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A clinica do trauma - Aula 4 - Freud

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A CLÍNICA DO TRAUMA 
AULA 4 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Profª Giovana Fonseca Madrucci 
 
 
 
 
 
2 
CONVERSA INICIAL 
Na etapa anterior, falamos brevemente sobre uma forma de compreender 
o trauma, a qual está sendo cada vez mais revisitada e ganhando terreno na 
clínica contemporânea, que é a teoria do de Sàndor Ferenczi, que é conhecido 
por suas colocações com relação à proposição de uma elasticidade da técnica 
no que diz respeito aos casos difíceis (de núcleo traumático, principalmente) e 
por seu debate com Freud sobre essas questões. Vamos fazer uma pequena 
retomada do que aprendemos na etapa anterior? 
 Ferenczi, com base na utilização da técnica ativa, pôde perceber aspectos 
transferenciais que foram de suma importância para o desenvolvimento de sua 
teoria do trauma. Ele visualiza, ao utilizar as proposições da técnica ativa 
(proibições, sugestões e até mesmo a imposição de uma data para o fim da 
análise) que, transferencialmente, os pacientes repetiam com a figura do analista 
as vivências traumatizantes, e muitas vezes o analista ficava na posição de 
alguém que gera uma espécie de retraumatismo para esse sujeito. Com essas 
observações, pôde inferir que o paciente faz um movimento de identificação com 
o analista, que o remete a uma identificação anterior com a figura de um 
agressor. 
 Ferenczi desenvolve sua teoria do trauma tendo em vista os casos em 
que um abuso ou agressão real acontece com o sujeito, e esse é o centro de sua 
discussão com Freud. Assim, estabelece que um fator primordial para que ocorra 
o trauma é o desmentido, que seria como que a falta de acolhimento do adulto 
para com a criança abusada. Esse desmentido, que seria negar aquilo que a 
criança fala ou dar um estatuto de verdade absoluta que impede que a criança 
fale/elabore aquilo que foi vivenciado, deixando assim a criança jogada no 
desamparo e na angústia, que geraria o trauma. 
 A defesa que essa criança utiliza diante da angústia é a identificação com 
o agressor. A introjeção do agressor no Eu e a consequente identificação com 
ele são defesas primitivas que a criança utiliza para gerenciar a angústia sentida 
devido ao abuso/agressão. Como consequência, ocorre a clivagem, e o Eu 
desse sujeito torna-se dividido. Para Ferenczi, a consequência do trauma é essa 
cisão egoica. Com isso, aponta a necessidade de um fazer clínico na qual a 
empatia e a hospitalidade são extremamente essenciais, de forma que a análise 
seja um espaço de elaboração do vivido e não gere retraumatismo. 
 
 
3 
 Nesta etapa, trataremos das construções teóricas de um outro autor do 
campo psicanalítico cujas contribuições são de extrema importância para o 
entendimento do fazer clínico diante das situações relacionadas ao trauma, que 
é Jacques Lacan. Lacan faz uma brilhante releitura da teoria do trauma de Freud, 
e traz aprofundamentos bastante relevantes para a condução clínica dos casos 
de núcleo traumático, dentre os quais principalmente a noção de real. 
TEMA 1 – JACQUES LACAN E SEU RETORNO À TEORIA FREUDIANA DO 
TRAUMA 
Nesta etapa, trataremos das contribuições de Jacques Lacan para a 
compreensão do trauma estrutural. De acordo com Bastos (2015), seu percurso 
como psicanalista é instigante e polêmico. Formado em medicina e filosofia, 
desde muito cedo, antes mesmo de ingressar na faculdade, interessou-se por 
estudar grandes filósofos (como Espinosa e Nietzche). As questões trabalhadas 
em sua tese de doutorado – que tratava principalmente da questão da paranoia 
e da psicose – o levaram a uma aproximação cada vez maior da psicanálise 
freudiana, possibilitando que desenvolvesse uma leitura rigorosa da obra de 
Freud. 
Em 1938 Lacan passa a integrar a Sociedade Psicanalítica de Paris 
onde permaneceu participando da formação de psicanalistas e 
também atuando como supervisor. A partir de uma divergência em 
relação à proposta de Lacan sobre a utilização do tempo lógico das 
sessões, ao invés do tempo cronometrado pelo relógio, muitos 
questionamentos surgiram e instalou-se uma verdadeira polêmica 
que resultou em sua saída da instituição e seu ingresso na 
Sociedade Francesa de Psicanálise em 1953. (Bastos, 2015, p. 
137) 
Nesta etapa, não é nosso objetivo o aprofundamento sobre quem foi 
Lacan, mas termos em mente que ele foi um grande releitor de Freud. Sendo 
assim, retornemos brevemente a Freud em O caso do homem dos lobos, que é 
um tanto quanto emblemático para o desenvolvimento de uma teoria do trauma 
estrutural e da atemporalidade do inconsciente. 
Assim, discutiremos a visão de Lacan sobre o caso do homem dos lobos, 
na qual, segundo Favero (2009), ele evidencia dois pontos: 
1. A questão do trauma ocorrendo só-depois, ou melhor, em dois tempos: a 
experiência original infantil e retroativamente o trauma propriamente dito; 
2. A importância que Freud deu ao retorno à cena traumática: 
 
 
4 
Na neurótica freudiana, um acontecimento patogênico e traumático 
era considerado como causa do sintoma (Freud, até 1897). A 
colocação em palavras de um episódio traumático pelo cliente era 
o que determinava a eliminação do sintoma. Assim, o relevo dado 
à subjetividade do trauma sexual faz do sintoma neurótico o 
resultado de um acidente na história. (Favero, 2009, p. 121) 
Assim, Favero (2009) ainda nos situa que, para Lacan, com base na leitura 
de O caso do homem dos lobos – cuja interpretação principal da cena traumática 
primária era que, quando bebê, ele havia presenciado os pais se relacionando 
sexualmente. Independentemente de a cena ter ocorrido ou não, ela estaria 
articulada na fantasia do sujeito – o trauma seria um acontecimento ocorrido em 
um só-depois, ou seja, o valor do trauma primário seria resultado de uma 
ressignificação. 
 Portanto, a primeira experiência infantil cujo potencial é traumático, para 
Lacan (1953, p. 56), se torna o núcleo do recalque. Ou seja, a forma tomada pelo 
recalque será proveniente dessa primeira experiência traumática da infância. 
Favero (2006) cita o próprio Lacan: 
As formas que toma o recalque são atraídas por esse primeiro núcleo, 
que Freud atribui então a uma certa experiência, a que chama a 
experiência original do trauma. [...] retenham que o núcleo primitivo é 
de um nível diferente dos avatares do recalque. É o fundo e o suporte 
deles. (Lacan, 1953-1954) 
O Caso do homem dos lobos configura, portanto, em função da leitura 
feita por Lacan, que a experiência original do trauma está no núcleo de recalque, 
mas se diferencia dele, pois faz parte de uma história excluída do sujeito e que 
somente em análise ela pode ser reintegrada à história do sujeito. Dessa forma, 
Lacan, assim como fez Freud, reforça que “o passado deve ser em certa medida 
restituído: o que foi recalcado deve ser reevocado durante o tratamento analítico, 
apesar de nesse processo surgirem problemas e ambiguidades que o recalcado 
levanta quanto à sua natureza, função e definição” (Favero, 2009, p 122). 
O que fica claro aqui é que inicialmente, em sua obra, Lacan entende que 
o trauma tem uma função estrutural, de modo que a cena primária só é possível 
de ser reconstruída em análise com base em seu efeito traumático no sujeito. 
Em O caso do homem dos lobos, a repetição do sonho onde os lobos ficavam 
em sua janela olhando para ele não evocava diretamente a cena da relação 
sexual dos pais, mas o sonho apontava para uma primeira manifestação do 
trauma para o sujeito. Assim, uma noção clínica do trauma se faz desfazendo os 
nós do sintoma, trazendo suas nuances e seus fragmentos à tona. 
 
 
5 
 Aqui devemos considerar que estamos tratando das contribuições de 
Jaques Lacan para a teoria do trauma como função estrutural, ou seja, a 
experiência infantil que se torna núcleo da forma do recalque. Nesse ponto, 
torna-se bastante importante retomar a concepção lacaniana de que “o sujeito 
do inconsciente não nasce nem se desenvolve; ele se constituie só pode ser 
concebido a partir do campo da linguagem” (Guzmán; Derzi, 2021, p. 7). 
TEMA 2 – O SUJEITO COMO EFEITO TRAUMÁTICO DA LINGUAGEM 
Para entendermos um dos aspectos importantes que Lacan nos traz 
acerca do trauma, precisamos entender que a constituição subjetiva em si, para 
esse autor, tem um fundo traumático. Isso devido ao fato de o sujeito se constituir 
no campo da linguagem, que traz por si só esse traço. Guzmán e Derzi (2021) 
nos situam que, em um primeiro momento, o bebê é um sujeito mítico da 
necessidade. Trata-se de um corpo que não possui marcas nem inscrições, 
parafraseando Lacan, “um pedaço de carne em sua estupida e inefável 
existência, em que impera uma necessidade biológica de sobrevivência que só 
pode ser expressa por meio do grito, meio pelo qual faz um apelo ao Outro” 
(Guzmán; Derzi, 2021, p. 7). 
A primeira experiência de satisfação desse bebê seria quando ele entra 
em contato com um objeto que satisfaz sua necessidade (aqui podemos falar da 
primeira mamada, por exemplo). Essas satisfações, como já havia nos ensinado 
Freud sobre “a primeira experiência de satisfação” no Projeto (1896), passam a 
fazer parte do repertório de registros psíquicos dessa criança: 
Assim, haverá uma conexão que estabelece uma relação entre a 
necessidade e o traço perceptivo do objeto que trouxe essa 
satisfação. É o Outro materno, o Outro provedor que satisfaz essa 
necessidade. Porém, é necessário que esse Outro dê uma 
significação ao grito. Assim, a mãe, ou quem for que faça a função 
materna, interpreta o choro do bebê ao seu modo, o que 
transformará a necessidade em uma demanda. (Guzmán; Derzi, 
2021, p. 88) 
Concluímos aqui, portanto, que esse bebê será marcado por esse Outro 
materno, que é também o Outro tesouro dos significantes: como atribuir um 
significado a um enunciado (significante) que tem como função ser um 
representante linguístico que dá sustentação à representação do que é 
irrepresentável? A resposta que encontramos em Lacan é que a lógica do 
significante seria a constituição do processo de comunicação, endereçamento, 
 
 
6 
interpretação e nomeação daquilo que é da ordem da pulsão, do irrepresentável. 
Seria, portanto, o acesso do infans à língua e à linguagem (Guzmán; Derzi, 2021) 
O que temos aqui é que, no início da vida de um sujeito, o corpo se 
encontra à mercê da linguagem e do significante, que são transmitidos ao sujeito 
pelo Outro cuidador. É esse encontro entre corpo (fonte das pulsões) e 
linguagem que Lacan considera como “traumático”: 
O trauma é entendido como a entrada do sujeito no mundo 
simbólico. Ele não é um acidente, mas constitutivo da subjetividade. 
O trauma do sujeito é a exigência da linguagem e a dependência 
do sujeito ao significante. Devemos lembrar que o sujeito já é 
nomeado antes dele ter nascido, já se encontra implicado na lógica 
do Outro. É então crucial que o Outro materno faça a função de 
nomear e reconhecer o bebê como um sujeito e faça uma 
significação do seu grito que deve ser interpretado pelo Outro como 
uma demanda de satisfação. (Guzmán; Derzi, 2021, p. 8) 
 Portanto, à medida que esse corpo vai sendo marcado pela linguagem 
ele perde a sua relação com a natureza e passa a ser um sujeito de linguagem. 
Esse Outro cuidador que responde ao apelo do bebê também lhe insere a 
pergunta fundamental: Che vuoi? (ou: que queres?). Com isso, o sujeito tem 
seu primeiro encontro com o desejo como sendo o desejo do Outro. 
 Favero (2009, p. 124) nos situa que nessa articulação entre os processos 
inconscientes e os mecanismos da linguagem, “Lacan destaca que é impossível 
estabelecer uma distinção válida entre as fantasias inconscientes e o 
funcionamento da imaginação, se a fantasia inconsciente não for considerada 
desde sempre dominada e estruturada pelas condições do significante”. Nesse 
sentido, para Lacan, os objetos só podem existir quando significantizados. 
A autora ainda destaca que, nesse contexto, o Outro cuidador (a mãe ou 
quem faz a “função materna” na relação com o bebê) surge como o primeiro 
objeto passível de ser simbolizado para o sujeito, e faz dele não apenas satisfeito 
ou insatisfeito, mas desejado ou não desejado: “A ideia de ser desejado é, 
portanto, essencial, visto que a expressão criança desejada corresponde tanto à 
constituição da mãe como sede do desejo quanto à dialética da relação do filho 
com o desejo da mãe, que se concentra no símbolo da criança desejada” 
(Favero, 2009, p. 124). 
 Dessa forma, o enigma do desejo do Outro, que psiquicamente surge 
como uma pergunta: “o que eu sou no desejo do Outro?” é da ordem de uma 
experiência traumática que colocará o sujeito, ao longo de toda a sua vida, a 
 
 
7 
tentar responder a essa questão. O sujeito surge, então, como o próprio sintoma 
do encontro traumático com o desejo do Outro. 
TEMA 3 – O TRAUMA COMO UMA EXPERIÊNCIA COM A FALTA 
Vimos até aqui que o trauma nos ensinos de Lacan, em primeiro lugar, 
ocupa uma função estrutural na constituição do sujeito: primeiramente, devido 
ao efeito traumático da linguagem na constituição desse sujeito e na experiência 
infantil primária na qual a cena traumática se torna o núcleo do recalque. Trata-
se do recalque originário que só poderá ser construído em análise, com base em 
elementos fragmentados. O trauma também será apontado por Lacan, no 
encontro com o desejo do Outro, pelo qual o sujeito se posicionará ao longo de 
sua vida na tentativa de responder ao enigma do desejo: o que sou eu no desejo 
do Outro? 
Voltando para a condição desamparada do sujeito, deve-se 
ressaltar que o sujeito nasce na condição de objeto em relação à 
subjetividade materna e se encontra à mercê da tirania da mãe, 
como se se encontrasse na boca aberta de um jacaré. O sujeito 
então se vê obrigado a se tornar um ser falante (falasser) ou será 
engolido pelo capricho da mãe. (Guzmán; Derzi, 2021, p. 8) 
O que fica evidente aqui é que a falta é também necessária na constituição 
do sujeito; quando não há alguma inscrição de falta, não há como um sujeito se 
constituir. Favero (2009) nos situa que é também pela atribuição de um sentido 
à falha discursiva que o sujeito constitui o inconsciente, que, na teoria lacaniana, 
é estruturado como linguagem. Ou seja, o sujeito se constitui em função do 
significante. 
Guzmán e Derzi (2021, p. 9) nos situam que, para que o sujeito se 
constitua, deve passar pela alienação e pela separação: “O sujeito [...] somente 
é a partir da estabilização da relação com o Outro [...] Depois, [...] percebe que 
há uma falta no Outro, nem tudo pode ser colocado em significantes, algo nunca 
se diz completamente. [...] há algo que escapa, deixando um resto, o desejo”. 
Entretanto, é importante que abordemos o trauma sob uma nova perspectiva 
trazida por Lacan no Seminário 10, A angústia (1964). É o trauma com efeito 
patogênico, e não estruturante como falávamos anteriormente. 
Nele, Lacan aborda a relação do sujeito com o objeto causa de desejo – 
O objeto a. O Seminário 10 é uma releitura do texto freudiano Inibição, sintoma 
e angústia (1926), em que Freud declara que o trauma sexual está relacionado 
 
 
8 
à perda do objeto. Contudo, é um objeto desde sempre perdido, pois se trata de 
um objeto da fantasia que foi apreendido numa relação específica entre as 
representações da mãe e daquilo que daí o sujeito pode simbolizar. 
Dessa forma, o sujeito estará sempre em busca desse objeto fálico em 
sua relação com o outro, contudo. Esse encontro é sempre faltoso, pois algo do 
seu desejo sempre escapa, ou seja, não há um significante no outro que possa 
dar conta dessa falta. “Lembremos que o significante determina o sujeito, e é em 
posição de sujeição que ele será constituído pelo universo simbólico. Há sempre 
algo que fica de fora, que Lacan chama de real” (Gusmán; Derzi, 2021, p. 9) 
 Assim, Lacan no Seminário 11, Os quatro conceitos fundamentais da 
psicanálise,de 1964, aponta nesse encontro faltoso o real, como uma inscrição 
psíquica que não cessa de não se inscrever. Ou seja, o sujeito repete e repete a 
mesma situação, mas o encontro com a falta é inevitável. Portanto, a repetição 
é tomada por Lacan, como sendo esse encontro traumático com a falta, pelo qual 
o sujeito repete na tentativa de encontrar o objeto fálico perdido, mas na medida 
que ele repete algo se satisfaz. Favero (2009, p. 128), para situar essa passagem 
em Lacan, cita Miller: 
A repetição está sempre ligada a um objeto perdido: ele é uma 
tentativa de reencontrá-lo e, no entanto, ao fazer isso, perdê-lo. [...] 
este objeto perdido [...] é ilustrado, na teoria analítica, pela mãe 
como objeto primário fundamental que, mediante a operação do 
Nome-do-Pai, é para sempre proibida e perdida. Lacan diz que a 
mãe é aquela Ding fundamental, a coisa sempre perdida e que a 
repetição tenta recuperar, perdendo sempre. 
 Nesse ponto, Lacan conceitualiza o real da repetição como aquilo que 
retorna como uma insistência de signo, mas o sujeito não encontra nada lá. Mas 
nessa repetição, há uma pulsão que se satisfaz. Por exemplo: para entendermos 
o que estamos tentando apresentar, pensem no caso de pessoas com um vício 
(ou compulsão), que, mesmo tendo prejuízos em sua vida, retornam ao seu vício, 
pois há uma repetição numa busca por satisfação que escapa à simbolização do 
sujeito, ou seja, um impossível de dizer, pelo qual o sujeito só atua. Essa 
concepção é bastante importante na compreensão das patologias da ação e 
impulsividade tão presentes na clínica contemporânea. 
TEMA 4 – A PASSAGEM AO ATO E AS RELAÇÕES COM O TRAUMA 
Neste tópico, retornaremos à questão do ato em psicanálise. Calazans e 
Bastos (2010) nos situam que a questão do ato ganha atenção na literatura 
 
 
9 
psicanalítica ao levarmos em conta os atos sintomáticos, passíveis de 
interpretação no processo analítico. É na investigação sobre o sintoma que 
Freud passa também e se questionar acerca da importância do ato para na vida 
psíquica do sujeito. Todavia, mesmo que alguns atos fossem passíveis de serem 
interpretados, observaram-se atos que se opunham à interpretação (que 
aparecem na obra de Freud em 1914, no artigo “Recordar, repetir e elaborar”) 
com base na noção de acting-out. 
Além dessas duas dimensões do ato, o próprio Freud, no caso da 
“Jovem Homossexual”, aponta para uma terceira modalidade de ato 
que não é um acting-out e muito menos um sintoma analítico. Ora, 
uma modalidade de resposta do sujeito que não passe pela cifração 
do sintoma implica em uma dificuldade na análise, se não for 
situada em seu devido lugar. E esta modalidade de atuação é 
chamada por Jacques Lacan de passagem ao ato, de acordo com 
a tradição psiquiátrica. (Calazans; Bastos, 2010, p. 246) 
O que se pode concluir a partir daqui é que são três as dimensões, 
portanto, em que podemos considerar os atos no campo psicanalítico: o ato 
falho, o acting-out e passagem ao ato. 
• Ato falho: que fixa a determinação inconsciente e pulsional dos atos, isto 
é, aquilo que aparece na fala do sujeito como um tropeço e que em 
seguida o sujeito diz “não foi isso que eu queria dizer”; 
• Acting-out: nos indica algo que se deixa escapar à cadeia associativa do 
sujeito, mostrando-se em uma ação, ou seja, aquilo que o paciente não 
consegue lembrar ele atua sem saber que o faz. Portanto, trata-se de uma 
ação inconsciente que se incorpora na própria conduta do sujeito. 
• Passagem ao ato: esta é entendida como conduta imotivada e que nos 
ensina que a ação humana não obedece ao princípio do prazer, pois trata-
se de uma ação que escapa a simbolização, é um ato onde o sujeito está 
ausente, apenas o seu ato. 
No Acting Out, haveria uma inscrição simbólica e no campo da palavra, 
bem como um direcionamento de demanda a um outro, na transferência. Birman 
(2014, p. 98) afirma que no Acting Out há, portanto, a existência de um sujeito: 
“Em contrapartida, na passagem ao ato a ação é rude e brutal, não revelando 
mais qualquer rastro de simbolização”. 
Lacan formulou o apagamento e o silenciamento do sujeito na passagem 
ao ato, a qual ocorre quando falham os recursos de simbolização e linguagem. 
Tais impossibilidades de representação e inscrição psíquica do vivido nos 
 
 
10 
remetem à teoria do trauma, visto que no trauma há também uma falta de 
recursos simbólicos que possibilitem o sujeito dar conta do acontecimento. 
Assim, a passagem ao ato e ol trauma estão intimamente ligados. Para um 
aprofundamento no que tange às distinções dos atos e sua relação com a teoria 
do trauma, retornemos à noção de repetição: 
na Primeira Tópica, a repetição adquire relevância na clínica; a 
atenção de Freud se volta para a interpretação do inconsciente: 
revelação do recalcado, decifração através dos sonhos, sintomas 
etc. Há uma preocupação em se precisar o momento da cena que 
gerou o sintoma e, portanto, a implicação do que se repete. Na 
Segunda Tópica, com a introdução do conceito de pulsão de morte, 
a repetição adquire caráter compulsivo por conta da dimensão 
irrepresentável desta pulsão. Agora o interesse de Freud é no 
sentido de um trabalho psíquico com fins de ligação de 
representações: diante da impossibilidade da recordação e/ou 
“localização” da cena traumática, a atenção se dá em relação a 
todos os eventos psíquicos que possam minimizar o caos gerado 
por afetos sem representação, e que ameaçam a estabilidade da 
vida psíquica, gerando sofrimento. (Barbosa Neto, 2010, p. 9) 
A repetição viria como uma espécie de efeito do trauma, uma tentativa de 
inscrever aquilo que ainda não possui inscrição psíquica, isto é, não foi 
simbolizado. A passagem ao ato, nesse contexto, viria como um tipo de 
consequência do traumático e da ação da pulsão de morte. Nesse ponto torna-
se de grande importância trazermos à tona a noção de real e sua relevância no 
entendimento do trauma. 
TEMA 5 – O REAL E AQUILO QUE NÃO POSSUI INSCRIÇÃO PSÍQUICA 
Na obra de Jacques Lacan, a questão do trauma se aproxima muito da 
conceituação de Real. Favero (2009, p. 183) nos reitera que o conceito de real 
em Lacan sofreu mudanças ao longo de sua formalização/ensino: “Por meio da 
topologia do nó borromeano, proposta no início dos anos 1970, discutiu-se o 
Real no tratamento psicanalítico”. A autora ainda pontua que, para Lacan – e 
como dissemos anteriormente –, o trauma fundamental na teoria lacaniana seria 
o encontro com a linguagem: há algo da linguagem que escaparia à inscrição 
simbólica na cadeia significante e permanece no psiquismo sempre pronto para 
irromper (Favero, 2009). 
É importante ter em mente esta noção: o campo do real é aquele no qual 
falta a inscrição simbólica. Isso remete a algo? Quando falamos em trauma, 
falamos daquela experiência que não pôde ser elaborada e/ou inscrita 
 
 
11 
simbolicamente pelo psiquismo, devido ao seu caráter de excesso. Logo, nessa 
concepção trazida por Lacan, o registro do real e o trauma estão profundamente 
conectados. 
Para uma concepção que irá apontar cada vez mais para esse registro do 
real, pode-se dizer que onde há a falta de um objeto que 
supostamente traria a mítica completude perdida, o sujeito inventa um. Lacan 
chamou esse objeto de objeto “a”, o que, em termos freudianos, poderíamos 
aproximá-lo do Das ding. Este objeto resiste, portanto, a qualquer elaboração, 
uma vez que falta um elemento na cadeia significante que fosse capaz de 
nomeá-lo. Ou seja, o real e o traumático na teoria de Lacan estão o tempo todo 
impactando o sujeito. O corpo, por exemplo, é uma das sedes principais desse 
real, visto que há nele algo que sempre irá escapar ao simbólico e à linguagem. 
Clinicamente, aparece bastante e está bastante conectado às experiências 
traumáticas. 
 Guzmán e Derzi (2021) nos apontam que, para Lacan, o real é algo que 
volta sempre ao mesmo lugar, o real não tem inscrição psíquica e não cessade 
tentar se inscrever, o que dá espaço para a repetição. O “real está para além do 
retorno e da insistência dos signos, aos quais nos vemos comandados pelo 
princípio do prazer. Tiquê seria o que está além da insistência dos signos, do 
autômaton, um encontro com o real contingente” (Guzmán; Derzi, 2021, p. 10). 
Já Berta (2012, p. 187) nos situa que o real não é o que retorna como signos, 
mas o que se repete como falta: “O que retorna ao mesmo lugar é esse encontro 
no qual os significantes hipernítidos perdem sua função de significar, perdem 
sua condição de ligar o aparelho”. Aqui, estamos tratando do trauma em si, mas 
gostaria de poder falar rapidamente de outro aspecto. 
Por outro lado, qual seriam os recursos possíveis para o enfrentamento 
desse real que não cessa de tentar se inscrever? A fantasia. Vitorello (2015) nos 
situa que a fantasia acaba sendo um tipo de “mentira” que o sujeito constrói para 
responder ao enigma do desejo do Outro. E como a pulsão é imperativa na busca 
por satisfação, ela acaba por encontrá-la por meio do derivado mais importante 
da fantasia: o sintoma. 
De acordo com Vitorello (2015, p. 99), “A fantasia, como uma espécie de 
matriz ou script, fixa a janela do sujeito para o real, de forma a determinar, por 
exemplo, suas relações e suas escolhas. A fantasia organiza, portanto, a relação 
do sujeito com uma realidade que a própria fantasia transforma”. Assim, quando 
 
 
12 
o sujeito é capaz de fantasiar, já estamos falando de uma possibilidade de 
inscrição simbólica do real. 
NA PRÁTICA 
 Nesta etapa, pudemos brevemente compreender a visão de um autor 
bastante relevante para o campo psicanalítico: Jacques Lacan. Sua visão sobre 
o trauma passa pelo trauma como estrutural para a constituição do sujeito (o 
sujeito como efeito da linguagem) e pelo trauma na sua relação com a passagem 
ao ato e o campo do real (que não possui inscrição psíquica). Na atualidade, a 
questão da passagem ao ato é de grande relevância, pois é a forma pela qual 
se expressa o sofrimento na contemporaneidade, pela via da ação e da 
impulsividade. 
 Quando falamos do real no campo do traumático, falamos daquele 
registro em que a fantasia e a linguagem não são suficientes para dar conta. Um 
bom exemplo que consigo pensar vem da minha prática enquanto psicóloga 
residente (e estagiária) no Hospital de Clínicas da UFPR. Os hospitais são locais 
na qual a lida com o traumático é diária. Durante a residência, trabalhei dentro 
da UTI Coronariana. A UCO, como chamamos, é o local para onde os pacientes 
recém-infartados são encaminhados para sua recuperação, seja após a 
realização de um cateterismo, seja para a recuperação de uma cirurgia de 
revascularização do miocárdio (ponte de safena). 
 Os pacientes recém-infartados são tomados pela surpresa do que lhes 
aconteceu e pela experiência tão próxima com a morte. Não é incomum ouvi-los 
falar de medo de morrer, ouvi-los falar que não esperavam pelo que lhes 
aconteceu, que não conseguem entender o porquê de terem infartado, ou que 
estavam vivendo no “piloto automático” e que não sabem mais o que esperar 
daqui para a frente. É realmente um susto, um momento em que eles repensam 
várias coisas na sua vida e precisam lidar com a forma com que têm administrado 
suas questões. 
 Nessa situação, a primeira coisa que sempre achei bastante importante 
fazer, inicialmente, é escutar esse medo e esses questionamentos. Perguntava 
ao paciente o que tinha acontecido para que ele estivesse ali, como ele estava 
se sentindo e o que sabia a respeito do ocorrido. Falar da parte prática (o que 
ele conversou com o médico, por exemplo, e o que sabe sobre o que lhe 
aconteceu) é uma forma de ajudar o paciente a se organizar e colocar em 
 
 
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palavras (mesmo que descrevendo) sua experiência. O infarto é, além de tudo, 
uma experiência vivenciada diretamente no corpo, e quando falamos de 
experiências hospitalares, esse real do corpo é bem importante de ser escutado. 
Oferecer a escuta em um momento como esse é de grande valia, pois é 
uma forma de proporcionar ao paciente uma oportunidade de colocar em 
palavras a sua experiência que foi vivida diretamente no corpo, e quando falamos 
em manejo clínico do trauma, a escuta empática e a possibilidade de trazer para 
o campo da linguagem a experiência vivida são de suma importância. Após o 
primeiro momento de acolhida dessa experiência mais prática, podem-se abrir 
questões para reflexão e trazer à tona a posição subjetiva desse sujeito, com 
isso a possibilidade de um trabalho de análise. 
FINALIZANDO 
Eis os conteúdos mais importantes abordados nesta etapa: 
1. Jacques Lacan foi um grande releitor da obra de Freud, reafirmando, 
portanto, a importância do trauma em dois tempos e da importância da 
fantasia no que diz respeito ao trauma; 
2. Lacan entende que o sujeito é efeito da linguagem, e com isso, segundo 
ele, a aquisição da linguagem tem um efeito traumatizante no psiquismo; 
3. Há como um resto psíquico que fica da aquisição da linguagem, que Lacan 
denominará de real e tem efeito traumático no psiquismo; 
4. O resto psíquico que a linguagem não dá conta de inscrever 
psiquicamente coloca o sujeito diante da falta, ou melhor, da 
incompletude, e esse encontro faltoso Lacan entende como 
traumatizante; 
5. A passagem ao ato é uma manifestação do conteúdo traumático que não 
foi elaborado e não possui inscrição psíquica para o sujeito; 
6. A repetição que aparece tanto na passagem ao ato como no sintoma é a 
tentativa do psiquismo de elaborar e inscrever o conteúdo traumático; 
7. Um recurso de enfretamento ao real é a fantasia. O sujeito completa, pela 
via da fantasia aquilo que é vivenciado enquanto falta. Quando o sujeito 
é capaz de fantasiar, já estamos falando em um sujeito ou uma situação 
na qual se possui recursos simbólicos. 
 
 
 
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REFERÊNCIAS 
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doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. 
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Psicologia) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 
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ressonâncias clínicas na re-elaboração simbólica do repetido. Dissertação 
(Mestrado em Psicologia) – Universidade Católica de Pernambuco, Recife, 2010. 
VITORELLO, D. M. Autenticidade: o psicanalista entre Ferenczi e Lacan. Tese 
(Doutorado em Psicologia) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.

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