Buscar

AULA Democracia agonística

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 39 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 39 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 39 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 1/39
Democracia agonística
Prof. Rafael Morais
Descrição
Você verá o conceito de democracia agonística, projetado a partir de
críticas a outros modelos propostos e fundamentalmente preocupado
com a adequação da complexidade e da pluralidade das sociedades
contemporâneas a um regime democrático.
Propósito
Discutir o conceito de democracia agonística, bem como compreender
os fundamentos centrais da democracia contemporânea, suas
contradições e seus principais aportes teóricos.
Objetivos
15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 2/39
Introdução
A democracia é um conceito polissêmico. Isso significa que não
se esgota em apenas uma definição, mas múltiplas. Neste
conteúdo, discutiremos as principais dimensões conceituais da
democracia contemporânea, que geram profundos embates
teóricos entre muitos autores. Veremos em amplitude histórica o
desenrolar desses conceitos e as principais críticas e debates em
torno deles, de modo a compreender os fundamentos, os dilemas
e os desafios da democracia.
1 - Introdução à teoria da democracia: história e
conceitos importantes
Ao �nal deste módulo, você será capaz de identi�car os conceitos
elementares da teoria democrática.
Liberalismo e direitos civis
Compreenda neste vídeo como o liberalismo e os direitos civis se
relacionam com a formulação da democracia moderna.

15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 3/39
As ideias liberais emergiram no século XVII, na Inglaterra, em oposição
violenta ao absolutismo. Pautavam-se, basicamente, na ideia de que o
indivíduo é possuidor de direitos naturais que antecedem o Estado e,
que, portanto, deveria ter sua constituição orientada, em primeiro lugar,
pela garantia desses direitos.
O Estado absolutista, hobbesiano — cuja única obrigação no contrato
social é a segurança coletiva dos indivíduos que cedem sua soberania e,
assim, constituem a soberania do Estado — é retratado na capa da obra
de Hobbes, Leviatã, como um homem constituído por indivíduos, ou
seja: a soberania do Estado é constituída pelas soberanias individuais
cedidas pelo contrato, que funda o soberano. Este tem, segundo o
modelo absolutista, plenos poderes para governar, poder de vida e morte
sobre seus súditos, e governa por direito de sucessão hereditária.
Frontispício da edição original do livro Leviatã,1651.
John Locke, escrevendo algumas décadas depois de Hobbes, fará o
movimento de ruptura com o absolutismo ao publicar sua principal obra,
Segundo tratado sobre o governo civil. A obra é ao mesmo tempo o
produto das disputas entre o Parlamento e o Rei na Inglaterra, vencidas
pelo primeiro, que representa a burguesia inglesa em franca ascensão.
Locke subscreverá as necessidades burguesas de mais espaço e
direitos civis para escapar das amarras do poder régio a fim de expandir
seus negócios e sua participação nos lucros e nos dividendos da
atividade econômica expansiva da Inglaterra do século XVII.
O século XVII marcou a Inglaterra com dois ciclos de guerras civis que,
juntos, promoveram a primeira revolução burguesa e liberal. O primeiro
foi encerrado com a subida ao poder de Oliver Cromwell, em 1651,
mesmo ano de lançamento de Leviatã.
O governo despótico de Cromwell, uma espécie de fase jacobina da
revolução inglesa, implementou uma das mais importantes políticas
públicas inglesas para alavancar a Inglaterra como a maior potência do
mundo: o Ato de Navegação, ou Leis de Navegação, que instituíam o
monopólio do transporte das mercadorias vitais para a economia
inglesa.
15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 4/39
Oliver Cromwell.
Marcado por muitos conflitos e despotismo, o governo de Cromwell
chegou ao fim com sua morte, a qual se seguiu seu filho, que não foi
capaz de sustentar o legado do pai. A restauração da monarquia teve
lugar sob o compromisso de menos despotismo, que, descumprido,
inaugurou a etapa derradeira do processo revolucionário: a Revolução
Gloriosa. A Inglaterra entrou no século XVIII como uma monarquia
constitucional, algo que não mudou até hoje.
Em sua obra Segundo tratado sobre o governo civil (1994), Locke
apresenta os fundamentos do individualismo liberal, advogando por
mais mediação entre o poder e os indivíduos, segundo ele, dotados de
direitos e anteriores ao Estado. Sendo, portanto, intocáveis por ele.
A obra de Locke rompe com a de Hobbes, a partir de uma perspectiva
diferente do estado de natureza. Vejamos:
Hobbes
A fase pré-contratual da humanidade é marcada por pessimismo.
Locke
A fase pré-contratual da humanidade se dá em relativa harmonia.
Os homens vivem em cooperação justamente pelo entendimento mútuo
quanto à insustentabilidade de viverem em permanente ameaça,
desconfiança e, consequentemente, guerra (de todos contra todos) —
apesar de estarem de fato sujeitos a ameaças contra a propriedade,
como reconhece Locke, ainda que não o tipo de ameaça permanente e
urgente de Hobbes. Por isso, a importância do Estado como ente
garantidor, por meio das leis e do aparato de segurança, dos direitos
naturais do ser humano.
Locke formula seu conceito de propriedade, pedra angular do
Liberalismo, desta forma:

A propriedade é, em primeiro lugar, constituída pela vida,
seguida pela liberdade e pelos bens.
15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 5/39
A partir de seu entendimento sobre os direitos naturais, Locke
argumentou que o Estado não deve ter poder absoluto sobre os
indivíduos, como defendia Hobbes, mas deve ter seus poderes limitados
pela defesa dos direitos naturais do homem.
John Locke, considerado o pai do Liberalismo político.
É dessa lógica que Locke desenvolve o direito de resistência,
compreendido como o direito (e o dever) do cidadão de resistir a uma
tirania (o exercício do despotismo), ou a qualquer ameaça vinda do
Estado contra qualquer um de seus direitos (naturais), pois um Estado
que não protege tais direitos perde a sua legitimidade. O exercício da
tirania, nessa acepção, consiste na violação da propriedade pelo
governo, o que coloca o Estado em guerra com a sociedade. Essas
ideias se articulavam com o papel de um poder legislativo forte e
atuante.
Em Locke, os homens pactuam trocando liberdade por segurança para
fundar um poder centralizado que possa garantir seus direitos naturais,
então pela lei convertidos no advento dos direitos civis, promovendo a
transição de súditos para cidadãos e quebrando com a premissa, antes
inquestionável, do poder absoluto dos soberanos. Do conceito de
propriedade em Locke surge a noção de uma sociedade liberal que
deverá ser conduzida por um Estado liberal.
O consentimento expresso dos governados é a
única fonte de poder legítimo (LOCKE, 1998).
Segundo Bobbio (2017), a obra de Locke constitui “a primeira e mais
completa formulação do Estado liberal”. Toda essa estrutura teórica e
A ordem não é axiomática: é preciso estar vivo para ser livre,
e é preciso ser livre para ter direito a bens, então
classificados como o fruto de qualquer trabalho aplicado
sobre uma matéria da natureza.
O trabalho é a única fonte de riqueza, noção que será a base
da economia política.
15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 6/39
racional foi de fundamental importância para o processo revolucionário
que ganhou corpo no século XVII e abriu a porta para a superação do
Antigo Regime.
A Revolução Gloriosa foi a marca do triunfo do liberalismo na Inglaterra,
e a primeira de uma onda que atravessaria gerações pelo velho
continente e até aportaria no novo mundo, em 1776, nos EUA.A
proclamação do Bill of Rights, uma carta de direitos civis, em 1689,
proclamou o fim do absolutismo na Inglaterra, substituído por uma
monarquia constitucional, vigente até hoje.
Direitos humanos e sociais
Confira neste vídeo os primeiros debates sobre a humanidade, os
direitos do homem e as liberdades e práticas sociais que influenciam os
debates sobre a democracia.
Em 14 de julho de 1789, uma década após a declaração de
independência dos EUA, a França mergulhou no caos social, e a data é
celebrada até hoje como um marco de independência. Nesse dia, os
franceses, revoltados com as péssimas condições sociais pelas quais
passavam, invadiram a Bastilha (uma masmorra que servia como
arsenal do exército) e tomaram as armas, dando início à Revolução
Francesa.
Prise de la Bastille (queda da Bastilha) por Jean-Pierre Houël.
A Revolução Francesa marcou a história por ter instituído os direitos
sociais e as liberdades individuais com grau de impacto maior do que a
experiência insulada na Inglaterra. O Estado francês, muito endividado
por guerras, aumentava a taxação sobre o seu povo ao mesmo tempo
que a grave crise econômica gerava desabastecimento. A fome
avançava entre os franceses, enquanto a monarquia vivia mergulhada
em desperdício e opulência. Devido a essa grave situação econômica e
social, a participação ativa do povo resultou em um processo
15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 7/39
revolucionário especialmente violento. A revolta contra a monarquia
levou a saques, assassinatos e muita destruição.
Era o direito de resistência de Locke, concebido um século antes, em
forma viva e o começo do fim do absolutismo no continente europeu.
Saiba mais
Segundo Hobsbawm (1995), o Estado francês gastava cerca de 20% a
mais do que deveria no fim da década de 1780, à beira da revolução, e
usava aproximadamente 50% do seu orçamento para pagar dívidas
contraídas, sobretudo em guerras, o que resultou em elevada inflação. A
demanda por reformas era tão urgente quanto ignorada pelas classes
dominantes, indispostas a renunciar a seus privilégios.
Governada pelos Bourbons, sob Luís XVI, a França era uma sociedade
típica do Antigo Regime em seu estado ideal. A organização social,
herdada do feudalismo, dividia-se em três estados (castas) sociais:
O terceiro e mais heterogêneo estado social, o povo, era composto
essencialmente por:
Camadas rurais
Ligadas ao trabalho na terra sob a propriedade das duas castas
superiores (as classes proprietárias).
Burguesia
Classe em ascensão, fundamental para o fortalecimento dos
Clero
Nobreza
Povo

15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 8/39
Estados durante o mercantilismo.
Para tentar debelar a crise econômica, foi convocada a Assembleia dos
Estados Gerais, cuja função era reunir a sociedade francesa, na figura
dos seus três estados, em momentos de crise. No entanto, a reunião
não foi capaz de debelar a revolta, pois a estrutura da deliberação
correspondia à sociedade estamental, reservando mínimo peso para o
voto do terceiro estado.
Após discordar das elaborações da Assembleia Nacional, o rei
determinou o seu fechamento, culminando com a revolta contra a
monarquia, em 14 de julho de 1789, data considerada o marco de
origem do processo revolucionário que conseguiu a abolição dos
privilégios feudais em agosto de 1789 (um mês após o episódio da
Bastilha) e, em setembro, logrou a proclamação da Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, que determinava que todos os
homens eram iguais perante a lei, rompendo com a sociedade
estamental. Em 1790, a Assembleia Nacional aprovou a Constituição
Civil do Clero, que eliminava privilégios eclesiásticos e visava subordinar
a Igreja ao Estado.
Representação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão por Jean-Jacques-François
Le Barbier.
Em 1792, a Assembleia Nacional também ratificou o estado de guerra
contra outras monarquias europeias. As classes poderosas francesas,
destituídas de seus privilégios pela revolução, deram início a um
processo contrarrevolucionário com a ajuda de outros Estados
europeus, interessados em conter o “germe” revolucionário. O estado de
guerra abriu caminho para a radicalização da violência interna, pois, com
a ameaça da guerra batendo às portas da França, a urgência pela
pacificação se impunha.
Saiba mais
A revolução passou por diversas fases, assumindo tom mais
conservador durante o período napoleônico, em função da necessidade
de segurança. Não obstante, Napoleão consolidou e promoveu diversos
avanços da revolução — e revogou outros, como o fim da escravidão nas
colônias, suscitando uma rebelião no Haiti que culminaria na
independência desse país.
Desde a Revolução Francesa, os direitos humanos têm sido objeto de
lutas políticas, inclusive das lutas pela descolonização que tinham como
15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 9/39
alvo a própria França, detentora, até meados da segunda metade do
século XX, de um imenso império colonial.
Nos dias atuais, o mundo ainda convive com diversos lugares em que
violações sistemáticas de direitos humanos ocorrem diariamente,
inclusive nos países centrais, como os EUA, onde o racismo estrutural
ainda leva a abusos policiais e a pobreza cresce, confrontando cidadãos
norte-americanos com condições de vida cada vez mais difíceis. Um
exemplo recente que gerou protestos no mundo todo foi o caso George
Floyd, um homem afro-americano brutalmente assassinado em maio de
2020 durante uma abordagem policial.
Marcha contra a violência policial nos EUA organizada pelo Movimento Black Lives Matter (Vidas
Negras Importam) em 2020.
Nos países periféricos, tais situações e condições são sistêmicas, além
de ser possível observar um sensível agravamento nas últimas décadas.
Dica
Para entender melhor o movimento Vidas Negras Importam, leia a
matéria: Como três mulheres criaram o movimento global Black Lives
Matter a partir de uma hashtag, publicada pelo G1 em 20/12/2020.
A conjuntura da democracia
contemporânea
Acompanhe neste vídeo a democracia e suas transformações ao longo
do século XX, tais como: valor durante a Guerra, bem-estar social e
princípio neoliberal.
As origens teórico epistemológicas da transformação dos direitos
liberais e por consequência dos fundamentos democráticos, o que na
15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 10/39
década de 1970 seria chamado de neoliberalismo, remontam à década
de 1930, quando liberais se dividiam para tentar propor alternativas à
crise do liberalismo que se arrastava desde a última década do século
XIX.
A ascensão dos EUA e da Alemanha ao topo do poder industrial, em fins
daquele século, levou as economias do restante do mundo a intensas
rodadas protecionistas para concorrer com as muito bem protegidas
economias norte-americana e alemã. Impulsionados, respectivamente,
pelas ideias de Alexander Hamilton e Friedrich List, os modelos
econômicos dos EUA e da Alemanha eram intensamente protecionistas
e caminhavam para a formação de grandes monopólios.
Somado a isso, o contexto da corrida armamentista que levou à Primeira
Guerra Mundial também colaborou para o fechamento das economias e
para o abandono das ideias liberais. Com o fim da guerra, alguma
recuperação foi notada, mas logo foi interrompida pela crise de 1929,
que pôs um freio à tendência financista que o capital vinha assumindo
em decorrência do modelo monopolista que vigorava desde o fim do
século XIX.
Produção de munição em fábrica de armas e bombas na Inglaterra durante a Primeira Guerra
Mundial.
A crise de 1929 solapou economias no mundo todo, sobretudo na
Europa, que se recuperava da Primeira Guerra Mundial. São amplamente
conhecidos os impactosdessa crise na economia alemã, que já lutava
para lidar com as pesadas imposições do Tratado de Versalhes. A crise
de 1929 jogou mais lenha na fogueira da crise do liberalismo,
consolidando a ascensão dos regimes nazifascistas.
Venda de selos e cartões postais da previdência para acesso ao auxílio emergencial alemão durante
a Grande Depressão, 1929.
No fim da década de 1930, liberais reuniam-se em associações — os
embriões dos modernos think thanks —, a fim de discutir alternativas
para o sistema liberal de ideias. Desses debates, emergiram alguns
modelos que viriam a caracterizar o neoliberalismo, no entanto levaria
décadas até serem efetivamente implementados, em função da
hegemonia dos modelos keynesianos desde a crise de 1929 e do pós-
Segunda Guerra Mundial, que contemplavam uma economia com base
reformista para produzir um estado de bem-estar social. Esse modelo
15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 11/39
foi o responsável pelo período apelidado pelos historiadores de era de
ouro do capitalismo, que corresponde às décadas de 1950 e de 1960.
A crise da década de 1970 — uma combinação entre a queda da taxa de
lucros e o choque do petróleo que se seguiu à desindexação do dólar
em relação ao ouro, rompendo com o acordo de Bretton Woods — levou
à queda do modelo keynesiano e ao começo do fim do welfare state,
processo que segue em curso.
Fila de carros para abastecer em posto de gasolina na cidade de São Paulo durante a crise do
petróleo no Brasil, 1979.
A partir da década de 1980, principalmente, o mundo passaria à
consolidação de uma hegemonia neoliberal nas políticas econômicas,
que preconizavam máxima abertura e desregulamentação como
respostas à queda das taxas de crescimento, problema que era
atribuído, pelos neoliberais, ao custo do Estado de bem-estar social.
Comentário
Após o colapso da União Soviética, a tendência neoliberal foi ainda mais
favorecida, agora politicamente, uma vez que o equilíbrio de forças
observou um desequilíbrio nas relações entre o capital e o trabalho.
Na atual conjuntura, observamos os impactos sistêmicos das políticas e
dos modelos neoliberais que levaram à degradação dos direitos sociais
e trabalhistas e à desindustrialização nas poucas nações periféricas que
lograram desenvolver um parque industrial durante o século XX, como o
Brasil, e também nas nações centrais, como os EUA. País no qual a
transferência de diversas indústrias do setor chamado medium and low
tech, amplamente responsável pelos bons empregos, tem levado ao
empobrecimento da classe média norte-americana, segundo diversos
estudos.
Essas fábricas, outrora instaladas no meio-oeste norte-americano, agora
estão na Ásia, onde encontraram mão de obra mais barata e outros
incentivos diversos. Nos países periféricos, a situação é ainda pior,
dadas as vulnerabilidades sociais pré-existentes.
Na Europa, apesar da presença do welfare state, que atenua os efeitos
dessas políticas, a situação já atinge níveis alarmantes devido ao
avanço da pobreza e às reformas voltadas para aumentar a idade de
aposentadoria e a flexibilização de leis trabalhistas, gerando intensos
protestos e instabilidade política.
15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 12/39
Manifestação contra a proposta do governo de reforma da previdência em Paris, 2023.
Dica
Assista ao documentário de curta-metragem Unravel da diretora e
produtora indiana Meghna Gupta (13:35m), disponível legendado na
plataforma Vimeo. O filme mostra trabalhadores de fábricas de
reciclagem de roupas na Índia e expõe aspectos do consumo ocidental
e a política neoliberal aplicada às indústrias têxteis.
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 13/39
2 - Democracia liberal
Ao �nal deste módulo, você será capaz de reconhecer as características da
democracia liberal.
Democracia agregativa
Entenda neste vídeo o conceito de democracia agregativa e os teóricos
que contribuíram para essa formulação.
“O melhor argumento contra a democracia é uma conversa de cinco
minutos com um eleitor mediano.” A frase de Winston Churchill (apud
PRZEWORSKI, 2019) traduz um pensamento conservador que
antagoniza com a democracia, mas não deixa de expor um problema
concreto: como garantir estabilidade e funcionalidade à democracia
confiando o poder ao povo, que, presumivelmente, não está capacitado
dos amplos conhecimentos necessários para tomar decisões políticas
complexas, típicas de sociedades pós-industriais, com milhões de
habitantes e incontáveis problemas de difícil solução?
15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 14/39
A questão é séria, perturba filósofos e teóricos políticos há milênios, e
nos leva a uma primeira conclusão: a democracia só é possível
vinculada à educação para a democracia e, principalmente, a uma
prática democrática em microescalas.
É importante pensar que a democracia é uma prática,
não um estado, e ela só pode ser realizada a partir de
um aprendizado e prática cotidianos que aproximem as
pessoas da política.
Das dificuldades em promover a educação para a democracia em
sentido amplo, bem como dos anseios elitistas das classes dirigentes
que buscavam excluir as camadas populares de uma maior
participação, nasceu o modelo agregativo, cujo mote central é a
representação.
Max Weber, embora não tenha abordado o tema de forma específica, o
tangenciou diversas vezes, sendo um autor importante para entender os
elementos do elitismo democrático. Weber concebia a democracia
como um instrumento de contingenciamento do poder do kaiser e da
burocracia — um dos temas centrais de sua obra —, e entendia o
parlamento como um progresso, sendo um instrumento mediador ante o
perigo do autoritarismo.
Comentário
Weber analisa o capitalismo dentro da órbita do progresso da
humanidade, e, nesse sentido, a democracia burguesa seria um ideal de
regime político porque impõe um freio à escalada das tensões. A ideia
de desencantamento do mundo, que vê na razão o fundamento central
da sociedade moderna, compõe, na obra weberiana, uma interpretação
racional e sistemática dessa sociedade, sendo o regime democrático
liberal a expressão dessa racionalidade como forma de regime político.
Para dar conta da complexidade da sociedade emergente da revolução
industrial — que observa o surgimento do proletariado como uma nova
classe social que rapidamente reconfigura as cidades e opera uma
profunda transformação social a partir do intenso conflito entre capital e
trabalho —, Weber vê a consolidação da democracia como necessária.
Mas não segundo o modelo clássico, da Grécia Antiga, onde a
participação era o objetivo, e sim a partir do viés liberal promovido pela
burguesia agora na condição de classe dominante.
O modelo liberal, posteriormente chamado de agregativo, seria
necessário para, sobre bases procedimentais bem institucionalizadas,
servir como mecanismo de promoção dos valores fundamentais da
nova sociedade (burguesa), tais como a competição e a liberdade de
escolha.
15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 15/39
Max Weber.
A preocupação de Weber e de outros autores do mesmo período é com
a necessidade de neutralizar o conflito social, escalando naquele
momento a partir das tensões sociais produzidas pela revolução
industrial. Nessa acepção de ordem social, a heterogeneidade é
encarada como um fator de desagregação social, devendo ser
combatida. Daí a ideia de afastar a participação, de modo que a
sociedade possa ser governada por instituições racionais que,
necessariamente, devem ser comandadas por sujeitos racionais —o que
presume um dado tipo de sujeito: educado, erudito e, logo, da elite.
Qualquer ideia de democracia direta é abandonada por esse raciocínio
por não haver nela nenhum mecanismo confiável para balancear o
conflito político entre as facções. Na prática, essas interpretações da
democracia revelam preocupações conservadoras com a contenção do
processo revolucionário, que deveria cessar na ascensão da burguesia,
numa parceria com a aristocracia sobrevivente à queda do Antigo
Regime, para barrar as demandas das classes populares que poriam em
risco a propriedade privada.
Em defesa da conservação daquele status quo, Weber argumenta que a
expropriação do trabalho — denominada por Marx de mais-valia —
consiste em um elemento presente em todas as organizações
burocráticas, sendo parte inevitável no processo de centralização.
Nessa toada, os indivíduos que se encontram em escalas inferiores da
hierarquia burocrática perdem controle (poder) sobre o próprio trabalho,
uma vez que as burocracias tendem a se tornar forças impessoais que
ignoram as necessidades particulares dos indivíduos; um preço a ser
pago para desfrutarmos da sociedade moderna.
15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 16/39
Karl Marx.
Essa percepção naturaliza a exploração do trabalho segundo uma
racionalização que fundamenta a própria sociedade moderna, além de
legitimar a dominação política da burguesia, justificando um modelo de
regime político que seja capaz de conter os conflitos sem resolver suas
causas, pois estas estão dadas.
Weber pensa a importância do parlamento para as discussões dos
problemas de interesse público — então tutelados pelos representantes
esclarecidos — no sentido de se opor tanto ao autoritarismo do kaiser
quanto ao do povo, segundo a ideia, amplamente difundida no século
XIX a partir das obras de Tocqueville e Rousseau, de tirania da maioria
sobre a minoria.
A discussão parlamentar seria o laboratório, na teoria
weberiana, de formação dos grandes líderes políticos
capazes de deter o autoritarismo.
O modelo teórico agregativo, desenvolvido a partir do pós-Segunda
Guerra principalmente por Schumpeter (1961), postulava um sistema
representativo no qual as pessoas podem aceitar ou rejeitar seus líderes
em processos eleitorais competitivos. Os interesses e as preferências
do povo deveriam, então, ser a base da organização político-partidária.
Schumpeter descarta quaisquer potenciais argumentativos de um
modelo de democracia mais popular na era da sociedade de massas,
manifesta um repúdio à participação do homem comum na política e
compara a democracia ao mercado.
Joseph Schumpeter.
15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 17/39
Schumpeter definiu a democracia moderna como um arranjo
institucional no qual os únicos meios de participação abertos ao
cidadão seriam o voto e a discussão. A democracia seria um método,
não um fim, e seria necessário evitar que a massa tivesse mais
influência no processo de tomada de decisão. Essa visão consagra o
princípio do homo economicus, segundo o qual os seres humanos são
agentes racionais dotados de um cálculo de custo/benefício em suas
decisões.
Berelson (1952) assume posições semelhantes às de Schumpeter, a
partir do consenso de que há demandas para a democracia funcionar
que não correspondem aos atributos do cidadão médio, que
normalmente é desinteressado das questões políticas — ou não tem
tempo para abordá-las.
Já para Dahl (2001), a questão central está no controle que os cidadãos
comuns podem exercer sobre seus representantes eleitos, tendo como
arma de negociação o voto, enquanto Sartori (1994) reafirma esse
mesmo argumento, enfatizando os problemas inerentes à participação,
com destaque também para a falta de interesse e conhecimento sobre
os assuntos políticos por parte do cidadão comum.
Robert Dahl.
Por último, Eckstein (2015) classifica a democracia como um regime no
qual a disputa se dá entre os representantes eleitos, ou seja, sua
definição não inclui uma maior participação além do voto.
Essa revisão teórica informa algo muito substancial sobre a teoria de
democracia: ela não é descritiva, mas normativa, e de inspiração nas
experiências anglo-saxônicas, ou seja, datada historicamente.
Atenção!
A democracia liberal — produto histórico desse modelo — aparece como
única possibilidade num movimento que, em certa medida, naturaliza a
experiência da democracia segundo o viés liberal, contrapondo-se
apenas às formas de autoritarismo. Em outras palavras, a escolha
estaria apenas entre a democracia liberal e a ditadura.
O medo das massas marca o contexto dos debates sobre a democracia
em sua fase inicial. A Revolução Industrial produziu uma nova classe, a
classe operária, e mudou radicalmente a configuração da vida urbana.
Ortega Y Gasset (1962), em A rebelião das massas, trata da emergência
do “homem médio que hoje se vai apoderando de tudo” (GASSET, 1962,
p. 38).
A massa precisa ser contida, pois con�gura
uma ameaça aos valores da civilização.
A resistência das elites — incluindo a emergente burguesia — para
admitir o povo em seu projeto se insere em uma confusão comum. A
15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 18/39
discussão sobre a democracia liberal se confunde, por vezes, com a do
republicanismo que encampou a luta contra o Antigo Regime.
Segundo Starling (2018), durante a conjuração mineira, no Brasil Colônia,
os republicanos na capitania das Minas Gerais — subversivos à ordem
da época — discutiam o problema da liberdade, porém não sem externar
imensas reservas com a questão da inclusão dos negros e das massas
mais incautas nos processos políticos então elaborados no âmbito da
conjuração, que visavam substituir a ordem da Coroa.
Exemplo
O padre Carlos Correia de Toledo e Melo, influente nas Minas Gerais do
século XVIII, era favorável a estender a igualdade legal a todos os
moradores da capitania. Ao mesmo tempo, “considerava a extensão da
igualdade de poder uma completa irresponsabilidade”, porque, segundo
a autora, “no final do século XVIII, a questão da liberdade e demais
direitos, que corroía o Antigo Regime, habitava um paradoxo com a
escravidão, base pouco questionada da economia moderna então se
expandindo.” (STARLING, 2018, p. 142).
Monteiro Lobato e Alcibíades Pizza argumentaram, em um manifesto
contra a universalização do voto em 1924, que o voto obrigatório
conduzia massas incautas para o processo eleitoral, “distorcendo e
viciando os resultados do pleito, já que os votos da maioria ignorante
esmagam os votos da minoria pensante” (COSTA, 2008, p. 45).
Monteiro Lobato.
A participação, portanto, tem sido encarada como um problema de
difícil solução por diversos teóricos desde a constituição das primeiras
experiências democráticas, ainda muito ligadas a repúblicas conduzidas
por elites aristocráticas/burguesas.
Ideia de representação.
Na prática, as revoluções liberais foram desaceleradas pela percepção
comum entre a alta burguesia e a nobreza/aristocracia — inimigas no
processo de derrubada do Antigo Regime — de que era necessário
conter o processo revolucionário antes que ele prosperasse demandas
das classes populares.
É assim que a burguesia passa, rapidamente, em termos históricos, de
classe revolucionária a classe conservadora. Essa é a discussão de
15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 19/39
fundo sobre o problema da representação: uma relação de poder.
Democracia deliberativa
Confira neste vídeo o conceito de democracia deliberativa e os teóricos
que contribuíram para essa formulação.
Deliberar, etimologicamente, pode significar tanto ponderar quanto
decidir, razão pela qual podemos acentuar pelo menos dois empregos
dotermo na teoria da democracia:
Schumpeter e Rawls
Momento da tomada de decisão em si.
Habermas e Cohen
Processo pelo qual dois ou mais agentes avaliam e discutem os termos
de determinada questão.
A ideia de que a democracia deve ser orientada por um processo de
ampla deliberação entre os cidadãos é antiga, e data dos primórdios
democráticos na antiga polisgrega, durante o século V a.C.
Podemos dizer que a democracia deliberativa constitui
um modelo que advoga por ampliação da participação
da sociedade para além das esferas representativas
institucionalizadas.
Teorizado principalmente a partir das obras de John Rawls e Jurgen
Habermas, esse modelo apregoa que as decisões políticas devem ser
tomadas por meio de um processo de deliberação entre livres e iguais. A
pretensão da democracia deliberativa é a possibilidade, graças a
procedimentos adequados de deliberação, de alcançar formas de
acordos que satisfaçam:
Legitimidade democrática
Entendida como a soberania popular (a vontade do povo).
Racionalidade
Entendida como os direitos liberais.

15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 20/39
Esses direitos pressupõem a constituição de uma densa esfera pública
na qual se realiza o exercício coletivo da política, tecido em que se
desenrola a deliberação. A partir daí, Rawls e outros teóricos dessa
corrente enfatizam os princípios de justiça, que sempre requerem uma
posição de neutralidade. Em suma, esse modelo é entendido como um
sistema de arranjos sociais e políticos capaz de ligar o exercício do
poder ao exercício da razão entre iguais. Consenso é a palavra-chave e a
governança figura como um exercício em busca da harmonia dos
interesses sociais.
O modelo deliberativo propõe, portanto, a transcendência dos limites
impostos pela representação, e tem suas fundações conceituais na
teoria de Rousseau (a vontade geral, 1973), que se baseia na
participação individual pautada por um modelo capaz de gerar
interdependência entre os cidadãos e a coletividade por meio de
instituições mediadoras. Segundo essa corrente, a participação teria um
impacto psicológico sobre os indivíduos, levando-os à preservação do
sistema participativo, uma vez que suas propostas requerem um
mínimo quórum para prosperar.
Jean-Jacques Rousseau.
Nenhum cidadão seria capaz de realizar qualquer coisa sozinho, pois
precisa dos demais, o que o levaria a pensar no bem comum na
formulação de suas propostas. A “vontade geral” é justa de acordo com
Rousseau, uma vez que os interesses individuais estão sempre
guarnecidos e articulados pelo interesse público.
Para garantir esse sistema, seria necessário um mínimo de igualdade
política, por isso existe a necessidade de garantir a propriedade
individual, de modo que haja um equilíbrio socioeconômico. Dentro
dessa lógica, o indivíduo teria garantida também a sua liberdade, pois,
para Rousseau, a sensação de liberdade aumenta quando ele participa
do processo de tomada de decisão. O que Benjamin Constant
classificou de liberdade dos antigos, ou seja, a liberdade pré-moderna,
antes do liberalismo e das noções privadas de indivíduo, uma liberdade
que corresponde à participação política. A relação entre a autoridade
das instituições e a educação dos indivíduos para a vida pública é, a
rigor, bastante necessária para o funcionamento desse sistema.
John Stuart Mill (2015) também enfatiza esse ponto. Para ele, o bom
governo depende da promoção de certas características nos indivíduos
que possam compor um todo social capaz de garantir a estabilidade, e
essa educação se daria pela prática institucional. Assim, o sujeito deve
ser educado para o interesse público, pois, caso se volte exclusivamente
para seus interesses privados (como ganhar dinheiro), se tornará
alienado do público e não será capaz de preservar a sociedade que, em
última análise, abriga os seus interesses privados.
15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 21/39
John Stuart Mill.
A história demonstra que, em qualquer sociedade organizada em larga
escala, alguma forma de representação se faz presente como uma
necessidade. Por isso, a preocupação central de Mill era como garantir
que o poder estivesse nas mãos de uma elite educada. Além disso, seria
necessário um mínimo de igualdade econômica para fazer valer a
igualdade política.
O modelo agregador interpreta a democracia como um
processo em que as preferências dos cidadãos são
agregadas nas suas escolhas de políticas e de
representantes públicos, cujo objetivo é decidir quais
líderes, regras e políticas corresponderão melhor às
diversas preferências.
Em uma democracia que funciona bem, são livres as expressões e as
competições entre as preferências, com métodos confiáveis e justos
para somá-las e obter resultado. Esse modelo tem muitos problemas,
oferecendo apenas uma fraca base motivacional para aceitação dos
resultados de um processo democrático como legítimo (YOUNG, 2000,
p. 64).
Se mesmo no seu melhor a democracia seria simplesmente um
mecanismo agregador de preferências que podem ser subjetivas, e o
resultado justo reflete quais preferências são mais fortes ou amplas,
então não haveria razão para que aqueles que não têm essas
preferências sigam as regras dos seus resultados. Eles, simplesmente,
acatariam por falta de opção, por serem a minoria, mas sempre
estariam dispostos a desrespeitá-las.
Resumindo
O processo não produz consenso e, portanto, tem a instabilidade como
seu fator mais genuíno.
A conexão entre democracia e justiça aparenta ser circular, mas Young
explica que nenhuma democracia é absolutamente justa. Inequidades
estruturais de riqueza e de poder reforçam os procedimentos
democráticos, marginalizando as vozes e os interesses menos
privilegiados.
A questão da inclusão assume o protagonismo no debate deliberativo,
no qual a democracia aparece significada por uma horizontalidade. O
fator inclusão pode ser usado para quebrar o círculo em que a
desigualdade política produzida pela inequidade social e econômica
15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 22/39
reforça tal desigualdade — precisamente, a cena contemporânea, em
termos globais.
Deliberative Democracy Now (Democracia Deliberativa Agora): manifestantes pedem mais
participação no processo, EUA.
A política é a ferramenta de ação para produzir inclusão e reduzir as
inequidades, o que, por sua vez, reforçará o processo de inclusão,
constituindo um círculo virtuoso. Por mais estrutural que seja um
quadro social desigual e violento, não importa o grau de complexidade,
ele está sujeito a soluções políticas e não há caminho fora delas.
Compreender a história é, necessariamente, desviar de respostas
fatalistas e simplistas, e entender que a humanidade é ampla e diversa e
se reinventa sempre que as necessidades demandam.
Existem duas formas de exclusão política:
Externa
É aquela que mantém alguns indivíduos ou grupos fisicamente distantes
dos processos de tomada de decisão.
Interna
É aquela cuja interação privilegia tipos específicos de expressão e a
participação de determinadas pessoas é dispensada.
As desigualdades de poder e de recursos frequentemente conduzem a
essas exclusões, nas quais alguns cidadãos com igualdade de direitos
formais têm pouco ou nenhum acesso aos procedimentos e ao fórum
de decisões por meio dos quais poderiam exercer influência sobre os
destinos da sociedade. Situações de comunicação política, em que os
participantes reconhecem explicitamente os outros participantes, são
substancialmente mais inclusivas do que aquelas em que não há esse
reconhecimento. No caso de líderes comunitários, por exemplo, o lugar
de fala pode servir para deslegitimar as suas demandas e a sua própria
fala.
Uma das principais formas de exclusão política é a negação da fala. Osindivíduos não dotados de educação formal sofrem esse tipo de
exclusão, tendo sua fala deslegitimada antes mesmo de ser concluída
ou até iniciada.
Exemplo
É emblemático o caso do presidente Luís Inácio Lula da Silva, que por
muito tempo encontrou enorme resistência dos círculos mais abastados
por ter origem pobre e fala simples, fora da norma culta. Em um país
com acesso tão restrito à educação formal, esse tipo de exclusão
assume papel determinante para a concentração dos recursos políticos
em disputa.
15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 23/39
No contexto das complexas políticas da sociedade de massas, uma
reclamação comum quanto à exclusão invoca normas de representação
e muitas pessoas argumentam que os grupos sociais em que estão
inseridas não são adequadamente representados em discussões
influentes ou em órgãos de tomada de decisão.
O conceito de sociedade civil vai além dos movimentos de oposição aos
governos autoritários — como apregoa a teoria liberal de Locke sobre o
direito de resistência —, e possui muitas reivindicações para um papel
central da sociedade na promoção da democracia e do bem-estar social
sob regimes constitucionais livres.
Manifestantes em protesto pela democracia e igualdade racial em oposição ao governo durante
a pandemia de covid-19 em 2020.
Uma sociedade civil vibrante, constituída por cidadãos educados para a
política e para a vida pública, promove confiança, escolhas e virtudes
democráticas, e permite que os setores sociais se expressem. A vida
política permite que os cidadãos exponham as injustiças, tornando mais
confiável o exercício de poder, e aproximando Estado e sociedade. Os
cidadãos podem influenciar as políticas de Estado e as instituições
corporativas, ou catalisar mudanças práticas dentro da própria
sociedade civil a partir da discussão pública. É assim que, por meio do
encorajamento plural das atividades associativas, as democracias
representativas podem ser mais participativas, segundo o modelo
deliberativo.
Ato em defesa do Estado Democrático de Direito e contra o vandalismo aos palácios da Praça dos
Três Poderes após a posse do presidente eleito. São Paulo, 2023.
É preciso afirmar, também, que a sociedade civil não se apresenta como
alternativa preferível ao Estado como promotora da democracia e da
justiça social, uma vez que as instituições do Estado têm capacidades
únicas para coordenação, regulação e administração em larga escala.
Portanto, ainda que a sociedade civil sofra tensões com as instituições
estatais, é necessário reforçar ambos os lados para aprofundar a
democracia e corrigir a injustiça, especialmente aquela que advém da
concentração do poder econômico.
A vida associativa da sociedade civil pode fazer muito na promoção da
autodeterminação, mas, por conta da sua pluralidade e da sua relativa
falta de coordenação, a sociedade civil só pode avançar minimamente
15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 24/39
nos valores de autodesenvolvimento. As instituições estatais são
necessárias porque diminuem a opressão e promovem o
autodesenvolvimento.
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 25/39
3 - Democracia agonística
Ao �nal deste módulo, você será capaz de analisar os pilares do conceito de
democracia agonística.
Crítica aos modelos
agregativo e deliberativo
Confira as críticas aos modelos e as características mais importantes
dos modelos agregativo e deliberativo.
Modelo agregativo
Baseia-se na representação, constituindo a experiência democrática a
partir da participação do cidadão em eleições competitivas e sob voto
universal. Contudo, possui a limitação de afastar o eleitor do processo
de tomada de decisão, marcando a relação entre povo e política
exclusivamente pelo voto.
Por mais importante que o voto seja (e ele é fruto de muitos processos
de luta, por diversas vezes sangrentos), os críticos do modelo agregativo
salientam que votar não deveria ser a única forma de participação, uma
vez que o voto apenas garante o acesso de um candidato
(representante) ao poder político, e isso, por si só, não garante que tipo
de conduta ou que tipos de decisões ele irá tomar. Inclinações políticas
podem mudar, interesses também são intercambiáveis e qualquer
político está sujeito à influência de poderosos lobbies. Além disso, posto
de forma simples, pessoas mentem.
15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 26/39
Simulação de voto na urna eletrônica.
O voto constitui uma porta de entrada para um representante na esfera
dos poderes políticos do Estado, onde a vida das pessoas é decidida por
meio de múltiplas decisões. No entanto, mesmo sendo um instrumento
imprescindível para a experiência democrática moderna — que observa
alguma necessidade de representação, restando a questão sobre qual é
a medida dessa representação —, o voto sozinho não garante uma
democracia equilibrada e justa.
O modelo agregativo/representativo, portanto, oferece ao cidadão a
oportunidade de decidir quem acessa o poder político em seu nome,
mas não oferece mecanismos ulteriores de controlar a conduta desses
representantes, de modo que a relação entre representantes e
representados submerge à dinâmica da vida cotidiana, que sobrecarrega
os cidadãos com seus problemas privados (trabalho, família) e os
afasta de qualquer relação de accountability com os políticos que
elegeu.
Ainda que o cidadão busque estreitar a relação, ele não dispõe, nesse
modelo, de mecanismos eficazes para exigir que seu representante
permaneça orientado pelos compromissos de campanha. O único poder
do eleitor é, então, o próprio voto, que ele pode negar ao representante
que não o agrade em uma próxima eleição, para o mesmo cargo
(reeleição) ou para outro.
Democracy is not for sale (A democracia não está à venda): manifestantes protestam em frente à
Casa Branca nos EUA (2016) contra o sistema de financiamento de campanha que favorece a classe
dominante.
Diversos estudos demonstram o quanto os políticos pautam suas ações
a partir de suas preocupações com certas expectativas do eleitorado,
em função de não perderem votos no processo eleitoral. Entretanto,
esse poder do eleitor não garante uma participação mais direta e
acarreta um afastamento entre representantes e representados, na
medida em que a representação se insere em um contexto no qual os
cidadãos se afastam da participação política, uma vez que ela não lhes
é exigida. Como vimos, a prática da democracia no cotidiano, como
defendem os teóricos do modelo deliberativo, seria pedagógica no
sentido de formar os cidadãos para a participação na vida pública.
15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 27/39
Modelo deliberativo
Também chamado de democracia direta por alguns autores, ela se
estrutura na ideia de que o modelo agregativo é insuficiente para
garantir a experiência democrática, e tende, no limite, a corromper e
desintegrar a própria democracia. Isso se daria pelo afastamento entre o
povo e os representantes, ontológico ao modelo, o que leva à corrupção
da classe política por interesses poderosos, representados pelos
lobbies. Esses, por sua vez, tendem a deteriorar o interesse público
gradativamente em prol do interesse privado, gerando consequências
que inevitavelmente piorarão a qualidade de vida da maioria da
população.
Comentário
A piora na qualidade de vida produz um quadro perigoso de
ressentimentos e de frustrações que contribuem para desgastar as
instituições democráticas junto ao povo, que passa a não ver vantagens
no modelo por se sentir cada vez menos representado.O modelo deliberativo propõe, a partir da crítica ao modelo agregativo,
formas de participação mais amplas, para além do voto. Inspirado no
conceito de vontade geral de Rousseau, esse modelo parte da premissa
de que os cidadãos, dotados de razão, são capazes de deliberar seus
interesses e chegar a um consenso. Esse consenso, sendo racional, não
poderia jamais atentar contra o interesse público, pois todos os
cidadãos entendem, empiricamente, que dependem da comunidade
para atingir seus próprios interesses privados.
Embora esse raciocínio faça sentido em uma primeira análise racional,
há problemas nele. Seus críticos apontam que, em primeiro lugar, a
razão não existe de forma pura, mas sofre contingências históricas, de
modo que os interesses em jogo em qualquer sociedade, em qualquer
momento de sua trajetória, implicam necessariamente em conflitos, e
muitos deles inegociáveis. O consenso não seria, segundo essa
perspectiva crítica, almejável de maneira universal e apriorística. Ao
contrário, seria possível apenas em circunstâncias muito específicas e
de divergências tênues.
Estudantes de universidades públicas de São Paulo protestam contra cortes no orçamento da
Educação, 2022.
Para os críticos do modelo deliberativo, ele se assemelha a uma
perspectiva autoritária porque contempla a sociedade como um coletivo
que tende à harmonia que, nessa acepção, corresponde à ausência de
conflitos. Essa configuração social supõe uma ordem rígida, na medida
em que nega a pluralidade e a complexidade dos interesses humanos,
que estão sempre sujeitos ao conflito.
O desafio da democracia não seria eliminar o conflito, mas saber mediá-
lo, transformar inimigos em adversários, jamais negando a essência
agonística da sociedade.
15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 28/39
Para exemplificar o que queremos dizer com autoritarismo, basta
mencionar o aspecto central da ordem idealizada pela Doutrina de
Segurança Nacional, produzida pela Escola Superior de Guerra e
pautada em uma compreensão de sociedade diretamente formulada
pelas elites militares.
Segundo a doutrina, o projeto de sociedade que o Brasil deve concretizar
objetiva uma sociedade harmônica e sem tensões sociais, vistas pela
caserna como sinônimo de desordem. A Segurança Nacional seria
ampla e daria conta de cuidar de todos os interesses e vontades
nacionais, definidos nos objetivos nacionais.
Militares brasileiros.
Argumenta-se que a ideologia de segurança nacional defendida pelos
militares é inalienável do período autoritário, sendo incompatível com a
ordem almejada por uma sociedade democrática — uma ordem
necessariamente plural e repleta de contradições.
Comentário
Os objetivos nacionais pensados pelos militares correspondem a uma
noção abstrata, homogênea e simplificada de ordem, cujo objetivo é
estabelecer o controle social e, autoritariamente, o modelo militar como
padrão social. Porém, a Constituição nada mais é do que um pacto de
convivência da nação e da sociedade, que coexistem “sob o signo do
conflito da contradição, do jogo de interesse e do conflito entre capital e
trabalho, entre o professor e o aluno, entre o homem da livre iniciativa e
o homem do trabalho público” (BACKES, 2009, p. 266).
A ordem almejada pelos militares tratava com desprezo as contradições
e os conflitos inerentes a uma nação complexa e diversificada;
contradições previstas no regime democrático. E o modelo deliberativo,
paradoxalmente, se aproxima de uma concepção de ordem similar,
baseada na ausência de contradições. A experiência histórica sugere
que tal ordem só poderia resultar de um governo autoritário. Fora dessa
possibilidade (concreta, histórica), a democracia deliberativa tal qual
idealizada seria platônica, ideal e inviável pelo equívoco de suas
premissas.
Democracia plural e
agonística
Confira neste vídeo o conceito de democracia agonística e veja alguns
exemplos que ajudam no entendimento.
15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 29/39
A noção de pluralismo agonístico, base da ideia de democracia
agonística, encampada principalmente por Chantal Mouffe, decorre de
um diagnóstico crítico a respeito das teorias liberais sobre a
democracia, até então hegemônicas na literatura. Tanto o modelo
agregativo quanto o deliberativo, como vimos, partem de premissas
liberais sobre o mundo, que são, em sua ontologia, determinantes para a
crise da democracia liberal que podemos atestar ao redor do globo.
A discussão sobre a democracia agonística toma por base a análise
desses modelos:
Modelo agregativo
Tem como principal problema uma perspectiva elitista, que
distancia demais a participação popular da política ao
estabelecer o voto como único meio/instrumento de
participação.
Modelo deliberativo
Propõe uma mudança radical do agregativo ao defender a ampla
participação popular nos processos de tomada de decisão na
esfera pública, porém comete um equívoco ao promover a ideia
de deliberação pelo consenso sem considerar o conflito natural
da diversidade presente nas sociedades.
Será impossível produzir uma teoria democrática que possa respaldar
um modelo aplicável sem considerar a realidade em todas as suas
dimensões. E uma dimensão elementar dela é o conflito, que tem
produzido cada vez mais antagonismos.
Em uma definição básica, a política pode ser
considerada um conjunto de práticas que visam
organizar e administrar os conflitos e as tensões
sociais pela via de instituições.
No limite, como escreveram diversos autores da teoria política, tais
como Clausewitz (1996) e Schmitt (2018), a política passa à guerra —
outra dimensão do mundo político, não outra forma de relação em si.
Pensar a guerra como política é particularmente necessário porque nos
leva a — como propôs Foucault, invertendo a famosa máxima de
Clausewitz — pensar a política como guerra. Se ambas constituem um
continuum, como a melhor literatura e experiência registrada indica, o
que as integra? O que unifica a natureza de ambas? O conflito, o
antagonismo. E o que as separa? As formas de mediar o conflito.
15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 30/39
Na guerra
A mediação se dá pela violência e pela busca da erradicação do
outro.
Na política
A mediação se dá pela assimilação do outro como adversário, não
como inimigo.
Para Carl Schmitt (2018), o que denota a natureza do político é a relação
amigo/inimigo, que flerta com a guerra. O antagonismo seria a essência
da política, dimensão continuada com a guerra quando falham os
dispositivos diplomáticos de mediação.
Carl Schmitt.
De acordo com esse autor, podemos dizer que o político, a partir da
lógica de nós contra eles e de amigo e inimigo, está sempre relacionado
a formas coletivas de identificação, grupos, alguma coletividade
constituindo uma dimensão antagonista. Essa constatação é
particularmente importante para a análise ontológica da política, porque

15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 31/39
afasta a possibilidade de um consenso racional, como apregoam os
defensores do modelo deliberativo.
As últimas décadas marcam uma hegemonia da democracia liberal e,
mais do que isso, de uma cosmovisão neoliberal, cuja marca é o
aprofundamento de um modelo concorrencial e mercantilizado para
todas as dimensões da vida humana. Uma das características desse
modelo é a ideia de que a razão consiste numa ferramenta capaz de
moldar a realidade e produzir um tempo sem conflito, o “fim da história”
de Fukuyama.
A teoria liberal está profundamente marcada por uma percepção
histórica da sociedade, regida por modelos abstratos pautados no poder
das ideias sobre as relações humanas, colocando em segunda ordem
relações de poder e estruturas sociaisde hegemonia historicamente
produzidas. Tal visão consiste em um raciocínio teleológico que se
forma a partir da ideia de que a humanidade evolui progressivamente
até um estágio final, racionalmente elaborado e capaz de apresentar
uma solução final para os conflitos, que seriam datados de etapas
anteriores. Esse destino seria a democracia liberal, o fim da história, e
sua maior bonança seria a harmonia proporcionada por uma sociedade
regulada pelas leis do mercado.
O problema com o modelo racional é que ele escanteia
a política. A perspectiva liberal concebe uma
sociedade que pode equacionar perfeitamente seus
interesses segundo a lógica do mercado, o que exige
pensar as coletividades humanas fora da política.
Os defensores do modelo agonístico alegam que os interesses
humanos, coletivos e individuais, não se pautam por uma quadra
exclusivamente racional, mas mobilizam também sentimentos e afetos;
e, portanto, exigem alguma forma de identificação para serem
conduzidos politicamente. Essa característica permanente e substancial
das coletividades humanas que constituem a sociedade impõe a política
também como elemento constitutivo da sociedade, a partir da presença
incontornável de antagonismos, pois a sociedade se constitui de
pluralidades além da equação racional proposta pela teoria liberal.
Marcha das mulheres em defesa da democracia. São Paulo, 2023.
No texto The returnal of the political, publicado em 1993, Mouffe enuncia
que o conflito é inerradicável ao político, e que o desafio da política
democrática é transformar os antagonismos inerentes à política em
agonismos. A política refere-se ao nível ôntico (MOUFFE, 2015), como
conjunto de práticas, discursos e instituições por meio das quais uma
ordem é moldada para organizar a coexistência humana sob as
contingências específicas de um dado momento histórico.
15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 32/39
Atualmente, no neoliberalismo, a falta de compreensão
sobre o político (e a política) estaria por trás da
incapacidade de se pensar em soluções institucionais
para as crises que estão ocorrendo, marcadas por
crescentes antagonismos que não encontram
expressão institucional. Como resultado, a democracia
liberal está sendo colocada sob tensão.
Para essa corrente, o político se define pela forma como a sociedade é
fundada, a partir da ideia de que o antagonismo — tensões, divergências
de interesses e identidades — é constitutivo das sociedades humanas. A
principal deficiência das teorias liberais — orientadas pelo racionalismo
e pelo individualismo — é a negação do caráter irredutível do
antagonismo. Segundo Mouffe (1993, p. 1), seria “a incapacidade do
pensamento liberal para compreender a sua natureza e o caráter
irredutível do antagonismo que explica a impotência da maioria dos
teorizadores políticos na situação atual”.
Chantal Mouffe.
Mouffe resgata Carl Schmitt, um teórico político profundamente
antiliberal, para pensar o antagonismo. Apesar da aparente contradição
— por se tratar de um autor oposto à tradição teórica democrática —, seu
resgate se justifica porque o antagonismo é uma dimensão central para
pensar a política, independentemente do rumo que se queira seguir:
autoritarismo ou democracia.
De acordo com Schmitt, a teoria liberal é incompatível com uma
concepção política, porque concebe o antagonismo como
circunstancial. Para o autor (2018, p. 51), “a diferenciação
especificamente política, a qual se podem reconduzir as ações e os
motivos políticos, é a diferenciação entre amigo e inimigo”, e “o
fenômeno do político só pode se conceber através da referência à
possibilidade real do agrupamento amigo-inimigo, independentemente
do que daí se segue para a valoração religiosa, moral, estética,
econômica do político” (p. 67). Assim, inferimos que o político parte da
lógica do amigo e inimigo (nós contra eles). É essa a constatação que
afastaria a possibilidade de um consenso racional. Portanto, o projeto
liberal, que consiste na erradicação do antagonismo seria também a
erradicação da política, o que seria impossível de concretizar.
15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 33/39
Vidas Negras Importam: manifestantes protestam a favor da democracia e contra a discriminação
racial. São Paulo, 2020.
Mouffe afirma que não se deve buscar a superação da oposição
nós/eles, mas formular essa distinção de forma compatível com o
pluralismo imanente das sociedades. A partir daí, a autora apresenta
este conceito de exterioridade constitutiva:
Se aceitarmos que todas as identidades são
relacionais e que a condição de existência de
qualquer identidade é a afirmação de uma
diferença, determinação de um ‘outro’ que
desempenhará o papel de ‘elemento externo
constitutivo’, torna-se possível compreender a
forma como surgem os antagonismos.
(MOUFFE, 1993, p. 2)
E ainda: “A solução autoritária não é uma consequência lógica
necessária de tal postulado ontológico; (…) ao distinguir entre
'antagonismo' e 'agonismo', é possível visualizar uma forma de
democracia que não nega a negatividade radical” (MOUFFE, 2013, p. 8).
Contrariando as correntes liberais que têm pautado o centro do debate,
não existe uma pacificação para as tensões sociais em disputa, pois
isso equivaleria à extinção da política. Em outras palavras, não seria
possível chegar a este destino final de reconciliação na política, como
vislumbra o racionalismo liberal, pois toda sociedade corresponde a
alguma forma de ordem hegemônica politicamente construída e
sustentada sobre contingências históricas e interesses divergentes.
Para cada hegemonia há movimentos e interesses
contra-hegemônicos, e essa articulação antagonista
demanda instrumentos de mediação para transformar
o conflito em um debate construtivo (de antagonismo
para agonismo).
De acordo com Laclau e Mouffe (2015, p. 46): “É vital à política
democrática reconhecer que toda forma de consenso é o resultado de
uma articulação hegemônica, a qual sempre tem um ‘exterior’ que
impede a sua plena realização”. Dito de outra forma, qualquer ordem
social “é a articulação temporária e precária de práticas contingentes”
(MOUFFE, 2015, p. 17), uma vez que alguma ordem diferente é sempre
possível.
As sociedades são determinadas por relações de poder historicamente
constituídas. Isso significa que modelos abstratos pautados pela
estabilização do conflito são incompatíveis com a realidade tal qual se
15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 34/39
apresenta na história. O ser é movimento e esse movimento é
constituído pelas contradições imanentes do ser.
Manifestação em São Paulo, 2018.
Dessas contradições ganha vida a política, dimensão constitutiva das
sociedades humanas, por meio da qual ordens são instituídas, poderes
e estruturas de dominação são erguidos, contestados e derrubados —
vide as revoluções liberais. Qualquer percepção diferente disso,
tomando a visão agonística, seria alimentar a ilusão de que poderíamos
nos libertar do poder.
O objetivo principal de uma política/teoria democrática seria reconhecer
a dimensão política que habita o social, compreendendo que a política
deve ser encarada como um meio de domesticar as tensões e as
hostilidades incontornáveis das relações humanas. Segundo Mouffe,
portanto, a questão crucial da democracia seria definir o nós/eles de
modo que “seja compatível com a democracia pluralista” (MOUFFE,
2000, p. 101). Prossegue a autora: “Depois de aceitarmos a necessidade
do político e a impossibilidade de um mundo sem antagonismos, será
necessário encarar a forma como, nessas condições, poderemos criar
ou manter uma ordem democrática pluralista” (MOUFFE, 1993, p. 4).
A ordem democrática pluralista seria baseada, então, numa nova
distinção entre inimigo e adversário, de modo que, paraser aceito como
legítimo, o conflito precisa assumir uma forma que “não destrua o ente
político”, e permita a existência de algum vínculo entre as partes em
conflito para que elas não se tratem como inimigas que devem buscar a
erradicação recíproca, mas como adversárias.
Atenção!
Domesticar os antagonismos e convertê-los em agonismos sob o
prisma da disputa entre adversários, não inimigos, não significa
converter as disputas sociais em concorrência de mercado, segundo a
lógica liberal criticada antes, porque, dessa forma, elimina-se a
dimensão antagonista e recai-se na linha liberal do consenso racional
(MOUFFE, 2000, p. 102).
Na visão agonística, a categoria inimigo é deslocada, e “continua a ser
pertinente em relação àqueles que não aceitam as ‘regras do jogo’
democrático e que, dessa forma, se excluem da comunidade política”
(MOUFFE, 1993, p. 4). A ideia é que o modelo adversarial, ao viabilizar
que as vozes dissonantes se organizem e se manifestem, diminui a
probabilidade de que conflitos mais violentos e inconciliáveis
(antagonismos) surjam. Assim, a indisposição para reconhecer o caráter
agonístico da sociedade abre margem para a emergência de interesses
coletivos que podem não compartilhar dos ideais mínimos que
sustentam a democracia — algo que a história contemporânea tem
demonstrado.
Segundo Mouffe, foi a ênfase no consenso racional que levou à
exclusão da dimensão afetiva e identitária, inalienável da política, ou
seja: “Para agir politicamente, as pessoas precisam ser capazes de se
15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 35/39
identificar com uma identidade coletiva que ofereça uma ideia de si
próprias que elas possam valorizar” (MOUFFE, 2015, p. 24).
São justamente esses afetos que têm sido mobilizados por partidos e
grupos radicais e populistas, a maioria de extrema direita, que
prometem reconectar o povo com o poder após décadas de hegemonia
de instituições liberais pautadas no distanciamento pela representação
típica dos modelos liberal e neoliberal.
Manifestantes protestam em frente a quartel contra a eleição democrática. São Paulo, 2022.
Eis o dilema posto, dentro da órbita da democracia liberal
contemporânea: representação afastada x participação predatória. A
saída para esse dilema seria o reconhecimento do agonismo para,
então, se criar práticas que possam resolver estes dois problemas
profundamente relacionados:

Aproximar as pessoas da política

Preservar a democracia
Concebida como está, pelo debate liberal, a democracia encontra-se
ameaçada pelo incremento da participação, pois esta não se promove
equacionada com o conflito, mas armada por ele, que se torna uma
força antidemocrática.
O reconhecimento do conflito implica no reconhecimento da pluralidade.
Só assim será possível conceber um modelo de democracia coerente
com o que nos revela o processo histórico: a história é movimento, e o
movimento da história impede qualquer projeto que consista em
esterilizar a política, uma vez que é a contradição que constitui o
movimento das sociedades e, portanto, da própria história.
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?

15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 36/39
Considerações �nais
A democracia, hoje hegemônica segundo o modelo liberal, sofre com a
tendência à oligarquização nas rédeas do grande capital. Na prática, o
poder do dinheiro compromete seriamente, quando não anula, o
processo democrático, tornando-o inacessível às camadas populares.
Como a democracia é um regime baseado sobretudo no acesso, esse
distanciamento tende, no longo prazo, a produzir a erosão das próprias
instituições democráticas, que perdem a legitimidade junto ao povo
quando este sente-se encurralado pelo avanço do grande capital que
domina aquelas instituições. A conta fecha, dramaticamente, a favor de
saídas autoritárias, como a realidade contemporânea tem sinalizado
perigosamente.
15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 37/39
Uma vez que a democracia consiste numa prática, isso significa uma
construção permanente, portanto não existe democracia consolidada. A
democracia é frágil e corre sempre muito perigo, pois não está
respaldada por nenhuma teleologia histórica, como o quiseram muitos
teóricos liberais (ou neoliberais) no afã do pós-Guerra Fria.
O mote da teoria agonística é fundamentar uma democracia pautada
pela transformação do antagonismo em agonismo, dentro de um
conjunto de práticas institucionais que radicalizem a democracia para
salvá-la do desgaste inerente ao afastamento gerado entre as
instituições e o povo pela democracia agregativa, ou das ilusões
presentes no modelo deliberativo, que se baseia numa impossível
racionalidade em busca do intangível consenso.
A pluralidade das sociedades requer dispositivos institucionais de
mediação que civilizem o conflito (irredutível) e que sejam capazes de
proteger a democracia, muito vulnerável às contradições que escalam
em meio à conjuntura de intensa acumulação do neoliberalismo. E essa
discussão remonta necessariamente ao problema da justiça social, sem
a qual a horizontalidade indispensável ao processo democrático não
pode ser garantida.
Podcast
Ouça agora os principais pontos abordados, desde a construção do
conceito de democracia até às novas formulações do pensamento
democrático.

15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 38/39
15/09/2023, 21:07 Democracia agonística
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/07285/index.html#imprimir 39/39

Outros materiais