla também todas as 
interferências que se fazem presentes no momento da conversa. A entrevista, quando tem uma 
escuta aberta para a experiência, sai de uma busca por verdades, de reafirmações de 
pressupostos e se encarna no encontro, adquirindo curvas, borramentos, tensões, fugas. “A 
entrevista intervém na experiência do dizer. São os efeitos dessa experiência compartilhada, 
produzida e sustentada na prática “linguageira” da conversa em curso na entrevista, que a 
cartografia elege como seu objeto” (TEDESCO; SADE; CALIMAN, 2013, p. 304). A ideia ao 
22 
 
usar a entrevista, segundo eles, é “colher” ao invés de coletar dados, o que faz com que essa 
relação estabelecida através da conversa tenha que ser repactuada entre os envolvidos durante 
todo o percurso. Isso permite uma construção conjunta da produção do conhecimento. Ou seja, 
utilizar o espaço dos encontros, das entrevistas e dos meandros que se colocam por meio das 
falas, dos gestos, das escolhas que perpassam as pessoas que articulam a pesquisa junto comigo 
para poder pensar a formação dos vínculos; os processos possíveis de aquilombamento para 
os/as adolescentes” disponíveis para adoção”. É por aí que vamos tecendo a produção de 
conhecimento aqui proposta. 
 
O “entre” presente no título do texto, assim como o “entre” colocado por Deleuze e 
Guattari (1995) na discussão sobre o rizoma, não fala da metade de algo ou sobre o meio entre 
um lugar e outro. Ele aparece enquanto um lugar próprio, com suas particularidades, 
atravessamentos, desvios. No título, o “entre” destaca o/a adolescente que não foi adotado/a, 
mas que também não tem possibilidade de retornar para a sua família de origem; buscando, 
dessa forma, tensionar o lugar que esses/as adolescentes habitam, o que é produzido a partir 
dele e quais (des)conexões são autorizadas e desejadas. Com isso, podemos elaborar questões 
disparadoras para os encontros, interrogações que não sejam fechadas em si, mas que nos 
ofereçam pistas de caminhos possíveis para esse/a adolescente; pensar, inclusive, se eles/as 
usariam este enunciado: “disponíveis para adoção” sobre eles mesmos e o que exatamente está 
colocado como possível nesse “entre” para esses sujeitos. 
As primeiras questões elaboradas, esmiuçadas ainda no andar inicial da pesquisa com 
base nas leituras sobre o tema e minha experiência anterior de estágio, na época da graduação, 
foram: Quais as discrepâncias de atuação dos profissionais em relação ao que está determinado 
no texto da lei? Quais as trajetórias dos adolescentes que estão disponíveis para adoção? Que 
percursos são pensados junto a esses adolescentes a respeito de suas possibilidades frente à 
situação em que se encontram? 
Nas entrevistas, a relação com os profissionais da instituição de acolhimento e com as 
equipes técnicas das Varas de Infância, os trajetos dos/as adolescentes até o acolhimento, a 
adoção, expectativas no futuro foram pontos norteadores para os encontros, mas eles não eram 
elaborados de maneira excludente ou limitante. O que significa que esses pontos ofereceram 
abertura para outras provocações e caminhos que não poderiam ter sido programados e/ou 
antevistos em momento anterior à entrevista. Além disso, Sade et al (2013, p. 2816) colocam 
que a entrevista, por meio do manejo cartográfico, pode ser utilizada também como “um 
procedimento para a produção e a coletivização das questões investigadas, ensejando novos 
23 
 
sentidos, produzindo diferenciações, traçando novas linhas de conversa, promovendo 
agenciamentos com vozes de coletivos até então inaudíveis”. 
 Outras questões importantes a serem pensadas no manejo da entrevista são trazidas por 
Frochtengarten (2009) no texto A entrevista como método: uma conversa com Eduardo 
Coutinho. Em uma troca com o documentarista Eduardo Coutinho, o autor instiga o cineasta a 
falar sobre as formas que as entrevista acontecem durante a gravação dos filmes dele. Três 
pontos abordados pelo autor nos interessam para pensar em pistas na condução cartográfica de 
uma entrevista. 
O primeiro ponto tange ao que deveríamos ou não buscar no discurso dos entrevistados. 
O documentarista expõe que não está interessado em checar as informações que são ditas, que 
não está preocupado com averiguações das falas enquanto falsas ou verdadeiras, pois entende 
as narrativas como mutáveis, momentâneas, condicionadas ao tempo, memória e ao afeto. Sua 
atenção é voltada para como as histórias são contadas. 
O segundo ponto é sobre entender os cortes e as interrupções como parte do processo. 
Vão existir momentos em que o entrevistador vai interromper uma fala ou fazer um 
redirecionamento ruim e isso é passível de acontecer, pois são pessoas interagindo. Ele diz da 
imprevisibilidade do encontro que está sempre ligada ao acaso, exigindo do entrevistador uma 
maleabilidade para lidar com o não programado. 
Já o terceiro ponto nos provoca a pensar no efeito da câmera – ou no caso da pesquisa, 
do gravador e mesmo da vídeo chamada, em tempos de pandemia – na performatividade de 
quem está sendo entrevistado. Qual o impacto desses elementos no encontro, quais os efeitos 
desencadeados pela gravação desses momentos, de que formas isso afeta o que é falado ou o 
que o aparelho silencia, ou até o aparecimento de eventuais medos por questões que escapam 
pela fala. Um fio de acontecimento para podermos pensar sobre isso aconteceu ao término de 
uma das entrevistas, onde a articuladora perguntou se eu poderia enviar-lhe a entrevista, 
aperreada por pensar em “várias coisas que eu deveria ter dito diferente” (sic). 
 
A cartografia aposta nessas brechas para a criação de laços de confiança que permitam 
uma co-construção da pesquisa, apostando também em outra concepção de 
subjetividade, que faça surgir forças que singularizem em face à serialização, que 
multipliquem em face à homogeneização. (D’ANGELO; DE GARAY 
HERNÁNDEZ; UZIEL, 2019, p. 12). 
 
Dessa forma, podemos dizer que a reunião das pistas elencadas permite um processo de 
produção do conhecimento aberto ao acontecimento. Sem que para isso tenha que promover a 
padronização dos encontros ou uma homogeneização entre os sujeitos que compõem a pesquisa. 
24 
 
Ao contrário, pois, ao permitira particularidade de cada encontro e a existência heterogênea 
entre os integrantes, impede uma reprodução/representação do que é produzido. 
Além das entrevistas, a pesquisa também é composta pelo uso de diários de campo. 
Partindo do pensamento de que “todo acontecer nos coloca necessariamente na dimensão do 
inédito e da diferença irredutível, incomparável. É que jamais permanecemos os mesmos a cada 
encontro” (FUGANTI, 2012, p.76), achamos necessário a utilização de outro elemento para 
cartografar o plano de intervenção e é no mapeamento dos mais variados aspectos dos encontros 
que o diário de campo entra em cena. Existem meandros na pesquisa cartográfica que escapam 
do acontecimento da entrevista, mas que também compõem a trama do que precisa ser mapeado. 
Os diários de campo permitem mais texturas ao desenho do plano de intervenção, agregando 
cores, cheiros, lembranças. E também o registro de outros momentos que não a entrevista, tais 
como: as reuniões com as equipes técnicas do acolhimento; os planejamentos e trocas nas 
orientações; as burocracias, protocolos e documentações que circulam ao longo da pesquisa. 
Todos esses aspectos também produzem linhas, fluxos, mundos (POZZANA, 2013; 
OLIVEIRA, 2014). 
 
1.2 – Entre ruídos, distopias e a tela preta: a dobra pandêmica 
Coronavírus, também conhecido como COVID-19. Lembro de ler uma reportagem no 
início do ano de 2020 falando sobre o fechamento completo de Wuhan, a cidade chinesa que se 
tornou o primeiro epicentro de contágio da doença. Lembro da minha descrença quanto à 
obediência da população frente à medida que previa o isolamento completo de uma cidade mais 
populosa que a capital de São Paulo. Até aquele momento, a doença e sua forma de contágio, 
que se assemelhava a algo saído de um livro do Sidney Sheldon, eram tópicos de curiosidade a 
serem debatidos numa mesa de bar. Preocupante, mas distante da realidade de um verão 
acreano. 
Quando os casos começaram a ser reportados por outros países, como pipocas 
estourando em uma panela, e a Itália anunciou o fechamento das fronteiras como mecanismo 
para tentar evitar o contágio, algo clicou como um aviso de alerta de que a situação era mais 
séria e urgente do que parecia um mês antes. 
Para mim a palavra pandemia é uma daquelas palavras pesadas, que você guarda como 
uma carta na manga até que ela não possa mais ser evitada. Ela aciona medo, incerteza, morte... 
Muitas mortes. A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou estado de pandemia no dia 
11 de março de 2020. A população no Brasil, que por essa data estava dando tchau para os 
últimos resquícios do carnaval, começou a estocar comida, álcool em gel, água, por ocasião do 
25 
 
aparecimento dos primeiros casos da doença no país. Essa situação foi somada, na cidade do 
Rio de Janeiro, à contaminação da água fornecida pela Companhia de Estadual de Águas e 
Esgotos do Rio de Janeiro (CEDAE). Já a música do Arnaldo Antunes que tocava no programa 
do Castelo Rá-Tim-Bum, Lavar as mãos, parecia tocar num looping ao ser resgatada e usada 
como forma de veicular a necessidade de higienização das mãos. 
Boletins diários com atualização de números de infectados e mortos passaram a ter um 
espaço fixo nos jornais. No início, era a única temática de notícia a ser veiculada. Agora, 
acontece assim como os anúncios da previsão do tempo. Diante dos números cada vez mais 
alarmantes que o Brasil vem registrando – estando com, atualmente, 532.893 mortes 
confirmadas9, o país passou 10 meses com um militar atuando como Ministro da Saúde, que foi 
nomeado interinamente, em meio a sua maior crise sanitária. O governo federal tem tido como 
resposta à pandemia a produção ativa de desinformação e o abandono da população através do 
boicote às medidas de segurança/saúde, da veiculação de informações sem respaldo científico, 
da desarticulação, da desmobilização da campanha nacional de imunização, da recusa de 
compra de vacinas, do esfacelamento de alianças diplomáticas com países produtores de 
insumos hospitalares, etc. Tendo ficado a cargo dos governos estaduais e municipais formar 
suas agendas de contenção, medidas de proteção e campanhas de vacinação, o que ocasionou 
outra barreira de acesso à melhor oferta de atendimento em saúde, visto que não existe uma 
unificação dos/nos procedimentos de enfrentamento à COVID-19. 
 
Isolamento social x quarentena. Use a máscara, caso precise sair de casa. Não use a 
mesma máscara por mais de duas horas. Evite mexer na máscara enquanto a estiver usando. 
Higienize a comida. Tome banhos assim que chegar em casa e não toque em nada antes disso. 
Não toque em nada que você não tenha passado álcool em gel ou sabão. Não toque em ninguém 
também, se puder evitar. Não vá para e/ou faça aglomerações. Fique em casa, se você tiver 
condições... Essas são algumas das recomendações de segurança diante do risco de contágio do 
COVID-19. 
O que está posto em cena, como consequência do alastramento do coronavírus pelo 
mundo, não é novo ou imprevisível. Questões como quem são as pessoas mais atingidas pela 
pandemia, o desmantelamento do sistema de saúde, a precarização das relações trabalhistas são 
 
9 Segundo consulta feita no dia 10/07/2021. Disponível em: 
https://www.google.com/search?q=mortes+covid+brasil&rlz=1C1AVNG_enBR669BR669&oq=mort&aqs=chro
me.2.69i57j0l2j46j0j69i60l3.7725j0j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8 
https://www.google.com/search?q=mortes+covid+brasil&rlz=1C1AVNG_enBR669BR669&oq=mort&aqs=chrome.2.69i57j0l2j46j0j69i60l3.7725j0j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8
https://www.google.com/search?q=mortes+covid+brasil&rlz=1C1AVNG_enBR669BR669&oq=mort&aqs=chrome.2.69i57j0l2j46j0j69i60l3.7725j0j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8
https://www.google.com/search?q=mortes+covid+brasil&rlz=1C1AVNG_enBR669BR669&oq=mort&aqs=chrome.2.69i57j0l2j46j0j69i60l3.7725j0j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8
https://www.google.com/search?q=mortes+covid+brasil&rlz=1C1AVNG_enBR669BR669&oq=mort&aqs=chrome.2.69i57j0l2j46j0j69i60l3.7725j0j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8
26 
 
o resultado e a aceleração de processos que já estavam em curso na nossa sociedade. E que 
ficam agora mais expostos como uma ferida cutucada incessantemente. 
 
vivemos um ano que nos demanda força e coragem para seguir em frente diante de 
uma pandemia que deixa ainda mais expostas nossas mazelas sociais e aguça as 
injustiças, na medida em que ignora as redes de cuidado necessárias para que seja 
possível passar pelo isolamento social. (MONTEIRO, 2020, p. 109) 
 
Ao mesmo tempo, há tentativas de remediação ou, ao menos, apaziguamento do 
chacoalhar acionado pela proliferação do coronavírus, como: as ações hercúleas de grupos da 
sociedade civil, que tentam suprir as lacunas e ausências do Estado, ao oferecer kits de comida 
e higienização nas periferias; as chamadas de vídeos em grupo nas plataformas eletrônicas de 
reunião para cantar parabéns ou trocar risos, histórias, aperreios; a disponibilidade de pessoas 
em se voluntariar para fazer feiras/ir à farmácia para pessoas que pertencem a grupos de risco, 
entre tantas outras. 
Temos vivido desde março de 2020 um nova configuração social, onde sair de casa é se 
colocar em risco de contágio ou de ser agente transmissor e infectar outras pessoas; em 
situações nas quais as nossas interações ocorrem por telas de computador/telefone, onde nem 
sempre ver/escutar o outro é possível; na qual dependemos de outros fatores, além dos sujeitos, 
para que o encontro aconteça. Nesse novo mapa que, para além do entrecruzar de suas linhas, 
parece ter outro desenho, também com linhas, cruzamentos e desvios próprios; sobreposto em 
papel manteiga. Como pensar o acompanhamento de processos por esse desenho? Quais pistas 
a cartografia nos oferece para pensar a pesquisa? Como fazer o luto da pesquisa que não terá 
sido realizada? 
Deleuze (1991) pensa que os acontecimentos ocorrem por interferências orgânicas e 
inorgânicas; duas forças que operam de formasimultânea através de dobraduras, promovendo 
transformações nos territórios e nos sujeitos, responsáveis pelo processo produção de 
subjetivação. A pandemia entra como uma dobra na disposição da pesquisa, redesenhando o 
campo, os percursos e, consequentemente, modificando o próprio estudo. O autor coloca que 
“dobrar-desdobrar já não significa simplesmente tender-distender, contrair-dilatar, mas 
envolver-desenvolver, involuir-evoluir” (DELEUZE, 1991, p. 21). 
Numa situação onde todo tipo de contato presencial não emergencial com o mundo para 
além da porta da minha casa foi cortado, como foi possível (re)pensar os encontros - que, no 
cenário anterior, aconteceu porque houve um deslocamento de uma cidade para outra, do olho 
no olho, do levantar, sentar e se mexer; do aperto de mão, do comer junto - com os/as 
27 
 
adolescentes? Que dobras foram acionadas para articular o plano de intervenção diante do 
cenário pandêmico? Que outras maneiras encontramos de estar juntos? De que forma 
conseguimos acessar as transformações que a pandemia trouxe para os/as adolescentes 
“disponíveis para adoção”? A pandemia esticou este estado, esta condição deles/as? Até 
quando? 
Com a instauração da pandemia tínhamos realizado a primeira entrevista com dois 
adolescentes e estávamos com outras quatro conversas agendadas para acontecer nos meses 
seguintes. Porém, de repente em meio a planejamentos pós-carnaval, nos vimos sem rumo, 
testando dobraduras que fizessem sentido dados as incertezas e medos que iam se desenrolando 
a cada novo dia. 
As instituições de acolhimento fecharam, passando a funcionar em regimes de plantão, 
com a maior parte dos funcionários trabalhando de forma remota. No dia 17 de abril de 2020 o 
CNJ, em conjunto com o Ministério Público, o Ministério da Cidadania e o Ministério da 
mulher, da família e dos direitos humanos, publicou no Diário Oficial uma recomendação 
conjunta que aconselhava agilizar a finalização dos processos de adoção em andamento, a 
concessão de guarda dos acolhidos, dentre outras medidas com o intuito de ter o menor número 
possível de crianças e adolescentes em instituições de acolhimento. 
Diante disso, uma das primeiras decisões quanto ao rumo da pesquisa foi a suspensão 
de atividades presenciais, em função do risco de contágio e disseminação do vírus e também 
porque nos primeiros meses a circulação entre linhas municipais estavam restritas10. 
Isso desencadeou a necessidade de uma segunda escolha: expandir o grupo de pessoas 
que conversaram comigo. O caminho percorrido até março de 2020 era no sentido fazer as 
entrevistas apenas com os/as adolescentes “disponíveis para adoção”, entendendo a importância 
da escuta desses sujeitos sobre seus próprios planos e projetos. Era importante para nós que 
esses/as adolescentes fossem vistos/as e escutados/as sobre o lugar que eles/as ocupam na 
discussão sobre estar nas instituições de acolhimento e no Sistema Nacional de Adoção e 
Acolhimento (SNA). Com a chegada da COVID-19, no entanto, as conversas tiveram que ser 
 
10 Podemos citar aqui os Decretos Nº 47.375/2020 e Nº 47.006/2020, liberados pelo poder executivo estadual, 
como exemplo de medidas que acabaram por alterar e impossibilitar a mobilidade que tínhamos planejado para a 
pesquisa poder acontecer de forma presencial. Esses decretos, assim como outros que tratavam sobre medidas de 
enfrentamento ao COVID-19 e que passaram a ser liberados quase diariamente, estavam sendo renovados a cada 
15 dias. Entre outras medidas, eles previam a suspensão da circulação de transportes intermunicipais. Após 
alguns meses, as cidades começaram a se organizar por planos de reabertura através de um planejamento 
estruturado por fases que ia autorizando a reabertura de espaços como praias, shopping, cinema, museus; 
condicionado a um intervalo de tempo e também do número de pessoas infectadas no município. Disponível em: 
https://pge.rj.gov.br/covid19/estadual/decretos. 
 
https://pge.rj.gov.br/covid19/estadual/decretos
28 
 
adaptadas. Passamos a nos organizar para realizá-las online, através de videochamadas ou 
ligações. No entanto, ficamos receosas quanto a realizar as entrevistas com os/as adolescentes 
por essa via, pelos efeitos que poderia gerar a impossibilidade de estar com eles/as 
pessoalmente. Seria viável ter um primeiro contato que não fosse presencial, que não se 
construísse de forma mais plena, experimentando jogos de corpos, sentidos as expressões, 
retrações, sensações que o contato físico permite? Optamos, dessa forma, por marcar outro 
encontro com os adolescentes com quem eu já tinha conversado em momento anterior à 
pandemia. As novas entrevistas seriam só um complemento; daríamos continuidade. E 
adicionamos à lista as/os profissionais que estão trabalhando diretamente com os/as 
adolescentes sobre quem a pesquisa busca tecer. Convidamos as/os assistentes sociais e as/os 
psicólogas/os que atuam nas instituições de acolhimento e nas ETICs onde o estudo foi 
desenvolvido. A pesquisa, então, passou a tomar a forma de um caleidoscópio para mim, na 
qual adquirimos a possibilidade de tingir de várias perspectivas o mapa cartográfico sobre as 
possibilidades de vinculação dos/as adolescentes “disponíveis para adoção”. Abraçando 
Dumaresq (2016, p. 128) quando ela diz que “para de fato se humanizar uma pessoa é preciso 
lhe permitir não apenas falar de si mesma, mas transformá-la em sujeito epistemológico como 
o agente da escuta supõe ele mesmo ser”. 
A partir da opção por seguir a pesquisa através de videochamadas, realizando esses 
encontros de forma digital, passamos a configurar também um quarto lugar por onde a pesquisa 
caminhou além de Macaé, Rio das Ostras e Rio de Janeiro - esse espaço de encontro 
possibilitado pela internet. Um lugar que é criado dentro do estudo a partir da impossibilidade 
do “estar junto” de forma presencial, dobrando a ideia de espaço/lugar que vínhamos 
construindo até março de 2020. 
Com isso, podemos pensar o campo de pesquisa, onde “cada movimento percorre todo 
o plano, fazendo um retorno imediato sobre si mesmo, cada um se dobrando, mas também 
dobrando os outros ou deixando-se dobrar, engendrando retroações, conexões, proliferações” 
(DELEUZE; GUATTARI, 2010, p. 49). A metodologia nos permite, dessa forma, pensar os 
acontecimentos imprevisíveis, como a pandemia, os encontros online, a ampliação de pessoas 
que compuseram a pesquisa enquanto curvaturas e atravessamentos que, ao serem dobradas, 
remodelam o desenho da investigação proposta, permitindo, assim, o desenho de outros 
caminhos possíveis para mapear as possibilidades de vinculação dos/das adolescentes 
“disponíveis para adoção”. 
 
29 
 
1.3 – Espaços, afetos, memórias e conexões: o encontro com o plano de intervenção 
 
Andando por todos os cantos 
E pela lei natural dos encontros 
Eu deixo e recebo um tanto 
Novos Baianos – O mistério do planeta 
 
Composto de uma tessitura em constante transformação e contextos que se atravessam, 
dobram e se recompõem, o plano de intervenção é uma variação contínua, permeada por 
movimentos não fixados, que na pesquisa cartográfica é o termo que optamos por utilizar no 
lugar de campo de intervenção, pois ele nos permite perceber a desestabilização que compõe o 
mapa da pesquisa (PASSOS; BARROS, 2015). Nesse sentido, Barros e Kastrup (2015, p. 58) 
vão dizer que “o cartógrafo se encontra sempre na situação paradoxal de começar pelo meio, 
entre pulsações”. Não é possível, a partir da cartografia, pensar esse plano como algo que tem 
um início, um meio e um fim. Esse lugar, esses sujeitos, a pesquisa, todos fazem parte de um 
desenho embrenhado, em constante elaboração. E agrupam não uma representação de uma 
realidade, mas uma composição que emerge a partir do plano de intervenção. Uma composição 
que só é possível ser acessada estando em relação com os sujeitos, os lugares, os meandros que 
se fazem presentesna pesquisa. (PASSOS e BARROS, 2015; KASTRUP, 2015). 
E esta pesquisa talvez comece mesmo pelo meio... Como já narrado, a pesquisa 
aconteceu em três municípios do estado: Macaé, Rio das Ostras e Rio de Janeiro sendo, neste 
ano de isolamento físico, dobrada para acontecer em um quarto espaço: o espaço de encontros 
possibilitado pelo meio digital. Suponho que uma das possíveis indagações diante disso seja: 
mas como se chegou a essa combinação? 
Bem, na entrevista do processo seletivo do mestrado, onde contei que havia feito 
faculdade no interior do Rio de Janeiro e que sou natural do Acre, essa também foi uma pergunta 
levantada. Na época, pensamos em realizar as entrevistas somente na capital do estado, levando 
em conta o curto período de tempo que existe dentro do mestrado. Pensando no tamanho do 
município e que previamente à entrada nas instituições de acolhimento seria necessária a 
liberação pela secretaria de assistência social, iniciamos o processo procurando os passos para 
efetivar o pedido de liberação da pesquisa nos sites institucionais da prefeitura da cidade do Rio 
de Janeiro. Ali as informações eram insuficientes e os telefones para contato achados eram de 
secretarias de outros municípios. Diante disso, ficou decidido ir à prefeitura em busca de 
30 
 
informações, autorizações e o que mais fosse necessário para que o pedido de liberação para 
realização da pesquisa fosse colocado em movimento. 
Depois de várias subidas de elevador e descidas de escada, performando cenas mais 
similares àquelas escritas por roteiristas de programas de comédia ao entrar em vários setores 
diferentes no prédio da prefeitura em busca da sessão responsável pela análise do pedido para 
a realização de pesquisa na assistência social e receber respostas como: “Isso não é aqui. Você 
tem que ir a outro protocolo”, encontramos o setor, no canto do corredor, com o banner de 
identificação dentro da sala. Ali, no entanto, nos deparamos com burocracias que levariam um 
período considerável de tempo para a análise do projeto, pois dependiam da liberação de outras 
instâncias. E novamente o relógio do mestrado bateu. 
Como uma boa cartografia, com a abertura do protocolo na prefeitura do Rio de Janeiro 
em curso, começamos a desenhar outros caminhos possíveis para a entrada em instituições de 
acolhimento. Assim, entrei em contato com minha supervisora da graduação, que tem abertura 
na assistência social do município de Rio das Ostras por conta de práticas de estágio, para 
sondar como funcionava o processo de liberação para pesquisa no município e, através disso, 
foi feita uma ponte com a instituição de acolhimento da cidade. Essa conexão possibilitou a 
apresentação do projeto de pesquisa para a equipe técnica do acolhimento institucional do 
município e posterior autorização para a realização das entrevistas junto aos acolhidos 
interessados em compor o projeto. Esse primeiro encontro com a equipe técnica de Rio das 
Ostras desembocou em uma ligação com a equipe técnica do município de Macaé. Na ocasião, 
havia explicado sobre o estágio na comarca de Macaé quando era estudante da UFF de Rio das 
Ostras e como isso tinha me provocado para pesquisar sobre adolescentes “disponíveis para 
adoção”. Nisso, contatos foram trocados e alguns meses depois me encontrei em outra cidade 
apresentando novamente o projeto de pesquisa e tendo, logo em seguida, autorização para 
entrevistar as acolhidas daquela instituição. 
Aí chegamos em março de 2020 e tudo mudou. A entrada nas instituições de 
acolhimento ficou proibida num primeiro momento e depois funcionando com uma equipe 
reduzida por conta dos riscos de contágio do novo coronavírus. Esse risco também foi pensado 
com relação ao trajeto, pois para as cidades de Macaé e Rio das Ostras ainda teria o 
deslocamento intermunicipal, que se tornou inviável diante da condição pandêmica. Daí a 
entrada no quarto território que compõe e tensiona o plano de intervenção: as videochamadas. 
Esses passos na pesquisa fazem eco ao que Kastrup (2015, p. 40) vai desenvolver ao 
longo do texto O funcionamento da atenção no trabalho do cartógrafo, onde a autora discute 
que 
31 
 
 
Praticar cartografia envolve uma habilidade para lidar com metas em variedade 
contínua. Em realidade, entra-se em campo sem conhecer o alvo a ser perseguido; ele 
surgirá de modo mais ou menos imprevisível, sem que saibamos bem de onde. Para o 
cartógrafo, o importante é a localização de pistas, de signos de processualidade. 
Rastrear é também acompanhar mudanças de posição, de velocidade, de aceleração, 
de ritmo. 
 
Dessa maneira, o que está em jogo na cartografia não são planejamentos rígidos, ideias 
pré-fixadas, mas sim os acontecimentos que vão se desenrolando no percurso de fazer a 
pesquisa. Por esse traçado, as análises vão se preocupar com os elementos heterogêneos, as 
dobras, as rugosidades que se elevarem no plano. Mas para produzir a análise, é preciso habitar 
esse espaço que se tem a pretensão de traçar por meio da cartografia. Entender que esse “estar 
no campo” envolve afetos, conexões, andanças, escutas. Que são pontos que se aglutinam, se 
dissolvem e compõem aquilo que configura a cartografia que vem sendo desenhada (BARROS; 
KASTRUP, 2015). Nesse sentido, podemos pensar cada cidade/espaço, e, consequentemente, 
o funcionamento da proteção social especial de alta complexidade, colocada aqui é como um 
micromundo11. Então, que cidades são essas? E que lugar é esse que foi acrescentado devido a 
pandemia da COVID-19? 
 
1.3.1 – Macaé 
Macaé fica localizada no norte do estado e tem em sua placa de boas-vindas o título de 
capital nacional do petróleo. Cercada por multinacionais da indústria petroleira e de bairros 
periféricos, a cidade recebeu durante muitos anos imigrantes de vários estados da federação e 
também diversos países do mundo12. Macaé se tornou parte do meu percurso no primeiro ano 
de faculdade, pois era a cidade em que eu fazia baldeação para poder ir para aula. Ali, minha 
familiaridade com a cidade se limitava à rodoviária municipal. Mas, por conta do estágio no 
final da graduação, a cidade passou a me afetar de outra forma. Macaé passou a ter ruas e vida 
noturna, serra e periferia, para além de simplesmente paradas de ônibus. Com a pesquisa, a 
entrada na cidade, mais uma vez, ganha novos contornos. Trouxe saudade e a possibilidade de 
novos encontros. 
 
11 Termo utilizado por Varela (2003) para pensar o funcionamento do nosso processo perceptivo. Segundo o 
autor, a percepção é formada a partir de encadeamento de fatores, que dependem das conexões de cada sujeito e 
dos estímulos que cada um recebe. Ou seja, existem inúmeras possibilidades perceptivas. A utilização desse 
termo aqui, nos ajuda a pensar as particularidades de cada município em que a pesquisa está inserida, como cada 
um tem um modo próprio de funcionamento (burocracias, redes formadas, serviços instituídos), que gera uma 
realidade própria a ser pensada junto de cada adolescente acolhido/a. 
 
12 Informação disponível em: http://www.macae.rj.gov.br/cidade/conteudo/titulo/capital-nacional-do-petroleo. 
http://www.macae.rj.gov.br/cidade/conteudo/titulo/capital-nacional-do-petroleo
http://www.macae.rj.gov.br/cidade/conteudo/titulo/capital-nacional-do-petroleo
32 
 
Mas a transformação da cidade não foi só afetiva. A proteção social especial de alta 
complexidade do município também sofreu uma mutação. Ao chegar no Centro Municipal de 
Atenção à Infância e à Adolescência (CEMAIA) para apresentar o projeto de pesquisa, me vi 
diante de uma instituição bem diferente daquela que conheci em 2017. Como comentado antes, 
na época do estágio no Tribunal de Justiça, Macaé só possuía a opção de uma instituição de 
acolhimento, funcionando com uma estrutura contrária àquelas determinadas pelo Plano 
Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes à 
Convivência Familiar eComunitária (PNCFC), de 2006, e pelas Orientações Técnicas: Serviços 
de Acolhimento para Crianças e Adolescentes, de 2009, que estabelecem como prioritária a 
convivência familiar e comunitária dos acolhidos, assim como um espaço similar a uma 
residência. Essa estrutura era combinada com um histórico de evasão dos acolhidos. E no ano 
de 2019, após a evasão de cinco crianças que resultou na morte de duas delas, o serviço passou 
por uma reestruturação completa. Foi subdividida em três: CEMAIA I (responsável por acolher 
crianças), CEMAIA II (responsável por acolher adolescentes do sexo feminino) e CEMAIA III 
(responsável por acolher adolescentes do sexo masculino); tendo cada uma dessas instituições 
sua própria equipe técnica e, também, cada um desses pontos fica localizado em um lugar 
diferente. O primeiro permanece onde era localizada a instituição anteriormente, num bairro 
bem afastado e de difícil acesso. Os outros dois ficam em casas localizadas em um bairro central 
da cidade de Macaé, próximo ao comércio, escolas, terminal de ônibus municipal, rodoviária, 
praia, posto de saúde; respeitando, pela primeira vez, os documentos que estabelecem a 
localização do acolhimento em área residencial, possibilitando assim aos acolhidos o acesso à 
convivência comunitária. 
A apresentação do projeto aconteceu no CEMAIA II. A equipe técnica informou que 
tinham três adolescentes que já haviam passado pelo processo de Destituição do Poder Familiar 
e também que três histórias de adoção tinham acontecido ali recentemente, sendo que uma 
dessas histórias envolvia a adoção de uma menina trans. 
Infelizmente, não conseguimos realizar encontros presenciais com as adolescentes 
acolhidas antes da pandemia. Isso acabou nos levando a propor, no lugar, conversas com as 
equipes do CEMAIA II e com a ETIC que atua com as adolescentes, como mencionado 
anteriormente. Essa opção veio por uma preocupação nossa quanto a propor encontros por 
videochamada com as adolescentes sem ter havido um encontro presencial em momento 
anterior; entendendo que as entrevistas ocorreram diante do cenário de isolamento social, onde 
o acesso delas a outras pessoas estava restrito, e que as conversas propostas na pesquisa mexem 
com temas delicados das trajetórias dessas pessoas. Ponderamos, dessa forma, que começar o 
33 
 
contato com as adolescentes pela via digital não era um caminho possível para nós. Por isso, 
optamos por seguir com as/os profissionais que trabalham com as meninas. 
 
1.3.2 – Rio das Ostras 
Rio das Ostras também é uma cidade localizada no norte do estado do Rio de Janeiro, 
sendo uma cidade vizinha a Macaé. Tendo sua emancipação somente em 1992, Rio das Ostras 
era conhecida como uma cidade dormitório para as pessoas que trabalhavam em Macaé quando 
cheguei para realizar minha matrícula na UFF, em 2013. A universidade era tão desconectada 
da cidade pela população local, que muitos me indagaram se eu estava procurando o campus na 
cidade certa. O processo de pertencimento à cidade parecia acontecer de forma simultânea para 
mim e para a UFF, no decorrer dos cinco anos do curso de psicologia. Minha circulação pela 
cidade foi ganhando contornos de familiaridade e os motoristas das vans – transporte público 
municipal – passaram a balançar a cabeça em reconhecimento quando alguém pedia: “pára na 
UFF, por favor”. A cidade plana, onde era possível realizar quase todas as atividades a pé ou 
de bicicleta, foi, aos poucos, ganhando cores, contornos e lugares de aconchego. 
Rio das Ostras também só tinha uma instituição de acolhimento em 2017, mas ela 
cumpria as determinações técnicas de estruturação do lugar. O acolhimento acontecia numa 
casa, localizada na primeira quadra da rua, próxima à avenida principal da cidade. O Abrigo 
Municipal de Rio das Ostras é uma instituição dividida fisicamente, com um lado da estrutura 
destinado ao aspecto residencial – onde estão os quartos, a sala, a mesa de jantar, os banheiros 
dos residentes, a varanda –, já o outro lado é que identificamos como o aspecto institucional do 
espaço – onde se encontra a sala da coordenação, a sala da equipe técnica, o espaço onde 
acontecem as audiências concentradas. Uma curiosidade sobre o espaço físico do Abrigo é que 
a cozinha se localiza nessa área “institucional” do lugar. 
Quando eu fiz a apresentação do projeto, a equipe me apontou três garotos que poderiam 
participar da pesquisa. Todos eles com a DPF, mas um deles não quis entrar no SNA. 
Conseguimos realizar dois encontros presenciais em Rio das Ostras, o que se mostrou 
importante já que foi o único lugar onde conseguimos realizar as entrevistas presenciais a 
tempo. Isso nos permitiu estar com os adolescentes para além do momento da conversa, 
oportunizando um habitar o espaço junto com outros além dos garotos e que também estavam 
presentes no Abrigo Municipal de Rio das Ostras, como os/as guardas e as/os tias/os13. Além 
 
13 Essa era a forma que os garotos e as/os próprias/os profissionais do acolhimento utilizavam para se referenciar 
às/aos cuidadoras/es e as/os profissionais da equipe técnica. 
34 
 
dos dois adolescentes que toparam compor a pesquisa, participaram também a equipe do 
judiciário que trabalha com os meninos no município. 
Em razão de ter realizado uma parte da entrevista com os adolescentes antes de março 
de 2020, achamos viável propor para os garotos um segundo encontro através desse outro 
território que se desenhou a partir da pandemia. 
 
1.3.3 – Rio de Janeiro 
O Rio de Janeiro tem uma importância significativa na construção daquilo que 
entendemos como Brasil. É a capital do estado; já foi a capital do país. Mas a cidade me marca 
por outros motivos. Foi para cá que o meu bisavô foi enviado, após ser recrutado para lutar na 
Segunda Guerra Mundial, e ganhou o apelido de “carioca”; foi para onde a minha avó trouxe 
os filhos para estudar; foi aqui que a minha mãe ficou grávida de mim. Apesar do tamanho, a 
cidade não me assusta, ela me alegra com as zuadas, com as movimentações apressadas, mas 
nem tanto assim; com a resistência. 
Mas todo esse colorido foi travado, num primeiro momento da pesquisa, no encontro 
com as papeladas, com os setores que nem todo mundo sabia onde ficava. O pedido de liberação 
para a realização de pesquisa na assistência social do município ainda se encontra em análise. 
Como dito anteriormente, por conta da pandemia, as visitas ou entrevistas nas unidades ficaram 
suspensas e para a entrada nas unidades de acolhimento dependíamos da liberação da prefeitura 
no momento em que houvesse a reabertura dos equipamentos. E de novo pensamos sobre o 
tempo de duração de uma pesquisa de mestrado e entendemos que era melhor caminhar pelas 
entradas que já havíamos conseguido nas outras duas cidades. 
O Rio de Janeiro, então, nos oportuniza uma dobradura no mapa cartográfico, 
transformando essa parte do plano num lugar da troca, da rearticulação da pesquisa. Foi nesse 
espaço onde os encontros com o Grupo de Pesquisa Subjetividades e Instituições em Dobras 
(GEPSID)14 permitiram que, em alguns momentos, a minha escrita saísse de um singular para 
uma composição no plural, tornando o processo de criação menos solitário e mais solidário. 
 
14 O GEPSID é um grupo de pesquisa, estudo e extensão que atua desde 2012 a partir de uma Psicologia Social 
crítica, de um embasamento pós-estruturalista e de um posicionamento ético-estético-político que se apoia na 
cartografia. Esse grupo do qual faço parte é composto por pequisadoras/es da Universidade Estadual do Rio de 
Janeiro (UERJ), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto Federal do Rio de Janeiro 
(IFRJ). Através de uma produção teórica e prática, buscamos promover ações que promovam a diferença e 
combatam as desigualdades, apostando no engajamento e fortalecimento da Psicologia social, dos movimentos 
sociais, da academia e da sociedade como um todo. 
35

Continue navegando