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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Educação e Humanidades Instituto de Psicologia Larissa Pinto Moraes Entre lugares: o que dizem os/as adolescentes “disponíveis para adoção” Rio de Janeiro 2021 Larissa Pinto Moraes Entre Lugares: o que dizem os/as adolescentes “disponíveis para adoção” Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre ao Programa de Pós- Graduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGPS/UERJ) Orientadora: Prof.ª Dr.ª Anna Paula Uziel Rio de Janeiro 2021 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho ao meu tio-pai, Jefferson Figueiredo Alves de Farias, que me adotou pelo sorriso, pelo cuidado, pela cumplicidade. Assim como ao restante da família Erthal Farias que fez “casa” ganhar outros contornos, outros aconchegos e que diminuiu a distância entre o Acre e o Rio de Janeiro. E a todas/os aquelas/es que perderam pessoas em razão da pandemia de COVID-19 no Brasil. AGRADECIMENTOS Esse trabalho é fruto do compartilhamento, do acolhimento e das inquietações de muitas pessoas diante do problema de pesquisa que me propus a investigar. Uma caminhada que se tornou mais colorida e mais quente à medida que os passos foram sendo dados, por ter sido feita em companhia. Uma pesquisa que pôde acontecer graças a todas essas pessoas que direta ou indiretamente participaram da sua construção; às pessoas que colaboraram para produção de uma ciência ética e politicamente comprometida em meio a um cenário de retrocessos e descredibilização do conhecimento acadêmico. Gostaria de iniciar agradecendo a minha orientadora. A professora Anna Uziel me mostrou que a produção acadêmica não precisa ser solitária nem organizada por uma lógica da disputa para ser comprometida e rigorosa. Uma produção do conhecimento que acontece pelo afeto. Obrigada, Anna, por todos os momentos de trocas durante esse percurso; por todos os cuidados, preocupações e encontros. Agradeço também à UERJ, por ser espaço de produção do conhecimento potente, resistente e tão fundamental para a educação e pesquisa no Brasil. Viva a universidade pública! À minha família – em todas as suas geografias nortistas e sudestinas existentes – por todo apoio nos rumos e escolhas que eu faço. Nada disso seria possível sem a presença, o amor e o cuidado de vocês. Uma família composta por mulheres determinadas e teimosas, que não se curvam diante das dificuldades. Vocês me ensinam a acreditar e lutar por um mundo justo e comprometido. Ao Ohana, composto por pessoas que também se tornaram família. Lugar repleto de amor, pizza de frango com catupiry e conversas intermináveis, onde a gente vibra a cada conquista, chora a cada tristeza e torce junto a cada novo caminho percorrido. Ao Engajamundo por ter me aberto para pequenas utopias cotidianas. Vocês são pontinhos de esperança em meio ao caos que é acreditar em mudanças de realidades. Aparecem aqui também as pessoas incríveis que pude conhecer pela entrada no mestrado, representadas aqui pelo Grupo de Estudos e Pesquisa Subjetividades e Instituições em Dobra (GEPSID) e também pelo grupo Laços. E correndo o risco de esquecer alguém, agradecer ao Lucas Gonzaga, que entrou no mestrado junto comigo; Vanessa Lima, Camilla Baldanzi, Bárbara Rocha, Débora Barbosa, Jimena De Garay Hernández, Luísa Bertrami, Juraci Brito, Patrícia Castro, Mônica Fortuna, Aureliano Lopes, Gisele Bakman, Thaís Vargas, Roberta Nunes, Maria Clara de Mello, Gabriela Salomão, Carolina Sette, Mario Carvalho, Daniele Andrade e Vanessa Marinho. Meu mais sincero e caloroso obrigada! Por todos os 6 momentos de encontro, de discussão, de produção, pelas inúmeras reuniões recheadas de carinho e comida. Obrigada por fazerem desse grupo morada cheia de aconchego. Agradeço também aos adolescentes que aceitaram participar da pesquisa, por vocês terem topado me contar sobre parte da história de vocês e terem me permitido, através disso, produzir conhecimento. Agradeço a participação também das profissionais do Tribunal de Justiça e do acolhimento institucional dos municípios de Macaé e Rio das Ostras por terem acreditado no meu trabalho e no tema de pesquisa como algo importante de ser pesquisado e discutido. Obrigada por terem aceitado participar e pelo apoio durante todas as etapas. A Camila Fernandes, Esther Arantes e Irene Rizzini, membras da minha qualificação e banca, agradeço por terem aceitado compor esse processo tão importante da pesquisa, pelas contribuições no trabalho e no campo de produção de conhecimento da infância e adolescência e do cuidado. Gostaria de agradecer também aos professores com quem tive oportunidade de aprender durante o mestrado; pelos momentos de reflexão, de ajuda e de descobertas. Meu muito obrigada a professora Suzana Canez da Cruz Lima, que foi minha supervisora de estágio na graduação, pelo carinho e ajuda nos momentos iniciais da pesquisa que permitiram o acesso aos profissionais do acolhimento institucional que compõem a pesquisa. Agradeço também ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social (PPGPS/UERJ) por ter acreditado na minha proposta de pesquisa e por todos os momentos e lugares que o mestrado me permitiu alcançar. E agradeço também aos funcionários da secretaria do Programa que estão sempre abertos para ajudar e facilitar nos trâmites, solicitações burocráticas que existem na vida acadêmica e pela torcida para que as nossas pesquisas deem certo. E, por fim, agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo financiamento da pesquisa, através da bolsa de mestrado, que permitiu que eu me dedicasse à pesquisa. O que tento é compartilhar a mensagem de um outro mundo possível. Ailton Krenak RESUMO MORAES, Larissa Pinto. Entre lugares: o que dizem os/as adolescentes “disponíveis para adoção”. 2021. 100 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) – Instituto de Psicologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de janeiro, 2021. Esta pesquisa teve como objetivo cartografar os processos de construção do que se denomina “disponíveis para adoção” referentes a adolescentes em instituições de acolhimento, explorando suas possibilidades de aquilombamento. A pesquisa inicialmente seria realizada através de entrevistas com adolescentes em medida de acolhimento institucional e que já estivessem com o poder familiar destituído. No entanto, em razão da pandemia de COVID-19 e da impossibilidade de acesso às instituições de acolhimento, a mesma teve que ser reajustada, e se expandiu contando também com a participação de profissionais que trabalham no Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente, no âmbito de políticas de proteção, mais especificamente no Tribunal de Justiça e em instituições de acolhimento. A pesquisa explora os processos e movimentações que estão presentes na construção e no desenvolvimento da legislação e das políticas públicas voltadas para a infância e juventude. Através da metodologia cartográfica, buscou-se mapear as possibilidades de formação de vínculos afetivos dos/as adolescentes acolhidos institucionalmente e que não podem retornar para suas famílias de origem, destacando o racismo e a autonomia como elementos cruciais no processo. Buscamos, nesse sentido, entender os circuitos acionados pelos/as adolescentes e pelas equipes para prover o direito estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente à convivência familiar e comunitária e as concepções de família oriundas desses deslocamentos. Palavras-chave: Adolescência. Acolhimento Institucional.Adoção. Políticas Públicas. Cartografia. ABSTRACT MORAES, Larissa Pinto. Between locations: what “available for adoption” teens have to say. 2021. 100 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) – Instituto de Psicologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de janeiro, 2021. The research aimed to map the construction processes of what is called “available for adoption” for adolescents in institutional care facilities, exploring their possibilities of forming bonds and connections with other people. The research would initially be carried out through interviews with teenagers who were institutionalized and who already had their family power deprived. However, due to the COVID-19 pandemic and the impossibility of access to care institutions, it had to be readjusted, and it was expanded, also counting on the participation of professionals working in the Child and Adolescence Rights Guarantee System, within the scope of public protection policies, more specifically in the Court of Justice and in institutional care facilities. The research explores the processes and movements that are present in the construction and development of legislation and public policies aimed at children and adolescence. Through the cartographic methodology, we sought to map the possibilities of forming affective bonds of institutionally cared adolescents who cannot return to their families of origin, highlighting racism and autonomy as crucial elements in the process. In this sense, we seek to understand the circuits operated by adolescents and teams to provide the right established by the Child and Adolescent Statute to family and community coexistence and the conceptions of family arising from these displacements. Keywords: Adolescence. Institutional Care. Adoption. Public Policies. Cartography LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS CDC Convenção sobre os Direitos da Criança CEDAE Companhia de Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro CEMAIA Centro Municipal de Apoio à Infância e Adolescência CF Constituição Federal CNA Cadastro Nacional de Adoção CNJ Conselho Nacional de Justiça CNS Conselho Nacional de Saúde CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente CTs Conselhos Tutelares DPF Destituição do Poder Familiar ECA Estatuto da Criança e do Adolescente ETIC Equipe Interdisciplinar Cívil FUNABEM Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor GIAA Grupos Institucionais de Apoio à Infância e Adolescência OMS Organização Mundial de Saúde PIA Plano Individual de Acolhimento PNCFC Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária PPP Projeto Político-Pedagógico SAM Serviço de Assistência ao Menor SDG Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente SUAS Sistema Único de Assistência Social SNA Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TJ Tribunal de Justiça UFF Universidade Federal Fluminense SUMÁRIO DOS RASCUNHOS DE UM (ENTRE) LUGAR121 ENTRE ENTRADAS E ENTRAVES: OS CAMPOS DE POSSÍVEIS NA CIRCULAÇÃO PELAS INSTITUIÇÕES DE ACOLHIMENTO 181.1 Compondo perguntas, conjecturando conversas: o processo de pensar o encontro191.2 Entre ruídos, distopias e a tela preta: a dobra pandêmica 241.3 Espaços, afetos, memórias e conexões: o encontro com o plano de intervenção291.3.1 Macaé 311.3.2 Rio das Ostras 331.3.3 Rio de Janeiro 341.3.4 A Tela e o gravador 35 1.4 Corpos (con)fundidos: “ela é a nova acolhida. não sabia?” 361.5 “Pronto. Tá gravando. (...) você quer se apresentar?”: entre mesa, cadeiras, um gravador e outros desdobramentos 411.5.1 Entre chamadas, interrupções e funções fáticas: O estar junto das telas 422 FALANDO SOBRE MÁQUINAS RUBE GOLDBERG RIZOMÁTICAS: DESFIANDO O PLANO DE INTERVENÇÃO 462.1 O emaranhado das dobras burocráticas: os fios das leis, resoluções e sistemas 492.2 Entre cansaços, devastações e rotatividades: o fazer estado não é maquinário, são (poucas) pessoas 572.3 Não bate: os números que faltam, a cor que não é vista 612.4 “Disponível para adoção”: caminho para si, traçado por outrem 653 FAMÍLIA PARA QUÊ(73M): AQUILOMBANDO OS VÍNCULOS 733.1 A família que dobra os/as adolescentes “disponíveis para adoção” 753.2 Cosmologias utópicas para desembaraçar o presente 803.2.1 Camilles, parentesco e compartilhamento do cuidado: a vinculação pela via da ficção científica 823.2.2 Os parentes somos nós, juntos com o território 843.3 Trajetórias possíveis dentro de circulações permitidas 86DOS TRAÇADOS A SEREM CONTINUADOS: ENTRE ESCAPES POSSÍVEIS 90REFERÊNCIAS 94 12 12 DOS RASCUNHOS DE UM (ENTRE) LUGAR E das mil histórias que eu vou contar Penam pelas curvas do meu caminhar Hiran – Na água de Oxum Essa pesquisa tem como objetivo cartografar os processos de construção do que se denomina “disponíveis para adoção”, explorando as possibilidades de aquilombamento1 desses/as adolescentes. A palavra aquilombamento aqui empregada se refere aos processos de vinculação afetiva desenvolvida pelos/as adolescentes. Esse é o termo que iremos utilizar ao longo da escrita como recurso para nomear os encontros, agrupamentos e relações afetivas desenvolvidas pelos sujeitos com quem essa pesquisa se propôs a dialogar. O uso do Aquilombamento para descrever essas costuras é possível a partir do empréstimo do conceito de Quilombismo desenvolvido por Abdias Nascimento (2019). A partir de um estudo desenvolvido em duas cidades diferentes – Macaé e Rio das Ostras, foram realizadas entrevistas presenciais individuais, em período pré-pandemia, com adolescentes em um desses municípios; e entrevistas remotas com profissionais do Tribunal de Justiça (TJ) e do acolhimento institucional, a partir da instauração de estado de pandemia de COVID-19 no Brasil. Além disso, foram analisados os diários de campo desenvolvidos ao longo das idas às instituições de acolhimento e demais etapas do processo de investigação. O traçado desta pesquisa envolve pontos de análise que vão desde a legislação sobre o tema à produção de relações que essas leis permitem e também como as trajetórias desses/as adolescentes vão se compondo a partir disso. Através do uso da metodologia da cartografia, a proposta é pensar os percursos, estratégias e tensões que permeiam as possibilidades de vinculação afetiva desses sujeitos; desenhar os processos de estabelecimento e esfacelamento de laços deste/a adolescente com as variadas pessoas e instituições as quais atravessaram e atravessam suas vidas, tais como sua família de origem, a instituição de acolhimento, entre outras, até chegar ao seu momento de desligamento da instituição de acolhimento. Na nossa leitura, a categoria adolescente é entendida como uma construção social e histórica, assim como definida por Bock (2007) no texto Adolescência como construção social, o que nos permite uma leitura da categoria como algo relacional, localizada em um percurso e não naturalizada. A partir disso, temos na legislação brasileira adolescente como o grupo de 1 A noção de aquilombamento será melhor desenvolvida ao longo do terceiro capítulo. 13 pessoas entendidas como sujeitos de direitos e em situação peculiar de desenvolvimento, entre as idades de 12 e 17 anos, sendo amparadas, desde 1990, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O ECA possibilitou que fossem criados, reformados e instaurados mecanismos e instituições como medidas de proteção para esses sujeitos quando se encontram diante de ameaças ou violações de seus direitos.É através dessa legislação e das outras que a modificaram que são regulamentados os Conselhos Tutelares (CT), as Instituições de Acolhimento, os processos de adoção, entre outras estratégias. Os/as adolescentes que participaram desse estudo são sujeitos que têm as suas trajetórias cruzadas por essas medidas de proteção previstas no ECA. Cartografar esses movimentos nos possibilita pensar os percursos, interferências, escapes e potências dos/as adolescentes em medidas de proteção e que se encontram no lugar de estar “disponível para adoção”. Dessa forma torna-se importante mapear também para além de aspectos presentes nas relações existentes dentro do acolhimento e experienciadas cotidianamente pelos/as adolescentes. Entender as regras, as normas e as pactuações que engendram o funcionamento do equipamento, tanto do acolhimento quanto da adoção, nos permitem um desenho mais detalhado sobre os fluxos e movimentos que estão presentes no campo da pesquisa, o qual detalha também, nessa movimentação, as linhas de escape ou outras linhas possíveis de serem agenciadas dentro do rizoma que compõe a pesquisa. A inquietação que motivou a produção dessa pesquisa surgiu no final do meu processo de graduação em Psicologia na Universidade Federal Fluminense (UFF), no campus de Rio das Ostras, através da minha entrada nos campos de estágio. Na época, eu estava inserida em dois lugares que desencadearam uma série de questionamentos que permitiram a germinação desta pesquisa. Por meio da entrada nos estágios, entrei em contato pela primeira vez com as discussões de adoção, instituição de acolhimento, perspectivas futuras de adolescentes vivendo dentro de instituições e o lugar que a psicologia ocupa em todo esse intercâmbio de práticas no meio jurídico e na rede de assistência social. No estágio desenvolvido no Abrigo Municipal de Rio das Ostras eu era responsável por realizar atendimentos individuais, com foco em Orientação Profissional, junto a adolescentes acolhidos. No período em que desenvolvi essa atividade, atendi um adolescente de 16 anos de idade. Durante os encontros, questões a respeito do espaço (casa – instituição de acolhimento), do tempo de permanência no Abrigo, da relação que ele tinha com os profissionais da 14 instituição, do que ele achava das audiências concentradas2 e do peso em relação à maioridade apareciam constantemente. Já no estágio no Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro3, diferentemente do Abrigo, cuja entrada se deu através do campo da assistência social e ocorria de forma pontual, atuei como estagiária de psicologia jurídica, em uma equipe interdisciplinar e que estava o tempo todo em contato com profissionais de outras instituições. Ali, o/a adolescente, as instituições de acolhimento e a adoção também se fizeram presentes, mas, sendo atravessados pelo sistema de justiça, eram acionadas de maneiras diferentes. Foi nesse estágio que entrei em contato direto com algumas etapas institucionais que compõem o processo de adoção no Brasil. Elas foram o Grupo Institucional de Apoio à Infância e Adolescência (GIAA)4 e os processos de acolhimento – encarnados nas audiências concentradas e no Centro Municipal de Apoio à Infância e Adolescência (CEMAIA). Coordenado pela Equipe Interdisciplinar Cívil (ETIC)5, o GIAA em Macaé desenvolve uma atividade de grupo com pessoas que deram entrada ao processo de adoção, sendo estas caracterizadas como pretendentes ou postulantes à adoção6. Essa atividade acontece a cada semestre, sendo exigida a participação dos pretendentes para que haja a continuidade do processo de adoção e tem como objetivo “orientar e capacitar os habilitandos, habilitados, adotantes, adotados e demais pessoas interessadas, proporcionando uma reflexão continuada, de forma a fomentar e disseminar a nova cultura da adoção” (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO, 2009). 2 Audiência concentrada é o processo de reavaliação da situação de acolhimento da criança ou do/a adolescente que está em condição de acolhimento institucional ou familiar. Esse trâmite se tornou obrigatório a partir da Lei 12.010/09 e deve acontecer com a presença de todos os envolvidos no processo de acolhimento: a criança ou o/a adolescente, os familiares, as equipes técnicas, o Ministério Público, o juízo, entre outros (FIGUEIREDO, 2014). 3 Esse segundo estágio acontecia na comarca de Macaé, cidade vizinha àquela em que eu residia no momento da graduação. A equipe que trabalha nesta comarca é responsável por atender seis municípios do estado: Casimiro de Abreu, Conceição de Macabu, Carapebus, Macaé, Quissamã e Rio das Ostras. No estágio, minha atuação ficou majoritariamente ligada aos processos das Varas de Família e da Vara de Infância, Juventude e Idoso, da cidade de Macaé. 4 Previsto pela Lei 8.069/90, art. 50 §3º, como um período de preparação psicossocial e jurídica, será melhor explicado posteriormente. 5As ETICs são equipes interdisciplinares, composta por profissionais da Psicologia e do Serviço Social, que atuam junto ao sistema de justiça através da produção de documentos, acompanhamento de processos e das partes ligadas aos mesmos. 6 No Brasil, segundo o art. 42 presente no ECA, quem pode realizar o processo de adoção são pessoas maiores de 18 anos, independente do estado civil, e que tenham ao menos 16 anos de diferença com o adotando. 15 As audiências concentradas, previstas no ECA pelo art. 19 §1º, ocorrem a partir da determinação de que haja a reavaliação da situação do acolhido a cada três meses7, estando presentes todos os atores envolvidos no acompanhamento do caso – a criança ou o adolescente, os familiares, equipe da instituição de acolhimento, o CT, Ministério Público, a ETIC, o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), entre outros –, para que possam ser providenciados os encaminhamentos necessários, de modo que o tempo de permanência da criança ou adolescente dentro da instituição seja o menor possível. Esses encaminhamentos e suas justificativas, nas audiências que participei, podiam ser no sentido de: uma reintegração familiar, quando havia um retorno da criança ou do adolescente para a família de origem e, em consequência, a saída do acolhido/a da instituição de acolhimento; a manutenção do acolhimento, quando os investimentos feitos pela equipe se apresentavam como insuficientes para que houvesse um retorno do acolhido/a ao lar; colocação em família substituta, quando todas as possibilidades de retomada de vínculo familiar (nuclear e extensa) do acolhido/a eram exauridas, de modo que fosse determinada a Destituição do Poder Familiar (DPF) e, em consequência, a entrada do acolhido na lista de adoção do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA); ou desligamento, quando o adolescente acolhido atingia a maioridade e tinha que sair da instituição de acolhimento, pois não fora conseguido, em momento anterior, uma reintegração familiar ou colocação em família substituta. É importante ressaltar que a construção das justificativas para os encaminhamentos realizados em audiência era feita pelas equipes responsáveis pelo acompanhamento dos processos de acolhimento que presenciei ao longo do estágio, não sendo possível declará-los como conduta padrão de outras audiências concentradas em outras instituições de acolhimento. Em Macaé, as crianças e adolescentes envolvidos em processos de acolhimento institucional eram alocados no CEMAIA, que constituía o programa de acolhimento institucional do município, não havendo na época a possibilidade de colocação em família acolhedora8 na cidade. A instituição aparecia, dessa forma, como única opção excepcional de 7 Mudança trazida pela lei 13.509/17. Anteriormente, a reavaliação dos processos de acolhimento acontecia a cada seis meses. 8 Família acolhedora ou acolhimento familiar é uma modalidade de proteção socialespecial de alta complexidade, assim como o acolhimento institucional, do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Na modalidade do acolhimento institucional, mais popularmente conhecida como abrigo, a criança e o adolescente são retirados do convívio familiar e encaminhados para uma instituição, onde ficam sob os cuidados de profissionais (psicólogos, assistentes sociais, psicopedagogos, cuidadores, cozinheiros, guardas municipais, entre outros). Já na modalidade do acolhimento familiar, a criança e o adolescente ficam sob a responsabilidade de famílias que se cadastram como colaboradoras do programa e que são supervisionadas por uma equipe técnica. Essa segunda alternativa, que a partir da lei 12.010/2010 se torna preferencial nos processos de acolhimento, não significa a colocação em família substituta, ou seja, a adoção. A família acolhedora serve ao mesmo propósito 16 proteção. Em minha chegada ao estágio, a narrativa que me foi apresentada pelos atores envolvidos era a de uma instituição com histórico de constante troca de gestão e equipe interna, em razão das relações políticas municipais, e com estrutura contrária à legislação vigente, tomando tanto a cartilha de Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes (BRASIL, 2009), a qual preconiza uma estrutura com aspecto de residência, inserida no território que permita a interação entre a instituição e a comunidade no entorno, como o ECA e suas reformulações desde então, como referência. Ou seja, que a medida de proteção social especial de alta complexidade, que possui caráter excepcional, designada àqueles sujeitos não resulte em perdas de vinculação afetiva e que, enquanto na instituição, possam interagir com a comunidade no entorno, não estando isolados do convívio social. Essas duas práticas, o atendimento individual em Rio das Ostras e a atuação junto aos acolhidos/as em Macaé através do Tribunal de Justiça, me cutucaram a pensar a respeito dos/as adolescentes nesse espaço de estar “disponível para adoção”. Entendendo que os adolescentes que estão disponíveis para adoção no Brasil são pessoas que estão sob a proteção especial do Estado, em situação de acolhimento institucional ou familiar, como consequência de algum tipo de violação sofrida pelos mesmos. Entre lugares aparece, dessa forma, no título do trabalho com o intuito de nos provocar a pensar a ambivalência desse momento de vida dos envolvidos. Não há como, no Brasil, falar sobre estar na fila para ser adotado/a, sem falar também do processo de acolhimento no qual esse/a adolescente está inserido/a. Como dito, a pesquisa foi construída com a articulação de adolescentes acolhidos e de profissionais do TJ e do acolhimento institucional. Ao longo dos capítulos optamos por uma escrita que revelasse os corpos que circulam por esses espaços, em companhia com o que Kilomba (2019, p. 14) coloca sobre o processo de escrita, entendendo que a língua por mais poética que possa ser, tem também uma dimensão política de criar, fixar e perpetuar relações de poder e violência, pois cada palavra que usamos define o lugar de uma identidade. No fundo, através de suas terminologias, a língua informa- nos constantemente de quem é normal e de quem é que pode representar a verdadeira condição humana. Em razão de uma escolha ética-política-estética no que concerne o processo de escrita, pontuamos que no processo de referenciar os/as interlocutores da pesquisa, utilizaremos o termo primeiramente no feminino quando forem trazidas as contribuições das/os profissionais, dado que a maioria desse grupo era composto por mulheres, e no masculino para abordar as questões que as instituições de acolhimento, sendo entendidas como melhor alternativa por garantir, mesmo em medida de proteção, o acesso à convivência familiar e comunitária. No entanto, o acolhimento familiar ainda não é uma realidade em todos os municípios brasileiros (VALENTE 2013). 17 que os/as adolescentes acrescentarem a discussão, pois os dados do SNA apontam para um maior número de adolescentes meninos “disponíveis para adoção”. A dissertação está dividida em três capítulos. O primeiro apresenta a entrada no campo de pesquisa a partir do prisma da metodologia cartográfica, que conduziu o percurso de pesquisa, os lugares por onde a investigação circulou e quem construiu a pesquisa junto conosco. Nessa parte também introduzimos como a pandemia de COVID-19 dobrou a pesquisa, a partir das estratégias usadas em campo diante da situação de pandemia/isolamento social instaurados desde março de 2020, como isso afetou e foi afetado por um campo cartográfico de pesquisa. A proposta é pensar de que forma essa entrada no campo aconteceu, tanto de forma presencial como remota. Ou seja, que rotas foram sendo escolhidas, desenhadas e redesenhadas para chegar junto aos adolescentes “disponíveis para adoção” e as/os profissionais que trabalham diretamente com eles. Outro ponto discutido ainda no primeiro capítulo, é sobre a minha implicação nessa relação, de que forma o meu corpo – mulher, jovem, negra, pesquisadora – também produz movimentos na pesquisa. A segunda parte do texto, a partir das contribuições de estudos no campo da Antropologia do Estado, percorremos pontos que dobram e atravessam o cotidiano na trajetória dos/as adolescentes “disponíveis para adoção”. Num percurso que analisa como as legislações produzidas/produtoras de infâncias e adolescências se corporificam no dia a dia dos/as interlocutoras da pesquisa tecendo pontos sobre a execução do trabalho por parte das/os profissionais, a respeito das relações raciais dentro do acolhimento e da própria categoria de “disponíveis para adoção”. Racismo e autonomia aparecem aqui como questões fundamentais para a constituição deste adolescente que em breve terá que sair da instituição de acolhimento. O terceiro capítulo, por fim, apresenta as possibilidades de vinculações afetivas que os/as adolescentes “disponíveis para adoção” conseguem ter acesso, dadas as práticas e projetos executados nos acolhimentos institucionais e o histórico das políticas de proteção à infância e adolescência no Brasil, quando direcionadas para as camadas mais pobres da sociedade. O capítulo também propõe, a partir de um exercício criativo de mergulhar em outras visões de mundo, pensar possibilidades alternativas para promover aos adolescentes “disponíveis para adoção” a garantia do direito à convivência familiar e comunitária. 18 1 – ENTRE ENTRADAS E ENTRAVES: OS CAMPOS DE POSSÍVEIS NA CIRCULAÇÃO PELAS INSTITUIÇÕES DE ACOLHIMENTO Nesse ponto, não é mais um sujeito pesquisador a delimitar seu objeto. Sujeito e objeto se fazem juntos, emergem de um plano afetivo. O tema da pesquisa aparece com o pesquisar. Ele não fica escondido, disfarçado ou apenas evocado. (...) Cada palavra, em conexão com o calor do que é experimentado, nasce dos elos na rede e em nós pesquisadoras. Cada palavra se faz viva e inventiva. Carrega uma vida. Podemos dizer que assim a pesquisa se faz em movimento, no acompanhamento de processos, que nos tocam, nos transformam e produzem mundos. (BARROS; KASTRUP, 2015, p.73). Falar de metodologia implica em pensar quais percursos, falas, autorizações e delimitações são ou não aceitos dentro do campo de investigação proposto. Jota Mombaça (2016, p.345) no texto Rastros de uma submetodologia indisciplinada defende usar da pesquisa e, consequentemente, da escrita como redutos “para passar, por eles, ruídos até então ignorados; (...) viabilizando contextos de disputa em torno das questões sobre quem e como falar.”. Em outras palavras, entender o processo de investigação científica como um ato político, localizado e movimentador de afetações. A metodologia, nesse sentido, entra como o escopo que dá forma ao percurso do estudo. Gosto de pensar o processo de pesquisa como umpalco que possui um jogo de luzes, que permite a (in)visibilidade dos personagens em cena, mas que também é composto e afetado por elementos que estão para além do palco, onde todos eles confluem para o desenvolvimento da narrativa proposta. O fazer pesquisa na Cartografia se constrói através da relação, da afetação. Não se encontra fechada na pergunta que impulsiona a entrada no campo da pesquisa, mas busca pistas e caminhos possíveis através de uma questão impulsionadora. É um plano de ação que acontece, se transforma e se movimenta por meio da experiência, do encontro. Não há exatidão de como essa conexão vai se estabelecer, não ocorre através de um processo dual ou por meio de uma continuidade linear. O que acontece são “blocos de possível” diante do encontro com o outro, com o espaço (GUATTARI; ROLNIK, 2011). Esta pesquisa é movida pela busca de pistas a respeito das possibilidades de aquilombamento dos/as adolescentes “disponíveis para adoção”. É a partir dessa indagação que o desenho metodológico foi direcionado, dobrado e redimensionado. Cartografar será acompanhar os processos que atravessam esses adolescentes quando são levados a ocupar o lugar de estarem ‘disponíveis para adoção’, em uma captura de suas vidas que os enrijece, perdendo potência. Perdem sua condição de sujeitos. No entanto, resistem, estando em constante mudança, sofrendo e imputando transformações ao longo do 19 percurso, formando brechas, criando desvios no como estar no lugar de “disponível para adoção”. Dobrando a letra da lei, torcendo-a para habitar o que é possível na realidade, através de negociações, dribles, criações. Pensar a partir do conceito de rizoma é o que permite desconfiar de uma leitura única sobre o sentido desse estar "disponível para adoção". A movimentação constante do campo cartográfico, onde “devemos pensar o mapa não apenas pelo seu desenho final (o produto), mas pelo movimento realizado para a constituição de seu traçado (processo)”. (ZAMBENEDETTI; SILVA, 2011, p. 457) será fundamental para acompanhar esses deslocamentos que produzem e vão sendo produzidos por esses meninos e essas meninas. Nesse sentido, o campo de pesquisa vai sendo construído a partir da interlocução, do questionamento, da abertura para o processo que acontece na experiência. Da pergunta inicial certamente outras se (des)dobraram. Pozzana (2013, p. 325) coloca que “importa detectar a trama que acompanha o ato de conhecer e de criar um mundo, pois assim nos aproximamos do que engendra o pessoal e o coletivo; nos aproximamos do conhecimento concreto e articulado que tem efeitos políticos, éticos e estéticos”. E foi assim que o estranhamento em torno da concretude da definição de “disponíveis para adoção” foi ganhando corpo e foi sendo cartografado. Assim, esse capítulo irá discutir pistas metodológicas que compõem a pesquisa, os “blocos de possível” que foram surgindo no caminhar e nas dobraduras que foram se fazendo ao longo da dissertação, tais como: a constante transformação do campo de pesquisa; a pesquisa como composta por encontros; a cartografia enquanto um processo de co-construção; a não existência de um início-meio-fim, mas de um imbricado de relações que compõem o campo de forma não linear; a necessidade de estar aberta e atenta aos encontros; entre outros. E, assim, analisar quais processos levaram à entrada nas instituições de acolhimento, ao encontro com os sujeitos que integram a pesquisa, o que o ano de 2020 trouxe de dobraduras na configuração do estudo, assim como outras questões que foram atravessando a pesquisa ao longo do percurso. 1.1 – Compondo perguntas, conjecturando conversas: o processo de pensar o encontro Não se trata de levantar dados objetivos e debruça-los meramente como tais, e tampouco da cisão teoria–prática, sujeito–objeto, pesquisador-pesquisado, mas de debruçarmos-nos sobre a complexidade da vida humana, quais as estratégias metodológicas que podem dar conta da pluralidade, mutabilidade desta estética da existência? Esta é a questão que a partir de agora interessa-nos perseguir. (PAULON; ROMAGNOLI, 2010, p. 90). 20 D’Angelo, De Garay Hernández e Uziel (2019, p. 11-12) nos oferecem pistas para pensar essas estratégias metodológicas. As autoras colocam que “cartografar é acompanhar as forças, os movimentos e os fluxos, ou seja, as tensões que se atravessam no campo, e é nos entres e nos nós das tramas criadas por essas tensões que a vida e a pesquisa acontecem”. Entendendo que o objetivo do estudo era cartografar os processos de construção do que se denomina “disponíveis para adoção” explorando as possibilidades de aquilombamento desses/as adolescentes, foi, então, necessário pensar de que forma pretendíamos fazer isso; qual seria o nosso ponto de entrada e quais questões disparariam esses processos. No texto Da antropofagia à caosmofagia, Salles (2014) nos traz o movimento antropofágico de Oswald de Andrade, alinhado aos estudos de Deleuze e Guattari, para pensar a tessitura desse algo que nos possibilita existir enquanto sujeitos no mundo, de que forma isso vai sendo gerado. O autor coloca, ao longo do texto, que nos constituímos a partir, e também através, de encontros – sejam com pessoas, animais, objetos. Estamos, dessa forma, em um processo contínuo de afetação pelos encontros, onde absorvemos e somos mutuamente absorvidos. Salles (2014, p. 304) expõe que “o encontro dos corpos é o encontro de forças. Forças que se atraem e se repelem, somam e subtraem, compõem e decompõem. Essas forças estranhas e invisíveis estão presentes em tudo. A vida é feita do encontro de forças que se devoram (...). Tudo é encontro.”. Nesta pesquisa foram muitos encontros: feitos em espaços conhecidos e em lugares em que a pesquisa me possibilitou entrar pela primeira vez; com pessoas que fizeram parte do meu percurso formativo e com aquelas que só conheci através do mestrado; encontros burocráticos (entregas de documentos, idas a repartições, reuniões de apresentação do projeto), encontros circunstanciais (conversas com as cuidadoras/es, com os guardas municipais, com as funcionárias da cozinha) e encontros pelas entrevistas; encontros feitos pelas falas e outros feitos através da escrita; encontros que aconteceram presencialmente e os que só foram possíveis por vídeo chamada. Nesse sentido, o ato de pesquisar é composto por processos de afetação, possibilitado pelos encontros que acontecem ao longo do caminhar no estudo. E a pandemia, provocada pela disseminação do vírus COVID-19 no Brasil e no mundo, desaguou em muitas afetações no percurso da pesquisa, desde o modo como os encontros passaram a acontecer até a escolha das pessoas que encontramos no cenário pandêmico. A cartografia se afasta de metodologias que pregam a “neutralidade” e, consequentemente, pelo afastamento do pesquisador de seu “objeto de estudo”. A leitura cartográfica desses lugares que compõem a pesquisa demanda o contato, o estar junto, para que ela seja desenvolvida - mesmo que o junto tenha se ressignificado, atravessado pela pandemia. Passos e Barros (2015, p.17) colocam que “a diretriz cartográfica 21 se faz por pistas que orientam o percurso da pesquisa sempre considerando os efeitos do processo de pesquisar sobre o objeto da pesquisa, o pesquisador e seus resultados”. Ou seja, assim como os sujeitos que fazem as pontes de conexão com aqueles/as que são convidados a integrar o estudo, a pesquisadora também é parte da pesquisa. Todos nós fazemos parte do processo cartográfico. Dessa forma, falar de um processo não neutro também implica em elaborar uma interação que não acontece de maneira asséptica, controlada ou isolada de fatores externos. Ao contrário, o desenho cartográfico ocorre a partir de interseções, cruzamentos, imprevisibilidades diante do contato. Essa movimentação, no entanto, não significa ausência de umametodologia científica. É um método que se constrói com o fazer, com teoria e prática conectadas de forma indissociável, sem garantias quanto ao rumo que esse fazer terá tomado no encerramento. Uma ciência que se ocupa com os percursos, os processos, as pistas que ocorrem no “entre” do fazer. Sempre em movimento, nunca fixada e desprendida de concepções binárias. É preciso estar aberta para os desvios, nas suas mais variadas facetas, que desembocam no decorrer da pesquisa para que a cartografia se faça presente. Faz-se, assim, necessário uma abertura para a experiência, um caminho para afetar e também ser afetada. E essa maleabilidade que pertence a cartografia foi o que nos permitiu traçar outras linhas no plano rizomático da pesquisa quando a pandemia se fez presente no nosso cotidiano. Diante de um cenário caótico de contágio, isolamento e vivendo um constante jogo de reinvenção e imprevisibilidade, a cartografia nos trouxe potência pela criação de fugas e dribles em meio a incertezas (PAULON; ROMAGNOLI, 2010; PASSOS; BARROS, 2015; KASTRUP, 2015). A partir das pistas oferecidas por Tedesco, Sade e Caliman (2013), a entrevista aparece em cena como possibilidade de entrada no acompanhamento das trajetórias dos/as adolescentes “disponíveis para adoção”. As autoras colocam que a cartografia se infiltra na entrevista através dos manejos utilizados pela pesquisadora. Essa conversa engloba a fala, mas não se limita a ela, pois o acontecimento é também permeado por gestos, olhares, pausas e interrupções. A experiência, nesse sentido, não diz respeito somente aos fatores/informações narrados pela pessoa que foi convidada a participar da pesquisa, mas contempla também todas as interferências que se fazem presentes no momento da conversa. A entrevista, quando tem uma escuta aberta para a experiência, sai de uma busca por verdades, de reafirmações de pressupostos e se encarna no encontro, adquirindo curvas, borramentos, tensões, fugas. “A entrevista intervém na experiência do dizer. São os efeitos dessa experiência compartilhada, produzida e sustentada na prática “linguageira” da conversa em curso na entrevista, que a cartografia elege como seu objeto” (TEDESCO; SADE; CALIMAN, 2013, p. 304). A ideia ao 22 usar a entrevista, segundo eles, é “colher” ao invés de coletar dados, o que faz com que essa relação estabelecida através da conversa tenha que ser repactuada entre os envolvidos durante todo o percurso. Isso permite uma construção conjunta da produção do conhecimento. Ou seja, utilizar o espaço dos encontros, das entrevistas e dos meandros que se colocam por meio das falas, dos gestos, das escolhas que perpassam as pessoas que articulam a pesquisa junto comigo para poder pensar a formação dos vínculos; os processos possíveis de aquilombamento para os/as adolescentes” disponíveis para adoção”. É por aí que vamos tecendo a produção de conhecimento aqui proposta. O “entre” presente no título do texto, assim como o “entre” colocado por Deleuze e Guattari (1995) na discussão sobre o rizoma, não fala da metade de algo ou sobre o meio entre um lugar e outro. Ele aparece enquanto um lugar próprio, com suas particularidades, atravessamentos, desvios. No título, o “entre” destaca o/a adolescente que não foi adotado/a, mas que também não tem possibilidade de retornar para a sua família de origem; buscando, dessa forma, tensionar o lugar que esses/as adolescentes habitam, o que é produzido a partir dele e quais (des)conexões são autorizadas e desejadas. Com isso, podemos elaborar questões disparadoras para os encontros, interrogações que não sejam fechadas em si, mas que nos ofereçam pistas de caminhos possíveis para esse/a adolescente; pensar, inclusive, se eles/as usariam este enunciado: “disponíveis para adoção” sobre eles mesmos e o que exatamente está colocado como possível nesse “entre” para esses sujeitos. As primeiras questões elaboradas, esmiuçadas ainda no andar inicial da pesquisa com base nas leituras sobre o tema e minha experiência anterior de estágio, na época da graduação, foram: Quais as discrepâncias de atuação dos profissionais em relação ao que está determinado no texto da lei? Quais as trajetórias dos adolescentes que estão disponíveis para adoção? Que percursos são pensados junto a esses adolescentes a respeito de suas possibilidades frente à situação em que se encontram? Nas entrevistas, a relação com os profissionais da instituição de acolhimento e com as equipes técnicas das Varas de Infância, os trajetos dos/as adolescentes até o acolhimento, a adoção, expectativas no futuro foram pontos norteadores para os encontros, mas eles não eram elaborados de maneira excludente ou limitante. O que significa que esses pontos ofereceram abertura para outras provocações e caminhos que não poderiam ter sido programados e/ou antevistos em momento anterior à entrevista. Além disso, Sade et al (2013, p. 2816) colocam que a entrevista, por meio do manejo cartográfico, pode ser utilizada também como “um procedimento para a produção e a coletivização das questões investigadas, ensejando novos 23 sentidos, produzindo diferenciações, traçando novas linhas de conversa, promovendo agenciamentos com vozes de coletivos até então inaudíveis”. Outras questões importantes a serem pensadas no manejo da entrevista são trazidas por Frochtengarten (2009) no texto A entrevista como método: uma conversa com Eduardo Coutinho. Em uma troca com o documentarista Eduardo Coutinho, o autor instiga o cineasta a falar sobre as formas que as entrevista acontecem durante a gravação dos filmes dele. Três pontos abordados pelo autor nos interessam para pensar em pistas na condução cartográfica de uma entrevista. O primeiro ponto tange ao que deveríamos ou não buscar no discurso dos entrevistados. O documentarista expõe que não está interessado em checar as informações que são ditas, que não está preocupado com averiguações das falas enquanto falsas ou verdadeiras, pois entende as narrativas como mutáveis, momentâneas, condicionadas ao tempo, memória e ao afeto. Sua atenção é voltada para como as histórias são contadas. O segundo ponto é sobre entender os cortes e as interrupções como parte do processo. Vão existir momentos em que o entrevistador vai interromper uma fala ou fazer um redirecionamento ruim e isso é passível de acontecer, pois são pessoas interagindo. Ele diz da imprevisibilidade do encontro que está sempre ligada ao acaso, exigindo do entrevistador uma maleabilidade para lidar com o não programado. Já o terceiro ponto nos provoca a pensar no efeito da câmera – ou no caso da pesquisa, do gravador e mesmo da vídeo chamada, em tempos de pandemia – na performatividade de quem está sendo entrevistado. Qual o impacto desses elementos no encontro, quais os efeitos desencadeados pela gravação desses momentos, de que formas isso afeta o que é falado ou o que o aparelho silencia, ou até o aparecimento de eventuais medos por questões que escapam pela fala. Um fio de acontecimento para podermos pensar sobre isso aconteceu ao término de uma das entrevistas, onde a articuladora perguntou se eu poderia enviar-lhe a entrevista, aperreada por pensar em “várias coisas que eu deveria ter dito diferente” (sic). A cartografia aposta nessas brechas para a criação de laços de confiança que permitam uma co-construção da pesquisa, apostando também em outra concepção de subjetividade, que faça surgir forças que singularizem em face à serialização, que multipliquem em face à homogeneização. (D’ANGELO; DE GARAY HERNÁNDEZ; UZIEL, 2019, p. 12). Dessa forma, podemos dizer que a reunião das pistas elencadas permite um processo de produção do conhecimento aberto ao acontecimento. Sem que para isso tenha que promover a padronização dos encontros ou uma homogeneização entre os sujeitos que compõem a pesquisa. 24 Ao contrário, pois, ao permitira particularidade de cada encontro e a existência heterogênea entre os integrantes, impede uma reprodução/representação do que é produzido. Além das entrevistas, a pesquisa também é composta pelo uso de diários de campo. Partindo do pensamento de que “todo acontecer nos coloca necessariamente na dimensão do inédito e da diferença irredutível, incomparável. É que jamais permanecemos os mesmos a cada encontro” (FUGANTI, 2012, p.76), achamos necessário a utilização de outro elemento para cartografar o plano de intervenção e é no mapeamento dos mais variados aspectos dos encontros que o diário de campo entra em cena. Existem meandros na pesquisa cartográfica que escapam do acontecimento da entrevista, mas que também compõem a trama do que precisa ser mapeado. Os diários de campo permitem mais texturas ao desenho do plano de intervenção, agregando cores, cheiros, lembranças. E também o registro de outros momentos que não a entrevista, tais como: as reuniões com as equipes técnicas do acolhimento; os planejamentos e trocas nas orientações; as burocracias, protocolos e documentações que circulam ao longo da pesquisa. Todos esses aspectos também produzem linhas, fluxos, mundos (POZZANA, 2013; OLIVEIRA, 2014). 1.2 – Entre ruídos, distopias e a tela preta: a dobra pandêmica Coronavírus, também conhecido como COVID-19. Lembro de ler uma reportagem no início do ano de 2020 falando sobre o fechamento completo de Wuhan, a cidade chinesa que se tornou o primeiro epicentro de contágio da doença. Lembro da minha descrença quanto à obediência da população frente à medida que previa o isolamento completo de uma cidade mais populosa que a capital de São Paulo. Até aquele momento, a doença e sua forma de contágio, que se assemelhava a algo saído de um livro do Sidney Sheldon, eram tópicos de curiosidade a serem debatidos numa mesa de bar. Preocupante, mas distante da realidade de um verão acreano. Quando os casos começaram a ser reportados por outros países, como pipocas estourando em uma panela, e a Itália anunciou o fechamento das fronteiras como mecanismo para tentar evitar o contágio, algo clicou como um aviso de alerta de que a situação era mais séria e urgente do que parecia um mês antes. Para mim a palavra pandemia é uma daquelas palavras pesadas, que você guarda como uma carta na manga até que ela não possa mais ser evitada. Ela aciona medo, incerteza, morte... Muitas mortes. A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou estado de pandemia no dia 11 de março de 2020. A população no Brasil, que por essa data estava dando tchau para os últimos resquícios do carnaval, começou a estocar comida, álcool em gel, água, por ocasião do 25 aparecimento dos primeiros casos da doença no país. Essa situação foi somada, na cidade do Rio de Janeiro, à contaminação da água fornecida pela Companhia de Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (CEDAE). Já a música do Arnaldo Antunes que tocava no programa do Castelo Rá-Tim-Bum, Lavar as mãos, parecia tocar num looping ao ser resgatada e usada como forma de veicular a necessidade de higienização das mãos. Boletins diários com atualização de números de infectados e mortos passaram a ter um espaço fixo nos jornais. No início, era a única temática de notícia a ser veiculada. Agora, acontece assim como os anúncios da previsão do tempo. Diante dos números cada vez mais alarmantes que o Brasil vem registrando – estando com, atualmente, 532.893 mortes confirmadas9, o país passou 10 meses com um militar atuando como Ministro da Saúde, que foi nomeado interinamente, em meio a sua maior crise sanitária. O governo federal tem tido como resposta à pandemia a produção ativa de desinformação e o abandono da população através do boicote às medidas de segurança/saúde, da veiculação de informações sem respaldo científico, da desarticulação, da desmobilização da campanha nacional de imunização, da recusa de compra de vacinas, do esfacelamento de alianças diplomáticas com países produtores de insumos hospitalares, etc. Tendo ficado a cargo dos governos estaduais e municipais formar suas agendas de contenção, medidas de proteção e campanhas de vacinação, o que ocasionou outra barreira de acesso à melhor oferta de atendimento em saúde, visto que não existe uma unificação dos/nos procedimentos de enfrentamento à COVID-19. Isolamento social x quarentena. Use a máscara, caso precise sair de casa. Não use a mesma máscara por mais de duas horas. Evite mexer na máscara enquanto a estiver usando. Higienize a comida. Tome banhos assim que chegar em casa e não toque em nada antes disso. Não toque em nada que você não tenha passado álcool em gel ou sabão. Não toque em ninguém também, se puder evitar. Não vá para e/ou faça aglomerações. Fique em casa, se você tiver condições... Essas são algumas das recomendações de segurança diante do risco de contágio do COVID-19. O que está posto em cena, como consequência do alastramento do coronavírus pelo mundo, não é novo ou imprevisível. Questões como quem são as pessoas mais atingidas pela pandemia, o desmantelamento do sistema de saúde, a precarização das relações trabalhistas são 9 Segundo consulta feita no dia 10/07/2021. Disponível em: https://www.google.com/search?q=mortes+covid+brasil&rlz=1C1AVNG_enBR669BR669&oq=mort&aqs=chro me.2.69i57j0l2j46j0j69i60l3.7725j0j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8 https://www.google.com/search?q=mortes+covid+brasil&rlz=1C1AVNG_enBR669BR669&oq=mort&aqs=chrome.2.69i57j0l2j46j0j69i60l3.7725j0j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8 https://www.google.com/search?q=mortes+covid+brasil&rlz=1C1AVNG_enBR669BR669&oq=mort&aqs=chrome.2.69i57j0l2j46j0j69i60l3.7725j0j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8 https://www.google.com/search?q=mortes+covid+brasil&rlz=1C1AVNG_enBR669BR669&oq=mort&aqs=chrome.2.69i57j0l2j46j0j69i60l3.7725j0j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8 https://www.google.com/search?q=mortes+covid+brasil&rlz=1C1AVNG_enBR669BR669&oq=mort&aqs=chrome.2.69i57j0l2j46j0j69i60l3.7725j0j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8 26 o resultado e a aceleração de processos que já estavam em curso na nossa sociedade. E que ficam agora mais expostos como uma ferida cutucada incessantemente. vivemos um ano que nos demanda força e coragem para seguir em frente diante de uma pandemia que deixa ainda mais expostas nossas mazelas sociais e aguça as injustiças, na medida em que ignora as redes de cuidado necessárias para que seja possível passar pelo isolamento social. (MONTEIRO, 2020, p. 109) Ao mesmo tempo, há tentativas de remediação ou, ao menos, apaziguamento do chacoalhar acionado pela proliferação do coronavírus, como: as ações hercúleas de grupos da sociedade civil, que tentam suprir as lacunas e ausências do Estado, ao oferecer kits de comida e higienização nas periferias; as chamadas de vídeos em grupo nas plataformas eletrônicas de reunião para cantar parabéns ou trocar risos, histórias, aperreios; a disponibilidade de pessoas em se voluntariar para fazer feiras/ir à farmácia para pessoas que pertencem a grupos de risco, entre tantas outras. Temos vivido desde março de 2020 um nova configuração social, onde sair de casa é se colocar em risco de contágio ou de ser agente transmissor e infectar outras pessoas; em situações nas quais as nossas interações ocorrem por telas de computador/telefone, onde nem sempre ver/escutar o outro é possível; na qual dependemos de outros fatores, além dos sujeitos, para que o encontro aconteça. Nesse novo mapa que, para além do entrecruzar de suas linhas, parece ter outro desenho, também com linhas, cruzamentos e desvios próprios; sobreposto em papel manteiga. Como pensar o acompanhamento de processos por esse desenho? Quais pistas a cartografia nos oferece para pensar a pesquisa? Como fazer o luto da pesquisa que não terá sido realizada? Deleuze (1991) pensa que os acontecimentos ocorrem por interferências orgânicas e inorgânicas; duas forças que operam de formasimultânea através de dobraduras, promovendo transformações nos territórios e nos sujeitos, responsáveis pelo processo produção de subjetivação. A pandemia entra como uma dobra na disposição da pesquisa, redesenhando o campo, os percursos e, consequentemente, modificando o próprio estudo. O autor coloca que “dobrar-desdobrar já não significa simplesmente tender-distender, contrair-dilatar, mas envolver-desenvolver, involuir-evoluir” (DELEUZE, 1991, p. 21). Numa situação onde todo tipo de contato presencial não emergencial com o mundo para além da porta da minha casa foi cortado, como foi possível (re)pensar os encontros - que, no cenário anterior, aconteceu porque houve um deslocamento de uma cidade para outra, do olho no olho, do levantar, sentar e se mexer; do aperto de mão, do comer junto - com os/as 27 adolescentes? Que dobras foram acionadas para articular o plano de intervenção diante do cenário pandêmico? Que outras maneiras encontramos de estar juntos? De que forma conseguimos acessar as transformações que a pandemia trouxe para os/as adolescentes “disponíveis para adoção”? A pandemia esticou este estado, esta condição deles/as? Até quando? Com a instauração da pandemia tínhamos realizado a primeira entrevista com dois adolescentes e estávamos com outras quatro conversas agendadas para acontecer nos meses seguintes. Porém, de repente em meio a planejamentos pós-carnaval, nos vimos sem rumo, testando dobraduras que fizessem sentido dados as incertezas e medos que iam se desenrolando a cada novo dia. As instituições de acolhimento fecharam, passando a funcionar em regimes de plantão, com a maior parte dos funcionários trabalhando de forma remota. No dia 17 de abril de 2020 o CNJ, em conjunto com o Ministério Público, o Ministério da Cidadania e o Ministério da mulher, da família e dos direitos humanos, publicou no Diário Oficial uma recomendação conjunta que aconselhava agilizar a finalização dos processos de adoção em andamento, a concessão de guarda dos acolhidos, dentre outras medidas com o intuito de ter o menor número possível de crianças e adolescentes em instituições de acolhimento. Diante disso, uma das primeiras decisões quanto ao rumo da pesquisa foi a suspensão de atividades presenciais, em função do risco de contágio e disseminação do vírus e também porque nos primeiros meses a circulação entre linhas municipais estavam restritas10. Isso desencadeou a necessidade de uma segunda escolha: expandir o grupo de pessoas que conversaram comigo. O caminho percorrido até março de 2020 era no sentido fazer as entrevistas apenas com os/as adolescentes “disponíveis para adoção”, entendendo a importância da escuta desses sujeitos sobre seus próprios planos e projetos. Era importante para nós que esses/as adolescentes fossem vistos/as e escutados/as sobre o lugar que eles/as ocupam na discussão sobre estar nas instituições de acolhimento e no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA). Com a chegada da COVID-19, no entanto, as conversas tiveram que ser 10 Podemos citar aqui os Decretos Nº 47.375/2020 e Nº 47.006/2020, liberados pelo poder executivo estadual, como exemplo de medidas que acabaram por alterar e impossibilitar a mobilidade que tínhamos planejado para a pesquisa poder acontecer de forma presencial. Esses decretos, assim como outros que tratavam sobre medidas de enfrentamento ao COVID-19 e que passaram a ser liberados quase diariamente, estavam sendo renovados a cada 15 dias. Entre outras medidas, eles previam a suspensão da circulação de transportes intermunicipais. Após alguns meses, as cidades começaram a se organizar por planos de reabertura através de um planejamento estruturado por fases que ia autorizando a reabertura de espaços como praias, shopping, cinema, museus; condicionado a um intervalo de tempo e também do número de pessoas infectadas no município. Disponível em: https://pge.rj.gov.br/covid19/estadual/decretos. https://pge.rj.gov.br/covid19/estadual/decretos 28 adaptadas. Passamos a nos organizar para realizá-las online, através de videochamadas ou ligações. No entanto, ficamos receosas quanto a realizar as entrevistas com os/as adolescentes por essa via, pelos efeitos que poderia gerar a impossibilidade de estar com eles/as pessoalmente. Seria viável ter um primeiro contato que não fosse presencial, que não se construísse de forma mais plena, experimentando jogos de corpos, sentidos as expressões, retrações, sensações que o contato físico permite? Optamos, dessa forma, por marcar outro encontro com os adolescentes com quem eu já tinha conversado em momento anterior à pandemia. As novas entrevistas seriam só um complemento; daríamos continuidade. E adicionamos à lista as/os profissionais que estão trabalhando diretamente com os/as adolescentes sobre quem a pesquisa busca tecer. Convidamos as/os assistentes sociais e as/os psicólogas/os que atuam nas instituições de acolhimento e nas ETICs onde o estudo foi desenvolvido. A pesquisa, então, passou a tomar a forma de um caleidoscópio para mim, na qual adquirimos a possibilidade de tingir de várias perspectivas o mapa cartográfico sobre as possibilidades de vinculação dos/as adolescentes “disponíveis para adoção”. Abraçando Dumaresq (2016, p. 128) quando ela diz que “para de fato se humanizar uma pessoa é preciso lhe permitir não apenas falar de si mesma, mas transformá-la em sujeito epistemológico como o agente da escuta supõe ele mesmo ser”. A partir da opção por seguir a pesquisa através de videochamadas, realizando esses encontros de forma digital, passamos a configurar também um quarto lugar por onde a pesquisa caminhou além de Macaé, Rio das Ostras e Rio de Janeiro - esse espaço de encontro possibilitado pela internet. Um lugar que é criado dentro do estudo a partir da impossibilidade do “estar junto” de forma presencial, dobrando a ideia de espaço/lugar que vínhamos construindo até março de 2020. Com isso, podemos pensar o campo de pesquisa, onde “cada movimento percorre todo o plano, fazendo um retorno imediato sobre si mesmo, cada um se dobrando, mas também dobrando os outros ou deixando-se dobrar, engendrando retroações, conexões, proliferações” (DELEUZE; GUATTARI, 2010, p. 49). A metodologia nos permite, dessa forma, pensar os acontecimentos imprevisíveis, como a pandemia, os encontros online, a ampliação de pessoas que compuseram a pesquisa enquanto curvaturas e atravessamentos que, ao serem dobradas, remodelam o desenho da investigação proposta, permitindo, assim, o desenho de outros caminhos possíveis para mapear as possibilidades de vinculação dos/das adolescentes “disponíveis para adoção”. 29 1.3 – Espaços, afetos, memórias e conexões: o encontro com o plano de intervenção Andando por todos os cantos E pela lei natural dos encontros Eu deixo e recebo um tanto Novos Baianos – O mistério do planeta Composto de uma tessitura em constante transformação e contextos que se atravessam, dobram e se recompõem, o plano de intervenção é uma variação contínua, permeada por movimentos não fixados, que na pesquisa cartográfica é o termo que optamos por utilizar no lugar de campo de intervenção, pois ele nos permite perceber a desestabilização que compõe o mapa da pesquisa (PASSOS; BARROS, 2015). Nesse sentido, Barros e Kastrup (2015, p. 58) vão dizer que “o cartógrafo se encontra sempre na situação paradoxal de começar pelo meio, entre pulsações”. Não é possível, a partir da cartografia, pensar esse plano como algo que tem um início, um meio e um fim. Esse lugar, esses sujeitos, a pesquisa, todos fazem parte de um desenho embrenhado, em constante elaboração. E agrupam não uma representação de uma realidade, mas uma composição que emerge a partir do plano de intervenção. Uma composição que só é possível ser acessada estando em relação com os sujeitos, os lugares, os meandros que se fazem presentesna pesquisa. (PASSOS e BARROS, 2015; KASTRUP, 2015). E esta pesquisa talvez comece mesmo pelo meio... Como já narrado, a pesquisa aconteceu em três municípios do estado: Macaé, Rio das Ostras e Rio de Janeiro sendo, neste ano de isolamento físico, dobrada para acontecer em um quarto espaço: o espaço de encontros possibilitado pelo meio digital. Suponho que uma das possíveis indagações diante disso seja: mas como se chegou a essa combinação? Bem, na entrevista do processo seletivo do mestrado, onde contei que havia feito faculdade no interior do Rio de Janeiro e que sou natural do Acre, essa também foi uma pergunta levantada. Na época, pensamos em realizar as entrevistas somente na capital do estado, levando em conta o curto período de tempo que existe dentro do mestrado. Pensando no tamanho do município e que previamente à entrada nas instituições de acolhimento seria necessária a liberação pela secretaria de assistência social, iniciamos o processo procurando os passos para efetivar o pedido de liberação da pesquisa nos sites institucionais da prefeitura da cidade do Rio de Janeiro. Ali as informações eram insuficientes e os telefones para contato achados eram de secretarias de outros municípios. Diante disso, ficou decidido ir à prefeitura em busca de 30 informações, autorizações e o que mais fosse necessário para que o pedido de liberação para realização da pesquisa fosse colocado em movimento. Depois de várias subidas de elevador e descidas de escada, performando cenas mais similares àquelas escritas por roteiristas de programas de comédia ao entrar em vários setores diferentes no prédio da prefeitura em busca da sessão responsável pela análise do pedido para a realização de pesquisa na assistência social e receber respostas como: “Isso não é aqui. Você tem que ir a outro protocolo”, encontramos o setor, no canto do corredor, com o banner de identificação dentro da sala. Ali, no entanto, nos deparamos com burocracias que levariam um período considerável de tempo para a análise do projeto, pois dependiam da liberação de outras instâncias. E novamente o relógio do mestrado bateu. Como uma boa cartografia, com a abertura do protocolo na prefeitura do Rio de Janeiro em curso, começamos a desenhar outros caminhos possíveis para a entrada em instituições de acolhimento. Assim, entrei em contato com minha supervisora da graduação, que tem abertura na assistência social do município de Rio das Ostras por conta de práticas de estágio, para sondar como funcionava o processo de liberação para pesquisa no município e, através disso, foi feita uma ponte com a instituição de acolhimento da cidade. Essa conexão possibilitou a apresentação do projeto de pesquisa para a equipe técnica do acolhimento institucional do município e posterior autorização para a realização das entrevistas junto aos acolhidos interessados em compor o projeto. Esse primeiro encontro com a equipe técnica de Rio das Ostras desembocou em uma ligação com a equipe técnica do município de Macaé. Na ocasião, havia explicado sobre o estágio na comarca de Macaé quando era estudante da UFF de Rio das Ostras e como isso tinha me provocado para pesquisar sobre adolescentes “disponíveis para adoção”. Nisso, contatos foram trocados e alguns meses depois me encontrei em outra cidade apresentando novamente o projeto de pesquisa e tendo, logo em seguida, autorização para entrevistar as acolhidas daquela instituição. Aí chegamos em março de 2020 e tudo mudou. A entrada nas instituições de acolhimento ficou proibida num primeiro momento e depois funcionando com uma equipe reduzida por conta dos riscos de contágio do novo coronavírus. Esse risco também foi pensado com relação ao trajeto, pois para as cidades de Macaé e Rio das Ostras ainda teria o deslocamento intermunicipal, que se tornou inviável diante da condição pandêmica. Daí a entrada no quarto território que compõe e tensiona o plano de intervenção: as videochamadas. Esses passos na pesquisa fazem eco ao que Kastrup (2015, p. 40) vai desenvolver ao longo do texto O funcionamento da atenção no trabalho do cartógrafo, onde a autora discute que 31 Praticar cartografia envolve uma habilidade para lidar com metas em variedade contínua. Em realidade, entra-se em campo sem conhecer o alvo a ser perseguido; ele surgirá de modo mais ou menos imprevisível, sem que saibamos bem de onde. Para o cartógrafo, o importante é a localização de pistas, de signos de processualidade. Rastrear é também acompanhar mudanças de posição, de velocidade, de aceleração, de ritmo. Dessa maneira, o que está em jogo na cartografia não são planejamentos rígidos, ideias pré-fixadas, mas sim os acontecimentos que vão se desenrolando no percurso de fazer a pesquisa. Por esse traçado, as análises vão se preocupar com os elementos heterogêneos, as dobras, as rugosidades que se elevarem no plano. Mas para produzir a análise, é preciso habitar esse espaço que se tem a pretensão de traçar por meio da cartografia. Entender que esse “estar no campo” envolve afetos, conexões, andanças, escutas. Que são pontos que se aglutinam, se dissolvem e compõem aquilo que configura a cartografia que vem sendo desenhada (BARROS; KASTRUP, 2015). Nesse sentido, podemos pensar cada cidade/espaço, e, consequentemente, o funcionamento da proteção social especial de alta complexidade, colocada aqui é como um micromundo11. Então, que cidades são essas? E que lugar é esse que foi acrescentado devido a pandemia da COVID-19? 1.3.1 – Macaé Macaé fica localizada no norte do estado e tem em sua placa de boas-vindas o título de capital nacional do petróleo. Cercada por multinacionais da indústria petroleira e de bairros periféricos, a cidade recebeu durante muitos anos imigrantes de vários estados da federação e também diversos países do mundo12. Macaé se tornou parte do meu percurso no primeiro ano de faculdade, pois era a cidade em que eu fazia baldeação para poder ir para aula. Ali, minha familiaridade com a cidade se limitava à rodoviária municipal. Mas, por conta do estágio no final da graduação, a cidade passou a me afetar de outra forma. Macaé passou a ter ruas e vida noturna, serra e periferia, para além de simplesmente paradas de ônibus. Com a pesquisa, a entrada na cidade, mais uma vez, ganha novos contornos. Trouxe saudade e a possibilidade de novos encontros. 11 Termo utilizado por Varela (2003) para pensar o funcionamento do nosso processo perceptivo. Segundo o autor, a percepção é formada a partir de encadeamento de fatores, que dependem das conexões de cada sujeito e dos estímulos que cada um recebe. Ou seja, existem inúmeras possibilidades perceptivas. A utilização desse termo aqui, nos ajuda a pensar as particularidades de cada município em que a pesquisa está inserida, como cada um tem um modo próprio de funcionamento (burocracias, redes formadas, serviços instituídos), que gera uma realidade própria a ser pensada junto de cada adolescente acolhido/a. 12 Informação disponível em: http://www.macae.rj.gov.br/cidade/conteudo/titulo/capital-nacional-do-petroleo. http://www.macae.rj.gov.br/cidade/conteudo/titulo/capital-nacional-do-petroleo http://www.macae.rj.gov.br/cidade/conteudo/titulo/capital-nacional-do-petroleo 32 Mas a transformação da cidade não foi só afetiva. A proteção social especial de alta complexidade do município também sofreu uma mutação. Ao chegar no Centro Municipal de Atenção à Infância e à Adolescência (CEMAIA) para apresentar o projeto de pesquisa, me vi diante de uma instituição bem diferente daquela que conheci em 2017. Como comentado antes, na época do estágio no Tribunal de Justiça, Macaé só possuía a opção de uma instituição de acolhimento, funcionando com uma estrutura contrária àquelas determinadas pelo Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar eComunitária (PNCFC), de 2006, e pelas Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes, de 2009, que estabelecem como prioritária a convivência familiar e comunitária dos acolhidos, assim como um espaço similar a uma residência. Essa estrutura era combinada com um histórico de evasão dos acolhidos. E no ano de 2019, após a evasão de cinco crianças que resultou na morte de duas delas, o serviço passou por uma reestruturação completa. Foi subdividida em três: CEMAIA I (responsável por acolher crianças), CEMAIA II (responsável por acolher adolescentes do sexo feminino) e CEMAIA III (responsável por acolher adolescentes do sexo masculino); tendo cada uma dessas instituições sua própria equipe técnica e, também, cada um desses pontos fica localizado em um lugar diferente. O primeiro permanece onde era localizada a instituição anteriormente, num bairro bem afastado e de difícil acesso. Os outros dois ficam em casas localizadas em um bairro central da cidade de Macaé, próximo ao comércio, escolas, terminal de ônibus municipal, rodoviária, praia, posto de saúde; respeitando, pela primeira vez, os documentos que estabelecem a localização do acolhimento em área residencial, possibilitando assim aos acolhidos o acesso à convivência comunitária. A apresentação do projeto aconteceu no CEMAIA II. A equipe técnica informou que tinham três adolescentes que já haviam passado pelo processo de Destituição do Poder Familiar e também que três histórias de adoção tinham acontecido ali recentemente, sendo que uma dessas histórias envolvia a adoção de uma menina trans. Infelizmente, não conseguimos realizar encontros presenciais com as adolescentes acolhidas antes da pandemia. Isso acabou nos levando a propor, no lugar, conversas com as equipes do CEMAIA II e com a ETIC que atua com as adolescentes, como mencionado anteriormente. Essa opção veio por uma preocupação nossa quanto a propor encontros por videochamada com as adolescentes sem ter havido um encontro presencial em momento anterior; entendendo que as entrevistas ocorreram diante do cenário de isolamento social, onde o acesso delas a outras pessoas estava restrito, e que as conversas propostas na pesquisa mexem com temas delicados das trajetórias dessas pessoas. Ponderamos, dessa forma, que começar o 33 contato com as adolescentes pela via digital não era um caminho possível para nós. Por isso, optamos por seguir com as/os profissionais que trabalham com as meninas. 1.3.2 – Rio das Ostras Rio das Ostras também é uma cidade localizada no norte do estado do Rio de Janeiro, sendo uma cidade vizinha a Macaé. Tendo sua emancipação somente em 1992, Rio das Ostras era conhecida como uma cidade dormitório para as pessoas que trabalhavam em Macaé quando cheguei para realizar minha matrícula na UFF, em 2013. A universidade era tão desconectada da cidade pela população local, que muitos me indagaram se eu estava procurando o campus na cidade certa. O processo de pertencimento à cidade parecia acontecer de forma simultânea para mim e para a UFF, no decorrer dos cinco anos do curso de psicologia. Minha circulação pela cidade foi ganhando contornos de familiaridade e os motoristas das vans – transporte público municipal – passaram a balançar a cabeça em reconhecimento quando alguém pedia: “pára na UFF, por favor”. A cidade plana, onde era possível realizar quase todas as atividades a pé ou de bicicleta, foi, aos poucos, ganhando cores, contornos e lugares de aconchego. Rio das Ostras também só tinha uma instituição de acolhimento em 2017, mas ela cumpria as determinações técnicas de estruturação do lugar. O acolhimento acontecia numa casa, localizada na primeira quadra da rua, próxima à avenida principal da cidade. O Abrigo Municipal de Rio das Ostras é uma instituição dividida fisicamente, com um lado da estrutura destinado ao aspecto residencial – onde estão os quartos, a sala, a mesa de jantar, os banheiros dos residentes, a varanda –, já o outro lado é que identificamos como o aspecto institucional do espaço – onde se encontra a sala da coordenação, a sala da equipe técnica, o espaço onde acontecem as audiências concentradas. Uma curiosidade sobre o espaço físico do Abrigo é que a cozinha se localiza nessa área “institucional” do lugar. Quando eu fiz a apresentação do projeto, a equipe me apontou três garotos que poderiam participar da pesquisa. Todos eles com a DPF, mas um deles não quis entrar no SNA. Conseguimos realizar dois encontros presenciais em Rio das Ostras, o que se mostrou importante já que foi o único lugar onde conseguimos realizar as entrevistas presenciais a tempo. Isso nos permitiu estar com os adolescentes para além do momento da conversa, oportunizando um habitar o espaço junto com outros além dos garotos e que também estavam presentes no Abrigo Municipal de Rio das Ostras, como os/as guardas e as/os tias/os13. Além 13 Essa era a forma que os garotos e as/os próprias/os profissionais do acolhimento utilizavam para se referenciar às/aos cuidadoras/es e as/os profissionais da equipe técnica. 34 dos dois adolescentes que toparam compor a pesquisa, participaram também a equipe do judiciário que trabalha com os meninos no município. Em razão de ter realizado uma parte da entrevista com os adolescentes antes de março de 2020, achamos viável propor para os garotos um segundo encontro através desse outro território que se desenhou a partir da pandemia. 1.3.3 – Rio de Janeiro O Rio de Janeiro tem uma importância significativa na construção daquilo que entendemos como Brasil. É a capital do estado; já foi a capital do país. Mas a cidade me marca por outros motivos. Foi para cá que o meu bisavô foi enviado, após ser recrutado para lutar na Segunda Guerra Mundial, e ganhou o apelido de “carioca”; foi para onde a minha avó trouxe os filhos para estudar; foi aqui que a minha mãe ficou grávida de mim. Apesar do tamanho, a cidade não me assusta, ela me alegra com as zuadas, com as movimentações apressadas, mas nem tanto assim; com a resistência. Mas todo esse colorido foi travado, num primeiro momento da pesquisa, no encontro com as papeladas, com os setores que nem todo mundo sabia onde ficava. O pedido de liberação para a realização de pesquisa na assistência social do município ainda se encontra em análise. Como dito anteriormente, por conta da pandemia, as visitas ou entrevistas nas unidades ficaram suspensas e para a entrada nas unidades de acolhimento dependíamos da liberação da prefeitura no momento em que houvesse a reabertura dos equipamentos. E de novo pensamos sobre o tempo de duração de uma pesquisa de mestrado e entendemos que era melhor caminhar pelas entradas que já havíamos conseguido nas outras duas cidades. O Rio de Janeiro, então, nos oportuniza uma dobradura no mapa cartográfico, transformando essa parte do plano num lugar da troca, da rearticulação da pesquisa. Foi nesse espaço onde os encontros com o Grupo de Pesquisa Subjetividades e Instituições em Dobras (GEPSID)14 permitiram que, em alguns momentos, a minha escrita saísse de um singular para uma composição no plural, tornando o processo de criação menos solitário e mais solidário. 14 O GEPSID é um grupo de pesquisa, estudo e extensão que atua desde 2012 a partir de uma Psicologia Social crítica, de um embasamento pós-estruturalista e de um posicionamento ético-estético-político que se apoia na cartografia. Esse grupo do qual faço parte é composto por pequisadoras/es da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ). Através de uma produção teórica e prática, buscamos promover ações que promovam a diferença e combatam as desigualdades, apostando no engajamento e fortalecimento da Psicologia social, dos movimentos sociais, da academia e da sociedade como um todo. 35
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